Você está na página 1de 4

Falar sobre Cidadania permite pensar este termo a partir de três definições: senso comum,

significado político e significado histórico. Tratando, em primeiro lugar, do significado


comum de Cidadania, considerando a acepção deste termo no Brasil, o Cidadão é entendido
como um indivíduo que faz parte do corpus social, não necessariamente em termos de
responsabilidades e direitos, mas em relação à noção de dignidade, de “ser alguém” dentro do
constructo social. Em seu sentido histórico, o termo é originado do latim civitas, que quer
dizer “cidade”. No contexto Grego, este termo, cidadão, fazia referência àqueles nascidos em
terras gregas. O termo, portanto, tinha conotação de pertencimento, identidade. Já em Roma,
a cidadania possuía um sentido político, como hoje, referente aos direitos dos indivíduos.
O direito civil, inclusive no Brasil, tem fortes influências do direito romano e, por isso, não é
de se surpreender que o termo aqui estudado tenha os mesmos sentidos na história de Roma e
em nossa história atual. Juridicamente falando, a cidadania se refere aos direitos civis e
políticos dos indivíduos de um Estado. Esses direitos envolvem, necessariamente,
responsabilidades, comumente conhecidas como deveres. O cidadão é, deste modo, um ser
político dentro de uma organização política maior, o Estado. Essas relações políticas, de todo
modo, devem ser mútuas, onde o Estado também tem responsabilidades em relação ao bem
estar e bem viver de seus cidadãos, garantidos através de políticas públicas e infraestrutura.
Esta relação mútua é estabelecida através de um documento oficial, a Constituição Federal. O
artigo primeiro deste documento destaca:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.”

Sendo assim, a cidadania é um fundamento base da construção política do Governo Federal


do Estado brasileiro. Porém, diferente dos Direitos Humanos, a Cidadania é entendida em
dois pilares: formal e substantiva. A formal está ligada ao recurso simbólico e discursivo da
cidadania, ligados ao pertencimento, à nacionalidade, geralmente reconhecida através de
documentação oficial. Já a cidadania substantiva, contempla, de uma forma mais abrangente,
os direitos e obrigações do ser cidadão. A noção de cidadania é cunhada como uma relação
entre indivíduo e coletividade, de modo que nenhum direito seja absoluto. As ações
individuais, portanto, têm impacto na sociedade. Consequentemente, a cidadania compreende
o indivíduo e o coletivo.
A cidadania, com relação aos direitos dos cidadãos, pode, ainda, ser dividida em três classes
de direitos, como aponta o sociólogo T.H. Marshall em “Cidadania e classe social”, 1950:
civil, política e social. Os direitos civis estão ligados aos direitos à liberdade individual, de
expressão e pensamento, à propriedade, direito à justiça amparados pelo meio jurídico, como
prevê o artigo quinto do Capítulo primeiro, da Constituição brasileira:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade [...]”

Os direitos políticos tratam do direito ao exercício do poder político, na forma de eleitor ou


eleito, no conjunto de instituições de autoridade do corpo político. Estes direitos são
apresentados no capítulo quarto da constituição, onde o artigo décimo quarto aponta a
soberania popular, o sufrágio universal, com igual valor para todos. Já os direitos civis
referem-se ao conjunto de direitos ligados ao bem-estar econômico e social dos indivíduos da
nação, relacionados à segurança, educação e saúde, que devem ser garantidos também pela
Constituição, como podemos ver no artigo sexto do Capítulo segundo:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o


transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Dado o suporte teórico e jurídico em relação ao termo cidadania, é importante levantar a


questão: O tratamento da cidadania na Constituição tem produzido reflexos objetivos na
sociedade? Para responder à esta questão é importante voltar às discussões já apresentadas
neste curso em relação às pessoas com deficiência, aos negros e afrodescendentes brasileiros,
às populações indígenas e às mulheres, onde foram questionadas as políticas efetivas na
garantia de direitos à estas populações consideradas minorias sociais e, muitas vezes,
marginalizadas. O tratamento da cidadania previsto legalmente é um artifício discursivo e,
portanto, não necessariamente corresponde à realidade social de muitas brasileiras e
brasileiros. Quando nos voltamos aos dados estatísticos, temos que os negros, por exemplo,
compõem cerca de 56% da população brasileira, mas são apenas 18% dos magistrados na
Justiça brasileira, ao passo que formam 66,7% da população carcerária no Breasil, a terceira
maior população carcerária no mundo. Quando cruzamos estes dados percebemos que a
maioria dos cidadãos brasileiros são negros, ao passo que, sendo minoria nos cargos
jurídicos, não têm seus direitos efetivamente garantidos, condenados constantemente a serem
maioria nas prisões brasileiras.
No caso das pessoas com deficiência, temos 23,9 % da população total com algum tipo de
deficiência, sendo que apenas 1% desta população estão empregadas no mercado formal.
Apesar das garantias legais da inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho,
uma porcentagem muito pequena tem este direito garantido.
Não é necessário cruzar todos os dados para perceber que as populações brancas e sem
deficiência e masculinas têm seus direitos mais garantidos do que as populações fora destes
recortes sociais. A cidadania, no caso brasileiro, não tem produzido reflexos concretos na
sociedade que ainda aponta para grandes desigualdades sociais e econômicas.
Do ponto de vista das políticas públicas, uma forma de garantir, de modo efetivo, à cidadania
a todos, é através das políticas de reparação, que podem ser um bom começo para que todos
os cidadãos, de fato, tenham direitos iguais e inalienáveis no Estado brasileiro. No caso da
população negra, maioria no país, as reparações através de políticas públicas devem estar
ligadas ao campo simbólico e material. No campo simbólico, é indispensável o
reconhecimento das consequências e dos legados de 300 anos de escravidão de negros
africanos no Brasil, responsável por delegar aos descendentes dessas populações um lugar
social marginalizado, nunca reconhecido formalmente. Aliado a este reconhecimento,
deveriam surgir reparações materiais às populações negras, na garantia de escolarização de
qualidade à essas populações, assim como acesso à saúde, à segurança, à moradia, como
previstos por lei. Para a garantia efetiva de cidadania, às populações aquém devem
reconhecer que seus direitos não são usurpados quando as populações à margem não obtêm
seus próprios direitos. Sendo assim, as políticas públicas devem intervir na organização
social, garantindo a equiparação de acessos e oportunidades às populações à margem.
Por fim, é importante entender o quanto a Constituição cria recursos discursivos ou
concretos. O recurso discursivo e simbólico, no caso da cidadania, é importante em seus
efeitos psicológicos na população, uma vez que dota a todos indivíduos não só de direitos
mas também de responsabilidade. O problema, no entanto, é quando certos indivíduos
possuem mais responsabilidades que outros e, portanto, menos direitos. É função da mesma
Constituição garantir que tanto os direitos quanto os deveres dos cidadãos sejam equivalentes
entre todas e todos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACAYABA, Cíntia. REIS, Thiago. “Proporção de negros nas prisões cresce 14% em 15 anos,
enquanto a brancos cai 19%, mostra Anuário de Segurança Pública.” Globo, 19 de outubro de
2020, Brasil. Disponível em: https://g1.globo.com. Acesso em: 28/10/2022.
ANDRADE. Tainá. “Apenas 1% das pessoas com deficiência estão empregadas no mercado
formal”. 16 de maio de 2022. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br. Acesso
em: 28/10/2022.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso
em: 28/10/2022.
MOTA, Maria C. "Exercício da cidadania: entenda seus direitos e deveres”. 5 de maio de
2022, Brasil. Disponível: https://www.politize.com.br. Acesso: 28/10/2022.
“Negros são 56% da população, mas apenas 18% dos magistrados”. Consultor Jurídico, 20 de
novembro de 2021, Brasil. Disponível em: https://www.conjur.com.br. Acesso em
28/10/2022
OLIVEIRA, Luiza M B. “Cartilha do Censo 2010 - Pessoas com Deficiência”. Brasília, 2012.
Disponível em: https://inclusao.enap.gov.br”. Acesso em: 28/10/2022
“O que é Cidadania?”. Secretária da justiça, família e trabalho. Governo do Estado - Paraná.
Disponível em: https://www.justica.pr.gov.br. Acesso em 28/10/2022.
“Pretos ou pardos estão mais escolarizados”. Censo Agro 2017, Brasil. Disponível em:
https://censoagro2017.ibge.gov.br. Acesso em: 28/10/2022.
“Pessoas com deficiência”. IBGE Educa 2010, Brasil. Disponível em:
https://educa.ibge.gov.br. Acesso em 28/10/2022.

Você também pode gostar