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LÉONARD RIBORDY 

Tradução:
Jefferson Rosado
AGRADECIMENTOS
 A Violette, minha esposa,
 por sua participação em algumas de minhas pesquisas
e por suas pacientes releituras.
 A Pierre Louis, meu primeiro editor,
 por seus encorajamentos
e seu apoio logístico.
 A Olivier Pillevuit, autor do preácio,
e a Jean-Michel Maroger,
 por suas correções e comentários.
 E a todos aqueles que me trouxeram seu apoio
e orneceram documentos que me permitiram
 preencher minhas lacunas.

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 Í NDICE
Prefácio ....................................................................................... 9
Prólogo ......................................................................................... 13
1 − O Universo e a Vida .............................................................. 18
1.1 − O retorno às origens ........................................................ 18
1.2 − A vida ............................................................................. 22
1.3 − O conceito do divino....................................................... 23
1.4 − Corpo, alma e espírito..................................................... 25
1.5 − Uma evolução cíclica ...................................................... 27
2 − Quando a Geometria Fala dos Números ............................. 29
2.1 − Preâmbulo ...................................................................... 29
2.2 − Simbologia dos números e da geometria em relação
com o sagrado .......................................................................... 34
3 − A Medida do Espaço e do Tempo ......................................... 40
3.1 − Preâmbulo ....................................................................... 40
3.2 − A geometria mede a Terra e ala do Cosmos .................. 43
3.3 − O zodíaco – relógio cósmico .......................................... 52
4 − Tradições Religiosas e Templos ............................................ 61
4.1 − O enômeno religioso ..................................................... 61
4.2 − A Europa pré-céltica e céltica ......................................... 65
4.3 − O Egito ............................................................................ 77
4.4 − A Assíria e a Mesopotâmia ............................................. 102
4.5 − Os cananeus e enícios .................................................... 115
4.6 − A Anatólia ....................................................................... 119
4.7 − Os hebreus ...................................................................... 126
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8 ArquiteturA e GeometriA SAGrAdAS pelo mundo

4.8 − A Báctria e a Pérsia ........................................................ 147


4.9 − O mausoléu real da Mauritânia ....................................... 157
4.10 − A Grécia ........................................................................ 161
4.11 − Roma ............................................................................. 172
4.12 − O Cristianismo .............................................................. 185
4.13 − O Islamismo .................................................................. 211
4.14 − Hinduísmo e Budismo ................................................. 234
O Hinduísmo ( sanâtana dharma) ....................................... 235
O Budismo .......................................................................... 251
4.15 − O Taoísmo ..................................................................... 262
4.16 − O Japão e o Xintoísmo .................................................. 273
4.17 − A religiosidade das Américas........................................ 279
5 − Um Templo para os Tempos Novos ...................................... 297
5.1 − As rosetas alam dos números......................................... 299
5.2 − A porta do templo ........................................................... 308
5.3 − O interior do templo........................................................ 309
5.4 − O círculo dos beneitores da hu manidade...................... 313
5.5 − A cripta............................................................................ 314
6 − Epílogo ................................................................................... 318
BIBLIOGRAFIA......................................................................... 323
Anexo 1 − Resumo da simbologia dos números ....................... 327
Anexo 2 − Repertório dos símbolos numéricos levantados na
obra Arquitetura e Geometria Sagradas pelo Mundo ................ 382
PREFÁCIO
Q  uem nunca se impressionou com a beleza de uma abóbada estre-
lada em um céu noturno? Elevar humildemente nossos olhares
 para o innito, liberar-se dos limites e abandonar nossas “me-
didas comuns” é ousar se aventurar além das certezas e arriscar sair 
respingado das ondas de nossas questões pessoais que batem nas mar-
 gens do ineável. É a aptidão de nos interrogar sobre nossa origem,
nossa liberdade, do mistério do amor; da eternidade e do innito que
nos projetam na nossa humanidade.
 Em uma primeira observação sobre o que nos cerca, sobre a Natu-
reza e nós mesmos, percebemos requentemente quanto nosso ambiente
nos parece ragmentado, disperso, incoerente, caótico e absurdo. Mas,
 se perseverarmos na nossa atenção, saberemos reconhecer ali certas
intenções, certas relações e encontraremos certos “pontos comuns”.
 Aprenderemos assim a conhecer a maneira de dispor cada coisa em
nós mesmos segundo uma relação justa com o mundo e o Universo, e
descobriremos assim uma realidade mais vasta no restabelecimento de
uma visão ordenada do mundo e da beleza de sua criação.
 De um ponto de vista pessoal, o processo de criação pode então
 ser visto como “um movimento” do absoluto em direção ao relativo, do
Ser em direção ao indivíduo, do simples ao complexo, do universal ao
 particular e do imensurável à medida, etc.
 E poderia ser essa mesma consciência do imensurável que nos
ajuda a compreender que o Universo nalmente volta a ser habitado
 por uma experiência pessoal do íntimo. “Conhece-te a ti mesmo e tu
conhecerás o Universo e os deuses”, dizia Sócrates.
O ensino tradicional descreve a origem da criação como sendo,
no m de tudo, uma atualização do Ser. A Tradição nos ensina igual-
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10 ArquiteturA e GeometriA SAGrAdAS pelo mundo

mente que essa primeira mudança de estado do Ser, verdadeira trans-


mutação, se eetua de maneira inormal, isto é, podendo ser vista como
uma verdadeira criação da orma. Com eeito, se a noção de espaço
 se caracteriza pela extensão (“Deus ez então o extenso e separou as
águas...”), 1 a noção de uma extensão, da mesma maneira que a de uma
eternidade, sem limites, só se pode experimentar, e ca então além de
uma compreensão intelectual.
 Por consequência, compreender implica uma limitação. O prin-
cípio da extensão é uma abstração. Então, para se compreender a
extensão, um princípio de limitação deve intervir, e esse princípio de
limitação é o que caracteriza nossa compreensão.
 Nossa compreensão do mistério da origem ca então inevitavel-
mente submetida às possibilidades limitadas, e necessariamente re-
lativas, de nossa refexão. Com eeito, é por um princípio limitante,
intrínseco e inerente aos processos de nosso pensamento que a exten-
 são e a eternidade metaísica poderão ser doravante compreendidas
como o espaço e o tempo ísicos de uma realidade tornada implicita-
mente pessoal, relativa, e por consequência bem distante de um absolu-
to universal, do qual podemos às vezes experimentar a presença.
 De lá provém sem dúvida essa nostalgia e esse desejo de unidade,
esse sentimento de incompletude que ca, em graus diversos, em cada
um de nós. Então, tomar consciência do que nos separa da unidade nos
leva inevitavelmente a uma sacralização implícita do mundo. Da mes-
ma orma, porque ele preside a cada processo de síntese, esse elã da
“parte” em direção ao todo autoriza tanto um pensamento simbólico,
na origem da iniciação e do enômeno religioso, quanto uma concep-
ção ontológica do vivente, na origem do domínio sagrado.
Com eeito, a “queda” é em princípio uma queda no espaço e no
tempo, como testemunham a maioria das cosmologias e mitos genési-
cos, mostrando para nós que toda criação é somente uma “dispersão”,
uma “involução” do Ser.
 E porque lhe é necessário um tempo durante o qual ela possa se
delinear e um espaço para desenhá-la, a orma se constitui de algu-
ma maneira no produto de uma síntese do espaço e do tempo. Assim,
“produzindo-se” do espaço e do tempo, o ato criador “geometriza”,
1. Gênesis: cap. primeiro, v. 7. Bíblia, versão de J. F. Ostervald, 1877. As traduções seguin-
tes substituíram “extenso” por “rmamento” (Tradução ecumênica da Bíblia, éd. du Cer,
1996, e igualmente aquela da Bíblia de Jerusalém, éd. du Cer, 1974). Trata-se aquela de
uma tradução aproximada que não é el à Torá: “E Elohin ez o extenso”. Consultar a esse
respeito o estudo exaustivo de Annick de Souzenelle:  Alliance de Feu, vol. 1, cap. 7, Albin
Michel, 1995.
preFÁCio 11

 permitindo atualizar o abstrato qualitativo e representá-lo por meio da


 orma. Já que nós somos criaturas submetidas ao espaço e ao tempo,
nossa condição humana é, então, necessária e ontologicamente geo-
métrica.
 Da mesma orma, nenhum domínio dos três reinos tradicionais da
criação2 escapa à necessidade de ter orma. Por isso vemos a geome-
tria, a música e a aritmética corresponderem às três condições existen-
ciais dos viventes, que são o Espaço, o Tempo e o Número.
 No que diz respeito aos Números, eles exprimem essencialmente
uma noção subjetiva, qualitativa e abstrata, cujo uso e meditação, se-
 parados de toda representação, podem levar a um conhecimento expe-
rimental da essência das ormas ou dos princípios de sua origem. Eles
autorizam assim o acesso a uma consciência unitiva e sintética, pois
ela é sustentada por um pensamento, a partir daí, sem imagem de si
mesmo, nem nenhuma representação dele.
“Quando nosso pensamento se eleva e vai de nós em direção aos
deuses, o primeiro grau de imaterialidade que ele encontra são os
números. ”3
 Nesta obra, o autor nos convida a redescobrir como os homens, do
 Egito até nossos dias, e isso nos cinco continentes, tentaram responder 
às grandes questões que cada um de nós nos colocamos ao menos uma
vez: Quem sou eu? Qual é minha origem, e minha nalidade? Qual é a
 Natureza, e a unção da criação?
 Desse modo, el à etimologia da palavra, oi pesquisando e es-
tudando os monumentos4 arqueológicos das diversas civilizações que
ele recolheu e pôde colocar pouco a pouco em evidência a prounda
unidade do ensino tradicional, baseada principalmente na aplicação
 sistemática de uma geometria simbólica, única linguagem verdadeira-
mente universal, e cujo método, undado sobre a demonstração e não
 sobre a autoridade, oi e continua, de ato, garantia dos princípios da
arte sagrada.
 Da mesma maneira, o lugar do Templo é bem mais que uma
 síntese simbólica da Terra e do Céu, do espaço e do tempo, trata-se
mais de considerá-lo aqui como uma recriação do mundo: as leis
 governando sua construção, do plano, do lugar e do desenho, até a
escolha da data da colocação da primeira pedra, são idênticas às que
2. Mineral, vegetal e animal.
3. MACROBE , Commentaires sur le songe de Scipion, primeiro, 4.
4. “Monumento” provém da raiz latina mon-, da qual vem o verbo monere, que signica
“azer pensar, ensinar” (René Garrus,  Étymologies du Français, curiosités étymologiques,
Belin, 1996, p. 222).
12 ArquiteturA e GeometriA SAGrAdAS pelo mundo

 presidiram à maniestação do Universo. Então, o Templo, monumento


que delimita um espaço sagrado, nos ensina e estabelece uma relação
entre o homem e o mundo, o temporal e o eterno, o espaço e a extensão.
 Em todos os tempos, a arquitetura sagrada teve por vocação tanto nos
revelar um “lugar de ser”, quanto nos estabelecer nesse lugar.
 Assim, ela sempre oi undada sobre uma losoa da Unidade,
de onde emana um conhecimento sintético e cujo ensinamento é, por 
consequência, essencialmente simbólico. E está bem aí o mérito de um
tamanho trabalho de compilação, notável ilustração da universalidade
da linguagem e do poder de uma prática geométrica, verdadeira busca
de conhecimento e de transormação de si mesmo.
 Eetivamente, só podemos esperar para o leitor um caminho ope-
rativo por cada um desses desenhos, que saberá melhor que qualquer 
discurso ensinar-lhe não um saber enciclopédico a mais, mas uma
 participação mais prounda nas relações que mantêm seus espaços do
“que está dentro” e do “que está ora”, e sobre os quais se estabelece
a magia do gesto criador; na origem de todas as liturgias, da mesma
maneira que de todas as ormas artísticas puras.
 Assim, dentro da nossa humanidade, a arte do traço conduz a es-
 ses momentos privilegiados de sublimação de nós mesmos, onde en-
carnamos uma capacidade individual à universalidade e entramos na
 própria Criação.
 Dr. Olivier Pillevuit 
 Haute-Mire
PRÓLOGO
E m meu primeiro livro,  Nombres & gèometria, vers un peu de
lumière, reuni a inormação lentamente acumulada por uma vida
de pesquisas sobre a espiritualidade secretamente escondida na
geometria sagrada, associada à simbologia dos números, tal como oi
ormulada por Pitágoras e seus discípulos, cinco séculos antes de nossa
era.
Mais tarde, a invenção das matemáticas, quando associada a essa
geometria, permitiu que o Universo e suas leis ossem colocados em
equações.
O estudo do Universo em sua orma ísica nos az mergulhar nos
arcanos da origem de um enômeno ao qual nenhuma equação tem
acesso, em que o tempo e o espaço não têm mais sentido, ou a ísica e
a metaísica se conundem. Esse imenso reservatório de enigmas deixa
 perplexos todos os ísicos que discutem erozmente para responder a
questão “como”, ao mistério da origem, cando prudentemente do lado
concreto e mensurável do Universo. A resposta à questão “por quê”,
que precede a origem do enômeno, é deixada aos metaísicos e aos
teólogos, com seu cortejo de crenças e de dogmas.
 No primeiro livro, comecei a azer uma síntese dos conhecimentos
que nós temos hoje sobre o Universo e sua evolução, sempre em direção
a mais complexidade, até maniestar a vida, de sua simples expressão à
mais evoluída, pois a vida e suas maniestações devem ser a nalidade
de tudo isso.
A história da humanidade, como podemos ler nos vestígios as-
cinantes que subsistem em nosso planeta, nos ensina que a geometria
 precedeu as matemáticas. As esplêndidas obras antigas refetem simbo-

– 13 – 
14 ArquiteturA e GeometriA SAGrAdAS pelo mundo

licamente a imagem do Cosmos por uma geometria sagrada adaptada à


imagem dos deuses que o governavam.
O desenvolvimento das matemáticas, desde a invenção do zero-
origem em torno do século VI de nossa era, ez progredir nossos conhe-
cimentos de maneira exponencial. O Universo colocado em equações
 permite hoje compreender melhor essa prodigiosa maquinaria. Desde
então é mais ácil construir uma ponte entre as duas disciplinas aparen-
temente opostas, que são a ísica e a metaísica, o racional e o irracio-
nal. Aliás, muitos ísicos adotam uma atitude muito aberta diante de um
conceito indenível do divino, enm colocado ora das representações
antropomórcas, isto é, livre dos entraves de nossas reerências de me-
dida pereitamente inadaptadas para alar das origens.
O desenvolvimento das matemáticas, dos números irracionais, dos
logaritmos, dos exponenciais, abriram a via em direção dos números
imaginários, complexos e dos ractais. A partir daí o racional e o irra-
cional oram intimamente conundidos em uma disciplina que trocou o
rigor das ciras pelo raciocínio metaísico dos números.
Hoje, a questão undamental que preocupa a humanidade desde
que ela voltou os olhos para as estrelas ainda não tem resposta: como o
nada pôde gerar o tudo?
Os lósoos da Antiguidade tinham medo do zero-nada, que eles
ocultavam, tentando de qualquer maneira, por outro lado, imaginar o
innito. Tudo começava pela unidade, e o Universo como Deus, o con-
ceito supremo, se estendia em direção a um innito inconcebível, mas
voltado para o alto, o positivo.
As matemáticas modernas, desde a invenção do zero-nada, que
 precedia aquela dos números negativos, não têm medo de nada, mas
alam do innito com circunspecção, pois esse valor escapa do mensu-
rável. A armadilha reside no ato de que imaginar o innito é dar-lhe
um limite, e, então não é mais o innito.
Como resumi, a simbologia dos números tal como oi desenvolvi-
da pelos pesquisadores no curso dos tempos compara o pensamento an-
tigo à nossa percepção contemporânea do Universo. Os números alam
da construção do Cosmos, conrmando o que dizia Pitágoras, “Tudo é
organizado pelo Número”, ou o que Platão tinha eito ser escrito na en-
trada do templo de Delos, “Nada entra aqui, se não or geométrico”,
ou ainda o que Galileu pensava ao dizer: “O grande livro da Natureza
 oi escrito com o alabeto da geometria”.
A análise dos números simbólicos é el às matemáticas em geral,
mas particularmente aos números ditos irracionais, que abrem grandes
prÓloGo 15

 portas em direção à metaísica, pois tudo o que tange a espiritualidade


é irracional. Nesse contexto, a Unidade, o nada e o tudo se encontram
reunidos em uma metaísica pura que, escapando ao mundo racional,
não pode encontrar o acordo dos matemáticos: zero e tudo se encontram
na Unidade.
O extraordinário número de ouro (“Phi maiúsculo” –  Φ – em me-
mória do arquiteto grego Fídias)* vai ter um papel chave, pois ele vei-
cula o conceito da vida dita divina que inunda todo o Universo, gerando
a vida ísica (“phi minúsculo” –  φ), aquela que nos az existir na Terra
e provavelmente em outros lugares no Universo.
Essa metaísica numérica vai exercer sua ação e servir de ponto de
reerência cosmológico na ciência do Universo e de suas leis, ao longo
do seu lento processo de desenvolvimento.
Esta nova obra, voltada para a arquitetura e a geometria sagradas,
 prolonga minha refexão, conrontando-a às principais religiões que se-
 pararam e ainda separam o mundo. Veremos como a simbologia numé-
rica revela esse estranho enômeno da vida sacralizada e maniesta, e
como, no curso do tempo, os seres humanos, a m de maniestar sua
espiritualidade, desenvolveram esses símbolos, exprimindo-os em pe-
dras que perduraram até hoje.
Grande parte das religiões antigas se extinguiu, outras novas se
desenvolveram, algumas se miscigenaram com as precedentes. A espi-
ritualidade, a única dimensão essencial, sobreviveu a todos os acasos da
história. Partiremos juntos em busca dessa luz particular, auscultando
as estruturas dos templos antigos e modernos construídos segundo os
 princípios da geometria sagrada, associada à simbologia numérica.
Essa análise mostrou que a mensagem simbólica da geometria e
dos números perdurou no curso dos séculos, transmitidos por uma ca-
deia na qual os companheiros-construtores tiveram uma papel unda-
mental. Rendamos também uma homenagem à civilização árabe que,
 bem antes de nós, desenvolveu essas ciências, e as transmitiu para nós.
A espiritualidade, que oi em todos os tempos portadora de ci-
vilização, se perdeu nos dogmas requentemente estreitos e se encon-
tra hoje, mais em nosso Ocidente, relegada a margem da losoa do
 bem-estar. Desde Descartes, supõe-se que a razão deve explicar tudo.
Felizmente para nossa civilização, se o cartesianismo ez progredir de
maneira incontestável as ciências, ele não explica tudo. O irracional
existe, o acaso e a necessidade nem sempre são capazes de enrentar as
questões essenciais.
*N.T.: Em grego Φειδίας (Phidias).
16 ArquiteturA e GeometriA SAGrAdAS pelo mundo

A inteligência, a beleza e o irracional que governam o Universo


alam incontestavelmente de uma “outra coisa”, de um conceito inde-
nível, de um desconhecido que só podemos perceber.
A espiritualidade precedeu os sistemas religiosos. Ela é tão velha
quanto o ser humano, que um dia levantou os olhos para as estrelas, con-
templou o ogo que lhe azia companhia, compreendeu que uma planta
ou um animal eram dierentes de uma pedra, que os sonhos abriam
caminho a uma outra dimensão. A vida tinha se tornado qualquer coisa
misteriosa, e um espírito devia acompanhar cada coisa. Para onde iam
as almas dos que se oram? Uma esperança em um além misterioso data
da noite dos tempos.
As religiões nasceram dessas questões e todas têm como denomi-
nador comum a expressão da vida e de seus mistérios. O que quer que
se aça, comer consiste em engolir a vida, seja ela animal ou vegetal;
 procriar continua a obra criadora com um gasto de energia incrível. É
suciente pensar no tamanho gigantesco do Universo e na pequenís-
sima expressão da vida nele para medir sua importância ridícula em
tamanho, mas tão grande em valor, sobretudo desde a chegada da es-
 pécie humana que, por sua inteligência, permitiu o despertar de uma
consciência voltada às outras dimensões.
A vida dita “divina” está imersa em todo o Universo? Nós existi-
mos na vida? Por que sua expressão é tão generosa? Por que um gasto
tão grande de energia para maniestá-la?
Já que as religiões se deram o poder de ditar uma conduta, regras,
de impor um sistema de pensamento, de denir Deus, em um contexto
requentemente antropomórco, partamos a seu encontro e tentemos
compreender sua motivação. São elas realmente objeto de revelações?
Se é verdade, por que a mensagem não é a mesma para todos? Por 
que lutar em nome de um Deus de amor? Por que o anatismo? Por que
o poder religioso? As religiões dogmáticas são uma catástroe para o
divino, que se nutre de espiritualidade e não de dogmas?
Após exame das religiões essenciais que dividem entre elas a ideia
que podemos azer de um conceito divino, em associação com seus
templos, proponho uma síntese sob a orma de um Templo ideal , basea-
do em um conceito divino que me recuso a denir.
Esse templo seria edicado com uma arquitetura undada sobre os
números e a geometria sagrada, aberta sobre o mundo dos símbolos que
implica a criação contínua do Universo.
O último capítulo é consagrado ao desenvolvimento dessa ideia,
cujo undamento é de voltar a um mundo onde o reequilíbrio harmo-
prÓloGo 17

nioso da humanidade é de uma urgência absoluta, diante das utopias


monetárias destrutivas que a oprimem. Eu quis agregar minha pedra, se
 podemos utilizar essa metáora, a todas aquelas que participam do que
o uturo da humanidade acha ser sua via ora da violência e da exclusão.
Utopia? Por que não? Como dizia meu avô Joseph: “Quando você
 sonha com alguma coisa, você já tem metade dela e já é o bastante”.
Então, por que não sonhar?
1 – O Universo e a Vida

1.1 – O retorno às origens


Segundo a teoria ísica chamada “modelo padrão”, nosso Univer-
so teria aparecido há 14 bilhões de anos, oriundo de uma conguração
de momento e de lugar não descritível pela ísica atual e que constitui
uma singularidade que se chamou de big bang.
Sem tamanho nem massa, composto de uma energia primordial,
que escapa a toda denição, o Universo já estava completo. Desenvol-
vendo-se ao redor desse centro “nada-origem de tudo”, ele começou sua
 prodigiosa evolução em direção cada vez mais à complexidade, implan-
tando seus raios em todas as dimensões do espaço e do tempo.
Extremamente resumida, a hipótese atualmente aceita pelo mundo
cientíco diz que, em uma ração innitesimal de segundo em nossa
escala de tempo, a matéria e a antimatéria se opuseram em uma luta sem
misericórdia, que nalizou em uma vitória da matéria sobre sua contrá-
ria. A energia primordial gerada por esse confito, como minúsculas lín-
guas de ogo, se transormou em linhas de energia imaterial ou campos
de energia, que se tornaram, após outras interações, os bósons, elétrons
e quarks. Submetidas à ação das três orças undamentais, as primeiras
interações nucleares começaram: a orça nuclear uniu os quarks três a
três em núcleos atômicos (prótons e nêutrons), a orça eletromagnética
 permitiu a orbitação dos elétrons em torno do núcleo, e a orça raca,
responsável pela radioatividade, constituiu os neutrinos. Esse mundo
 pré-atômico obedece às leis das matemáticas ractais.
Mais tarde apareceram os primeiros átomos de hidrogênio e de hélio,
os mais leves, os que iriam, por novas interações, servir para constituir 
– 18 – 
1 – o univerSo e A vidA 19

todos os outros. O tempo, associado ao espaço, tornou-se a quarta di-


mensão de um sistema que se ampliou em se resriando.
A ação da quarta orça que governava o Universo em grande
escala, a orça da gravidade, engendrou no curso do tempo moléculas
cada vez mais complexas e centenas de bilhões de galáxias, contendo
elas mesmas centenas de bilhões de estrelas como o Sol. Mesmo que
seu tamanho seja gigantesco, nosso Universo não tem, nem por isso,
mais massa que na sua origem. Ele continua sua expansão ao mesmo
tempo que diminui sua densidade e temperatura. Apesar das aparên-
cias, esse gigantesco universo “vazio” é então uma ilusão, o que vai ao
encontro do que já armava a tradição védica milhares de anos antes
de nossa era.
A história do nosso Universo é detalhada pelos astroísicos que
souberam azer matematicamente um modelo dessa maquinaria gigan-
tesca e explicaram como apareceram os átomos cada vez maiores, cons-
tituindo os planetas telúricos, sobre os quais ia se maniestar a vida,
sob as múltiplas ormas de existência que conhecemos. As teorias da
relatividade e da mecânica quântica respondem a essas interrogações
na espera de uma teoria que una os dois aspectos do Universo, o do in-
nitamente grande das galáxias e o do innitamente pequeno do mundo
subatômico. Não está excluído que outras teorias venham um dia inva-
lidar o que conhecemos hoje de uma ínma parte de nosso Universo.
A Natureza subatômica da matéria é um mundo de vacuidade e
de ilusões. Bilhões de partículas provenientes do espaço atravessam de
lado a lado nosso planeta e mesmo nós, sem encontrar o menor obstá-
culo, de tanto que somos “vazios”! A palavra “vazio” deve ser tomada
 pelo senso relativo do termo, que está em contradição com a armação
de que “o vazio não existe”. Se um único átomo subsiste por quilôme-
tro cúbico de espaço, isso é suuciente para dizer que o vazio não existe.
Se um átomo tivesse o tamanho de uma esera de 50 metros de
diâmetro, seu núcleo não teria um tamanho maior que um grão de sal
e seus elétrons turbilhonariam ao redor dele, como grãos de poeira.
Esse átomo é imaterial, eito de interações energéticas e que ocupa um
espaço com múltiplas “dimensões”, que não têm nada a ver com o sen-
tido comum dado a essa palavra. Pela pequenez de seu tamanho e pela
velocidade que o az circular ao redor de seu centro, o elétron está em
todo lugar e em lugar nenhum. Esse espaço tão particular e que escapa
à nossa inteligência organizada sobre um modo antropomórco equivo-
cado, que reduz tudo ao ser humano e a seus sistemas de reerência, é
explicado pela mecânica quântica.
20 ArquiteturA e GeometriA SAGrAdAS pelo mundo

A matéria sólida que consitui o que nomeamos a química das par-


tículas começa quando os átomos interagem, constituindo as moléculas
de ormas geométricas que se combinam entre si de múltiplas maneiras,
criando bilhões de átomos. Assim se constitui o mundo “inerte” dos
minerais, seguido das células vivas. No início independentes, as células
vão constituir estruturas cada vez mais complexas, compostas elas mes-
mas de bilhões de moléculas, até que surja o chamado mundo dos vivos.
A análise da “coisa” estranha chamada luz, originada da noite dos
tempos sob suas múltiplas requências, conta como uma máquina do
tempo a história cósmica das origens até nossos dias. Pelos vestígios de
ondas criadas na origem do Universo, a inteligência humana oi capaz
de penetrar em uma parte dos mistérios do Cosmos e veio a compreen-
der como tudo isso se organizou.
Mas por que um universo tão gigantesco oi construído? Por que
esperar dez bilhões de anos para se maniestar a vida?  Por que o ser 
humano e sua consciência apareceram no m desse processo incrível?
Um big bang saindo do nada tem uma explicação? Como o nada
 pôde gerar o tudo, sem desequilíbrio?
Se as palavras “antimatéria”, “antipartícula”, “acaso”, “necessi-
dade” azem parte do vocabulário cientíco, é anticientíco alar de
antiuniverso, antitempo, antigravidade, antiacaso, antinecessidade?
Se um universo e um antiuniverso se sobrepõem em pereito equi-
líbrio, há uma aniquilação de um pelo outro e tudo desaparece.  Para
existir, é então necessário que esses dois sistemas não possam se so-
brepor ou sejam ligeiramente deasados dentro do espaço-tempo, ou
ainda que haja um desequilíbrio entre os dois mundos, permitindo a
uma das ases sair vencedora dessa guerra ratricida. Isso induz a uma
intervenção de uma orça ou vontade exterior ao sistema? Parece que o
acaso e a necessidade são incapazes, sozinhos, de trazer uma resposta
satisatória a essa interrogação.
A ciência busca sempre mais proundamente no innitamente pe-
queno para resolver esse dilema. Falamos então do big bang como uma
“singularidade” que escapa a todas as leis conhecidas, tanto como os
 buracos negros, outra singularidade, que poderia ser o reio da expan-
são do Universo e um retorno em direção a um big crunch,* ponto de
 partida para um novo ciclo, um novo big bang .
Desde Einstein, sabe-se que o espaço-tempo é curvo. A imensidão
do Universo lembra um balão de ar que se infa. Nesse espaço-tempo
*N.T.: Teoria segundo a qual o Universo, no uturo, começará a contrair-se até entrar em
colapso
1 – o univerSo e A vidA 21

relativo, quando o volume do Universo tende ao innito, a curvatura de


sua superície e sua densidade tendem a chegar ao zero. Para justicar 
uma singularidade como um buraco negro, é necessário que em certos
lugares desse espaço-tempo o comportamento do Universo se inverta e
que buracos se ormem com uma curvatura tendendo em direção ao in-
nito, encaminhando a matéria para uma densidade que também tende
a esse limite. Esse processo inverso encontraria as condições primor-
diais das origens, provavelmente enraquecidas pela entropia.
Se os buracos negros encontrados no espaço no seio das galáxias
são detectáveis, por que não existiriam buracos negros no cerne do áto-
mo? Para que o sistema que em equilíbrio, deve-se considerar que
simultaneamente mundos se açam enquanto outros se desaçam?
Essas hipóteses pseudocientícas partem de um reerencial nada,
indo em direção a um tudo, e voltando para o nada. Nesse mundo não
nos reerimos ao nulo que pertence a um sistema binário, que se opõe
ao real, do qual az parte o nada. Nulo e real são, na denição binária,
como o “há” que se opõe ao “não há”. A origem do mundo no qual
vivemos não é dessa maneira oriunda do nulo, mas do nada, o que é
undamentalmente dierente.
Por outro lado, o ser (real) ou o não ser (o nulo) participam de
dois universos opostos, que só podem maniestar alguma coisa se es-
tiverem separados um do outro no espaço-tempo multidimensional
descrito mais acima ou ser submetidos a uma realidade que escapa ao
conhecimento.
O tempo é em si enigmático, onipresente e relativo. Ele liga todas
as coisas no Universo. As teorias da relatividade de Einstein nos ensi-
nam que, ligado ao espaço, o tempo não é linear, ele muda de escala no
espaço, adota curvas muito variáveis que a gravidade lhe impõe. Quan-
do próximas das singularidades do Universo, as leis clássicas da ísica
 perdem toda a validade, a ísica e a metaísica se unem.
Outro aspecto deve ser posto em evidência. Trata-se do princípio
da entropia, relativo a uma lenta degradação da energia. Essa degra-
dação transorma lentamente a nobre “energia pura” das origens em
energia eletromagnética, mecânica, química, para terminar em calor.
Esse último estágio da degradação induz um desgaste do Universo e a
aniquilação do sistema a longo prazo. A menos que um antiuniverso,
em sistema paralelo, regenere o todo por uma “sintropia”?*
Quanta ambiguidade! Quantas coisas desconhecidas!
*N.T.: Sintropia, entropia negativa ou negentropia é a medida da organização de um siste-
ma, teoria simetricamente oposta à entropia.
22 ArquiteturA e GeometriA SAGrAdAS pelo mundo

1.2 – A vida
Se querer penetrar o mistério das origens do Universo é impor-
tante para o intelecto humano, há um outro enômeno undamental que
também o é. Ele tem como nome “a vida”, que gera a multidão de cria-
turas vivas e de seres pensantes que lá estão como testemunhas. Sem
a vida e suas maniestações, este imenso Universo seria “totalmente
outro”, pois nossa consciência não participaria dele.
Provavelmente presente em outros lugares na imensidão do Uni-
verso, a vida se maniestou bem tardiamente no único planeta hospita-
leiro de nosso sistema solar. A origem da vida é tão misteriosa quanto a
transormação da energia undamental em quarks, depois em partículas,
em átomos, em moléculas, em células cada vez mais complexas consti-
tuídas de bilhões de átomos.
Somos eitos da “poeira das estrelas”, reunidas de centenas de bi-
lhões de bilhões de partículas. A árvore da vida que gerou milhões de
espécies dierentes evoluiu, segundo a lógica própria do sistema, do
mais simples ao mais complexo, começando pela reunião das molécu-
las de carbono, de azoto, de enzimas e de proteínas, segundo um plano
 programado por uma estrutura bem misteriosa chamada DNA, que se
enrola no seio de cada uma de nossas células em uma longa cadeia com-
 posta de bilhões de átomos.
O DNA domina as proteínas, mas só unciona através das proteí-
nas. Quem precedeu ao outro na escala da evolução?
As bases que constituem os cromossomos carregam o código ge-
nético das espécies vivas. Todo o restante do DNA (bilhões de bases)
 parece inútil, de qualquer orma inexplicado até o momento.
Como já evoquei abundantemente em meu livro anterior, parece
que esse “restante” seja organizado segundo um ritmo correspondente
aos números da série de Fibonacci, que conduz ao número de ouro; esse
“restante”, ainda desconhecido, poderia então, já que está em relação
com o número da vida, ser muito útil e explicar certos enômenos elé-
tricos próprios ao seu desenvolvimento.5
Da mesma maneira que para o Universo, a origem da vida escapa
à razão cartesiana. Um processo tão sosticado e de uma inteligência
tamanha somente pode nos espantar. Embora a ciência imagine cená-
rios que deixam à Natureza o cuidado de reunir bilhões de moléculas,
até encontrar algo que uncione, nós somos obrigados a constatar que,
mesmo utilizando bilhões de anos, esse processo não explica como

5. PEREZ, Jean-Claude,  L’ADN décrypté. Marco Pietteur, 1997.

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