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Elaboração do pensamento filosófico

A Filosofia procura levar o ser humano a buscar uma compreensão maior sobre o
conhecimento e a realidade. Nesta unidade, vamos explicitar as características
básicas do pensamento filosófico, destacando alguns dos principais sistemas da
história da Filosofia que ainda hoje permanecem atuais.Texto de abertura da unidade.

Objetivo
Ao final desta unidade, você deverá ser capaz de:

• Descrever os sistemas clássicos da filosofia e sua relação com o


mundo concreto.

Conteúdo Programático
Esta unidade está organizada de acordo com os seguintes temas:

• Tema 1 - Filosofia e realidade


• Tema 2 - A questão do método e os fundamentos da razão
• Tema 3 - A complexidade do pensamento contemporâneo

Você consegue identificar o que representa cada uma das sombras?


Tema 1
Filosofia e realidade

O que diferencia o pensamento pré-reflexivo do


pensamento reflexivo?

A Filosofia ocidental nasceu na Grécia (século VI


a.C.), contrapondo-se, como já mencionamos, à
concepção arcaica dos mitos e do poder
dos aristoi (nobres); e, embora não tenha havido,
de imediato, um total rompimento com as
narrativas míticas, o fato é que já os primeiros
pensadores – os filósofos pré-socráticos –
procuraram um modo racional para a descrição do nosso cosmos, longe das histórias
dos deuses. Foi a separação do sagrado que fez surgir um pensamento laico
(dessacralizado) vinculado ao questionamento e às indagações constantes sobre o
universo e o homem.

Por isso, costuma-se associar a fase mítica ao pensamento pré-reflexivo, ligado ao


senso comum, aos fatos do cotidiano, quando a aceitação das normas é incondicional,
sem questionamento ou elaboração crítica, preso a crenças e preconceitos.

Contrapondo-se a essa passividade de regras,


surge o pensamento reflexivo, que se relaciona
com a busca de entendimento coerente e
racional das situações naturais e humanas. Ao
buscar uma compreensão mais elaborada da
realidade, desenvolvendo uma reflexão
consistente e transformadora, o pensamento
reflexivo vai tornar-se a base do pensar filosófico
pois reformula as opiniões assistemáticas da
tradição arcaica, possibilitando uma visão mais
ampla e geral a respeito da realidade.

É essa admiração e espanto – o thauma – que fundamenta e desenvolve o pensar


filosófico, visto que nenhum pensador consciente aceita explicações definitivas de
quaisquer fatos ou fenômenos. A atitude filosófica implica, pois, a necessidade sempre
premente de se dedicar ao entendimento da realidade, para que seja possível
estimular a atividade crítica e consciente na compreensão e no conhecimento de modo
geral.
Saiba Mais

Com efeito, foi pela admiração que os homens começaram a filosofar tanto
no princípio como agora; perplexos, de início, ante as dificuldades mais
óbvias, avançaram pouco a pouco e enunciaram problemas a respeito das
maiores, como os fenômenos da Lua, do Sol e das estrelas, assim como a
gênese do universo. (ARISTÓTELES. 1978, p. 40)

Assim, desde a Antiguidade, muitos foram os pensadores que se voltaram para


investigações mais abrangentes sobre a realidade, pesquisando racionalmente as
questões ligadas ao cosmos e ao ser humano; e essas investigações, mesmo depois
de 2.500 anos, continuam a instigar os pensadores contemporâneos.

Dentre os filósofos que se destacaram na


busca do conhecimento, não podemos deixar
de mencionar primeiramente os pensadores
sofistas – em especial Protágoras (século V a.
C.) e Górgias (c. 485-380 a. C.) –, que teriam
sido os primeiros a elaborar uma concepção
antropológica do conhecimento. Anteriores e,
também, contemporâneos de Sócrates, Platão
e Aristóteles, o papel dos sofistas foi
fundamental na solidificação da
democracia grega. Embora muitos de seus escritos não tenham chegado até nós,
sabemos hoje que os filósofos sofistas, educadores por excelência, foram
responsáveis por um novo modelo de conhecimento, laico e contextualizado, que
reunia não apenas o ensino das técnicas da argumentação persuasiva (retórica), mas
ainda o estudo da dialética, da gramática, da matemática e da cultura geral.

Os sofistas surgem no período socrático (ou antropológico) da filosofia grega e


compreendem um momento histórico em que o homem grego buscava a
independência face à tradição.
Considerado como “pai da Filosofia”, Sócrates (c. 470-399 a. C.) é também um marco
que sinaliza para uma compreensão abrangente da realidade; embora não tenha
deixado nenhum registro escrito de suas ideias, como já observamos, o pensamento
socrático, conhecido pelas obras de seus discípulos (principalmente Platão e
Xenofonte), priorizou questões referentes à ética e à política. Além do método
maiêutico – de trazer à luz as ideias –, Sócrates desenvolveu ainda o processo
da ironia, cuja função primeira era colocar em dúvida a afirmação de seu opositor.
Vale ressaltar que a maiêutica é, até nossos dias, um importante componente
pedagógico, ao estimular o estudante a construir o seu próprio conhecimento por meio
do uso e direcionamento de perguntas e respostas formuladas pelo mestre.
A Teoria das Ideias, ou das Formas, elaborada por Platão (428-347 a. C.), está
centrada na separação dos dois mundos: o mundo sensível é o mundo das sombras,
das cópias imperfeitas, das aparências, do simulacro e da doxa (opinião); e, por isso,
ligado ao pensamento pré-reflexivo e às situações cotidianas. Diferentemente,
o mundo inteligível é o mundo da episteme (sabedoria científica), das ideias
verdadeiras, das essências imutáveis e absolutas. Assim, para chegar ao
conhecimento pleno, é necessário ultrapassar as sombras e as aparências.

Platão criou uma alegoria, conhecida como Mito da Caverna, que serve para explicar a
evolução do processo de conhecimento. Segundo ele, a maioria dos seres humanos
se encontra como prisioneiro de uma caverna, permanecendo de costas para a
abertura luminosa e de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz que
entra na caverna, o prisioneiro contempla as projeções dos seres que compõem a
realidade na parede do fundo. Acostumado a ver somente essas projeções, assume a
ilusão do que vê, as sombras do real, como se fosse a verdadeira realidade.
(COTRIM. 1999, p. 109)
Ou seja, para aqueles homens que só haviam contemplado as sombras, elas seriam a
própria realidade. Contudo, um prisioneiro se liberta e sai da caverna. Num primeiro
momento, ele tem grande dificuldade de adaptação à claridade, mas não desiste e
pode, enfim, contemplar a verdadeira realidade. A saída da caverna constitui uma
metáfora da busca do conhecimento, quando o mundo sensível é superado. É por isso
que, contemporaneamente, ainda podemos recorrer a Platão, principalmente quando
nos apresentam simulacros como sendo realidade concreta.

Saiba Mais

A obra de Platão se caracteriza como a síntese de uma preocupação com


a ciência (o conhecimento verdadeiro e legítimo), com a moral e a política.
Neste sentido, a obra deste filósofo envolve o reconhecimento da função
pedagógica e política da questão do conhecimento.
Aristóteles (384-322 a.C.) – profundo
investigador dos mais diversos ramos do
conhecimento: gramática, biologia, matemática,
física, astronomia, lógica, retórica, política,
metafísica, jurisprudência, psicologia, ética –
desenvolve suas pesquisas buscando uma
ampla visão da realidade. Para ele, ao contrário
de seu mestre Platão, não se deve considerar a
distinção dos dois mundos, pois a essência se
encontra na própria coisa, no próprio objeto.

Podemos observar a posição desses pensadores na famosa obra do pintor


renascentista Rafael (Raffaello Sanzio, 1483-1520), em que aparece Platão apontando
para o alto, ao lado de Aristóteles, que estende a mão sobre o plano terreno.

Saiba Mais

A obra de Platão se caracteriza como a síntese de uma preocupação com


a ciência (o conhecimento verdadeiro e legítimo), com a moral e a política.
Neste sentido, a obra deste filósofo envolve o reconhecimento da função
pedagógica e política da questão do conhecimento.

O pensamento aristotélico ressalta a distinção entre ato e potência. Clique nas


imagens do quadro abaixo para saber mais a respeito.

Ato Potência

Ato é o que já existe e está


plenamente realizado. O ato diz Potência diz respeito à
respeito à concretização da potência, possibilidade de existir, de vir a ser.
no momento em que a potencialidade A concretização da potência resulta
se manifesta de fato. Seguindo o no ato. Assim, seguindo o exemplo
exemplo de Aristóteles, podemos de Aristóteles, podemos dizer que a
dizer que uma planta é o ato de uma semente é o vir a ser da planta.
semente.

Aristóteles apresenta também a distinção entre matéria e forma. Clique nas imagens
do quadro abaixo para conhecer mais detalhes.
Matéria Forma

A forma determina o que é


A matéria é o substrato passivo, inteligível no objeto. A matéria e a
substância da qual a coisa é feita. forma só podem ser separadas pelo
Por exemplo, matéria é o mármore pensamento. Por exemplo, a forma
que forma o bloco. é a estátua feita com o bloco de
mármore.

Aristóteles diferencia, ainda, essência de acidente: enquanto a essência é condição


primordial para a substância ser o que é, o acidente refere-se a um atributo
contingente, que não interfere na essência do objeto; isto é, a essência designa
propriamente aquilo que a coisa é e o acidente constitui um atributo acidental da coisa.
Por exemplo, a racionalidade é a essência do homem; suas qualidades (ser gordo,
careca, baixo) são puramente acidentais.

Observação

Aristóteles afirma [...] que os indivíduos são, por sua vez, compostos de
matéria (hyle) e forma (eidos). A matéria é o princípio de individuação e a
forma, a maneira como, em cada indivíduo, a matéria se organiza. [...]
Assim, todos os indivíduos de uma mesma espécie teriam a mesma forma,
mas difeririam do ponto de vista da matéria, já que se trata de indivíduos
diferentes, ao menos numericamente. É como se, de certo modo,
Aristóteles jogasse o dualismo platônico para dentro do indivíduo, da
substância individual. Matéria e forma são, entretanto, indissociáveis,
constituindo uma unidade (o sentido literal de “indivíduo”): a matéria só
existe na medida em que possui uma determinada forma, a forma, por sua
vez, é sempre a forma de um objeto material concreto. Não existem formas
ou ideias puras como no mundo inteligível platônico. (MARCONDES, 1997,
p. 72)

Depois de uma série de acontecimentos que levaram ao declínio a participação dos


cidadãos nos destinos da cidade, a filosofia grega passa a assumir uma nova feição,
voltada para a interioridade do indivíduo. Posteriormente, e após o período romano,
influenciado pelos gregos, o conhecimento da Europa Ocidental toma um novo rumo,
subordinado aos interesses determinantes da religião e da fé.
Vídeo

Para saber mais sobre a crítica de Platão aos discursos escritos da


época, elaborados pelos logógrafos, assista agora ao vídeo: Platão e a
“invenção da escrita”.

Clique na imagem para visualizar o vídeo.


Tema 2
A questão do método e os fundamentos da razão

De que modo o cogito cartesiano possibilita alcançar o


conhecimento verdadeiro?

Desde suas raízes, o conhecimento filosófico englobava os diversos saberes, sem


compartimentá-los. Conforme observamos, os filósofos gregos eram matemáticos,
físicos, astrônomos, metafísicos, gramáticos e tinham, portanto, visão abrangente e
universalizante. Porém, o início da Modernidade trouxe inúmeras transformações nos
mais variados campos.

No âmbito do conhecimento, muitos são os


fatores que provocam mudanças
consideráveis, decorrentes dos novos tempos:
as invenções, as grandes navegações e a
consequente descoberta de novas terras, por
exemplo, foram influências decisivas. É nessa
época que Galileu (1564-1642) estabelece e
aperfeiçoa, em bases matemáticas, um novo
método para a busca científica. A partir de
então, as ciências começam a se desenvolver
Galileu Galilei
isoladamente e a se afastar, pouco a pouco,
da reflexão filosófica.

No entanto, a Filosofia não deixa de manter seu olhar cuidadoso e abrangente sobre a
realidade, sem desconsiderar esta nova etapa do conhecimento, até porque, como
vimos, o filósofo não pode desenvolver seu pensamento aleatoriamente, sem uma
base coerente e sem um caminho (em grego, methodos) lógico.

O filósofo René Descartes (1596-1650) é


considerado, não sem razão, o Pai da Filosofia
Moderna. Podemos mesmo dizer que a filosofia
cartesiana inaugura o pensamento moderno a
partir de uma radical mudança de perspectiva no
conhecimento tradicional de sua época, de
tendência escolástica. Influenciado pelas novas
ciências e com base no modelo matemático, de
conformidade com o critério de clareza e
distinção, o método de Descartes tem por ponto
de partida a busca de uma verdade primeira que
René Descartes não possa ser posta em dúvida.
A dúvida está sintonizada com o projeto cartesiano de fundamentar as ciências. Trata-
se de uma dúvida metódica que coloca em xeque todas as opiniões e crenças. É a
dúvida que constitui o ponto fixo procurado – o ponto arquimediano – sobre o qual
será possível, como afirma Descartes, reerguer todo o edifício do conhecimento.
O processo da dúvida metódica permite, então, segundo Descartes, chegar à
verdade clara e evidente, pois; quando eu duvido, eu penso; e, se eu penso, eu
existo (em Latim: Cogito ergo sum). Assim, em Descartes, o cogito vem a ser a ideia
axial que inspira toda a sua empreitada, pois vai possibilitar ao espírito o caminho
certo e evidente que conduzirá à verdade. É nesse sentido que ele, como bom
racionalista, assegura que a essência precede a existência.

Observação

Descartes foi também um racionalista convicto. Recomendava que


desconfiássemos das percepções sensoriais, responsabilizando-as pelos
frequentes erros do conhecimento humano. Dizia que o verdadeiro
conhecimento das coisas externas devia ser conseguido através do
trabalho lógico da mente. [...] considerava que, no passado, dentre todos
os homens que buscaram a verdade nas ciências, ‘só os matemáticos
puderam encontrar algumas demonstrações, isto é, algumas razões certas
e evidentes’. (COTRIM. 1999, p. 153)

A busca de entendimento sobre o conceito de razão perpassa várias épocas da


história da Filosofia, da Antiguidade aos dias atuais, por ser a origem primeira da
indagação e do questionamento, quando são discutidos modelos de racionalidade que
interferem na relação do conhecimento com a realidade.
Esta discussão sobre os princípios racionais opõe os racionalistas aos empiristas.
Clique nas opções abaixo para conhecer melhor os pontos de vista dessas duas linhas
de pensamento.

Racionalistas Empiristas

Os racionalistas seguem a tese da Os empiristas afirmam que a


razão inata, considerando que o racionalidade resulta das
homem já nasce com a capacidade experiências adquiridas pelo
racional. Os empiristas afirmam que homem no decorrer de sua
a racionalidade resulta das existência.
experiências adquiridas pelo homem Contrariando a vertente inatista da
no decorrer de sua existência. razão, os empiristas irão se apoiar
Nesta vertente inatista, o ser humano nos sentidos e na experiência para
já teria, ao nascer, a capacidade sustentar que a razão é adquirida.
racional. Segundo Descartes, a John Locke (1632-1704) combate
razão é a luz natural inata que nos firmemente o inatismo da razão,
permite conhecer a verdade. defendendo que, ao nascer, a
mente humana é uma tabula rasa,
uma folha em branco e uma cera
sem forma.
Somente a partir das sensações e
das experiências é que vai existir a
possibilidade do conhecimento.
Portanto, para os empiristas, os
nossos sentidos (as nossas
experiências sensoriais) seriam a
base de todo entendimento.

Locke retomava [...] a tese empirista, segundo a qual nada existe em nossa
mente que não tenha sua origem nos sentidos. Todas as ideias que
possuímos são adquiridas ao longo da vida mediante o exercício da
experiência sensorial e da reflexão. Locke utiliza o termo ideia no sentido de
todo conteúdo do processo do conhecimento. Para ele, nossas primeiras
ideias, as sensações, nos vêm à mente através dos sentidos (experiência
sensorial), sendo moldadas pelas qualidades próprias dos objetos externos.
Como exemplos de sensação citam-se: as ideias de amarelo, branco,
quente, frio, mole, duro, amargo, doce etc. (COTRIM. 1999, p. 163)

Seguindo um viés histórico, podemos


mencionar também o filósofo alemão
Immanuel Kant (1724-1804), cujas
obras Crítica da Razão Pura e Crítica da
Razão Prática tratam essencialmente da
questão racional, da distinção entre
o conhecimento puro (a priori) e
o conhecimento empírico (a posteriori).
Immanuel Kant | Friedrich Hegel

A filosofia kantiana representou uma tentativa de superação do racionalismo e do


empirismo, bem como afirmou que o conhecimento deriva tanto da sensibilidade como
do entendimento. Ambos seriam fundamentais para a construção do conhecimento. A
sensibilidade oferece ao homem os dados dos objetos, enquanto o entendimento
promove as condições para a apreensão mental do objeto.
Outro importante pensador alemão, Friedrich Hegel (1770-1831), desenvolve também
uma investigação profunda sobre as questões racionais. Para esse filósofo, principal
representante da corrente idealista, a razão é histórica, embora antecedendo os
momentos históricos contextuais. Ao se referir à busca do conhecimento e às
mudanças históricas, Hegel afirmava que esses processos decorriam dos conflitos e
contradições entre as formas já existentes e o surgimento de novos modelos, num
movimento dialético de tese, antítese e síntese.

Observação

Hegel diz que ‘o que é real é racional’. Portanto, não se pode negar o real
sem negar também a razão. A filosofia (expressão mais alta do espírito
absoluto) terá a tarefa de compreender aquilo que é, mas não poderá dizer
como o mundo deve ser, porque ela vem sempre depois. Ela é como a
‘ave de Minerva’ (deusa da sabedoria), que ‘só levanta voo ao anoitecer’,
isto é, quando o curso da realidade já estiver concluído. (COTRIM. 1999, p.
181)

A discussão sobre o conceito de razão é uma constante no pensamento filosófico e,


como observamos, não foram poucos os filósofos que desenvolveram investigações
sobre a questão racional. Vimos também que, dependendo de cada época, o conceito
de razão adquire acepções diversas: para alguns pensadores existe uma razão única
que ultrapassa e é independente dos períodos históricos, assegurando o
conhecimento verdadeiro; para outros, no entanto, a razão se desenvolve de acordo
com as mudanças sociais, sendo, por isso, provisória e mutável.
No início do século XX, um grupo de filósofos alemães cria a Teoria Crítica, a
chamada Escola de Frankfurt. Considerando as intensas transformações da época,
esses pensadores se voltam para a discussão das modalidades racionais. Eles
sustentam que existem dois aspectos da racionalidade: a razão instrumental,
exclusivamente vinculada ao progresso científico e tecnológico, e a razão crítica, ou
razão vital ou filosófica, cuja função é refletir sobre esse progresso. Nos dias de hoje,
aliás, podemos constatar a veracidade das críticas dos teóricos de Frankfurt, ao
observarmos os desequilíbrios causados pelo desenvolvimento desenfreado da
tecnologia.
Para os filósofos frankfurtianos – tais como Theodor Adorno (1903-1969), Herbert
Marcuse (1898-1979), Walter Benjamin (1892-1940) e Max Horkheimer (1895-1973) –,
a historicidade da razão está subordinada às mudanças sociais.

Saiba Mais

Os filósofos dessa Escola [...] recusam a ideia hegeliana de que a História


é obra da própria razão, ou que as transformações históricas da razão são
realizadas pela própria razão, sem que esta esteja condicionada ou
determinada pelas condições sociais, econômicas e políticas. [...] Para
esses filósofos, Hegel está correto quando afirma que as mudanças
históricas ocorrem pelos conflitos e contradições, mas está enganado ao
supor que tais conflitos se dão entre diferentes formas de razão, pois eles
se dão como conflitos e contradições sociais e políticas, modificando a
própria razão. (CHAUÍ. 1995, p.83)

As questões relativas à racionalidade se multiplicam, conforme a contextualidade e os


problemas gerados pelas transformações do conhecimento. Daí, a importância de se
refletir sobre os problemas do mundo contemporâneo.
Tema 3
A complexidade do pensamento contemporâneo

Em que consiste a noção de interdisciplinaridade?

Considerando as intensas transformações


ocorridas até o momento, podemos observar
que grande parte delas resulta de processos
políticos, sociais e econômicos, que interferem
diretamente na sociedade, modificando
comportamentos e valores e determinando
novas formas de apreensão da realidade.

Como já afirmamos, desde o seu nascimento a Filosofia busca conhecer amplamente


a realidade relacionando os diversos saberes, sem recortes de temas, a fim de integrá-
los numa compreensão geral e abrangente. Portanto, o conhecimento filosófico
procura desenvolver a capacidade de ampliar a visão do ser humano, estabelecendo
um vínculo indissociável entre as mais variadas disciplinas, para que se possa chegar
a uma compreensão conjunta dos saberes como um todo unificado.

Diferentemente dos modelos científicos modernos, a filosofia se pauta por uma


reflexão integrada da realidade. Na busca de um conhecimento certo e evidente, que
possa ser previsto e controlado, as ciências passam a assumir o papel de
sistematização e controle dos fenômenos pesquisados, tendo em vista que as
pesquisas científicas procuram eleger um objeto único para suas investigações.

Conforme amplamente mencionado, a filosofia não limita sua investigação a um objeto


determinado, isolado em si mesmo. Para o filósofo, todo e qualquer tema deve ser
analisado levando em conta uma reflexão ampla e de conjunto.
Por conseguinte, considera-se que a ciência faz uso de juízos de realidade –
ou juízos de fato – para comprovar suas teses, que têm por função apresentar e
descrever, de modo objetivo e evidente, a relação entre fatos e fenômenos,
pretendendo mostrar, de modo quantitativo, como funcionam e como podem ser
controlados, para demonstrar a veracidade do julgamento. Por exemplo: O quadrado
tem quatro lados. / A água ferve a 100 °C, nas condições normais de pressão e
temperatura. / Aquela blusa é verde. / 2 + 2 = 4.

A filosofia, ao contrário, se baseia em juízos de valor, os quais procuram


compreender os fatos e fenômenos de forma ampla, ultrapassando a pura descrição
objetiva dos objetos de estudo, numa interpretação elaborada e qualitativa que
investiga todas as possibilidades que podem influenciar os fatos que se apresentam,
não tendo então a garantia prévia e comprobatória da ciência. Exemplos: Ninguém se
banha duas vezes no mesmo rio. (Heráclito) / O que não me mata me torna mais forte.
(Nietzsche) / Filosofar é aprender a morrer. (Platão) / Aquela blusa é bonita.

E, mesmo com as mudanças ocorridas na


Modernidade – como já observado
anteriormente –, que possibilitaram o avanço
das ciências, a Filosofia não abdica de sua
visão de conjunto, de sua
função inter e transdisciplinar, que procura
relacionar os vários saberes, a fim de
compreendê-los de forma ampla, investigando
todas as possibilidades que se apresentam.

Além de vincular os vários tipos de conhecimentos, sem fragmentá-los em


compartimentos delimitados, a filosofia procura ir mais adiante dos campos
disciplinares, para interagir decisivamente com a realidade.
Saiba Mais

Correspondendo a uma nova etapa do desenvolvimento do conhecimento


científico e de sua divisão epistemológica, e exigindo que as disciplinas
científicas, em seu processo constante e desejável de interpenetração,
fundam-se cada vez mais reciprocamente, a interdisciplinaridade é um
método de pesquisa e de ensino suscetível de fazer com que duas ou mais
disciplinas interajam entre si, podendo essa interação ir da simples
comunicação das ideias até a integração mútua dos conceitos, da
epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos
dados e da organização da pesquisa. Ela torna possível a
complementaridade dos métodos, dos conceitos, das estruturas e dos
axiomas sobre os quais se fundam as diversas práticas científicas.
(JAPIASSÚ & MARCONDES. 1991, p.136)

Nessa reflexão sobre o real, e retomando as tendências apresentadas pelos filósofos,


no sentido de apreender o conhecimento, é importante mencionar duas correntes
(antagônicas, por sinal) que atravessaram diversos períodos da história da filosofia,
ligadas às possibilidades do conhecimento. O gráfico abaixo mostra essas correntes.
Clique em cada uma das caixas para conhecer mais detalhes.

Retomando as reflexões filosóficas sobre a compreensão da realidade e a busca


abrangente de entendimento, podemos afirmar, então, que a filosofia segue uma
tendência interdisciplinar e transdisciplinar que ultrapassa os dados disponíveis que
nos são apresentados, implicando a apreensão de vínculos plurais e simultâneos,
relativos à diversidade de conhecimentos e à ligação com a realidade mesma.
É sob esse aspecto que podemos nos remeter à noção de complexidade (pensamento
complexo), como forma de articular e integrar os saberes à vida em seu sentido amplo,
considerando, assim, os vários aspectos da realidade e a ligação existente entre eles.
Nessa perspectiva, o pensamento complexo – derivado da Filosofia – deve ser
compreendido em toda a sua extensão, problematizando a diversidade dos
pensamentos sem, no entanto, analisá-los hierarquicamente; ou seja, nenhum saber é
superior a outro. Por isso, devemos sempre estimular a dialogicidade do conhecimento
(entendendo-se que o prefixo grego dia significa troca, intercâmbio, reciprocidade).
Observação

O desafio da complexidade se intensifica no mundo contemporâneo, já que


nos encontramos numa época de mundialização, que prefiro chamar de
era planetária. Isso significa que todos os problemas fundamentais que se
colocam num contexto francês ou europeu o ultrapassam, pois decorrem,
cada um a seu modo, de processos mundiais. Os problemas mundiais
agem sobre os processos locais que retroagem, por sua vez, sobre os
processos mundiais. (MORIN. 2002, p. 62)

Contemporaneamente, as discussões filosóficas sobre a capacidade de apreensão do


conhecimento tomaram um novo rumo na medida em que o papel do homem, como
detentor da possibilidade de conhecer individualmente o mundo – numa visão
antropocêntrica, característica da Modernidade – passa a ser questionado por alguns
filósofos. Para estes, não é mais possível imaginar o sujeito pensante solipsista
(isolado em si mesmo), que marcou a época moderna.

Saiba Mais

O questionamento ao projeto moderno se faz, em grande parte, nos termos


de um ataque à centralidade atribuída à noção de subjetividade nas
tentativas de fundamentação do conhecimento empreendidas pelas teorias
racionalistas e empiristas. As críticas de Hegel e de Marx já apontavam
para a insuficiência e o caráter problemático da análise subjetivista. Hegel
mostra que a subjetividade, a consciência individual, é ela própria
resultado de um processo de formação histórico e cultural, não podendo
ser considerada originária e, portanto, estando no fundamento de nossa
possibilidade de conhecer o real, de representar a realidade por meio de
nossos processos cognitivos. Marx assume esse mesmo tipo de posição,
apenas interpretando o processo de formação da subjetividade e de
nossas ideias e representações em termos materialistas, enfatizando o
trabalho e as relações de produção. (MARCONDES. 1997, p. 252)

O papel da reflexão filosófica é, pois, desempenhar uma atitude de questionamento e


crítica com relação aos modelos de conhecimento, teóricos e práticos, e, ainda, buscar
a perfeita sintonia com as crescentes transformações da realidade.
Encerramento

O que diferencia o pensamento pré-reflexivo do


pensamento reflexivo?

Enquanto o pensamento pré-reflexivo se relaciona à primeira impressão do mundo,


por estar ligado ao senso comum, às crenças e superstições, o pensamento reflexivo
corresponde à busca de um entendimento racional sobre a realidade, ampliando a
visão crítica do ser humano.

De que modo o cogito cartesiano possibilita alcançar o


conhecimento verdadeiro?

O cogito de Descartes constitui a primeira certeza que resulta do desenvolvimento


hiperbólico da dúvida metódica, pois, após duvidar de tudo que existe, será possível
chegar à certeza da existência do pensamento.

Em que consiste a noção de interdisciplinaridade?

A noção de interdisciplinaridade consiste no vínculo que deve existir entre as várias


áreas do saber, a fim de possibilitar um conhecimento abrangente, sem nenhum tipo
de fragmentação.

Resumo da Unidade

Nesta unidade, observamos que o pensamento filosófico requer uma atitude


questionadora que possa levar o ser humano além do senso comum, para interferir
na realidade.

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