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PÓS-GRADUAÇÃO
EM FILOSOFIA E
AUTOCONHECIMENTO: USO
PESSOAL E PROFISSIONAL
SUMÁRIO
2. Desenvolvimento I __________________________________________ 05
3. Desenvolvimento II ___________________________________________ 11
4. Conclusão _____________________________________________________ 13
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Pós-graduação em Filosofia e Autoconhecimento: Uso Pessoal e Profissional
ABSTRACT: The objective of the article is developing the historical evolution of the conception
of truth, detecting aspects of both continuity and rupture present among, respectively, the
paradigms of mythology, philosophy and science. The theoretical base for this work is mostly
taken from Marcel Detienne and J.P. Vernant and their studies on relationship between
mythology and early philosophy (subject with which this article is most concerned with). In the
end, however, the bridge is made - through the dialectic of enlightenment of Adorno and
Horkheimer - between science and mythology, as if from that one would eventually return to this
one (in historical terms, as both are speaking more specifically of the German people that
enlightened until the 19th century to delve again into mythological thinking during the 20th
century). An enlightened people tend from mythology to philosophy and then to science; but it
goes back to the mythological paradigm of understanding the world in general, because science
goes far enough to discover untruths more practical and effective than science itself, whose
ultimate goal is practical and effective. Peter Sloterdjke, in his Critique of Cynic Reason, follows
the tradition of Adorno and Horkheimer to show how critical theory's own heirs later fell into myth
too - for practical reasons.
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Pós-graduação em Filosofia e Autoconhecimento: Uso Pessoal e Profissional
“[...] detectar nos aspectos de continuidade que tecem uma trama entre
o pensamento religioso e o pensamento filosófico, as mudanças de
significação e as rupturas lógicas que diferenciam radicalmente as duas
formas de pensamento”. (ibid, p.14)
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Pós-graduação em Filosofia e Autoconhecimento: Uso Pessoal e Profissional
No entanto, é preciso levantar a questão posterior: até que ponto a ciência faz o mesmo
tipo de ruptura e continuidade, simultaneamente, quando se emancipa da filosofia,
Pois:
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DO POETA AO FILÓSOFO
Daquele que não era declamado e cantado, esquecia-se. Feitos ignorados pelos
poetas, considerados indignos de suas odes épicas, perderam-se no tempo e deixaram
de existir. O poeta era visto como um ser inspirado, pois era ele quem dava Ser às
histórias, à própria realidade imaginária que determina em tão larga parte a vida dos
humanos de cada região. (ibid, p.23)
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Desse modo,
“Não há, portanto, de um lado Alétheia (+) e do outro Léthe (-), mas, entre
estes dois polos, desenvolve-se uma zona intermediária, na qual Alétheia
se desloca progressivamente em direção a Léthe, e assim
reciprocamente. A “negatividade” não está, pois, isolada, colocada à
parte do Ser; ela é um desdobramento da “Verdade”. (Ibid, p.23)
As duas potências antitéticas não são, contraditórias, pois tendem uma à outra:
o positivo tende ao negativo, que, de certo modo, “o nega”, mas sem o qual não se
sustenta. Trata-se, então de nuançar as afirmações precedentes e de mostrar que nem
o rei de justiça – figura que, como o poeta, detinha no plano político o poder análogo
ao poder do poeta no plano da cultura - nem o poeta são, pura e simplesmente,
“mestres da Verdade”, mas que sua Alétheia está sempre recortada por Léthe.
Essa racionalização que o povo já fazia era elevada ao máximo no contexto dos
amantes da Alétheia, como vista no prelúdio do poema de Parmênides. Detienne
afirma que é precisamente no ambiente filosófico-religioso que começam as
discussões sobre essa temática:
“[...] todos estes traços, cujo valor religioso não pode ser contestado,
orientam-nos de forma decisiva em direção a alguns meios filosófico-
religiosos onde o filósofo ainda não é mais do que um sábio, digamos,
até mesmo um mago. Mas é nestes meios que se encontra um tipo de
homem e um tipo de pensamento voltados para a Alétheia.” (Ibid, p.23)
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poucos, que com o tempo seria perdido num processo de secularização da palavra,
que será apresentado na segunda parte do artigo. É interessante observar que,
historicamente, a “hegemonia” da poesia condiz com a invencibilidade das cavalarias
das nobrezas gregas quando enfrentadas por meros homens quaisquer sem cavalos
ao mesmo tempo em que a laicização da palavra, ou seja, um certo processo de
democratização de quem pode ecoar suas palavras, surge e se consolida
precisamente com a popularização de um novo método de combate que utiliza a força
dos números – vários homens empurrando enquanto empunhavam escudos e lanças
-, conhecida como falange, para vencer não só outras formações como, mais
significativamente, as cavalarias. Essa argumentação é apresentada por Victor Davis
Hanson (Cf. HANSON, 1994) historiador de guerra, ao falar do que denomina
“revolução hoplita” (pois o soldado da falange é um hoplita, um homem de escudo –
hóplon), um fenômeno de implicações políticas severas pra toda a Grécia Antiga e que
teria resultado, em última instância, nas cidades-estado gregas como nós as
conhecemos melhor.
J.-P. Vernant (VERNANT, 2002, p.18) pôde mostrar que, nas cosmogonias e
nas teogonias gregas, a ordenação do mundo era inseparável dos mitos de soberania,
e que os mitos de emergência, ao mesmo tempo que contavam a história das gerações
divinas, colocavam em primeiro plano o papel determinante de um rei divino, que, após
numerosas lutas, triunfa frente a seus inimigos e instaura definitivamente a ordem no
Cosmos.
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discutindo com Agamenon na guerra de Tróia. Tanto Davis Hanson quanto Mary Beard
(Cf. BEARD, 2017 e HANSON, 1994) contam em seus livros como os homens se
ordenavam em círculo, equidistantes um do outro, e ao meio ficava o homem que
falava (no lugar do prêmio de guerra, diga-se de passagem). Esse costume de discutir
o que fazer na guerra que surge com os soldados acaba se tornando formalmente a
instituição da assembleia dos atenienses. É com os soldados que a mitologia perde
sua primazia para a palavra de ‘’homem para homem’’ dos filósofos e sofistas.
Assim, é nos exércitos que acontece boa parte dessa secularização da palavra,
no sentido de uma “dessacralização”, racionalização dela, que engendrou – segundo
os autores mencionados – a nova forma de pensar e as novas formas políticas do
século VI e VII a.C, à maneira de uma estrutura determinando a superfície.
Parece claro, portanto, que a própria estrutura das cidades gregas está ligada a
esses costumes militares que emprestam o modelo de isonomia à relação dos homens
com a palavra; de forma que, ao que nos parece, há espaço sistemático para diálogo.
Mas Detienne é mais modesto em suas considerações, e afirma mais precisamente o
seguinte:
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linguagem tomou surgem dela: logos como instrumento das relações sociais – o foco
do sofista, e logos como meio de reconhecimento do real: o caminho do filósofo.
Detienne aponta que para que a Alétheia religiosa se tornasse conceito racional,
foi preciso que se produzisse um fenômeno maior, o da secularização da palavra, cujas
relações com o advento de novas relações sociais e de estruturas políticas inéditas
são inegáveis, assim como a instituição, na prática jurídica e política, de duas teses,
de dois partidos, entre os quais a escolha era inevitável (Ibid, p.74, 1988)
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A DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO
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Os autores acreditam que o próprio conceito desse pensamento [esclarecedor], tanto quanto
as formas históricas concretas e as instituições da sociedade com as quais está entrelaçado,
contém o germe de sua regressão. Se o esclarecimento não acolhe a reflexão sobre esse elemento
regressivo, ele está selando seu próprio destino. Consideram que deixando a reflexão sobre o
elemento destrutivo do progresso para seus inimigos, o pensamento cegamente pragmatizado
perde seu caráter de superação e sua relação com a Verdade (ADORNO; HORKHEIMER, 2006,
p.13).
O que se observa hoje, sob essa ótica, pode ser visto como tentativas apressadas do
progressismo e do novo conservadorismo de conter as inconveniências que se podia resolver com
facilidade, antes, com apelo à tradição, vítima da filosofia e da ciência. Essa é a ingenuidade do
“imperialismo secularista”, que ao desejar ser mais prático e objetivo destrói ilusões irracionais que
eram muito mais práticas e objetivas do que as alternativas científicas disponíveis no momento.
Tudo o que repousava sobre as pequenas mentiras e grandes absurdos criados para a manutenção
de certo modelo de relações pode desabar, e a sociedade fica cada vez mais exposta ao que há de
menos civilizado no homem (coisa que a mitologia anterior, ou mais precisamente aqui a tradição e
a religião, evitavam). É assim que, como Adorno e Horkheimer demonstram, o homem retorna à
barbárie.
As funções que se mostrarem necessárias para a sobrevivência da sociedade, as funções
primordiais de autoconservação, podem depender das ilusões desmascaradas, e precisariam agora
ser reinstauradas mitologicamente, por pensamento mitológico-religioso, se a eficiência é almejada.
A própria ciência e filosofia irão apontar para o caminho da mitologia como o mais prático, mais
eficiente, o melhor. É só uma questão de tempo. Ou, pelo menos, é uma possibilidade.
O modo mais fácil de cumprir essas funções necessárias que reemergem, o caminho de menor
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De todo modo, chegamos a um terceiro estágio na evolução da Verdade para a qual já não
basta ser manifesta e passar pelo crivo da razão. Precisa ser validada pela experiência, através do
método científico que, vale ressaltar, mantém a restrição dos arautos autorizados a proferi-la.
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Vimos, com Detienne e Vernant que, na Grécia antiga, verdadeiro é o que se manifesta aos
sentidos tendo a ausência como oposição, e que não há o “verdadeiro” frente ao “falso” nessa
concepção. Ao contrário, no contexto, o mito é Verdade porque existe, mesmo quando cunhado a
serviço de soberanos como mitos de emergência.
Ainda com esses autores, entendemos que a evolução da organização social humana
contribuiu para a laicização da palavra, de onde surge a possibilidade de diálogo e do uso da razão
para arguição das verdades mítico-religiosas. O desvelamento (Alétheia) precisa ser racionalizado
para manter sua posição de Verdade.
Mas é Detienne quem afirma que “Do rei de justiça ao filósofo mais abstrato, a Verdade
continua a ser o privilégio de determinados tipos de homem.” (DETIENNE, 1988, p.73)
Adorno e Horkheimer apontam que “As doutrinas morais do esclarecimento dão testemunho
da tentativa desesperada de colocar, no lugar da religião enfraquecida, um motivo intelectual para
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Nas palavras de Peter Sloterdijk, “todo conhecimento tem de escolher seu lugar na estrutura
de poderes hegemônicos e de contra potências” e, por isso, esse esclarecimento vai se
“entrincheirando em suas posições firmemente esclarecidas” e se tornando parte do establishment
para se auto conservar”. (SLOTERDIJK, 2012, p. 35-36).
Abarcamos aqui, nessa breve ilação histórica, a dinâmica da evolução da busca da Verdade
desveladora do mundo através de seus contrapontos: o esquecimento (Léthe), a irracionalidade e
a comprovação (científica) da falsidade. As transições entre os contrapontos representam rupturas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEARD, MARY. Mulheres e poder: um manifesto. Tradução de Celina Portocarrero. São Paulo:
Planeta do Brasil, 2018.
DETIENNE, Marcel: Os Mestres da Verdade na Grécia . Ttradução Andréa Daher. RJ: Zahar,
1988.
HANSON, Victor Davis. The Western way of war. University of California Press, 1994.
VERNANT, Jean Pierre. As Origens do Pensamento Grego. Trad. Ísis Borges B. da Fonseca Rio
de Janeiro: Difel, 2002.
VEYNE, Paul. Os gregos acreditavam em seus mitos? São Paulo, Editora Unesp, 2014.
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