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PALAVRAS 12

Teste de avaliação – 12.º ano outubro 2019

Educação Literária

Grupo I (104 pontos)

A (48 pontos)

Lê atentamente o seguinte texto.

Tenho tanto sentimento


Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental.
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,


Uma vida que é vivida
E outra que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é verdadeira


E qual errada, ninguém
Não saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

18/09/1933
Fernando Pessoa, Poesias.

1. Identifica a imagem que o sujeito poético tem de si próprio.


2. De acordo com a análise que o “eu” lírico faz, indica o que há de comum entre ele e os outros
seres humanos.
3. Refere a dúvida que persiste no sujeito poético, indicando os versos que correspondem à sua
opção.
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PALAVRAS 12

B (40 pontos)
Lê as seis estrofes iniciais do poema “O Sentimento dum Ocidental”, de Cesário Verde.

Nas nossas ruas, ao anoitecer, Semelham-se a gaiolas, com viveiros,


Há tal soturnidade, há tal melancolia, As edificações somente emadeiradas:
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia Como morcegos, ao cair das badaladas,
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer. Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.

O céu parece baixo e de neblina, Voltam os calafates, aos magotes,


O gás extravasado enjoa-me, perturba; De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Toldam-se duma cor monótona e londrina. Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

Batem carros de aluguer, ao fundo, E evoco, então, as crónicas navais:


Levando à via-férrea os que se vão. Felizes! Mouros, baixéis1, heróis, tudo ressuscitado!
Ocorrem-me em revista, exposições, países: Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo! Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

Cesário Verde, Cânticos do Realismo.

4. Caracteriza o estado de espírito do sujeito poético e relaciona-o com os efeitos que a cidade
nele provoca.
5. Identifica duas características temáticas da poesia de Cesário Verde, fundamentando a tua
resposta com elementos textuais pertinentes.
6. Completa as afirmações abaixo apresentadas, selecionando da tabela a opção adequada a cada
espaço.
Nestes versos são utilizados alguns recursos expressivos frequentes na poesia de Cesário
Verde: na expressão “as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia” (v. 3) está presente uma ____ a)
____; a comparação ocorre, por exemplo, em ____ b) ____.

a) b)
1. comparação 1. “E os edifícios, com as chaminés, e a turba / Toldam-se
duma cor monótona e londrina” (vv. 7-8).
2. metáfora
2. “” (v.)
3. enumeração 3. “Singram soberbas naus” (v. 24).
4. “Como morcegos, ao cair das badaladas, / Saltam de viga
4. personificação
em viga os mestres carpinteiros” (vv. 15-16).

1
pequena embarcação.
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PALAVRAS 12

C (16 pontos)
“Fernando Pessoa buscou avidamente a felicidade, como quem nasceu para ser feliz. Buscou
sem encontrar, porque cedo o torturou a fome inextinguível de conhecer.”
Fernando Pessoa, Páginas de Estética, Teoria e Crítica Literárias (Prefácio)

Partindo do juízo expresso na afirmação acima transcrita, apresenta, num texto de oitenta a
cento e trinta palavras, o aspeto da poesia de Fernando Pessoa ortónimo destacado. O teu
comentário deverá atestar, através de exemplos, a tua experiência de leitura.

Grupo II (56 pontos)


Litura | Gramática

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.


Escreve, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção
escolhida.

O surto da nossa Vanguarda literária está, sem dúvida, relacionado com o aparecimento
do movimento modernista, sobretudo a partir da publicação em 1915 da revista Orpheu. Aí se
fez sentir, realmente, uma violência no campo expressivo que muito contribuiu para uma
essencial subversão de formas. Tal movimento acabou por pôr em questão os processos de
5 expressão tradicionais, os quais se dirigiam a um público de gosto conservador – os
“lepidópteros burgueses”, como lhes chama Mário de Sá-Carneiro – que logo denunciará como
loucura o que esses escritores iam realizando.
Com efeito, o Modernismo (...) representa na história da literatura um momento que
corresponderia à consciência duma rutura total. A apreensão dessa rutura talvez advenha duma
10 vocação especial para emitir juízos de valor, através daquela atitude polémica a que nos
referimos e que se poderia tomar tão provocatória como a do “fora tu” atirado às mais
destacadas figuras literárias do seu tempo por Álvaro de Campos, no “Ultimatum”.
Mas há um certo perigo em confundir esses juízos de valor com a tal rutura que, visível
na sua aparência cultural, acabaria por não existir como algo que se demarcasse em termos
15 absolutos. Julgava-se, afinal, como totalidade isolável o que era um momento da continuidade
aberta por um certo discurso. Neste caso, aquilo que era entendido como rutura poderá ser
entrevisto em termos de sutura.
Com efeito, a palavra continuidade pode ser entendida, relativamente à produção
literária, em dois sentidos diferentes. Por um lado, significaria algo que aplainaria a própria
20 realidade textual ao nível dum denominador comum de natureza temática ou estilística. Por
outro lado, apontaria para a realização duma leitura renovada dos textos, aferida por um
discurso que acaba por se tornar homólogo e que era capaz, não de encontrar, mas antes de lhes
propor uma identidade na sua diferença real.
Fernando Guimarães, Simbolismo, Modernismo e Vanguardas.

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PALAVRAS 12

1. Segundo o autor, o movimento lançado pela revista Orpheu


(A) assumiu uma atitude polémica e provocatória, sendo visível em termos absolutos.
(B) assumiu uma faceta escandalosa, conseguindo-se impor como tendência exclusiva
da época.
(C) assumiu uma atitude polémica e provocatória, não permitindo a continuidade
literária.
(D) assumiu uma faceta violenta, anunciando a rutura com os processos de expressão
tradicionais.

2. Na última frase do terceiro parágrafo, o jogo com os significados dos termos


“rutura” e “sutura”
(A) reforça a ideia de que a rutura literária não foi total, tendo-se registado a
manutenção da tradição.
(B) marca o corte das figuras literárias da altura com este movimento e o posterior sanar
das relações.
(C) ilustra o antagonismo entre as duas fações da época – modernistas e conservadores.
(D) reforça a ideia de que o corte com as tradições foi total e irreversível.

3. No segmento “que logo denunciará como loucura” (l. 5), o antecedente do pronome
relativo “que” é
(A) “movimento” (l.3)
(B) “um público de gosto conservador” (l.4)
(C) “lepidópteros burgueses” (l.5)
(D) “Mário de Sá-Carneiro” (l.5)

4. A expressão “duma leitura renovada dos textos” (l.21) desempenha a função


sintática de
(A) complemento do adjetivo.
(B) complemento oblíquo.
(C) complemento direto.
(D) complemento do nome.

5. A colocação do pronome “se” (linha 5) em posição anteposta ao verbo justifica-se pela


sua
(A) inclusão numa frase em discurso indireto.
(B) inserção numa frase subordinada relativa.
(C) dependência de uma construção negativa.
(D) dependência de um advérbio.

6. Identifica as funções sintáticas desempenhadas pelas expressões:


a) “a um público de gosto conservador” (l.5).
b) “duma leitura renovada dos textos” (l.21).

7. Classifica a oração “que logo denunciará como loucura” (l.6).

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PALAVRAS 12

Grupo III (40 pontos)

Escrita

Segundo o senso comum, a razão é contrária à emoção. Ao longo da nossa vida,


ouvimos muitas vezes expressões como “tem juízo” ou “pensa com a razão e menos
com o coração”.
Redige um texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de 200 e um máximo de
350 palavras, em que defendas o teu ponto de vista sobre a ideia exposta.

Para fundamentar o teu ponto de vista, recorre a dois argumentos, ilustrando cada um
deles com um exemplo significativo.

Bom trabalho!

5
Teste 12.º ano
outubro 2019

PROPOSTA DE CORREÇÃO
GRUPO I
EDUCAÇÃO LITERÁRIA
A
1. O sujeito poético reconhece o seu lado emotivo.
Na verdade, admite que chega a convencer-se de que é regido por emoções, por
sentimentos (“Tenho tanto sentimento / Que é frequente persuadir-me / De que sou
sentimental.”), mas acaba por afirmar que esse sentimento não é nada mais do que
pensamento que não sentiu na realidade, é uma emoção racionalizada, como comprova a
expressão ”tudo isso é pensamento”.
Concluindo, o “eu” tem consciência da construção da sua emotividade.
2. O eu lírico reconhece alguma semelhança entre si e os outros.
Assim, em todos os outros, como nele, há dualidade entre uma vida vivida e uma
vida pensada, entre o sentimento e a razão, mas que “a única vida que temos / É essa
que é dividida / Entre a verdadeira e a errada.”.
Em suma, a vida está dividida entre dois polos: a realidade e a imaginação.
3. O sujeito poético manifesta dúvida quanto à vida vivida e à vida pensada.
Efetivamente, não sabe explicar, como ninguém sabe, qual das duas vidas, a
sentida ou a pensada, é a verdadeira ou a errada. No entanto, opta, nos dois últimos
versos, por admitir que a nossa vida “É a que tem que pensar”.
Em conclusão, o sujeito parece admitir a inevitabilidade de se pensar sobre a
nossa vida.

B
4. O estado de espírito do sujeito poético é influenciado pela cidade de Lisboa.
Na verdade, ao percorrer as ruas de Lisboa, perceciona a cidade como um espaço
de aprisionamento, conotado com a escuridão e com o valor simbólico negativo da
noite: “sombras” (v.3), “gaiolas” (v.13), “morcegos” (v.15). Ao deambular, sente que o
ambiente soturno e melancólico da cidade o afeta física e psicologicamente, despertando
nele uma morbidez, “um desejo absurdo de sofrer” (v.4). Há, portanto, uma relação
causa/consequência entre o espaço exterior e o estado de alma do sujeito poético
expressa pela subordinação “Há tal soturnidade (…) que as sombras (…) despertam-
me” (vv. 2 a 4).
Em suma, os aspetos negativos da cidade interferem com e estado emocional do
sujeito.
5. Neste excerto de “O Sentimento dum Ocidental” estão presentes algumas das
características temáticas da poesia de Cesário Verde.
Na verdade, por um lado, Lisboa é-nos apresentada a partir da deambulação do
sujeito poético, que se embrenha “por boqueirões, por becos” ou erra pelo “cais”. Por
outro lado, a cidade, lugar de atração e de repulsa, que asfixia, que apresenta o binómio
oprimidos/ociosos, condiciona o desejo de libertação, no espaço e no tempo, por parte
do sujeito poético (“Felizes!” (v.10) os que partem e, por isso, “Ocorrem-me (…)
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo”).
Assim, em resultado das sensações que recebe do ambiente que o rodeia, o “eu”
dá conta de uma cidade que, simultaneamente, o incomoda, asfixia e aprisiona, mas
também o inspira.

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Teste 12.º ano
outubro 2019

6. a) 3; b) 4.
C
7. Fernando Pessoa concebe a arte poética enquanto processamento estético das
emoções.
Na verdade, cria um sistema altamente intelectualizado que o impede de atingir de
forma espontânea a felicidade. Devido à sua extrema lucidez, Pessoa é incapaz de sentir
apenas, não consegue experimentar momentos de inconsciência, como tanto deseja.
Paradoxalmente, gostaria de “Ter […] alegre inconsciência, / E a consciência disso”, daí
ser uma pessoa infeliz, experimentando a dor de pensar. O sujeito poético afirma que
“Cansa sentir quando se pensa”, pelo que sonha com momentos de espontaneidade e,
consequentemente, de felicidade.
Concluindo, condenado a ser lúcido, a sentir com a imaginação, inveja a
ingenuidade de quem não tem consciência da sua vida dura, mas, contudo, é feliz.
(118 palavras)

GRUPO II
LEITURA|GRAMÁTICA

Item
1. (D)
2. (A)
3. (B)
4. (D)
5. (B)
6. a) Complemento indireto.
7. b) Complemento do nome.
7. Oração subordinada adjetiva relativa explicativa.

Grupo III
ESCRITA
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