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Temas Básicos de Educação e Ensino
Coordenadora: Loyde A. Faustini

Dados do Catalogação na 5ublicação (CIP) lnternacional


(Càmara Brasiloira do Livro,SP, Bra§il)

Vieira, Alice.
0 prazer do texto : perspectivas para o ensino
de iiteratura / Aiice Vieira. -- São Pauio : EPU,
ig89. -- (Temas básicos de educação e ensino)

Bibliograf.ia.
ISBN 85-12-30620-3

1. Literatura -Estudo e ensino 1. Título.


11. Série,

89-2419 CDD-807

Indices para catálago sistemático:


1. Literatura : Estudo e ensino s07
Capítulo 3

Ensinando literatura?

``'Quando,nointentodeharmonizartrabalhoefesta,.osqt!eencon,tramnoslivro:_ro_t.i:_
vo~ de prózer cedem à tentação de ensinar o que, neles, leitores, é menos um saber que
-ó:ia,n Tims: Aestão
uma vivência, RaiÀha dos Cárceres da Grécia
perdidos."

0 ensino de uma disciplina envolve, necessariamente, três vértices: pro-


fessor, aluno e matéria. Embora, em sala de aula, esse triângulo desfrute
de certa autonomia, ele se vincula a fatores políticos, ecónômicós, sociais
e culturais que, direta ou indiretamente, o influenciam, determiriam e
contr.olam.
Professor, aluno e matéria possuem características que os distinguem
e aproximam, em um processo contínuo de interação. Assim, se de um
lado, professor e aluno desempenham papel ativo, agindo e reagindo a
estímulos variados, segundo caracteres diferenciados em cada indivíduo,
de outro, a matéria, objeto de ensino-aprendizagem, sofre-lhes a ação,
ao mesmo tempo em que, por sua organização interna, desçncadeia e ali-
menta essa ação.
0 professor, entretanto, pode ser considerado o vértice mais impor-
tante da relação, na medida em que detém o domínio da matéria, do sa-
ber. É por seu intermédio que o aluno entra em contato com a matéria,
limitada e selecionada pelo mestre. Além disso, cabe a ele escolher a for-
ma como esse saber será ensinado. Métodos e técnicas são também de
seu domínio. Regente de um espetáculo, o professor dirige o processo en-
sino-aprendizagem.
Sob esse enfoque procuraremos, neste capítulo, conhecer o professor
de literatura do 2? Grau. Em primeiro lugar, quanto à sua formação aca-
dêmica e profissional e, em segundo, quanto ao seu desempenho em sala
de aulá.

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3.1. Caracterização do grupo docentes têm por objetivo a obtenção de "pontos" que melhoram sua
classificação no momento da escolha de escolas e de número de aulas.
0 corpws da amostra é formado por noventa e oito professores, sendo De qualquer modo, espera-se que a realização de cursos de especializa-
35,7% do sexo masculino e 64,3% do sexo feminino. Embora a escolha
ção ou de pós-graduação, seja em literatura, seja em língua, contribua
dos professores tenha sido aleatória, esse dado, de certa forma, confirma
para a melhoria do ensino de Português.
uma das características do magistério: a predominância do sexo feminino
sobre o masculino. Esté não é o momento para se discutir as causas de 3.2. Ob5etivos do Ensino de Literatura
tal predominância, entretanto, significativamente, em nossa sociedade,
as profissões d€svalorizadas social e economicamente têm sido abando- Quando se dispõe a ministrar um curso de literatura, o professor, na-
nadas pelos homens e preenchidas pelas mulheres. turalmente, deve ter em vista determinados objetivos a serem alcançados
Dos professores entrevistados, 54,0% dão aula em um só período, no correr de um ou mais anos, dependendo do tipo de planejamento rea-
34,7qo em dois e 11,3% em três períodos. Temos assim, na amostra, um
número elevado de docentes, 46,0%, trabalhando em mais de um perío- :iez.:::andaee|::,oj:ás?bceo=s:àê=:iaa::;::âoo:já:i:.oià:ieçtá:mdien:oantees:3:hsaÉçrrj:
do. Quando se pensa que, provavelmente, grande parte dos 54,0% res- gramáticos.
Conhecendo-se os objetivos propostos peio professor, podemos ter uma
tantes tem outras ocupações nos demais períodos, pode-se concluir que
idéia mais clara do que ocorre em sala de aula, pois eles são, ou deveriam
atividades relativas à preparação de aulas e materiais didáticos, bem co-
ser, os norteadores das atividades docentes e discentes. A fim de evitar-
mo leituras de auto-aperfeiçoamento e atualização são prejudicadas pelo
mos respostas estereotipadas, mera repetição de objetivos oficiais, for-
pouco tempo disponível. mulamos a Questão 13 que indiretamente levaria o professor a explicitar
Quanto à formação acadêmica dos professores, temos: 49,0%, USP; seus objetivos.
10,2%, PUC; 2,0%, UNESP; 3,17o, Mackenzie; 27,.6%, Outras. Na amos-
tra, o percentual mais elevado aponta os professores formados pela USP. Questão 13 : "Considera importante o ensino de literatura no 2? Grau?
Por quê?
0 que, talvez, possa ser explicado pelo fato de essa instituição contar com A Tabela 1, organizada a partir das respostas levantadas, mostra-nos
maior número de alunos, tanto na Capital quanto em todo o Estado de
que os professores não se limitaram a apresentar apenas um objetivo. De
São Paulo. fato, a maioria conjugou dois ou mais objetivos, que foram levados em
Do total, apenas quatro professores são estudantes; os outroá são li- consideração quando da análise e classificação das resDostas.
cenciados. 0 que possibilita, sob esse aspecto, certa homogeneidade na
amostra, uma vez que, ao menos em teoria, todos estão habilitados para Tabela 1 - Objetivos propostos pelo professor
exercer o magistério.
No tocante ao ano do término do curso, verifica-se que a faixa de maior
90,8qo Ampliar a formação cultural e humanística do aluno
concentração situa-se no período de 1963 a 1967, 66,3q7o, corresponden-
29,67o Desenvolver, no aluno, habilidades lingüísticas
do em tempo de exercício à faixa de 1 a 20 anos.
27,6% Ampliar a compreensão do fenômeno literário
A realização de cursos de especialização parece ser uma constante en-
2,0% Preparar o aluno para o exame vestibular
tre os professores. Na amostra, pudemos verificar que a maioria, 52,0%,
1,0% Estimular uma forma de lazer
fez um ou mais cursos de especialização, ao mesmo tempo em que 6,1 %
seguiram cursos de pós-graduação, tendo obtido títulos de mestre e doutor.
As áreas mais procuradas para tais cursos foram: Literatura Brasileira Para a maioria dos professores entrevistados (90,8%), o ensino de lite-
e/ou Portuguesa: 18,4qo ; Lingüística e Semântica: 14,3% ; Filologia e Lín- ratura liga-se ao que Pellegrin chama de "função cultural do ensino da
gua Portuguesa: 6,1 q7o ; Teoria Literária e Literatura: 6,1 % ; Língua e Li- literatura" (Pellegrin, J.#: Leite,1983,177). Ou seja, mediante o conheci-
teratura: 4,1%; e Língua e Prática de Ensino: 3,0%. mento de autores e obras literárias, o aluno tem oportunidade de entrar
Somando-se os percentuais referentes aos professores que seguiram cur- em contato não só com a cultura de seu e de outros povos, mas também
sos de especialização em literatura, isoladamente ou éom outra discipli- com realidades sócio-político-econômicas próximas ou distantes no tem-
na, temos um total de 28,6% . Índice significativo, na medida em que po- po e no espaço. Tal contato ensejaria o desenvolvimento do espírito críti-
dç demonstrar o interesse e a preocupação do professor com o ensino de co, ao mesmo tempo em que ampliaria a visão de mundo do aluno, pela
liiteratura. E bem verdade que, muitas vezes, ao fazer tais cursos; alguns compreensão da evolução do pensamento huinano.

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Observando e analisando a condição humana, através dos sentimentos funções cultural e estética do ensino de literatura no 2? Grau, deveriam
e conflitos existenciais das personagens de ficção, o aluno seria levado estar presentes nos objetivos dos professores, sem que houvesse o predo-
a refletir sobre a sua própria existência, chegando a uma compreensão mínio de uma sobre outra.
mais profunda de si mesmo e do homem. Retomando a Tabela 1, deparamo-nos com duas indicações solitárias:
"preparar o aluno para o exame vestibular" e ``estimular uma forma de
A sensibilidade e o gosto artístico do aluno, também, seriam desenvol-
vidos, pois a literatura como forma de expressão artística contribui para lazer". Embora as duas indicações apresentem um percentual insigniti-
cante -2,07o e l,07o, respectivamente -elas merecem alguma refle-
que o sentimento estético seja avivado.
Vemos que o objetivo descrito valoriza, principalmente, a transmissão xão. Quanto à primeira -"preparar para o exame vestibular'' -acre-
de valores sociais, culturais e éticos, centrando-se nos conteúdos ideoló-
ditamos que, mesmo sem o declararem, muitos professores levam tal as-
giéos expressos e deixando em segundo plano os valores estéticos da obra.
pecto em consideração em seu planejamento. Pois, como verificamos em
outra questão que será analisada mais adiante, 83,4q7o dos professores
No entanto, se é verdade que a obra de arte abre perspectivas para a assi-
riilação de valores extra-literários, não podemos nos esquecer que tal frui- preocupam-se com os exames vestibulares, alterando sua programação,
a fim de que seu aluno esteja mais capacitado para prestá-los.
ção só é possível através da valorização estética, como bem notou Anatol 0 objetivo ``estimular uma forma de lazer" nos remete ao prazer que
Rosenfeld:
a literatura proporciona aos seus leitores. Curiosamente, o aspecto pra-
"A ficção é um lugar ontológico privilegiado: lugar em que o homem pode viver e con-
zeroso da literatura foi mencionado apenas por 1,0% da amostra. Esse
templar, através de personagens variadas, a plenitude da sua condição, e em que se tor- dado reforça o que dissemos no início do trabalho: a escola, como insti-
na transparente a si mesmo; lugar em que, transformando-se imaginariamente no ou-
tuição, valoriza somente um dos aspectos da literatura -o conhecimen-
tro, vivendo outros papéis e destacando-se de si mesmo, verifica, realiza e vive a sua
condição fundamental de ser autoconsciente e livre, capaz de desdobrar-se, distanciar- to. 0 outro, relativo à emoção, ao prazer, não é considerado. Esquece-se
se de si mesmo e de objetivar a sua própria situação. A plenitude de enriquecimento de que "a razão pela qual a grànde maioria das pessoas lêem poemas,
e libertação, que desta forma a grande ficção nos pode prorjorcionar, torna-se acessível romances e peças, está no fato de elas encontrarem prazer nesta ativida-
somente a quem sabe ater-se, antes de tudo, à apreciação estética que, enquanto suspen- de''. (Eagleton,1983, 205).
de o real das outras valorizações, lhes assimila ao mesmo tempo a essência e seriedade
em todos os matizes." (Rosenfeld, 1972, 48-49) Quando comparamos os objetivos propostos pelos professores aos apre-
sentados na Proposição Curricular de Língua Portuguesa, observamos a
A apreciação estética pressupõe não só a leitura de textos, mas tam- existência de uma correlação entre os mesmos. Assim, os objetivos: am-
bém um trabalho específico de conhecimento e reconhecimento da fun- pliar a compreensão do fenômeno literário, desenvolver a capacidade de
ção poética da linguagem. No entanto, parece-nos que esse aspecto nem apreender os elementos significativos da cultura, estimular a leitura, aná-
sempre é considerado, na sala de aula, tendo os professores de 2? Grau lise, discussão e produção de textos literários constituem o núcleo comum
demonstrado, em suas respostas, que a função cultural da literatura está das duas propostas.
em primeiro lugar. Desse fato podemos inferir que há uma coexistência "pacífica" entre
Com um percentual bem menor (29,6%), temos as respostas que indi- as propostas oficiais e a dos professores, o que.reforça a opinião expressa
cam como principal objetivo do professor o desenvolvimento de habili- pelos professores em relação à Proposição Curricular. Se existe, de um
dades lingüísticas. Para eles, a formação do hábito de leitura, o conheci- lado, um descontentamento quanto à indefinição de conteúdos, métodos
mento e assimilação de outras modalidades lingüísticas, a capacidade de e técnicas, há, por outro, a identificação dos objetivos.
redigir, com criatividade e imaginação, podem ser desenvolvidos através Dos dados analisados, causou-nos espanto. a diferença altamente sig-
do ensino de literatura. nificativa `entre o percentual dos que citaram como objetivo: (90,8%)` 'am-
São poucos (27,6qo) os professores que têm como objetivo ampliar a pliar a formação cultural e humanística do aluno e (27,6%) a compreen-
compreensão do fenômeno literário. Há uma certa ironia no fato de um são do fenômeno literário. Ficou evidente que não existe um equilíbrio
objetivo que, a nosso ver, deveria ser o ponto de partida para qualquer entre os dois, mas, antes, o predomínio do primeiro sobre o segundo. 0
trabalho com literatura, não ser apontado pela maioria dos professores. que nos leva a pensar que o ensino de literatura nas escolas da nossa amos-
Sabemos que, em .um curso de literatura. devem ser criadas condições tra passa por uma desfiguração, no que se.refere a seus objetivos'. Com
para que o adolescente apreenda elementos extra-literários - culturais, efeito, se o objeto do ensino de literatura não merece a atenção dos pro-
sociais, políticos -o que lhe, facultaria uma formação integral; contudo, fessores de literatura, em que momento de sua vida escolar esses alunos
parece-nos que sua formação permanecerá incompleta e insuficiente se terão oportunidade de apreender e compreender os ,elementos que possi-
a própria essência do texto literário não for conhecida e dominada. As bilitam a construção e organização de um texto literário?

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Parece-nos extremamente necessário que haj a entre os professores um Quando sabemos que, nas escolas, a maioria dos alunos não tem do-
mínio semântico satisfatório, desconhece inúmeras estruturas sintáticas
questionamento mais crítico em relação às metas do ensino de literatura,
e possui um nível de compreensão aquém do desejado, vemos o quanto
para que o estudo de obras literárias não sirva, apenas, de pretexto para é incoerente iniciar-se um curso de literatura com textos do século XVI
a transmissão de valores.
ou XVII. que demandam o conhecimento, não só de uma norma culta
anacrônica, mas também de situações e realidades distantes.
3.3. 0 Professor e seu A]uno
Vários estudiosos têm se manifestado a esse respeito e, dentre eles, gos-
A opinião dos professores a respeito da atitude de seus alunos diante taríamos de transcrever a opinião de Bosi:
de textos literários e do ensino de literatura fornece-nos elementos im- "Quanto à literatura brasileira, o estudo literário já está se tornando muito difícil mes-
portantes para uma melhor compreensão do que ocorre em sala de aula. mo se quisermos seguir uma ordem cronológica para o curso secundário. 0 critério não
Esteada na experiência, nos anos de magistério, no contato diário com funciona, está duplamente errado! não funciona em termos de comunicação, nem em
termos de tempo escolar. De modo que uma sugestão seria a de começar por textos em
os jovens, no conhecimento da problemática que envolve o ensino, sua linguagem acessível que é afinal o que se tem feito.
opinião torna-se imprescindível e sobremaneira válida. (...) Temos que aceitar que o adolescente tem um mundo de experiência mais restrito
Para a maioria, seus alunos demonstram prazer e interesse pelo ensino e que é preciso começar pelo conhecido e, depois, aventurar-se pelo desconhecido." (Bosi,
de literatura e por textos literários. Interesse e prazer condicionados à na- i.#: Rocco, 198la, 102-103)

tureza dos textos e das obras literárias indicadas e estudadas, bem como Porém, o ensino cronológico da literatura não constitui "privilégio"
ao entusiasmo demonstrado pelo próprio mestre. Nesse sentido, a influên- dos estudantes brasileiros; vários países seguem tal metodologia. A lite-
cia positiva ou negativa do professor tem grande peso no desempenho dos ratura é dividida por séculos e começa-se sempre pelo mais distante para
estudantes. se chegar ao atual, o que raramen`te ocorre, já que o tempo é pouco para
De acordo com seus professores, os alunos preferém textos contempo- um conteúdo tão éxtenso.
râneos, de estrutura narrativa tradicional, isto é, com personagens bem- Discutindo a esse respeito, Roland Barthes critica o ensino de literatu-
definidas, sem fragmentação temporal, espacial ou lingüística. Ao mes- ra que parte de um ponto de vista pseudo-genético, e propõe que ele seja
mo. tempo em que se inclinam à leitura de contos e crônicas, romances iniciado com textos contemporâneos, pois, assim, não se verão mais:
de aventuras, policiais e ficção científica, rejeitam os textos considérados "(. ..) pobres estudantes obrigados a estudar, em primeiro lugar, o Século XVI, do qual
"clássicos' ' que, por sua temática e complexidade lingüística, exigem lei-
mal compreendem a linguagem, sob o pretexto de que ele vem antes do Século XVIII.' '
tores mais experientes e amadurecidos, poucas vezes encontrados nas es- (Barthes, !.#: Doubrovsky & Todorov,1971,177 [tradução nossa])
colas de 2? Grau. Existem certas tradições dentro da escola, muitas vezes difíceis de se-
Se grande parte dos docentes emrevistados reconhece que seus alunos rem rompidas. 0 ensino de literatura em sua linearidade cronológica é
aceitam de melhor boa vontade textos contemporâneos, por que 83 ,7q7o uma delas. Se tal procedimento era aceitável em outras épocas, quando
dessesprofessoresiniciamseuscursos.seguindoalinhacronológicadahis- os alunos chegavam ao curso secundário dominando a linguagem culta,
tória da literatura? hoje se mostra inadequado, pois a maioria das escolas trabalha com ou-
Seria pela tradição, porque os livros de história da literatura e ma- tro tipo de aluno. Talvez o medo do desconhecido, em termos de ensino,
nuais didáticos assim o fazem, em obediência à classificação tradicional? impeça os professores de tentarem algo de novo que quebre a barreira
1? ano -Literatura de lnformação, Barroco e Arcadismo; 2? ano - do ensino-cronológico. Por outro lado, encontramos ll,27o dos profes-
Romantismo, Realismo e Simbolismo} 3? ano -Pré-modernismo e Mo- sores que iniciam seus cursos com autores contemporâneos. Embora o
dernismo. percentual seja muito baixo, já se vislumbram indícios de possíveis mu-
Evidentemente, não se discute aqui a apresentação da história da lite- danças.
ratura em sua linha cronológica, em livros especializados de teoria, mas Aprincipalqueixadosprofessoresrefere-seàfaltadehábitodeleitura
sim a transposição direta desse conhecimento para a escola de 29 Grau. em geral e ao desinteresse pela leitura das obras literárias indicadas no
De modo geral, não se levam em conta fatores ligados ao processo ensino- curso. 0 que corrobora a idéia de que os jovens não gostam de ler e pre-
aprendizagem, seguindo-se, parece, as recomendações feitas pelos jesuí- ferem "assistir televisão" - como disseram alguns professores - con-
tas, quando advertiam no Ratio: "Na preleção só se expliquem os auto- firmando as pesquisas realizadas em outros países. Todavia, o fato de os
alunos não se interessarem pelos livros indicados não será conseqüência
res antigos, de modo algum, os modernos." (Apud Fontes, 1982, 152).
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da inadequação da escolha das obras literárias? Pois se a abordagem se- trando uma relação de dependência que se prolonga e se intensifica em
gue o critério cronológico, evidentemente as leituras indicadas, ao menos nossos dias.
nos dois primeiros anos, estão distantes no tempo e da realidade dos alu- A dependência aõ manual explicar-se-ia, de um làdo, pelas condições
nos, o que acarreta uma desmotivação crescente em relação à leitura e, nem sempre favoráveis em que o professor realiza seu trabalho: salários
no 3? ano, já não há tempo para formar-se o gosto e o hábito da leitura. baixos, instalações precárias, falta de bibliotecas, livros caros, poucas aulas
Cursos de literatura que se iniciam com textos de autores contemporâ- semanais, alunos cansados e desinteressados, sobretudo nas escolas esta-
neos, de linguagem e temática mais próximas dos alunos, certamente são duais ou nas particulares cujos alunos têm menor poder aquisitivo (difi-
mais estimulantes e favorecem a formação de leitores. Ainda que outros culdades apontadas` pelos professores). De outro, pela falta de preparo
fatores, tais como a expansão da indústria cultural, a não formação do pedagógico, ou talvez, pelo medo de romper estruturas tradicionais de
hábito de leitura nos primeiros anos de vida, as deformações adquiridas eíisino (é mais fácil reproduzir do que transformar).
no 1? Grau em relação aos livros, pesem, e muito, no gosto ou não pela Sem tempo para preparar as aulas ou, em alguns casos, sem saber co-
leitura, algo deve ser feito, e poderíamos começar mudando o próprio mo prepará-las, a maioria dos professores encontra no livro didático não
enfoque do ensino de literatura nas escolas. um recurso, mas antes, um condutor de suas aulas e cursos.
E quando nos detemos nos programas desses manuais, observa-se, cla-
3.4. 0 Professor e o Livro Didático ramente, que não há mudanças substanciais em relação ao antigo Pro-
grama Oficial de Literatura da Cadeira de Português. Embora a apresen-
Livro didático: um recurso, entre outros, colocado à disposição do pro- tação dos conteúdos não seja tão aprofundada, sua distribuição nos três
fessor para favorecer o trabalho pedagógico, ou condutor do processo anos do 2? Grau, bem como os tópicos mencionados se assemelham. Em
de aprendizagem em sala de aula? Qual a opinião do professor sobre o geral, há uma visão cronológica de toda história da literatura brasileira
manual adotado em suas aulas de literatura? e de suas relações com a portuguesa. Conteúdo extenso, abrangendo mais
As indagações acima serviram de fio condutor às questões propostas de cinco séculos de informações sobre períodos literários, autores e obras.
aos professores, no intuito de estabelecer o papel desempenhado pelo li- À visão tradicional do ensino de literatura apresentada pelos livros di-
vro didático, na sala de aula. dáticos, acrescenta-se outro fator: os exames vestibulares. A escolha de
Confirmando o que, de certa forma, constitui senso comum no meio excertos de obras literárias, a elaboração de determinados tipos de exer-
acadêmico, 61,7% dos professores entrevistados adotam um manual em cícios, a reprodução de provas já realizadas demonstram o quanto o ves-
seus cursos. Porcentagem que cresce significativamente quando se trata tibular faz parte das preocupações dos autores desses manuais. Evidente-
de seguir os roteiros de análise de textos aí apresentados, pois apenas 8,2% mente, alguns deles abordam o fenômeno literário e o estudo da língua
dos docentes não os consultam para preparar suas aulas. materna de forma diferente. No entanto, são a exceção e não a regra.
Esses números esclarecem o índice elevado de professores que não ex- Osman Lins, ha análise que fez de vários livros didáticos de Português,
plicitou seu método de trabalho com textos literários. Naturalmente não cheggu a esta triste conclusão em relação ao ensino de literatura neles apre-
defendemos a adoção de um único método quç possa ser aplicado a qual- sentado:
"Pode ser, não discuto, que esses livros ensinem Português com eficiência. Mas os que
quer texto. No entanto, é necessário que se ofereça ao aluno uma certa
sistematização de análise para o estudo de texto. E nesse sentido, o pro- neles estudam, fatalmente, a não ser por um milagre, passarão a considerar a literatura,
esse importante produto do espírito humano, como algo desprezível e secundário. E se
fessor estaria mais capacitado do que o autor do livro didático, pois con-
tal situação não for modificada, seremos, até o fim dos tempos, um povo avesso à leitu-
vivendo com seús alunos, conhece suas possibilidades e dificuldades de ra, continuando a ignorar, como ignora, os seus próprios escritores. Um povo surdo
leitura, podendo encaminhá-`los da melhor maneira na descoberta de sig- à sua própria alma." (Lins, 1977, 143-144)
nificados de textos.
Adotado pela maioria dos professores, maioria que se torna altamente
3.5. Professor - Vestibular
significativa entre os que lecionam na rede oficial, o manual didático é
alvo de críticas severas. Incompleto, limitado, bloqueador de atitudes cria- Os exames vestibulares constituem outro aspecto importante do ensi-
tivas e críticas. Tais opiniões complementam-se sempre com a valoriza- no de literatura, no 2? Grau. Os dados da amostra foram significativos:
ção do trabalho docente, ressaltando-se a necessidade de pesquisa a ou- 83.4q7o dos professores que lecionam no terceiro ano preocupam-se com
tras fontes, leituras de obras completas e aprofundamento de conteú- esses exames, alterando sua programação de acordo com os conteúdos
dos. No entanto, continua sendo adotado e lido em sala de aula, demons- neles avaliados. Entre os docentes das escolas particulares, essa atitude

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é mais observada, talvez, por estarem mais sujeitos a pressões de alu- Problemas e soluções apresentados inserem-se em um contexto social
nos .e pais que vêem o 2? Grau apenas como trampolim para a uni- mais amplo, não cabendo, desse modo, apenas ao professor, ou à escola,
versidade, bem como dos proprietários das instituições que têm entre propiciar as mudanças necessárias.
seus objetivos apresentar um alto índice de alunos aprovados nos ves- Se é verdade que muitas situações podem ser transformadas pela prá-
tibulares. xis pedagógica, soluções mais eficazes dependem de uma política educa-
0 2? Grau privilegia assim seu caráter de continuidade, na medida em cional voltada para a melhoria do ensino como um todo.
que direciona seus esforços na preparação de alunos para as universida-
des, não considerando que, efetivamente, poucos jovens terão oportuni-
dade de continuar seus estudos.
Em conseqüência dessa visão limitada, o ensino de literatura sofre trans-
formações pouco desejáveis e favoráveis, em termos da formação de lei-
tores, uma vez que os exames vestibulares, como será visto em outro ca-
pítulo, valorizam excessivamente a história da literatura, pedindo dos can-
didatos a mera reprodução de dados (nem sempre pertinentes) relativos
a características de períodos, autores e livros. A leitura de obras, bem co-
mo a capacidade de análise e reflexão, poucas vezes são consideradas pe-
los examinadores.

3.6. Problemas - Soluções


"A situação é muito precária. Os livros didáticos em geral são ruins, as condições das
escolas (salários, carga horária, autarquia etc.) também e não há muitas perspectivas.
Parece que as possibilidades de se fazer um bom trabalho ficaram nas mãos do profes-
sor, que não tem muitas condições para tal. Acho que tudo vai melhorar quaiido outras
modificações, mais amplas, começarem a influenciar nosso trabalho, e a `cabeça' dos
alunos."

A resposta acima, dada por um professor da rede estadual, exemplifi-


ca com clareza a situação do ensino em geral. Correndo de uma escola
para outra, dando um número excessivo de aulas, adotando livros didáti-
cos mal-elaborados, sem dinheiro para comprar livros, com classes nu-
merosas, pressionado pelos exames vestibulares, eis o retrato do profes-
sor de literatura.
Contudo , boa parte ainda é otimista e manifesta vontade de aperfeiçoar-
se, de melhorar suas aulas, de discutir criticamente os conteúdos ensina-
dos, de colaborar ativamente em rmdanças.
Enquanto mudanças estruturais não ocorrem, eis algumas das suges-
tões apresentadas pelos docentes: melhores condições de trabalho, salá-
rios mais altos, disponibilidade de recursos e materiais didáticos, aumen-
to do número de aulas semanais de literatura, criação de bibliotecas e de
centros culturais, barateamento de livros , reformulação da Proposta Cur-
ricular, melhoria dos manuais didáticos, ensino de literatura desde o 1?
Grau, integração das diversas disciplinas, ampliação de encontros e de-
bates entre professores para troca de experiências.
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