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INFÂNCIA, CRIANÇA E EDUCAÇÃO INFANTIL, AS CONCEPÇÕES

DOS PROFESSORES DO MUNICIPIO DE PARANAGUÁ – UM


ESTUDO DE CASO

MARAFON, Danielle1 - UNESPAR-Paranaguá

FREIRE, Tamy Niwa Mattos2 - UNESPAR-Paranaguá

Grupo de trabalho – Educação da Infância


Agência financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Este artigo tem por objetivo apresentar os resultados obtidos em uma pesquisa de iniciação
cientifica e que tornou-se um trabalho de conclusão de curso, realizada na Universidade
Estadual do Paraná- Campus Paranaguá. Nossa intenção foi realizar um estudo com os
professores da educação infantil do município de Paranaguá- litoral do Paraná. A proposta
inicial foi de compreender qual a representação do conceito de infância, criança e Educação
Infantil presente nas concepções dos professores de alguns Centros Municipais de Educação
Infantil, nesse momento da pesquisa, utilizou o conceito de representação em Bourdieu
(1996). Entendemos que para compreender o significado atribuído à infância, devemos nos
situar historicamente, para isso fizemos uma espécie de história da infância, ou seja,
buscamos entender como as crianças eram representadas em diferentes períodos históricos,
deste modo, percebemos que a infância é fruto dessas realidades sociais. O significado de
criança é dado pela representação que o adulto tem sobre ela, em seus aspectos sociais,
culturais, psicológicos e biológicos. No entanto, entendemos que os professores que fizeram
parte de nossa pesquisa, tem em suas concepções uma criança biológica ou psicológica,
negando seus outros aspectos. A Educação Infantil passa a ser um espaço de cuidado e
educação, muitas das concepções apresentadas, nos remetem a uma escola para pequenos e
outras um local de cuidados básicos, sendo negada a função da Educação Infantil que é de
educar e cuidar concomitantemente. Nesse sentido que nossa pesquisa, buscou compreender,
nas concepções sobre a infância, criança e Educação Infantil dos professores do município de
Paranaguá-Pr, como são pensadas e redimensionadas as práticas no interior dos centros de
educação infantil.

1
Doutora e Mestre em Educação pela PUCPR. Especialista em Pedagogia Escolar, Graduada em Pedagogia e
graduanda em Letras Português-Espanhol. Professora adjunta do curso de pedagogia da Universidade Estadual
do Paraná – Campus Paranaguá. E-mail:danielle.marafon@fafipar.br
2
Pós-Graduanda em Educação: Gestão e Organização do Trabalho Pedagógico na Educação infantil e Anos
Iniciais do Ensino Fundamental da Universidade Estadual do Paraná – Campus Paranaguá. E-mail:
tamyniwa@gmail.com
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Palavras-chave: Concepção. Infância. Educação Infantil. Criança.

Introdução

Nossa pesquisa teve inicio durante o projeto de iniciação científica 2011, financiado
pela Fundação Araucária e do grupo de estudos sobre infância e história da infância, em meio
as leituras feitas em documentos oficiais e literatura especifica da área, nos levou a buscar o
entendimento sobre a questão da infância, criança e Educação Infantil, não mas no contexto
nacional, mas sim no contexto local, ou seja, em Paranaguá.
Entender essa concepção nos proporciona compreender as práticas realizadas no
interior dos centros municipais de educação infantil, como bem sabemos, segundo a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, 9394/96 em seu artigo 29 que:

A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o


desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade. (BRASIL, 1996).

A LDB garante a finalidade da Educação Infantil, mas devemos pensar em qual a


infância temos e qual infância queremos, para então sermos democráticos e éticos com a
educação da criança pequena, levando em consideração a especificidade familiar, cultural e
local, bem como a importância dessa etapa de ensino.
Ao longo do tempo, a concepção sobre a criança e infância foi se modificando de
acordo com a sociedade e a época na qual a criança estava inserida. A ideia de criança que se
tinha no século XIX não é a mesma que prevalece nos tempos atuais. Dessa maneira,
devemos levar em conta que com o passar dos anos, esta concepção se modificou até chegar
ao que se entende hoje por infância.
Assim, quando falamos em infância na atualidade, não podemos analisá-la somente
como um ser biológico, que passa pelas faixas etárias definidas e deixá-la fora do enfoque
histórico, cultural e social, pois as diferentes visões em torno da criança contribuíram para sua
condição atual.
A infância que antes era vista como um processo de passagem para a vida adulta,
sendo que o termo “infância”, na etimologia da palavra, significa: “infante – o que (in) não
(fante) fala.” A criança é um ser histórico-social, pois é produtora da sua história, nas palavras
de KUHLMANN JR:
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A criança não escreve sua própria história. A história da criança é uma história sobre
a criança. Ao procurar levar em conta essa fase da vida, caracterizando-a como
realidade distinta do adulto, não podemos esquecer que continuamos adultos
pesquisando e escrevendo sobre elas. (2010, p. 30)

Entendemos que a infância vem se modificando através dos tempos e dos diferentes
contextos sociais, e para interpretar o significado atribuído à infância, deve-se compreender
sua trajetória dentro da história e quais os tratamentos e a relação das crianças com a
sociedade para assim entender o conceito de infância, criança e educação infantil.
Nossa pesquisa se sustenta, em compreender qual a concepção de infância, criança e
Educação Infantil presente no entendimento dos professores de Educação Infantil do
município de Paranaguá, nosso objeto de estudo neste trabalho.
Em Paranaguá litoral do Paraná, os professores da rede municipal de ensino, tem
como base para o trabalho no interior dos Centros de Educação Infantil, um documento
intitulado “Manual da Educação Infantil” que foi elaborado pela Secretaria de Educação do
município.
Esse manual é apresentado às professoras como uma lista de conteúdos a serem
trabalhados, porém não se tem uma concepção pedagógica alicerçada. Os conteúdos são
apresentados de forma breve e genérica, nos parecendo algo que cada professora pode
entender da forma e conhecimento que possuir.
Esse documento se fundamenta no Referencial Curricular da Educação Nacional
Infantil (RCNEI), o qual é objeto de discussão por vários autores, pois no primeiro volume, a
concepção de infância está relacionada à condição social, quer dizer, considera que existem
diferentes infâncias, dependendo da sua classe social, considera também as diferenças
econômicas, culturais, religiosas e as diferenças individuais que estão presentes no universo
infantil. No entanto no segundo e terceiro volume, não enfatizam a concepção apresentada no
primeiro volume, apresentando apenas um caráter descritivo e quase inflexível em que acaba
desconsiderando as especificidades das crianças pequenas.
Assim, chegamos ao tema em questão, pois, como os professores do município de
Paranaguá, entendem o que é infância, criança e Educação Infantil, como tratam das
especificidades locais, as características das crianças e do contexto social a qual estão
inseridas.
Nessa perspectiva, se deu nossa pesquisa, ou seja, analisar quais as concepções de
infância, criança e Educação Infantil dos professores do município, realizando entrevistas em
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cinco Centros Municipais de Educação Infantil em cada extremo da cidade, para verificar e
analisar quais as concepções presentes nas diferentes realidades pesquisadas.
Infância, Criança e Educação infantil, a concepção dos professores do município de
Paranaguá

Para compreender a infância, criança e educação infantil sob a concepção dos


professores de Paranaguá, primeiramente precisamos entender o conceito de criança e
educação infantil, para assim discutir a concepção dos professores à luz da representação
definida por Bourdieu3 e dos estudos a cerca da infância.
Criança conforme o Dicionário da Língua Portuguesa é, “cri.an.ça sf 1 Ser humano
no período da infância. (2009, p. 177)”, partindo dessa definição, podemos perceber que
criança não significa infância, como muitas pessoas pensam, mas a criança vive a infância
(deveria viver) e tem seus direitos assegurados conforme a Constituição Federal de 1988 que
no artigo 227 que diz:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,


com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (CF, p. 132-
133)

Aqui nosso objeto de estudo é a criança pequena, sujeito histórico, cultural, social,
que se insere na Educação Infantil, ou seja, crianças de 0 a 5 anos. Segundo KUHLMANN
JR,
É preciso considerar a infância como uma condição da criança. O conjunto de
experiências vividas por elas em diferentes lugares históricos, geográficos e sociais é
muito mais que uma representação dos adultos sobre essa fase da vida. É preciso
conhecer as representações da infância e considerar as crianças concretas, localizá-
las nas relações sociais, etc., reconhecê-las produtoras da história. (2010, p.30)

Para tanto, a história da infância, nos proporciona entender a criança como sujeito
que está na história e que faz parte dessa história, como salienta KUHLMANN JR,

Pensar a criança na história significa considerá-la como sujeito histórico, e isso


requer compreender o que se entende por sujeito histórico. Para tanto, é importante
perceber que as crianças concretas, na sua materialidade, no seu nascer, no seu viver
ou morrer, expressam a inevitabilidade da história e nela se fazem presentes nos seus
mais diferentes momentos. ( 2010, p. 31)

3
Pierre Bourdieu nasceu em Denguim, França em 1º de agosto de 1930 e morreu em Paris, França em 23 de
janeiro de 2002, foi um importante sociólogo francês.
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Partindo da visão de que a criança é um ser histórico e social, e que na Constituição


Federal de 1988, pela primeira vez na história da educação infantil brasileira, foi garantido o
direito das crianças de 0 a 6 anos frequentarem creches e pré-escolas no artigo 208, inciso IV,
que afirma “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de [...]
atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade” (CF, 1988),
entendemos que esse atendimento podemos ser definido em um sentindo bastante amplo,
envolvendo toda e qualquer forma de educação da criança na família, na comunidade e na
sociedade. Mas, outro significado, mais restrito, refere-se à modalidade específica das
instituições educativas para a criança de 0 a 6 anos de idade.
O conceito de Educação Infantil se modificou do que foi chamado de “educação pré-
escolar”, e que era entendida como todo o atendimento fora da família prestado à crianças que
não frequentavam o que se considerava escola.
A Educação Infantil sofreu várias mudanças; primeiro tinha o caráter familiar de
atendimento à criança pequena, as primeiras denominações das instituições infantis fazem
uma referência a esse aspecto, como o termo francês “creche” que significa manjedoura,
presépio, e o termo italiano “asilo nido” que significa um ninho que abriga.
Depois, passou a ter atendimento assistencialista ou compensatório, em decorrência
da forte industrialização e do grande número de mulheres que deixaram seus lares para
trabalhar nas fábricas.
Somente na década de 90 que a Educação Infantil começou a ter importância, depois
da “promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, que concretizou as
conquistas dos direitos das crianças promulgados pela Constituição.” (OLIVEIRA, 2002,
p.117). E assim,

Esses fatos prepararam o ambiente para a aprovação da nova LDB, Lei 9394/96, que
estabelece a educação infantil como etapa inicial da educação básica, conquista
histórica que tira crianças pequenas pobres de seu confinamento em instituições
vinculadas a órgãos de assistência social. (OLIVEIRA, 2002, p.117).

Em 1998, o Ministério da Educação (MEC) disponibilizou o primeiro documento


curricular nacional para a criança pequena, o Referencial Curricular Nacional de Educação
Infantil (RCNEI) com conteúdos mínimos a serem adotados na prática diária da escola,
tirando assim a especificidade da Educação Infantil.
A discussão que iniciamos como base para a construção do corpo teórico de análise
das concepções de criança e de educação infantil tem como objetivo evidenciar a necessidade
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de estar construindo múltiplos olhares sobre a criança e a infância. Pois, quando falamos de
criança muitas vezes nos deparamos com concepções que desconsideram que os significados
que damos a ela dependem do contexto no qual surge e se desenvolve e também das relações
sociais nos seus aspectos históricos, econômicos, cultural, político, entre outros, que
colaboram para a construção de tais significados e concepções. Como define o Referencial
Curricular Nacional da Educação Infantil:

A concepção de criança é uma noção historicamente construída e consequentemente


vem mudando ao longo dos tempos, não se apresentando de forma homogênea nem
mesmo no interior de uma mesma sociedade e época. Assim é possível que, por
exemplo, em uma mesma cidade existam diferentes maneiras de se considerar as
crianças pequenas dependendo da classe social a qual pertencem do grupo étnico do
qual fazem parte. (RCNEI, vol I, p. 21)

Em relação ao conceito de educação infantil, no Brasil e no mundo, apresenta ao


longo de sua história concepções bastante divergentes sobre sua finalidade social. Até muito
recentemente, o atendimento às crianças de 0 a 6 anos era visto como tendo caráter apenas
médico e assistencial e grande parte dessas instituições nasceram com o objetivo de atender
exclusivamente às crianças de baixa renda. Ao longo do tempo a concepção a educação
infantil foi marcada por características assistencialistas, sem considerar as questões de
cidadania ligadas aos ideais de liberdade e igualdade.
É só a partir da década de 70 que a importância da educação da criança pequena é
reconhecida e as “políticas governamentais começam a, incipientemente, ampliar o
atendimento em especial das crianças de 4 a 6 anos”. (KRAMER, 1989, p. 18). No entanto,
essa educação não está assegurada pela legislação, o que dificulta a expansão da educação
com qualidade. A nova Carta Constitucional reconhece o dever de Estado de oferecer creches
e pré-escolas para todas as crianças de 0 a 6 anos, de modo a garantir, a todos, o direito de
acesso e permanência. Evidentemente proporcionando no interior dessa escola qualidade
necessária para que possa com efetividade beneficiar as crianças. O termo creche e pré-
escolas é, como historicamente este vocabulário foi se definindo.
Segundo KRAMER

Creche e pré-escola, em geral, distinguidas ora pela idade das crianças incluídas nos
programas – a creche se definiria por incluir crianças de 0 a 3 anos e pré-escola de 4
a 6 -, ora pelo seu tipo de funcionamento e pela sua extensão em termos sociais – a
creche se caracteriza por uma atuação diária em (horário integral) e a pré-escola, por
um funcionamento semelhante a escola, em (meio período). Há ainda uma terceira
classificação que diz respeito à vinculação administrativa: a creche se subordinaria,
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assim, a órgãos de caráter médio ou assistencial, e a pré-escola ao sistema


educacional. (1988, p.49).

Com a Lei de Diretrizes de Bases da Educação (9394/96), constituiu-se a Educação


infantil, nível de ensino integrante da primeira etapa da educação básica, composta pelo
Ensino Fundamental obrigatório pelo Ensino Médio.
No entanto, o grande desafio, hoje, da educação infantil é superar a maneira dualista
com que as duas instituições tem sido tratadas: “a creche, em geral, gerida pelos organismos
que cuidam da assistência social, e a pré-escola sob os cuidados, ainda que periféricos, dos
órgãos educacionais” (OLIVEIRA, 2002, p.38).
Esta condição, ao mesmo tempo em que rompe com a tradição assistencialista
presente na área, requer um aprofundamento do debate acerca de quais seriam os modelos de
qualidade para a educação coletiva de crianças pequenas. Porém, para que esse direito se
traduza realmente em melhores oportunidades educacionais para todos e em apoio
significativo às famílias com crianças até seis anos de idade, é preciso que as creches e as pré-
escolas, que agora fazem parte integrante dos sistemas educacionais, garantam um
atendimento de boa qualidade. Neste sentido, a construção de propostas pedagógicas para
creches e pré-escolas levanta a questão da especificidade de sua ação educativa nesse nível de
ensino para promover o desenvolvimento das crianças das diferentes classes sociais. Como
define OLIVEIRA

Pesquisas sobre a aprendizagem e o desenvolvimento infantil revelam que pensar


uma proposta pedagógica para creches e pré-escolas, envolve organizar condições
para que as crianças interajam com adultos e outras crianças em situações variadas,
construindo significações acerca do mundo e de si mesma, enquanto desenvolvem
formas mais complexas de sentir, pensar, e solucionar problemas, em clima de
autonomia e cooperação. (2002, p. 49)

Dessa maneira essas propostas integram-se à concepção de que creches e pré-escolas


devem atender as necessidades das crianças em seu desenvolvimento, e ao mesmo tempo, em
uma atmosfera de gestão coletiva, superar o modelo individualista presente em nossa
sociedade.
Pensar numa Educação Infantil que leve em consideração todos os aspectos da
infância e da criança, é de extrema importância, nesse sentido,

Pouco se exige em termos de conhecimento mais elaborado acerca das funções da


educação infantil e das características sócio-históricas do desenvolvimento das
crianças, bem como em termos do domínio do saber historicamente elaborado a
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respeito das diversas dimensões pelas quais o homem e o mundo podem ser
conhecidos. (OLIVEIRA, 2002, p. 24)

Pensar em uma educação de qualidade, onde o educar venha precedido do cuidar e


ambos aconteçam concomitantemente, cumprindo a função social da Educação Infantil,
requer uma proposta em que se “favoreça a autonomia, a criatividade e a participação das
crianças, de modo a possibilitar a promoção de uma construção compartilhada, seja no meio
familiar ou social.” (SODRÉ, 2007, p. 133).

Representação do conceito de Infância, Criança e Educação Infantil – o que os


professores têm a dizer
Nossa pesquisa foi embasada, no estudo de caso, segundo SEVERINO (2007), a
pesquisa que se concentra no estudo de um caso particular, a coleta dos dados e sua análise se
dão da mesma forma que nas pesquisas de campo. O caso escolhido para a pesquisa deve ser
significativo e bem representativo, de modo a ser apto a fundamentar uma generalização para
situações análogas, autorizando inferências. Tivemos ainda, como técnica de pesquisa a
entrevista não-diretiva, para SEVERINO,
Por meio delas, colhem-se informações dos sujeitos a partir do seu discurso livre. O
entrevistador mantém-se em escuta atenta, registrando todas as informações e só
intervindo discretamente para, eventualmente, estimular o depoente. De preferência,
deve praticar um diálogo descontraído, deixando o informante à vontade para
expressar sem constrangimento suas representações (2007, p. 125).

Nesse sentido, analisamos a fala dos docentes que estão atuando na Educação Infantil
no município de Paranaguá.Essa etapa da nossa pesquisa teve como intuito, perceber em suas
respostas quais as representações das concepções de infância, criança e Educação Infantil.
Primeiramente para entender a ideia de representação social, devemos compreender o
que significa, assim, faremos na perspectiva de Bourdieu, para esse autor, as representações
sempre são determinadas por quem as elabora, partindo de seus próprios interesses, deixando
de ser um discurso neutro e que tende a impor determinadas visões de mundo.
Nas palavras de BOURDIEU:

[...] o poder de impor uma visão de mundo social através dos princípios de di-visão
que, tão logo se impõem ao conjunto de um grupo, estabelecem o sentido e o
consenso sobre o sentido, em particular sobre a identidade e a unidade do grupo, que
está na raiz da realidade da unidade e da identidade do grupo. (1996, p.108)

E ainda,
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[...] os veredictos mais “neutros” da ciência contribuem para modificar o objeto da


ciência: tão logo a questão regional ou nacional se coloca na realidade social, ainda
que seja por obra de uma minoria atuante [...] qualquer enunciado sobre a região
funciona como um argumento que contribui para favorecer ou desfavorecer o acesso
da região ao reconhecimento e, por essa via, à existência. (1996, p. 113, grifo do
autor)

Nossa análise teve inicio a partir de analise amiúde, da forma como o documento
intitulado “Manual da Educação Infantil” da Prefeitura Municipal de Paranaguá apresenta a
concepção de infância, percebemos uma ênfase a orientação e a utilização do Referencial
Curricular da Educação Infantil (RCNEI) para a construção do documento analisado.
A partir disso, perguntamos às professoras de diferentes Centros Municipais de
Educação Infantil (CMEI): “O que você entende por Infância? O que você entende por
criança? E o que você entende por Educação Infantil?”.
Quando perguntamos “O que você entende por infância?”, a maioria dos professores
entrevistados mostra a mesma concepção de infância e criança. Os depoimentos deixam
evidente que a infância e a criança são tratadas como seres em desenvolvimento biológico e
psicológico, que prioriza o desenvolvimento físico e psicológico da criança,

“Infância é a melhor fase da criança é um período que ela aproveita a vida sem
precisar se preocupar. Deveria ser a fase da diversão e do lazer com a família, mas
também da educação, socialização, construção e do desenvolvimento de suas
potencialidades.” (professora A)

“Infância é a fase mais linda da vida onde a criança vive o mundo imaginário,
tentando compreender o mundo real. É um período em que se faz necessário a
criança ser ensinada, acompanhada e trabalhada com muito amor.” (professora B)

“Infância é uma fase que costumo chamar de “sem preocupação", ou seja um ser
puro, sem maldades em qualquer atitude vivenciada.”(professora C)

Essa visão é perceptível ao ler o documento “Manual de Educação Infantil”, em sua


introdução, o qual deixa bem claro que se fundamenta no RCNEI,

O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (Vol.1, Vol.2 e Vol.3),


publicado pelo MEC em 1999, trata como ‘poderoso instrumento de aprendizagem’
e ‘indicador importante para a definição de práticas educativas de qualidade’ a
relação adulto–criança, a quantidade de crianças por turma, o número de objetos,
brinquedos e móveis presentes nas unidades de Educação Infantil (2010, p. 02).

A segunda questão buscava compreender o que as professoras entendem por criança.


Sabemos que esta pergunta desafia várias ciências: psicologia, sociologia, antropologia,
biologia, entre outras. Cada uma oferece suas contribuições a respeito do conceito criança. E a
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junção das muitas e diversas concepções e afirmações, possibilitam construir uma visão
histórica da criança.

“Criança é um ser que desde o nascer precisa de amor e compreensão para o seu
desenvolvimento sadio e para formar a sua personalidade.” (professora A)

“Criança é um ser vivo que nasce e precisa ser adequada a um ambiente que lhe
propicie condições básicas e necessárias para sobrevivência. É um ser puro,
inocente, que não tem noção do certo e errado. Aprende pela imitação do ambiente
em que está inserido.” (professora B)

“Criança - ser humano indefeso e inocente, que necessita de todos os cuidados de


pessoas ditas adultas. Uma prova disso é: que mal uma criança de 03 anos pode
fazer para um adulto. Se a pergunta fosse ao contrário poderíamos citar várias
maldades. Criança ser humano com todo o potencial para aprender a viver em
sociedade, por isso nunca as subestimem.” (professora C)

Essa imagem da criança pura, inocente que precisa de amor e compreensão encontrada
nas falas das professoras, pode ser explicada no viés sociológico e funda-se no mito
romântico, define-se como a idade da pureza, inocência e bondade. Como afirma
SARMENTO “a ideia das crianças como o ‘futuro do mundo’ está frequentemente associada
a uma concepção salvífica que entronca numa crença romântica de bondade infantil” (2007, p.
31), destacamos aqui a criança pré-sociológica.
Quando a professora fala “Aprende pela imitação do ambiente em que está inserido”,
nos remete à concepção de Piaget, em que a criança aprender por meio de modelos já
conhecido.

“Infância é a primeira etapa do desenvolvimento humano, é a fase da imaginação e


da fantasia é um estagio das descobertas e marcada pela formação do caráter.”
(professora A)

“Infância é a fase das vivencias, descobertas, do brincar, é um período mágico onde


tudo se torna fantasia. As crianças conversam com pedra, folha, bonecas, enfim
tudo tem vida, mas também é um período onde os pais devem estar muito presente,
pois á a fase em que a criança precisa conhecer e respeitar seus limites, valores e
também é uma fase onde esta se formando sua personalidade, enfim tudo começa na
infância. Uma boa base é fundamental.” (Professora B)

“Criança no meu ver se resume no brincar, pois é através do brincar que elas
aprendem a se socializar, conviver em grupo, dividir, ganhar e perder, valores esses
que terão um papel central para sua constituição enquanto indivíduo pertencente a
um grupo social.” (professora c)

Estudos provenientes das contribuições da psicologia apresentam em suas teorias


algumas concepções que se fizeram presentes nas respostas das professoras, dando ênfase ao
brincar, a convivência em grupo, imaginação, fantasia e a socialização. Como define
KRAMER:
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Do ponto de vista da psicomotricidade, entendemos que as crianças precisam


expandir seus movimentos, explorando seu corpo e o espaço físico, de forma a terem
um crescimento sadio.
Aqui é necessário ressaltar que não valorizamos a execução mecânica do exercício
motor pelo simples exercício: é através da realização das atividades cotidianas, e em
função de objetivos determinados (como, por exemplo, construir um boneco,
realizar um jogo, desenhar uma história, fazer bolos de área e água etc.), que a
motricidade é desenvolvida. (1989, p. 21).

A terceira pergunta busca compreender o que as professoras entendem por Educação


Infantil. Destacamos as seguintes respostas:

“A educação infantil é a primeira etapa da vida escolar, é um espaço privilegiado


de aprendizagem para a pequena infância, tanto psicossocial quanto cognitiva e
afetiva, pois nele a criança aprende interagindo com outras crianças e com os
educadores adultos. No entanto, esse processo de aprendizagem não deve ser
confundido com processo de escolarização aqui as crianças aprendem a
socialização.”(professora A)

“Educação infantil – fase escolar conquistada com sacrifícios históricos,


reconhecida a muito pouco tempo, mas nunca valorizada. É a etapa mais
importante, pois é aqui que se trabalha com o desenvolvimento integral de seres
humanos, na fase inicial de suas vidas.” (professora B)

“Educação infantil é um ambiente onde as crianças aprendem a conviver com o


próximo, se desenvolvem em seus aspectos sociais, físicos e cognitivos. E o que não
podemos esquecer que não cabe para os CMEis a alfabetização, aqui é um espaço
das atividades lúdicas, onde as crianças aprendem a brincar e se expressar das
mais variadas formas, utilizando linguagens variadas para se comunicarem. E nós
fazemos de tudo para que a criança se sinta bem e feliz.”(professora C)

Pudemos constatar que a Lei 9394/96 esta presente na maioria das falas das
professoras. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação que define a educação infantil como
primeira etapa da educação básica e atribui a ela “como finalidade o desenvolvimento integral
da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social
complementando a ação da família e da comunidade,” (art. 29).
A Educação Infantil como um local que propicie o desenvolvimento social,
favorecendo no processo de interação social aparece no discurso dos documentos que falam
sobre a Educação Infantil, contudo, aparece como um discurso permeado de representações
visto o tamanho distanciamento do que está escrito no papel, com a realidade nos Centros de
Educação Infantil. O professor (a) sem saber, incorpora esse discurso, um exemplo disso,
estão as respostas analisadas acima.
Nas creches e pré-escolas, não acontece o processo de escolarização, aí está o grande
debate em torno da Educação Infantil, nas palavras de KUHLMANN JR., “Olhávamos para o
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cotidiano das creches e ali víamos – como ainda hoje podemos ver em muitas delas – que elas
funcionavam como um depósito de crianças.” (2010, p.180).
Ao analisarmos estas questões, podemos concluir que essas professoras não veem a
criança em sua totalidade, mas como um ser fragmentado, e nos faz refletir sobre qual
infância temos e qual queremos ter, pois não levar em consideração suas especificidades e ter
em mente que as crianças são todas iguais, aponta que só existe uma única infância, quando
na verdade existem várias infâncias.
Devemos ser democráticos e éticos com a educação da criança pequena, levando em
consideração a especificidade familiar, cultural e local, bem como a importância dessa etapa
de ensino e estar atentos às concepções que nossos educadores têm a esse respeito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo como base o levantamento bibliográfico realizada nesta pesquisa, percebemos


como a infância que conhecemos foi historicamente concebida. A infância deixou de ser
invisível, passando a ser o centro das atenções e a criança passou a ser vista como um ser que
possui seus direitos e identidade própria.
De acordo com o que foi pesquisado, a criança é a representação da sociedade. Eram
vistos como adulto em miniatura, vestindo-se com roupas de adultos e sendo tratadas pelos
padrões dos adultos. Isso perdurou até Rousseau, pois ele foi o primeiro a considerar a criança
diferente do adulto.
Nessa perspectiva, fomos levados a nos perguntar como essas concepções se inserem
na realidade do município de Paranaguá, e o que os professores que atuam nos Centros de
Educação Infantil deste município dizem a respeito dessas concepções.
Como foi exposto, a maioria dos professores que participaram da pesquisa, entendem
como concepção de infância e criança somente os aspectos psicológicos e biológicos, marcada
pelas modificações físicas e pelo desenvolvimento da criança. Sabemos que a infância e a
criança não se resumem a fatores biológicos e psicológicos, mas fazem parte de um contexto
sócio-histórico, a qual se deve levar em consideração a criança como produtora de cultura.
Quando foi colocada em questão o que se entende por Educação Infantil, percebemos
na fala dos professores, a representação da Educação Infantil, por meio de um discurso que
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está contido na Lei de Diretrizes e Bases para a Educação e no Referencial Curricular


Nacional para a Educação Infantil como concepção. A Educação Infantil, nesses termos
resume aos cuidados sobre higiene e cuidados físicos, a Educação Infantil não é somente isso,
ela deve contemplar todos os aspectos para o desenvolvimento pleno da criança, devem ter
suas necessidades físicas, cognitivas, psicológicas, sociais e emocionais supridas, enquanto
cidadão, enquanto criança.
Nesse sentido, é perceptível que no município de Paranaguá a concepção de infância,
criança e Educação Infantil está permeada pelo RCNEI, assim, faltando clareza dos
professores em considerar o contexto social onde a criança está inserida e as especificidades
familiares e culturais, que fazem toda a diferença em relação as práticas no interior dos
centros de Educação Infantil.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,


Imprensa Oficial, Brasília: 1998.

_____, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n 9394 de 20 de dezembro de


1996, Brasília.

_____,Ministério da Educação e Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial


Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF v.1, 1998.

BOURDIEU, P. A Economia das trocas linguísticas. São Paulo: EDUSP, 1996.

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