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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SP

Karina Alves Biasoli Stanich

O direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e o espaço da creche:


representações sociais de estudantes do curso de Pedagogia

Doutorado em Educação: Psicologia da Educação

São Paulo

2018
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP

Karina Alves Biasoli Stanich

O direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e o espaço da creche:


Representações sociais de estudantes do curso de Pedagogia

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Doutora em Educação: Psicologia da Educação,
sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Clarilza Prado de
Sousa.

São Paulo

2018
BANCA EXAMINADORA

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____________________________________________
Este trabalho contou com financiamento do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq).
Dedico este trabalho a todos os brasileirinhos
e brasileirinhas que aguardam por uma vaga na
creche. Que suas vozes e suas ações sejam ouvidas
e vistas por todos!
AGRADECIMENTOS

Ao CNPq, pela bolsa de estudos que financiou o desenvolvimento desta pesquisa.

Aos professores, colegas e funcionários do Programa de Pós-graduação em


Educação: Psicologia da Educação, que, de todas as formas possíveis, contribuíram para
minha formação.

À minha querida e inspiradora orientadora, Professora Doutora Clarilza Prado


de Sousa, por sua generosidade, comprometimento e cuidadoso acompanhamento durante a
construção de minha trajetória acadêmica. Sua parceria em todos os momentos vividos, nesses
últimos seis anos, ultrapassou os limites da academia, deixando laços de carinho e amizade que
guardarei para toda a vida!

Às Professoras Adelina de Oliveira Novaes, Ana Merces Bahia Bock, Emília


Maria Bezerra Cipriano Castro Sanches e Lucia Pintor Santiso Villas Bôas, por suas
valiosas contribuições oferecidas durante o Exame de Qualificação, as quais procurei incorporar
à redação final deste trabalho.

À Fundação Carlos Chagas, nomeadamente ao Departamento de Pesquisas


Educacionais, no qual tive a oportunidade de aprofundar meus estudos por meio dos materiais,
seminários e conversas generosamente ofertados por intermédio de seus pesquisadores e
funcionários.

Às queridas Lúcia Pintor Santiso Villas Bôas, Adelina de Oliveira Novaes e


Andrea Ponzzetto, pela parceria em todos os trabalhos realizados a partir do referencial
teórico das Representações Sociais.

Às queridas Beatriz Abuchaim, Eliana Behering e Karina Fasson, pelos


ensinamentos e trabalhos compartilhados que ampliaram meu olhar sobre as políticas públicas
voltadas para a infância.

À irmandade formada, ao longo dessa trajetória, com Ana Carolina Salgado Jardim,
André Felipe C. Santos, Denise M. Alexandre, Elizabeth Feffermann, Márcia Gouveia
Lousada, Nadja R. da Silva, Tânia Regina B. P. Morgado e Vanusa R. Coêlho.

Aos amigos do Direito, que há 25 anos me veem estudando e continuam me apoiando:


Célia Aparecida da Silva, Edlaine Y. Melo, Juliana dos Santos Gomes, Julio Cezar Y.
F. Camargo, Luciana C. Leandro, Maria Aparecida Corrêa, Sandra M. Benedetti e
Sandra V. Suhogusoff.

À querida amiga Iria Helena Bertolin, pelos socorros às questões práticas da vida e
à sua torcida sempre animada.

À querida Professora Helena Lima, que durante todo esse percurso fez parte da
torcida ativa que vibrava, lia os textos e sempre trazia palavras de consolo, força e valiosas
considerações para o texto.

Aos familiares e amigos que, de perto ou de longe, contribuíram e torceram para que
esse dia chegasse.

Agradeço, especialmente, aos meus pais, Reinaldo Biasoli e Terezinha Alves


Biasoli, às minhas irmãs Kelli A. Biasoli e Keila A. Biasoli, e ao meu cunhado José
Eduardo Maruca, que, nos momentos mais difíceis da vida, permaneceram ao meu lado e me
ofereceram todo o apoio necessário para que fosse possível sacodir a poeira e seguir em frente.

À minha sobrinha, Isadora B. Maruca, que, do alto dos seus sete anos, impôs-se a
tarefa de ler e “corrigir” o texto dos agradecimentos, e, ainda, pelo orgulho sempre demonstrado
por ter uma tia professora.

Ao meu filho, Theo Biasoli Stanich, minha eterna gratidão por ter sido sempre tão
companheiro e compreensivo. Ao longo desses seis anos de estudo, assistimos a várias aulas,
participamos de congressos, demos conta das orientações, fizemos inúmeras pesquisas em
bibliotecas e os aprendizados compartilhados nesse percurso foram tantos! Você foi o melhor
acompanhante de mestrado e doutorado que eu poderia ter tido nessa vida! Uma alegria, ao final
desse processo, ouvir sua conclusão sobre a temática contando com apenas onze anos de idade:
“Mãe, coloca na tua tese que o governo precisa cuidar melhor da Educação, porque as crianças
são o futuro desse país!”
RESUMO

O direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e o espaço da creche: representações sociais de


estudantes do curso de Pedagogia

Karina Alves Biasoli Stanich

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/1996)


constituíram-se como as primeiras iniciativas para a construção de uma política pública que
assegurasse, entre os direitos sociais e fundamentais, a educação de crianças de 0 a 3 anos, em
creches. Revestido pelo status de direito público subjetivo, de caráter universal, equiparado ao
direito à vida e à liberdade, o direito à educação das crianças de 0 a 3 anos tornou-se exigível,
judicialmente, nos casos de não oferta ou oferta irregular pelo ente público competente.
Apesar das inovações jurídicas, permaneceu, na prática, um descompasso entre os aspectos
normativos e as reais condições dos equipamentos públicos que sequer conseguiam dar conta
da demanda por acesso. Considerando que o Direito se configura como um conhecimento
científico que comporta uma dimensão simbólica verifica-se que sua efetividade se encontra
condicionada às lutas e negociações empreendidas por meio da comunicação na esfera social.
E, mais ainda, tais comunicações envolvem conceitos específicos acerca de sua titularidade que
comportam concepções de criança, de educação e representações sobre o papel da família e o
próprio espaço da creche que podem diferir conforme o grupo e sua inserção espaço-temporal.
Desenvolvido sob o aporte teórico-metodológico da teoria das representações sociais, o presente
estudo teve por objetivo oferecer um quadro analítico sobre o modo como os estudantes do
curso de Pedagogia, de uma universidade situada na cidade de São Paulo, compreendiam e
representavam o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos, bem como o espaço da creche.
A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de três instrumentos: um questionário
para o levantamento do perfil dos participantes; outro contendo questões abertas com o objetivo
de captar os depoimentos dos estudantes sobre o direito à educação e a creche; e um terceiro
composto por três cenários projetados configurados em forma de situações-problema, com o
objetivo de captar as respostas desses estudantes que permitissem apreender as três dimensões
que constituem uma representação social: informação, campo de representação (imagem) e
atitude. Para a sistematização e análise dos dados coletados utilizou-se o procedimento de
análise de conteúdo. Os resultados indicaram que não há uma representação construída por esse
grupo de estudantes sobre o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos, mas outras famílias
representacionais que se articulam em torno do conceito de educação, do papel atribuído às
famílias e ao próprio espaço da creche.

Palavras-chave: Dimensão simbólica do Direito. Educação. Creche. Representações Sociais.


ABSTRACT

The right to Education of children from 0 to 3 years old and the daycare center/nursery space:
social representations of students in the Pedagogy course

Karina Alves Biasoli Stanich

In Brazil, the Federal Constitution of 1988, together with the Law on Guidelines and Bases
(Law 9.394 / 1996), constituted the first initiatives for the construction of a public policy that
would ensure, among social and fundamental rights, the Education of children from 0 to 3 years
old in daycare center/nurseries. Covered by the status of subjective public law, of a universal
character, equated with the right to life and freedom, the right to education of children from
0 to 3 years old has become legally enforceable in cases of non-offer or non-regular offer
by the competent public entity. In spite of the legal innovations, what happened in practice
was a mismatch of the normative aspects and the real conditions of the public equipment that
could not even meet the demand for access. Considering that Law is configured as a scientific
knowledge that carries a symbolic dimension, it is verified that its effectiveness is conditioned
to the struggles and negotiations undertaken through communication in the social sphere.
Moreover, such communications involve specific concepts about their ownership that include
conceptions of children, education and representations about the role of the family and the very
space of the daycare center/nursery that may differ according to the group and their spatio-
temporal insertion. Based on the theoretical and methodological contribution of the theory of
social representations, the present study had as objective to offer an explanatory frame about
the way in which the students of the Pedagogy course, of a university situated in the city of
São Paulo, understood and represented the right to education of children from 0 to 3 years
old, as well as the daycare center/nursery space. Data was gathered through the application
of three instruments: a questionnaire/survey to find out the participants’ profile; another
questionnaire/survey containing open questions with the aim of capturing students’ opinions
on the objects entitled to “education” and “daycare center/nursery”; and a third questionnaire/
survey, composed of three scenarios designed in the form of problem-situations in order to
capture the representations of these students from the three dimensions that constitute a social
representation: information, image and attitude. For the systematization and analysis of the
data collected, the content analysis procedure was used. The results indicated that there is no
representation built by this group of students on the right to education of children from 0 to 3
years old, but there are other representational families that are articulated around the concept of
education, the role assigned to families and to the space itself of daycare center/nursery.

Keywords: Symbolic dimension of Law; Education; Daycare center/Nursery, Social


Representations.
RÉSUMÉ

Le droit à l’Éducation des enfants de 0 à 3 ans et l’espace de la garderie: représentations sociales


des étudiants dans le cours de Pédagogie

Karina Alves Biasoli Stanich

Au Brésil, la Constitution Fédérale de 1988, ainsi que la loi des lignes directrices et des bases
(Loi 9.394 / 1996), se sont constituées comme les premières initiatives pour la construction d’une
politique publique qui assurerait, parmi les droits sociaux et fondamentaux, l’éducation des
enfants de 0 à 3 ans dans les garderies. Revêtu par le statut du droit public subjectif de caractère
universel, équivalent au droit à la vie et à la liberté, le droit à l’éducation des enfants de 0 à 3 ans
est devenu exigible devant les tribunaux en cas de non-fourniture ou de fourniture irrégulière
par l’entité publique compétente. Malgré les innovations juridiques, ce qu’on a vérifié dans
la pratique a été un écart entre les aspects normatifs et les conditions réelles des équipements
publics qui ne pouvaient même pas répondre à la demande d’accès. Si l’on considère que le Droit
se configure comme une connaissance scientifique qui comprend une dimension symbolique,
on vérifie que son efficacité est soumise aux luttes et aux négociations qui sont entreprises à
travers la communication dans la sphère sociale. De plus, ces communications impliquent des
concepts spécifiques au sujet de la titularité qui comprennent des conceptions sur l’enfant,
sur l’éducation et sur les représentations à propos du rôle de la famille et de l’espace de la
garderie lui-même qui peuvent différer en fonction du groupe et de son insertion espace-temps.
Développée à partir des apports théoriques et méthodologiques de la théorie des représentations
sociales, cette étude a visé à offrir un panorama explicatif de la façon dont les étudiants du cours
de Pédagogie d’une Université située dans la ville de São Paulo comprenaient et représentaient
le droit à l’éducation et à l’espace de la garderie des enfants de 0 à 3 ans. Le recueil de données
a été réalisé à travers l’application de trois instruments : un questionnaire pour la vérification
du profil des participants ; un autre questionnaire contenant des questions ouvertes dans le but
d’obtenir les opinions des étudiants sur les objets « droit à l’éducation » et « garderie » ; et
un troisième questionnaire composé de trois panoramas organisés sous forme de situations-
problèmes afin d’identifier les représentations de ces étudiants à partir des trois dimensions
qui constituent une représentation sociale : information, image et attitude. Pour l’utilisation
et l’analyse des données recueillies, la procédure de l’analyse de contenu a été utilisée. Les
résultats ont indiqué qu’il n’y a pas de représentation construite par ce groupe d’étudiants sur
le droit à l’éducation des enfants de 0 à 3 ans, mais d’autres familles de représentations qui
s’articulent autour du concept d’éducation, du rôle attribué aux familles et à l’espace de la
garderie lui-même.

Mots-clés: Dimension symbolique du Droit ; Éducation ; Garderie ; Représentations Sociales.


LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Número e porcentagem de idosos (60 anos e +) Brasil: 1950-2100.................. 33

Gráfico 2. Declínio da população em idade ativa (PIA) e a onda idosa............................. 34

Gráfico 3. Distribuição percentual da população residente, por grupos de idade – Bra-


sil 2004-2060............................................................................................................ 35

Gráfico 4. Taxa líquida de frequência escolar por idade e etapa......................................... 38

Gráfico 5. Idade dos participantes........................................................................................... 97

Gráfico 6. Tempo de atuação na área da educação................................................................ 98

Gráfico 7. Rede de ensino onde atuam os participantes....................................................... 99

Gráfico 8. Etapa da Educação Básica onde atuam................................................................. 99

Gráfico 9. Etapas que compõem a Educação Básica, segundo os participantes ............... 102

Gráfico 10. Idade em que a matrícula de crianças se torna obrigatória segundo os par-
ticipantes.................................................................................................................. 103

Gráfico 11. Responsabilidade administrativa das creches públicas, segundo os partici-


pantes........................................................................................................................ 104

Gráfico 12. Responsabilidade pela educação de crianças de 0 a 3 anos, segundo os par-


ticipantes.................................................................................................................. 106

Gráfico 13. Para que existe a creche pública, segundo os participantes............................... 111

Gráfico 14. Para quem a creche pública foi feita, segundo os participantes........................ 114
LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Tábua completa de mortalidade – homens e mulheres 2014............................. 36

Tabela 2. Proporção de pessoas com 60 anos de idade ou mais, com limitação funcio-
nal para realizar atividades de vida diária (AVD), conforme o sexo e grupos
de idade..................................................................................................................... 36

Tabela 3. Cargo ou função – participantes que atuam na área da educação.................... 100

Tabela 4. Cargo ou função – participantes que não atuam na área da Educação............ 100
LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Organização das etapas da Educação Básica, segundo art. 2.º da Resolução
3, de 3 de agosto de 2005........................................................................................ 58

Quadro 2. Matriz de referência................................................................................................ 91


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 15

1 A CRIANÇA, A INFÂNCIA E A EDUCAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLO-


GIA DA INFÂNCIA E DA FILOSOFIA............................................................................ 25

1.1 O lugar da criança e da infância............................................................................. 25

1.2 O lugar da educação na infância............................................................................ 39

2. O DIREITO À EDUCAÇÃO COMO DESDOBRAMENTO DOS DIREITOS HU-


MANOS.................................................................................................................................. 47

2.1 As diferentes gerações dos direitos humanos....................................................... 47

2.2 O direito à educação e a constituição da creche como espaço educativo na


Constituição Federal brasileira de 1988................................................................ 55

3. A DIMENSÃO SIMBÓLICA DO DIREITO E AS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA


DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ................................................................................. 77

3.1 A dimensão simbólica do direito........................................................................... 77

3.2 Contribuições teórico-metodológicas da Teoria das Representações Sociais . 85

3.3 O percurso metodológico........................................................................................ 89

3.3.1 Dos participantes do estudo .................................................................... 89

3.3.2 Dos instrumentos e dos procedimentos de coleta dos dados ............. 90

3.3.3 Dos procedimentos de análise dos dados coletados ............................. 95

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS....................................... 97

4.1 Descrição do perfil dos participantes.................................................................... 97

4.2 Elementos que compõem as representações sociais de alunos de Pedagogia


sobre o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e o espaço da creche...... 101

4.2.1 Informação – marcos legais e estrutura da Educação Básica............... 101

4.2.2 Campo de representação – Titularidade do direito à educação........... 105

4.2.3 Campo de representação – O espaço da creche, seu papel social e o


público atendido........................................................................................ 110

4.2.4 Atitude – Análise dos cenários projetados............................................. 116


CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................... 128

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 134

APÊNDICES

APÊNDICE A – Detalhamento por Distrito/Setor da demanda por creche cadastrada


na Secretaria Municipal de São Paulo...................................................... 144

APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)............................. 157

APÊNDICE C – Questionário 1 – Perfil dos participantes................................................. 158

APÊNDICE D – Questionário 2 – A estrutura da Educação Básica e o direito à edu-


cação de crianças de 0 a 3 anos; o espaço da creche, seu papel social
e o público atendido.................................................................................... 159

APÊNDICE E – Cenários projetados.................................................................................... 162


15

INTRODUÇÃO

A escolha pela temática “O direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e a constituição


da creche como lócus onde esse direito é exercido” parte da consideração de que o Direito se
configura como instituto socialmente construído, com trâmites próprios, nem sempre acessível
a todos, dados os seus códigos, suas regras e sua linguagem particular.

Possuindo uma formação na área do Direito e outra na área da Educação, ao longo de


minha trajetória, pude perceber alguns embates empreendidos entre aquilo que dizia respeito à
normatividade de um direito abstrato e sua aplicabilidade na vida cotidiana. Do mesmo modo,
a dificuldade estabelecida entre os operadores do Direito, de cotejar aspectos factuais em suas
demandas, e os profissionais da área da Educação, de acessar os códigos e regras próprios da
esfera jurídica.

Por esse motivo, delimitou-se a temática do presente estudo, entre as áreas do Direito
e da Educação, com o objetivo de oferecer uma melhor compreensão sobre o modo como os
estudantes de Pedagogia compreendem e representam o direito à educação de crianças de 0 a 3
anos e o espaço da creche como local onde se exerce tal direito.

No Brasil, o espaço da creche configura-se, atualmente, como a primeira etapa da


Educação Básica, inserida na educação infantil e, também, como único espaço ou política
pública de atendimento educativo para crianças de 0 a 3 anos, conforme dispositivos legais
constantes da Constituição Federal de 1988, art. 208, IV, e da Lei de Diretrizes e Bases, Lei
9.394/1996, arts. 29 e 30.

Analisar o direito à educação dessa faixa etária e a constituição do espaço da creche


como local onde esse direito se exerce implica compreender os desdobramentos jurídicos
que culminaram com sua positivação e, sobretudo, o modo como tais desdobramentos foram
interpretados, validados, recortados e representados na esfera social.

Tomar o direito à educação e o espaço da creche como objetos de análise impõe


considerar que tal direito e tal espaço não se encontram estabelecidos a priori, mas resultaram
da construção e reconstrução decorrente da atividade humana perante os seus carecimentos,1 na

1
Termo utilizado por Bobbio (2004) para indicar as reivindicações por direitos empreendidas na esfera social,
as quais surgiram a partir da fixação dos direitos humanos à vida e à liberdade e se desdobraram em reivin-
dicações especificamente voltadas para assegurar a fruição desses primeiros, constituindo-se nas diferentes
gerações de direitos humanos que se observam na atualidade (direitos fundamentais, sociais e difusos ou
coletivos).
16

tentativa de assegurar a vida e a dignidade humana, marcada por um espaço simbólico de luta e
ação, empreendido na esfera social (PIOVESAN, 2006, p. 37).

No caso específico do direito à educação de crianças de 0 a 3 anos, há um elemento


político que necessita ser cotejado, relacionado à intenção legal de universalização do acesso, e
a impossibilidade política de assegurar a todos o direito proclamado por falta de estrutura física
e material, que tem deixado à margem de tal atendimento milhares de crianças em todo o Brasil.

Somente no município de São Paulo, no ano de 2012, havia um total de 166.462


crianças de 0 a 3 anos em lista de espera por uma vaga em creche (Apêndice A). Contudo,
não há informações precisas sobre a demanda real que se encontra fora das listas organizadas
pelas secretarias, uma vez que o atendimento pode ser feito por instituições de caráter privado
e filantrópico, fiscalizados por órgãos próprios, ou realizado de modo clandestino, sem que haja
qualquer supervisão por parte do poder público.

A dissonância entre o direito proclamado e as condições efetivas de acesso pode ser


exemplificada por meio das demandas judiciais que, ante a incapacidade política de atender a
todos, objetivam assegurar o exercício do direito à educação, sinalizando que a concretização da
universalização pretendida, pelo legislador, ainda está distante do cotidiano de muitas crianças.

Para compreender a magnitude e as características desse conflito, bem como o modo


como a percepção se altera conforme o grupo que se investiga, tomaram-se, como exemplo, as
demandas que chegaram ao Poder Judiciário no Estado de São Paulo.

Apenas na Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos da Infância e da


Juventude da Capital de São Paulo, entre os anos de 2000 a 2010, tais demandas representaram
oitenta por cento do volume total de serviços (SOUZA, 2010).

No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, entre os anos de 2006 a 2008, das 485
decisões proferidas relacionadas ao direito à educação 175 diziam respeito à educação infantil
e 83% delas estavam relacionadas à demanda por vaga em creche (SILVEIRA, 2010, p. 109).

Se por um lado a universalização do direito à educação atende e decorre dos anseios


sociais democráticos de conceber a educação como parte essencial do desenvolvimento humano
em todas as etapas de sua vida e meio de assegurar um dos princípios que compõem o direito
humano à dignidade, por outro, dada a precariedade da oferta com relação ao acesso, sem tecer
considerações específicas do que seria a qualidade desse atendimento, fez-se necessário analisar
tal fenômeno de uma perspectiva que considere o conflito a partir de seus contextos simbólicos
(OLIVEIRA, 2010) na tentativa de oferecer uma melhor compreensão sobre o modo como tal
17

preceito jurídico se situa no interior de grupos sociais específicos e é por estes compreendido e
vivenciado.

Do ponto de vista do Poder Judiciário, tais demandas que visavam assegurar o direito à
educação de crianças de 0 a 3 anos passaram a ser norteadas de forma positiva, sobretudo após o
posicionamento do Supremo Tribunal Federal ilustrado pelos históricos julgamentos proferidos
pelos Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que, em sede de Recurso Extraordinário
respectivamente representado pelos julgamentos números 431.773,2004 e 410.715-5, de
2005, trataram de reforçar a prioridade do acesso à educação infantil, da qual a creche é parte,
afastando, de plano, quaisquer justificativas que tivessem o claro objetivo de, dolosamente,
exonerar o Poder Público do cumprimento de suas obrigações constitucionais.

Conforme preceitua o artigo 208, inciso IV, da Carta Federal, consubstancia dever
do Estado a educação, garantindo o atendimento em creche e pré-escola às crianças
de zero a seis anos de idade. O Estado – União, Estados propriamente ditos, ou seja,
unidades federadas, e Municípios – deve aparelhar-se para a observância irrestrita dos
ditames constitucionais, não cabendo tergiversar mediante escusas relacionadas com
a deficiência de caixa (Recurso Extraordinário 431.773/2004).
[...] não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo
artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/
ou política – administrativa – o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar,
de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e
dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. [...] a cláusula da “reser-
va do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não
pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se dolosamente, do
cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta
governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de di-
reitos constitucionais [...] (Recurso Extraordinário 410.715-5/2005).

Contudo, o que não se observa nessas decisões que asseguraram o direito à educação de
crianças de 0 a 3 anos é, justamente, o aspecto factual que comporta as condições de acesso ante
a estrutura dos equipamentos públicos e recursos humanos disponíveis na esfera social, bem
como as implicações de tais decisões na lista de cadastro já realizada por ordem cronológica, uma
vez que impelem prioridade absoluta no atendimento daqueles que demandaram judicialmente
em detrimento dos demais que, já cadastrados, não buscaram o Poder Judiciário, bem como
prioriza o acesso sem considerar a questão da qualidade do serviço que será ofertado.

O próprio espaço da creche, no Brasil, precisa ser compreendido a partir de sua


origem e função, posto que em diferentes momentos históricos assumiu papéis específicos de
atendimento diante de carecimentos próprios de públicos distintos. De espaço de custódia para
filhos das classes populares a espaço educativo de caráter universal, houve um longo percurso
de luta empreendido.

No Brasil, a criação do espaço da creche decorre da luta de grupos feministas e da


classe operária, constituindo-se não como local onde se exercia um direito da criança, mas da
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família. Integrada à área da assistência social numa perspectiva que aliava cuidados e saúde
voltados aos filhos de famílias que se encontravam em estado de extrema vulnerabilidade ou
da classe trabalhadora, na qual as mulheres estavam inseridas. Caracterizava-se esse espaço
como local de acolhimento e custódia, com uma estrutura nem sempre adequada e altamente
dependente de ações filantrópicas e de caridade para a complementação dos recursos financeiros
necessários à sua manutenção (VIEIRA, 2016).

Considerando seu papel social de custódia e promoção da saúde, os trabalhadores desses


espaços não apresentavam qualquer qualificação ou formação específica para o atendimento de
crianças de 0 a 3 anos. A prática predominante no espaço da creche centrava-se, exclusivamente,
nos cuidados com a higiene, saúde e alimentação, de modo subsidiário e/ou compensatório dos
cuidados que originariamente deveriam ser desempenhados pela família, sobretudo pela mãe.

Tem-se, especialmente no período republicano, uma distinção clara entre ambientes


educativos e de cuidados voltados para a infância, representados respectivamente pelos Parques
Infantis, de caráter educativo e voltados para o atendimento de uma elite cultural, e pelas creches
destinadas às camadas populares que, teoricamente, distinção essa que só foi superada com o
advento da Constituição Federal de 1988, por meio de um ideal político renovado pelo processo
de redemocratização que defendia uma educação universal, gratuita e de qualidade para todos
(KHULMANN JÚNIOR, 1991; MONARCHA, 2001; 2016).

Nesses moldes somam-se os movimentos de adesão à Declaração dos Direitos da


Criança (1959),2 da qual o Brasil é signatário e que, entre outras coisas, determinou a construção
de um conjunto de políticas que situassem a criança no centro das decisões políticas. Entre
os compromissos estabelecidos a partir da Declaração dos Direitos da Criança, destacou-se a
necessidade de investimentos na universalização do acesso à educação em todas as etapas da
vida, devendo, portanto, incluir as crianças desde o seu nascimento.

Nesse movimento, desencadearam-se em toda a América Latina3 ações que alteraram


as legislações nacionais, criando mecanismos jurídicos de proteção e equipamentos que
assegurassem a proteção integral de crianças e adolescentes, culminando com a elaboração
dos Estatutos de proteção à criança e adolescência e reformulações nas leis que organizavam o
sistema educativo.

2
Adotada pela Assembleia das Nações Unidas, de 20 de novembro de 1959, e ratificada pelo Brasil, pelo art.
84, XXI, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos arts. 1.º da Lei 91, de 28 de agosto de 1935, e 1,º do
Decreto 50.517, de 2 de maio de 1961.
3
Para saber mais sobre as políticas públicas voltadas à primeira infância na América Latina, acesse o site do
Sistema de Información sobre la Primera Infancia en América Latina, organizado com o apoio da Unesco.
Disponível em: <http://www.sipi.siteal.iipe.unesco.org/>.
19

Enquanto países como a Colômbia reforçaram e ampliaram suas redes de atendimento


às crianças de 0 a 3 anos, contemplando uma diversidade e flexibilidade de equipamentos que
assistiam a diferentes públicos e necessidades, focalizando sobretudo a atenção nas camadas
mais vulneráveis (RESTREPO-YEPES, 2011),4 no Brasil o que se observou foi a readequação
de uma política já existente, a da creche, que passou a ser reorientada a partir de novos princípios
e objetivos, explicitados em seus textos legais nacionais.

Nesse momento, no Brasil o espaço da creche, pelo menos na esfera jurídica, deixa
de se constituir como local de tutela e parte de uma política de suporte às famílias operárias e
vulneráveis para tornar-se o lócus onde se exerce o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos.

No mesmo sentido, nos textos legais a imagem da criança vulnerável, esmaecida


e carente das creches, insistentemente retratada na mídia e nos compêndios de pediatria,5 é
substituída por uma criança, sujeito de direitos, que possui e produz uma cultura própria; e a
infância passa a ser considerada como etapa geracional na medida em que se situa, ainda que
teoricamente, no centro das políticas públicas.

Nesse cenário, apesar dos dispositivos legais e dos novos paradigmas implementados
envolvendo o direito à educação das crianças de 0 a 3 anos e o próprio espaço da creche, o que
se verificou na prática foi que a sua inclusão no rol dos direitos fundamentais, como direito
público subjetivo da criança e de caráter universal, acabou por não se concretizar conforme
inicialmente planejado na medida em que a estrutura dos equipamentos públicos disponíveis
não apresentava capacidade para acolher toda a demanda.

Em síntese, delineou-se a partir da Carta Constitucional de 1988 e da Lei de Diretrizes


e Bases (Lei 9.394/1996) um novo paradigma de atendimento educativo às crianças de 0 a
3 anos de idade, que reconfigurou a política nacional de atendimento e o próprio espaço da
creche, mas que, diante do descompasso entre o direito proclamado e as condições objetivas
de concretização de tal direito, acabou por constituir-se como um conflito na vida cotidiana,
comportando diferentes compreensões e representações na esfera social.

Nesse cenário, em que o normativo se choca com os fatos gerando conflitos de toda a
ordem, para o presente estudo delimitou-se o objetivo geral de analisar quais as representações
que os estudantes de Pedagogia têm sobre o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e sobre
a constituição do espaço da creche como local onde esse direito é exercido.

4
Para conhecer as modalidades de atendimento, vide portfólio de serviços disponível em <http://www.icbf.gov.
co/portal/page/portal/PortafolioICBF/all/hogares-comunitarios-integrales>. Acesso em: 20 nov. 2016.
5
Vide trabalhos desenvolvidos por Santos (2012), Nazareth (2011) e Urra (2011) que analisaram a imagem do
espaço da creche e sua clientela retratada na mídia impressa.
20

Nessa perspectiva, abriram-se três dimensões do conflito que se entrelaçam na temática


proposta. De um lado, a consideração dos conceitos que envolvem a criança, a infância, o
direito à educação e o espaço da creche; de outro, o Direito e as diferentes gerações de direitos
humanos que culminaram com a positivação do direito à educação de crianças de 0 a 3 anos; e
uma terceira dimensão que se volta para o modo como as duas primeiras frentes são concebidas
a partir das representações que os estudantes do curso de Pedagogia possuem sobre esses objetos
(o espaço da creche e o direito à educação).

Para a primeira dimensão do conflito (a consideração dos conteúdos que envolvem a


criança, a infância, o direito à educação e o espaço da creche) foram selecionados os constructos
teóricos das áreas da Sociologia da Infância e da Filosofia Política.

Na esfera da Sociologia da Infância, quatro constructos teóricos propostos por Qvortrup


(1999; 2011a; 2011b; 2014): o de Etapa geracional que situa a infância no centro do tecido
social; o processo denominado familiarismo para ampliar a discussão sobre o papel do Estado,
da sociedade e da família na promoção e proteção da infância; a ideia do pacto geracional que
implica a impossibilidade de uma desresponsabilização dos adultos pela infância; e as próprias
questões da Visibilidade e Invisibilidade da infância no contexto atual.

Tais constructos foram selecionados dada a sua relevância para a elaboração de


políticas públicas de atenção à infância na década de 1990,6 situando a Sociologia da Infância
como o “lugar de origem de uma nova abordagem da infância” (SARMENTO, 2013, p. 16).

Tal abordagem foi inaugurada pela Sociologia da Infância que situa a criança não
como um devir, mas explicita seu papel geracional como potência para a criação de uma cultura
própria e desvela o pacto geracional que se estabelece entre as diferentes gerações enquanto
unidade estruturante da vida social. Esses aspectos se aproximam dos novos paradigmas legais
nacionais: Constituição Federal de 1998; Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990; Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, 1996.

Da área da Filosofia Política foram selecionados, concomitantemente, conceitos


formulados por Arendt (1989; 2007; 2011) que circulam tanto pela frente que envolve a criança,
a infância, a educação e o espaço público quanto o Direito e as diferentes gerações de direitos
humanos que culminaram com a positivação do direito à educação de crianças de 0 a 3 anos
e que serão necessários para a análise proposta sobre o conflito que se coloca entre o caráter

6
A partir do Centro Europeu das Nações Unidas, sediado em Viena, em 1991, um conjunto de relatórios sobre
a situação de crianças em vários países foi editado e apresentado por Jens Qvortrup, constituindo-se “uma
referência essencial (um marco miliário) do campo” (SARMENTO, 2013, p. 16).
21

universal do direito à educação das crianças de 0 a 3 anos de idade e a incapacidade estatal de


assegurá-lo.

Foram utilizados, portanto, os conceitos de recém-chegados por nascimento e de


natalidade situando socialmente os mais jovens como etapa geracional; o labor, o trabalho e
a política como condições humanas que se desenvolvem respectivamente nas esferas privada,
social e pública, justificando, de certo modo, o espaço social da infância; e o conceito de mundo
comum que situa os mais jovens em comparação com os mais velhos numa relação de cuidado e
responsabilidade inegociáveis, da qual a educação por meio da autoridade epistêmica constitui-
se como o meio necessário para a manutenção de um mundo comum (ARENDT, 2007; 2011).

No tocante à segunda dimensão do conflito, o Direito e as diferentes gerações de direitos


humanos que culminaram com a positivação do direito à educação de crianças de 0 a 3 anos,
retomou-se o pensamento de Arendt (2007) a partir dos elementos que compõem a dignidade
humana por meio da ideia da construção de direitos humanos como fruto de lutas sociais e da
necessidade de reconhecimento dos apátridas no período da Primeira Guerra Mundial.

Tal perspectiva, de construção do Direito na esfera social, aproxima-se da ideia de


Bobbio (2004), da área da Filosofia do Direito que, por sua vez, compreende as tensões e as
lutas empreendidas na esfera social, a partir do que denomina de carecimentos de cada época e
grupo, sinalizando que, na atualidade, faz-se necessário organizar formas para que os direitos
fundamentais e sociais sejam exercidos.

Tendo em vista a delimitação das duas primeiras dimensões do conflito, situa-se uma
terceira dimensão que se debruça sobre o modo como esse conflito está sendo compreendido
pelos estudantes de Pedagogia, numa perspectiva psicossocial de análise proporcionada por uma
abordagem dialógica interacionista7 (MARKOVÁ, 2017) que se encontra fundamentada por
meio da Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 2011; 2012; MARKOVÁ, 2017).

Toma-se para analisar a terceira dimensão do conflito o modo como se dá a relação


Ego, Alter e o Objeto a partir dos elementos simbólicos que envolvem o direito à educação de
crianças de 0 a 3 anos e o espaço da creche.

Nesse sentido, encontrou-se nos estudos sobre o aspecto simbólico do Direito,


desenvolvidos por Oliveira (1992; 2008; 2010; 2011) e Béal et al. (2014), a delimitação teórico-

7
Abordagem dialógica – tendo como premissas a interdependência e a interação entre o Ego (sujeito) e o Alter
(Outro/Estado/Lei) e a “experiência engajada” enraizada no “pensamento de senso comum e no conhecimento
socialmente compartilhado” (MARKOVÁ, 2017, p. 23).
Epistemologia interacionista volta-se para o estudo dos “modos como os homens constroem e criam sentido e
entendem os fenômenos sociais constituintes da realidade social em que vivem” (MARKOVÁ, 2017, p. 118).
22

metodológica para a análise dos conflitos que, de modo semelhante ao tratado neste estudo,
chegam à esfera judicial.

Essa dimensão mantém proximidade com a luta por reconhecimento proposta por
Honneth (2009), no qual o foco volta-se para as questões que envolvem a validação social de
um direito normativo e suas implicações na construção da justiça social (MENDONÇA, 2007),
sintetizando uma teoria ética da justiça para a análise dos conflitos sociais que se incumbe do
campo de negociação e dos processos de reconhecimento do direito social que resultam (ou
não) naquilo que definiu como autorrespeito, ou seja, na possibilidade da expressão simbólica
concedida socialmente ao demandante e que lhe permite reclamar direitos social e coletivamente
compartilhados, justificados e validados por todos, o que não se confunde, definitivamente, com
a capacidade distributiva do direito em si.8

Justifica-se, desse modo, a consolidação de um referencial teórico amplo e distinto na


perspectiva da triangulação teórica proposta por Apostolidis (2006, p. 214), na qual teorias,
abordagens e constructos teóricos se conjugaram com o objetivo de oferecer uma melhor
compreensão do fenômeno aqui tratado, sem que isso implicasse redução ou parcialidade na
consideração de sua complexidade.

O percurso metodológico, orientado pela da Teoria das Representações Sociais


(MOSCOVICI, 2011; 2012; MARKOVÁ, 2017), com os referenciais subsidiários, voltou-se
então para a definição do público específico a ser investigado, bem como para a delimitação dos
procedimentos de coleta e análise de dados.

Considerando que o conflito entre o direito à educação e à capacidade estatal de atender


tal demanda pode ser interpretado e compreendido de diferentes formas a partir de grupos
também distintos, delimitou-se para o presente estudo um grupo composto por estudantes do
curso de Pedagogia, justamente por comportarem um saber especializado na área da Educação,
ainda que em fase de formação, considerando que esses estudantes, em breve, poderão atuar nos
espaços da educação infantil, da qual a creche é parte.

Para tanto, foram selecionados estudantes dos 3.º/4.º e 5.º semestres que já tivessem
cursado alguma disciplina relacionada à educação infantil, bem como alguma disciplina
relacionada à legislação nacional que regulamenta a educação básica.


8
Com relação à Teoria do Reconhecimento trazida Honneth (2009), cabe esclarecer a ideia de que as desi-
gualdades sociais se encontram estruturadas muito mais em padrões simbólicos de não reconhecimento, que
afetam a autorrealização dos sujeitos (composta por sua autoconfiança, o autorrespeito e autoestima), do que
no seu caráter distributivo, em termos de redistribuição de recursos materiais, conforme propõe sua principal
opositora Nancy Fraser (MENDONÇA, 2007).
23

Portanto, participaram do presente estudo 124 estudantes do curso de Pedagogia de


uma universidade privada, situada na cidade de São Paulo, e desse total 56 cursavam os 3.º e 4.º
semestres e 68 cursavam o 5.º semestre, considerando um total de oito semestres obrigatórios
para a formação completa.

A coleta dos dados, organizada em duas etapas distintas, partiu da elaboração de


matriz de referência9 a partir da qual procedeu-se à construção de três instrumentos de coleta a
saber: 1. Questionário para levantamento de perfil dos participantes; 2. Questionário contendo
questões abertas sobre a estrutura da Educação Básica; sobre o espaço social da creche e o
público atendido nesse espaço; 3. Cenários projetados, contendo situações fictícias nas quais
os participantes deveriam se posicionar indicando soluções que julgavam mais adequadas ao
conflito proposto, justificando o posicionamento adotado.

A primeira etapa de coleta, composta pela aplicação dos questionários 1 e 2, contou


com a participação de 124 estudantes. E na segunda, constituída pela aplicação dos cenários
projetados, participaram voluntariamente 92 estudantes, que obrigatoriamente participaram da
primeira etapa.

Esses dados foram examinados utilizando-se a análise de conteúdo proposta por Franco
(2008), atendendo, por conseguinte, aos objetivos propostos por este estudo que se organiza em
quatro capítulos a saber.

O Capítulo 1 tratará dos conceitos de criança, infância, o direito à educação e o espaço


da creche, propostos por Qvortrup (2011a; 2011b; 2014) e Hannah Arendt (1989; 2007; 2011),
que fornecerão as bases teóricas para a compreensão do fenômeno a partir de uma perspectiva
que engloba, simultaneamente, estudos desenvolvidos na área da Sociologia da Infância e da
Filosofia Política, que se aproximam do paradigma contido nos dispositivos legais vigentes que
definem o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos.

O Capítulo 2 apresentará o percurso empreendido na esfera jurídica até a positivação


do direito à educação de crianças de 0 a 3 anos, tomando como ponto de partida os direitos
humanos e suas diferentes gerações, a partir dos estudos desenvolvidos por Arendt (2007),
Bobbio (2004) e a própria análise do texto constitucional vigente.

No Capítulo 3 será exposto o percurso metodológico adotado para o presente


estudo, tomando-se como referencial teórico-metodológico a Teoria das Representações


9
Instrumento amplamente utilizado na área da avaliação educacional que permite, segundo Santos (2017, p.
146), “a estruturação de descritores na caracterização do objeto investigado, permitindo, por conseguinte, ao
pesquisador melhor delimitar o seu estudo focalizando específicos pontos do objeto/fenômeno investigado”.
24

Sociais (MOSCOVICI, 2011; 2012; MARKOVÁ, 2017) e suas inter-relações com os estudos
desenvolvidos por Honneth (2009), Béal et al. (2014), Oliveira (2010) e Inaudi et al. (2014),
que resgatam os aspectos simbólicos envolvidos na luta pelo reconhecimento de direitos sociais,
numa perspectiva psicossocial que contempla contradições, avanços e retrocessos presentes
em tais processos, sem desconsiderar a complexidade implicada no fenômeno sobre o qual se
debruça este estudo.

Tecidas todas as considerações teóricas e metodológicas que nortearam esta pesquisa,


no Capítulo 4 serão apresentados os resultados e as análises realizadas sobre os dados coletados,
seguidos pelas considerações e proposições finais.
25

1
A CRIANÇA, A INFÂNCIA E A EDUCAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES DA
SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA E DA FILOSOFIA

Se alguém disser que as crianças são seres humanos, ninguém discordará, embo-
ra esse status seja constantemente colocado em dúvida, visto que as capacidades e
competências infantis são supostamente incompletas se comparadas às de uma pes-
soa completamente crescida; as crianças também não são cidadãs, no sentido mais
abrangente do termo, pois não têm, por exemplo, a oportunidade de atuar como mem-
bros de uma sociedade democrática; elas têm direitos, mas estão longe de ter todos os
direitos dos quais os adultos dispõem.
Qvortrup

Este capítulo tem por objetivo apresentar o conjunto teórico que fundamenta os
conceitos de criança e de infância que se colocaram visíveis a partir da Constituição Federal
de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/1996), bem como explicar o lugar social da
infância, contemplados numa perspectiva tanto sociológica, por meio dos estudos desenvolvidos
por Qvortrup (1999; 2011a; 2011b; 2014), quanto filosófica, a partir da análise proposta por
Arendt (1989; 2007; 2011) acerca das condições, atividades e esferas que compõem a vida
humana. Coloca-se, nessa perspectiva, o objetivo de oferecer uma melhor compreensão sobre
o percurso que resultou, nos marcos legais vigentes, na consideração das crianças e da infância
como centro de uma política pública.

Para tanto, foram delineadas algumas perguntas com o intuito de nortear a jornada
proposta para este capítulo: 1. Como se deu o processo de reconhecimento da criança e da
infância, como sujeitos de direitos e categoria geracional e onde tal processo se apoia? 2. Em
quais espaços a infância desfrutava de visibilidade? 3. Quais processos resultaram em sua
invisibilidade? 4. Como e onde a luta por uma educação universalizante foi empreendida? 5.
Quais os reflexos dessa luta e sua relação com o atual paradigma proposto nos textos legais
nacionais vigentes?

1.1 O lugar da criança e da infância

Para compreender o processo de resgate da infância como etapa geracional faz-se


necessário, de início, considerar que o resgate pressupõe antes uma perda, e nesse sentido
recorreu-se aos conceitos formulados por Qvortrup (1999; 2011a; 2011b; 2014) e Arendt
(2011) e ao recorte histórico por eles propostos, o período industrial, que alterou não apenas os
26

modos de produção, mas modificou a própria estrutura social colocando em xeque a infância
em relação às demais etapas geracionais, modificando os espaços a ela destinados, sua própria
ação e pertença dentro da esfera pública.

O primeiro constructo proposto por Qvortrup (2014) que norteia de início a investigação
é o de infância sociológica como unidade de observação, o que significa situar o ponto de
partida para pensar nas crianças de 0 a 3 anos pela sua caracterização como etapa geracional
a partir das relações que estabelecem com as demais gerações, e não do delineamento de suas
características individuais compostas pelas especificidades do seu desenvolvimento emocional,
cognitivo e social.

Segundo Qvortrup (2014, p. 25), enquanto por “criança” se entende “o sentido


psicológico (e biológico) da criança individual, na perspectiva sociológica se atribui o sentido
de infância como categoria geracional, distinta, tal qual a dos idosos.

Nessa perspectiva geracional, a infância, independentemente da quantidade de crianças


que entram e saem dessa categoria, mantém-se como parte da estrutura que sustenta a vida
social por meio do chamado pacto geracional que, por sua vez, consiste na responsabilidade,
tacitamente, assumida entre os mais velhos e os mais jovens, numa relação de cuidado.

Perspectiva essa também apresentada por Arendt (2011) quando situa os recém-
chegados por nascimento enquanto etapa geracional que só se estabelece por meio das relações
empreendidas com as gerações antecedentes e pela manutenção de um mundo comum. Mundo
esse que é sempre velho e anterior às suas chegadas e, por isso, implica a iniciação dos mais
jovens por meio da mediação irrenunciável dos adultos a fim de que possam, ao mesmo tempo,
receber esse mundo como um legado e empreender algo novo que permita a continuidade dele.

[...] o mundo comum é aquilo que adentramos ao nascer e que deixamos para trás
quando morremos. Transcende a duração de nossa vida tanto no passado quanto no
futuro [...]. É isto que temos em comum não só com aqueles que vivem conosco,
mas também com aqueles que aqui estiveram antes e aqueles que virão depois de nós
(ARENDT, 2007, p. 64-65).

No entanto, os conceitos trazidos por Qvortrup (2014) e Arendt (2011) dizem respeito
a uma época anterior ao período da industrialização. Referem-se ambos ao papel desempenhado
pela infância e pelos mais jovens em sociedades agrícolas, profundamente alterado após a
modificação dos modos de produção.

À medida que Qvortrup (2011a) centra sua análise na separação entre reprodução e
produção observada com o início da industrialização e o lugar que a infância ocupou nesse
cenário no tocante à manutenção do pacto geracional, Arendt (2007), por sua vez, dirige
sua análise a partir da consideração do modo como esse mesmo processo de industrialização
27

modificou as estruturas de organização e funcionamento das esferas privada, social e pública,


alterando as ações humanas empreendidas em tais esferas e colocando em xeque a manutenção
do mundo comum.

Retomando a história, até o início do século XIX as crianças eram consideradas úteis
aos processos da produção agrícola, como mão de obra e força de trabalho no campo e, nesse
cenário, “quem não tinha filhos era percebido como desprovido de um papel ativo nos esforços
comuns da comunidade, colocando em risco a possibilidade de receber provisão financeira e
cuidados” (QVORTRUP, 2011a, p. 327).

Explica Qvortrup (2014, p. 36) que as crianças não eram visíveis a partir de suas
individualidades ou necessidades, mas consideradas como força de trabalho necessária à
manutenção de sua coletividade e, por essa razão, precisavam ser conservadas não no aspecto
privado de suas vidas, mas como força de trabalho, dentro do tecido social, na esfera pública.

Conforme explica Arendt (2011, p. 115), com o avanço da industrialização, todas as


coisas passaram a ser pautadas a partir de uma lógica utilitarista que, substituindo a ação pelo
labor e pelo trabalho, acabou por degradar o sentido da ação e reduziu o ser humano à sua
condição mortal e limitada, tal qual a existência de qualquer outra espécie viva na natureza.

As crianças, abrangidas dentro de tal lógica utilitarista, passaram a ser vistas como
desnecessárias e até mesmo como um peso para suas famílias, uma vez que, retirada sua força
de trabalho, não mais representavam benefícios imediatos à comunidade, mas as inseriam nos
processos de sobrevivência dentro de seus núcleos familiares, o que foi um grande equívoco,
que talvez tenha se constituído como a mola propulsora para o resgate observado nas legislações
a partir dos anos 1900.

[...] na perspectiva dos adultos, as crianças perderam sua posição como pessoas úteis
quando foram finalmente transferidas das atividades manuais das eras pré-industriais
para as atividades mentais das escolas, no início da industrialização (QVORTRUP,
2014, p. 32).

Esse processo Qvortrup (2014, p. 33) denominou de familiarização da infância que,


para além de determinar o ambiente doméstico como o espaço destinado à criança, constituiu-se
como “um modo metodológico de despojar as crianças do seu direito a serem notadas”.

Nesse sentido, de modo complementar às ideias apresentadas sobre o resultado da


transformação do papel da infância, encontra-se em Arendt (1989; 2007 e 2011) o fio que remonta
aos primórdios da atividade humana e que oferece explicações subsidiárias à compreensão
dos modos pelos quais a infância passou, pouco a pouco, a integrar a máquina econômica,
anunciada por Qvortrup (1999).
28

Por meio da distinção que Arendt (2007) propõe entre os conceitos de labor, trabalho
e ação, condições estas nas quais “a vida foi dada ao homem na Terra” e que constituem o que
a autora define por vita activa – como aquela na qual “a vida humana se empenha ativamente
em fazer algo” –, têm-se na modificação das esferas privada, social e pública algumas respostas
sobre o apagamento da infância como etapa geracional que explicariam as razões do atual
movimento de resgate por meio da legislação.

O labor, conforme apresentado pela autora, constitui a própria atividade biológica do


corpo humano e seu crescimento espontâneo. Marcada pelo nascimento e pela morte, tem como
condição para sua efetivação a vida e sua esfera de desenvolvimento se dá na “estreiteza dos
lares”, na esfera privada, na qual o animal laborans se resume àquele que está exclusivamente
voltado à manutenção de sua sobrevivência, enquanto espécie, por meio daquilo que lhe é
possível extrair da natureza (ARENDT, 2007, p. 15).

[...] a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano, cujos cres-
cimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com as necessidades
vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. A condição humana
do labor é a vida. [...] O labor assegura não apenas a sobrevivência do indivíduo, mas
a vida da espécie (ARENDT, 2007, p. 16).

A segunda atividade apresentada é o trabalho, aqui entendido como o processo de


transformação e produção de bens para o consumo que não se restringe à manutenção da
sobrevivência da espécie, mas “empresta certa permanência e durabilidade à futilidade da vida
mortal e ao caráter efêmero do tempo humano” (ARENDT, 2007, p. 16), e por essa razão
está condicionado à mundaneidade, em que as trocas de bens produzidos pelo homo faber se
efetivam dentro de uma esfera social.

[...] a atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, existência esta


não necessariamente contida no eterno ciclo vital da espécie [...], mas caracterizada
por aquilo que era produzido a partir dos meios oferecidos pela natureza, tendo como
condição para o seu desenvolvimento a mundanidade e seu lócus situado na esfera
social. O trabalho produzia um mundo “artificial” de coisas, nitidamente diferente de
qualquer ambiente natural. [...] O trabalho e seu produto, o artefato humano, empres-
tam certa permanência e durabilidade à futilidade da vida mortal e ao caráter efêmero
do tempo humano (ARENDT, 2007, p. 16).

Por fim, apresenta-se a ação como a “única atividade que se exerce diretamente entre
os homens sem a mediação das coisas ou da matéria” (ARENDT, 2007, p. 15) e, sendo a única
atividade a prescindir a existência de uma sociedade, está condicionada à ideia de pluralidade
que consiste no fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo, sendo
seu espaço de desenvolvimento a esfera pública.

[...] mas esta pluralidade é especificamente a condição [...] de toda a vida política.
[...] A pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos,
isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha
existido, exista ou venha existir (ARENDT, 2007, p. 15-16).
29

É o conjunto dessas atividades que Arendt (2007, p. 16) define por vita activa, haja
vista que o labor garante a permanência da espécie, o trabalho assegura certa permanência e
durabilidade à vida e a ação preserva a manutenção de corpos políticos e “cria a condição para
a lembrança, ou seja, para a história”, que garantirão a imortalidade humana de um mundo
comum, apesar da mortalidade do homem.

O labor e o trabalho, bem como a ação, têm também raízes na natalidade, na medida em
que sua tarefa é produzir e preservar o mundo para o constante influxo de recém-che-
gados que vêm a este mundo na qualidade de estranhos, além de prevê-los e levá-los
em conta. Não obstante, das três atividades, a ação é a mais intimamente relacionada
com a condição humana da natalidade; o novo começo inerente a cada nascimento pode
fazer-se sentir no mundo somente porque o recém-chegado possui a capacidade de ini-
ciar algo novo, isto é, de agir. Neste sentido de iniciativa, todas as atividades humanas
possuem um elemento de ação e, portanto, de natalidade (ARENDT, 2007, p. 17).

Traçar tal delineamento acerca das atividades humanas, das condições necessárias ao
seu desenvolvimento e dos espaços em que acontecem atende à necessidade da explicação sobre
o modo como a infância deixou de ser parte das esferas macroestruturais em que desfrutava de
visibilidade e prestígio por sua força de trabalho, para tornar-se responsabilidade exclusiva de
sua família, na estreiteza de uma vida domiciliar, invisível aos olhos públicos.

Tem-se nesse conjunto conceitual a explicação de que a esfera privada, como lócus do
desenvolvimento do labor, comportava o papel do homem na manutenção da sobrevivência de
sua prole e a mulher, por meio do parto, a continuidade da espécie.

No entanto, a esfera pública constituía-se como a esfera da liberdade àqueles que se


encontravam como iguais, livres de qualquer situação de submissão e controle, cuja igualdade,
longe de ser comparada à igualdade perante a lei, significava que nesse espaço ninguém era
comandado ou comandava.

No espaço público prevalecia a ação, na qual o homem, justamente por ter se “libertado do
labor e do trabalho, e tendo superado o anseio inato de sobrevivência comum a todas as criaturas
vivas, deixava de ser limitado ao processo biológico da vida”, poderia assumir a responsabilidade
e o ônus implicados na manutenção de um mundo comum (ARENDT, 2007, p. 46).

Retomando a ideia da separação entre produção e reprodução trazida por Qvortrup (2011a),
compreende-se que a lógica utilitarista imposta pelo processo de industrialização modificou as
esferas que estruturavam as atividades humanas apresentadas por Arendt (2007). Retirou-se da
infância o espaço da esfera pública, limitou sua atividade a do labor, num progressivo processo
de reclusão à estreiteza do lar que resultou sua invisibilidade na esfera pública.

Nesse contexto de invisibilidade, o trabalho manual infantil valorizado nas sociedades


agrícolas foi substituído pela escolarização, caracterizada como nova forma de trabalho, agora
30

escolar. Na mesma medida, novos mecanismos foram criados a fim de assegurar a provisão dos
idosos que se encontrava desvinculada dos benefícios e cuidados oferecidos pelos mais jovens,
por exemplo, os fundos previdenciários.

Contudo, as crianças jamais deixaram de trabalhar. O que aconteceu foi, simplesmente,


a transferência de sua força produtiva para um período futuro, por meio dos processos de
escolarização sustentados pela família, e o fato de que os frutos de seu trabalho deixaram de ser
revertidos em favor de melhores condições para si e suas famílias.

De uma posição na qual trabalhavam lado a lado e simultaneamente com os adultos,


ou seja, como contemporâneos, seu novo lugar, como estudantes, implicou que seu
trabalho escolar somente poderia ser reconhecido como útil muitos anos depois (se
essa conexão entre estudo e trabalho fosse percebida). Essa nova característica dia-
crônica do envolvimento obrigatório na atividade necessitou de justificação científica,
feita por reivindicação da psicologia do desenvolvimento, no sentido de que crianças
estão se preparando para a idade adulta. Enquanto a escolarização como tal passou
a ser percebida como indispensavelmente conectada a uma força de trabalho futura
e qualificada, as crianças foram privadas de um papel visível na divisão social (dia-
crônica) do trabalho e reduzidas a receptáculos do conhecimento dos adultos – pais e
professores (QVORTRUP, 2014, p. 33).

Nessa perspectiva, o fruto do trabalho advindo de um processo de escolarização


passou a ser apropriado pelo Estado e pela sociedade industrial, o que em nada contribuiu para
o desenvolvimento de melhores condições de vida para as crianças ou suas famílias, durante o
período de formação escolar.

[...] os pais continuam sendo responsáveis pelas principais despesas para com a edu-
cação das crianças, a sociedade em geral, e a sociedade empresarial em particular,
permanecem como os principais beneficiários dos investimentos que os pais realizam.
Assim, considero que o faux pas mais gritante foi este: o que se pode esperar de um
sistema, em termos de possiblidade de sobrevivência a longo prazo, quando aqueles
que nele investem não se beneficiam dele, ao passo que aqueles que se beneficiam são
justamente os que não investem? [...] os investimentos da família nas crianças, em
termos de tempo e dinheiro, representam contribuição considerável para a sociedade
empresarial (em termos de força de trabalho futura) e para sociedade em geral (em
termos de geração de recursos para pensões e aposentadorias, em especial) (QVOR-
TRUP, 2011a, p. 326-327).

Nesse cenário, Qvortrup (2011a, p. 326) esclarece que o trabalho das crianças não
desapareceu, apenas mudou sua natureza. Seu tempo e seu esforço continuaram sustentando a
estrutura econômica e social, na medida em que o trabalho manual foi substituído pelo trabalho
escolar que produz frutos no futuro. Continuaram os recém-chegados por nascimento a produzir
frutos, com a implicação de que esses mesmos frutos não mais se revertiam imediata e diretamente
às suas famílias, tampouco se traduziam na melhoria das condições de vida das próprias crianças.

Tal realidade sugere que (1) o trabalho infantil não desapareceu, mas é imanentemente
realizado sob um novo sistema, ou seja, por meio do trabalho escolar e, portanto, refe-
re-se ao Estado e não à família como economia relevante; (2) não são mais as crianças
biológicas que, pessoalmente, fornecem e cuidam dos pais idosos; [...] mas o chamado
sistema de contribuição previdenciária. (QVORTRUP, 2011a, p. 330).
31

Com a alteração da natureza do trabalho manual para o trabalho intelectual, foi dado
o primeiro passo para a invisibilidade produtiva das crianças, na medida em que as atuais
atividades infantis, dentro da lógica utilitarista, deixaram de ser consideradas úteis, tornando-se
desqualificadas e custosas, porque, em termos materiais, não resultavam em frutos imediatos,
e sim na atomização da família nuclear e no obscurecimento da reciprocidade intergeracional.

[...] nas sociedades pré-industriais. Nelas, os seres infantis eram unanimemente ce-
lebrados como membros úteis. Suas atividades podiam assumir várias formas, a de-
pender do modo de produção, mas eram semelhantes no sentido de que, independen-
temente do lugar onde se desenvolviam, eram úteis ou funcionais à sociedade ou à
cultura em que eram desenvolvidas. Em outras palavras, o trabalho infantil era ima-
nente ao sistema. Essa utilidade foi reconhecida não só em termos do status atribuído
às crianças que trabalhavam, mas também a partir dos elevados níveis de fertilidade
verificados (QVORTRUP, 2011a, p. 327).

Nesse sentido, explica Qvortrup (2014, p. 40) que, se a relação entre a reprodução e
a produção, até então, era considerada dentro da esfera pública “como empreitada comum e,
nesse sentido, sendo pública, era apoiada por uma ordem social na qual reprodução e produção
eram inseparáveis”, no período industrial, com o avanço da industrialização e a alteração da
força produtiva dos mais jovens, tal relação deixa de ser assim compreendida e as motivações
que antes eram favoráveis à fecundidade foram pouco a pouco desaparecendo.

Observou-se na prática que a infância não se constituía mais como um assunto de interesse
público e, desse modo, “tanto pais quanto filhos passaram a ser considerados como estranhos em
nossa civilização, como se a reprodução não tivesse qualquer relação com a produção e o bem-
estar na sociedade moderna”, sinalizando o desequilíbrio que se instalava no pacto geracional
(QVORTRUP, 2014, p. 40) que, entre outras coisas, resultou no esfacelamento da esfera pública
e na ampliação da esfera social e na substituição da ação pelo labor e pelo trabalho.

Deixou-se de pensar na manutenção de um mundo comum imortal para se voltar apenas


à sobrevivência de uma comunidade mortal. Desincumbiram-se todos da responsabilidade de
compartilhar o “ônus da jurisdição, da defesa e da administração dos negócios públicos” do
qual a infância era parte (ARENDT, 2007, p. 51).

Toda a terminologia da teoria e do pensamento político atesta claramente o quanto foi


persistente e bem-sucedida a transformação da ação em modalidade da fabricação, e
torna-se quase impossível discutir esses assuntos sem que se empregue a categoria de
meios e fins e se raciocine em termos de “instrumentalidade” (ARENDT, 2007, p. 241).

Nesse processo de substituição da vida pública pela vida individual, poderíamos


acrescentar o desenvolvimento da própria ciência e dos estudos da área da psicologia que,
embora extremamente úteis à ampliação dos conhecimentos sobre o homem, colocam-se numa
perspectiva também individual, o que para a infância, na esfera pública, acabou por deslocar o
seu modo de ser compreendida (QVORTRUP, 2014, p. 30).
32

O posicionamento de Sarmento (2013) parece convergir com a ideia defendida por


Qvortrup (2014, p. 30), de que, embora tenha havido considerável avanço em termos de
conhecimentos acerca do desenvolvimento infantil, de modo paradoxal, ampliou-se também a
construção de um mundo artificialmente planejado para as crianças e completamente apartado
das demais categorias geracionais e sociais, implicando severa segregação da infância em
relação ao mundo adulto e aos seus espaços de circulação.

Assim, de forma completamente oposta ao espaço antes ocupado pela infância na esfera
pública, o que se observava no controle estabelecido dentro da esfera social era a regulação dos
comportamentos e no desenvolvimento do trabalho, na qual a individualidade, construída por
meio da ação, é substituída pela necessidade de manutenção da sobrevivência e da igualdade
social dos membros da comunidade.

Confunde-se, nesse cenário, a uniformidade ou a igualdade social com o conceito


de igualdade política e desconsidera-se que as primeiras são dadas pela natureza humana e
marcadas, essencialmente, pelo tempo decorrido entre o nascimento e a morte e a segunda,
exclusivamente, da ação empreendida por meio da condição humana da pluralidade.

Nessa seara, em meio à luta empreendida na esfera social em que a barganha, a força de
determinados grupos e as relações de poder definem os modos de sobrevivência da espécie sem
qualquer forma de preocupação com o mundo comum, a infância volta à reclusão do seu domicílio
ou ingressa em instituições criadas para sua segurança, afastando-se, gradativamente, do convívio
com os adultos que permitiriam sua iniciação no legado cultural do qual são herdeiras.

Portanto, a infância deixou de se constituir como prioridade política, na mesma medida


em que a esfera pública se esvazia de sentido e significado. Tais aspectos se perpetuaram no
tempo e deixaram marcas profundas observadas até o momento.

Na atualidade, a subpriorização da infância dentro da esfera social e política pode


ser exemplificada a partir do estudo realizado por Marcondes, Cruz e Rodrigues (2015), cujo
resultado revelou que, entre as dificuldades encontradas atualmente por um grupo de mulheres,
a ausência de creche foi apontada por 34% das entrevistadas como a principal dificuldade, o que
confirma que a previsão dos recém-chegados por nascimento não representou a centralidade do
cuidado na agenda política.

Embora os negócios e o comércio sejam completamente dependentes da renovação da


força de trabalho, não faz parte da agenda política que assumam a responsabilidade por
sua renovação. Até mesmo o Estado é cauteloso em se envolver nas decisões familiares,
a menos que a vida ou o bem-estar estejam em risco (QVORTRUP, 2014, p. 37).

Um exemplo dessa luta social foi justamente a constituição do direito à educação das
crianças de 0 a 3 anos atrelado às lutas dos movimentos feministas que, embora relevantes,
trouxeram a discussão sobre a educação dessa etapa geracional de forma residual e escamoteada
nas demais questões que envolviam os direitos das mulheres trabalhadoras.
33

Outro reflexo da não previsão dos recém-chegados por nascimento, do avanço do


processo de familiarização, da modificação das formas de produção e da implementação de
sistemas autônomos previdenciários, e que acarretou profundas alterações no pacto geracional
historicamente definido entre as gerações mais jovens e mais velhas, diz respeito à própria
queda da taxa de fertilidade, em resposta à separação entre os modos de produção e reprodução,
assinalados anteriormente.

Poderíamos então sugerir que, ao longo do século, quando as crianças trocaram as


tarefas obrigatórias, passando do trabalho manual para o trabalho escolar, fora iniciado
o processo de redução da fertilidade (QVORTRUP, 2011a, p. 325).

Esse aspecto pode ser ilustrado com o estudo de Alves (2015), no qual se constatou
que, no Brasil, o progressivo aumento da população idosa (com 60 anos de idade ou mais), que
não corresponde mais à taxa de reposição de jovens economicamente ativos que possam dar
suporte às obrigações e recompensas que deveriam ser distribuídas entre as diferentes gerações,
fenômeno intitulado “Tsunami grisalho”.

No Brasil, enquanto em 2010 a população idosa, com 60 anos de idade ou mais,


correspondia a 10% da população total, a projeção feita por Alves (2015) sinaliza que em um
período de 40 anos esse percentual, de forma estimativa, corresponderá a 33% da população,
com uma tendência progressiva de aumento até 2100, conforme se observa no Gráfico 1.

Gráfico 1. Número e porcentagem de idosos (60 anos e +) Brasil: 1950-2100

Fonte: World Populations Prospects: The 2012 Revision. Dados organizados por Alves (2015).
34

Considerando ainda a comparação entre a População em Idade Ativa (PIA) e a “onda


idosa”, Alves (2015) sinaliza o início do desequilíbrio entre o número de pessoas em idade ativa
e o número de idosos já a partir do período compreendido entre 2016 e 2019, com projeções que,
gradativamente, agudizarão a dificuldade de manter os sistemas sociais de apoio à população
mais velha, sinalizando que o pacto geracional, proposto por Qvortrup (2011a, p. 234), será
quebrado, uma vez que, “sem filhos, não há aposentadoria”.

Gráfico 2. Declínio da população em idade ativa (PIA) e a onda idosa

Fonte: Projeções Populacionais do IBGE (Revisão 2013) – Dados organizados por Alves (2015)

Em análise realizada a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de


Domicílios 2004/2014 (PNAD/IBGE), apresentada por Soares (2015), é possível localizar dados
semelhantes aos de Alves (2015), a partir da análise efetuada sobre a distribuição percentual da
população por grupos de idade que, segundo projeções, “indicam que em 2060 teremos 62,3
idosos para cada grupo de 100 pessoas em idade potencialmente ativa”, conforme demonstrado
no Gráfico 3.
35

Gráfico 3. Distribuição percentual da população residente,


por grupos de idade – Brasil 2004-2060

2004 2014 2030 (1) 2060 (1)


0 a 14 anos 27,1 21,6 17,6 13
15 a 29 anos 27,3 24,1 21 15,3
30 a 59 anos 35,9 40,6 42,7 38
60 anos ou mais 9,7 13,7 18,6 33,7
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2014/2014 e Projeção da População do Brasil por
Idade para o período 2004-2060 – Revisão 2013. Dados coletados e organizados por Soares (2015)

Nesse cenário, Soares (2015) oferece uma perspectiva ainda mais complexa relacionada
às questões dos cuidados dispensados reciprocamente entre as diferentes gerações, em especial
no que diz respeito ao que denomina de pacto de cuidados, ou seja, as práticas sociais que,
apoiadas numa relação de interdependência entre aquele que cuida e aquele que é cuidado, dão
suporte para a manutenção da vida humana.

Conforme destaca Soares (2015), acompanhando o aumento da expectativa de vida e


a diminuição das taxas de fecundidade, o pacto de cuidado entrará em colapso no que se refere
aos idosos que, com 60 anos ou mais de idade, apresentarão alguma limitação funcional para
realizar atividades de vida diária e dependerão das gerações mais jovens para garantir a própria
vida, conforme Tabelas 1 e 2.
36

Tabela 1. Tábua completa de mortalidade – homens e mulheres 2014

Idade Expectativa de vida à idade X E(X)


Homens Mulheres
0 71,6 78,8
60 20,1 23,6

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas (DPE), Coordenação de População e Indicadores Sociais (Copis). Dados
coletados e organizados por Soares (2015).

Tabela 2. Proporção de pessoas com 60 anos de idade ou mais, com limitação funcional
para realizar atividades de vida diária (AVD), conforme o sexo e grupos de idade

Grandes Regiões e Proporção de pessoas com 60 anos ou mais de idade com limitação funcional
situação do domicílio para realizar Atividades da Vida Diária – AVD (%)
Total Sexo Grupos de idade
Masculino Feminino De 60 a 64 De 65 a 74 De 75 anos
anos anos ou mais
Brasil 6,8 6,1 7,3 2,8 4,4 15,6

Fonte: IBGE, PNAD 2013. Dados coletados e organizados por Soares (2015).

Conforme explica Qvortrup (2011a), para além de querer incentivar o aumento do


número de filhos, o que está em jogo na análise do pacto geracional são as causas que levaram
à queda da taxa de fecundidade. Nesse sentido, recorrer à história parece fundamental para a
compreensão dos elementos macro-históricos que colocaram não apenas o pacto geracional em
risco, mas a própria manutenção de um mundo comum.

No conjunto de transformações analisado, o que se vislumbra é que a queda da taxa


de fertilidade já exige a adoção de medidas e mobilização política que, de curto e longo prazo,
deem foco ao papel ativo da infância a partir da substituição do labor e do trabalho pela ação,
própria da esfera pública, como forma de assegurar o pacto geracional e a própria manutenção
de um mundo comum (QVORTRUP, 2011a, p. 234; ARENDT, 2011).

É possível – na verdade, necessário – argumentar que as gerações continuam depen-


dentes umas das outras na sociedade moderna. No entanto, este pensamento parece
ter se perdido conforme a divisão do trabalho se intensificou. Atualmente parece ser
de senso comum que produção e reprodução são funções completamente separadas
(QVORTRUP, 2014, p. 36).

Nesse cenário, o resgate do direito à educação como forma de iniciação dos recém-
chegados por nascimento deve ser analisado a partir do sentido construído socialmente, haja
vista que a luta por direitos tem sido travada na esfera social e, conforme explica Sarmento
(2013, p. 17), o reconhecimento da infância parece estar longe de se concretizar, apesar dos
esforços empreendidos no estudo de suas peculiaridades e na positivação de seus direitos.
37

Nunca como atualmente foram tão alargadamente proclamados os direitos da criança,


e nunca como hoje se assistiu a uma tão severa restrição nas condições sociais da
infância, especialmente das crianças dos países mais pobres e dos grupos sociais mais
empobrecidos dos países ricos [...]. Nunca como atualmente o valor da “autonomia”
e da “cidadania” da criança foi tão alargadamente proclamado e também nunca como
hoje foi tão restrito o espaço-tempo da criança [...]. Nunca como hoje se defendeu tan-
to a desinstitucionalização da infância, em nome da liberdade de crescer e aprender, e
nunca como hoje se observou a presença quase obsidiante de organizações, empresas
e instituições no cotidiano infantil [...]

Na atualidade, a invisibilidade da infância torna-se patente, conforme assinalam


Rosemberg (1989) e, mais recentemente, Ximenes e Grinkraut (2014), quando se intenciona a
estudar a infância como unidade de observação, mas os dados disponíveis em bancos oficiais
não delimitam de forma clara a infância como categoria passível de ser analisada.

Constata-se que os dados do IBGE sobre a frequência das crianças de 0 a 3 anos apre-
sentam-se mais elevados do que os dados coletados pelo Censo Escolar. Essa variação
pode ser explicada por um conjunto de fatores, como as diferenças metodológicas na
delimitação da idade da criança e na data de referência das informações, ou ainda em
razão das distintas interpretações atribuídas à variável “frequência à creche”. [...]. Ou-
tro aspecto a ser destacado em relação aos indicadores para monitoramento das metas
e estratégias de acesso à educação infantil no PNE, sobretudo às creches, refere-se à
ausência de dados precisos que permitam a comparação entre a frequência à escola
e os dados populacionais. [...]. Outra fonte de informação é a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad). Esta apresenta anualmente 14 dados sobre caracterís-
ticas demográficas e educacionais da população brasileira, dentre outras, mas não é
possível utilizá-la para mensurar a taxa de frequência da população de 0 a 3 anos onde
mais interessa, ou seja, nos municípios brasileiros, pois os dados não são desagregá-
veis nesse nível de detalhamento (XIMENES; GRINKRAUT, 2014, p. 94-95).

Outro exemplo da invisibilidade à qual a infância está submetida é oferecido por


Qvortrup (2014, p. 35) quando analisa que a redução do número da mortalidade de crianças em
vias públicas no Reino Unido, observada entre os anos de 1971 a 1990, não decorreu de ações
políticas que levassem em consideração essa parcela da sociedade, tampouco de adaptações
dos espaços públicos às suas necessidades. Ao contrário, demonstrou que a diminuição da
mortalidade de crianças era originada, unicamente, da redução da liberdade e da mobilidade
que desfrutavam nos espaços públicos.

Aspecto semelhante foi apontado por Rosemberg (2015, p. 210) assinalando que na
cidade de São Paulo os espaços públicos e a mobilidade urbana não consideram as crianças
de 0 a 3 anos como cidadãs, colocando-se o município como um lugar hostil aos bebês, haja
vista que a locomoção é prejudicada por não serem pensados os espaços por onde milhares de
crianças transitam diariamente; sua condição cidadã não é colocada como ponto de partida para
o planejamento urbano.

A criança pequena, o bebê, não é um cidadão, não parece pertencer à nação. [...]
Crianças pequenas, bebês, são populações cativas, cuja locomoção depende de adul-
tos. Se não dispuserem de espaços alternativos à casa, viverão seus anos de pequena
infância nas condições restritas do domicílio.
38

Dados coletados e analisados por Ricoldi e Artes (2015) reforçam a ausência de


espaços públicos de educação destinados às crianças de 0 a 3 anos e a total invisibilidade dessa
etapa geracional quando verificada a partir dos investimentos realizados nas diferentes etapas
de escolarização.

Nota-se que, a partir do Gráfico 4, o ápice de maior concentração da taxa de frequência


escolar encontra-se, justamente, no Ensino Fundamental – etapa de escolarização obrigatória
para crianças que implica o duplo dever às famílias e ao Estado na sua oferta e manutenção.

Tal situação não se observa em relação à etapa da creche, por se constituir como etapa
facultativa para as famílias e como dever apenas para o Estado, ficando evidente que, ainda que
seja um dever do Estado prover o atendimento educacional às crianças de 0 a 3 anos, não tem
se constituído como prioridade política.

Gráfico 4. Taxa líquida de frequência escolar por idade e etapa

Fonte: Microdados do Censo Demográfico 2010 – IBGE. Dados coletados e organizados por Ricoldi e Artes (2015)

Dado o caráter perecível que o direito à educação adquire perante as crianças de 0 a 3


anos, o seu não reconhecimento, sua não materialização e não realização configuram a própria
negação da possibilidade de um dia empreenderem algo novo, por meio da ação e da palavra,
limitando sua existência à vulgaridade comum às demais espécies vivas, posto que mortais e
indistintas.
39

Dessarte, o presente trabalho voltou-se para a compreensão da infância concebida como


categoria permanente que, segundo Qvortrup (2014, p. 25), constitui-se como “o resultado da
ação recíproca entre parâmetros econômicos, políticos, sociais, tecnológicos, culturais etc.”,
com o intuito de oferecer um melhor entendimento sobre o sentido atribuído socialmente pelos
estudantes de Pedagogia ao direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e à constituição da
creche como local onde esse direito é exercido, sem, contudo, perder de vista a complexidade
de tal fenômeno e seus objetos.

1.2 O lugar da educação na infância

Tecidas as devidas considerações sobre o conceito de infância e seu papel como etapa
geracional e as implicações que seu apagamento do tecido social acarretam, destaca-se o papel
desempenhado pela educação dos mais jovens, a partir de uma perspectiva mais abrangente
que não se volta às análises psicológicas de suas peculiaridades e individualidades, tampouco
às especificidades das ações e conteúdos trabalhados dentro do espaço da creche, mas retoma
a ideia de que tais espaços foram estruturados a partir de uma lógica utilitarista, no âmbito da
esfera social.

Nas sociedades industriais, a educação, segundo Arendt (2011), deixou de ser o espaço
de iniciação dos recém-chegados por nascimento ao mundo para se constituir como o local onde
a pobreza e a desigualdade deveriam ser exterminadas por meio de um projeto de ensino que
contemplasse a inovação própria dos mais jovens e descartando tudo o que fosse considerado
velho e ultrapassado, justamente por não ter sido capaz de acabar com a pobreza e com a
desigualdade.

Entretanto, na medida em que a educação deixa de ser debatida e organizada na esfera


pública e desenvolvida por meio da ação com o intuito de garantir a manutenção de um mundo
comum a todos, o que se observou foi sua submissão a ordem utilitária da esfera social, passível
de disputa empreendida por meio da barganha, do uso da força e sua adequação conforme os
interesses dos grupos dominantes que visam manter sua própria sobrevivência, e não mais a
imortalidade de um mundo comum e acolhedor para todos (ARENDT, 2011, p. 223-225).

Nesse sentido, imaginando ser possível criar um mundo absolutamente novo por meio
dos recém-chegados por nascimento, configurou-se a educação como elemento político e a
política como elemento educativo, sem a clareza de que tanto a primeira colocação quanto a
segunda estariam absolutamente equivocadas.
40

A política só se desenvolve a partir da ação daqueles que já são educados e livres


de amarras ligadas às questões de sobrevivência, situados num mundo comum e velho que
necessita ser preservado a todos.

A educação destina-se aos mais jovens, pauta-se na experiência acumulada pela


humanidade e centraliza, na figura e na autoridade do professor, a dupla função conservadora
de proteger o mundo contra os rompantes de inovação dos jovens que, desconhecendo o modo
de funcionamento desse mundo antigo, poderiam levá-lo à ruína e, ainda, preservar os jovens
contra as forças desse velho mundo que ameaçariam precocemente sua capacidade inovadora.

Assim, a educação não pode ser vista somente considerando o futuro, uma vez que ela
trata justamente da mediação entre um passado e um presente. Ela diz de um mundo histórico
que já existia antes de nós e continuará existindo após a nossa morte. Ela trata da memória e
do passado e, portanto, apresenta um caráter conservador no tocante ao legado cultural e às
tradições históricas e, a partir desse legado, prepara a continuidade entre o passado e o futuro.

No entanto, tal inversão entre a política e a educação acarretou a desconsideração


de todo o aparato que pudesse remeter ao velho mundo incluindo, entre outras coisas, a
apressada assimilação de teorias e técnicas educativas consideradas progressivas e aptas a dar
continuidade à construção do novo mundo, sem que qualquer reflexão fosse realizada de modo
mais profundo sobre os diferentes papéis assumidos no processo educativo entre os mais jovens
e os mais velhos.

A infância e sua educação passaram a ser submetidas aos interesses dos grupos
dominantes que lutavam na esfera social pela manutenção de seus próprios interesses e de sua
própria sobrevivência. Desse modo, deixou a infância de se constituir como interesse público,
ficando relegada às esferas privada e social. O pacto geracional sustentado entre as gerações
mais velhas e mais novas foi quebrado na medida em que não havia mais a defesa de um mundo
comum, mas apenas a defesa de interesses privados de grupos específicos.

A autoridade exercida pelos mais velhos nos processos de iniciação dos mais jovens
foi também substituída pela ideia de que seria possível às crianças tomar a decisão por suas
ações, sob o pretexto de que se criava um novo mundo que ofereceria respostas aos problemas
da pobreza e da desigualdade. “As relações reais e normais entre crianças e adultos, emergentes
do fato de que pessoas de todas as idades se encontram sempre simultaneamente reunidas no
mundo, são assim suspensas” (ARENDT, 2011, p. 230).

Entre as consequências negativas que derivaram da ideia de que as crianças poderiam


criar o seu novo mundo, tem-se a primeira delas que se caracterizou pela perda da autoridade
41

dos adultos (autoridade epistêmica), na medida em que estes passaram a ser meros observadores
da pseudoinovação que se colocava em prática nos grupos infantis.

A autoridade que diz às crianças individualmente o que fazer e o que não fazer repousa
no próprio grupo de crianças [...] gera uma situação em que o adulto se acha impotente
ante a criança individual e sem contato com ela. Ele apenas pode dizer-lhe que faça
aquilo que lhe agrada e depois evitar que o pior aconteça (ARENDT, 2011, p. 230).

Considerando que a ação política só pode ser exercida por adultos, e que já se encontram
educados, às crianças restaria nesse modelo a tirania de uma maioria que não se dá em termos
de “iguais”, mas no âmbito de quantidade e da maioria tal qual se observa na esfera social,
contra as quais pouco há para se opor, excluindo-se por completo o fato de que necessitam do
contato com os adultos, representantes do mundo, para serem iniciadas no legado cultural do
qual são herdeiras.

Assim ao emancipar-se da autoridade dos adultos, a criança não foi libertada, e sim
sujeita a uma autoridade muito mais terrível e verdadeiramente tirânica, que é a tirania
da maioria. [...] o resultado foi serem as crianças, por assim dizer, banidas do mundo
adulto. São elas, ou jogadas a si mesmas, ou entregues à tirania de seu próprio grupo,
contra o qual, por sua superioridade numérica, elas não podem se rebelar, contra o
qual, por serem crianças, não podem argumentar, e do qual não podem escapar para
nenhum outro mundo por lhes ter sido barrado o mundo dos adultos (ARENDT, 2011,
p. 231).

Nesse sentido, a convivência simultânea entre adultos e crianças nos espaços públicos
que deveria “preparar a criança para o mundo dos adultos foi extinta em favor da autonomia do
mundo da infância [...] sob o pretexto de respeitar a independência da criança, ela é excluída do
mundo dos adultos e mantida artificialmente no seu próprio mundo” (ARENDT, 2011, p. 233).

[...] jamais se deveria permitir, porém, que tal linha se tornasse uma muralha a separar
as crianças da comunidade adulta, como se não vivessem elas no mesmo mundo e
como se a infância fosse um estado humano autônomo, capaz de viver por suas pró-
prias leis (ARENDT, 2011, p. 246).

Numa perspectiva de segmentação das crianças do mundo adulto, Qvortrup


(2014) destaca que tal processo surgiu justamente da prerrogativa de que as crianças, como
seres vulneráveis, necessitavam de uma rede de proteção. Tal perspectiva era pautada nas
características individuais das crianças e acabou por afastar a possibilidade de serem pensadas
a partir da perspectiva de uma infância sociológica.

O processo de familiarização dos cuidados e a criação de instituições específicas para


os mais jovens são exemplos de tais estratégias de segmentação que tiveram por objetivo conter
essa etapa geracional em guetos específicos e completamente apartados do mundo dos adultos.

[...] as crianças perderam sua visibilidade legítima no espaço público quando foram
confinadas a uma variedade de formas institucionais de infância: uma infância fami-
liar, uma infância escolar, uma infância pré-escolar, uma infância de lazer etc. Re-
42

sumindo, mesmo que a infância tenha ganhado mais visibilidade no interior desses
confinamentos, tornou-se distante de um encontro mais abrangente com a idade adul-
ta, sociologicamente falando. As crianças, portanto, perderam a visibilidade, isso se
não foram de fato extirpadas do interior dos setores mais dominantes do tecido social,
emblemáticos para os adultos, como o mundo dos negócios e do trabalho, as áreas
urbanas, e os setores políticos e administrativos (QVORTRUP, 2014, p. 28).

Logo, o que se vislumbrou em nome de uma proteção aos mais jovens foi a
desconsideração do papel da natalidade10 (o nascer para o mundo comum, social e político),
marcado exclusivamente por ações e palavras que garantirão, para além da preservação da
espécie humana, a continuidade de um mundo comum a todos e, por essa mesma razão, a
imortalidade desse mundo comum por meio das ações e feitos empreendidos pelos homens que
por esse mundo passaram.

Nessa medida, as instituições assumiram não o papel de mediadores entre os


recém-chegados por nascimento e o mundo comum, mas se colocaram como oásis infantis
completamente desconectados de um mundo comum, onde as próprias crianças e suas famílias
devem se responsabilizar por sua educação e ser mantidas sob o controle exercido pelos grupos
que dominam a esfera social.

Controle não é uma negação da proteção, mas sua versão autoritária e paternalista.
Quando alguém assume essa versão extrema de proteção, está, ao mesmo tempo, me-
nosprezando a habilidade das crianças de empregar sua capacidade e sua competên-
cia, e reforçando a ausência de confiança, entre adultos, em relação a essas qualidades
das crianças (QVORTRUP, 2014, p. 30).

A ausência de vagas em creches e de outras políticas de atendimento à infância decorre


de uma visão utilitarista, pautada na segregação e no não reconhecimento das crianças de 0 a
3 anos como integrantes da comunidade humana. O que se nega a essas crianças não é apenas
uma vaga no espaço público, mas sua própria humanidade. Nega-se o seu acesso aos bens
culturais, históricos e sociais.

Pensar na educação escolar implica, portanto, uma reflexão mais abrangente. Não se
trata, como diz Arendt (2011, p. 227), de responder à pergunta “Por que Joãozinho não sabe
ler”, mas analisar o papel que a escola desempenha dentro de uma estrutura mais ampla que
considere, também, o papel das crianças na divisão do trabalho, por exemplo.

[...] uma ênfase extrema na suposta vulnerabilidade pode ser utilizada por segmentos
mais poderosos como pretexto para silenciar e marginalizar as crianças. A escolari-
zação, conforme mencionado anteriormente, é um bom exemplo. Havia, é verdade,
muitas boas razões para abolir o trabalho infantil clássico, entre elas a proteção. No


10
Distinção necessária com relação à ideia de nascimento enquanto uma vida biológica que, comum a qualquer
espécie animal, garante apenas a perpetuação de dada espécie e limita-se à condição do labor, não desempe-
nhando qualquer ação que possa adquirir a imortalidade empreendida por ações e palavras na esfera pública.
43

entanto, essas boas razões não são suficientes para negligenciar ou desvalorizar o
novo trabalho das crianças nas escolas. Não é difícil de entender por que defensores
influentes do trabalho escolar, como o Estado e as corporações, interpretam a escolari-
zação como um presente para as crianças e os pais e, assim, a ignoram como uma im-
portante contribuição das crianças para o tecido social como um todo. Qualquer coisa
diferente disso implicaria retornos massivos para as crianças e seus pais. Enfatizar
medidas de proteção e de socialização ao custo de interpretar a escolarização como
a participação das crianças na divisão social do trabalho foi, dessa forma, o interesse
maior, irresistível, e mesmo assim um meio de suprimir as contribuições das crianças
(QVORTRUP, 2014, p. 34).

No cenário delineado por Arendt (2011) e Qvortrup (2014), poder-se-ia pensar o espaço
da creche não como local de segregação, mas como lugar de integração com o mundo adulto.
Na medida em que a transição da esfera privada à esfera pública exige a mediação dos adultos,
constitui-se o espaço público da creche como o lócus onde tal transição se torna possível, pelo
reconhecimento do pertencimento dessas crianças no mundo comum que une o passado e o
presente, considera e resgata sua iniciação como o conjunto de realizações humanas, das quais
essas crianças são herdeiras.

Não se trata de criar algo novo, mas de posicionar os adultos como intermediários
entre o mundo tal qual ele se coloca e os mais jovens, de modo que a partir do conhecimento
desse mundo lhes seja possível empreender algo novo. Trata-se de assumir novamente uma
postura de responsabilidade compartilhada entre os adultos e a infância, de restabelecer o elo
entre o passado e o futuro.

Aos adultos cabe a dupla função de proteger a criança e ao mesmo tempo apresentar-
lhe o mundo tal qual ele é. São os adultos em relação às crianças que respondem por esse
mundo, são eles os representantes desse mundo, e não o contrário (ARENDT, 2011, p. 239).

Longe de se conceber desigualdade com segregação, tal qual se observa nas redes
de proteção destinadas às crianças e nos oásis infantis, a escola deve ser a instituição que se
interpõe entre o domínio privado do lar e o mundo.

Somente após tal mediação é que a desigualdade entre os mais novos e os adultos
poderá ser superada, por meio do conhecimento sobre esse mundo e da apropriação de seu
legado histórico e cultural, para que, então, possam os mais jovens assumir, por si próprios, a
responsabilidade que lhes é devida ante o pacto geracional (ARENDT, 2011, p. 239).

Nessa perspectiva, o passado, a autoridade dos adultos, o caráter conservador da


educação, a tradição e o legado cultural são os elementos necessários na educação, a fim de que
seja possível oferecer os princípios e os padrões essenciais ao desenvolvimento de julgamentos
que levem os mais jovens a empreender algo novo.
44

Nesse sentido, a ausência de vagas para as crianças de 0 a 3 anos no espaço da creche,


como espaço público de intermediação entre a vida privada e o mundo comum, seria então o
reflexo de um abandono intencional dos adultos no tocante à responsabilidade que deveriam
assumir para com o mundo.

Na medida em que não consideram essa etapa geracional como parte de suas
responsabilidades, descomprometem-se, em igual medida, pela manutenção de um mundo
comum.

Na modernidade, as crianças são invisíveis no espaço público porque foram coloca-


das à margem dele, em parte devido à nova, e agora bastante consciente, definição
da criança como pessoa cujas competência e capacidade estão em compasso de es-
pera, para tornarem-se um verdadeiro membro da comunidade humana, parte porque
a criança individual e as crianças como um grupo não são vistas como tendo uma
relação com adultos em geral, mas com uma forte tendência de que se restrinjam me-
ramente a seus pais, professores e supervisores (QVORTRUP, 2014, p. 31).

Esse descompromisso público com o mundo comum, embora possa ser dissimulado
por meio da formulação de políticas de atendimento e com a positivação de direitos voltados à
infância, mostra-se ainda mais perverso e nefasto, por não serem institutos capazes de modificar
a situação das crianças que permanecem, na insignificância de uma vida privada e condicionadas
ao labor, em listas de espera aguardando por uma vaga que lhe conceda um espaço onde sua
ação e sua palavra possam consideradas relevantes.

Nessa perspectiva de abandono, vale resgatar o ponto essencial da educação trazido


por Arendt (2011, p. 247):

A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumir-


mos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável
não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde
decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não abandoná-las a seus pró-
prios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender algu-
ma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência
para a tarefa de renovar um mundo comum.

A não consideração da inserção das crianças de 0 a 3 anos na esfera pública por meio da
educação impede o processo de reificação dos artifícios humanos que assegurariam condições
para sua manutenção como categoria social, posto que sua invisibilidade é retroalimentada na
medida em que o seu não reconhecimento implica a não realização e a não materialização de
suas ações, tornando-as invisíveis, consumíveis e insignificantes para a esfera pública.

Sem a ação e a palavra no espaço público, possibilitadas por meio da educação, essa
etapa geracional não deixa memória, não pode ser recordada, tampouco ficará como marca
para os que virão.
45

Sem a ação para pôr em movimento no mundo o novo começo de que cada homem é
capaz por haver nascido, “não há nada que seja novo debaixo do sol”; sem o discurso
para materializar e celebrar, ainda que provisoriamente, as coisas novas que surgem e
resplandecem, “não há memória”; sem a permanência duradoura do artifício humano,
“não haverá recordação das coisas que têm de suceder depois de nós”. E sem o poder,
o espaço da aparência produzido pela ação e pelo discurso em público desaparecerá
tão rapidamente quanto o ato ou a palavra viva (ARENDT, 2007, p. 216).

A não concretização do efetivo acesso à educação aos recém-chegados por nascimento


implica a negação da sua igualdade e de sua singularidade, retira-lhes a possibilidade de se
distinguirem dos demais (dos seus iguais) para torná-las “meros objetos físicos”. Deixam de
ser vistas como “quem” são para serem, quando muito, tratadas como o “que” são. Tornam-se
apequenadas em sua dignidade, pois, conforme explica Arendt (2007, p. 188):

A pluralidade humana, condição básica da ação e do discurso, tem o duplo aspecto


de igualdade e diferença. Se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de com-
preender-se entre si e aos seus ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e prever as
necessidades das gerações vindouras. Se não fossem diferentes, se cada ser humano
não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a existir, os homens não
precisariam do discurso ou da ação para se fazerem entender.

Negar-lhes a possibilidade de fazer parte no mundo comum significa tomar-lhes a


igualdade e ao mesmo tempo sua singularidade, “uma vez que já não é vivida entre os homens”
(ARENDT, 2007, p. 189).

Na ação e no discurso, os homens mostram quem são, revelam ativamente suas identi-
dades pessoais e singulares, e assim apresentam-se ao mundo humano, enquanto suas
identidades físicas são reveladas, sem qualquer atividade própria, na conformação
singular do corpo e no som singular da voz. Esta revelação de “quem”, em contrapo-
sição a “o que” alguém é [...] está implícita em tudo o que se diz ou faz (ARENDT,
2007, p. 192).

A não previsão de suas chegadas ao mundo comum, o não planejamento e a não


efetivação de sua recepção, representados na atualidade pela ausência de um espaço que lhes
permita a iniciação no agir e no falar, implicam o não reconhecimento de que sejam capazes de
criar algo novo. A mensagem que fica e passa a orientar suas existências é a de que delas não se
espera nada. Naturaliza-se, portanto, a desigualdade.

A consequência desta associação é que este aspecto da vida reprodutiva – a educação


e o cuidado da jovem geração – não faz parte do projeto nacional, do projeto político
da cidade, de um projeto de direitos humanos à cidade. [...] A curta duração em anos
desta etapa da vida parece diminuir nossa responsabilidade para com a cidadania ple-
na dos bebês (ROSEMBERG, 2015, p. 212).

Não se considera aqui apenas o espaço público da creche, marcado por suas paredes,
da qual essas crianças carecem, ou um ambiente físico que possa recebê-las. A não oferta de
vagas diz, antes de tudo, da ausência de sua representatividade na esfera pública, tomando-se a
ideia apresentada por Arendt (2007, p. 210-211):
46

Trata-se do espaço da aparência, no mais amplo sentido da palavra, ou seja, do espa-


ço no qual eu apareço aos outros e os outros a mim; onde os homens assumem uma
aparência explícita, ao invés de se contentar em existir meramente como coisas vivas
ou inanimadas.

Não à toa Qvortrup (2011a, p. 329) propõe que seja oferecido às crianças e suas
famílias um suporte que se destine à melhoria da qualidade de suas vidas, uma vez que se
encontram inseridas na esfera social, em que o poder de troca excluiu o papel das crianças na
divisão do trabalho e na manutenção do pacto geracional, tornando-as invisíveis nas discussões
estabelecidas nas estruturas macroeconômicas, históricas e políticas.

Enquanto só se solicitar aos pais que assumam a responsabilidade pela existência das
crianças, não haverá uma sustentação forte que reivindique a atores que não são pais,
incluindo os corporativos, que se responsabilizem pela construção e reconstrução da
infância, entendida como uma forma estrutural. [...] Dado o fato inegável de que a
sociedade corporativa é dependente da reprodução da força de trabalho, e o fato igual-
mente irrefutável de que todos, incluindo pessoas sem filhos, são dependentes de uma
geração subsequente para produzir suporte e cuidados na velhice, permanece incon-
sistente que esses atores continuem a exigir o direito de serem indiferentes à infância
(QVORTRUP, 2014, p. 40).

Ante todo o exposto, a partir da definição daquilo que compõe a condição humana,
buscam-se os elementos necessários à proposição de uma nova análise da situação das crianças
de 0 a 3 anos que aguardam, em lista de espera, no isolamento de suas vidas privadas e sob a
violência da esfera social, uma vaga no sistema público de ensino.

Olhar para os espaços públicos pensados para essas crianças implica olhar o direito à
educação a partir dessa perspectiva, implica redistribuir as riquezas que advêm do seu trabalho,
deixar de punir as famílias que optaram por ter filhos e reintegrar o pacto geracional, como
prioridade política.

No desenho atual, os lucros dos pais e os investimentos das crianças são apropria-
dos pela sociedade empresarial, pela sociedade em geral e pelos adultos sem filhos,
embora o grosso das despesas permaneça com os pais. No entanto, esses lucros não
são produtivos a longo prazo, já que favorecem o parasitismo e a desmotivação da
reprodução, por parte dos adultos, em detrimento da rentabilidade a longo prazo da
sociedade. Com base nas experiências históricas, também a economia moderna deve
reconhecer a reprodução como indispensável para seu desenvolvimento. Nossa eco-
nomia moderna é, provavelmente, a primeira na história a ignorar o fato de que a
reprodução é condição sine qua non para sua sobrevivência, em consonância com a
ideia de que os investimentos devem estar de acordo com os benefícios [...] Para tal,
trata-se de assegurar, para esses pais, um padrão de vida um pouco à frente daquele
desfrutado por pessoas sem filhos. Como fazê-lo e implementá-lo é tarefa da adminis-
tração política (QVORTRUP, 2011a, p. 330).

Examinar a situação das crianças de 0 a 3 anos que aguardam por uma vaga na creche
impõe, necessariamente, um debate acerca do que, exatamente, entende-se por educação para
então analisar de que modo se constituiu como um direito. Tem-se, portanto, no próximo capítulo,
o aprofundamento sobre como se instituiu o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos.
47

2
O DIREITO À EDUCAÇÃO COMO DESDOBRAMENTO DOS
DIREITOS HUMANOS

Analisar o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos implica o desafio de situá-lo


a partir de três perspectivas distintas da área do Direito: a primeira como parte dos direitos
humanos; a segunda como parte dos chamados direitos fundamentais; e a terceira como um
direito social.

Neste capítulo serão apresentados os fundamentos teóricos acerca das diferentes


gerações de direitos que consubstanciam o suporte jurídico do direito à educação, a fim de
que seja possível compreender de que modo, a partir dessas gerações de direitos, a educação
das crianças de 0 a 3 anos adquiriu status de direito público subjetivo, de caráter universal e
inalienável que, dotado de máxima prioridade jurídica, implica execução imediata, equiparando-
se, no ordenamento jurídico nacional, ao direito à vida, à saúde e à liberdade.

2.1 As diferentes gerações dos direitos humanos

A ampliação dos direitos humanos e sociais não aconteceu de uma só vez, mas
decorreu do campo das negociações sociais e políticas, empreendidas em diferentes épocas e
em territórios distintos, por meio do avanço das sociedades democráticas e do surgimento de
variados carecimentos dessas sociedades (BOBBIO, 2004, p. 11).

Marcada por avanços e retrocessos, a constituição dos direitos fundamentais e sociais


se deu a partir da delimitação de gerações específicas de direitos, situadas em tempos históricos
particulares e que resultaram nos direitos que conhecemos na atualidade, representando o
amadurecimento de novas exigências empreendidas, sobretudo na esfera social.

[...] o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro
momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que
tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos
particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momen-
to, foram propugnados os direitos fundamentais ou políticos, os quais concebendo
a liberdade não apenas negativamente, como não impedimento, mas positivamente
como autonomia, tiveram como consequência a participação cada vez mais ampla,
generalizada e frequente dos membros de uma comunidade no poder político (ou li-
berdade no Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam
o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos valores –,
como os do bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de
liberdade através ou por meio do Estado (BOBBIO, 2004, p. 20).
48

A primeira geração dos direitos humanos, compreendida como constructo empreendido


por carecimentos que tinham por objeto a garantia e a manutenção da liberdade, situa-se a
partir de um espaço de luta e ação social, marcado por descontinuidades, avanços e retrocessos
que, segundo Arendt (1989, p. 253), remontam ao período compreendido, concomitantemente,
entre a queda das monarquias absolutas, à organização (e posterior deterioração) dos Estados-
nação na Europa Ocidental e à formação e declínio do imperialismo continental empreendido
na Europa Central.

Tais movimentos políticos, sociais e econômicos foram, pouco a pouco, delineando


um sistema de proteção aos integrantes de determinados grupos que, somente após a Segunda
Guerra Mundial, assumiu a forma de proteção numa escala internacional (ARENDT, 1989).

Retomando as origens das primeiras iniciativas de proteção aos direitos humanos,


nota-se que, embora os pontos de partida entre a Europa Central e a Europa Ocidental fossem
radicalmente diferentes em suas configurações, o que restou como constructo, em ambos, foi o
condicionamento do sistema de proteção à liberdade ao conceito de cidadania, o que, de certo
modo, não foi suficiente para assegurar aos homens o direito de pertencer a uma comunidade
humana.

Nos primeiros esboços daquilo que seria denominado direitos humanos, encontra-se na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789)11 a mais forte expressão da soberania
nacional que, aliada ao rol dos direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem e do cidadão,
explicitou uma primeira contradição, uma vez que tais direitos, embora se referissem ao
“Homem”, eram protegidos e assegurados apenas aos cidadãos franceses, deixando à margem
de sua proteção grandes massas humanas, que, durante a Primeira Guerra Mundial, destituídas
de seus territórios sob tal declaração não encontravam mais guarida (ARENDT, 1989, p. 262).

O resultado prático dessa contradição foi que, daí por diante, os direitos humanos pas-
saram a ser protegidos e aplicados somente sob a forma de direitos nacionais, e a pró-
pria instituição do Estado, cuja tarefa suprema era a de proteger e garantir ao homem
os seus direitos como homem, como cidadão – isto é, indivíduo – e como membro
de grupo, perdeu a sua aparência legal e racional e podia agora ser interpretada pelos
românticos como a nebulosa representação de uma “alma nacional” que, pelo próprio
fato de existir, devia estar além e acima da lei (ARENDT, 1989, p. 262).

Com a migração de grandes massas populares durante a desintegração dos impérios,


como o austro-húngaro, tornou-se evidente que a garantia dos proclamados direitos humanos
inalienáveis não havia sido capaz de restituir-lhes a principal característica humana, a de
pertencerem e serem reconhecidos como parte de uma comunidade humana e, portanto, sujeitos


11
Elaborada, após a Revolução Francesa, pela Assembleia Nacional composta por representantes do povo fran-
cês.
49

de direitos, conquanto, fora de seus países de origem, tornavam-se apátridas e perdiam o direito
de ter direitos (ARENDT, 1989, p. 300-301).

A situação dos apátridas colocou em xeque a própria legitimidade dos direitos


humanos e da soberania nacional, uma vez que, sem Estado, haviam perdido o direito de
pertencer a qualquer comunidade humana legalmente constituída capaz de garantir-lhes não
apenas os mesmos direitos dos demais cidadãos, mas qualquer forma de proteção ou identidade,
estabelecida e oficialmente reconhecida.

Os cidadãos nativos de um Estado-nação frequentemente olhavam com desprezo os


cidadãos naturalizados, aqueles que haviam recebido seus direitos por lei e não por
nascimento, do Estado e não da nação; mas nunca chegaram ao extremo de propor a
distinção pangermanista entre Staatsfremde, alienígenas do Estado, e Volksfreunde,
alienígenas da nação, que foi mais tarde incorporada à legislação nazista. Como o
Estado permaneceu instituição legal mesmo em sua forma pervertida, a lei controlava
o nacionalismo; e, como este havia surgido da identificação dos cidadãos com o seu
território, era delineado por fronteiras definidas (ARENDT, 1989, p. 263).

Passaram a ser, minimamente, consideradas por meio dos Tratados de Paz e das
Minorias, que “entregaram à Liga das Nações a salvaguarda dos direitos daqueles que, por
motivos de negociações territoriais, haviam ficado sem Estados nacionais próprios, ou deles
separados, quando existiam” (ARENDT, 1989, p. 305).

Tal fato não contribuiu para que os sem Estado pudessem retornar aos seus países de
origem, por razões diversas, que envolviam desde as disputas pelo território, que passavam de
uma mão à outra a cada momento e, até mesmo, a abolição tácita do direito de asilo, que até
então era um dos símbolos dos Direitos do Homem (ARENDT, 1989, p. 313).

Durante a Segunda Guerra Mundial, a já difícil situação dos apátridas ou sem Estado
tornou-se mais aguda, na medida em que restaram a essas massas, quando muito, os campos
de internação para a resolução dos problemas advindos da falta de domicílio, passando a ter
sua existência ignorada, posto que as autoridades substituíram-lhes o status de “sem Estado”
por “pessoas deslocadas”, implicando o não reconhecimento de sua situação, mas impondo
esforços no sentido de repatriá-las, ainda que seus Estados de origem se negassem a aceitá-las
de volta, como no caso daqueles que haviam sido desnaturalizados pelo governo, ou quando os
Estados as quisessem de volta para aplicar a justa punição (no caso daqueles que, supostamente,
se mantiveram contra o regime vigente em seu Estado de origem) (ARENDT, 1989, p. 313).

Sendo considerados socialmente “fora da lei”, não era de surpreender que estivessem
submetidos e vulneráveis a toda sorte de abusos e ilegalidades, praticadas pelos Estados que
os recebiam e pelos cidadãos que os viam como anomalias não previstas na lei geral. Assim, o
Estado-nação, “incapaz de prover uma lei para aqueles que haviam perdido a proteção de um
governo nacional, transferiu o problema para a polícia” (ARENDT, 1989, p. 317-321).
50

Surge, então, o Estado policial em detrimento do Estado da lei, e, à medida que


aumentava o número de refugiados, maior era a autonomia da polícia em relação ao governo
e aos ministérios que, em nome da “segurança nacional”, tratava de exercer total e irrestrito
domínio sobre os apátridas e refugiados (ARENDT, 1989, p. 322).

Diante do cenário de incertezas acerca da proteção aos direitos humanos, as grandes


massas não estavam mais a salvo nos Estados de origem, tampouco se mantinham por meio
de valores morais ou religiosos, ou decorrentes de seus sistemas legais e constitucionais de
proteção, razões pelas quais nota-se no século XIX uma maior preocupação pela definição de
direitos que atendessem às massas sem estado, configurando-se os direitos humanos como uma
espécie de direito de exceção (ARENDT, 1989, p. 327).

Ninguém se apercebia de que a humanidade, concebida durante tanto tempo à imagem


de uma família de nações, havia alcançado o estágio em que a pessoa expulsa de uma
dessas comunidades rigidamente organizadas e fechadas via-se expulsa de toda a fa-
mília das nações (ARENDT, 1989, p. 327).

Numa realidade em que os direitos civis, aqueles em que desfrutavam os cidadãos de


um determinado Estado, sobretudo os franceses e burgueses, “supostamente personificavam
e enunciavam sob a forma de leis os eternos Direitos do Homem que, em si, se supunham
independentes de cidadania e nacionalidade”, não houve qualquer tentativa no sentido de
positivar os direitos humanos numa perspectiva que abrangesse os sem-Estado (ARENDT,
1989, p. 326).

Portanto, o que se criou foi uma rede de direitos internacionais que, atrelados aos
direitos civis e políticos dos Estados, atendiam apenas aqueles que estavam ligados aos seus
Estados de origem, mas de nada serviam àqueles que haviam sido destituídos de tal prerrogativa.

Assim, a relação estabelecida entre os direitos civis, como o direito à liberdade, à


propriedade, à liberdade de pensamento, por exemplo, com os direitos humanos, tratou de
manter à margem da comunidade humana grandes massas populacionais.

Ainda que tivessem o direito à liberdade, à vida, à liberdade de pensamento e à busca


pela felicidade, havia outra perda que, ainda maior, nenhum direito positivado deu conta de
reparar, que era justamente a perda do direito de fazer parte da comunidade humana. Embora
pudessem desfrutar do direito à liberdade, por não estarem sujeitos a qualquer legislação, não
tinham o direito de agir; embora tivessem liberdade para pensar, não havia um espaço político
e social para que suas opiniões fossem ouvidas (ARENDT, 1989, p. 327).

Considerando o conceito de direitos humanos proposto por Arendt (1989), distinto do


conceito que sustenta os direitos civis que implica integração do sujeito à comunidade humana,
extrai-se a ideia de que os direitos preconizados pelos Tratados de Paz e pelo Tratado das
51

Minorias pouco ou nada contribuíram para a efetivação de tal inclusão, situação essa que, até
hoje, permanece pendente de solução mais assertiva.

A calamidade dos que não têm direitos não decorre do fato de terem sido privados da
vida, da liberdade ou da procura da felicidade, nem da igualdade perante a lei ou da
liberdade de opinião – fórmulas que se destinavam a resolver problemas dentro de
certas comunidades – mas do fato de já não pertencerem a qualquer comunidade. Sua
situação angustiante não resulta do fato de não serem iguais perante a lei, mas sim de
não existirem mais leis para eles; não de serem oprimidos, mas de não haver ninguém
mais que se interesse por eles, nem que seja para oprimi-los (ARENDT, 1989, p. 329).

No entanto, se a situação dos apátridas pouco evoluiu ao longo do tempo, no que diz
respeito a uma rede de proteção efetiva, o mesmo não se observou em relação à evolução e
refinamento dos carecimentos que surgiam entre aqueles que, considerados cidadãos, exigiam
não mais o direito à liberdade, à igualdade e à fraternidade, em seu aspecto declaratório, mas
o desenvolvimento de condições que amiúde garantissem a efetividade prática dos direitos
preconizados.

Nesse sentido, encontram-se dois marcos legais que contribuíram para o


desenvolvimento daquilo que compreende a chamada segunda geração dos direitos Humanos,
posto que influenciaram grande parte dos modelos democráticos de organização política, jurídica
e social – a Constituição alemã de 1919 e Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

Conforme explica Araujo (2012, p. 43), a Constituição alemã de 1919 apresentava, em


sua segunda parte, a declaração dos direitos e deveres fundamentais, inovando e atendendo de
certo modo aos carecimentos que se colocavam na esfera social, os novos direitos de conteúdo
social, incluindo pela primeira vez um conjunto de disposições sobre a educação pública e
sobre o direito trabalhista.

Nela se atribuiu ao Estado o dever fundamental de educação escolar, determinando


a duração de oito anos para o ensino fundamental e educação complementar até os
dezoito anos de idade do educando, além de prever a concessão de subsídios públicos
aos pais de alunos considerados aptos a cursar o ensino médio e superior (art. 146).
Em relação aos direitos trabalhistas e previdenciários, estes são elevados ao nível
constitucional de direitos fundamentais, também estabelecendo limites à liberdade de
mercado, a qual deveria procurar preservar um nível de existência adequado à digni-
dade humana (ARAUJO, 2012, p. 43).

Institui-se, assim, a segunda geração dos direitos humanos que impunha uma atuação
positiva do Estado, de modo que, por meio de políticas públicas governamentais, tais direitos
pudessem ser efetivamente desfrutados.

Na mesma direção, em 1948, segundo Martins Filho (1999), encontra-se a Declaração


Universal dos Direitos Humanos que, a partir do reconhecimento do assentamento dos direitos
humanos no Direito Natural, sob a condição de “preexistentes” a qualquer ordenamento jurídico
52

nacional, impõe-se como um conjunto de normas primárias aos demais direitos, compromete-se
em assegurar o gozo ao direito à vida, à liberdade, à igualdade, à justiça, à segurança, à família,
à propriedade, ao trabalho, à saúde, à educação e à cidadania, a todos os cidadãos, dentro do
território nacional.

Conforme explicam Zambone e Teixeira (2012, p. 53-56), em linhas sintéticas, os


direitos humanos referem-se “aos direitos reconhecidos no plano internacional, por meio de
tratados, convenções e acordos”, enquanto os direitos fundamentais, na perspectiva apresentada
por Martins Filho (1999), “são aqueles reconhecidos e positivados na legislação de determinado
Estado”, que diferenciados dos demais direitos possuem características e princípios próprios
de constituição e por essa razão são: históricos; inalienáveis, de caráter personalíssimo;
imprescritíveis; irrenunciáveis; podendo ser exercidos de modo concorrentes. E mais ainda,
considerados universais; não podem ser submetidos a qualquer espécie de retrocesso no que
tange ao seu reconhecimento.

Ao contrário dos direitos humanos [...] os direitos fundamentais precisam estar inscri-
tos no ordenamento jurídico pátrio para terem seu valor reconhecido juridicamente.
[...] os direitos fundamentais são os direitos humanos que passaram por um proces-
so de legislação [...] que se refletirá em sua própria aplicação em termos positivos
(ARAUJO, 2012, p. 47-48).

E a última geração dos direitos humanos, que se caracterizou por um maior detalhamento
que, no caso da Educação, não se resume a declará-la ou positivá-la em termos gerais, mas
exige o delineamento dos processos e ações que deverão ser empreendidos para que se efetive
sua fruição não apenas aos cidadãos de forma individual, mas que abranjam seu gozo por toda a
coletividade, representados por meio dos direitos de natureza coletiva ou difusa, que sustentarão
o desenvolvimento de políticas públicas.

Essa evolução dos direitos humanos, no Brasil, atingiu o seu ápice na década de 1990
com a sua adesão à Declaração dos Direitos da Criança, a partir da qual se constituíram todos
os dispositivos legais de proteção e atendimento à infância e à adolescência, por meio do
delineamento de ações e políticas públicas de atendimento, que incluíram a educação no rol dos
direitos fundamentais e sociais e definiram, entre outras coisas, o espaço da creche onde esse
direito pode ser usufruído por todas as crianças de 0 a 3 anos.

Em que pesem os avanços observados com relação ao desenvolvimento de mecanismos


que anunciam, asseguram e tornam efetivo o direito à educação das crianças de 0 a 3 anos em
creche, há ainda grandes entraves econômicos, sociais e culturais que necessitam ser superados
para a sua efetiva fruição.

Considerando as crianças de 0 a 3 anos que aguardam a efetivação do seu direito


à educação, constitucionalmente assegurado, a partir do conceito de direitos humanos
53

apresentados por Arendt (1989), podemos concluir que aqueles que se encontram em listas
intermináveis de espera não vivenciam apenas limitações do exercício pleno de seus direitos
sociais, mas têm, antes disso, a negação das condições essenciais que permitiriam a fruição do
direito de pertencer à comunidade humana e ao princípio universal da dignidade humana.

A privação fundamental dos direitos humanos manifesta-se, primeiro e acima de tudo,


na privação de um lugar no mundo que torne a opinião significativa e a ação eficaz.
[...] Esse extremo, e nada mais, é a situação dos que são privados dos seus direitos
humanos. São privados não do seu direito à liberdade, mas do direito à ação; não do
direito de pensarem o que quiserem, mas do direito de opinarem. Privilégios (em al-
guns casos), injustiças (na maioria das vezes), bênçãos ou ruínas lhes serão dados ao
acaso e sem qualquer relação com o que fazem, fizeram ou venham a fazer (ARENDT,
1989, p. 330).

Nesse sentido, no plano de políticas governamentais, o Brasil, no tocante à questão


do direito humano à educação das crianças de 0 a 3 anos, situa-se entre o papel de violador
contundente e o de pretenso garantidor, estando muito aquém da efetivação que se julga
adequada e necessária, considerando que no ano de 2015, conforme dados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (Pnad) apenas 25,6% das crianças de 0 a 3 anos (2,6 milhões)
estavam matriculadas em creche ou escola (IBGE, 2017) contra 74,4% (7,7 milhões) que não
frequentavam nenhum estabelecimento educativo.

Conforme os números apresentados, havia no ano de 2015 cerca de 7,7 milhões de


crianças de 0 a 3 anos restritas às suas famílias ou contextos sociais atomizados. Vivenciavam,
essas crianças, processos semelhantes àqueles explorados por Arendt (1989, p. 334) relativamente
aos apátridas que, embora titulares do direito à vida e à liberdade, não dispunham de espaços
onde tais direitos pudessem ser vivenciados. Destituídas do seu lugar na comunidade, poderse-
ia afirmar que lhes restavam apenas “[...] aquelas qualidades que geralmente só se podem
expressar no âmbito da vida privada, e que permanecerão ineptas, simples existência, em
qualquer assunto de interesse público” (ARENDT, 1989, p. 334).

Pensar as crianças de 0 a 3 anos como categoria social e analisá-la a partir das relações
estabelecidas com as demais categorias implica reconhecê-las, enquanto categoria, como grupo
minoritário, na acepção proposta por Moscovici (2011, p. 21), a partir da desigualdade de sua
participação na distribuição do poder e da renda, que em nada se configura com a quantidade
dos integrantes que a compõem.

Considerando-se o processo de familiarização, tido por Qvortrup (2014) como a


responsabilização exclusiva das famílias pelo sustento e desenvolvimento de suas crianças,
desconsiderando-as como categoria social que sustenta o já apresentado pacto geracional
na divisão do trabalho, poderíamos pensar que, tal como os apátridas analisados por Arendt
(1989), as crianças de 0 a 3 anos, ainda que disponham de um arcabouço júridico de proteção e
54

visibilidade, ficam à margem do artifício humano e tornam-se parte da “raça humana da mesma
forma como animais pertencem a uma dada espécie de animais” (ARENDT, 1989, p. 335).

O paradoxo da perda dos direitos humanos é que essa perda coincide com o instante
em que a pessoa se torna um ser humano em geral – sem uma profissão, sem uma
cidadania, sem uma opinião, sem uma ação pela qual se identifique e se especifique
– e diferente em geral, representando nada além da sua individualidade absoluta e
singular, que, privada da expressão e da ação sobre um mundo comum, perde todo o
seu significado (ARENDT, 1989, p. 335-336).

A igualdade perante a lei, no caso das crianças de 0 a 3 anos, cujas famílias sinalizaram
o interesse por uma vaga em creche, remete à ideia da igualdade entre os animais da obra
de Orwell (1994, p. 93), bem lembrada por Moscovici (2011, p. 27), na qual se verifica que
embora todos sejam iguais perante a lei, alguns são mais iguais que outros. Se o direito à
educação é um direito de todos, apoiado nos princípios postulados pelos direitos fundamentais
e humanos, os mecanismos que privilegiam determinadas etapas de escolarização e educação,
em detrimento de outras, confirmam a igualdade dos animais de Orwell (1994, p. 93), que
justificava o tratamento diferenciado e privilegiado destinado a alguns grupos de animais, e não
a outros.

Tal qual os apátridas que somente eram reconhecidos como sujeitos de direito quando
cometiam algum delito e sua situação necessitava da intervenção da polícia e do Poder Judiciário,
parte das crianças de 0 a 3 anos que se encontram em lista de espera, da mesma forma, só
se torna visível aos olhos públicos por meio das demandas que se instalam no Judiciário ou
quando sua situação de vulnerabilidade atinge patamares extremos, exigindo a intervenção
estatal. Portanto, a não previsão, por parte do poder público, de suas chegadas com a oferta de
espaços públicos nos quais essas crianças possam ser vistas e ouvidas retira-lhes parte daquilo
que compõe o direito humano à vida e à dignidade.

[...] aquilo que devemos chamar de “direito humano” teria sido concebido como ca-
racterística geral da condição humana que nenhuma tirania poderia subtrair. Sua perda
envolve a perda da relevância da fala [...] e a perda de todo relacionamento humano
[...], isto é, a perda, em outras palavras, das mais essenciais características da vida
humana (ARENDT, 1989, p. 330).

Nesse sentido, analisar o conceito de visibilidade ou invisibilidade da infância na


esfera política e jurídica implica verificar de que modo a infância e suas temáticas foram e são
abordadas socialmente e de que forma os processos sociais consideraram a infância em suas
instâncias decisórias (QVORTRUP, 2014).

Entende-se que, desse modo, analisar a questão do direito à educação de crianças de 0


a 3 anos e o espaço da creche como local onde esse direito se exerce criará oportunidade para
reflexões sobre o modo como as comunicações socialmente estabelecidas incluíram ou não, em
suas discussões macroestruturais, questões relacionadas a essa etapa geracional.
55

Implica, dessarte, como ponto de partida para tal análise, localizar o direito à
educação à luz do seu marco jurídico máximo, a Constituição Federal do Brasil de 1988, ao
qual todos os demais dispositivos jurídicos encontram-se subordinados, sob pena de serem
declarados inconstitucionais e, portanto, sem qualquer reflexo jurídico no caso de se mostrarem
incompatíveis com os preceitos da Carta Magna.

Em que pese o destaque à educação das crianças de 0 a 3 anos nos dispositivos


legais que se seguiram à Constituição Federal de 1988, tais como o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/1990), a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/1996) e o próprio Plano
Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), neste trabalho serão abordados apenas os dispositivos
constitucionais que regulamentam tal direito.

2.2 O direito à educação e a constituição da creche como espaço educativo na Constituição


Federal brasileira de 1988

A luta, na direção da implementação da creche no Brasil, tem seu primeiro marco


legal instituído na década de 1930, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1934,
que, conforme explica Campos (1999, p. 120), contando com o apoio e força dos movimentos
feministas e das entidades sindicais, incluiu o atendimento em creche aos filhos de mulheres
trabalhadoras, tendo sido intensificada, sobretudo, nas décadas de 1960 e 1970.

Por meio do envolvimento de interesses, próprios da esfera social, que incluíam


aspectos macroestruturais da economia e da política, encontraram-se justificativas favoráveis
e contrárias à implementação da creche, como política de atendimento voltada às famílias
vulneráveis.

Entre os argumentos favoráveis à criação e ampliação do atendimento em creche


destacavam-se, segundo Vieira (2016), as altas taxas de mortalidade infantil nas populações
mais vulneráveis, o crescimento do “comércio das criadeiras” e o abandono infantil decorrente
da intensificação da entrada das mulheres no mercado de trabalho.

A creche, assim, respondia a uma demanda social de acolhimento às camadas mais


vulneráveis que, que consideradas “uma anormalidade social com a entrada da mulher/mãe no
mundo do trabalho, fora do lar, longe do bom e salutar convívio da família” (VIEIRA, 2016, p.
189), demandavam uma intervenção por parte do poder público.

No tocante aos argumentos desfavoráveis à instituição e ampliação da creche, marcados


sobretudo pelo discurso médico-sanitário-higiênico do Departamento Nacional da Criança
56

(DNCr),12 incluíam-se: o desmame antecipado das crianças; uma estrutura física precária e
insalubre que favorecia a propagação de doenças; a ausência de manuais de preparação dos
alimentos que resultariam em distúrbios nutritivos e raquitismo (VIEIRA, 2016).

Nessa perspectiva que poderia ser considerada assistencial e utilitária, a creche surge
marcada por um campo de tensões que, longe de estabelecer um consenso, acaba por estigmatizar
sua clientela, na medida em que destacava a incapacidade das famílias de cuidar adequadamente
dos seus filhos. Nesse cenário, com relação às crianças, tem-se como ponto de partida o chamado
Código de Menores (1979)13 que, atrelado ao direito criminal, envolvia questões concernentes à
violência, ao abandono, à mendicância, exigindo um papel intervencionista do Estado.

As situações judiciais que prevaleciam nesse cenário diziam respeito a famílias pobres
que demonstravam não serem capazes de garantir o mínimo de cuidado com sua prole, sobretudo
nos casos que abrangiam crianças em situação de mendicância, envolvimento na prática de
pequenos delitos ou em situação de total abandono emocional e material. Assim, o direito se
revestia de feições criminais, compreendendo um público marginalizado para o qual o espaço
da creche se mostrava a última instância de atendimento a fim de remediar um problema social,
antes que outras medidas de controle social tivessem que ser acionadas, tais como: os processos
de retirada das crianças de seus lares, o encaminhamento dos menores para instituições de
custódia e a perda do pátrio poder.

O atendimento de caráter compensatório orientado pelo DNCr destinado às famílias


em situação de extrema pobreza e vulnerabilidade estabeleceu, entre outras coisas, diretrizes
médicas para o atendimento das crianças sem a previsão de profissionais da área da Educação,
uma vez que as creches eram dirigidas por profissionais da área da enfermagem e os demais
serviços executados por pessoas que não possuíam qualquer formação específica.

Sua constituição em termos de financiamento também se mostrava, de certo modo,


fortemente apartada das decisões públicas, uma vez que o espaço da creche se configurava,


12
Criado pelo Decreto-lei 2.024, de 17 de fevereiro de 1940, subordinado ao Ministério da Educação e Saúde e
ao Ministro de Estado, tendo seu foco de atuação voltado para as questões relacionadas à saúde, à higiene e
à alimentação das crianças. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-
-lei-2024-17-fevereiro-1940-411934-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 20 fev. 2017.

13
Código que regulamentava questões relacionadas à assistência, proteção e vigilância de crianças compreen-
didas entre 0 e 18 anos que se encontrassem em situação considerada irregular nos termos no art. 2.º: en-
contrar-se privado das condições essenciais a sua subsistência, saúde e instrução obrigatória; ser vítima de
maus-tratos ou castigos imoderados; estar em perigo moral (encontrando-se em ambiente contrário aos bons
costumes; praticando atividades contrárias aos bons costumes); apresentar desvio de conduta, em virtude de
grave inadaptação familiar ou comunitária; e/ou ser autor de infração penal. Nesse cenário, atribuía-se res-
ponsabilidade exclusiva à família e, em sua ausência, aquele que se encontrasse em seu poder e companhia,
exercendo as funções de vigilância, direção e educação (art. 2.º, parágrafo único). Texto na íntegra disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1970-1979/L6697.htm>. Acesso em: 10 jan. 2016.[
57

sobretudo, como espaço mantido pela iniciativa privada, custeado por meio da caridade e da
filantropia (VIEIRA, 2016, p. 189-190).

O reconhecimento do espaço da creche como espaço de custódia e cuidados partiu


não de um posicionamento público de considerar a infância como etapa geracional pertencente
à esfera pública, mas decorreu de necessidades de grupos específicos (mulheres operárias e
organizações sindicais) que reivindicavam condições mínimas de sobrevivência, situando-se a
creche como uma resposta às necessidades desses grupos, mas não propriamente das crianças.
A realidade de onde nasceram as exigências desses direitos era constituída pelas lu-
tas e pelos movimentos que lhes deram vida e as alimentaram: lutas e movimentos
cujas razões, se quisermos compreendê-las, devem ser buscadas não mais na hipótese
do estado de natureza, mas na realidade social da época, nas suas contradições, nas
mudanças que tais contradições foram produzindo em cada oportunidade concreta
(BOBBIO, 2004, p. 36).

No entanto, tal situação permaneceu inalterada, mesmo após a criação dos parques
infantis públicos (voltados ao atendimento dos filhos da classe operária) e do Jardim da
Infância (que atendia aos filhos da elite paulistana) no ano de 1935, na cidade de São Paulo,
que, coordenados e mantidos pelo Departamento de Cultura,14 destinavam-se às crianças de
3 a 7 anos de idade e, embora apresentassem forte preocupação com os aspectos educativos,
assistiam a públicos distintos: os parques infantis, assumindo uma perspectiva de atendimento
assistencial na área da saúde, e o Jardim da Infância, inaugurando um trabalho educativo para a
infância na Escola Normal (KHULMANN JÚNIOR, 1991; MONARCHA, 2001; 2016).

A realidade da creche, atrelada às áreas da saúde e da assistência social, era a da pobreza


das crianças atendidas, mantidas por meio da filantropia e ações de caridade organizadas por
uma elite que, para além dos donativos, pouco representou em termos de luta por melhores
espaços e novas significações acerca do papel das instituições que atendiam aos filhos das
classes vulneráveis.

Tem-se, nesse sentido, a fixação da família como responsável pela educação das crianças
entre 0 a 3 anos, cabendo ao Estado uma atuação mínima e de caráter apenas compensatório
nos aspectos relacionados à sobrevivência, ao que Qvortrup (2014) intitulou de processo de
familiarização, que permaneceu inalterado, em termos de aspectos legais, até o advento da
Constituição Federal de 1988.

Deixando para trás a esfera assistencial e a intervenção positiva do Estado apenas


nos casos emergenciais, a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases (Lei
9.394/1996) inauguram a inclusão do direito à educação como ação positiva do Estado em
benefício de todos os cidadãos, bem como situaram o espaço da creche como espaço educativo
de caráter universal no atendimento de crianças de 0 a 3 anos de idade.


14
Departamento esse dirigido por Mário de Andrade entre os anos de 1935 a 1938 (VIEIRA, 2004).
58

Ao ser incorporado ao rol dos direitos sociais e fundamentais, Souza (2010, p. 19)
explica que o direito à educação se configurou como “processo de reconstrução da experiência
e atributo da pessoa humana” e representou “uma garantia primária para a consolidação de uma
série de outros direitos dos cidadãos, além de constituir-se em um direito em si” (BITTAR,
2014, p. 17), e por essa razão
[...] constitui regra de conformação do sistema jurídico, ditando o conteúdo de toda
normatização infraconstitucional, devendo ser objeto de máxima efetividade, assegu-
rada por meio de leis, atos normativos e posturas administrativas, vedada qualquer
limitação ao seu alcance, sob pena de indevido retrocesso (SOUZA, 2010, p. 19).

Especificamente quanto ao atendimento educacional às crianças de 0 a 3 anos,


destaca-se a Resolução 3, de 3 de agosto de 2005, do Conselho Nacional de Educação (CNE),15
fundamentada a partir do Parecer CNE/CEB 6/2005 que, entre outras determinações, definiu
normas nacionais para a organização da Educação Básica, com a ampliação do Ensino
Fundamental para nove anos de duração e especificou, em seu art. 2.º, nova nomenclatura, faixa
etária e duração a ser adotada pela educação infantil, reafirmando o espaço da creche como
local onde se daria a primeira etapa da escolarização da Educação Básica, conforme Quadro 1.

Quadro 1. Organização das etapas da Educação Básica, segundo art. 2.º da Resolução 3,
de 3 de agosto de 2005
Etapa de ensino Faixa etária prevista Duração

Educação infantil até 5 anos de idade

Creche até 3 anos de idade -


Pré-escola 4 e 5 anos de idade
Ensino Fundamental até 14 anos de idade 9 anos

Anos iniciais de 6 a 10 anos de idade 5 anos

Anos finais de 11 a 14 anos de idade 4 anos

Fonte: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rceb003_05.pdf>.
(Dados organizados pela autora)

O direito à educação, a partir de 1988, passa, portanto, a compor a terceira geração


dos direitos humanos, situado entre os direitos sociais e fundamentais constitucionalmente


15
“O atual Conselho Nacional de Educação – CNE, órgão colegiado integrante do Ministério da Educação, foi
instituído pela Lei 9.131, de 25/11/95, com a finalidade de colaborar na formulação da Política Nacional de
Educação e exercer atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro da Educação. As
Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, que compõem o Conselho, são constituídas, cada uma,
por doze conselheiros, sendo membros natos em cada Câmara, respectivamente, o Secretário de Educação
Fundamental e o Secretário de Educação Superior do Ministério da Educação, nomeados pelo Presidente da
República.” Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/observatorio-da-educacao/323-secretarias-112877938/
orgaos-vinculados-82187207/14306-cne-historico>. Acesso em: 16 jan. 2018.
59

assegurados, comportando implicações acerca de sua abrangência e exigibilidade, ao qual,


segundo Souza (2010, p. 9), “se contrapõe dever voltado ao Estado, à família e à sociedade”,
e configurando-se como “direito de trato contínuo e permanente, não se resumindo ao ensino
formal”.

Conforme explicam Oliveira e Araújo (2005, p. 6), a Constituição Federal de 1988

[...] assinalou uma perspectiva mais universalizante dos direitos sociais e avançou na
tentativa de formalizar, do ponto de vista do sistema jurídico brasileiro, um Estado de
bem-estar social numa dimensão inédita em nossa história.

Considerando que o direito à educação, por meio do Título II – Dos Direitos e Garantias
Fundamentais, em seu art. 6.º, caput, observa-se, pela primeira vez, a inclusão do direito à
educação no rol dos direitos sociais constitucionalmente assegurado e derivado do princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana:

Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Alterado pela Emenda
Constitucional n.º 64, de 04.12.2010.)

Como processo de aprendizagem permanente e direito social que abrange a todos e


deve ser promovido e incentivado, em sistema de colaboração, entre as diferentes entidades,
tem-se, portanto, a educação como corolário dos objetivos fundamentais da República, em
sistema de competências concorrentes, conforme explica Ranieri (2004, p. 50) “apontando para
um federalismo cooperativo mais preocupado com a colaboração dos entes federados do que
com a sua separação e independência”, conforme se depreende do disposto no art. 205, caput,
do Título VIII, do Texto Constitucional de 1988.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

No art. 205, nota-se que, da amplitude dada ao direito à educação, para além da
responsabilidade compartilhada entre a família, a sociedade e o Estado, no conjunto interpretativo
do texto constitucional se encontra a sua equiparação ao direito à vida, à saúde e à dignidade,
sendo-lhe atribuído absoluta prioridade, confirmando e consagrando sua fundamentalidade
material e formal (COSTA, 2011, p. 49), conforme se extrai do art. 227, caput:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adoles-


cente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação al-
terada pela Emenda Constitucional n.º 65, de 13.07.2010 – DOU 14.07.2010.)
60

Convém, contudo, esclarecer que o direito à educação, trazido pela Constituição de


1988, encontra-se “disciplinado e interpretado, em consonância com os fundamentos do Estado
Constitucional brasileiro”, destacando-se o fundamento da dignidade da pessoa humana,
conforme Título I – Dos Princípios Fundamentais, no art. 1.º, III:

Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Esta-
dos e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direi-
to e tem como fundamentos:
[...]
III – a dignidade da pessoa humana.

Do mesmo modo, constituiu-se como uma das condições necessárias e essenciais


à construção dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, razão pela qual
“passou a ser mensurado como um valor de cidadania e dignidade da pessoa humana” (COSTA,
2011, p. 23-24), estabelecendo-se, segundo Souza (2010, p. 11), como “premissa – e não
proposta” para o “próprio e efetivo exercício dos demais direitos fundamentais eleitos pelo
legislador constituinte”, conforme se observa do Título I – Dos Princípios Fundamentais, art.
3.º, da Constituição de 1988.

Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e re-
gionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.

Observa-se que, no Texto Constitucional, há diferentes previsões do direito à educação,


sendo apresentados, no art. 206, os princípios norteadores para o seu desenvolvimento, entre os
quais se destacam a igualdade de condições de acesso e permanência, a liberdade para aprender,
a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais, a observância de um padrão de
qualidade e a previsão de ações que regulamentem a atividade docente, contemplada, desse
modo, a concretização do princípio da isonomia que afasta a implementação de qualquer tipo
de medida discriminatória ou a adoção de critério seletivo para o acesso ao ensino (SOUZA,
2010, p. 39).

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições
públicas e privadas de ensino;
IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
61

V – valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, plano de car-


reira para o magistério público, com piso salarial;
VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII – garantia de padrão de qualidade;
VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar
pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 53, de
2006.)
Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados pro-
fissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequa-
ção de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional n.º 53, de 2006.)

Entre as implicações de estar situado o direito à educação como direito fundamental


e social, observam-se proteção e estabilidade específicas, uma vez que, conforme menciona
Costa (2011, p. 48), situa-se como “norma de eficácia direta, incluída no rol das cláusulas
pétreas, portanto, não pode ser modificada por processo de emenda constitucional, visto que
tem natureza intangível e possui aplicação imediata”, conforme disposto no art. 60, § 4.º, IV, da
Constituição Federal:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:


[...]
§ 4.º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
[...]
IV – os direitos e garantias individuais.

A partir da premissa constitucional de inclusão do direito à educação como direito


fundamental social, observa-se a especificidade dos demais dispositivos, no sentido da ampliação
das esferas de atendimento a outros segmentos etários que, até então, não eram comtemplados
como parte da educação básica, gratuita e pública, como o atendimento das crianças entre 0 a
3 anos em creche.

Constitui-se, assim, em 1988 a primeira iniciativa para a construção de uma política


que assegurasse, entre os direitos sociais e fundamentais, a educação estendida a todos,
atribuindo-lhe o status de direito público subjetivo, podendo ser exigido, judicialmente, por
meio de entidades associativas e pelo Ministério Público, nos casos de não oferta ou oferta
irregular pelo ente público competente.

Do mesmo modo, apresenta medidas assecuratórias não apenas de acesso, mas de


permanência, ao determinar a oferta de programas suplementares de material didático,
transporte, alimentação e assistência à saúde, em todas as etapas da educação básica.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de
idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram
62

acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 59, de 2009.)
(Vide Emenda Constitucional n.º 59, de 2009.)
II – progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela Emen-
da Constitucional n.º 14, de 1996.)
III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferen-
cialmente na rede regular de ensino;
IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de ida-
de; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 53, de 2006.)
V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um;
VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio
de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação
e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 59, de 2009.)
§ 1.º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2.º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta
irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3.º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-
lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.

Tem-se, portanto, por meio da Emenda Constitucional 53, de 2006, uma série de
alterações no posicionamento relativamente à creche e ao atendimento das crianças de 0 a 3 anos
que denota o atendimento a outros carecimentos, agora mais voltados à infância considerada
como etapa geracional e aos seus interesses.

No tocante à creche, o sujeito de direito ao qual a creche é destinada não é mais a


mulher trabalhadora, mas a criança, incluindo-se aquelas compreendidas entre os 0 e 3 anos de
idade.

O rol dos sujeitos legitimados para a sua exigibilidade não se restringe apenas às mães
trabalhadoras, mas engloba iniciativas sociais com diferentes protagonistas, incluindo o próprio
Ministério Público e entidades legalmente constituídas e imbuídas na prestação de serviços
destinados à sociedade.

Os mecanismos de exigibilidade também foram, significativamente, ampliados. Para


além da queixa individual, da manifestação popular e da dependência, exclusiva, dos Poderes
Legislativo e Executivo, tem-se, atualmente, reconhecida a exigibilidade por meio do petitório
ao Poder Judiciário, em demandas que podem ser empreendidas tanto individualmente quanto
de modo coletivo e difuso.

Contudo, em que pesem os avanços observados no marco jurídico que regulamenta


a oferta e a garantia da educação em creche, há alguns equívocos na interpretação do próprio
63

art. 208, que necessitam ser abordados, entre os quais se destacam a constituição do direito à
educação como direito à creche, haja vista que não há outra política de atendimento educacional
às crianças de 0 a 3 anos e a equivocada interpretação de que a creche não teria sido incluída no
rol da educação básica obrigatória e gratuita, especificada no inciso I do referido artigo.

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de
idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram
acesso na idade própria. (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 59, de 2009.)
(Vide Emenda Constitucional n.º 59, de 2009.)

Na contramão de outros países da América Latina16 que instituíram políticas de


atendimento para crianças de 0 a 3 anos, a partir da convenção Universal dos Direitos das
Crianças, como no caso da Colômbia que, segundo Restrepo-Yepes (2011), dispõe de diferentes
modalidades de atendimento organizadas pelo Instituto Colombiano de Bienestar Familiar
(ICBF),17 o Brasil optou por “adaptar” a política da creche (até então política voltada para as
famílias vulneráveis) ampliando sua esfera de atendimento numa perspectiva universal, tendo
como sujeitos de direitos não mais as famílias, mas as crianças de 0 a 3 anos.

Utilizando a estrutura de atendimento já existente da creche, pouco flexível e incapaz


de atender à demanda que se anunciava, configurou-se a vaga em si como sinônimo do direito à
educação das crianças de 0 a 3 anos, haja vista que até o momento apresenta-se a creche como
única modalidade de atendimento disponível para tal.

Tal aspecto necessita ser analisado e revisto no âmbito das políticas públicas, uma
vez que sua estrutura atual não comporta a universalização pretendida, tampouco se presta
ao atendimento prioritário das camadas mais vulneráveis, configurando-se como um “tiro que
saiu pela culatra”, uma vez que seu acesso de forma universal foi normatizado sem que antes
houvesse uma estrutura que, de fato, pudesse atender a tal propósito. Conforme demonstram
os dados obtidos pelo IBGE na Pnad 2015, a não frequência de crianças em creche ou escola
representa 90,2%, enquanto nas regiões mais ricas do País, como no Sul, a menor proporção
atinge 65,9% das crianças entre 0 a 3 anos (FMSCV, 2017, p. 85).

No mesmo sentido, aponta o levantamento compilado pela Fundação Maria Cecília


Souto Vidigal (2017, p. 85), a desigualdade no acesso reflete-se também por meio da renda
familiar


16
Para saber mais sobre as políticas públicas voltadas à primeira infância na América Latina acesse o site do
Sistema de Información sobre la Primera Infancia en América Latina, organizado com o apoio da Unesco.
Disponível em: <http://www.sipi.siteal.iipe.unesco.org/>.
17
Para conhecer as modalidades de atendimento, vide portfólio de serviços disponível em <http://www.icbf.gov.
co/portal/page/portal/PortafolioICBF/all/hogares-comunitarios-integrales>. Acesso em: 20 nov. 2016.
64

Segundo a variável renda familiar per capita, o acesso para os 20% mais pobres é da
ordem de 21%, ante 53% para os 20% mais ricos, totalizando uma diferença de 32
pontos percentuais. Ainda de acordo com o estudo, diferentemente da disparidade
entre crianças ricas e pobres, os percentuais de brancos, pardos e pretos, na faixa de
0 a 3 anos, que frequentam creches no Brasil não são tão distantes entre si: 34% das
crianças brancas, 26,4% das pardas e 33% das pretas estão na educação infantil (FM-
CSV, 2017, p. 85)

A controvérsia que se instaurou acerca da obrigatoriedade ou não do Poder Público


na oferta de vagas em creche às crianças de 0 a 3 anos já foi superada por meio das decisões
proferidas pelo próprio Poder Judiciário e, por essa razão, merece ser analisada.

Conforme se depreende do referido dispositivo constitucional, a substituição do


“ensino fundamental gratuito” pelas expressões “educação básica obrigatória e gratuita”, por
meio da Emenda Constitucional 59, de 2009, para a especificação das faixas etárias “dos 4
(quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade”, não foi suficiente para dirimir a antiga discussão
sobre a obrigatoriedade ou não da oferta de vagas em creches pelo Poder Público; ao contrário,
passou a ensejar o entendimento social, inclusive por aqueles que atuam na área da Educação,
de que o atendimento em creche não se configurava como parte das obrigações do Estado.

Tanto os legisladores quanto os administradores públicos e demais intérpretes,


passaram a entender que a obrigatoriedade mencionada no inciso I do art. 208 se constituía
de forma restrita à obrigatoriedade de oferta e universalização do ensino apenas no âmbito da
educação de crianças entre 4 a 17 anos de idade.

A esse respeito, Souza (2010, p. 48) esclarece que o referido artigo “não traça qualquer
hierarquia ao enumerar as diversas áreas de atuação do Estado na seara educacional, limitando-
se a defini-las como deveres a serem cumpridos pelo Poder Público, na medida em que a
demanda social assim o impuser”, haja vista que a chamada “Educação Básica” compreende a
educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio (SOUZA, 2010, p. 56).

A distinção que se extrai do art. 208 diz respeito ao dever/obrigação das famílias de
matricular suas crianças e adolescentes, compreendidos entre os 4 e os 17 anos, sob pena de
serem os pais submetidos a normas punitivas no caso de descumprimento, enquanto a matrícula
em creche, das crianças de 0 a 3 anos de idade, coloca-se como uma faculdade às famílias, não
desonerando, em hipótese alguma, o Estado de sua obrigação de ofertá-la àqueles que assim o
desejarem.

Sendo parte da educação básica, o direito à educação, exercido no espaço da creche,


comporta distinções evidentes entre o dever do Estado e o papel da família, uma vez que com
relação ao primeiro, ao ser incorporado “ao rol de direitos sob titularidade do infante”, passa
“a ser objeto de proteção e garantia pelo Estado”, enquanto no tocante à família, constitui-se
65

como mera liberalidade a decisão sobre a matrícula da criança, sem que isso implique qualquer
espécie de desoneração por parte do Estado na prestação do serviço àqueles que o demandarem
(SOUZA, 2010, p. 56).

Estando contemplado, portanto, como parte da educação básica, por meio do inciso
IV do art. 208 da Constituição Federal, o atendimento educacional em creche integra-se aos
demais preceitos que se encontram inseridos em normas constitucionais “de eficácia plena,
consagradoras de direitos fundamentais de fruição imediata e de natureza intangível, possuindo
todas as crianças [...] autêntico direito de crédito em face do Poder Público para que venha a
receber a prestação devida” (SOUZA, 2010, p. 55).

Portanto, não há o que falar em “incremento paulatino da oferta”, uma vez que a
própria Constituição Federal, conforme explica Souza (2010, p. 62), “impede que seja oposto
qualquer condicionamento ao pleno exercício de direito fundamental”, não podendo a lei
infraconstitucional “trazer comando que se desvie da objetividade da norma fundamental, sob
pena de patente inconstitucionalidade.”

[...] fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes munici-


pais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208,
IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples
conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social
(MIRANDA, 2013, p. 5).

Neste tópico, cabe também esclarecer outro equívoco que tem permeado a concepção
de atendimento obrigatório em creche, a ideia de que a Meta 1, definida pelo Plano Nacional de
Educação (PNE), instituído pela Lei 13.005, de 2014, teria força normativa para justificar a não
oferta de vagas às crianças que aguardam em lista de espera.

Meta 1: universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de


4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches
de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três)
anos até o final da vigência deste PNE (Lei n. 13.005, de 2014).

Por ser o PNE lei que se subordina aos preceitos constitucionais, tem-se que sua
análise deve ser realizada com cautela, tomada como parte de um plano de implementação
gradativa de vagas, mas que não obsta, em hipótese alguma, tampouco justifica a recusa pelo
poder público em atender àqueles que demandarem judicialmente por uma vaga ou, ainda,
limitando o atendimento a apenas 50% da demanda cadastrada.

O novo PNE não é uma ilha no universo normativo. Há todo um arcabouço consti-
tucional, legal e jurisprudencial que o antecede e coloca-se hierarquicamente acima
de seu conteúdo. Ou seja, todas as disposições do PNE, principalmente suas metas e
estratégias, precisam ser interpretadas conforme a Constituição (XIMENES, 2014, p.
81).
66

Dessarte, entende-se que qualquer interpretação decorrente da Meta 1 do PNE 2014


que tenda, rigidamente, limitar a oferta a 50% da demanda ou fixar o prazo final para tal
atendimento em até 2024, não encontra qualquer respaldo jurídico no Texto Constitucional.
Trata-se, na verdade, de tentativa inócua de submeter direito básico de índole social à simples
conveniência ou mera oportunidade e que, portanto, deveria ser objeto de análise quanto à sua
constitucionalidade.

O STF, nesse sentido, vem afirmando o direito à educação infantil como prerrogativa
constitucional indisponível deferida às crianças, sendo que esse direito não depende
de regulamentações para ser exigível, já que seu conteúdo básico pode ser extraído
diretamente do texto da Constituição. [...] O planejamento jurídico da política educa-
cional, no entanto, não esvazia a força da dimensão subjetiva do direito à educação.
Ou seja, não adia para 2024 a possibilidade de se exigir o direito de acesso a creches
de qualidade, em ações individuais ou coletivas. Interpretar o PNE dessa forma seria,
além de errado do ponto de vista técnico-jurídico, contrário à Constituição, que em
seu art. 208, IV, é taxativa quanto ao dever do Estado à garantia desse direito (XIME-
NES, 2014, p. 81-82).

Entre as inovações observadas no Texto Constitucional de 1988, destaca-se também


a inclusão do atendimento em creche no rol dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
configurando-se como medida que visa o amparo às famílias trabalhadoras, conforme disposto,
como parte dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, na Constituição Federal de 1988,
por meio do art. 7.º, XXV:

Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
[...]
XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco)
anos de idade em creches e pré-escolas. (Inciso alterado pela Emenda Constitucional
n.º 53, de 19.12.2006.)

Nota-se também no art. 227, caput, a responsabilidade compartilhada entre o Estado,


a família e a sociedade, devendo ser atribuída prioridade absoluta à criança no que se refere ao
direito à educação, à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adoles-


cente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberda-
de e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação
dada Pela Emenda Constitucional n.º 65, de 2010.)

Do conjunto de dispositivos legais que regulamentam e asseguram a oferta de vagas


em creche para as crianças compreendidas entre 0 a 3 anos vislumbra-se a corresponsabilização
por esse atendimento, em oposição ao que Qvortrup (2014, p. 37-38) define como “processo de
67

familiarismo” nos cuidados com as crianças pequenas, ou seja, contra uma prática que mantém
as crianças escondidas em suas famílias e “inacessíveis aos olhos do público”.

A partir da análise do direito à educação no conjunto do Texto Constitucional e na


forma em que se deu sua tessitura,

Identifica-se, nessa linha, um inequívoco privilegiamento das recomendações extraí-


das dos documentos internacionais, a preocupação em robustecer as condições de
eficácia do cânone isonômico, a intensa exigência de políticas apoio para a garantia do
aprendizado básico dos adultos e das crianças. Enfim, transluz clara a perspectiva do
constituinte em oferecer maior favorecimento ao direito à educação, ampliando o ter-
ritório constitucional com os elementos, decorrentes das declarações contemporâneas,
a buscar a concretização fática à prerrogativa de educação que, a par de inerente ao ser
humano, configura exigência no tocante ao próprio desenvolvimento da humanidade
(CAGGIANO, 2009, p. 31).

É, portanto, possível localizar o modo como a organização do sistema da educação


nacional foi articulado, a partir da definição das respectivas competências para legislar
considerando as esferas federal, estadual e municipal e sua configuração em sistema de
cooperação para o desenvolvimento e efetivação do direito assegurado no art. 6.º do mesmo
dispositivo legal, por meio do art. 211, caput, e, especificamente, com relação à educação
infantil, no seu § 2.º.

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em


regime de colaboração seus sistemas de ensino.
[...]
§ 2.º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação
infantil. (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 14, de 1996.)

No tocante ao § 2.º do art. 211, cabe esclarecer que o atendimento à educação infantil,
de modo prioritário pela esfera municipal, não implica, conforme explica Souza (2010, p.
86), “carta de isenção de responsabilidade” às demais pessoas públicas (União e Estados).
Permanecem estes obrigados a agir de modo subsidiário e não condicionado “no sentido de
assegurar a universalidade do atendimento imposto” pelo art. 208, IV.
Em face do exposto, caso o Município mostre incapacidade para realizar o atendi-
mento universal no ensino infantil, possuindo outra Pessoa Política condições efetivas
de abarcar ao menos parcela da demanda remanescente, terá o dever inarredável de
fazê-lo, com o espeque de garantir a efetividade do direito fundamental (SOUZA,
2010, p. 86).

No mesmo sentido, segue o art. 30, VI, que, alterado pela Emenda Constitucional 53,
de 2006, determina a cooperação financeira e técnica da União e do Estado na manutenção de
programas de educação infantil promovidos pelos Municípios.

Art. 30. Compete aos Municípios:


[...]
68

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas


de educação infantil e de ensino fundamental. (Redação alterada pela Emenda Cons-
titucional n.º 53, de 19.12.2006.)

No que concerne aos mecanismos de efetivação da cooperação, imposta pelo art. 211,
entre União, Estados e Municípios, observa-se, nos arts. 212 e 213, o detalhamento dos recursos
a serem investidos pelas diferentes esferas, sendo à União definido o percentual nunca inferior
a 18% de sua receita e, aos Estados e Município, o mínimo de 25%.

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Dis-
trito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante
de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desen-
volvimento do ensino.
§ 1.º A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não
é considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a
transferir.
§ 2.º Para efeito do cumprimento do disposto no caput deste artigo, serão conside-
rados os sistemas de ensino federal, estadual e municipal e os recursos aplicados na
forma do art. 213.
§ 3.º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das
necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de
padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação. (Parágrafo
alterado pela Emenda Constitucional n.º 59, de 11.11.2009 – DOU 12.11.2009.)
§ 4.º Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no
art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e
outros recursos orçamentários.
§ 5.º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a
contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei.
(Redação alterada pela Emenda Constitucional n.º 53, de 19.12.2006.)
§ 6.º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-
educação serão distribuídas proporcionalmente ao número de alunos matriculados na
educação básica nas respectivas redes públicas de ensino. (Parágrafo acrescentado
pela Emenda Constitucional n.º 53, de 19.12.2006.)
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser di-
rigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:
I – comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em
educação;
II – assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica
ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.
§ 1.º Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo
para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem
insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede
pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a
investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
§ 2.º As atividades de pesquisa, de extensão e de estímulo e fomento à inovação
realizadas por universidades e/ou por instituições de educação profissional e
tecnológica poderão receber apoio financeiro do Poder Público. (Parágrafo alterado
pela Emenda Constitucional n.º 85/2015, de 27.02.2015 – DOU 27.02.2015.)
69

O conjunto de previsões constitucionais apresentado produz, segundo Ranieri (2009,


p. 39),

[...] importantes consequências jurídicas e políticas, em termos de agregação do inte-


resse público em âmbito nacional, que podem ser identificadas, pelo menos, em dois
aspectos principais. O primeiro que diz respeito ao pacto federativo, no qual se instala
uma forma de cooperação efetiva e eficaz no campo educacional, o segundo à afir-
mação da dimensão democrática do direito à educação. Ambos aspectos se inter-rela-
cionam na medida em que o dever do Estado se efetiva por meio de ações integradas
e coordenadas de todos os entes federados, insinuando um federalismo cooperativo,
com resultados altamente positivos para a ampliação do exercício do direito à educa-
ção, em seus diferentes níveis, tanto na esfera pública quanto na privada.

Consolidado como parte dos direitos sociais, com o status de direito público subjetivo,
o art. 208, §§ 1.º e 2.º, prevê mecanismos de “tutela coletiva e sua defesa mediante a participação
de entidades associativas e do Ministério Público” (BITTAR, 2014, p. 18-30) e impele aos
dispositivos periféricos e seus princípios norteadores os mesmos mecanismos de exigibilidade
nos casos de não oferecimento ou oferta irregular por parte do Poder Público, implicando
responsabilidade da autoridade competente, haja vista que, por meio do art. 37 caput, do Texto
Constitucional, estão os entes públicos obrigados à observância dos direitos fundamentais
e submetidos ao princípio da boa administração pública, devendo empregar todos os meios
disponíveis para a efetivação dos direitos fundamentais.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de lega-
lidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19, de 1998.)

Tem-se, portanto, mais um dispositivo constitucional que se coloca à disposição dos


titulares de direito, podendo inclusive responsabilizar o Poder Público, conforme explica Costa
(2011, p. 176), nos casos em que “o exercício da discricionariedade administrativa resultar
viciado por inoperância, por arbitrariedade, por omissão”.

Conforme explica Silveira (2008, p. 539), considerar a educação como direito público
subjetivo significa que sua constituição como instrumento jurídico de controle da ação estatal
é assegurada a todo cidadão que, investido legitimamente de seu direito, detém o poder para
exigir seu cumprimento e, ao Estado, a obrigação de promovê-lo.

Segundo Miranda (2013, p. 4-5), a educação infantil representa, desse modo,


“prerrogativa constitucional indisponível que, deferida às crianças, assegura, para efeito
de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o
atendimento em creche e o acesso à pré-escola”, impondo ao Estado a obrigação constitucional
de criar condições objetivas de acesso e atendimento “[...] sob pena de configurar-se inaceitável
omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento,
70

pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal”
(MIRANDA, 2013, p. 5).

Constituindo-se como direito fundamental das crianças de 0 a 3 anos, Miranda (2013)


explica que seu processo de concretização não se subordina à avaliação meramente discricionária
da Administração Pública tampouco às razões de puro pragmatismo governamental, conforme
acórdão que, proferido pelo Supremo Tribunal Federal, tem orientado os julgamentos nos
tribunais estaduais e de primeira instância:

ADI 1.484/DF, Rel. Min. Celso de Mello, v.g. – A inércia estatal em adimplir as impo-
sições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Consti-
tuição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada
se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem
a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o
propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajus-
tados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses
maiores dos cidadãos. A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação
de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, nota-
damente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os
efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem
senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República
assegura à generalidade das pessoas. Precedentes (STF, 2.ª T., ARE 639337 AgR/SP,
Rel. Min. Celso de Mello, j. 23.08.2011. Disponível em: <http://www.crianca.mppr.
mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=318>).

Em que pese a proposta do Texto Constitucional e demais legislações vigentes que


incluíram o atendimento em creche como direito público subjetivo, o que se observou quanto
ao efetivo atendimento educacional das crianças de 0 a 3 anos é que sua universalização ainda
está longe de ser concretizada, configurando atitude que, segundo Miranda (2013, p. 8), reveste-
se de “censurável situação de inconstitucionalidade, por omissão imputável ao Poder Público”.

Conforme observa Ranieri (2009, p. 45), tal reivindicação não se restringe apenas
à garantia ou tutela do interesse individual, mas é ampliada para demandas que envolvam
“interesses coletivos e públicos, de grupos de pessoas indeterminadas, como as gerações futuras,
por exemplo”, atribuindo caráter inovador à legislação que regulamenta a Educação no Brasil,
pois conforme explica Oliveira (1999, p. 7)

[...] para além de uma maior explicitação dos direitos e de uma maior precisão jurídi-
ca, [...], há a previsão dos mecanismos capazes de garantir os direitos anteriormente
enunciados, estes, sim, verdadeira novidade. São eles, o mandado de segurança cole-
tivo, o mandado de injunção e a ação civil pública

Entre os mecanismos judiciais hábeis a garantir o direito à educação (mandado


de segurança, mandado de injunção, a ação popular, ação civil pública, ação direta de
inconstitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental), dispostos no
direito brasileiro, Pannunzio (2009, p. 70) esclarece que estes são mecanismos “aplicáveis a
71

direitos públicos subjetivos em geral [...]”, não sendo exclusivos apenas à tutela do direito
educacional.

Portanto, a partir da relação dos mecanismos jurídicos de proteção ao direito à educação


anunciados por Pannunzio (2009, p. 70-72), segue-se a explicação sobre a aplicabilidade de
cada um.

O mandado de segurança, conforme art. 5.º, LXIX e LXX, constitui-se como remédio
específico contra a violação ou ameaça de violação de direito líquido e certo, causado pela
omissão ou ação de autoridade pública, contra um indivíduo ou uma coletividade, e que não
seja amparado por habeas corpus.

Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantin-
do-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo,
não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegali-
dade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercí-
cio de atribuições do Poder Público;
LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou
associados.

O mandado de injunção, por seu turno, encontra-se descrito também no art. 5.º, LXXI,
e destina-se aos casos em que a falta de norma ameace ou torne inviável o exercício dos direitos
e liberdades constitucionais, como o direito à educação, cabendo ao Poder Judiciário, conforme
explica Pannunzio (2009, p. 70), “apontar a regulamentação aplicável até eventual edição da
norma” mediante decisão judicial de equidade.

Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantin-
do-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regula-
mentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

A ação popular, prevista na Constituição Federal no art. 5.º, LXXIII, “tem por objetivo
anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, podendo ser manejada por
qualquer cidadão” (PANNUNZIO, 2009, p. 71), considerando-se ainda a isenção do pagamento
72

de custas judiciais e ônus da sucumbência ao autor, exceto nos casos de comprovada litigância
de má-fé.

LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular
ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à morali-
dade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o
autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

A ação civil pública, conforme explica Pannunzio (2009, p. 71), inicialmente prevista
na Lei 7.347/1985 e posteriormente no art. 129, III, fixada como uma das atribuições do
Ministério Público, volta-se à defesa e promoção de interesses difusos e coletivos.

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


[...]
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
§ 1.º A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não
impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição
e na lei.

No entanto, por meio dos dispositivos legais posteriores à sua edição original, a Lei
7.347/1985 teve sua redação ampliada, constituindo-se como um dos mecanismos que mais
sofreu alterações.

Entre outras inovações à redação original, encontram-se aquelas propostas pelas Leis
11.448/2007 e 13.004/2014 que incluíram, respectivamente, entre os legitimados, a Defensoria
Pública; a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; a autarquia; e, no caso das
associações, além do período de um ano de sua constituição, definiram como critério para
sua legitimação que, concomitantemente, apresentassem entre suas finalidades institucionais
a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao
patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Art. 5.º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação


dada pela Lei n.º 11.448, de 2007.)
I – o Ministério Público; (Redação dada pela Lei n.º 11.448, de 2007.)
II – a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei n.º 11.448, de 2007.)
III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei n.º
11.448, de 2007.)
IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluí-
do pela Lei n.º 11.448, de 2007.)
V – a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei n.º 11.448, de 2007.)
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído pela
Lei n.º 11.448, de 2007.)
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e so-
cial, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos
73

direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético,


histórico, turístico e paisagístico. (Redação dada pela Lei n.º 13.004, de 2014.)

Entre as especificidades da ação civil pública, observa-se também a ampliação da


atuação do Ministério Público e das associações legitimadas, na condução das referidas ações
civis públicas, quer seja como litisconsorte, conforme nova redação definida ao art. 5.º da Lei
7.347/1985, §§ 1.º e 2.º, quer seja com a possibilidade de os demais legitimados assumirem
a titularidade ativa dessas ações, no caso de desistência infundada ou abandono da ação, por
parte da associação inicialmente legitimada, instituída pela Lei 8.078/1990, que, entre outras
determinações, institui a política nacional de relações de consumo, cujo princípio norteador é
a racionalização e melhoria dos serviços públicos, dando nova redação aos §§ 3.º, 4.º e 5.º, art.
5.º, da Lei 7.347/1985:

§ 3.º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitima-


da, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. (Redação
dada pela Lei n.º 8.078, de 11.09.1990.)
§ 4.º O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja
manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano,
ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. (Incluído pela Lei n.º 8.078, de
11.09.1990.)
§ 5.º Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União,
do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta
lei. (Incluído pela Lei n.º 8.078, de 11.09.1990.)

Outra inovação apresentada ao mesmo art. 5.º da Lei 7.347/1985, em seu § 6.º, refere-
se à possibilidade, aos órgãos públicos legitimados, de tomarem dos interessados compromisso
de ajustamento de sua conduta às exigências legais, incluída pela Lei 8.078/1990.

§ 6.º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso


de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá
eficácia de título executivo extrajudicial. (Incluído pela Lei n.º 8.078, de 11.09.1990.)   

Outro mecanismo que visa assegurar a efetividade do direito à educação é a ação direta
de inconstitucionalidade, que, prevista no art. 103 da Constituição Federal, regulamentada pela
Lei 9.868/1999, com redação atualizada pela Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004, define
o rol taxativo dos legitimados à sua propositura, “destina-se a declarar a incompatibilidade de
lei ou ato normativo federal ou estadual frente a dispositivos da Constituição, incluindo aqueles
atinentes ao direito à educação”, conforme apontado por Pannunzio (2009, p. 71).

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declarató-


ria de constitucionalidade: (Artigo alterado pela Emenda Constitucional n.º 45, de
08.12.2004.)
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
74

IV – a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;


(Inciso alterado pela Emenda Constitucional n.º 45, de 08.12.2004.)
V – O Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Inciso alterado pela Emenda
Constitucional n.º 45, de 08.12.2004.)
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

A chamada arguição de descumprimento de preceito fundamental, prevista no art.


102, § 1.º, da Constituição Federal, conforme alteração pela Emenda Constitucional 3, de
17.03.1993, e regulamentada pela Lei 9.882/1999, conforme explica Pannunzio (2009, p. 71),
“tem por objetivo evitar ou reparar lesão a ‘preceito fundamental’ resultante de ato do Poder
Público, quando inexistir outro meio eficaz para sanar a violação”.

No tocante aos legitimados à sua propositura, observam-se os mesmos elencados para


a ação direta de inconstitucionalidade:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Cons-


tituição, cabendo-lhe:
§ 1.º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Cons-
tituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (Transforma-
do em § 1.º pela Emenda Constitucional n.º 3, de 17.03.1993.) (Constituição Federal,
1998.)
Art. 1.º A arguição prevista no § 1.º do art. 102 da Constituição Federal será proposta
perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a precei-
to fundamental, resultante de ato do Poder Público.
Parágrafo único. Caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamen-
tal:
I – quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou
ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.
(Vide ADIN 2.231-8, de 2000.) (Lei 9.882/1999.)

E, finalmente, a ação judicial prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação


9.394/1996, que dispõe, em seu art. 5.º, caput e §§ 2.º, 3.º, 4.º e 5.º (redação dada pela Lei
12.796/1993), acerca dos legitimados à sua propositura, bem como a gratuidade e a observância
de sua tramitação pelo rito sumário, além de prever, expressamente, no caso de negligência por
parte do poder público, a imputação de crime de responsabilidade:

Art. 5.º O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo
qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical,
entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público,
acionar o poder público para exigi-lo. (Redação dada pela Lei n.º 12.796, de 2013.)
[...]
75

§ 3.º Qualquer das partes mencionadas no caput deste artigo tem legitimidade para pe-
ticionar no Poder Judiciário, na hipótese do § 2.º do art. 208 da Constituição Federal,
sendo gratuita e de rito sumário a ação judicial correspondente.
§ 4.º Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o ofereci-
mento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.
§ 5.º Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade de ensino, o Poder Público cria-
rá formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente
da escolarização anterior.

Conclui-se, a partir da análise realizada acerca dos dispositivos constitucionais que


regulamentam o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos, que este “se qualifica como um
dos mais relevantes direitos fundamentais, e a sua concretização visa à garantia de igualdade de
oportunidades, reconhecida como condição da democracia” (COSTA, 2011, p. 24).

Portanto, resta o entendimento de que o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos


deve ser compreendido, definitivamente, como parte dos direitos humanos, fundamentais e
sociais,

[...] para além da mera garantia de acesso ao sistema público e gratuito. Sustenta-se a
ideia de efetivar-se uma educação que atenda aos objetivos expressos na Constituição,
que são “o pleno desenvolvimento da pessoa humana”, “o seu preparo para o exercí-
cio da cidadania” e “a sua qualificação para o trabalho” [...] que resulta em autonomia
individual, fundada no princípio da liberdade, assim como do respeito ao valor e à
dignidade da pessoa humana (COSTA, 2011, p. 17).

Se por um lado a apreensão do carecimento que surge na esfera social pelo legislador
demanda intensa comunicação entre os segmentos que detêm poder e legitimação na esfera
social, por outro, a volta do carecimento positivado (constituído como parte do ordenamento
jurídico) também demanda intenso trabalho de comunicação para que possa ser apreendido pela
sociedade, uma vez que nem todos os atores participaram das instâncias de luta e de tomada de
decisões.

O desafio atual é, justamente, o de assegurar sua efetividade e proteção, pois, como


afirma Bobbio (2004, p. 11)

[...] uma coisa é proclamar esse direito, outra é desfrutá-lo efetivamente. A linguagem
dos direitos tem indubitavelmente uma grande função prática, que é emprestar uma
força particular às reivindicações dos movimentos que demandam para si e para os
outros a satisfação de novos carecimentos materiais e morais; mas ela se torna enga-
nadora se obscurecer ou ocultar a diferença entre o direito reivindicado e o direito
reconhecido e protegido. Não se poderia explicar a contradição entre a literatura que
faz a apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos “sem-direitos”.
Mas os direitos de que fala a primeira são somente os proclamados nas instituições in-
ternacionais e nos congressos, enquanto os direitos de que fala a segunda são aqueles
que a esmagadora maioria da humanidade não possui de fato (ainda que sejam solene
e repetidamente proclamados).
76

Tratar dos modos como o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos pode ser
assegurado e efetivado parece, portanto, mais complexo do que pressupôs Bobbio (2004).

[...] os direitos, em sua normatividade, pertencem ao mundo simbólico, à linguagem.


Isto quer dizer que a efetividade das prescrições normativas depende da formação de
um senso comum – cívico (CADEMARTORI; GRUBBA, 2012, p. 713).

Retomar o papel desempenhado pela comunicação na partilha social de um saber


especializado, como o do direito, implica considerar que “as normas jurídicas são sempre
exteriores e interiores: além de nunca reconhecerem os direitos de forma apolítica e neutra,
nunca os dotarão de garantias de modo neutro, nem à margem das relações de força”
(CADEMARTORI; GRUBBA, 2012, p. 709).

Para tanto, propõe-se uma perspectiva de análise que, longe da ideia de causa e efeito,
permita compreender o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos como produto cultural e
histórico que, marcado por avanços e retrocessos, constituiu-se como um saber especializado
e que foi, ao longo dos anos, transformado por meio da “reapropriação” de significados
historicamente consolidados, conforme explica Villas Bôas (2014, p. 587): “Embora os
conteúdos representacionais sejam ancorados no passado, sua manutenção no presente só
é realizada por meio de uma atualização seletiva assegurada pelas relações mantidas com a
memória social” (VILLAS BÔAS, 2014, p. 593).

A realidade de onde nasceram as exigências desses direitos era constituída pelas lu-
tas e pelos movimentos que lhes deram vida e as alimentaram: lutas e movimentos
cujas razões, se quisermos compreendê-las, devem ser buscadas não mais na hipótese
do estado de natureza, mas na realidade social da época, nas suas contradições, nas
mudanças que tais contradições foram produzindo em cada oportunidade concreta
(BOBBIO, 2004, p. 36).

Mais do que identificar e descrever as práticas que permeiam o direito à educação


das crianças de 0 a 3 anos, propõe-se uma análise que permita compreender o modo como
os estudantes do curso de Pedagogia consideram tal direito e o espaço da creche onde este
é exercido, haja vista que a problemática apresentada deveria ser um tema de domínio do
pedagogo e parte de sua função seria, inclusive, a de mediar o acesso por tal direito.
77

3
A DIMENSÃO SIMBÓLICA DO DIREITO E AS CONTRIBUIÇÕES
DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Considerando que o presente estudo tem por objetivo oferecer um quadro explicativo
sobre como os estudantes de Pedagogia compreendem e representam o direito à educação de
crianças de 0 a 3 anos e o espaço da creche, tem-se no caso em tela a delimitação de um fenômeno
a ser investigado numa abordagem epistemológica dialógica interacionista,18 orientada pelo
referencial teórico-metodológico da Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 2010;
2011; 2012; MARKOVÁ, 2017) e pelas áreas da Filosofia e da Antropologia do Direito,
respectivamente representados por Honneth (2009) e Oliveira (1992; 2008; 2010; 2011).

Marcados pela comunicação, própria de cada época, tanto o espaço da creche quanto
o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos, no Brasil, sofreram modificações por meio de
normas jurídicas que determinaram públicos específicos de atendimento, estabeleceram regras
para sua fruição, organizaram socialmente os espaços públicos, regularam a vida em sociedade
e determinaram modelos de atuação profissional em diferentes épocas, ensejando distintas
compreensões entre os diversos atores envolvidos nessa temática.

Nesse sentido, conforme explica Vargas (2016), essas alterações empreendidas de forma
normativa na esfera social acabam por ser interpretadas, recortadas, adaptadas e incorporadas
nas formas individuais e coletivas de pensamento, repercutindo nas atitudes, opiniões e,
sobretudo, nas ações dos diferentes atores envolvidos, uma vez que o conhecimento de senso
comum comporta esquemas cognitivos, interações sociais, sistema simbólicos e afetivos que
permitem aos diferentes atores conhecer e desvelar uma dada realidade construída socialmente,
atendendo, desse modo, aos objetivos propostos neste estudo.

3.1 A dimensão simbólica do direito

Embora o direito à educação, no Brasil, tenha previsão legal situada entre os direitos
fundamentais, o desafio que se verifica na prática cotidiana é a sua universalização e efetivação.


18
Abordagem dialógica – tendo como premissas a interdependência e a interação entre o Ego (sujeito) e o Alter
(Outro/Estado/Lei) e a “experiência engajada” enraizada no “pensamento de senso comum e no conhecimento
socialmente compartilhado” (MARKOVÁ, 2017, p. 23). Epistemologia interacionista volta-se para o estudo
dos “modos como os homens constroem e criam sentido e entendem os fenômenos sociais constituintes da
realidade social em que vivem. ” (MARKOVÁ, 2017, p. 118)
78

Configurado esse desafio como conflito que chega ao Judiciário em forma de demanda,
hão que se considerar as diferentes representações que envolvem o objeto deste estudo, uma vez
que o conflito delineado entre o direito normativo e sua efetivação pode ensejar compreensões
e ações distintas entre os diferentes atores envolvidos, constituindo-se tais representações
tanto como mecanismos de manutenção de um controle social, preservando o status quo de
invisibilidade da infância e o não reconhecimento do direito à educação das crianças de 0 a 3
anos, quanto para a mudança social, por meio do enfrentamento das condições que impedem
sua universalidade a partir do surgimento de novas representações.

“[...] o conflito é o ponto de partida e o meio para mudar os outros, para estabelecer
novas relações ou consolidar as antigas. A incerteza e a ambiguidade são conceitos e estados
que derivam do conflito” (MOSCOVICI, 2011, p. 111).

Conforme explica Moscovici (2011, p. 100), “grupos como a família, a igreja, a escola,
a indústria, o exército e certos partidos fazem o possível para manter o controle social como
forma dominante” por meio de ações que reforçam “o consenso e a submissão às normas”,
razões pelas quais justifica-se o empenho em analisar as diferentes representações sociais que
permeiam os conflitos que se constituem como atos sociais que podem provocar como resposta
uma mudança social (MOSCOVICI, 2011, p. 108).

Encontra-se, portanto, no conflito o espaço potencial da mudança social, justamente


por conter grupos ou subgrupos que, como explica Moscovici (2011), são tidos na vida social
como desviantes ou marginais, empenham-se em questionar os consensos e lutar contra as
instituições estabelecidas e as diversas formas de discriminação, constituindo-se tais atores
como fonte das mudanças empreendidas (MOSCOVICI, 2011, p. 103-104).

Nesse cenário marcado pelo conflito entre um direito considerado de forma universal e
a incapacidade estatal em assegurá-lo mediante a disponibilização de equipamentos públicos que
atendessem a demanda por vaga, encontram-se compreensões diversas que podem ser ilustradas
a partir do posicionamento do Poder Judiciário e das famílias demandantes que reconhecem o
direito à educação de crianças de 0 a 3 anos a partir do seu caráter universal e da consideração
de que a ideia de cidadania se exerce por meio de um tratamento uniforme dispensado a todos
os que recorrem ao Judiciário. Contudo, será que tal medida é da mesma forma compreendida
pelos estudantes do curso de Pedagogia?

Esse fenômeno, configurado como um conflito de representações, na perspectiva adotada


por Moliner e Guimelli (2015, p. 8-9), se compõe de dois aspectos: um que envolve o fato de
que tal conflito de representações sempre se desenvolve ante um objeto que ofereça ameaça ou
incerteza perante uma ordem social já estabelecida; e outro em que o compartilhamento dessas
representações nunca é percebido, entre aqueles que assim as compartilham, como construções
79

intelectuais, opiniões ou pontos de vista particulares, mas sim como reflexos objetivados de
uma realidade óbvia e indiscutível.

Segundo explica Oliveira (2008, p. 26), a condição de cidadania associada à ideia de


igualdade legal comporta “múltiplos significados, articulados de forma diversa em contextos
socioculturais específicos”, atingindo a própria identidade do grupo e de seus participantes.
Nessa perspectiva, em que a igualdade legal se coloca como premissa à concessão e à capacidade
de demandar por direitos, a impossibilidade de universalização ao direito demandado implica
interpretações específicas acerca do que significa igualdade para os diferentes grupos.

Configura-se, desse modo, um ponto de tensão entre dois significados atribuídos à


ideia de igualdade legal. De um lado, o sentido que coloca a igualdade a partir do tratamento
desigual entre desiguais, oferecendo o suporte e a proteção de forma diferenciada conforme
o grupo social demandante, e, de outro, o sentido de igualdade que implica um tratamento
uniforme entre desiguais (OLIVEIRA, 2008; 2011).

No tocante ao direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e sua fruição no espaço da


creche, verifica-se por parte do Poder Judiciário e das famílias demandantes um entendimento de
igualdade legal enquanto tratamento uniforme que assegura a imediata matrícula das crianças,
por meio da concessão de liminares judiciais sem o estabelecimento de qualquer critério para o
acesso ou questionamento sobre a qualidade da estrutura disponível.

No entanto, a igualdade apregoada por um direito, enquanto tratamento uniforme


configurado a partir da norma jurídica de caráter universalizante, “não está imune a provocar
situações de desrespeito sistemático a direitos tanto no plano jurídico como no plano das
interações públicas e nos processos sociais”, uma vez que reforçam decisões unilaterais
proferidas pelos operadores de direito que podem ser tomadas na esfera social como segregação
e fonte de desigualdade entre aquele que demandou e seu próprio grupo (OLIVEIRA, 2010, p.
452-463).

Tendo em vista que o espaço da creche tem sua origem histórica marcada por uma
política voltada para guarda e tutela de filhos de trabalhadores pertencentes às camadas mais
vulneráveis, o atual modelo de proteção integral à criança inaugurado pela Declaração dos
Direitos da Criança e seguido pela legislação brasileira ensejou nova reconfiguração do direito
à educação de crianças de 0 a 3 anos a partir de sua universalidade, de seu caráter educativo
aliado aos cuidados, bem como ao posicionamento da criança enquanto sujeito de direitos,
constituindo-se o fenômeno como terreno em que múltiplos significados podem ser atribuídos
conforme o grupo de atores envolvidos e, portanto, passível de ser submetido a diversos e, até
mesmo divergentes, tipos de representações.
80

Tratando-se de novo paradigma jurídico estabelecido por meio da legislação nacional


na década de 1990, abriu-se um campo para a reconfiguração de outros elementos dele
decorrentes: a titularidade desse direito, a concepção de infância contida na legislação atual,
os mecanismos de acesso disponíveis à população, a própria função do espaço da creche e
o significado da universalidade tomado a partir da limitação do poder público em assegurá-
lo em termos práticos. Todos eles imbricados e representados simultaneamente, compondo a
complexidade que se instala na positivação de um direito.

Nesse cenário, Campos (1999, p. 125) explica que a definição de um direito social, sua
instituição jurídica como tal, não é apreendida da mesma forma pelos diferentes atores sociais.
Segundo a autora, a disseminação de novas concepções de direitos costuma ser “mais lenta e
descontínua do que fazem supor as lutas políticas responsáveis por seu reconhecimento legal”.

Além da verificação da existência de uma norma válida que reconheça o direito à


educação das crianças entre 0 a 3 anos, no caso do Brasil, sua efetivação como direito
fundamental depende, sobretudo, do convencimento e da validação desse direito na esfera social,
empreendidos por meio da explicitação das razões que justificam a defesa de sua legitimidade
abrangendo todos os demais aspectos que o circundam.

Constitui-se o reconhecimento do direito à educação de crianças de 0 a 3 anos, portanto,


um problema de justificação racional que, longe de ser absoluta e universal, comporta uma
dimensão simbólica que se encontra situada em cada momento histórico, cultural e social. Por
essa razão, necessita ser analisado a partir do cotejamento das interações estabelecidas entre
um dispositivo jurídico e o modo como são atribuídos os sentidos nas práticas locais, onde esse
direito abstrato é vivido cotidianamente (OLIVEIRA, 2010, p. 452).

Logo, o processo de reconhecimento de um direito e a efetivação de meios


capazes de assegurá-lo tornam-se dependentes das relações socialmente estabelecidas entre
grupos específicos que discutem a inclusão de novos conhecimentos às estruturas e saberes
preestabelecidos. Implicam o enfrentamento do desconforto provocado por situações inusitadas
e completamente desconhecidas e, decorrentes de intenso movimento comunicacional, exigem
negociação social e o acionamento de saberes já constituídos acerca da temática (OLIVEIRA,
2010).

Tratando-se de objeto que envolve leis e normas jurídicas, conforme explica Carvalho
(2010, p. 299), ao mesmo tempo em que comporta uma linguagem prescritiva expressa por
meio de textos imperativos, o Direito se organiza como um conjunto de normas jurídicas que
necessita ser submetido ao processo de reelaboração por aquele que o interpreta, razões pelas
quais justifica-se a relevância do estudo aqui proposto.
81

Define-se, por conseguinte, o conceito de reconhecimento (HONNETH, 2009) como


o processo que considera, reciprocamente, as diferentes perspectivas, os variados lugares de
onde os sujeitos falam e se posicionam, estabelecendo limites e fronteiras que ao mesmo tempo
decorrem da internalização de uma organização social e permitem emergir processos de criação
e inovação, por meio dos sentidos e significações próprios atribuídos à organização social, da
qual o direito é parte.

A esse respeito, explica Honneth (2009) que as interpretações das normas e as relações
jurídicas imbricadas na esfera social implicam formas específicas de reconhecimento que
perpassam a abstração da norma e atingem a construção daquilo que o autor denomina de
autoconfiança, autorrespeito e autoestima, e que só podem acontecer dentro do tecido social.

Segundo revisão proposta por Honneth (2009, p. 194), parte-se da premissa de que
o autorrespeito se constrói na experiência coletiva empreendida por meio do reconhecimento
social de que determinado sujeito é um sujeito de direito e como tal possui a faculdade de “se
referir a si mesmo como uma pessoa moralmente imputável”.

É por meio da instituição e do reconhecimento social de normas jurídicas que se


assegura a atividade legítima do demandante que, por considerar-se parte de um coletivo mais
amplo, encontra nos parâmetros de orientação das práticas sociais o próprio reconhecimento
enquanto sujeito merecedor de direitos (HONNETH, 2009, p. 193)

Dá-se, desse modo, não apenas o reconhecimento material de um direito, mas o


reconhecimento da própria autonomia do indivíduo que, diante do seu grupo, poderá “levantar
pretensões cuja satisfação social se considera justificada” (HONNETH, 2009, p. 197).

Ter direitos nos capacita a manter-nos como homens, a olhar os outros nos olhos e nos
sentir, de uma maneira fundamental, iguais a qualquer um. Considerar-se portador de
direitos não é ter orgulho indevido, mas justificado, é ter aquele autorrespeito míni-
mo, necessário para ser digno do amor e da estima dos outros. De fato, o respeito por
pessoas [...] pode ser simplesmente o respeito por seus direitos, de modo que não pode
haver um sem o outro; e o que se chama dignidade humana pode ser simplesmente a
capacidade reconhecível de afirmar pretensões (HONNETH, 2009, p. 196).

Conforme tal perspectiva de reconhecimento, possuir direitos individuais implicaria,


portanto, desfrutar, coletiva e reciprocamente, do respeito dos demais, poder “olhar os outros nos
olhos e nos sentir, de uma maneira fundamental, iguais a qualquer um”, “ter aquele autorrespeito
mínimo, necessário para ser digno de amor e estima dos outros” (HONNETH, 2009, p. 196).

O não reconhecimento da capacidade dos sujeitos de possuir direitos, sua exclusão da


estrutura social, a denegação de direitos compartilhados por seus semelhantes, implica mais do
que um conflito legal em seu caráter distributivo, constitui-se tal interpretação da norma como
82

forma de “violação de sua autonomia pessoal” capaz de fazer desmoronar “a identidade da


pessoa inteira” (HONNETH, 2009, p. 196).

Nessa perspectiva de estudo centrada na dimensão contextual do caso específico,


encontra-se a pesquisa realizada por Béal et al. (2014), em que se analisaram as relações
estabelecidas entre populações vulneráveis e a negação do acesso a direitos sociais.

Desenvolvida sob o aporte teórico das representações sociais, Béal et al. (2014)
apontaram que a interiorização de um status de total desqualificação social se colocava como
elemento que dificultava o próprio acesso aos direitos sociais e humanos pela via judicial
distributiva, justamente porque os sujeitos participantes se encontravam marcados por um
sentimento de estigmatização que decorria da não validação social de sua capacidade de possuir
direitos.

A ausência de tal validação social, desse modo, implicava o desencorajamento de


qualquer ação que tivesse por objetivo a busca por acesso aos direitos sociais negados, posto
que a situação de “não reconhecimento de sua cidadania social” demandava um longo percurso
entre o reconhecimento da injustiça sofrida, a aceitação e a exposição social de suas fragilidades,
até a busca por canais efetivos de acesso à justiça que permitissem a instalação de uma lide.

Nesse sentido, aproximam-se os resultados obtidos por Béal et al. (2014) e Honneth
(2009, p. 198), cujos dados demonstram que a negação de direitos e a “tolerância a subprivilégio
jurídico conduzem a um sentimento paralisante de vergonha social, do qual só o protesto ativo
e a resistência poderiam libertar”.

Essa situação só poderia ser transformada por meio da luta de poder que se trava
simbolicamente na esfera social, por meio da construção de uma linguagem comum que ofereça
suporte à nomeação, à identificação e ao reconhecimento do objeto positivado, tornando possível
transformar aquilo que não é familiar em algo que o seja, permitindo aos seus atores assumir
uma posição e elaborar um julgamento sobre sua pertinência ou não, uma vez que,

[...] quanto mais os movimentos sociais conseguem chamar a atenção da esfera pú-
blica para a importância negligenciada das propriedades e capacidades representadas
por eles de modo coletivo, tanto mais existe a possibilidade de elevar na sociedade o
valor social, ou, mais precisamente, a reputação de seus membros (HONNETH, 2009,
p. 207-208).

Tem-se, assim, que o não reconhecimento do direito à educação, do direito à


aprendizagem das crianças de 0 a 3 anos, abrange, portanto, muito mais do que a limitação de
sua esfera espaço-temporal de atuação, fere de modo direto a possibilidade de essas crianças,
parafraseando Honneth (2009, p. 218), entenderem-se a si próprias como seres estimados por
suas propriedades e capacidades características.
83

Para se ter uma ideia da magnitude que as representações sociais assumem na vida
cotidiana, Marcílio (2016) destaca que, com relação ao espaço da creche, por exemplo, havia
um vocabulário específico para designar seu público “menores”, absolutamente distinto do
termo “crianças”. O primeiro utilizado na indicação das crianças oriundas de famílias de baixa
renda, derivado do Código de Menores, e o segundo, especificamente, referindo-se às crianças
da elite, explicitando compreensões distintas concernentes ao espaço da creche e seu público.

Nesse sentido, a negação ou a não concretização das condições que asseguram o direito
à educação das crianças de 0 a 3 anos resultam, a partir do entendimento proposto por Honneth
(2009, p. 216-218), na própria degradação da sua integridade psíquica, uma vez que seu não
reconhecimento se materializa no rebaixamento e humilhação social, na degradação cultural de
suas formas de vida e resultam, estruturalmente, na exclusão da posse de determinados direitos
no interior de sua comunidade.

Tal qual descreve Moscovici (2010, p. 265-266), em relação semelhante ao caso


dos pró-Dreyfus,19 o rebaixamento social, a negação do reconhecimento social, implicam
consequências negativas à constituição do Eu, na medida em que, ainda que sua presença seja
notada, seu reconhecimento passa a ser condicionado a determinadas circunstâncias e situações
particulares, de modo arbitrário.

Considerando o caso específico do direito à educação de crianças de 0 a 3 anos, tem-se


a implicação de novos movimentos comunicacionais que, inseridos nas esferas de discussão,
poder e luta, oferecem justificativas racionais para a sua efetivação e garantia. Tais movimentos
não se concebem de forma desconectada da natureza e dos fundamentos que lhe deram origem
e, por essa razão, necessitam ser analisados.

A história do Estado de Direito, do constitucionalismo democrático, dos direitos hu-


manos e dos direitos fundamentais é a história das lutas contra o absolutismo do po-
der, contra a liberdade indiscriminada, desmedida, e a favor da dignidade humana e da
vida. Nesse processo histórico se vai progressivamente lutando contra o absolutismo
dos poderes econômicos e empresariais, por meio de leis trabalhistas e da garantia de
direitos aos trabalhadores, diminuindo o poder patriarcal doméstico através de refor-
mas do direito de família, igualdade de gênero e outros. Nenhuma dessas conquistas,
contudo, implica um ponto final. São apenas transições, conquistas temporárias para
a garantia de direitos. Muitas outras lutas surgem diariamente e continuarão surgindo.
Por essa razão, tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais não podem
ser vistos em um sentido estático. Pelo contrário, estão em uma perene conformação
dinâmica (CADEMARTORI; GRUBBA, 2012, p. 714).

Considerando as diferentes significações e interpretações que podem resultar em


representações sociais específicas acerca do objeto, evidenciam-se, nesse caso, três dimensões


19
Oficial de carreira, francês, acusado de vender informações militares confidenciais aos alemães, no final do
século XIX.
84

que necessitam ser analisadas por se tratar de objeto que envolve um conflito que exige o
reconhecimento de um direito social positivado: 1. A dimensão do contexto cultural; 2. A
dimensão situacional do contexto; e 3. A dimensão contextual do caso específico (OLIVEIRA,
2010).

Por dimensão do contexto cultural define Oliveira (2010) o universo simbólico mais
amplo em que o conflito tem lugar. Nesse caso, encontram-se os elementos jurídicos definidos,
em épocas específicas, em relação à normatização do papel social da criança, da infância e da
educação dos mais jovens, no período de transição das sociedades pré-industriais em sociedades
industriais, apresentados no Capítulo 1.

No tocante à dimensão situacional do contexto, destacam-se os padrões de aplicação


normativa associados a situações típico-ideais sem que sejam cotejadas as questões factuais
implicadas em tal aplicação (OLIVEIRA, 2010). Essa dimensão é caracterizada, sobretudo,
pelos processos envolvidos na positivação de direitos, apresentados no Capítulo 2, na qual se
verificaram os mecanismos jurídicos que culminaram na positivação do direito à educação de
crianças de 0 a 3 anos no Texto Constitucional de 1988 e demais legislações vigentes.

Na dimensão contextual do caso particular situam-se os modos pelos quais os sentidos


de um direito abstrato são considerados entre os membros de uma comunidade a partir de um
processo de enquadramento do caso específico às situações típico-ideais e, mais ainda, em
que tal enquadramento encontra validade no interior dessa mesma comunidade, influenciando
o modo de vida estabelecido no interior de grupos específicos e a própria identidade de seus
membros.

Desse modo, a complexidade envolvida na interpretação das normas jurídicas, sobretudo


quando realizada por não especialistas, mostra-se como elemento central a ser analisado, posto
que será do debate social estabelecido no cotidiano das comunicações entre grupos distintos,
do confronto entre diferentes ideologias e representações acerca da temática e dos consensos
possíveis de um dado momento que resultarão as formas consideradas socialmente apropriadas
para tal segurança e efetivação (MOLINER; GUIMELLI, 2015, p. 9).

[...] os direitos, em sua normatividade, pertencem ao mundo simbólico, à linguagem.


Isto quer dizer que a efetividade das prescrições normativas depende da formação de
um senso comum – cívico (CADEMARTORI; GRUBBA, 2012, p. 713).

Por essas razões, adotou-se como referencial teórico-metodológico a Teoria das


Representações Sociais (MOSCOVICI, 2010; 2011; 2012; MARKOVÁ, 2017) que, numa
perspectiva psicossocial do fenômeno, volta-se para os processos comunicacionais envolvidos
na tríade Ego, Alter e Objeto, de modo a oferecer uma compreensão sobre a forma como os
85

estudantes de Pedagogia estão compreendendo o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e


o espaço da creche onde esse direito é exercido.

3.2 Contribuições teórico-metodológicas da Teoria das Representações Sociais

Partindo do pressuposto de que o Direito se caracteriza como um saber especializado


que, não necessariamente, faz parte dos códigos, das regras e da linguagem da vida cotidiana,
o presente estudo se orienta por meio do referencial teórico-metodológico da Teoria das
Representações Sociais, inaugurada por Moscovici no ano de 1961 que, com sua obra seminal
A psicanálise, sua imagem e seu público, dedicou-se a delimitar a matéria-prima de sua teoria,
encontrando no senso comum e na comunicação estabelecida socialmente um amplo e instigante
espaço de investigação, conforme explica Arruda (2002, p. 17):

A perspectiva basal de que o pensamento ingênuo, o senso comum, é respeitável, efi-


caz, e serve a um propósito e, de que os sujeitos são ativos e criativos em suas relações
com o mundo, cruzam-se com a de que a construção social acontece na comunicação,
portanto, recorre à linguagem.

A partir do propósito de analisar como um conhecimento científico se integrava à


sociedade e os processos envolvidos em tal apropriação até se constituir como um conhecimento
comum, Moscovici (2010, p. 232) elucida duas formas distintas de conhecimento: um científico,
pertencente ao universo reificado, e outro de sentido comum, próprio do universo consensual.

Enquanto o conhecimento científico estaria voltado para a construção de explicações


do mundo, de forma parcial e independente dos sujeitos, o conhecimento de senso comum
responderia às finalidades práticas da vida cotidiana de compreender e controlar o mundo
material e social onde essa vida se dá, bem como permitir uma comunicação comum entre os
membros de uma comunidade a partir da validação de códigos que lhes permitam “nomear
e classificar, sem ambiguidade, os vários aspectos de seu mundo [...]. Delineia-se, assim, o
próprio conceito de representação social” (MOSCOVICI, 2010, p. 21).

[...] nunca devemos nos esquecer que nós adquirimos a marca do conhecimento do
senso comum cedo na infância, quando nós começamos a nos relacionar, comunicar e
falar. A maioria das pessoas fala muito bem sua língua materna, mesmo que elas não
tenham nenhum estudo. O conhecimento do senso comum, por isso, não pode ser tão
distorcido e errado, como algumas vezes se supôs. Ele serve muito bem a seus propó-
sitos na vida diária e chegou mesmo a encantar e a tornar a vida digna de ser vivida
por séculos (MOSCOVICI, 2010, p. 336).

Nota-se, nesse sentido compartilhado da linguagem, uma perspectiva dialógica entre


o indivíduo e a sociedade, que, não mais considerados como entidades distintas, são tomados
como faces de uma mesma moeda. Estabelece-se uma relação que abarca, concomitantemente,
a comunicação e a negociação empreendida entre o sujeito (Ego) e o contexto/outro (Alter),
86

com o objetivo de tornar familiar e passível de ser controlado tudo aquilo que se apresenta
como diferente, desconhecido e ameaçador à comunidade da qual fazem parte.

É por meio da construção de representações que se dá a ponte que lida com a distância
entre os atores sociais e objeto-mundo criando sentidos, ferramentas e entendimentos
que o domesticam e o tornam conhecido. Portanto, as representações criam familia-
ridade e respondem a profundas necessidades de se sentir em casa no mundo (JOV-
CHELOVITCH, 2011, p. 191).

Portanto, considerando a temática do presente estudo que envolve conhecimentos


específicos da área do direito (conhecimento científico), depreende-se que sua estrutura, seus
códigos, suas regras e sua linguagem podem se constituir como algo “não familiar”, dado seu
caráter simbólico, ensejando processos de categorização que podem resultar em representações
específicas por parte de determinados grupos em relação ao objeto.

Conforme explica Vargas (2016, p. 92), a transferência de um conhecimento científico


em conhecimento comum é empreendida por meio da representação de algo por alguém a partir
de lugares específicos. O sujeito (Ego) que representa algo ou alguém assim o faz tomando-se
em conta a posição particular que ocupa num dado contexto, num espaço social que comporta
uma dimensão espaço-temporal específica.

O conjunto de condições econômicas, sociais, históricas, culturais dotam os sujeitos


de formas específicas para compreender a realidade, a partir de suas experiências,
conhecimentos e informações que condicionam de diversas maneiras sua relação com
os objetos de representação, o que leva a reconhecer que diferentes inserções sociais
geram representações sociais também distintas (tradução nossa).

É do lugar particular onde esses sujeitos se situam que se dá a separação dos conceitos
e percepções que, normalmente interligados, serão utilizados para tornar familiar aquilo que
para a comunidade é considerado não familiar.

A partir desse processo de bricolagem, o objeto selecionado, que, segundo Jodelet


(1986, p. 475), pode ser um objeto, uma pessoa, uma ideia, um acontecimento etc., é incluído
em uma categoria de pensamento preexistente sobre a qual lhe será atribuído um valor positivo
ou negativo, normal ou aberrante. O objeto transforma-se em imagem e esta, por sua vez,
torna-se uma convenção, um modelo passível de ser interpretado, compartilhado por um grupo
de pessoas, conquanto se encontra inserido na linguagem e em seus códigos linguísticos,
podendo ser partilhada socialmente por meio da comunicação (MOSCOVICI, 2010, p. 34).
Esse mecanismo é denominado ancoragem.

Mesmo quando uma pessoa ou um objeto não se adéquam exatamente ao modelo, nós
o forçamos a assumir determinada forma, entrar em determinada categoria [...] sob
pena de não ser nem compreendido, nem decodificado (MOSCOVICI, 2010, p. 34).
87

A partir do enquadramento de um dado objeto ou pessoa em categorias específicas


de um pensamento preexistente, verifica-se, concomitantemente, outro mecanismo, o de
objetivação, no qual o objeto é substituído por sua qualidade icônica. A imagem do conceito, de
acordo com Moscovici (2010, p. 74), “deixa de ser um signo e torna-se réplica da realidade” não
como cópia fiel, mas recortada, reformulada e reconstruída. O objeto e seu conceito adquirem
uma materialidade que se converte na própria realidade histórica e social sobre a qual se torna
possível agir (MARKOVÁ, 2017, p. 85).

Essa realidade, segundo Marková (2017, p. 263), decorre da capacidade humana de


selecionar elementos do ambiente a partir da relevância que lhe atribuem socialmente, bem como
do esforço empreendido pelo grupo em nomeá-los e combiná-los em “totalidades significativas
em termos de tradições passadas, experiências de vida diária e expectativas futuras”.

[...] representações sociais são sempre complexas e necessariamente inscritas dentro


de um “referencial de um pensamento preexistente”; sempre dependentes, por conse-
guinte, de sistemas de crenças ancorados em valores, tradições e imagens do mundo e
da existência (MOSCOVICI, 2010, p. 216).

Quanto à problemática do direito à educação e do espaço da creche, ela necessita ser


analisada a partir da perspectiva do senso comum, uma vez que o conteúdo abstrato da norma
só se configura como prática na vida cotidiana a partir do momento em que a nomeação e
os significados atribuídos pela esfera jurídica são tomados como válidos e compartilhados no
contexto social.

Para nomear algo ou alguém, é preciso que os outros o reconheçam [...]. Somente se
os outros aceitam o nome que sugiro para algo em particular é que seu significado
se torna uma propriedade comum sobre a qual a comunidade pode agir [...] o Ego só
pode demandar justiça apenas na medida em que o Outro entenda o significado de
justiça [...] Se o Outro (seja um indivíduo ou o Estado) não compartilha o significado
de justiça do Ego, não há maneiras de suas demandas serem ouvidas (MARKOVÁ,
2017, p. 86).

Para atender ao propósito de compreender como os estudantes de Pedagogia representam


o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e o espaço da creche, faz-se necessário esclarecer
não apenas os mecanismos pelos quais se constroem as representações, mas também a estrutura
que lhes sustenta, de modo a tomar o fenômeno a partir de sua complexidade.

Segundo Moscovici (2012, p. 62), o conjunto de proposições, reações ou avaliações


ordenadas em torno de um objeto por um determinado grupo compõe um universo de opiniões
que, no caso das representações sociais, estrutura-se a partir de três dimensões que garantem
uma organização coerente e nos permite acessar os seus conteúdos e sentidos: informação, o
campo de representação (imagem) e das atitudes.
88

A informação é a dimensão que comporta a organização dos diferentes conhecimentos


que o grupo possui do objeto, que podem variar, segundo Moscovici (2012, p. 62), em intensidade
conforme o grupo, a classe e a cultura.

O campo de representação corresponde às imagens construídas sobre o objeto e, de


forma hierarquizada, a partir da seleção que os integrantes de determinado grupo fazem dos
elementos que constituem o objeto, atribuindo-lhe novas significações.

E a atitude, por sua vez, corresponde à atribuição de juízos de valores (positivos ou


negativos), a partir dos quais são orientadas as condutas e as ações empreendidas por determinado
grupo perante o objeto.

Dá-se, portanto, a partir da ideia de representação social, especial destaque aos sistemas
comunicacionais estabelecidos entre os estudantes do curso de Pedagogia, uma vez que olhar
para o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e para o espaço da creche implica considerar a
maneira como tais objetos estão sendo compreendidos, recortados, interpretados, reformulados,
isto é, representados a partir das dimensões da informação, do campo de representação e das
atitudes.

Justamente por serem históricas, consideradas como produtos sociais, as representações


sociais manifestam-se por meio de palavras, sentimentos e condutas, permitindo que sua análise
seja feita a partir da compreensão das estruturas e dos comportamentos sociais e, por essa
razão, necessitam ser analisadas a partir dos seus contextos de produção, sempre remetidas às
condições sociais que as engendraram.

Compreender, desse modo, como os estudantes de Pedagogia representam a nova


concepção de direito à educação e a reconfiguração do espaço da creche, trazidas pela Constituição
de 1988, pela Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/1996) e pela Emenda Constitucional 53, de
2006, implica resgatar, na comunicação que estabelecem com relação ao objeto, os elementos
simbólicos partilhados acerca do novo paradigma que envolve a infância, seu direito à educação
e o espaço da creche.

Implica trazer à tona os conhecimentos construídos por esses estudantes em épocas


e contextos sociais anteriores à legislação vigente, haja vista que podem estar integrados às
formas atuais de pensamento construídas por esses estudantes, pois, conforme explica Villas
Bôas (2010, p. 380), longe de ser estática, a reapropriação do passado

[...] é permeada por certa plasticidade na medida em que cada geração altera, ou não,
o sentido e a compreensão dos conhecimentos preexistentes e dos significados his-
toricamente consolidados. Ou seja, cada contexto atual seleciona um conteúdo do
passado que será reatualizado por meio de um recorte e de uma interpretação própria,
89

dependentes, em última instância, do sentido que um determinado grupo irá atribuir


ao seu espaço de experiência e horizonte de expectativa.

Tomando essas considerações, conforme afirma Marková (2017, p. 264), o esforço


do pesquisador nesse tipo de estudo seria o de, então, “buscar esses espaços do contexto,
que os participantes selecionam ou descartam, bem como sinais dessas características que
estão inconscientemente presentes nas suas representações sociais” de modo a oferecer uma
compreensão sobre dado fenômeno.

Tal posicionamento proposto por Marková (2017) se aproxima da modalidade de


investigação sugerida por Oliveira (1992, p. 37), na qual o foco da investigação deve se voltar
para: 1. A incorporação de uma maior preocupação com a dimensão contextual do caso específico
do que propriamente com a normatividade; 2. A adoção de uma postura mais reflexiva por parte
dos participantes.

Essas orientações, segundo Oliveira (1992, p. 40), conduziriam a uma mudança no


foco da investigação que, da norma para a dimensão contextual do caso específico, permitiria
verificar como a norma está sendo compreendida por um determinado grupo, bem como a
análise dos movimentos que sugerem a manutenção ou a superação de definições normativas
cristalizadas.

Tecidas as devidas considerações acerca da dimensão simbólica que o objeto do


presente estudo comporta e do referencial teórico-metodológico que sustenta a estrutura da
investigação proposta, tem-se a seguir a apresentação dos procedimentos metodológicos que
visaram a construção de um quadro explicativo sobre como o direito à educação de crianças
de 0 a 3 anos e o espaço da creche estão sendo compreendidos pelos estudantes de Pedagogia.

3.3 O percurso metodológico

3.3.1 Dos participantes do estudo

Com o objetivo de captar as representações sociais dos estudantes de Pedagogia, para


a delimitação do grupo de participantes, recorreu-se ao conceito de autoridade epistêmica
proposto por Arendt (2011) e Marková (2017), ou seja, buscou-se um grupo que, a partir de um
saber especializado, assumisse uma relação simbolicamente instituída de forma hierárquica e
assimétrica em relação aos demais sujeitos sociais e que, na figura de experts que em um futuro
breve atuarão como professores da Educação Básica, fossem capazes de exercer algum tipo de
influência no espaço social a partir das ideias e conhecimentos construídos dentro desse saber
especializado.
90

Mais ainda, buscou-se a configuração de um grupo reflexivo que atendesse aos critérios
propostos por Wagner (1998, p. 10-11), ou seja, que se caracterizasse como unidade social
específica, marcada pela filiação de seus membros a partir de critérios próprios, tornando-se
possível a elaboração coletiva de regras, justificativas e razões para a construção de determinados
comportamentos dentro de suas práticas cotidianas, bem como o compartilhamento de
informações, imagens e atitudes que sustentariam as representações sociais de determinado
grupo sobre o objeto, nesse caso, as representações dos estudantes de Pedagogia sobre o direito
à educação de crianças de 0 a 3 anos e o espaço da creche.

A partir de tais critérios, foram selecionados os participantes que estivessem regularmente


matriculados no curso de Pedagogia e já tivessem cursado as disciplinas Legislação aplicada
à educação e Práticas pedagógicas na educação infantil. Tal procedimento foi realizado na
matriz curricular do curso.

De forma voluntária e mediante a assinatura do termo de consentimento livre e


esclarecido (Apêndice B) e aprovação na Plataforma Brasil que regulamenta a realização de
pesquisa com seres humanos, o grupo foi constituído por 124 estudantes que cursavam os 3.º
4.º e 5.º semestres do curso de Pedagogia (que é composto por um total de oito semestres), de
uma universidade privada situada na cidade de São Paulo.

Foram atendidos, portanto, os critérios para a configuração do grupo formado por


experts (ainda que em fase de formação) que, por meio de seus saberes, constituem-se como
grupo reflexivo a partir das temáticas específicas de seus estudos.

3.3.2 Dos instrumentos e dos procedimentos de coleta dos dados

Tratando-se de estudo iluminado pela Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI,


2010; 2011; 2012; MARKOVÁ, 2017), no qual a investigação se volta para a dimensão
contextual do caso específico (OLIVEIRA, 2010) a partir da análise das representações sociais
que se originam a partir da tríade Alter, Ego e Objeto, tomou-se adicional cautela na delimitação
dos instrumentos de coleta, de modo que fosse possível apreender os sentidos e compreensões
formulados pelos estudantes de Pedagogia acerca do direito à educação de crianças de 0 a 3
anos e o espaço da creche.

Definido o grupo de participantes, partiu-se para o estabelecimento de uma matriz de


referência,20 na qual se procedeu à delimitação de temáticas e questões específicas sobre os


20
Instrumento amplamente utilizado na área da avaliação educacional que permite, segundo Santos (2017, p.
146), “a estruturação de descritores na caracterização do objeto investigado, permitindo, por conseguinte, ao
pesquisador melhor delimitar o seu estudo focalizando específicos pontos do objeto/fenômeno investigado”.
91

objetos representacionais a partir dos componentes constitutivos de uma representação social:


a informação, o campo de representação e a atitude, de modo que fosse possível contemplar o
fenômeno a partir de sua complexidade, conforme se observa no Quadro 2.

Quadro 2. Matriz de referência


Dimensões Itens compreendidos em cada dimensão Questões de aprofundamento
Informação Marcos legais que regulamentam o direito à educação de Conhecem a estrutura da Educação Básica?
crianças de 0 a 3 anos
Reconhecem a titularidade do direito à educação
Estrutura da Educação Básica em creche das crianças?
Qual é o papel da creche? Consideram-na parte do
pacto geracional?
Quais são os responsáveis pela educação das crian-
ças de 0 a 3 anos?
A ideia de “familiarismo” está presente, em detri-
mento de uma postura que considere a responsabi-
lidade compartilhada, ou o “amor mundi” proposta
por Arendt?
Campo de Titularidade do direito à educação Qual é o público que frequenta a creche?
representação ou
imagem Função social atribuída à creche Qual é a função da creche?
Considerações sobre o espaço da creche e seu público Há diferenças entre a creche privada e pública?
A creche encontra-se situada em qual perspectiva?
De apoio às famílias? Como local onde se exerce o
direito à educação de crianças de 0 a 3 anos?
Há alguma indicação da creche como parte dos
cuidados implicados no pacto geracional?
Há alguma indicação da creche enquanto espaço
onde os adultos se responsabilizam pela iniciação
dos recém-chegados por nascimento?
Atitude Formas de compreensão sobre o conflito “universalidade do Há um reconhecimento social do direito à educa-
direito à educação versus incapacidade estatal em assegurar ção de crianças de 0 a 3 anos em seu caráter uni-
sua fruição”. versal?
Justificativas e posicionamentos apresentados frente o confli- A creche é um direito de todas as crianças, inde-
to. pendentemente da classe social ou condição so-
cioeconômica de suas famílias? Quais elementos
destacam para justificar a posição?
Como se posicionam perante o conflito “universa-
lidade do direito à educação versus incapacidade
estatal em assegurar sua fruição”?
Indicam luta no sentido da universalização? De
que forma?
Consideram-se ativos nessa luta?
Compreendem-se parte da luta pelo reconhecimen-
to do direito à educação de crianças de 0 a 3 anos?
Indicam soluções para o conflito universalidade
versus incapacidade estatal? Quais soluções apre-
sentam?
Há distinções em suas representações? Entre os
participantes que estão nos 3.º/4.º semestres e aos
alunos do 5.º semestre? Quais?
O fato de terem ou não filhos implica representa-
ções distintas entre os participantes?

Considerando que a estrutura de pensamento social se dá por meio de uma arquitetura


que comporta informações, opiniões, atitudes, representações sociais e ideologia que, de forma
imbricada, articulam-se, mesclam-se e espalham-se a longo prazo, definindo sistemas de
92

valores e uma concepção de mundo comum dentro de um determinado grupo (ROUQUETTE,


2009, p. 7), optou-se pela construção de três instrumentos de coleta distintos com o objetivo
de captar o perfil do grupo de participantes (Questionário de perfil); suas opiniões sobre a
temática (Questionário com questões abertas) (Apêndices C e D) e as representações sociais que
possuíam sobre o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e o espaço da creche (Cenários
projetados) (Apêndice E).

Tais instrumentos foram construídos e aplicados em duas etapas distintas, com o


objetivo de apreender as dimensões que compõem uma representação social (informação,
campo de representação ou imagem e atitude): a primeira etapa teve por objetivo levantar o
perfil desse grupo de estudantes, bem como suas informações e imagens sobre a temática a
partir da coleta de suas opiniões; e a segunda etapa com o propósito de apreender as atitudes de
tais estudantes perante os objetos, a partir de cenários projetados que, construídos com base nos
dados coletados na primeira etapa, implicavam um posicionamento por parte dos participantes
diante da problemática contida em cada cenário.

Cabe, contudo, esclarecer que a opção por uma coleta organizada em etapas e com a
utilização de instrumentos também distintos teve por objetivo assegurar uma forma didática
de se analisar, separadamente, cada dimensão que compõe uma representação social, pois,
conforme explica Moscovici (2012, p. 62), é passível de se verificar no curso das análises
a ausência de uma dessas dimensões, resultando uma representação pouco coerente e pouco
estruturada.

No tocante à caracterização do grupo, atentou-se ao fato de que na construção de


representações sociais há sempre algo retratado necessariamente por alguém (Ego/sujeito).
Nesse sentido, situar o grupo de participantes atenderia à necessidade de explicitar sua posição
concreta, uma vez que, segundo explica Jodelet (1986, p. 475), as representações decorrem das
posições que os sujeitos ocupam no espaço social, temporal e geográfico, as quais acabam por
condicionar a forma como se relacionam com os mais diferentes objetos.

Justificou-se um levantamento inicial das opiniões dos participantes com o objetivo


de identificar possíveis elementos que pudessem indicar uma representação social construída
sobre o direito à educação e a creche, oferecendo um panorama inicial sobre o modo como a
temática desse estudo estava sendo compreendida por esses estudantes a partir dos elementos
que apresentavam em suas opiniões sobre os objetos.

Isso porque, conforme explica Renard (2009, p. 157), as opiniões, embora mais
instáveis, podem se apresentar de forma objetivada ou ser desveladas por meio das narrativas
empreendidas por esses participantes, permitindo, assim, o acesso a uma organização
subjacente ao conteúdo das representações, pois, conforme sinaliza Moscovici (2012,
93

p. 64-65), “as opiniões podem incluir o conjunto representado”, embora isso não signifique que
esse “conjunto seja ordenado e estruturado”.

Na arquitetura do pensamento social – opiniões, atitudes, representações, ideologias,


rumores podem ser considerados como uma forma de opinião, objetivados ou pro-
feridos ou em narrativa. O rumor é determinado a montante por atitudes, favoráveis​​
ou desfavoráveis, em relação aos vários elementos colocados no rumor (objetos ma-
teriais, indivíduos, grupos sociais ou grupos étnicos). Essas atitudes, por sua vez,
dependem de representações sociais, solventes estereotipados, associados a elas e,
finalmente, ideologias, cuja descoberta possibilita a compreensão de por que certos
indivíduos, minorias militantes ou grupos sociais que se sentem implicados em um
boato porque confirma seu sistema de valores e sua concepção do mundo, tem todo o
interesse em acreditar e disseminar (RENARD, 2009, p. 157).

Nessa primeira etapa, portanto, buscou-se identificar as características e os elementos


resultantes da interação coordenada entre os participantes, por meio daquilo que Wagner
(1998, p. 17-19) nomeou de consenso funcional, ou seja, a “padronização do autossistema, dos
processos de autocategorização e das interações sociais que resultam na seleção de fenômenos
relevantes para a compreensão de um dado conflito”.

Participaram dessa primeira etapa de coleta, realizada no início do ano de 2016, 124
estudantes. A cada um deles foi entregue um conjunto impresso contendo um questionário de
perfil, composto por dez questões que versavam sobre a caracterização do participante, e um
questionário com seis questões abertas relacionadas à estrutura da educação básica, ao direito à
educação e ao espaço da creche.

Todos os participantes foram orientados a respeito das questões de sigilo envolvidas


no tratamento de suas respostas, bem como sobre a possibilidade de desistência em qualquer
etapa da pesquisa. Nessa primeira etapa houve adesão de todos os participantes (124 sujeitos).

A segunda etapa de construção e aplicação do instrumento de coleta caracterizou-se por


uma perspectiva muito mais voltada aos aspectos simbólicos constituintes das representações
sociais que esses estudantes possuíam do direito à educação de crianças de 0 a 3 anos, do espaço
da creche e de seu público.

Por meio da seleção dos elementos destacados pelos estudantes nas respostas oferecidas
às questões abertas que compuseram a primeira etapa de coleta, foram elaborados três cenários
projetados na modalidade de situações-problema (Apêndice E).

Tal procedimento de coleta encontra-se fundamentado a partir do estudo empreendido


por Inaudi et al. (2014), no qual se verificou que o emprego de cenários projetados favorecia o
trabalho reflexivo dos participantes sobre as representações preliminares apresentadas em etapas
anteriores e preliminares de coleta, mostrando-se, desse modo, altamente positivos na tarefa de
94

mobilizar as representações sociais durante os processos de construção de explicações para os


casos problemáticos selecionados, atendendo, portanto, aos propósitos do presente estudo.

Embora o estudo original realizado por Inaudi et al. (2014) oferecesse uma escala a
partir da qual algumas variáveis eram selecionadas e apresentadas aos participantes, para esta
pesquisa optou-se pelo cenário projetado no modelo de situação-problema, mas sem a definição
de uma escala, deixando espaço aberto para que os participantes formulassem livremente suas
hipóteses, soluções e justificativas.

Conforme mencionam Inaudi et al. (2014), a produção de explicações para os problemas


que se colocam no cotidiano envolve diferentes elementos do campo simbólico (internos e
externos ao participante) e comportam, simultaneamente, percepções, crenças, opiniões e
representações, sendo, portanto, uma forma eficaz para se analisarem as representações sociais
de um dado grupo perante um conflito extraído da vida cotidiana.

Ademais, por meio da construção de explicações é possível uma compreensão não


apenas do fenômeno, mas também dos sistemas de representação, pela identificação dos fatores
que induzem a variações no julgamento (descrições, impressões, avaliações, explicações) e
das práticas apresentadas/sugeridas pelos participantes (INAUDI et al., 2014, p. 6) que, por
sua vez, nos permitem entender como os indivíduos “antecipam e controlam seu ambiente
social, atribuindo-lhe significado, bem como de que forma as explicações e atribuições diárias
asseguram um lugar nas relações sociais” (INAUDI et al., 2014, p. 14).

Dessarte, o instrumento contendo três cenários projetados, apresentados na forma


de situações-problema, foi construído a partir da configuração do conflito que envolvia a luta
simbólica do direito universal à educação de crianças de 0 a 3 anos, a constituição da creche
como o espaço onde se exerce tal direito e a incapacidade estatal de assegurar sua fruição,
considerando os elementos destacados pelos participantes na primeira etapa de coleta: a
indicação da titularidade do direito à educação; o papel da família, do Estado e da creche na
concretização de tal direito; e, ainda, a consideração de tais elementos a partir de diferentes
situações socioeconômicas dos personagens fictícios.

Assim, os cenários projetados foram compostos por um núcleo comum de informações:


uma mãe que tinha um bebê de 6 meses e que não havia conseguido vaga na creche; e um
núcleo variável, que dizia respeito à situação socioeconômica da mãe: desempregada (cenário
1); dona de casa (cenário 2); e empregada (cenário 3) (Apêndice E).

Nesse sentido, considerou-se um conflito que, compreendido simbolicamente como


luta, constituiria aquilo que Andrade (1998, p. 142) sinaliza como “uma disputa pelo poder
de impor determinadas visões de mundo, ou seja, determinadas representações, determinados
95

sentidos aos objetos e relações sociais” que, marcada por seu aspecto imaginário, atribui sentido
às coisas, aos fatos sociais e ao mundo, justamente por decorrerem da organização de ideias,
imagens, crenças, opiniões e representações.

Considerando que a participação dos estudantes se deu de forma voluntária, embora


todos os 124 integrantes da primeira etapa tenham sido convidados, observou-se a adesão de
apenas 92 sujeitos para essa segunda etapa de coleta.

3.3.3 Dos procedimentos de análise dos dados coletados

Para as respostas obtidas com o questionário de perfil optou-se por uma análise
quantitativa a fim de delinear características como idade, sexo, tempo de docência, cargo ou
função desempenhada por esses estudantes, semestre cursado e ter filhos ou não.

No tocante ao questionário contendo questões abertas, a análise voltou tanto para os


aspectos quantitativos das respostas oferecidas quanto para seu aspecto qualitativo, por meio
da análise de conteúdo proposta por Franco (2008), atendendo-se aos objetivos de levantar os
elementos representacionais presentes na comunicação desses estudantes, bem como identificar
a relevância que tais elementos assumiam no conjunto dessas respostas para a formação de um
universo consensual acerca dos objetos.

A escolha pelo procedimento de análise de conteúdo mostrou-se pertinente, uma vez


que, segundo explica Vala (2004, p. 466), ele atende à proposta de tomar a comunicação de um
determinado grupo e sua estrutura para então analisar quais os critérios que a regem quando
colocados diante de um dado objeto e seu contexto específico.

As formas de representação social não se produzem no abstrato, mas têm na realidade


vivida sua matéria-prima. O fato é que essa realidade nem sempre se apresenta de
forma clara, transparente. É uma realidade contraditória que vela e revela, simulta-
neamente. Além de referida a uma prática social contraditória, a reflexão simbólica,
objeto da representação de uma dada categoria, se constrói em referência a outras
práticas simbólicas, fundadas em visões de mundo complementares, contraditórias ou
mesmo antagônicas à sua própria (PORTO, 2009, p. 230).

Conforme explicam Cademartori e Grubba (2012, p. 714), embora o direito comporte


uma determinada ontologia ou racionalidade abstrata, sua efetividade encontra-se pautada
nos processos históricos de luta que integram, por meio da linguagem e da comunicação, os
planos lógicos e teóricos, materiais e imateriais, no espaço-tempo de uma vida em sociedade e
empreendidos por seres humanos concretos.

Para a segunda etapa recorreu-se também à análise de conteúdo (FRANCO, 2008),


uma vez que, por meio dos cenários projetados, tornou-se possível captar os comportamentos,
96

opiniões, atitudes e representações específicas sobre os objetos do presente estudo, explicitados


pelo posicionamento que assumiam diante de uma realidade extraída da vida cotidiana e das
justificativas apresentadas em cada uma das situações.

Estaria, portanto, na linguagem e nas comunicações desse grupo o conjunto de elementos


capazes de oferecer um quadro explicativo sobre como compreendiam e representavam o
direito humano fundamental à educação de crianças de 0 a 3 anos e o espaço da creche, a
partir da análise das dimensões que compõem uma representação social: informação, campo de
representação ou imagem e atitude.

Considerando que o reconhecimento de um direito não é algo dado, e sim construído


no seio de uma comunidade, e que envolve não apenas lutas individuais e a construção de
uma autoimagem, mas decorre, sobretudo, de sua validação/legitimação no tecido social mais
amplo, justifica-se o emprego da Teoria das Representações Sociais como referencial teórico-
metodológico norteador das etapas que envolveram a construção dos instrumentos de coleta dos
dados e os procedimentos de análise adotados, cujos resultados serão apresentados no próximo
capítulo.
97

4
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

A apresentação dos dados coletados e suas respectivas análises estão em dois conjuntos,
considerados os objetivos definidos para cada etapa de análise:

• Descrição do perfil dos participantes;

• Elementos constituintes das representações sociais de alunos de Pedagogia sobre o


direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e o espaço da creche.

4.1 Descrição do perfil dos participantes

O grupo participante constituiu-se de 56 estudantes dos 3.º e 4.º semestres (45%) e 68


estudantes do 5.º semestre (55%), todos já tendo cursado as disciplinas Legislação aplicada à
educação e Práticas pedagógicas na educação infantil.

No tocante ao sexo dos participantes, 121 declararam-se do sexo feminino (98%) e 3


do sexo masculino (2%), indicando um perfil majoritariamente feminino entre os estudantes.

No que concerne à faixa etária dos estudantes, 4 participantes situavam-se entre os 15


e 20 anos de idade (3%), 21 sujeitos entre 21 e 25 anos (17%), 23 entre 26 e 30 anos (19%),
45 entre 31 a 40 anos (36%), 25 entre 41 a 49 anos (20%), 4 entre 50 e 60 anos de idade (3%)
e 2 não responderam à questão (2%). Configurou-se, portanto, um grupo majoritariamente
composto pela faixa etária compreendida entre os 26 a 49 anos de idade (75%), conforme se
observa do Gráfico 5.

Gráfico 5. Idade dos participantes

Fonte: Dados organizados pela autora.


98

No que tange à área de atuação, verificou-se que, dentre os 124 participantes, 78 deles
já atuavam na área da Educação (63%) e 46 atuavam em outras áreas (37%), configurando-se
um grupo experiência em espaços educativos.

Em relação ao tempo de atuação na área da educação, dentre os 78 participantes dessa


área 37 contavam experiência inferior a 1 ano (47%), 28 sujeitos com 1 ano de experiência (36%),
3 participantes com 2 anos de atuação (4%), 3 participantes com 3 anos (4%), 2 participantes
com 4 anos (3%), 1 participante com 5 anos de experiência (1%), 1 participante com 7 anos
(1%) e 3 participantes com 10 ou mais anos de atuação na área da educação (4%), indicando
que 83% dos participantes apresentavam uma atuação na área da educação inferior ou igual a
um ano, portanto um ingresso bastante recente na área, conforme Gráfico 6.

Gráfico 6. Tempo de atuação na área da educação

Fonte: Dados organizados pela autora.

Com relação à rede de ensino onde atuavam, dos 78 participantes verificou-se que 49
se encontravam na rede pública (63%): 48 participantes atuando em escolas da Prefeitura de
São Paulo (62%) e 1 em escola do Estado de São Paulo (1%); e 29 atuavam em escolas da rede
privada de ensino (37%), sinalizando maior presença nas escolas da rede municipal de ensino,
conforme indicado no Gráfico 7.
99

Gráfico 7. Rede de ensino onde atuam os participantes

Fonte: Dados organizados pela autora

Quanto à etapa da educação em que atuavam, 42 se encontravam na educação infantil


(54%), 27 no Ensino Fundamental I (35%), 8 no Ensino Fundamental II (10%) e 1 no Ensino
Superior (1%), atendendo aos propósitos deste estudo que versa sobre os direitos à educação
de crianças de 0 a 3 anos, compreendidas na etapa da educação infantil, uma vez que 54% dos
participantes atuavam diretamente na Educação Básica, conforme demonstrado no Gráfico 8.

Gráfico 8. Etapa da Educação Básica onde atuam

Fonte: Dados organizados pela autora.

No que concerne às funções ou cargos desempenhados na escola por esses 78


participantes, tem-se a maior concentração nas funções de Auxiliar de classe e de Estagiário,
contando com 60 participantes, conforme demonstrado na Tabela 3.
100

Tabela 3. Cargo ou função – participantes que atuam na área da educação


Cargo ou função N.º de participantes
Agente escolar 01
Assistente administrativo 01
Auxiliar de classe 27
Auxiliar de coordenação 01
Auxiliar de cozinha 01
Auxiliar de enfermagem 01
Berçarista 01
Estagiário 33
Inspetor de alunos 01
Monitora 01
Professora 06
Professora substituta 02
Recreacionista 02
TOTAL 78

Fonte: Dados organizados pela autora.

Dentre os 46 participantes que ainda não atuavam na área da educação, foram


destacados os seguintes cargos ou funções, conforme Tabela 4.

Tabela 4. Cargo ou função – participantes que não atuam na área da Educação


Cargo ou função N.º de participantes
Agente de saúde 01
Assistente de licitação 01
Auxiliar administrativo 05
Auxiliar de acabamento 01
Auxiliar de cozinha 02
Auxiliar de embalagem 01
Auxiliar de enfermagem 01
Auxiliar de limpeza 01
Balconista 01
Contador 01
Corretor de seguros 01
Desempregado 02
Dona de casa 04
Empregada doméstica 01
Estudante 04
Faxineira 01
Free lancer 01
Gerente de loja 01
Manicure 01
Motorista (uber/transporte escolar) 03
Operador de caixa 01
Operador de telemarketing 03
Professor particular 01
101

Cargo ou função N.º de participantes


Recepcionista 02
Técnico em eletrônica 01
Técnico em patologia clínica 01
Vendedor 02
Vigilante 01
TOTAL 46

Fonte: Dados organizados pela autora.

Quanto à condição de ter filhos ou não, verificou-se a seguinte proporção entre os


estudantes dos 3.º/4.º/5.º semestres: 87 alunos declararam ter filhos (70%) e 37 informaram não
ter filhos (30%).

Considerando que o fato de ter filhos ou não pode ser um elemento da vivência
cotidiana que poderia favorecer a discussão sobre a educação de crianças de 0 a 3 anos, foram
levadas em conta as seguintes variáveis: ter filho que frequentou a creche pública ou filho que
não frequentou a creche pública.

Nesse aspecto, dentre os 87 participantes que declararam ter filhos 45 afirmaram que
seus filhos frequentaram a creche pública (52%), enquanto 42 indicaram outras formas de
atendimento (creche privada, casa de parentes, ou permanência no domicílio com um dos pais)
(48%).

4.2 Elementos que compõem as representações sociais de alunos de Pedagogia sobre o


direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e o espaço da creche

4.2.1 Informação – marcos legais e estrutura da Educação Básica

Constituindo-se a estrutura da Educação Básica como um dos saberes que fazem parte
da formação inicial de um expert em Pedagogia, foram encaminhadas, aos participantes, as
seguintes questões: 1. Quais etapas compõem a Educação Básica no Brasil?; 2. A partir de qual
idade a matrícula torna-se obrigatória no Brasil?; 3. Quem é o principal responsável pela creche
pública?

Com relação às etapas que compõem a Educação Básica, dentre os 124 respondentes 42
deles indicaram as etapas corretas: educação infantil (creche e pré-escola); ensino fundamental
e ensino médio (34%); 63 responderam de modo incorreto (51%); e 19 não responderam à
questão (15%), sinalizando um desconhecimento acerca da estrutura que compõe a Educação
Básica nacional, conforme se observa no Gráfico 9.
102

Gráfico 9. Etapas que compõem a Educação Básica, segundo os participantes

Fonte: Dados organizados pela autora.

Dentre as respostas incorretas apresentadas por 63 estudantes verificou-se que 21 deles


sequer reconheciam e ou mencionavam a educação infantil como parte da Educação Básica
nacional. Os 42 estudantes restantes, ao mencioná-la, faziam-no de forma parcial, indicando
composições que não contemplavam a estrutura: educação infantil (creche + pré-escola); ensino
fundamental (anos iniciais de 1.º a 5.º ano; anos finais de 5.º a 9.º ano); e ensino médio.

Dentre as composições apresentadas nas respostas incorretas verificaram-se as


seguintes: Pré-escola; Creche + EMEI + Pré; EMEI; Creche de 0 a 5 anos; CEI; CEI e educação
infantil; CEI e pré-escola; creche e educação infantil; berçário; jardim; maternal etc.

Constatou-se a partir das respostas dos estudantes um desconhecimento tanto da


estrutura da Educação Básica quanto das nomenclaturas que definem cada uma das etapas,
posto que dos 124 participantes apenas 42 sujeitos conheciam, de fato, a estrutura da Educação
Básica nacional e as nomenclaturas atribuídas a cada uma delas, correspondendo a 34% do
total de respondentes, ou seja, 66% dos participantes desconheciam a estrutura que compõe a
Educação Básica nacional.

Quanto à idade obrigatória para a matrícula de crianças observou-se que dentre os 124
estudantes que responderam à questão apenas 24 indicaram a idade correta de 4 anos (19%),
17 não responderam à questão (14%) e 83 mencionaram outras idades (63%), sinalizando
acentuado desconhecimento acerca de tal determinação, conforme demonstrado no Gráfico 10.
103

Gráfico 10. Idade em que a matrícula de crianças se torna obrigatória segundo os


participantes

Fonte: Dados organizados pela autora.

Na análise das respostas incorretas, verificou-se que havia uma tendência desses
estudantes a reconhecer a obrigatoriedade da matrícula apenas a partir dos 6 anos de idade, no
momento em que a criança ingressa no 1.º ano do Ensino Fundamental, sinalizando que esses
conhecimentos sobre a estrutura da Educação Básica não fizeram parte do repertório adquirido
por meio da formação inicial, tampouco da experiência desenvolvida nas práticas sociais,
embora devessem compor aquilo que se espera de um expert em Pedagogia e dissessem respeito
aos espaços onde 63% dos participantes declararam desempenhar as funções de Auxiliar de
classe ou de Estagiário.

No caso específico do não reconhecimento da idade na qual a matrícula se torna


obrigatória para as crianças no Brasil, confirma-se a tendência de não reconhecimento da
educação infantil como parte da Educação Básica por esses participantes.

Na medida em que desconhecem a estrutura da Educação Básica, tendem a reforçar a


ideia de que a obrigatoriedade da matrícula tem início com os processos formais de escolarização,
desconsiderando por completo que a educação infantil se constituiu como a primeira etapa da
Educação Básica a partir da Lei de Diretrizes e Bases (9.394/1996) e da Constituição Federal
de 1988.

Tal aspecto parece indicar uma visão que reduz os processos educativos aos processos
formais de escolarização, o que não coaduna com os dispositivos legais vigentes que incluíram
a educação infantil como primeira etapa da Educação Básica, a partir do pressuposto de
104

que a educação abrange todas as etapas da vida de um ser humano, numa perspectiva de
desenvolvimento integral e como parte daquilo que assegura o direito humano à dignidade.

Outro aspecto analisado acerca da estrutura que compõe a Educação Básica nacional
dizia respeito ao conhecimento que os participantes apresentavam sobre a estrutura/esfera
administrativa responsável pela manutenção da creche pública.

No conjunto dos dados coletados verificou-se que dos 124 participantes 91 indicaram
corretamente o governo municipal (73%); e os demais sinalizavam outras esferas administrativas,
sendo 16 como o governo estadual (13%); 1 apontou o governo federal (1%); 2 indicaram a
iniciativa privada (2%); e 14 não responderam à questão (11%), conforme segue demonstrado
no Gráfico 11.

Gráfico 11. Responsabilidade administrativa das creches públicas, segundo os


participantes

Fonte: Dados organizados pela autora.

Retomando-se o perfil dos estudantes, verificou-se que dentre os 124 participantes


49 deles atuavam na esfera pública. Desse total, 48 encontravam-se situados na educação
infantil sob a responsabilidade do governo municipal, caracterizando uma possível relação
entre o conhecimento apresentado em suas respostas sobre a responsabilidade administrativa
do município na manutenção do espaço da creche e a prática cotidiana que desenvolviam nos
espaços educativos mantidos pelo poder municipal. Esse conhecimento também pode ter sido
compartilhado com os demais estudantes participantes, nos seus momentos de formação na
universidade.
105

No entanto, embora reconhecessem a responsabilidade administrativa do município


pela manutenção da creche, tal conhecimento encontrava-se desconectado de todas as demais
informações legais que regulavam a estrutura da Educação Básica e o próprio papel educativo
da creche.

Verificou-se entre os participantes o não reconhecimento da educação infantil e do


espaço da creche como etapa e local onde se exerce o direito à educação e, por conseguinte,
um desconhecimento dos próprios marcos legais vigentes. Esse desconhecimento demonstrou
estar reforçado por uma ideia que toma a “educação” como sinônimo de “processos formais
de escolarização”, uma vez que os participantes indicaram a obrigatoriedade de matrícula,
majoritariamente, a partir dos 6/7 anos de idade, ou seja, com o início dos processos formais de
escolarização.

Nesse cenário, desconsideraram as especificidades do atendimento ofertado na


educação infantil e dos próprios espaços educativos que compõem essa primeira etapa da
Educação Básica, sinalizando desconhecimento da educação como um direito universal, de
caráter integral que perpassa todas as etapas da vida e têm sua obrigatoriedade assegurada pelo
poder público a partir dos quatro anos de idade.

Vislumbrou-se, portanto, nesse sentido, uma fragilidade no discurso desse grupo de


estudantes com relação ao conjunto de informações que regulamentam o direito à educação,
indicando uma apreensão difusa e pouco coerente quanto aos marcos legais e suas determinações.

No entanto, conforme explica Moscovici (2012, p. 62), a dimensão da informação


caracteriza-se, justamente, como um quadro consistente e coerente de informações apresentado
pelos sujeitos e, no caso da ausência de tais condições, não há o que falar sobre a existência
dessa dimensão, mas de uma organização de dados/informações pouco coerentes e consistentes
que não chegam a se configurar como uma dimensão.

4.2.2 Campo de representação – Titularidade do direito à educação

Considerando que todo o ordenamento jurídico nacional vigente define uma modalidade
de responsabilidade pelas crianças e adolescentes compartilhada entre o Estado, a sociedade e
a família, envolvendo cuidados e educação, solicitou-se aos participantes que indicassem quais
seriam os principais responsáveis pela educação das crianças de 0 a 3 anos.

Dentre os 124 participantes 88 indicaram a família como principal responsável


pela educação de crianças de 0 a 3 anos (71%); 8 apontaram a escola ou a creche como a
principal responsável pela educação das crianças (6%); 26 apresentaram uma perspectiva de
106

responsabilidade compartilhada entre família, escola e sociedade (21%); e 2 não responderam


à questão (2%), conforme se observa do Gráfico 12.

Gráfico 12. Responsabilidade pela educação de crianças de 0 a 3 anos, segundo os


participantes

Fonte: Dados organizados pela autora.

Notou-se a partir de suas escolhas que a responsabilidade pela educação das crianças
de 0 a 3 anos se encontrava pautada numa ideia de familiarismo (QVORTRUP, 2010), na qual
não se vislumbrava uma responsabilidade compartilhada e ampliada para o tecido social, no
qual os esforços empreendidos na formação da força laboral dos mais jovens são suportados
exclusivamente pelas famílias, sem que quaisquer benefícios lhes sejam revertidos e assegurem
condições mínimas de sobrevivência e dignidade.

Considerando que o amor mundi (ARENDET, 2011) implica a responsabilização


compartilhada entre os mais velhos perante os mais jovens, na manutenção de um mundo
comum e na iniciação dos recém-chegados por nascimento nesse mundo que lhes é anterior,
o que se observou nas respostas dos participantes foi uma representação de responsabilidade
restrita aos vínculos familiares que desconsidera o tecido social mais amplo e o próprio papel
político implicado na educação dos mais jovens.

Segundo os participantes, a responsabilidade pela educação das crianças de 0 a 3 anos


restringe-se às famílias, sobretudo aos pais e, mais ainda, à figura da mãe, retomando a condição
humana do labor proposta por Arendt (2007) na qual as experiências biológicas vividas no
interior do domicílio passariam sem deixar vestígios nas esferas política e social.
107

O descomprometimento social com a educação dos mais jovens, indicado por esse grupo
de participantes, sinaliza a desconsideração dessa etapa geracional no suporte para a manutenção
de um mundo comum. Desconsideram, ainda, que essas crianças são parte fundamental daquilo
que Qvortrup (2011; 2014) definiu como pacto geracional, ou seja, a capacidade de sustentar as
macroestruturas políticas e sociais, por meio do trabalho e do cuidado tacitamente estabelecido
entre as diferentes gerações.

Na medida em que centralizam a responsabilidade pela educação das crianças nas


famílias, tornam-se todas elas invisíveis com suas condições de vida, suas necessidades e suas
peculiaridades. Deixam de ser consideradas importantes em seu meio social e, mais ainda, de
ocupar uma posição na qual possam ser vistas como sujeitos que merecem direitos específicos.

São, por conseguinte, ignoradas e perdem a capacidade de demandar socialmente por


seus direitos, uma vez que, sendo responsabilidade exclusiva de suas famílias, passam a ser
excluídas do tecido social e deixam de desfrutar coletiva e reciprocamente do respeito dos
demais (HONNETH, 2009, p. 196).

Deixam, na perspectiva apontada por Honneth (2009, p. 197), de se constituírem


como pessoas moralmente imputáveis, capazes de “levantar pretensões cuja satisfação social se
considera justificada”.

Essa perspectiva, adotada pelos participantes, impele às crianças uma situação de


invisibilidade social, contrariando o modelo de responsabilidade definido nos textos legais
vigentes (Constituição Federal de 1998, Lei 9.394/1996 e no Estatuto da Criança e do Adolescente)
que determina, de forma explícita, uma responsabilidade pelas crianças compartilhada entre o
Estado, a sociedade e a família.

Estabelecido o panorama quantitativo da distribuição das respostas, a questão central


voltou-se, então, para a análise das justificativas que os participantes apresentaram diante de
tais escolhas, de modo a atender ao objetivo de oferecer um quadro explicativo acerca dos
elementos representacionais envolvidos na temática do estudo.

Tomaram-se para a análise da presente questão outros elementos representacionais


que, indicados pelos participantes, apareciam agregados à responsabilidade pela educação
de crianças de 0 a 3 anos: o papel da família, do Estado e da sociedade; uma concepção de
educação; e uma concepção de criança, elementos cotejados em tais respostas, sinalizando
pontos de conflito, dissensos e consensos orientadores das práticas cotidianas desses sujeitos.

A cada justificativa, os participantes indicavam papéis bastante definidos da família


e da escola, nem sempre de forma complementar. Às famílias foram atribuídas as funções de
108

educar no sentido de ensinar regras sociais, valores morais e códigos de conduta e à escola
conferiu-se um caráter estritamente voltado à transmissão de conteúdos disciplinares, conforme
ilustra a fala do participante 122.

Educação se aprende em casa! Os pais devem desde cedo ensinar a respeitar, entender
quando é a sua vez e que o coleguinha também terá a sua. Hábitos de higiene também
devem ser ensinados e praticados em casa. A escola serve para ensinar português, ma-
temática e coisas sobre a cidadania, reforçando sempre o que lhe é ensinado em casa
(Suj. 122, 3.º/4.º semestre).

Numa perspectiva de separação entre as funções da família e da escola, instituíram-se


também uma separação e uma redução entre os conceitos de educar e ensinar, como se ilustra
por meio da fala dos participantes 20 e 68:

Dos pais, pois a creche e a escola são para escolarizar, socializar e orientar no apren-
dizado (Suj. 20, 5.º semestre).
Educação dos pais, escolarização dos professores (Suj. 68, 5.º semestre).

Para os participantes a ideia de educar estaria a favor da transmissão de valores,


morais e éticos necessários à preparação para a vida, enquanto a noção de ensinar estaria para
a transmissão de conhecimentos e conteúdos disciplinares/escolares necessários à preparação
para as demais etapas da Educação Básica, conforme se depreende da fala do participante 57:

A educação é da mãe. A responsabilidade é da mãe. [...] cabe à escola educar pedago-


gicamente, ensinar o letramento, direcionar o caminho para a vida profissional. Mas o
cuidar é da mãe para a vida toda. [...] (Suj. 57, 5.º semestre).

As implicações de tal separação, por sua vez, denotaram o não conhecimento, por
parte desses estudantes, das perspectivas legais que definem a educação de forma integral da
criança, na qual se impõe de maneira compartilhada entre o Estado, a sociedade e a família a
responsabilidade indissociável de educar, instruir e cuidar.

Reduziram, dessarte, o papel da educação das crianças de 0 a 3 anos desenvolvido na


creche à transmissão de possíveis conteúdos disciplinares que sequer fazem parte da proposta da
educação infantil. Desconsideraram que o cuidado e a educação compõem o centro da atividade
educativa que deverá ser realizada nos espaços da educação infantil, da qual a creche é parte.

Quem educa é pai e mãe. Na escola a criança está para aprender a ler e escrever, e
outras atividades do dia a dia (Suj. 5, 5.º semestre).

Dessa perspectiva cindida entre educar e ensinar a creche foi colocada como
complementar ao trabalho dos pais ou como substituta no caso da ineficiência familiar na
realização de suas obrigações para com a criança, numa perspectiva reduzida e de caráter
assistencial, contrária aos textos legais que defendem o acesso universal, de caráter integral e
compartilhado, conforme se observa na fala dos participantes 10, 112 e 2:
109

Dos pais, porque eles têm que educar seus filhos. O professor pode auxiliar no desen-
volvimento das crianças, mas não educar (Suj. 10, 5.º semestre).
Os pais, pois nós educadores temos a função de ensinar e não educar. Porém, as crian-
ças nesta idade, a maioria, passa a maior parte do tempo e da vida dentro da escola,
onde os próprios pais cobram uma educação onde eles mesmos deveriam aplicar em
casa, mas, por acharem que pagam para isso, cobram demais da escola (Suj. 112,
3.º/4.º semestre).
Uma parte é dos pais, porém muitas das vezes muitos pais acabam transferindo essa
responsabilidade para a escola, sem saber que o professor está pronto para a escola-
rização e mesmo assim acaba fazendo parte da educação da criança por passar mais
tempo com o professor (Suj. 2, 5.º semestre).

Tal panorama ensejou uma redução na capacidade de compreensão sobre o processo


educativo voltado para essa faixa etária, explicitada por meio da separação entre educação e
ensino.

Mais ainda, descaracterizou e reduziu a própria função social da creche, na medida


em que o ensino definido por esses participantes apresentava-se em forma de conteúdos
disciplinares próprios de outra etapa da Educação Básica que não correspondia ao trabalho a
ser desenvolvido na educação infantil, desconsiderando por completo os eixos estruturantes do
trabalho a ser realizado na educação infantil: a brincadeira e as interações.

Atrelaram, desse modo, uma representação de professor descompromissado com


a iniciação dos recém-chegados por nascimento, abdicaram do seu papel de educador e se
colocaram apenas como transmissores de conteúdos disciplinares, conforme ilustram as
justificativas dos participantes 7, 1, 16, 54, 41 e 60:

Para mim, os pais. A creche tem uma pequena participação (Suj. 7, 5.º semestre).
A educação é de fato dos pais, porém com essa idade também fazemos parte disso
pois estão em uma fase de descobertas [...]. Nosso dever seria somente ensinar, po-
rém, para ter melhor convívio, acabamos educando também, pois existem famílias e
famílias (Suj. 1, 5.º semestre).
Acho que primeiramente dos pais. Os professores apenas reforçam o que as crianças
aprendem com os pais. [...] (Suj. 16, 5.º semestre).
Na minha opinião, são os pais em ambas as partes, pois a escola transmite autonomia,
mas nos dias de hoje os pais acham que a escola é quem deve educar, e não é isso.
Fizemos faculdade para transmitir conhecimentos, e não dar educação. Isso é dever
dos pais (Suj. 54, 5.º semestre).
[...] o professor é apenas o mediador do aprendizado do aluno (Suj. 41, 5.º semestre).
A escola e a creche são só um complemento para ajudar a criança a ter alguns limites
de espaços e convivência com outras crianças, onde elas possam brincar (Suj. 60, 5.º
semestre).

Uma vez que não se viam como parte de um contexto maior, no qual suas ações
pudessem ser consideradas educativas, descompromissavam-se com a autoridade que lhes
110

é devida com relação à educação dos mais jovens, excluíram-se voluntariamente do pacto
geracional que lhes determina compromisso e responsabilidade na iniciação dos mais jovens.

Tais aspectos resultaram numa imagem de professor destituído de qualquer autoridade


e possibilidade de assumir a responsabilidade que lhe seria devida. Colocando-se como
dependentes da ação das famílias, restringindo seu ofício à transmissão de conhecimentos
escolares, mostraram-se impotentes para assumir a responsabilidade pela manutenção desse
mundo comum, conforme sinalizaram os participantes 61, 53 e 99:

Hoje em dia, os pais acham que deve ser na escola, pois também passam um tempo
bastante considerável na escola. Como as crianças já vêm sem o comportamento, ou
seja, sem educação que presenciam em casa, fica difícil (Suj. 61, 5.º semestre).
Muitos pais deixam as crianças fazer o que querem e até mesmo não levam com fre-
quência as crianças nas aulas, isso atrapalha bastante o desempenho do professor (Suj.
53, 5.º semestre).
Não podemos jogar para a escola sozinha, porque a base vem de casa, com uma boa
base o professor pode desenvolver a criança com muita qualidade (Suj. 99, 3.º/4.º
semestre).

Colocando-se como sujeitos passivos, e até mesmo impotentes, quanto à educação das
crianças de 0 a 3 anos, abdicaram daquilo que Arendt (2011) e Marková (2017) definiram por
autoridade epistêmica. Na medida em que não se colocam como portadores de conhecimentos
específicos sobre o que significa educar e transferem tal responsabilidade para as famílias,
deixam também de exercer a influência que lhes caberia a partir dos conhecimentos adquiridos
em sua formação.

Nesse sentido, não se verificou entre os participantes o reconhecimento do direito à


educação das crianças de 0 a 3 anos nos moldes definidos pelo ordenamento jurídico nacional,
fato esse que implica o não reconhecimento social das normas jurídicas que asseguram a
atividade legítima de demandar direitos, e na mesma medida se coloca como forma de violação
e exclusão de uma autonomia pessoal capazes de fazer desmoronar “a identidade da pessoa
inteira”, haja vista que, conforme explica Honneth (2009, p. 196), o não reconhecimento de
um direito perpassa a abstração da norma e atinge e impede a construção da própria dignidade
humana enquanto capacidade reconhecível de afirmar pretensões e de ter tais pretensões
validadas dentro do tecido social.

4.2.3 Campo de representação – O espaço da creche, seu papel social e o público atendido

Para essa etapa de análise, considerou-se uma dupla de questões que envolvia elementos
representacionais sobre o espaço da creche, seu papel social e o público atendido em tal espaço.
111

No tocante ao papel social da creche (para que existe a creche?), dentre os 124 estudantes
75 indicaram que o espaço da creche pública existia para atender famílias trabalhadoras,
sobretudo as mães trabalhadoras que se encontrassem em situação de vulnerabilidade (61%);
24 justificaram a existência da creche a partir do atendimento às famílias trabalhadoras e a
oferta de serviços educacionais às crianças (19%); e 25 dos respondentes justificou a existência
da creche a partir do atendimento oferecido exclusivamente às crianças (20%), conforme se
observa no Gráfico 13.

Gráfico 13. Para que existe a creche pública, segundo os participantes

Fonte: Dados organizados pela autora.

Outro aspecto a ser destacado dizia respeito à interpretação da pergunta em si, realizada
pelos participantes que, em vez de indicarem a quem o espaço da creche se destinava e o
papel educativo realizado em tal espaço, ofereciam respostas vagas que revelavam apenas uma
imagem de vulnerabilidade atribuída ao espaço e sua clientela.

Tal aspecto caracterizou um esvaziamento dos sentidos atribuídos pela Constituição


Federal de 1988, enquanto espaço educativo de caráter universal, bem como quanto aos demais
documentos vigentes que definem critérios de qualidade, propostas de organização e de trabalho
educativo a serem desenvolvidos para essa faixa etária.

Nesse sentido, o emblema que os participantes apresentaram acerca do público atendido


(vulnerável, trabalhador, sem condições econômicas) substituiu a imagem do espaço da creche,
bem como as considerações que seriam devidas sobre sua função. Prevaleceu uma perspectiva
assistencialista que não considerou a criança tampouco seu direito à educação.
112

Destacaram-se nesse contexto, da função atribuída ao espaço da creche, três categorias


de análise: creche como local de custódia; creche como local de aprendizagens e de socialização;
vulnerabilidade do público para a qual a creche é destinada. Essas categorias se somam à
ideia anteriormente apresentada de que às famílias cabe a responsabilidade pela educação das
crianças de 0 a 3 anos e que passaram a justificar a função da creche e a constituição do seu
espaço.

Creche como local de custódia. As justificativas apresentadas pelos participantes


voltaram-se não apenas para o caráter assistencialista, mas também de modo contrário ao caráter
universal atribuído pela Constituição de 1988, uma vez que não consideraram a educação como
parte da função da creche ou como um direito público subjetivo da criança, conforme ilustra a
fala dos participantes 57 e 29:

Para mães que trabalham. Só que tem maioria que não trabalha que deixa a filha ou
filho na creche e acaba virando depósito de criança. É uma pena. A creche deixou de
ser social para ser institucional. Acho desnecessário creche para crianças muito pe-
quenas porque elas nem descobriram o mundo ainda. Prisão, opressão e tristeza, isso
é a creche para mim (Suj. 57, 5.º semestre).
Seria ótimo se as mães que verdadeiramente precisam usassem, mas as desocupadas
conseguem vaga primeiro do que as que trabalham (Suj. 29, 5.º semestre).

Nessa perspectiva de creche como espaço de custódia, naturalizou-se uma ideia de


atendimento destinado às populações vulneráveis. Observou-se entre os participantes uma ideia
de que o atendimento na creche estaria atrelado à baixa condição socioeconômica das famílias,
constituindo-se como alternativa para aqueles que não pudessem manter suas crianças em casa
ou pagar por serviços privados.

Tal posicionamento sugere ainda uma hierarquia do que seria considerado, por esse
grupo, o ideal de atendimento às crianças pequenas. Primeiro o domicílio como local ideal de
atendimento, seguido por instituições privadas e, em última instância, a creche como opção
para as famílias de baixa renda, conforme demonstra a fala dos participantes 11, 21, 15, 115 e
120:

A creche foi feita para crianças de 0 a 3 anos, de famílias de baixa renda. Os pais pre-
cisam trabalhar e não têm condições de pagar uma babá ou colocá-las em escola parti-
cular. Ali as crianças se alimentam, têm todo o conforto, são ensinadas a largar alguns
costumes, como por exemplo largar a chupeta e a fralda (Suj. 11, 3.º/4.º semestre).
Acolhe quem não tem condições de pagar uma escola particular ou até mesmo quem
precisa trabalhar (Suj. 21, 3.º/4.º semestre).
Para os pais que não podem pagar uma escola particular (Suj. 15, 3.º/4.º semestre).
As creches acabam suprindo muitas mães que precisam trabalhar e, muitas delas, não
têm com quem deixar seus filhos e, também, não têm condições de pagar [...] (Suj.
115, 5.º semestre).
113

A creche pública existe para acolher e auxiliar a criança no seu desenvolvimento pes-
soal e social. Existe também para ajudar as mães e pais que precisam trabalhar e não
têm condições de pagar uma escola particular [...] (Suj. 120, 5.º semestre).

A perspectiva de espaço destinado às classes vulneráveis mostrou-se ainda mais sólida


na medida em que os participantes destacavam como papel fundamental da creche a promoção de
ações de cuidados envolvendo alimentação, higiene e socialização, em detrimento de qualquer
outro aspecto de caráter educativo, conforme ilustra a fala dos sujeitos 96, 54, 5, 53 e 10:

A creche pública existe para que as famílias, as mães que trabalham possam ter um
lugar para deixar seus filhos, com o intuito de que tenham cuidados, como alimenta-
ção, higiene e muito mais, a socialização com outras crianças e o aprendizado (Suj.
96, 3.º/4.º semestre).
Para que os pais tenham onde deixar as suas crianças para poderem trabalhar. A cre-
che pensa nas crianças carentes que, muitas vezes, não têm o que comer e vão para a
creche ou para a escola para poderem se alimentar e receber carinho que muitas vezes
não têm dos pais (Suj. 54, 5.º semestre).
A creche é o lugar onde a mãe pode colocar o seu filho e deixar ele lá para poder
trabalhar sossegada. Lá ela sabe que tem quem cuide, tem alimentação e algum apren-
dizado (Suj. 5, 5.º semestre).
As creches públicas ajudam os pais que necessitam trabalhar e não têm com quem
deixar seus filhos. Muitos pais deixam seus filhos em creche para poder receber ajuda
do governo, como bolsa família, leve leite etc. (Suj. 53, 5.º semestre).
Para ajudar no desenvolvimento das crianças e para que os pais tenham mais oportu-
nidade de trabalhar. Têm muitas crianças que precisam da creche para ter uma alimen-
tação melhor, brincar e interagir com outras crianças (Suj. 10, 5.º semestre).

Do conjunto de respostas analisadas não se vislumbrou entre os participantes qualquer


menção à brincadeira e às interações como eixos estruturantes das práticas pedagógicas que
devem ser desenvolvidas no espaço da creche, sinalizando um desconhecimento também sobre
o papel da creche, a titularidade e a universalidade do direito à educação das crianças de 0 a 3
anos, bem como as ações que deveriam ser empreendidas nesse espaço.

Creche como local de aprendizagens escolares e de socialização. Essa categoria


mesclou ao mesmo tempo conteúdos disciplinares que não faziam parte do contexto educativo
a ser trabalhado na creche, situando-a como etapa de preparação de uma escolarização
sistematizada e própria do Ensino Fundamental ou, de forma reduzida, sinalizando a socialização
como principal objetivo sem qualquer consideração sobre as práticas pedagógicas próprias da
educação infantil, conforme indicado pelos sujeitos 106, 82, 38:

Para tirar as crianças da rua, do farol, ou ficar pedindo nas ruas e no farol. A creche
pública foi feita para que as crianças aprendam uma profissão, se adequar em uma
profissão de qualidade (Suj. 106, 3.º/4.º semestre).
Para auxiliar na socialização, na vivência oral e de mundo da criança. Para que já
tenham um conhecimento e familiarização da escola quando chegar no fundamental I
(Suj. 82, 3.º/4.º semestre).
114

Para acolher crianças que os pais trabalham e não têm onde deixar, para trabalhar o
desenvolvimento da criança e sua inserção na sociedade, e quebrar o apego da criança
com os pais, livrando assim de um sofrimento futuro (Suj. 38, 5.º semestre).

A vulnerabilidade do público para a qual a creche é destinada. Nessa categoria retomou-


se especificamente o público que, segundo esses participantes, supostamente utilizariam tal
espaço (para quem a creche foi feita?).

No que concerne ao público ao qual se destinava o espaço da creche, verificou-se que


os participantes definiram três classes distintas: 1. Pessoas de baixa renda e trabalhadores (75
participantes – 75%); 2. Todos os que desejassem usufruir da creche desde que estabelecido
o critério de vulnerabilidade para o acesso (24 participantes – 10%); 3. Todos, sem qualquer
critério de seleção para o acesso (25 participantes – 15%), conforme demonstrado no Gráfico
14.

Gráfico 14. Para quem a creche pública foi feita, segundo os participantes

Fonte: Dados organizados pela autora.

Quanto aos elementos destacados para justificar tais opções, observou-se entre os
participantes uma representação centrada no assistencialismo destinado às famílias de baixa
renda, não sendo reconhecida a titularidade do direito da criança, mas da família trabalhadora,
sobretudo da mãe trabalhadora.

Ante tal consideração, para justificar o posicionamento de defesa de vagas apenas


para as famílias mais vulneráveis, os participantes trouxeram à tona o conflito existente entre a
demanda por vagas e a incapacidade estatal de assegurar a universalização do acesso à creche.
115

Nesse sentido, aliada à compreensão da creche como local de custódia, associou-se uma
representação de uma suposta disfuncional idade familiar que, incapaz de cuidar adequadamente
de sua prole, exigia a atuação ativa do estado. A creche, nesse sentido, configurava-se como
última opção ou “mal menor”, em que as famílias vulneráveis poderiam depositar suas crianças
enquanto trabalhassem, conforme demonstra a fala dos participantes 66, 51, 11, 48 e 25:

Para as pessoas de baixa renda, uma pessoa que possui uma renda estável, automatica-
mente matricularia seu filho em escolas privadas (Suj. 66, 5.º semestre).
[...] para aqueles que não têm condições de colocar seus filhos em escolas particulares
(Suj. 51, 5.º semestre).
Para crianças de 0 a 3 anos de famílias de baixa renda. Os pais precisam trabalhar e
não têm condições de pagar uma babá ou colocá-las em escola particular [...] (Suj. 11,
5.º semestre).
A creche pública foi feita para todas as crianças que estão situadas naquela região,
principalmente aquelas de uma situação mais precária, pais de baixa renda que não
têm condições de pagar uma escola particular (Suj. 48, 5.º semestre).
Para pessoas de baixa renda que não têm condições de pagar uma escolinha particular
ou até mesmo uma babá (Suj. 25, 5.º semestre).

A partir de tais considerações, observou-se um posicionamento que indicava a


legitimação de ações que apoiavam a disponibilização de vagas para famílias vulneráveis e
ações que visavam combater ao acesso à creche de famílias com maior poder aquisitivo, pois
poderiam prover outras formas de cuidados, sobretudo, na esfera privada.

Desconfigurou-se, portanto, um conflito entre um direito universal à educação


e a incapacidade estatal de assegurá-lo, para conformar-se como conflito entre famílias
vulneráveis e famílias com maior poder aquisitivo. Entre os participantes, o caráter de luta pelo
reconhecimento do direito à educação das crianças de 0 a 3 anos, entre as crianças/famílias
e o poder público, foi compreendido como conflito entre aqueles que detêm um maior poder
aquisitivo para pagar por um serviço privado e aqueles que não possuem condições econômicas
para custear tais serviços na modalidade particular.

Estigmatizaram-se tanto as famílias trabalhadoras a partir de uma suposta incapacidade


de cuidar de suas crianças, necessitando da assistência estatal para assegurar condições mínimas
de higiene, alimentação e socialização, quanto as famílias de maior poder aquisitivo que,
supostamente, estariam usurpando um direito que não lhes caberia, na medida em que, com
condições financeiras de arcar com modalidades de atendimento privado e domiciliar, optavam
voluntariamente por uma vaga na creche, conforme ilustra a fala dos participantes 29, 24, 18,
91, 80 e 114:

Para as crianças poderem ter um lugar seguro para estar enquanto não podem estar
com os pais, pois os pais encontram-se trabalhando. Na minha opinião, deveria existir
creche para isso e não para largar os filhos lá só por largar, mas para ser um lugar onde
você pode ficar um pouco mais tranquilo (Suj. 24, 5.º semestre).
116

Para as mães que realmente trabalham. Que bom que o Dória é prefeito porque agora
para fazer a matrícula eles vão pedir holerite e isso é ótimo, assim as desocupadas não
terão vez (Suj. 29, 5.º semestre).
Para a burguesia, pois o patrão só terá funcionários se as mães tiverem onde deixar as
crianças (Suj. 15, 5.º semestre)
Para que as crianças não fiquem sozinhas em casa e para os pais poderem trabalhar,
para que seus salários voltem para o governo (Suj. 91, 3.º/4.º semestre).
Para pública foi feita para pessoas de classe baixa, cujos filhos precisam ter carinho,
afeto e cuidado e ensinamentos, e para os pais que precisam deixar os filhos na creche.
Porém, tem muito pai que não trabalha e deixa as crianças o dia todo na creche, eu
acho errado (Suj. 80, 3.º/4.º semestre).
Para todos, é um direito social. Mas, infelizmente, temos pais que não trabalham e
simplesmente colocam os filhos na escola e acabam tomando a vaga de outro pai que
trabalha e, talvez, não tenha com quem deixar seu filho, ou não tenha condições finan-
ceiras para pagar alguém ou uma escola particular, então, o direito é de todos, a partir
do momento que as pessoas têm consciência (Suj. 114, 3.º/4.º semestre).

Deslocou-se, assim, a titularidade do direito da criança universal para a família de


baixa renda, esvaziaram-se tanto a função da creche como espaço onde se exerce o direito à
educação de crianças de 0 a 3 anos, conforme preconizado pela Constituição de 1988, quanto a
luta pelo reconhecimento de tal direito nas esferas pública e social.

4.2.4 Atitude – Análise dos cenários projetados

Os cenários projetados, aplicados a 92 participantes da primeira etapa, foram compostos


por um núcleo comum de informações: uma mãe que tinha um bebê de 6 meses e que não havia
conseguido vaga na creche. E um núcleo variável, que dizia respeito à situação socioeconômica
da mãe: desempregada (caso 1); dona de casa (caso 2); e empregada (caso 3) (Apêndice E).

Em cada cenário, os participantes deveriam se posicionar diante do conflito,


oferecendo soluções possíveis para o caso e justificando as soluções indicadas, completando,
por conseguinte, a coleta dos elementos representacionais sobre os objetos, a partir da indicação
de atitudes que deveriam ser tomadas em cada caso.

• Cenário projetado 1 – Mãe desempregada que não consegue vaga na creche

Entre as soluções apresentadas pelos participantes, em relação à mãe desempregada


que não conseguia vaga na creche para seu bebê, verificou-se que dos 92 posicionamentos em
face do conflito 76 não reconheceram o direito à educação da criança, sugerindo que os filhos
de mães desempregadas deveriam ser matriculados na creche apenas em casos de extrema
vulnerabilidade e depois de esgotadas todas as possibilidades de atenção domiciliar.

Em consonância com a representação de creche como espaço de custódia e de caráter


assistencial destinado às famílias de baixa renda destacada na primeira etapa do estudo, notou-
117

se uma maior tendência a um posicionamento que defendia a “espera” da mãe fictícia de obter
a vaga, como algo que devesse ser dado pelo Estado como uma espécie de favor, e não como
um direito.

Portanto, os participantes indicavam alternativas menos eficazes na luta pelo


reconhecimento desse direito universal, manifestadas por meio das seguintes expressões: “pedir
ajuda para a família, parentes e amigos”; “trabalhar em casa e permanecer com o bebê até
conseguir uma vaga”; “aguardar ser chamado”; e “procurar a diretoria de ensino para explicar a
situação de urgência”, conforme demonstra a fala dos participantes 5, 9, 11, 55, 68 e 69:

[...] como Joana está desempregada e ainda não conseguiu vaga, ela tem que aguardar
seu bebê ser chamado, porque tem a sequência da lista para ser chamado, o correto é
aguardar a vaga (Suj. 5, 3.º/4.º semestres).
Como ela está desempregada, até arrumar a vaga, ela poderia ficar com seu bebê em
casa, quando precisasse ir em alguma entrevista, deixaria o bebê com algum parente
próximo (Suj. 9, 3.º/4.º semestres).
Joana poderia ficar com seu bebê em casa, pois se Joana está desempregada poderia
acompanhar seu bebê no seu desenvolvimento [...] (Suj. 11, 3.º/4.º semestre).
Pedir ajuda da família porque é necessário a ajuda de alguém. Nesse caso, primeiro a
família (Suj. 55, 5.º semestre).
Não tem vaga nas creches. Fica difícil trabalhar. Tem que esperar um ano (Suj. 68, 5.º
semestre).
[...] deveria deixar o bebê dela com algum parente pelo menos uma vez por semana
para procurar emprego, porque ela precisa de alguém para ajudá-la pelo menos até ela
ter condições de pagar uma creche ou babá (Suj. 69, 5.º semestre).

De acordo com esses 76 dos participantes, caberia à mãe desempregada o direito de


reclamar na diretoria de ensino e justificar sua necessidade a partir de sua situação laboral, mas
nunca pelo reconhecimento de que a criança era a titular do direito à educação, cabendo ao
Estado o dever de prover adequadamente as vagas necessárias.

Outro aspecto que também reforçou uma postura menos ativa em relação à mãe
desempregada foi demonstrado pela indicação e naturalização de subempregos para a mãe
fictícia, absolutamente compatível com o processo de familiarismo proposto por Qvortrup
(2011), posto que a luta pela sobrevivência da prole deveria permanecer restrita ao âmbito
familiar, conforme demonstra a fala dos sujeitos 10, 14, 42, 58, 77 e 81:

No caso, Joana desempregada pode procurar trabalho para realizar on-line, até fazer
doces e salgados para revender, hoje em dia sabemos que a palavra desemprego exis-
te, mas só está quem não quer trabalhar (Suj. 10, 3.º/4.º semestre).
Joana provavelmente não terá a oportunidade de se empregar agora se considerar-
mos um parâmetro de mães que necessitam de creche para suas crianças pequenas e
não têm condições de pagar mensalidade para este fim. Se caso se enquadrar nisso,
pode-se analisar quais maneiras de renda e sobrevivência buscará e nesse contexto é
possível levantar a hipótese que trabalhará por conta, produzindo artigos artesanais,
de alimentação ou prestação de serviço informal (Suj. 14, 3.º/4.º semestre).
118

Joana deve ficar com o filho em casa e trabalhar dentro de casa fazendo doces e salga-
dos (Suj. 42, 3.º/4.º semestre).
Deve procurar alguém de confiança para que fique com seu bebê e fazer um bico ou
algum emprego temporário até que as coisas se ajeitem (Suj. 58, 5.º semestre).
Ela deve recorrer à secretaria de educação, expor sua situação e pedir ajuda. Enquanto
isso, uma alternativa seria trabalhar em casa (Suj. 77, 5.º semestre).
Trabalhar em qualquer coisa que possa gerar uma renda com o uso da internet, já que
seu bebê é tão pequeno, usar a internet seria uma maneira mais fácil de trabalhar sem
ter que deixar seu bebê (Suj. 81, 5.º semestre).

Nesse cenário, apenas 16 participantes reconheceram o direito à educação, ainda que


condicionado à situação de vulnerabilidade da família, e não como um direito universal da
criança, defendendo ações mais incisivas ante o conflito expressas por meio de palavras como
“direito”; “justiça”; “correr atrás dos direitos”.

No entanto, em que pesem todos os normativos disponíveis para assegurar tal direito,
as ações de luta indicadas pelos participantes eram difusas e incipientes, conforme demonstram
as falas a seguir:

Joana precisa se inscrever no sistema de cadastro da prefeitura [...] poderá também


procurar um órgão da prefeitura e pedir para agilizar o processo de sua vaga (Suj. 24,
3.º/4.º semestres).
[...] arrumar um trabalho, pois era um jeito que ela teria de argumentar o motivo pelo
qual ela precisaria dessa vaga e em segundo lugar procurar os direitos de sua filha na
justiça (Suj. 28, 3.º/4.º semestres).
Joana deve ir atrás dos seus direitos, pois toda a criança tem direito à educação. [...]
(Suj. 35, 3.º/4.º semestres).
Ela deve buscar ajuda nas diretorias de ensino, enfim, recorrer aos órgãos que lhe
garantem esse direito (Suj. 43, 5.º semestre).
[...] se caso não conseguir na diretoria de ensino, deve procurar a defensoria pública
para conseguir uma liminar (Suj. 47, 5.º semestre).
[...] deve recorrer fazendo a queixa que precisa da creche, mas tem urgência, alguém
tem que dar conta disso (Suj. 53, 5.º semestre).
Deveria entrar na justiça em busca de seus direitos, ela paga impostos e deve correr
atrás da vaga e tem direito. Nesse caso, a criança tem direito. (Suj. 70, 5.º semestre).

Se, por um lado, reconheciam o direito à educação, por outro, não indicavam os
caminhos adequados para empreender tal demanda. Considerando o amplo rol de medidas
judiciais cabíveis no caso em questão, apenas 1 dos participantes apontou a defensoria pública
como o órgão competente para instruir tal demanda.

No tocante à legislação vigente, verificou-se também que, embora fizessem menção


a uma legislação que fundamentasse suas justificativas, ela não se encontrava de acordo com
os preceitos legais e constitucionais. Apresentava-se uma explicação acerca da legislação que,
recortada e ressignificada, atendia aos critérios de vulnerabilidade que imaginavam ser os
119

mais adequados, desconsiderando por completo os pressupostos jurídicos que defendem um


atendimento universal não condicionado a qualquer tipo de critério socioeconômico, conforme
demonstra a fala dos participantes 13, 29, 51 e 65:

Para que Joana consiga a vaga na creche a mesma teria que estar trabalhando confor-
me a nova lei da prefeitura. [...] pois as vagas são preferencialmente aos alunos de pais
que trabalham (Suj. 13, 3.º/4.º semestres).
Uma vez que o governo da cidade de São Paulo decretou que as mães que trabalham
têm prioridade nas vagas das creches para seus filhos, Joana só possui duas alternati-
vas para resolver seu caso: ou ela fica com seu bebê de seis meses em casa, responsa-
bilizando-se totalmente pelos cuidados com ele, ou vai à procura de emprego, sendo
mais fácil dessa forma conseguir uma vaga na creche (Suj. 29, 3.º/4.º semestre).
[...] deve procurar a secretaria da educação para que consiga uma vaga em creche
pública, é um direito que ela tem por pertencer a classe menos privilegiada (Suj. 51,
5.º semestre).
Cuidar dele em casa, porque a vaga é para mães que trabalham (Suj. 65, 5.º semestre).

Notou-se que em todos os casos a justificativa que autorizava a mãe fictícia a buscar
“ajuda” ou a demandar pelo “direito à educação” encontrava-se sempre pautada na condição
de vulnerabilidade e desemprego, sem jamais ter sido reconhecida a titularidade do direito da
criança.

Tais aspectos apresentados nesse cenário indicam que para o grupo de participantes a
legislação adquiriu interpretação diversa e contrária ao texto constitucional, de modo que fosse
possível legitimar a representação de que a creche é destinada prioritariamente às camadas
vulneráveis.

• Cenário projetado 2 – Mãe dona de casa que não consegue vaga na creche

Nesse cenário, 87 dos participantes defenderam que a mãe fictícia deveria cuidar do
seu filho em casa e apenas 5 sujeitos indicaram a creche como um direito da criança.

Na medida em que não validaram a creche como um espaço educativo onde se exerce
o direito à educação, os participantes passaram a defender posições que variavam entre a total
ausência de necessidade da creche, uma vez que a mãe fictícia não trabalhava e por essa razão
deveria cuidar do seu filho em casa, e a busca por uma vaga quando verificado que o trabalho
doméstico lhe exigia maior dedicação, podendo ameaçar a qualidade do atendimento destinado
à criança.

Nesse sentido, dentre os 92 participantes 87 priorizaram os cuidados maternos em


detrimento de um atendimento educativo à criança que poderia ser realizado no espaço da
creche.
120

Incumbiram, exclusivamente, à mãe a tarefa de cuidar do seu bebê, sinalizando


uma representação de mulher abnegada após a maternidade. À dona de casa, segundo os 87
participantes, caberia desfrutar daquilo que indicaram como um suposto privilégio, ou seja,
não ter que trabalhar fora do ambiente doméstico, não precisar deixar seu filho aos cuidados de
outras pessoas e não ter que abandonar os cuidados com o lar, conforme demonstra a fala dos
participantes 84, 77, 65, 63 e 57, 50, 8 e 23:

Ela deveria ficar com seu filho em casa, porque não trabalha, é dona de casa, pode
cuidar do seu filho (Suj. 84, 5.º semestre).
Bom se ela fica em casa, porque colocar a criança na creche que é um período integral,
sendo cuidada por outras pessoas, por qual necessidade? Acho que educação é essen-
cial e ela parte dos pais (Suj. 77, 5.º semestre).
Cuidar em casa, porque ninguém melhor que ela para cuidar (Suj. 65, 5.º semestre).
Ela é dona de casa, acho que não quer trabalhar, nesse caso acho que ela deve cuidar
de seu bebê (Suj. 63, 5.º semestre).
Julia deve ficar em casa com o seu bebê, porque o melhor desenvolvimento entre mãe
e filho é nessa fase etária, se ela tem a oportunidade de ficar em casa com o seu bebê,
isso é o melhor (Suj. 57, 5.º semestre).
A não ser que Julia faça algum trabalho extra, uma geração de renda em casa, ela
deve cuidar do filho, não há salário que pague a companhia da mãe, fase de desenvol-
vimento da criança se trabalha em casa, deve se adequar seus horários (Suj. 50, 5.º
semestre).
Laura deve ficar com seu bebê em casa para que receba os melhores cuidados, pois
ninguém cuida melhor que a mãe e quando sair a vaga de seu filho aí sim ela o coloca
na creche, vendo que ela não tem interesse no momento em arrumar emprego (Suj. 8,
3.º/4.º semestre).
Muitas mães gostariam de estar no lugar de Laura, não precisando deixar seus filhos
em creches ou com babás, para ir trabalhar ou estudar, mas sim dedicar seu tempo à
casa e à família, que não é tarefa tão simples e fácil como parece, mas supondo que
Laura não seja uma mãe tão dedicada, ou deseje que seu filho permaneça na creche
durante um certo período, a mesma deve comparecer à secretaria de educação para
solicitar a vaga (Suj. 25, 3.º/4.º semestre).

Destacou-se também a imagem de uma criança frágil que pouco ou nada teria a
aprender no espaço da creche, conforme se observa na fala dos participantes 4, 31, 40, 64 e 69:

O melhor para Laura é aguardar a vaga na creche, pois ela é dona de casa e seu bebê é
muito pequeno, ela tem tempo para ficar em casa, não precisa da creche, só no caso de
arrumar um emprego ou por necessidade e por fim o direito da criança de permanecer
numa instituição de ensino (Suj. 4, 3.º/4.º semestre).
Laura, por ser uma dona de casa, não precisaria de creche que por sinal faria um bem
enorme para seu bebê, que teria todo cuidado que uma mãe amorosa e zelosa pode dar
para seu filho (Suj. 31, 3.º/4.º semestre).
Sabendo se que Laura é dona de casa, não haveria a necessidade de Laura colocar o
seu bebê ainda tão pequeno na creche, pois ele ainda precisa dos cuidados da mãe, não
seria agradável para uma mãe ficar em casa e seu pequeno sendo cuidado por mãos
dos outros e num ambiente que contém muito barulho (Suj. 40, 3.º/4.º semestre).
Se Julia não pretende trabalhar, seria interessante considerar o ingresso de seu filho
mais tarde na vida escolar, seis meses ainda é muito novinho (Suj. 64, 5.º semestre).
121

Julia deveria cuidar do seu filho integralmente sem se preocupar com a creche, porque
o bebê é muito novinho para ser inserido na creche, quem sabe um pouco mais para
frente saia a vaga na creche e ela consiga um tempo para ela (Suj. 69, 5.º semestre).

Foram também mencionados subempregos para as mães donas de casa, naturalizando


a ideia de que a maternidade implica uma suspensão da força laboral feminina e que os
subempregos poderiam se constituir como uma “boa” alternativa para as mães que precisassem
arcar também com as despesas domésticas, conforme ilustra a fala dos participantes 10 e 89:

Laura dona de casa, mesmo porque seria o 1.º emprego, então fica mais difícil mesmo
achar tão rápido, creio que deveria aproveitar o momento de cuidar do seu bebê e por
ser pequeno requer cuidados, afetos e zelo. E hoje em dia não dá para ficar sem fazer
nada, dá para ser representante Avon, Jequiti, Natura etc. (Suj. 10, 3.º/4.º semestre).
Já que é dona do lar e não encontra vaga para seu filho, além de procurar uma solução
deveria criar algo para ganhar dinheiro em casa, vendendo doces, bolos ou um traba-
lho artesanal, para obter o sustento (Suj. 89, 5.º semestre).

O critério de acesso à creche definido pelos participantes para a mãe fictícia dona de
casa permaneceu centrado na necessidade da mãe trabalhadora, sendo exigidos dela o “bom
senso” e a “consciência” de que, possuindo condições de permanecer em casa com o bebê ou
apresentando situação econômica que lhe permitisse pagar por um serviço privado, deixasse o
espaço da creche para as camadas populares, confirmando os dados obtidos na primeira etapa
de coleta, conforme se depreende da fala dos sujeitos 5, 9, 11, 12, 29 e 30:

Laura é dona de casa, ela tem tempo para ficar com seu bebê, ela tem que aguardar
o bebê ser chamado na lista de espera, só que ela é dona de casa e fica em casa, ela
estará tomando a vaga de uma mãe que precisa trabalhar e precisa da vaga, mas como
cada um tem seu cadastro único, então saindo a vaga e sendo chamado, ele começa na
creche, o resto ela tem que aguardar ser chamada (Suj. 5, 3.º/4.º semestre).
Como as creches dão preferência a mães e pais que trabalham, ela poderia ir à secreta-
ria de ensino também, mas ela já vai ciente que eles sempre dão preferência para quem
trabalha fora de casa (Suj. 9, 3.º/4.º semestre).
Laura deveria ficar com seu bebê em casa pois, se Laura é dona de casa, pode cuidar
do seu bebê, acompanhar seu desenvolvimento e deixar a vaga para quem realmente
precisa (Suj. 11, 3.º/4.º semestre).
No caso de Laura, se ela é dona de casa, não precisa colocar o filho na creche, pois,
se ela está em casa, ela tem disponibilidade de cuidar do seu filho, creche é para pes-
soas que não têm condições de pagar ou com quem deixar seu filho (Suj. 12, 3.º/4.º
semestre).
Laura, sendo dona de casa, não teria direito a uma vaga na creche, segundo o governo.
Entretanto, caso ela queira deixar seu bebê de seis meses com alguém, para que possa
cuidar de seus afazeres durante o dia, pode procurar uma pessoa de confiança (Suj.
29, 3.º/4.º semestre).
Ela teria consciência que, por ela ser dona de casa e não trabalhar, não precisaria dessa
vaga. Porque a vaga é para mães que trabalham fora e não têm onde deixar seu bebê
(Suj. 30, 3.º/4.º semestre).

Embora algumas indicações de luta pelo acesso à creche tenham aparecido na fala
dos participantes, elas se encontram justificadas sempre a partir da situação laboral da mulher
122

que, necessitando de trabalho ou sobrecarregada com os afazeres domésticos, deveria recorrer


à diretoria de ensino, ao conselho tutelar, a fim de reivindicar o seu direito à vaga na creche,
nunca a partir da consideração de que tal direito pertencesse à criança, conforme a fala dos
sujeitos 74, 70 e 61:

Ela deve procurar a diretoria de ensino do seu bairro e tentar uma vaga, explicando
que precisa de um tempo para poder fazer os trabalhos do lar e, se não conseguir,
procurar a defensoria pública e conseguir uma liminar, para conseguir a vaga, pois
mesmo sem trabalhar fora do lar tem direito de uma vaga em uma escola (Suj. 74, 5.º
semestre).
Também tem que ir buscar seus direitos, mesmo sendo dona de casa, a pessoa tem
uma vida e precisa de um lugar para deixar seu filho (Suj. 70, 5.º semestre).
Ela deveria continuar a procurar e persistir, pois ela é dona de casa, mas tem os seus
afazeres e não só olhar a criança (Suj. 61, 5.º semestre).

De todos os 92 participantes apenas 5 indicaram a necessidade da creche por ser o


local onde se exerce o direito da criança em sua forma universal, conforme mostram as falas a
seguir transcritas:

Deveria entrar na justiça em busca de seus direitos, ela paga imposto e deve correr
atrás da vaga e tem direito. No caso a criança tem direito (Suj. 59, 5.º semestre).
Ela também deveria ir à diretoria de ensino para buscar o direito do filho de frequentar
a escola pública, toda criança tem esse direito (Suj. 49, 5.º semestre).
Correr atrás da diretoria de ensino, pois, independente de trabalhar ou não, o direito é
da criança (Suj. 47, 5.º semestre).
A dona de casa deve buscar por direito a vaga do filho na creche, toda criança tem
direito de estudar, tira de onde está, vai ter que ter a vaga da criança (Suj. 44, 5.º se-
mestre).
Laura também deverá ir atrás de seu direito, independentemente de ser dona de casa e
ter disponibilidade para ficar com o bebê em casa (Suj. 7, 3.º/4.º semestre).

Nesse cenário, confirmou-se também a ideia de creche enquanto espaço de custódia


para famílias de baixa renda e trabalhadoras, na medida em que os participantes justificavam
que as donas de casa, dispondo de tempo para os cuidados com os filhos, não deveriam optar
pelo serviço público ou teriam a possibilidade de aguardar a vaga por mais tempo que as demais.

Portanto, o conflito “universalidade versus incapacidade estatal de assegurar a creche”


permaneceu deslocado, configurando-se como um conflito entre classes sociais, condicionado
à situação econômica e laboral das famílias, e não mais como um conflito entre a população e
o poder público.

• Cenário projetado 3 – Mãe empregada que não consegue vaga na creche

Considerando o suposto poder aquisitivo da mãe fictícia que se encontrava empregada,


dos 92 participantes apenas 7 sujeitos indicaram a creche como um direito de todos (famílias
123

trabalhadoras e/ou crianças) e se posicionaram a favor da luta pelo seu reconhecimento mediante
a busca pelo conselho tutelar, defensoria pública ou diretoria de ensino para assegurar a vaga da
criança na creche pública, conforme demonstra a fala dos sujeitos 29, 47, 49 e 74:

Sendo diretora de uma empresa, deve trabalhar bastante, ela tem direito sim a uma
vaga na creche para seu filho de seis meses, mesmo que o governo entenda que ela
pode pagar por uma creche privada, a creche pública é para todas as mães que traba-
lham, independentemente de sua renda financeira (Suj. 29, 3.º/4.º semestre).
Se tem condições, o ideal seria pagar uma particular, mas depois de correr atrás, pois
rico ou pobre têm o direito a creche pública (Suj. 47, 5.º semestre).
Mesmo tendo condições de pagar uma escola particular, ela deveria correr atrás dos
direitos do seu filho, porque também é um dever e direito dele (Suj. 49, 5.º semestre).
Ela deve procurar a diretoria de ensino do seu bairro e tentar uma vaga, explicando
que ela trabalha e não tem com quem deixar a criança. Se não conseguir, procurar a
defensoria pública e conseguir uma liminar, pois todos temos direitos a vaga em uma
escola, pois todos pagamos impostos (Suj. 74, 5.º semestre).

Com relação aos demais participantes (85 sujeitos), o posicionamento majoritário


indicava o pagamento de uma creche, escolinha ou berçário privados, ou mesmo o pagamento
de uma babá para cuidar da criança em casa.

Considerando que os participantes sinalizaram que às mães e às crianças de 0 a 3 anos


o melhor destino seria o domicílio, salvo em situações nas quais a sobrevivência estivesse
sob ameaça, nesse terceiro cenário tanto o direito à educação das crianças quanto o espaço
da creche não foram considerados passíveis de ser exercidos por pessoas que pertencem às
classes sociais mais abastadas, reforçando uma representação de creche como espaço destinado,
exclusivamente, às classes menos favorecidas.

Os participantes justificaram seu posicionamento sinalizando que a recusa voluntária


da mãe de cuidar do seu bebê, quando possui condições para tal (financeira para permanecer
em casa ou contratar uma rede particular de cuidados), não deveria fazer uso do equipamento
público destinado àqueles que não possuíam outros meios e precisavam trabalhar.

Por meio expressões como “ter consciência”, “folgada”, “não tirar a vaga de quem
realmente precisa”, torna-se evidente que o direito à educação das crianças não é considerado
por esses participantes. Mais ainda, sendo um direito das famílias vulneráveis, não deve ser
requerido por mães que podem ficar em casa, assumindo a função materna que julgam ser
devida, ou que podem pagar por serviços privados, uma vez que a creche, segundo esses
participantes, seria o “mal menor” e a “última opção” destinada exclusivamente aos desvalidos.

Torna-se patente, a partir desse terceiro cenário, a não validação por esse grupo dos
normativos que regulamentam a Educação Básica e o espaço da creche e, portanto, do direito à
educação de crianças de 0 a 3 anos e o espaço da creche como local onde esse direito é exercido.
124

Ante o conflito instalado entre uma norma que prega a universalização e a incapacidade
estatal de assegurar tal direito, retomam um posicionamento que privilegia o acesso aos mais
vulneráveis, sem que qualquer consideração contrária a esse modelo seja passível de ser
ponderada.

Nesse sentido, lançam o conflito da universalidade versus incapacidade estatal para a


esfera privada, eximindo o poder estatal do dever que lhe cabe de assegurar de forma universal
o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos em creche.

Reforçam o processo de familiarismo, no qual cabe somente à mãe/família, o custeio


integral da formação de sua prole, sem que nenhum benefício lhe seja revertido em forma de
bem-estar social.

Contudo, considerando que os participantes julgam ser o domicílio o local mais


adequado para se manter uma criança de 0 a 3 anos, e definem a figura da mãe como a principal
responsável pelos cuidados dessa criança, o não reconhecimento do direito à educação dessas
crianças e a priorização do espaço da creche apenas para aqueles que não possuem condições de
cuidar de sua prole parecem constituir elementos representacionais fortemente ancorados numa
representação de mulher que deve ser completamente abnegada após a maternidade.

Considerando os trabalhos domésticos e os cuidados com a prole como funções


essenciais da mulher/mãe, retomam os participantes uma representação que impõe à mãe
um caráter assexuado, desconstituído de ambições profissionais e de realizações pessoais,
substituídos por elementos que retratam a pureza e a doçura ante a prole e o suposto “privilégio”
de poder essa mãe permanecer reclusa ao domicílio, dedicando-se exclusivamente aos trabalhos
domésticos e ao acompanhamento do desenvolvimento de suas crianças. Resgata-se a ideia de
que ser mãe é “padecer no paraíso”.

Nesse sentido, entendem os participantes que a ausência voluntária da mãe ao


domicílio ou aos cuidados com suas crianças, considerada como “falta de consciência”, “folga”
e “falta de responsabilidade”, não poderia ser suportada pelo sistema público de educação.

Para essas mulheres/mães que, podendo cuidar de suas crianças, optam por investir
em projetos profissionais, pessoais e se dedicar a outras atividades fora do ambiente doméstico
defendem o pagamento privado de serviços que assumam as tarefas que supostamente lhes
seriam devidas.

Em contrapartida, àquelas mulheres/mães que não obtiveram a mesma “sorte” e


necessitam deixar o “paraíso onde padecem” a fim de garantir o próprio sustento e de sua prole,
insere-se o poder público no sentido de oferecer condições mínimas para que as crianças possam
125

ser cuidadas em seus aspectos mais elementares, como alimentação, higiene e socialização, em
substituição ao papel mãe que, de modo disfuncional e absolutamente contra a sua vontade, não
é capaz de assegurá-los ainda que minimamente, conforme sinaliza a fala dos sujeitos 70, 71,
90, 72 e 78, todos alunos do 5.º semestre de Pedagogia:

Deve pagar um berçário, afinal ela pode. Se é gerente de uma grande empresa e deixa
a creche pública para quem precisa mais do que ela (Suj. 70, 5.º semestre).
Como ela possui uma condição melhor que as outras mães, ela pode ceder sua vaga
para outras mães e colocar seu bebê numa escola privada (Suj. 71, 5.º semestre).
Como gerente de uma grande empresa ela teria condições financeiras de colocar seu
bebê em uma creche particular e assim não tiraria a vaga da creche pública de quem
realmente precisa (Suj. 90, 5.º semestre).
[...] sendo uma gerente, poderia pagar uma escola particular para seu bebê até conse-
guir uma vaga na creche, porque infelizmente, muitas vezes, há pais que podem pagar
uma escola e colocam os filhos em creches e acabam tirando a vaga daqueles que mais
precisam (Suj. 72, 5.º semestre).
Este caso é bem diferente do primeiro, a creche é para mães que precisam mesmo
de um lugar para deixar seus filhos e não têm condições de pagar. Ela poderia muito
bem colocar seu filho em uma escolinha e deixar a vaga para outra criança (Suj. 78,
5.º semestre).

Nesse cenário, notou-se que a debilidade das informações apresentadas sobre a


temática, bem como as imagens e as atitudes construídas em torno da creche, enquanto espaço
de custódia, e de sua clientela, vulnerável e pobre, mantiveram-se inalteradas nos três cenários,
sustentadas por representações outras que diziam respeito ao papel da mulher/mãe/dona de casa
e à própria criança de 0 a 3 anos.

Quanto à representação que se consolidou em torno da mulher, restou evidenciado que,


segundo os participantes, a mulher/mãe/dona de casa deve permanecer reclusa com seu bebê,
sem que seja possível ouvi-la a partir dos seus desejos femininos, suas aspirações profissionais
e seus projetos de vida.

Essa imagem só é quebrada e justificada quando essa mãe/mulher/dona de casa não


consegue, na estreiteza do seu domicílio, assegurar as condições mínimas de sobrevivência de
sua prole, sendo-lhe, nesse caso, permitido expor suas mazelas e disfunções, a fim de que possa,
então, receber ajuda para realizar aquilo que se mostrou incapaz de levar a cabo.

O que se explicita por meio do conjunto das análises é um caráter ainda conservador
e pudico que se atribui à figura da mulher/mãe e que se sustenta, justamente, pela ausência
de um enfrentamento social e político, bem como pelo esvaziamento das lutas necessárias ao
reconhecimento de condições que lhe permitiriam tornar-se senhora do próprio destino, sem
que isso fosse tomado como uma ameaça à ordem do lar, à sobrevivência de sua prole e à
própria estrutura social.
126

Reforça-se, assim, uma imagem de mulher/mãe vulnerável e disfuncional que necessita


de apoio estatal; de creche enquanto espaço de custódia que substitui a disfuncionalidade
materna por cuidados mínimos que garantam a sobrevivência de sua prole; e de uma criança
vulnerável e completamente invisível enquanto etapa geracional e titular de um direito que lhe
deveria ser assegurado.

No tocante à criança de 0 a 3 anos, observou-se uma representação de vulnerabilidade


que desconsidera todo o potencial criativo e de aprendizagem das crianças dessa faixa etária.
Essa faixa etária, segundo os participantes, não se apresenta como etapa geracional capaz de
sustentar o pacto geracional. Não se constitui como parte do tecido social e público, o que
reforça a ideia do familiarismo por meio da reclusão em ambientes domésticos e sua total
invisibilidade condicionada à condição do labor nos moldes apresentados por Arendt (2007),
em que suas existências se resumem às condições de sobrevivência na esfera privada.

A ausência de espaços públicos destinados à educação das crianças de 0 a 3 anos, o


não reconhecimento dessa parcela enquanto etapa geracional e a completa desconsideração, por
parte desses estudantes, acerca da titularidade do direito à educação dessas crianças parecem
estar ancorados na representação de mulher/mãe/dona de casa, historicamente, anterior às lutas
feministas empreendidas nas décadas de 1960 e 1970. Representações que se retroalimentam
gerando a invisibilidade das crianças enquanto etapa geracional e das próprias mulheres após a
maternidade.

Nesse sentido, desvincular o direito à educação da criança daquilo que os participantes


julgaram ser um direito apenas da mulher/mãe/trabalhadora/vulnerável, implicaria: emancipar
todas as mulheres de sua condição subalterna e reclusa; outorgar-lhes o reconhecimento de seu
espaço público a partir da consideração de sua voz e de suas ações; torná-las visíveis a partir
de sua força produtiva, de suas lutas e seus desejos, e não por meio de sua prole ou de suas
mazelas.

Implicaria, também, reconhecer a criança de 0 a 3 anos como sujeito de direito; como


etapa geracional que sustenta o pacto de cuidados e que necessita ser vista também de forma
desvinculada da mãe/mulher, considerada a partir de suas ações enquanto sujeito potente capaz
de empreender coisas novas, nesse mundo que lhe é sempre velho; assegurar-lhe a dignidade
de ser e estar no mundo como alguém que é merecedor de estima e consideração por meio do
reconhecimento de suas qualidades e de sua capacidade de demandar direitos.

Nesse cenário, não se verificou uma representação acerca do direito à educação de


crianças de 0 a 3 anos, bem como do espaço da creche como local onde esse direito é exercido,
mas outras famílias representacionais que justificam e orientam a prática desses estudantes na
contramão do reconhecimento de tal direito.
127

Confirmou-se a ideia de que a creche é, de fato, considerada por esse grupo de


participantes, como local de custódia para filhos de mães trabalhadoras e parte de uma política
de apoio, supostamente exclusiva às famílias vulneráveis a partir das representações que
possuíam sobre a mulher/mãe/dona de casa e da criança indefesa.
128

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos com o presente estudo evidenciaram a ausência de uma


representação social sobre o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos.

Considerando que toda a representação social é sempre empreendida por alguém


situado em sua esfera espaço-temporal, o desconhecimento desses estudantes de Pedagogia
sobre o modo como são organizados os espaços formais de atuação do pedagogo constitui-se
elemento inicial de um não reconhecimento do espaço da creche como parte da estrutura que
compõe a Educação Básica nacional, bem como da faixa etária atendida.

Considerando que o expert se constitui como tal a partir de conhecimentos específicos


de sua área de atuação e, por meio desses conhecimentos, exerce influência sobre o grupo
social mais amplo a partir do que Arendt (2011) e Marková (2017) definiram por autoridade
epistêmica, verificou-se que por ser um grupo pertencente a uma área de formação situada
na Educação não se constituiu como fator que pudesse ensejar um posicionamento específico
sobre o direito à educação das crianças de 0 a 3 anos, tampouco capaz de exercer qualquer
influência no tecido social por seu reconhecimento.

A partir do conjunto das respostas oferecidas pelos participantes, tanto nas questões
abertas como nos cenários projetados, observou-se que o direito à educação de crianças de 0 a
3 anos foi substituído pelo direito de assistência à mãe trabalhadora de baixa renda.

Considerado, por esse grupo, o então direito de assistência à mãe especificamente


voltado para o atendimento de crianças de baixa renda, verificou-se, a partir do consenso
reflexivo empreendido nas comunicações desses participantes, uma perspectiva antagônica ao
ideal da universalidade na oferta de espaços educativos proposta nos textos legais, bem como
ao posicionamento empreendido pelo Poder Judiciário e pelas famílias que optam por demandar
tal direito.

Tomado o direito à educação como direito de assistência à família trabalhadora de


baixa renda e considerado o espaço da creche enquanto local de custódia e de preparação para
os processos de escolarização formais, restaram esvaziados todo o conteúdo educativo da creche
e seu papel social na promoção do desenvolvimento integral de crianças de 0 a 3 anos.

Nesse esvaziamento do papel social da creche, as relações entre as ações de cuidados


e de educação se configuraram de forma cindida a partir do significado atribuído ao termo
“educar”.
129

Para esse grupo havia dois tipos de educação: um tipo realizado na escola que se
resumia à transmissão de conteúdos programáticos (educar como sinônimo de ensino), cuja
responsabilidade era atribuída ao professor; e outro tipo que, tomado como transmissão de
valores morais e éticos, caberia, segundo esse grupo, exclusivamente às famílias.

Portanto, a responsabilidade pela educação das crianças de 0 a 3 anos, indicada por


esse grupo, mostrou-se de forma fragmentada. Desconsideraram-se, por completo, um contexto
social mais amplo e as indicações legais vigentes de uma responsabilidade compartilhada entre
as famílias, o Estado e a sociedade na promoção de ações que assegurem o desenvolvimento
integral da criança.

Considerando o perfil desses estudantes, em que 63% deles já atuavam em espaços


formais de educação, 54% na educação infantil, 70% haviam declarado ter filhos e 52%
afirmaram que seus filhos frequentaram a creche pública, tal posicionamento com relação à
temática demonstra que não apenas a formação em Pedagogia, mas também suas experiências
profissionais e suas vivências pessoais, não foram capazes de alterar a compreensão que
apresentavam sobre o papel social da creche, por eles vista como espaço de custódia para
crianças de classes socioeconômicas menos favorecidas.

Colocaram-se, desse modo, fora de uma relação que pudesse ensejar um posicionamento
mais ativo ante a educação de crianças de 0 a 3 anos. Na medida em que não reconheciam o espaço
da creche como local educativo e atribuíam, exclusivamente, às famílias a responsabilidade pela
educação das crianças, destituíam-se, de forma voluntária, do papel que lhes caberia enquanto
educadores.

Abdicavam esses estudantes, na exata perspectiva apresentada por Arendt (2011),


de sua autoridade e responsabilidade pela iniciação dos recém-chegados por nascimento.
Desobrigavam-se do pacto geracional e, assim, desresponsabilizavam-se pela manutenção de
um mundo comum.

Tais elementos, coletados na primeira etapa de desenvolvimento do estudo, sinalizaram


um conjunto organizado de informações e imagens que envolviam simultaneamente o espaço
da creche e o papel da família, sobretudo o da mãe. Esse conjunto foi organizado em forma
de cenários projetados que, na modalidade de situações-problema, permitiram captar famílias
representacionais outras que circundavam a temática proposta neste estudo, entre elas: uma
representação de mulher/mãe/dona de casa; uma representação sobre a criança de 0 a 3 anos; e
outra sobre o espaço da creche.

Na medida em que foram convidados a se posicionar sobre a problemática da falta


de vagas em creche, considerando situações socioeconômicas distintas para cada personagem
130

dos cenários, delinearam-se os elementos constitutivos de tais famílias representacionais,


sobretudo por meio das imagens e das atitudes sinalizadas tanto nos posicionamentos quanto
nas justificativas apresentadas por esses estudantes.

Embora os cenários apresentassem três situações socioeconômicas distintas, retratadas


por situações laborais específicas (mãe dona de casa; mãe desempregada e mãe empregada),
em todos os casos os participantes partiram do pressuposto de que a vaga na creche pública se
constituía como um direito da família de baixa renda, e não da criança.

Desconsideraram, desse modo, a titularidade do direito à educação das crianças de 0


a 3 anos, bem como o seu caráter universal em relação ao acesso, sobre os quais não caberia,
segundo as normas vigentes, qualquer critério de seleção ou discriminação.

Justificavam tal posicionamento a partir de representações construídas sobre a mulher/


mãe/dona de casa tomadas aqui como abnegadas após a maternidade, considerando-se parte de
sua natureza a criação da prole, seu afastamento do mercado de trabalho e uma vida marcada
pela dependência de ajuda externa apenas nos casos em que a sobrevivência se encontrasse
sob ameaça, justificando-se, assim, a sua saída do espaço doméstico e a colocação da criança
no espaço da creche. Tal aspecto prevaleceu em todos os cenários projetados e manteve-se
inalterado mesmo considerando que os cenários envolviam: uma mãe fictícia dona de casa;
outra desempregada; e outra empregada.

Contudo, um ponto que merece destaque refere-se ao modo como os participantes


defendiam a utilização da creche pública a partir de cada cenário.

Para a mãe dona de casa, os participantes indicavam a manutenção dos cuidados


realizados dentro do ambiente doméstico, sinalizando que, por não precisar trabalhar, deveria
dedicar-se integralmente aos cuidados da casa e da criança, podendo, inclusive, aguardar
com tranquilidade a vaga solicitada para a criança, uma vez que sua situação não indicava
vulnerabilidade que exigisse o atendimento imediato por parte do poder público.

Quanto à mãe desempregada, entenderam os participantes que havia uma necessidade


econômica que justificava a saída dessa mãe do ambiente doméstico, mas para tanto elegeram
critérios de acesso para a entrada da criança na creche pública. Para aquelas que necessitavam
muito, o ideal seria recorrer à secretaria, aos conselhos tutelares a fim de que fosse agilizado
o processo de matrícula da criança. Caso contrário, manifestavam-se a favor da permanência
dessa mãe em casa, justificando que poderiam desenvolver alguma atividade laboral em casa,
ainda que de modo precário e informal, até que a criança estivesse maior.
131

À mãe empregada, de modo majoritário, indicavam a matrícula da criança em uma


creche privada ou a contratação de uma cuidadora para a casa, uma vez que, havendo possibilidade
econômica de optar pela creche pública, seria, segundo os participantes, um ato reprovável, cuja
mãe seria considerada “folgada” ou “inconsciente”, haja vista que a creche pública se destinava,
exclusivamente, às mães em situação de vulnerabilidade. Portanto, às famílias com maior poder
aquisitivo não vislumbrava o reconhecimento de tal direito. Configurou-se a prevalência de
uma disputa que envolvia especificamente as mulheres de classes sociais distintas.

O consenso formado por esse grupo de estudantes defendia a creche pública apenas
para os casos nos quais a mulher não pudesse permanecer no papel que a natureza lhe havia
conferido, o de mãe. Sendo a mulher incapaz de obter o sustento da prole, por meio das condições
oferecidas por seu companheiro ou sua família, justificavam-se sua saída do ambiente doméstico
e a luta pelo acesso à creche pública.

Nesse sentido, o que se vislumbrou foi um posicionamento que reforçava o processo de


familiarismo, impondo à família, sobretudo à mãe, a responsabilidade exclusiva pela educação
das crianças de 0 a 3 anos, na qual o espaço da creche configurava-se como o “mal menor”.

Dessarte, à luz do contexto do caso concreto, o que se vislumbrou foi um cenário


marcado por representações sociais que reforçam o papel da mulher reduzido ao ambiente
doméstico após a maternidade, a invisibilidade das crianças de 0 a 3 anos e suas capacidades;
e o espaço da creche como local de custódia que se coloca, de forma precária, em substituição
aos cuidados maternos.

Desconsideraram os participantes que a luta pelo reconhecimento e implementação do


direito à educação de todas as crianças de 0 a 3 anos exigiria uma mobilização social mais ampla.
Na medida em que situaram a creche como um direito da família vulnerável e estabeleceram
um critério econômico para o acesso das crianças de 0 a 3 anos, esvaziaram o poder de luta
necessário à universalização defendida na esfera jurídica.

Na medida em que a universalidade do acesso ao direito à educação de criança de 0


a 3 anos não se concretizou com a ampliação dos equipamentos públicos capazes de atender à
demanda, destacaram-se os elementos históricos de uma política pública de caráter assistencial
que impõe critérios socioeconômicos bastante específicos e contraditórios ao ideal fixado pela
legislação, transferindo o conflito que deveria ser debatido na esfera pública para a esfera social.

Tratando-se, de objetos que comportam uma dimensão simbólica, verificou-se que os


elementos que foram recortados e validados pelos participantes não se encontravam baseados
na proposta de universalização do direito à educação de crianças de 0 a 3 anos, tampouco na
função educativa do espaço da creche, mas decorriam de representações bastante estruturadas
132

sobre o papel e o lugar da mulher/mãe/dona de casa e da criança e sobre a função social da


creche.

Entende-se, ainda, que o posicionamento apresentado por esses estudantes se


retroalimenta da própria ausência de uma cobertura universal de acesso à creche, transformando
um conflito que, a princípio, deveria estar situado entre os cidadãos e o poder público, mas que
acabou se constituindo como um conflito entre famílias (mães) de diferentes classes sociais.

Logo, seguem mulheres/mães/donas de casa e crianças de 0 a 3 anos submetidas a uma


invisibilidade na esfera pública, com suas existências resumidas à condição do labor, própria
da esfera privada.

O isolamento destrói a capacidade política, a faculdade de agir [...] desagrega a vida


privada e destrói as ramificações sociais. Não ter raízes significa não ter no mundo
um lugar reconhecido e garantido pelos outros; ser supérfluo significa não pertencer
ao mundo de forma alguma. [...] O homem isolado, que perdeu seu lugar no terreno
político da ação, é também abandonado pelo mundo das coisas, quando já não é reco-
nhecido como homo faber, mas tratado como animal laborans, cujo necessário meta-
bolismo com a natureza não é do interesse de ninguém (ARENDT, 2007, p. 347-348).

Deixam as crianças de 0 a 3 anos de possuir a capacidade de agir, de ser vistas e ouvidas


dada a ausência de espaços públicos a elas destinados. Passam a ser consideradas propriedades
exclusivas de seus pais e constituem-se como potencial produtivo, numa lógica utilitarista que
reforça os processos intitulados por Qvortrup (2014) de familiarismo, nos quais a manutenção
da força produtiva se resume à família, embora os ganhos econômicos obtidos por sua prole não
lhes sejam revertidos em forma de melhores condições de vida.

Configura-se, no tocante às mulheres/mães/donas de casa e crianças de 0 a 3 anos, a


ausência completa daquilo que Honneth (2009) intitulou de autorrespeito, ou seja, a capacidade
de referir-se a si mesmo como uma pessoa moralmente imputável.

Ante a incapacidade do reconhecimento social de normas jurídicas que asseguram a


atividade legítima do demandante, destituiu-se entre os participantes o reconhecimento de mães
e crianças como sujeitos merecedores de direitos (HONNETH, 2009, p. 193).

Negou-se a todas as mães e crianças que fugiram dos critérios de pobreza determinados
pelo grupo de estudantes da Pedagogia não apenas o reconhecimento material de um direito,
mas o reconhecimento da própria autonomia do indivíduo que, diante do seu grupo, não é
considerado legitimado para levantar pretensões cuja satisfação social se considera, nesses casos,
injustificada (HONNETH, 2009, p. 197). Carecem de justificativas socialmente aceitas para
serem reconhecidas como sujeitos que possuem direitos, configurando-se tal posicionamento,
por parte dos participantes, uma violação de sua autonomia pessoal, que, segundo Honneth
(2009, p. 196), torna-se capaz de fazer desmoronar “a identidade da pessoa inteira”.
133

O não reconhecimento do direito à educação de crianças de 0 a 3 anos demonstrado por


esse grupo de estudantes implica, portanto, o não reconhecimento daquilo que faz parte do que
assegura o direito à dignidade humana e configura-se como meio do rebaixamento e humilhação
social, uma vez que tais implicações acabam por potencializar a degradação cultural de suas
formas de vida e resultam, estruturalmente, na exclusão da posse de determinados direitos no
interior de sua comunidade.

Configura-se tal rebaixamento social na medida exata daquela analisada por Moscovici
(2010, p. 265-266), em relação semelhante ao caso dos pró-Dreyfus, uma vez que, ainda que a
presença das crianças e suas mães seja notada, seu reconhecimento passa a ser condicionado a
determinadas circunstâncias e situações particulares, de modo arbitrário no tecido social.

Considerando o desconhecimento desses estudantes acerca dos marcos legais que


instituíram o direito à educação de crianças de 0 a 3 anos e determinaram o espaço da creche
como espaço educativo onde tal direito se exerce, constataram-se, entre os participantes,
manifestações ainda incipientes acerca da exigibilidade do direito à educação, sem uma
indicação clara dos mecanismos disponíveis para tal acionamento.

Esse aspecto, embora não tenha sido suficiente para caracterizar a dimensão da
informação que compõe uma representação social, constitui-se como um possível espaço
de mudança ou, nas palavras de Arruda (2014, p. 47), “um campo representacional aberto à
controvérsia, fragmentação e negociação, cheio de incoerência, tensão e ambivalência [...]”.

Constituiriam, portanto, as representações sobre a mulher/mãe/dona de casa crianças


e o espaço da creche enquanto redes que se inter-relacionam por meio de “ideias, metáforas e
imagens, amarradas de forma mais ou menos frouxa e, portanto, mais móveis e fluidas [...]”
(ARRUDA, 2014, p. 49).

Tal panorama destaca a importância da ampliação dos debates sobre tais representações
construídas em torno da mulher/mãe/dona de casa; da criança e do espaço da creche, bem
como do empenho do poder público em assegurar o direito à educação em seu caráter universal
conforme previsão constitucional, a fim de retirar da esfera social um conflito que deveria ser
enfrentado na esfera pública.

Do mesmo modo, torna-se patente a necessidade de abordar tais temáticas nos cursos
de formação de educadores a fim de assegurar-lhes espaços de conhecimentos mais amplos
sobre a estrutura e funcionamento da Educação Básica, sobre o direito à educação de crianças
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143

APÊNDICES
144

APÊNDICE A
Detalhamento por Distrito/Setor da demanda por creche cadastrada na
Secretaria Municipal de São Paulo

Nascidos entre Nascidos entre Nascidos entre


01/01/2011 a 01/01/2012 a 01/01/2013 a
DRE de BUTANTÃ
31/12/2011 31/12/2012 31/12/2014
Total Total Total
ALTO DE PINHEIROS/ SETOR 01 0 7 17
ALTO DE PINHEIROS/SETOR 02 1 0 103
ALTO DE PINHEIROS/SETOR 03 0 0 0
ALTO DE PINHEIROS/ SETOR 04 0 1 0
BUTANTÃ/ SETOR 01 11 104 181
BUTANTÃ/ SETOR 02 1 0 0
BUTANTÃ/ SETOR 03 1 49 55
BUTANTÃ/ SETOR 04 1 1 0
ITAIM BIBI/ SETOR 01 44 67 81
ITAIM BIBI/ SETOR 02 0 0 0
ITAIM BIBI/ SETOR 03 10 51 107
ITAIM BIBI/ SETOR 04 0 0 0
JARDIM PAULISTA/ SETOR 01 40 1 0
JARDIM PAULISTA/ SETOR 02 14 22 11
JARDIM PAULISTA/ SETOR 03 1 0 0
MORUMBI/ SETOR 01 0 0 0
MORUMBI/ SETOR 02 0 3 2
MORUMBI/ SETOR 03 7 125 208
MORUMBI/ SETOR 04 16 68 103
PINHEIROS/ SETOR 01 3 13 48
PINHEIROS/ SETOR 02 5 24 94
PINHEIROS/ SETOR 03 4 27 47
PINHEIROS/ SETOR 04 1 0 0
RAPOSO TAVARES/ SETOR 01 80 136 170
RAPOSO TAVARES/ SETOR 02 49 56 108
RAPOSO TAVARES/ SETOR 03 32 4 204
RAPOSO TAVARES/ SETOR 04 15 3 451
RAPOSO TAVARES/ SETOR 05 20 29 397
RAPOSO TAVARES/ SETOR 06 0 0 0
RIO PEQUENO/ SETOR 01 13 23 39
RIO PEQUENO/ SETOR 02 55 101 225
RIO PEQUENO/ SETOR 03 11 4 297
RIO PEQUENO/ SETOR 04 47 120 354
RIO PEQUENO/ SETOR 05 5 71 139
VILA SONIA/ SETOR 01 142 43 445
VILA SONIA/ SETOR 02 17 25 5
VILA SONIA/ SETOR 03 12 172 249
VILA SONIA/ SETOR 04 49 92 138
TOTAL DRE BUTANTA 707 1442 4278
145

Nascidos entre Nascidos entre Nascidos entre


01/01/2011 a 01/01/2012 a 01/01/2013 a
DRE de CAMPO LIMPO
31/12/2011 31/12/2012 31/12/2014
Total Total Total
CAMPO LIMPO/ SETOR 01 9 148 150
CAMPO LIMPO/ SETOR 02 240 371 443
CAMPO LIMPO/ SETOR 03 298 343 517
CAMPO LIMPO/SETOR 04 114 295 374
CAMPO LIMPO/ SETOR 05 86 388 541
CAMPO LIMPO/ SETOR 06 352 571 767
CAPÃO REDONDO/ SETOR 01 272 324 444
CAPÃO REDONDO/ SETOR 02 0 0 0
CAPÃO REDONDO/ SETOR 03 114 204 258
CAPÃO REDONDO/ SETOR 04 67 231 249
CAPÃO REDONDO/ SETOR 05 233 427 677
CAPÃO REDONDO/ SETOR 06 374 412 600
CAPÃO REDONDO/ SETOR 07 576 583 610
CAPÃO REDONDO/ SETOR 08 125 150 186
JARDIM ANGELA/ SETOR 01 380 439 554
JARDIM ANGELA/ SETOR 02 345 461 592
JARDIM ANGELA/ SETOR 03 123 272 331
JARDIM ANGELA/ SETOR 04 128 194 241
JARDIM ANGELA/ SETOR 05 237 289 355
JARDIM ANGELA/ SETOR 06 130 77 152
JARDIM ANGELA/ SETOR 07 381 402 635
JARDIM ANGELA/ SETOR 08 139 312 317
JARDIM ANGELA/ SETOR 09 308 352 418
JARDIM SÃO LUIS/ SETOR 01 166 275 478
JARDIM SÃO LUIS/ SETOR 02 405 822 1359
JARDIM SÃO LUIS/ SETOR 03 208 722 1170
JARDIM SÃO LUIS/ SETOR 04 0 165 191
JARDIM SÃO LUIS/ SETOR 05 48 177 270
VILA ANDRADE/ SETOR 01 53 100 79
VILA ANDRADE/ SETOR 02 491 610 864
TOTAL DRE CAMPO LIMPO 6402 10116 13822
146

Nascidos entre Nascidos entre Nascidos entre


01/01/2011 a 01/01/2012 a 01/01/2013 a
DRE de CAPELA DO SOCORRO
31/12/2011 31/12/2012 31/12/2014
Total Total Total
CIDADE DUTRA/ SETOR 01 0 23 123
CIDADE DUTRA/ SETOR 02 32 100 199
CIDADE DUTRA/ SETOR 03 36 141 377
CIDADE DUTRA/ SETOR 04 3 125 239
CIDADE DUTRA/ SETOR 05 53 99 3
CIDADE DUTRA/ SETOR 06 49 151 171
CIDADE DUTRA/ SETOR 07 94 325 590
CIDADE DUTRA/ SETOR 08 42 118 180
CIDADE DUTRA/ SETOR 09 17 203 308
CIDADE DUTRA/ SETOR 10 14 24 39
GRAJAU/ SETOR 01 77 208 323
GRAJAU/ SETOR 02 75 213 362
GRAJAU/ SETOR 03 110 159 195
GRAJAU/ SETOR 04 97 172 381
GRAJAU/ SETOR 05 156 155 355
GRAJAU/ SETOR 06 293 238 392
GRAJAU/ SETOR 07 98 103 109
GRAJAU/ SETOR 08 47 314 596
GRAJAU/ SETOR 09 44 35 99
GRAJAU/ SETOR 10 78 85 135
GRAJAU/ SETOR 11 26 23 3
GRAJAU/ SETOR 12 170 237 377
GRAJAU/ SETOR 13 221 336 404
GRAJAU/ SETOR 14 31 86 269
GRAJAU/ SETOR 15 96 188 303
GRAJAU/ SETOR 16 0 0 0
GRAJAU/ SETOR 17 0 0 0
GRAJAU/ SETOR 18 14 28 30
MARSILAC/ SETOR 01 70 65 124
MARSILAC/ SETOR 02 6 9 20
PARELHEIROS/ SETOR 01 5 27 34
PARELHEIROS/ SETOR 02 25 102 155
PARELHEIROS/ SETOR 03 5 0 0
PARELHEIROS/ SETOR 04 45 99 167
PARELHEIROS/ SETOR 05 56 75 120
PARELHEIROS/ SETOR 06 105 201 299
PARELHEIROS/ SETOR 07 132 241 416
PARELHEIROS/ SETOR 08 0 0 0
PARELHEIROS/ SETOR 09 16 4 50
PARELHEIROS/ SETOR 10 28 82 309
PARELHEIROS/ SETOR 11 0 0 0
PARELHEIROS/ SETOR 12 22 41 33
PARELHEIROS/ SETOR 13 1 1 0
SOCORRO/ SETOR 01 1 0 0
SOCORRO/ SETOR 02 0 69 153
SOCORRO/ SETOR 03 0 4 30
SOCORRO/ SETOR 04 0 0 0
TOTAL DRE CAPELA DO SOCORRO 2490 4909 8472
147

Nascidos entre Nascidos entre Nascidos entre


01/01/2011 a 01/01/2012 a 01/01/2013 a
DRE de FREGUESIA/BRASILÂNDIA
31/12/2011 31/12/2012 31/12/2014
Total Total Total
BRASILANDIA/ SETOR 01 0 1 0
BRASILANDIA/ SETOR 02 0 67 289
BRASILANDIA/ SETOR 03 91 336 607
BRASILANDIA/ SETOR 04 14 216 671
BRASILANDIA/ SETOR 05 7 255 426
BRASILANDIA/ SETOR 06 5 152 306
BRASILANDIA/ SETOR 07 1 150 317
BRASILANDIA/ SETOR 08 1 55 142
BRASILANDIA/ SETOR 09 23 22 111
CACHOEIRINHA/ SETOR 01 0 0 0
CACHOEIRINHA/ SETOR 02 72 434 650
CACHOEIRINHA/ SETOR 03 10 113 451
CACHOEIRINHA/ SETOR 04 19 68 135
CACHOEIRINHA/ SETOR 05 43 42 82
CACHOEIRINHA/ SETOR 06 28 41 56
CASA VERDE/ SETOR 01 94 170 233
CASA VERDE/ SETOR 02 79 79 209
CASA VERDE/ SETOR 03 7 20 58
CASA VERDE/ SETOR 04 0 2 0
CASA VERDE/ SETOR 05 7 2 57
FREGUESIA DO O/ SETOR 01 25 54 163
FREGUESIA DO O/ SETOR 02 9 27 35
FREGUESIA DO O/ SETOR 03 11 27 43
FREGUESIA DO O/ SETOR 04 27 27 50
FREGUESIA DO O/ SETOR 05 3 14 19
FREGUESIA DO O/ SETOR 06 1 44 98
FREGUESIA DO O/ SETOR 07 2 71 99
FREGUESIA DO O/ SETOR 08 15 29 41
FREGUESIA DO O/ SETOR 09 0 0 0
FREGUESIA DO O/ SETOR 10 1 57 233
LIMÃO/ SETOR 01 12 52 88
LIMÃO/ SETOR 02 49 125 206
LIMÃO/ SETOR 03 2 32 76
LIMÃO/ SETOR 04 31 12 55
TOTAL DRE FREGUESIA/BRASILANDIA 689 2796 6006
148

Nascidos entre Nascidos entre Nascidos entre


01/01/2011 a 01/01/2012 a 01/01/2013 a
DRE de GUAIANASES
31/12/2011 31/12/2012 31/12/2014
Total Total Total
CIDADE TIRADENTES/ SETOR 01 3 27 268
CIDADE TIRADENTES/ SETOR 02 0 159 460
CIDADE TIRADENTES/ SETOR 03 0 5 254
CIDADE TIRADENTES/ SETOR 04 0 2 163
CIDADE TIRADENTES/ SETOR 05 0 7 139
CIDADE TIRADENTES/ SETOR 06 3 24 260
CIDADE TIRADENTES/ SETOR 07 0 1 192
CIDADE TIRADENTES/ SETOR 08 0 46 145
GUAIANASES/ SETOR 01 3 47 280
GUAIANASES/ SETOR 02 0 2 68
GUAIANASES/ SETOR 03 2 3 244
GUAIANASES/ SETOR 04 0 40 150
LAJEADO/ SETOR 01 3 154 296
LAJEADO/ SETOR 02 0 68 225
LAJEADO/ SETOR 03 55 108 313
LAJEADO/ SETOR 04 13 26 49
LAJEADO/ SETOR 05 0 92 303
LAJEADO/ SETOR 06 0 5 108
LAJEADO/ SETOR 07 0 8 308
LAJEADO/ SETOR 08 1 39 288
TOTAL DRE GUAIANASES 83 863 4513
149

Nascidos entre Nascidos entre Nascidos entre


01/01/2011 a 01/01/2012 a 01/01/2013 a
DRE de IPIRANGA
31/12/2011 31/12/2012 31/12/2014
Total Total Total
BELA VISTA/ SETOR 01 0 130 516
BOM RETIRO/ SETOR 01 25 69 298
CAMBUCI/ SETOR 01 31 26 64
CAMBUCI/ SETOR 02 0 17 35
CONSOLAÇÃO/ SETOR 01 16 43 79
CURSINO/ SETOR 01 46 84 86
CURSINO/ SETOR 02 9 0 0
CURSINO/ SETOR 03 47 71 171
CURSINO/ SETOR 04 68 74 89
IPIRANGA/ SETOR 01 4 6 112
IPIRANGA/ SETOR 02 1 71 287
IPIRANGA/ SETOR 03 6 0 0
IPIRANGA/ SETOR 04 0 0 0
IPIRANGA/ SETOR 05 99 185 390
LIBERDADE/ SETOR 01 2 124 269
MOEMA/ SETOR 01 4 0 0
MOEMA/ SETOR 02 2 50 147
REPÚBLICA/ SETOR 01 0 1 0
SACOMA/ SETOR 01 0 230 953
SACOMA/ SETOR 02 120 306 586
SACOMA/ SETOR 03 274 279 551
SANTA CECÍLIA/ SETOR 01 2 1 55
SANTA CECÍLIA/ SETOR 02 7 64 468
SÃO LUCAS/ SETOR 01 6 82 112
SÃO LUCAS/ SETOR 02 3 22 121
SÃO LUCAS/ SETOR 03 0 0 108
SAUDE/ SETOR 01 0 30 102
SAUDE/ SETOR 02 48 130 218
SAUDE/ SETOR 03 0 84 189
SÉ/ SETOR 01 72 65 108
VILA MARIANA/ SETOR 01 0 0 0
VILA MARIANA/ SETOR 02 6 17 84
VILA MARIANA/ SETOR 03 8 44 123
VILA MARIANA/ SETOR 04 11 52 45
VILA PRUDENTE/ SETOR 01 15 29 112
VILA PRUDENTE/ SETOR 02 15 30 432
TOTAL DRE IPIRANGA 947 2416 6910
150

Nascidos entre Nascidos entre Nascidos entre


01/01/2011 a 01/01/2012 a 01/01/2013 a
DRE de ITAQUERA
31/12/2011 31/12/2012 31/12/2014
Total Total Total
ARICANDUVA/ SETOR 01 12 46 67
ARICANDUVA/ SETOR 02 24 3 46
ARICANDUVA/ SETOR 03 3 88 151
ARICANDUVA/ SETOR 04 0 15 170
CARRÃO/ SETOR 01 6 4 166
CARRÃO/ SETOR 02 0 3 127
CARRÃO/ SETOR 03 3 30 148
CIDADE LIDER/ SETOR 01 1 68 187
CIDADE LIDER/ SETOR 02 2 49 51
CIDADE LIDER/ SETOR 03 11 101 176
CIDADE LIDER/ SETOR 04 0 44 151
CIDADE LIDER/ SETOR 05 41 158 280
CIDADE LIDER/ SETOR 06 50 140 153
ITAQUERA/ SETOR 01 0 33 201
ITAQUERA/ SETOR 02 0 38 227
ITAQUERA/ SETOR 03 6 101 154
ITAQUERA/ SETOR 04 0 26 128
ITAQUERA/ SETOR 05 1 52 212
ITAQUERA/ SETOR 06 36 206 389
ITAQUERA/ SETOR 07 2 74 485
JOSÉ BONIFACIO/ SETOR 01 0 106 267
JOSÉ BONIFACIO/ SETOR 02 0 19 221
JOSÉ BONIFACIO/ SETOR 03 7 51 179
JOSÉ BONIFACIO/ SETOR 04 4 17 29
JOSÉ BONIFACIO/ SETOR 05 8 5 31
JOSÉ BONIFACIO/ SETOR 06 9 31 116
PARQUE DO CARMO/ SETOR 01 1 29 330
PARQUE DO CARMO/ SETOR 02 9 21 58
PARQUE DO CARMO/ SETOR 03 5 54 286
PARQUE DO CARMO/ SETOR 04 0 0 0
PARQUE DO CARMO/ SETOR 05 22 52 96
VILA FORMOSA/ SETOR 01 4 11 44
VILA FORMOSA/ SETOR 02 0 13 4
VILA FORMOSA/ SETOR 03 0 26 140
VILA FORMOSA/ SETOR 04 15 53 101
VILA FORMOSA/ SETOR 05 32 96 196
TOTAL DRE ITAQUERA 314 1863 5767
151

Nascidos entre Nascidos entre Nascidos entre


01/01/2011 a 01/01/2012 a 01/01/2013 a
DRE de JAÇANA/TREMEMBÉ
31/12/2011 31/12/2012 31/12/2014
Total Total Total
JAÇANA/ SETOR 01 101 85 148
JAÇANA/ SETOR 02 90 121 161
JAÇANA/ SETOR 03 0 68 108
JAÇANA/ SETOR 04 96 146 203
JAÇANA/ SETOR 05 8 40 151
MANDAQUI/ SETOR 01 23 54 146
MANDAQUI/ SETOR 02 1 58 260
MANDAQUI/ SETOR 03 1 90 124
MANDAQUI/ SETOR 04 5 19 12
MANDAQUI/ SETOR 05 20 44 79
SANTANA/ SETOR 01 2 29 98
SANTANA/ SETOR 02 11 35 90
SANTANA/ SETOR 03 0 0 0
SANTANA/ SETOR 04 5 0 0
SANTANA/ SETOR 05 14 56 136
SANTANA/ SETOR 06 10 22 54
SANTANA/ SETOR 07 0 35 91
TREMEMBÉ/ SETOR 01 0 0 0
TREMEMBÉ/ SETOR 02 10 92 157
TREMEMBÉ/ SETOR 03 0 0 0
TREMEMBÉ/ SETOR 04 382 429 412
TREMEMBÉ/ SETOR 05 381 400 729
TREMEMBÉ/ SETOR 06 46 72 274
TREMEMBÉ/ SETOR 07 24 10 43
TUCURUVI/ SETOR 01 5 0 0
TUCURUVI/ SETOR 02 32 45 92
TUCURUVI/ SETOR 03 4 21 41
TUCURUVI/ SETOR 04 7 24 38
TUCURUVI/ SETOR 05 0 17 89
VILA GUILHERME/ SETOR 01 2 1 1
VILA GUILHERME/ SETOR 02 1 55 120
VILA GUILHERME/ SETOR 03 63 60 66
VILA MARIA/ SETOR 01 1 14 74
VILA MARIA/ SETOR 02 2 34 20
VILA MARIA/ SETOR 03 63 47 84
VILA MARIA/ SETOR 04 100 107 271
VILA MARIA/ SETOR 05 70 60 299
VILA MARIA/ SETOR 06 7 85 247
VILA MEDEIROS/ SETOR 01 56 159 196
VILA MEDEIROS/ SETOR 02 3 125 262
VILA MEDEIROS/ SETOR 03 106 114 296
VILA MEDEIROS/ SETOR 04 22 37 183
VILA MEDEIROS/ SETOR 05 5 7 55
TOTAL DRE JACANA/TREMEMBE 1779 2917 5910
152

Nascidos entre Nascidos entre Nascidos entre


01/01/2011 a 01/01/2012 a 01/01/2013 a
DRE de PENHA
31/12/2011 31/12/2012 31/12/2014
Total Total Total
ÁGUA RASA/ SETOR 01 2 46 99
ÁGUA RASA/ SETOR 02 13 24 171
ÁGUA RASA/ SETOR 03 3 46 49
ARTUR ALVIM/ SETOR 01 60 40 96
ARTUR ALVIM/ SETOR 02 18 70 103
ARTUR ALVIM/ SETOR 03 69 191 350
ARTUR ALVIM/ SETOR 04 0 0 39
ARTUR ALVIM/ SETOR 05 7 103 237
BELEM/ SETOR 01 31 40 15
BELEM/ SETOR 02 2 74 111
BELEM/ SETOR 03 1 15 121
BRAS/ SETOR 01 0 0 0
BRAS/ SETOR 02 11 70 127
BRAS/ SETOR 03 0 28 50
BRAS/ SETOR 04 43 30 77
BRAS/ SETOR 05 2 59 126
CANGAIBA/ SETOR 01 108 105 224
CANGAIBA/ SETOR 02 215 201 351
CANGAIBA/ SETOR 03 77 199 329
CANGAIBA/ SETOR 04 38 131 152
CANGAIBA/ SETOR 05 65 47 62
ERMELINO MATARAZZO/ SETOR 01 33 63 128
ERMELINO MATARAZZO/ SETOR 02 235 310 413
ERMELINO MATARAZZO/ SETOR 03 80 161 248
ERMELINO MATARAZZO/ SETOR 04 59 167 219
MOOCA/ SETOR 01 0 38 67
MOOCA/ SETOR 02 14 41 88
MOOCA/ SETOR 03 0 0 0
PARI/ SETOR 01 86 76 202
PENHA/ SETOR 01 38 31 233
PENHA/ SETOR 02 54 140 221
PENHA/ SETOR 03 28 40 139
PONTE RASA/ SETOR 01 25 17 64
PONTE RASA/ SETOR 02 24 114 234
PONTE RASA/ SETOR 03 84 88 109
PONTE RASA/ SETOR 04 125 117 232
TATUAPE/SETOR 01 3 0 103
TATUAPE/SETOR 02 68 70 121
VILA MATILDE/ SETOR 01 4 15 76
VILA MATILDE/ SETOR 02 0 17 116
VILA MATILDE/ SETOR 03 3 34 51
VILA MATILDE/ SETOR 04 42 33 152
VILA MATILDE/ SETOR 05 41 52 115
TOTAL DRE PENHA 1811 3143 6220
153

Nascidos entre Nascidos entre Nascidos entre


01/01/2011 a 01/01/2012 a 01/01/2013 a
DRE de PIRITUBA
31/12/2011 31/12/2012 31/12/2014
Total Total Total
ANHANGUERA/ SETOR 01 0 0 0
ANHANGUERA/ SETOR 02 0 1 0
ANHANGUERA/ SETOR 03 12 87 142
ANHANGUERA/ SETOR 04 0 0 0
ANHANGUERA/ SETOR 05 0 0 0
ANHANGUERA/ SETOR 06 16 52 220
ANHANGUERA/ SETOR 07 195 195 263
ANHANGUERA/ SETOR 08 137 112 202
BARRA FUNDA/ SETOR 01 1 0 23
BARRA FUNDA/ SETOR 02 0 0 0
BARRA FUNDA/ SETOR 03 0 0 0
BARRA FUNDA/ SETOR 04 0 0 0
BARRA FUNDA/ SETOR 05 1 28 63
BRASILANDIA/ SETOR 01 0 1 0
BRASILANDIA/ SETOR 02 0 68 290
BRASILANDIA/ SETOR 03 94 338 612
BRASILANDIA/ SETOR 04 15 215 679
BRASILANDIA/ SETOR 05 4 255 424
BRASILANDIA/ SETOR 06 6 149 306
BRASILANDIA/ SETOR 07 1 150 315
BRASILANDIA/ SETOR 08 1 56 145
BRASILANDIA/ SETOR 09 23 22 112
JAGUARA/ SETOR 01 17 124 354
JAGUARÉ/ SETOR 01 1 154 441
JAGUARÉ/ SETOR 02 3 5 79
JARAGUÁ/ SETOR 01 1 0 0
JARAGUÁ/ SETOR 02 2 45 65
JARAGUÁ/ SETOR 03 140 229 274
JARAGUÁ/ SETOR 04 7 73 78
JARAGUÁ/ SETOR 05 4 131 575
JARAGUÁ/ SETOR 06 0 9 134
JARAGUÁ/ SETOR 07 81 100 183
JARAGUÁ/ SETOR 08 2 174 321
JARAGUÁ/ SETOR 09 102 288 510
LAPA/ SETOR 01 4 1 0
LAPA/ SETOR 02 15 9 49
LAPA/ SETOR 03 48 57 95
PERDIZES/ SETOR 01 0 26 63
PERDIZES/ SETOR 02 12 42 77
PERUS/ SETOR 01 72 182 504
PERUS/ SETOR 02 48 91 367
PERUS/ SETOR 03 0 0 0
PIRITUBA/ SETOR 01 5 56 207
PIRITUBA/ SETOR 02 0 0 0
PIRITUBA/ SETOR 03 0 0 1
PIRITUBA/ SETOR 04 19 167 489
PIRITUBA/ SETOR 05 0 40 80
PIRITUBA/ SETOR 06 10 0 81
SÃO DOMINGOS/ SETOR 01 1 6 261
SÃO DOMINGOS/ SETOR 02 19 0 0
SÃO DOMINGOS/ SETOR 03 0 12 91
SÃO DOMINGOS/ SETOR 04 25 20 30
VILA LEOPOLDINA/ SETOR 01 6 12 17
VILA LEOPOLDINA/ SETOR 02 2 74 118
TOTAL DRE PIRITUBA 1152 3856 9340
154

Nascidos entre Nascidos entre Nascidos entre


01/01/2011 a 01/01/2012 a 01/01/2013 a
DRE de SANTO AMARO
31/12/2011 31/12/2012 31/12/2014
Total Total Total
CAMPO BELO/ SETOR 01 42 16 164
CAMPO BELO/ SETOR 02 11 54 206
CAMPO GRANDE/ SETOR 01 37 51 64
CAMPO GRANDE/ SETOR 02 0 0 1
CAMPO GRANDE/ SETOR 03 27 68 84
CAMPO GRANDE/ SETOR 04 113 112 211
CAMPO GRANDE/ SETOR 05 50 58 85
CIDADE ADEMAR/ SETOR 01 98 98 214
CIDADE ADEMAR/ SETOR 02 217 236 355
CIDADE ADEMAR/ SETOR 03 291 412 691
CIDADE ADEMAR/ SETOR 04 370 496 561
CIDADE ADEMAR/ SETOR 05 443 481 742
CIDADE ADEMAR/ SETOR 06 195 224 310
JABAQUARA/ SETOR 01 150 133 192
JABAQUARA/ SETOR 02 85 45 216
JABAQUARA/ SETOR 03 1 85 158
JABAQUARA/ SETOR 04 14 147 320
JABAQUARA/ SETOR 05 153 245 321
JABAQUARA/ SETOR 06 79 252 498
PEDREIRA/ SETOR 01 22 162 323
PEDREIRA/ SETOR 02 109 184 231
PEDREIRA/ SETOR 03 369 403 617
PEDREIRA/ SETOR 04 54 63 73
PEDREIRA/ SETOR 05 231 303 361
SANTO AMARO/ SETOR 01 0 0 0
SANTO AMARO/ SETOR 02 51 59 75
SANTO AMARO/ SETOR 03 0 0 0
SANTO AMARO/ SETOR 04 16 71 82
TOTAL DRE SANTO AMARO 3228 4458 7155
155

Nascidos entre Nascidos entre Nascidos entre


01/01/2011 a 01/01/2012 a 01/01/2013 a
DRE de SÃO MATEUS
31/12/2011 31/12/2012 31/12/2014
Total Total Total
IGUATEMI/ SETOR 01 6 0 0
IGUATEMI/ SETOR 02 1 0 0
IGUATEMI/ SETOR 03 38 51 153
IGUATEMI/ SETOR 04 433 386 412
IGUATEMI/ SETOR 05 115 64 50
IGUATEMI/ SETOR 06 54 92 328
IGUATEMI/ SETOR 07 282 393 492
IGUATEMI/ SETOR 08 0 0 0
SÃO MATEUS/ SETOR 01 138 139 434
SÃO MATEUS/ SETOR 02 76 56 237
SÃO MATEUS/ SETOR 03 0 0 0
SÃO MATEUS/ SETOR 04 56 115 165
SÃO MATEUS/ SETOR 05 15 56 26
SÃO MATEUS/ SETOR 06 4 8 40
SÃO MATEUS/ SETOR 07 30 31 100
SÃO MATEUS/ SETOR 08 50 72 73
SÃO MATEUS/ SETOR 09 115 118 221
SÃO RAFAEL/ SETOR 01 25 74 131
SÃO RAFAEL/ SETOR 02 38 39 10
SÃO RAFAEL/ SETOR 03 123 163 223
SÃO RAFAEL/ SETOR 04 229 248 439
SÃO RAFAEL/ SETOR 05 179 359 567
SÃO RAFAEL/ SETOR 06 29 79 180
SÃO RAFAEL/ SETOR 07 12 32 75
SÃO RAFAEL/ SETOR 08 15 54 74
SAPOPEMBA/ SETOR 01 143 114 198
SAPOPEMBA/ SETOR 02 32 252 443
SAPOPEMBA/ SETOR 03 50 233 475
SAPOPEMBA/ SETOR 04 129 214 338
SAPOPEMBA/ SETOR 05 144 125 233
SAPOPEMBA/ SETOR 06 0 114 298
SAPOPEMBA/ SETOR 07 175 196 282
SAPOPEMBA/ SETOR 08 113 130 233
SAPOPEMBA/ SETOR 09 0 0 1
SAPOPEMBA/ SETOR 10 67 72 100
TOTAL DRE SÃO MATEUS 2916 4079 7031
156

Nascidos entre Nascidos entre Nascidos entre


01/01/2011 a 01/01/2012 a 01/01/2013 a
DRE de SÃO MIGUEL
31/12/2011 31/12/2012 31/12/2014
Total Total Total
ITAIM PAULISTA/ SETOR 01 0 0 0
ITAIM PAULISTA/ SETOR 02 73 121 148
ITAIM PAULISTA/ SETOR 03 1 7 23
ITAIM PAULISTA/ SETOR 04 0 27 55
ITAIM PAULISTA/ SETOR 05 21 24 234
ITAIM PAULISTA/ SETOR 06 132 190 295
ITAIM PAULISTA/ SETOR 07 20 227 306
ITAIM PAULISTA/ SETOR 08 45 164 295
ITAIM PAULISTA/ SETOR 09 21 223 318
ITAIM PAULISTA/ SETOR 10 298 381 506
JARDIM HELENA/ SETOR 01 0 27 71
JARDIM HELENA/ SETOR 02 6 49 405
JARDIM HELENA/ SETOR 03 11 147 369
JARDIM HELENA/ SETOR 04 93 204 360
JARDIM HELENA/ SETOR 05 112 60 234
JARDIM HELENA/ SETOR 06 122 181 277
LAJEADO/ SETOR 01 3 153 305
LAJEADO/ SETOR 02 0 70 230
LAJEADO/ SETOR 03 56 108 313
LAJEADO/ SETOR 04 13 26 50
LAJEADO/ SETOR 05 0 90 302
LAJEADO/ SETOR 06 0 5 108
LAJEADO/ SETOR 07 0 10 314
LAJEADO/ SETOR 08 1 38 290
SÃO MIGUEL/ SETOR 01 25 39 73
SÃO MIGUEL/ SETOR 02 0 0 0
SÃO MIGUEL/ SETOR 03 0 0 2
SÃO MIGUEL/ SETOR 04 1 19 42
SÃO MIGUEL/ SETOR 05 0 4 198
SÃO MIGUEL/ SETOR 06 0 0 0
SÃO MIGUEL/ SETOR 07 3 51 254
SÃO MIGUEL/ SETOR 08 9 108 170
VILA CURUCA/ SETOR 01 32 66 136
VILA CURUCA/ SETOR 02 3 35 142
VILA CURUCA/ SETOR 03 7 18 111
VILA CURUCA/ SETOR 04 99 128 221
VILA CURUCA/ SETOR 05 31 31 39
VILA CURUCA/ SETOR 06 28 87 335
VILA CURUCA/ SETOR 07 11 41 174
VILA CURUCA/ SETOR 08 0 85 164
VILA CURUCA/ SETOR 09 0 0 0
VILA CURUCA/ SETOR 10 3 1 8
VILA CURUCA/ SETOR 11 0 0 0
VILA JACUI/ SETOR 01 152 101 284
VILA JACUI/ SETOR 02 33 36 99
VILA JACUI/ SETOR 03 38 41 202
VILA JACUI/ SETOR 04 0 0 0
VILA JACUI/ SETOR 05 27 14 138
VILA JACUI/ SETOR 06 17 76 170
VILA JACUI/ SETOR 07 12 65 159
VILA MARIA/ SETOR 01 1 14 74
VILA MARIA/ SETOR 02 2 35 20
VILA MARIA/ SETOR 03 64 47 84
VILA MARIA/ SETOR 04 100 107 272
VILA MARIA/ SETOR 05 71 61 300
VILA MARIA/ SETOR 06 8 86 250
TOTAL DRE SÃO MIGUEL 1805 3928 9929
157

APÊNDICE B
Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)

Prezado(a) estudante,

Você está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa, cujo objetivo foi apresentado pelo pesquisador(a).

Ao integrar este estudo, estará permitindo, de forma voluntária e gratuita, a utilização dos dados fornecidos.

Esclarecemos que as informações fornecidas são estritamente confidenciais e não identificadas.

Você tem a liberdade de se recusar a participar ou deixar de participar em quaisquer das etapas previstas.

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Tendo em vista o esclarecimento acima apresentado, eu manifesto livremente meu consentimento em participar
da pesquisa.

No. Nome do participante Assinatura do participante


158

APÊNDICE C
Questionário 1 – Perfil dos participantes

1. Identificação: ___________________________

2. Semestre cursado: ______________________

3. Sexo: ( ) feminino ( ) masculino

4. Idade: ____________________________________

5. Atua na área da Educação? ( ) Sim ( ) Não ______________________________

6. Há quanto tempo trabalha na área da Educação? ________________

7. Qual cargo/função exerce na área da Educação? ________________________

8. Você trabalha na:

( ) Rede municipal de ensino

( ) Rede estadual de ensino

( ) Rede privada de Ensino

( ) Outra ___________________

9. Segmento da educação básica em que atua:

( ) Educação infantil

( ) Ensino Fundamental I

( ) Ensino Fundamental II

( ) Ensino Médio

( ) Ensino Superior

10. Tem filhos? ( ) Sim ( ) Não

12. Algum deles frequentou a creche pública?

( ) Sim

( ) Não
159

APÊNDICE D
Questionário 2 – A estrutura da Educação Básica e o direito à educação
de crianças de 0 a 3 anos; o espaço da creche, seu papel social e o público
atendido

1. Quais são as etapas que compõem a Educação Básica no Brasil?

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

2. A matrícula é obrigatória a partir de qual idade no Brasil?

_____________________________________________________________________

3. Quem é principal responsável pela creche pública?

( ) Prefeito (Governo Municipal)

( ) Governador (Governo Estadual)

( ) Presidente da República (Governo Federal)

( ) Iniciativa privada (rede particular)

4. Na sua opinião, de quem é a responsabilidade pela educação das crianças de 0 a 3 anos de idade? Justi-
fique.

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________
160

5. Em sua opinião, para que existe a creche pública? Explique.

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

___________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

6. Em sua opinião, para quem a creche pública foi feita? Explique.

____________________________________________________________________

___________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________
161

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________
162

APÊNDICE E
Cenários projetados

Cenário projetado 1

Joana está desempregada e tem um bebê de 6 meses de vida.

Joana não conseguiu vaga na creche pública.

Na sua opinião, como Joana poderia resolver essa questão? Justifique.

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

___________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________
163

Cenário projetado 2

Lúcia é dona de casa e tem um bebê de 6 meses de vida.

Lúcia não conseguiu vaga na creche pública.

Na sua opinião, como Lúcia poderia resolver essa questão? Justifique.

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________
164

Cenário projetado 3

Marina trabalha como gerente em uma grande empresa e tem um bebê de 6 meses de vida.

Marina não conseguiu vaga na creche pública.

Na sua opinião, como Marina poderia resolver essa questão? Justifique.

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

____________________________________________________________________

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