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Equipe de realizagio — Tradugio: Sérgio Joaquim de Almeida Revisos Celso Frces Brocchelto, Joram, Vascon- Alice Gérard A Revolugao Francesa (Mitos © Interprotagses) ‘SUMARIO. CRONOLOGIA PRIMEIRA PARTE: HISTORIA DE UMA HISTORIA (1789-1945) 1 — PAIXOES CONTEMPORANEAS E DEBA- ‘TES ETERNOS (1789-1815) . AAs controvérsias européias sobre o dircito de revolugio 936 — P1988 La Révolution francaise (A. Av- LARD). A. Soret: L’Europe et la Révolution francaise. A. AULARD: Histoire politique de la Ré- volution francaise, J. Jauris: Histoire socialiste de la Révo- lution frangaise (Altima reedigio-1968) G. Savvemint: La Révolution francaise (iltima reedigao-1962), Fundagio dos Annales révolutionnaires (Anais histéricos da Revolusio Francesa desde 1924) © da Sociedade dos Estudos Robespierristas, por Mathiez. Krororkine: La Grande Révolution. Lor Acron: Lectures on the French Revolution. L. Mapeuin: La Révolution francaise. A. Matmiez: La Révolution francaise (Gltima reediga0-1967), P. Gaxorte: La Révolution francaise (altima reediga0-1970), G. Lerenvre: La Révolution francaise altima reediga0-1963). E. Laprousse: La crise de l'économie francaise & la fin de Vancien Régime. D. Gufmin: La lutte des classes sous la I République (reeditado em 1968). K. TaKaHasii: Structure économique de la Révolution bourgeoise. J. Gone A. Sonout: yt: La Grande Nation, Les sans-culottes ~arisiens. GLAS ALR, RD.D.M. RE Ra, R.R. PatMer: The Age of Democratic Revolution. A political history of Europe and America, 1760-1800. A. Connan: The social interpretation of French Revolution, F. Foret e D.Ricuer: La Révoluiion francaise, — Animales historiques de 1a Révolution francaise, — Revue des Deux Mondes. — La Révoh francaise, — Revue historique. PRIMEIRA PARTE: HISTORIA DE UMA HISTORIA poe Pretécio Jo movimento ininterrupto de controvérsias ori do da interpretagio da Revolugio Frances: origem até hoje, constitui por si sé uma ss histrin-se-dedicaestelivro. (Tal histéria se tstreitamente na histria geral que, para nosso objetivo, poderd nas fazer O de ano_de_fundo ios isso, estas discussdes de ft (0 nfo seriam uma disputa_de_palavras, uma logomaquiaf ‘Supomos conhecido, desde 0 inicio, 0 conjunto de fatos que se sucederam na Franca e na Europa, de 1789 a 1799". A matéria-prima de debates de- correntes da propria natureza do fendmeno revolucio~ nério foi dada por esses mesmos fatos. A Revolucio Francesa, como guerra civil e ponto de partida para ab eviravollas © socials, dividiu vio Fentamente, durante geragies, 0 povo francés} Como causa gle guerras de uma nova espécie entre os povos Sarg tc attr tn eae alata ole” 2 Re Est encase 8 Paae abs erg Mts » (Tet tase neniies aiaepeaaai anaes ied tReet AEtee RSIS, da Europa, passou a mobilizar as paixdes nacionalis- tas, Imprevista quanto & sua explosio, desconcertante or seu avango ascendente, podia ser julgada fatal ou ‘pcidental. Tomar, porém, a Revolugéo como um todo feria dar a impressio de estar considerando num mes- mmo plano “93” © “89”: 0 Governo revolucionério, 0 Terror e a democracia popular dos sans-culottes pari- sienses, pela mesma razdo que a monarquia constitu- cional e censitéria de 1970, seriam a garantia das grandes conquistas liberais da burguesia. Como um todo ou em partes, a Revolugio deveria ser lembrada em {odas as lutas politicas contemporiineas. ~ Para seguirmos concretamente, na atualidade, a evolugdo das perspectivas a respeito da Revolugio Francesa, € precjso que vejamos também o curso ulte- tior da Histrial ‘Por exemplo, as ees ovalclent rias dos secs. XIX ¢ XX projetaram sobre elas vivas luzes... a0 reavivar os ardores partidérios de um Taine apés a Comuna de Paris, de um Mathiez por ccasiio de Revolucio Bolchevista, Isso equivale a dizer que a razio histérica entra em chogue com os imperativos da ago, com os enle- vos do coragio e da imaginacio ao tentar reconstituir lentamente um passado ainda vivo e atual. Foi uma conquista dificil o estudo critico da Revolucdo Francesa, Apenas em fins do século XIX a Revolucdo passou a ser interpretada também por pesquisadores especia- lizados, valendo-se de mtodos risorosos. Até 14, fora interpretada por historiadores de ocasiéo (Michelet é uma excegio), politicos, publictétios, filésofos ou poetas. A histéria erudita nio afastou, no entanto, todos 08. mitos, se entendermos como tais nao s6 lendas e falsidades ficeis de refutar mas uma visio global ¢ transfigurada, mais viva por deitar raizes no subcons- ciente © cotresponder a uma necessidade de crer para agit. Em tal sentido — que se tornou clissico desde G. Sorel — 0 mito esté a prineipio na propria Revo- lucdo, antes de se yer inscrito na mentalidade coletiva, Alguns historiadores como G. Lefebvre mostraram a esperanga imensa que 0 aniincio da convocagio dos Bstados-Gerais despertou no povo das cidades e do campo: a “boa nova", a expectativa de uma sociedade melhor € mais justa continuardo vivas apesar das de- ‘cepgbes e dario vida as utopias do século XIX. Quer —5¢ Irate dese messianismo social ou do messianismo burgués dos Direitos do Homem, da idéia de Pro- sresso que Ihes € comum ou da mistica contra-revo- luciondria que rejeita todos eles, foram mitos, ligados esse pasado, que_exaltaram as imaginagoes_ as cenergias € agitam_sobre.o futuro... Por isso também, a historia da RevolucdolFrancesa, que nio € apenas a historia escrita mas a hist6ria em aco — a mem6- ria vivida —, é uma parte importante da histéria con- temporinea. 7 | EN TT CAPITULO 1 Paixdes contemporfneas © Debates Eternos (1789-1815) Seria impossive: desviar sua atengdo deste arande ¢ tertivel es, stdeulo, B natural que: rer descobrir suas causas’ com’ um fervor roporcional ¢ tua importéncia,. 1.5. MOUNTER( IROL) As primeitas controvérsias a respeito da Revolu- 10 Francesa, que interferem no curso dos aconteci- mentos, participam da mesma aceleracio. 34 observava Rabaut Saint-Etienne: “Nos tempos extraordinatios, uma opiniio... fortalecida pela contra propaga pelas paixdes. Um ano de guerra faz mais que um século em tempos normals”, Mas, oh de pensamento tm sua inércia propria. "Com isso, cera inevitivel uma defasagem entre os dois fendmenos — um de mulagio sibita, o outro de assimilagio dessa mutagio. Por mais que se utilizassem todos os mecanismos mentais das Luzes, 0 fato revolucionéio permanecia irredutivel_na medida de sua imprevisio, “Antes de 1789, a razio pratica é reformista, Eis por ‘que a Revolucio foi uma surpresa. E um grande acaso que espanta os contemporaineos € nio uma visio do 6 espirito se realizando... A inteligéncia trata da Re- volusao sem 0 conceito' que a Revolugéo vai preci- samente realizar” (M. Guéroult). Todavia, “o pissaro de Minerva", de que Hegel falard, ndo esperou “que o dia findasse para se levan- tar” ¢ faltou aos numerosos autores de Consideracées © Reflexes sobre a Revolucio a capacidade de retro- ceder no tempo. Faltou também a esses historiadores improvisados cultura histérica. © terreno em que se situam_as_primeiras controvérsias € 0 das definicées apriorfsticas_e das referéncias analégicas, dos_{uizos “de valor e das profissies def Apesar de tudo, essa historiografiaprimitiva tem seus méritos préprios frescor de reagies auténticas, valor exemplar de obras- -protétipo que elucidam opcées fundamentais e talvez permanentes. Af tém inicio as tradigées que — enri- quecidas ou desfiguradas durante a caminhada — che- garam a{é nos, trazendo consigo um anacronismo ge- ralmente insuspeitado. A. Aulard, 0 primeiro historiador a pér em pré- tica © retorno as fontes, via nisso, um século depois, casio para uma si operacéo de desoxidagio. Esse cestudo de historiografia eritica, de que podemos apenas colocar as balizas, deveria ser conduzido tema por te- ma (cf., como exemplo, 0 estudo de B. PLONGERO: Le serment de liberté, égalité, genése d'un “complot” de Thistoriographie, em A.H.RF,, 1968) ¢ levando em _conta, em escala européia, a grande diversidade das condi a, sociais,_intelectuais diferentes opsies®. 1. Conctto. aberio « amblavo oda, Revolutio, antes de am tptido rogrestata"e mite de uma. tenhaformasso pla fobretua® esta (para Valsts, gor tempi) seas Pai. IF Bisnacne!” Die Enistehung dee Hlstoriomus, 1996. Reed one a La Se AeA aTTe 1. As controvérsias européias sobre o direito de Revoluctio Os primeiros empregos do neologismo (“‘revolu- gio do género humano”, “primeira revolucio filosé- fica”) indicam que os contempordneos. reagiram de imediato ao cardter totalitario e universitirio dessa Re- volucio sem precedentes que, com sua Declaracao dos Direitos, se referia a toda humanidade pensante. Ao se impor como “um fato filos6fico, modificando a situa cdo da inteligencia” (M. Guéroult), ela veio desenca- dear uma crise da consciéncia européia. Essa foi a tiltima manifestagdo daquela « ‘vilizagao ligada 2 uni- versalidade da lingua francesa « ser_brevemente desar- ticulada com o despertar das nacionalidades. Nessa primeira década, os grandes foccs de reflexiio se encon- tram, de fato, nos pafses estrangeiros mais proximos 5 debates sobre a legitimidade revolucionéria se esta- belecem entre o empirismo britinico-¢ o idealismo-ger— minico, acima da brisa revolucionéria francesa, onde a acio impoe sua lei. Tais debates parecem trazer para o plano da filosofia politica as velhas questoes fem toro do livre-arbitrio, que sio evidentemente pura especulagio. As classes dirigentes européias — unidas contra a burguesia revoluciondria da Franca — geral- mente optardo a favor do dircito contra-revolucionétio. E 0 caso da Inglaterra, ja vivendo sua era industrial, onde as ricas classe média € aristocracia esto dora- vante coligadas — como em 1688, contra o absolu- tismo da realeza — contra um perigo social urbano que parece ser perigosamente encorajado pelos “dias” parisienses. Di-se 0 mesmo com os Estados alemaes, ainda na fase da economia pré-industrial — apavo- rada diante da revolugio agréria da Franga — onde, ‘com excegio dos grandes portos, a burguesia perma- F. Ba.smerenen: Le mouvement d'idées dons Verigration ‘The debate on the french Revolution, 195. A. Reuto: Les prembers hatortens de ta Revolution fron- catie (Estudos ices, 8° etic, 010). nece subordinada aos modelos aristocraticos e ao culto do Estado, a) As “Réflexions sur la Révolution de France”, de Burke O que veio incentivar uma controvérsia sempre atual foi o livro de Burke publicado em outubro de 1790. Foi logo traduzido € reeditado muitas vezes. Ele levava a discusso ao cerne do problema: teré um povo o dircito de mudar_ sua Constituiclo? O que ‘explica 0 éxito dessa obra — 11 edigoes em menos de um ano, na Inglaterra — 6 a personalidade do grande Commoner, a veeméncia dos argumentos com que fun- damentava sua rejei¢do violenta e a aguda atualidade da questo. 4 desde os dias de outubro de 1789 marcados por uma dessacraliza¢io das pessoas reais que escandalizou tantos figis — Burke tinha uma opi- niio formada sobre os “audaciosos experimentadores de uma nova moral”. Essa opiniio € manifestada em seu célebre discurso contra Fox, nas Comunas. Um discurso do Dr. Price, em Londres, no dia 4 de novem- bro de 1789, elogiando a Revolucao Francesa, provo- cou as Réflexions em forma epistolar a um correspon dente francés. Os ingleses, ainda na encruzilhada dos caminhos 4 seguir, viam-se em situagio de optar entre duas con- cepgdes do acontecimento de 1789: continuagao e am- plificagio das revolucGes inglesas do século XVIT — como pensavam, com Price, muitos dissidentes e os radicais — ou revolugo sui generis, suspeita ou detes- tivel. Burke pretendeu provar que, entre as duas revolugées, havia, no uma diferenga de grav, mas de natureza. Uma, prudentemente empirica, se restri lu, que fzetes replandecer apis a bert singh sas feels ange formant se chaos Ingadescente que reduc © Gexpatamo » crsan, aquece & Uuina SFurepe 4 "Sendo, na épeca « Reyolusfo Tagless 0 principal modelo ag comparacio. relaes ms Yersita porte: Restias meses Feeligte” ede na rata cnerareoloe e(ede an, Ferrand) iaspiu'se pare ino es » - © a en nara encima ease Nts RSA AONE SERIES! gira a modificar a heranca dos costumes nacionais. A utra, voltando ao nada, se entusiasmava com 0 desejo de construir algo novo e geométrico: “coisa estranha, sem nome e movida por entusiasmo selvagem Essa interpretagio suave ¢ historicista da Revolu- 0 Inglesa — que Locke, ao ontrério, fundamentara no direito natural universal — dlesemboca também em ’A tese de Bs ka que pecar contra fo espirito € pecar contra a re:lidade: a “metafisica” orgulhosa que nega o passado, @ comunidade dos an- tepassados ¢ a Providéncia que € o seu sustentéculo. B invertendo_o sentido habitul_do-vorabuésio_dss Lazes que ele celebra o culto da Tradicio. Cont pondo "ova berdade da Franga” “nossa. liberd de... méscula, moral e bem regrada”; & razio a priori dos “filésofos.parisienses” a razo experimental “co- Ihida através dos tempos”. Exaltando, como Rousseau, © direito natural e © contrato social, mas, tratando-se do wnico Convenant britanico, Iegado consagrado pelo tempo e incapaz de ser revogado pura e simplesmente. Natureza, Razio, Historia nao passam, entao, de at bbutos da obra do Criador: Deus age ¢ os homens cooperam sob sua direcao, segundo a lei absoluta da continuidade histérica. A logica apaixonada de Burke chega a fazer do relativo absoluto, do empirismo um sistema e a expul- sar da histéria a Revolugio Francesa — em nome da Histéria — por crime de ruptura de contrato. Existem poucas condenagGes to radicals, Todavia, Burke no jonrio”, _uma_vez_que, _nesse_cas0,_ Zo das liberdades inglesas, em nome das quais ndera os Insurretos americanos © permanecia um “antigo” Whig — 0 que muitas vezes escapari aos seuss imitadores, As Réflexions, enquanto exposigdo de princfpios, perduram como obra clissica. Isso nio quer dizer que © tradicionalismo tenha sido todo montado por Burke, que tivera oportunidade de refletir sobre os pensamentos de Arisi6teles, Montesquieu, Herder e, até mesmo, Bou- Jainvilliers. Mas, 0 que melhor veio revelar a Burke suas profundas figagées foi 0 acontecimento de *89 € 0 escndalo sentido. As Réflexions sio, também, a principio, um re- flexo de suas paixdes: 0s argumentos do coracio, 0 senso postico, 0 espirito religioso (brevemente, 0 tinico no velho Burke) s20 tio solicitados quanto a inteligén- cia, Isso abre outras tantas perspectivas, segundo os temperamentos, aos contra-revolucionérios & procura de referéncias Ora, 2 doutrina se apoiava em uma anilise dos dados hist6ricos que continuava sendo répido e super- ficial. “A excomunhao foi expedida antes que houvesse tum exame da causa” (Mackintosh). Sua idéia (inspi- rada pelos emigrados?) de que bastaria uma boa antiga Constituigao Francesa nao passa de fantasia. & decep- cionante © banal sua verséo (retomada de Rivarol?) ‘ respeito das origens da Revolucdo: esta no passaria de uma conspiragdo de filésofos ateus e de “capitalis- tas” desonestos. Nao demoraram a surgir inimeras controvérsias ® AAs reagdes mais célebres foram as de Th. Paine, lider radical (Les Droits de Thome, 1791: critica dessa nogo de Convenant em que os mortos dominam os vivos a cada geracio), ¢ a do escooés MACKINTOSH, representante da ala esquerda dos whigs (Apologie pour la Révolution francaise, 1792). Mas ti adversirio & altura de Burke ¢ ele conseguiu atingir a meta que buscava: a maioria do partido whig passou a seguir uma politica conservadora ¢ declarou guerra sem tréguas & Franca revoluciondria, em nome do pre- cedente criado pela respeitavel revolugio de 1688. Por si $6, 0 livro se constituiu num ato politico e de longo alcance, seja qual for a interpretagdo que se Ihe d — reflexo nacionalista ou demonstragao ideol6gica de um capitalismo em pleno desenvolvimento ameagado fem sua supremacia social ¢ internacional. Do outro anal Gof 9brinde felto pelon savers Londres” “em Sinal de ‘ratio por Raver provecado a efande ieeupilo que ateress, Sdn er fotlgente Wer aa Histor Soeiatste Ge aun a longs ita: dos aposiores de, Burke. Cl inbem’ AA 0, pp dauaT9 ©1955, pp aLY-eT je Juno. ue “isi, em lado do Canal da Mancha coul a esse irlandés, recé -chegado ao mundo britanico, ravelar os ingleses a si ‘mesmos, colocando-os diante J um espelho compla- Cente e confrontando-os com o estilo francés, seu adver- sfrio natural: o jardim inglés e parque a francesa. No continente, as idéias de Burke circularam qui se com a mesma rapidez. No século XIX, elas cons twem o patriménio comum das diversas ideologias tradi cionalistas. De modo especial na Alemanha, onde — apesar de se defrontarem com uma brilhante metafisica do direito natural — conseguiram facilmente um efeito estrondoso € realizaram célebres convers6es. ») 0 idealismo de Kant e suas metamorfoses Em nenhum lugar 0 fato de 1789 foi tio caloro- samente acolhido como do outro lado do Reno. “A Aufklérung, filha de Voltaire, 0 Sturm und Drang, filho de Rousseau”, e especialmente a difusio do kan. tismo j haviam educado o pensamento alemao. “Kant, © mestre do Dever, 0 rochedo do Biltico, se senti comovido” (Michelet). Muitos outros falariio do des- lumbramento que sentiram diante “da espléndida aurora” (Hegel) “dos primeiros raios do novo sol” (Goethe). Alguém acreditou ter chegado o Rechistaat, a cidade do “Bem politico” ¢ da “Paz perpétua”. Ap cado, porém, 2 desconcertante evolugiio da experigncia francesa que alingira a fase das violéncias, 0 critério de Kant — a politica est subordinada ao imperativo moral categ6rico — punha as claras a contradi tre 0 fato e 0 diteito. Uma vez que 0 povo francés se ‘mostrava a tal ponto indigno da liberdade, por imatu- ridade, nfo caberia & Alemanha, disciplinada pela repra de Kant, a missio de instavrar o Vernunftstaat? moralismo integral (cf. Rebmann: “A Franca fracas- sou em sua revolugio por falta de moralidade)” levou mais de um liberal da véspeiu (Schiller, Klopstock, Goerres, Wieland em seu Merctirio alemgo) a esse reflexo nacionalista, to estranho ao pensamento de Kant, que devia ter marcado por tanto tempo a menta- lidade alema, Em 1793 — o ano crucial das grandes retratagies — das fileiras entusiastas do inicio ficaram apenas 0 ardoroso Forster, um dos primeiros adversdrios de Burke no continente (moro em 1794) 8, e 0 velho fildsofo de Koenigsberg, apoiado em Fichte, seu ultimo discipulo. Kant foi, talvez, 0 Gnico a ficar fiel a tomada de posicdo inicial, profundamente idealista. Vista @ priori como simbolo ¢ “testemunbo filos6fico”, a Revolucao Francesa s6 poderia ter “brotado da limpida fonte da Justiga”. Desta forma, o problema da violéncia € evi- tado ¢ deixa-se de considerar os meios com os quais se preparava concretamente o “reinado dos fins”. Nos seus textos publicados em 1793, como também em sua Ultima obra (La querelle des Facultés, 1798), fica confirmada sua tomada de decisio a priori — Hegel Ihe dara o nome de formalismo — que poe a desco- berto, de maneira extremada, a incapacidade dos libe- rais alemies de considerarem a Revolucéo Francesa ‘em termos de praxis. © caso de Fichte € bastante especial. Para ele, ainda nos seus 27 anos, a Revolugio constituiu-se no choque criador decisivo para sua filosofia, “sistema da liberdade” e doutrina de aco. Nio obstante um desen- volvimento aparentemente desconcertante, sua interpre- {ago 6 coerente até o fim e se revela de uma particular ousadia. Ele também nascera no meio do povo e era uum revoltado. Por isso, foi a Convencéo democrética que 0 enchew de entusiasmo e no o fato de °89. Em suas famosas Contributions destinées a rectifier le juge ment du public sur ta révoluion francaise (1793) co- mega exagerando o individualismo de Rousseau e retoma ‘com exagero (contra Rehberg) os argumentos de Paine contra Burke. Em 1796 inicia-se a reviravolta que terminaré com 0 Etat commercial fermé (1801), tido ‘como a expresso econdmica da Revolugio Francesa: §. Cl K, Juumv. La conception de la Révolution chez G. Forster. tim ARE. tes, pp ars, 2 uma _democracia socialista inspirada pelo Contraro social, pelas antecipagées da Convencao ¢ pelolBabovis- mo! No perfodo napolednico, 6 0 pensamento nacional Yfrancés que Fichte tentaré aprender em proveito da | Alemanha, Fichte foi perseguido por erer, qual um profeta, numa revolugio alema total, a exemplo daquela da Franga. Quando 0 anonimato das Contributions foi descoberto, o Berichtiger tomou o lugar de Forster no papel do Jacobino, ainda por cima “ateu", alvo predi- leto da reagio (cf. X. Lfon: Fichte et la société de son temps, 1927). ©) A reag&o tradicionalista na Alemanha Fundamentalmente, em suas principsis manifesta- §6es, cla se inspira em Burke. © empirismo angléfilo foi bem acolhido no Estado de Hanéver, um enclave de civilizagao britfnica em territ6rio alemfo. Enquanto os mestres de Gottingen contrapunham os méritos da Constituigfo Inglesa aos “erros franceses”, os dois mais célebres “Whigs hano- vrianos” adaptavam a li¢do de Burke & situago alema. Em seu primeiro livro (1791), Brandés mostrava-se simpético aos monarquianos. Depois, influenciado por Burke, que era seu amigo, voltou a si: “Avaliem bem © que a Aufklarung conseguiu realizar em nossa patria digam se € preciso 0 exemplo da anarquia da Franca para gostarmos da liberdade e arirmos para ela nossas portas”?, Enquanto isso, Rehnerg, partindo de uma enérgica critica do trabalho da #.siembléia Consttuin elaborava uma doutrina do dite:ty histérico *. Re do as duas grandes correntes do historicismo curopeu — Burke e J, Miser, 0 defensor da fidelidade as tr digdes alemies — Rehberg surge como “o primeizo conservador alemao” (J. Droz). consequences de le Revolution froncaise ond’ séa'rapports avec’ Allemagne (178) 1. Recherches sur ta Revolution francaise (1799) Quem mais propagou, porém, em toda a Alemanha, © pensamento de Burke foiJGentz, um funcionério prus” siano que, tendo, como di de Kant, tecido lou- vores aos fatos de '89, mudou completamente sua posi- Go apés a leitura das Réflexions. Nelas encontrou o melhor antidoto para imunizar seus conterrineos do virus revolucionério. A tradugao que fez a partir de 1793 teve difusdo considerével. Gentz continua sendo, aliés, um politico do século XVII, cosmopolita e prag- matico, aproximando-se bastante de Mallet du Pan, ccujas Considérations sur la Révolution traduziu com 0 ‘mesmo proselitismo. A procura de uma estratégia contra-revolucionéria inteligente, ambos deram origem aq sistema de equilibrio ao qual Metternich dard 0 seu nome. Existe uma grande margem entre esta arte politica esclarecida © 0 “passadismo” roméatico e propriamente reacionério. Tudo que havia de irracional em muitos axiomas de Burke (santificagio da Tradicao: proibigéo de jogar com a Criagéo) deu frutos admirdveis fora do mundo inglés, nos meios pietistas da Alemanha de onde surgiu o Romantismo politico, ‘Novalis ficou para sem- pre marcado pela leitura de Burke: “Muitas obras anti-revoluciondrias foram escritas sobre a Revolusio. Burke escreveu um livro revolucionério contra a Revo- lugao". Passados quinze anos, ele publicava Europe ou la chrétienté (1809), mais um brevidrio da contra- ~revolugao refletindo sua alma romantica e seu sonho de evasio. Se o pensamento de Burke se alimentava com a histéria politica do século XVII inglés, mie das liberdades modernas, 0 de Novalis se inebria com a nostalgia do Santo Império e a poesia mitica de um ppassado, cujos elos de dependéncia ela idealiza. Contra ‘05 mialeficios da Revolugio. Francesa essa “segunda Reforma”, o Romantismo politico alemio apresentaré um remédio magico — 0 refigio na utopia medieval, como uma espécie de inconsciente coletivo: forma extrema, quase delirante e paradoxal, dessa reago em- Pirista que se insurgia, em nome do princfpio da reali- dade, contra a abstracdo revolucionétia © pensamento da Alemanha contemporinea se constituiu, de fato, através dessas “querelas de faculda- des”, cujo centro era ocupado pela Revolugao Francesa. Disso surgiu a consciéncia nacional admiravelmente re- Yoreada, como o “eu” de Fichle que se revela diante [do “nfo-eu”. Se podemos afirmar, de acordo com Marx, que “foi Kant quem escreveu 1 teoria alemi da Revolugio Francesa", € necessirio tambéin que levemos em conta a interpretagdo nacionalista de muitos de seus diseipu- los. A mensagem de Burke, de acordo com sua Iégica, também foi muito germanizada desde Rehberg até Novalis. Mesmo a sintese hegeliana — que fora elabo- rada também a partir daguela grande crise — vive a ‘mesma ambigiiidade. Em seus tltimos cursos na Uni- versidade de Berlim, o velho Hegel, sem se afastar do centusiasmo de sua juventude, provava que a Revolugio fracassara por culpa dos franceses (Hitzkopfe: cabegas quentes) e "o Espirito se mudara para uma outra terra” a Alemanha. Dessa forma, as varias correntes oriun- ddas.dessa_reflexdo tendiam a se juntar num messianis mo-germfnico ainda di Hl. A explicacao teolégica Em meio a todos os debates juridicos e filossficos luca, co ninuavam intactas duas is: por cue e como tal Revolu- Gothic et nunc?\ A tese providencialista possibilitava responder as duas, apresentando, a0 mesmo tempo, a causa instrumental e a causa final. Faltava 36 poder perscruttar os misteriosos caminhos da Providéncia, Havia 0 “modelo” do Apocalipse. Na Alemanha, Jung.Sitlling provava que a Revolugio era a Besta pre- nunciadora da segunda vinda do Messias. © Pe. Wiirtz reforgava mais ainda, com profecias de precisio espan- cortodoxo, havia sobretudo as ricas tradigoes do ilumi- tosa, essa tese. Tais profecias eram por demais pro- curadas pelos emgrados) A margem do catolicismo nismo magénico:, Nesses ambientes, cativados pela % Revoluco, surge bem cedo em Lavater, Cazotte ¢ ‘outros “homens de vontade” a idéia da expiagio reden- tora, Saint-Martin e J. de Maistre dario, com um ano de diferenga, duas interpretagdes bem diversas dessa idéia, Ambas exercero profunda influéncia. Saint-Martin, 0 filésofo desconhecido, “mistico ousado ¢ inocente, um tanto quanto herético” (P. Janet) € 0 autor de Lettres @ un ami sur la Révolution francaise (1794). Essas cartas explicam profusa ¢ santamente o tema do “grande poder” oculto da Pro- vidéncia “palpavel” e “justo”. A Revolugio é “a ima- gem em miniatura do Juizo Final”. De um lado séo punidos os padres, os nobres ¢ os reis, “excrescéncias monstruosas crescendo entre individuos feitos iguais pela Natureza”. Do outro, sero recompensados 0 Povo ¢ (5 discipulos “esse Jean-Jacques que considero um profeta da ordem sensivel”. Se Deus castigou foi apenas para “extirpar abusos tao graves” ¢ preparar os cami- nhos para a Democracia teocrética universal — um milenarismo de cardter progressista * ‘Quando escreveu suas Considérations sur la France (1796), seu primeiro livrof J-de-Maisirg estava ainda entre a franco-magonaria mistica que abragaré para sempre ¢ o ultramontanismo catélico”. Atacando 0 livreto de B.Constant (De la force du gouvernement ‘actuel) que pregava com éxito a unificagdo com o regi- me do Direi6rio, o livro € uma exposigao de “politica natural” tomada em grande parte de Burke (cf. Cap. VII: “A influéncia divina nas constituigdes politicas”, com a célebre critica da Constituigo do ano III). Ao mesmo tempo, é uma teologia visiondria das Revolu- 4gdes a inspirar as passagens mais surpreendentes. Como partidirio de uma monarquia integralmente restaurada regenerada pela teocracia, diferentemente de Saint-Mar- tin, € preciso que ele use uma outra légica dialética 2. CL. também 0 cutjoso lvro de J. Desomen:: La Grande Pérlode ow te Yetour de lige d'or, i180, dedieado nos “Franceses Feteperadon': ema. da comedies, Querida por Bets, entre aa fefolugsen do Comnos'e do “Conetuimos, entio, que Edo io universe revolugto, - 10, Ce A. d'Hosre, J. de M catses RF i910 p88, sre et 1s Révotution tran? peer aire rss AAS ATS ASIEN RA RAE para levar a admitir que a Revolugao Francesa, “flagelo de Deus”, 6 a0 mesmo tempo divina e saténica (teoria da reversibilidade das penas, da heterogeneidade dos tmcios e dos fins). Daf vem a espantosa exaltagio da guerra e do Terror: é no género, a primeira apologia Yo governo revoluciondrio, no momento em que os ter- midorianos the retiravam abertamente sua solidariedade. E também um profetismo irdnico (j4 se nota a idéia hhegeliana das artimanhas da hist6ria) , ao mesmo tempo, reconfortante para a emigragao errante € sofre- dora J.de Maistre estava apenas dando uma forma magistral e dramética a temas que uma literatura de maldigées jé adaptara as proprias regides, especialmente ta Ttdlia cat6tica (cf. 0 poema neodantesco de Monti: Bassvilliana, 1794). Desde 1791, com incentivo da Santa Sé, a doutrina do integrismo era formulada na publicagao dos Diritti dell'uomo 0 pacto social € algo divino; 0 homem ndo tem mais do que deveres. Os meios eclesiésticos adotariam, p>ém, com entusiasmo a tese concorrente da conspiragao. abandonando a me- ILA tese da conspiragio Explicar um acontecimento surpreendente pelas tramas ocultas de uma minoria perversa e poderosa- mente organizada serd sempre uma explicagio cémoda © popular, devido a0 raciocinio deficiente a possibi- lidade infinda Je enredos romanescos. O fendmeno do jacobinismo, misterioso fermento na massa, aumen- ou a credibilidade da hipétese. Bem antes de 1789, tuma obstinada tradigfo associava, com lagos perturba- dores, 0 “filosofismo”, a franco-magonaria, os Jesuitas € até os Templirios, E desde 1789, os titulos seduto- res foram se sucedendo — Les conspirateurs démasqués (Turim, 1790) pelo Conde Ferrand; Le voile levé pour les curiewx ow le secret de la Révolution révélé 0 Vaide de Ia franc-maconnerie, pelo Pe, Lefranc (1791); Les mémoires pour servir a Phistoire de la persécution fran- ‘aise, extensa acusagio contra todas as seitas imaging veis, inspirada por Pio VI. Sem contar 0s panfletos bem sucedidos do poligrafo Montjoie, desmascarando sem trégua as diversas conspiragdes da “hedionda fac- do” jacobina. Nessa mesma época, na Alemanha, a questéo do iluminismo tomava conta da opinigo péblica. Guiados por tedlogos Iuteranos, alguns pretenderam ver nessa seita mag6nica, completamente extinta em 1789, a vi instigadora de uma conspiracio universal da qual os jacobinos franceses teriam sido apenas os agentes subal- ternos, Esta campanha violenta caluniosa, que teve em Fichte sua vitima mais importante, foi alentada por revistas tais como a Eudemonia, 0 6rgio reacionério mais poderoso da Alemanha nos anos revoluciondrios. A lenda do iluminismo prosseguiria seu caminho pelo século XIX; teve ‘a mesma sorte da lenda de Tréia ou de Rolando”. A sintese dessas questies excitantes foi feita por uum especialista comprovado, o Pe, Barruel, com a pu- blicagio de suas Mémoires pour servir a histoire die Jacobinisme (Hamburgo, 1797-1799). Tal sintese foi tida como definitiva. Em trés grossos volumes de com- pilagio, esse agressivo jesuita desenvolvia uma mistura de légica e de imaginagio rocambolesca para lembrar (os “‘horrendos mistérios” da triplice conspiragao cuja coalizio dera origem a “seita devoradora” dos jacobinos. Una ago preparada ha muito tempo. Barruel se de- dica, entio, a um estudo curioso do pré-jacobinismo, onde encaixa todas as heresias da Idade Média — ¢ aproveita para manifestar suas esperancas de uma nova Inquisi¢io. Este apanhado ficou sendo um dos best- -sellers da historiografia revoluciondria, especialmente apés ser publicado em formato de Compéndio. Burke afirmou que essa obra “tornar-se-ia notvel na hist6ria dos homens...” 31. CE J. Dros, La Migende du complot iluministe ot ex corigines gu” romanitzme “politique ea "Allemagne, Rif, "1961, Dprsia-aah A°reapelto ‘do! mecshismo.palcalowico que oFtginot RP tese da conspiracio “e.‘seu sucesod. ct Mt Beroomneaox, fem AMER, 108, Gomplot “magon A tese da conspiragio tinha a vantagem de for- necer bodes expiatérios, de se apresentar como neces- séria e suficiente (cf, os titulos do Pe. ProvaRt, Tableau des causes nécessitantes..., do cavaleiro de Mare Recherches... dévoilant Cunique cause de la Révolu- tion). Enquanto o provide Wa 30 qui mo. .. ela mobilizava a vigilancia contra-revolucionéria. Barruel esconjurava todos os pafses da Europa a escutd- Jo uma vez que a Franga permanecia “fechada como 0 Inferno”. Na Inglaterra, pressionada pela opinifo pi- blica, a Camara dos Comuns criou uma comissio para ‘um inguérito sobre essa conspiracdo européia, anuncia- a pelo livro de J. Robison (Prewves de conspiration contre toutes les religions et tous les souverains, 1798). Era ficil, também, ridicvlarizita, como o fizeram Rebmann, na Alemanha, e Mounier especialmente, exi- lado em Weimar (De Uinfluence attribuée aux philoso- hes, francs-macons et illuminés sur la Révolution de France, 1801). © parecer bem sensato de Mounier ‘Cem lugar de causas bem complicadas apresentaram ccausas simples, ao alcance das mentes mais preguigosas © mais superficiais”) foi partlhado por todos que bus- cava uma explicagio mais profunda, reagindo justa- mente contra a pobreza da tese da conspiragio, 1S tentativas histéricas: IV. Primei ie A “forca das cols As primeiras Hist6rias t@m em comum a tomada de posi¢io @ priori © 0 desprezo pelos documentos. Toulongeon € 0 Gnico que secorreu as fontes: tanto © publico como os autores se apdian nas Memdrias publicadas a partir de 1795. As referéncias & historia da Antiguidade, levadas ao absurdo no Essai sur les Révolutions de Chateaubriand (1797), lutam por télo 420 seu lado na velha tese das liberdades germanicas, Mably — que sobre esse assunto apresentou uma ‘verso democrética que se torou muito popular — alimenta rapidamente a polémica do Terceiro Estado contra a aristocracia dos conquistadores, de Sicyds'? a Thouret, precursor de A. Thierry (Abrépé des révo- lutions de ancien gouvernement francais, 1800). iocinios através de analogias pseudo-his- apazes de abranger o fendmeno em toda a sua extensio, Para os mais esclarecidos resta, entdo, recorrer a0 fatwm — “a fatalidade com que Técito € 08 antigos historiadores procuram explicar os grandes acontecimentes” (S. de Meilhan) — a que os ho- mens da Revolugio dio o nome de “forca das coisas” Isso niio passa de uma confissio de incapacidade. Tal forga, que mesmo sendo imanente néo deixa de ser extra-humana, é invocada como um ser metafisico. Mallet du Pan fala vérias vezes aos emigrados — que se mostravam bem inclinados a subestimar 0 perigo — da “natureza imperativa das coisas, do curso fatal dos acontecimentos”. Nem mesmo Toulongeon ow Chateaubriand, que aceitam uma espécie de lei cictica das revolugGes, inevitiveis tanto na ordem social quan- to na ordem fisica, vio além de uma definigio de cordem tautolégica. Tso jé era intuigdo de uma realidade complexa, mais objeto de estudo que de acusagdes. Encontramos aia explicacao da relativa serenidade desses observa- ores, quer se trate de Rabaut Saint-Etienne, Bamave € Condorcet que, como Saint-Just, tombardo como vitimas dessa mesma “forga das coisas” que haviam enaltecido. .., quer se trate de espiritos que continua- ram independentes no meio da emigragio, como Mallet du Pan © Chateaubriand, que dedicava seu Essai ‘a todos os partidos”..., quer se trate, ainda de um homem de posi¢io intermedidria como Toulongeon, desenvolvendo uma teoria da fungio social da historia, ‘mediadora entre as posigées.extremas. Aina somos ineapazes de analisar 0s componen- tes dessa forga das coisas e a perspectiva geral € com- 12 "Por que (o Terceio) nfo manda de volta para as floresias Ge Franebnia todas” eas, amil ‘masta “a Tosca pretense ever escendentes da. tact" dos congulsta ‘Sores herdelras‘Ge'seur direitos Assn a, creo Tapio" pederdse cansolor eon 0 fato de. ser ebriguda, are Juieareobaiuldg apense por descendentes dow gnuletes @ dos Fomanos"" duestce que te Tiers-etat? 170), pletamente idealista. & 0 que Condorcet demonstra muito bem em seu Esquisse d'un tableau historique. © Précis historique (1792) de Rabaut Saint-Etienne dirigido, sem divida, contra Burke traz. jé todo 0 es- }}quema de explicagio a ser apresentada pela historio- | grafia liberal da Restauragio. A esse respeito, Barnave s¢ constitui uma surpre- endente excecio. Sua Introdistion a la Révolution, publicada em 1843, permanecerd mais ou menos des- conhecida até Jaurés que focalizou a originalidade “pré- -marxista” dessa primeira teoria econémica da Revo- lugio Francesa. Por sua vez, Mallet du Pan merece ser tido como © primeiro analista da guerra ideol6gica. Em suas Considérations (1793), analisa essa guetra especifica- mente inédita ameagando “subyerter” a Europa. Para isso emprega f6rmulas dignas de Clausewitz (“a guerra © a revolugdo sio insepariveis; elas brotam de um ‘mesmo amo”) Achando-se, ainda, entre a ret6rica cléssica e um método propriamente histérico, essas primeiras in- terpretacdes fatalistas levavam logicamente a_uma Sani ER Oycserethein Wee AL revolugao-bloco). Tal visio serd recusada_sistemati _L-camenteap6so Termidor, por evdentesrazes polities V. Processos termidorianos: As duas revolucbes A partir do Termidor do ano I forma-se uma tradigfo fadada a marcar profundamente toda a histo- riografia posterior, as vezes inconscientemente. As fon- tes da mesma, se bem que iniimeras,"* so mediocres \Para_a_burguesin_termidoriana} interessada_ em consolidar em préprio proveito os resultados da Revo- lusdo, «_historiografia_vem_a_sec_um_meio—de_auto- justificago, para edificagdo dos contemporaneos ¢ da osteridade. “Depois do Termidor a linguagem dos 12. Ch, os mires de panfetos anti/acobinos da cotegto ‘croker, Seunidn "ent onder nos ‘anos de 160, princfpios se desgasta” (J. Starobinski). a lingua- ‘gem dos interesses que passa a falar mais claramente. ‘A primeira preocupagio desse republicanos pre- cavidos, ao fazerem o inventério da heranca deixada pela Revolucdo, era de excluir a fase montanbesa ¢ especialmente a robespierrista. Dantonistas, habitantes do Marais ¢ sobretudo os pré-girondinos revidam € disputam entre si o direito de tachar de infame a lemagogia sangrenta e tirdnica de "93, a “oclocracia”: fs doutrina liberal dos freqiientadores do grupo de ‘Mme de Staél terd como um de seus itens essenciais discriminag2o das duas revolugdes condenando sem | apelacaol o Terror, como um desvio funesto_dos_prin- cipios. de °89 \(cf-B. CoNsTANT?Des effets de la Ter- eur, 1797). Por seu lado, os polemistas realistas so elementos de choque da ofensiva antijacobina. A violencia do tom é ali muitas vezes fruto da retratacao de opinido. © ex-jornalista republicano L. Prudhomme inicia uma carreira de justiceiro. Seu Dictionnaire des individus envoyés & la mort (1797), ilustrado com vinhetas ter- rificantes, 6 0 prot6tipo de uma literatura que explora © pavor ¢ até o sadismo; essa literatura sempre contou com muitos leitores. A Histoire de la Révolution par deux amis de la liberté, outrora to “‘patriota”, é reto- mada por “‘continuadores” realistas, fabricantes de his- torietas apécrifas e venenosas utilizadas inocentemente por Carlyle, Michelet ¢ outros. Origina-se daf, entre Gutras, aquela imagem de_um_Robespierre_“‘comple- xado”, que se tornou irascivel e invejoso devido A sua juventude_marcada_por_humilhagées — da qual o Pauvre Bitos de Anovilh & uma das sltimas séplicas Bode expiatério universal, o Incorruptivel surge como 0 “Eni do mal” ¢ o mestre por exceléncia das conspiragées, Nas acusagées oficiais (Relat6rios Cour- tois € Saladin) ecoam os libelos de emigrados (Mont- joie, Peltier, Conde de Montgaillard). Termidorianos fe “reatores” prestam, desta forma, sua colaboracéo a macabra lenda do monstro “Roberspierre” (transcri- go muito do gosto dos realistas, visando destacar um pretenso parentesco com 0 regicida Robert Damien), Os republicanos, porém, deviam também conser- varse a direita e enfrentar os staques dirigidos contra © “filosofismo”, em toda a Eurapa, no fim do século. © que ee passara a questionar era, nio mais a seita e sim a Inteligéncia, a faculdade critica, chegando-se a enaltecer 0 obscurantismo. Em 1796, Mallet du Pan afirmava “Formou-se, na Europa, uma liga de loucos € fandticos capazes de, se pudessem, proibir que 0 ho- mem veja e pense...” Entre 1796 © 1800 trava-se a “batalha filoséfica”. © jomnal La Décade philosophique d4 a senha ideol6- gica (neologismo surgido dessa situagio) para a luta: defender em bloco “a” filosofia, identificando-a com a boa repiiblica, racionalista e burguesa.§* Bonaparte conseguird bajuladores que associem ‘num 56 elogio as luzes e a nova ordem: Roederer, an- tes defensor da “filosofia moderna” contra Rivarol, tornou-se brumariano... 0 Pe. Paganel, galicano e fil6sofo, dedica ao Principe iluminado 0 seu Essai sur la Révolution (1810). Durante © Império, as disputas continuam, mas nos bastidores. O rbitro titular & 0 historiador La- cretelle, monarguista ligado a Napolefo e, depois, a Luis XVIM; foi censor imperial e real, Seus Precis histoire de ta Révoluion, continuagio (infil!) do Précis de Rabaut, tiveram varias reedigoes desde 1801 Este antigd Muscadin (realista)| realgaria 0 papel de uum regicida-como Fouche Quando o realista A. de Beauchamp conseguiu.publicar sua obra Hisioire de la guerre de Vendée (1806), trazendo & luz uma epo- péia da qual muitos nem haviam suspeitado, o chefe de policia se opds "a obra mais perigosa ji produzida pelo espirito anti-revolucionirio. .. Somos condenados © acabaremos n6s sendo prosctitos!” A isso se suce- derio pozngoes e, como réplica, aparecerd uma anti- ~fealista Historia da Vendéia, Acobertadas pela cons- piragio oficial do siléncio, essas controvérsias latentes estayam preparando os grandes debates publicos da Restauragio, 14, (C8 J. Krrcmm, Un journal philosophique, ta Décade nee tie 6 fi i. 4 s+ satan si neste ameter OR CAPITULO I 0 triunfo do Mito — 1815-1853 A Histéria ea lenda tim cada uma a sua verdade... A Historia, muitas vezes, reproduz 0 que @ ficedo criou Victor Huoo A partir de 1815 tem inicio um segundo ciclo revoluciondrio: 1830 repete 0 89 burgués; 1848, 0 de '93 da Fraternidade; 0 golpe de Estado do sobrinho _fepete aquele do tio. Nesses\ fendmenos de recorréncia) “ou de mimetismo, parte da responsabilidade cabe a (Chistoriografia revoluciondria,.\Foi ela que alentou, num ‘movimento crescente, a esperanca revoluciondria desse tempo, 20 ser ulilizada como modelo de ideclogia ¢ de estratégia, fortificante de energias, mediadora entre © passado ¢o futuro. Tal funcao ela ‘nunca mais tera” com tanto ardor e eficécia hist6rica, tio enaltecida pelos romanticos de entio.! 1, Com sespeito a todo este capitulo, ver Sramury Mruson, The politcal wes Of history. A study of historians. in the french Restoration, Stanford Univesity Press, tee 12 Muor: L'Historiogrephie romantique francelse, Moscou, 35

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