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RESENHA

MOURA, Clóvis. Dialética radical do Brasil Negro. 2 ed. São


Paulo: Fundação Maurício Grabois; Anita Garibaldi, 2014. 336 p.

O escravismo colonial e o capitalismo no


Brasil
NEIDE CRISTINA DA SILVA*

Clovis Moura nasceu no Piauí, em A obra A dialética radical do Brasil


1925. Era sociólogo, jornalista e negro, publicada há mais de 20 anos,
historiador. Na década de 1940, teve apenas uma edição, tornando-se
ingressou no Partido Comunista muito difícil sua aquisição. Em 2014, a
Brasileiro, mas, faleceu marxista sem Fundação Maurício Grabois e o Núcleo
filiação partidária, em 2003. Durante o de Estudos Interdisciplinares sobre o
período militar resultante do golpe de Negro Brasileiro da Universidade de
1964, tornou-se colaborador do São Paulo (USP), em parceira com a
Movimento Negro Unificado e da editora Anita Garibaldi, republicaram-
União de Negros pela Igualdade e, nos na, contribuindo para a divulgação do
últimos anos de vida, colaborou com o pensamento de Clóvis Moura. A
Movimento dos Trabalhadores Sem presente edição nos brinda com um
Terra (MST), publicando ensaios na belíssimo prefácio de Dennis de
Editora Expressão Popular. Oliveira, que apresenta o livro “como
Em 1948, iniciou sua pesquisa sobre os uma proposta teórico-conceitual
negros escravizados no Brasil, mas, seu sofisticada de pensar o Brasil” (p. 15).
primeiro livro Rebeliões da senzala: A apresentação de Augusto Buonicore,
quilombos, insurreições, guerrilhas só também enriquece a edição, mas, peca
foi publicado em 1959. Também ao se aproximar da propaganda política
publicou O negro: de bom escravo a dos últimos governos brasileiros.
mau cidadão? (1977); A Sociologia O livro em questão apresenta como
posta em questão (1978); Os quilombos ideias centrais: (i) o racismo esta na
e a rebelião negra (1981); Quilombos: origem da formação do capitalismo
Resistência ao Escravismo (1987); brasileiro e, por isso, não será superado
Sociologia do negro brasileiro (1988); com o desenvolvimento da sociedade
As injustiças de Clio: o negro na capitalista, e (ii) a luta antirracista e luta
historiografia brasileira (1990); de classes se articulam reciprocamente.
Dialética radical do Brasil negro
Para demonstrar estas teses, Moura
(1994); Os quilombos na dinâmica
desenvolve sua reflexão em quatro
social do Brasil (2001); A encruzilhada
partes. Na primeira, intitulada “Do
dos orixás: problemas e dilemas do
escravismo Pleno ao Escravismo
negro brasileiro (2003), dentre outros
Tardio”, o autor dividiu o escravismo
(MONTEIRO, 2012).

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no Brasil em dois momentos: um os imigrantes ocuparam os postos de
ascendente, até 1850, denominado como trabalho disponíveis e os negros
“Escravismo Pleno”, outro descendente, passaram a compor o exército de
até 1888, chamado de “Escravismo reserva de mão-de-obra, permanecendo
Tardio”. É importante ressaltar a análise em uma situação desfavorável até os
que o autor faz da transição do dias atuais, apesar das ações
Escravismo Tardio para o Capitalismo, afirmativas. Por isso, justifica-se a tese
que se desenvolveu mantendo estruturas de Moura de que o racismo está na
arcaicas e construídas com base nas gênese do Capitalismo Brasileiro e não
riquezas acumuladas com o Escravismo será superado com o desenvolvimento
Moderno, tendo como protagonista a da sociedade capitalista.
mesma classe social (dos senhores) que
escravizou os africanos. A segunda parte do livro é intitulada
“População, Miscigenação, Identidade
No Escravismo Tardio, a Lei Eusébio Étnica e Racismo”. Aponta o
de Queirós – que proibiu o tráfico de colonialismo como um complicador
africanos escravizados para o Brasil –, étnico e mutilador e estrangulador
iniciou-se o processo de abolição cultural:
gradual, beneficiando muito mais os Complicador étnico porque
senhores de escravos do que os negros introduziu compulsoriamente nas
escravizados. Isto porque os primeiros áreas colonizadas [...] o
tiveram oportunidade e tempo para componente africano [...] que veio
substituir a mão-de-obra dos negros consolidar com o seu trabalho, o
escravizados pela dos imigrantes escravismo nessas colônias.
brancos europeus, enquanto aos Mutilador e estrangulador porque
segundos foi reservado o projeto de impôs pela violência, direta ou
segregação espacial e social, negando- indireta, os seus padrões culturais e
valores sociais usando para isto
lhes o direito à terra. Com a
desde a morte a tortura até a
promulgação da Lei da Terra, catequese refinada chamada de
exacerbou-se o tratamento evangelização para dominar os
segregacionista, porque ela transformou povos escravizados (p.175).
a posse em concessão privada e o
trabalho pesado repetitivo e desumano, O autor continua explicando como o
enfim, o trabalho que aliena, justificado colonizador português estabeleceu, com
ideologicamente pelas teorias do base em uma filosofia étnica, uma
racismo científico, estiolando-se a escala de valores no processo de
dignidade do trabalhador. miscigenação, que tipificou onze graus
de civilização para classificar e
A transição do Escravismo para o hierarquizar a nação brasileira: (i)
Capitalismo ocorreu de modo português nascido na Europa, (ii)
dependente, pois as elites de então, português nascido na Brasil, (iii)
associaram-se ao Capitalismo Global de mulato, (iv) mameluco, (v) índio puro,
maneira subalterna e não houve, como (vi) índio civilizado, (vii) índio
em outros países, a aliança entre a selvagem, (viii) negro da África, (ix)
burguesia e a classe proletária. Mudou- negro nascido no Brasil (crioulo), (x)
se o modo de produção – Escravismo bode (mestiço negro com mulato) e (xi)
para Capitalismo – mas, a exploração curiboca (mestiço negro com índio). Na
dos trabalhadores continuou. Mais escala apresentada, há uma
ainda: com a política de branqueamento, concordância entre o étnico e o social,

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justificando a escravização e a servidão vê, emerge e permanece uma posição
imposta aos negros e indígenas, tidos ambígua dos afrodescendentes, na qual
como inferiores aos “brancos” se busca a valorização do negro, mas a
portugueses nascidos na Europa ou no opressão racista impele-o a “ser o que
Brasil. não é”.

Na terceira parte da obra, “Linguagem e Deste modo, Dialética radical do Brasil


Dinamismo Cultural do Negro”, Moura negro é um livro empolgante para os
contesta a ideologia de uma escravidão pesquisadores da temática das relações
civilizadora via religião católica e raciais no Brasil e, necessário para
resgata a cultura da resistência, historiadores, sociólogos, economistas,
demonstrando como o “dialeto das professores e estudantes que buscam
senzalas” e “a preservação das suas aprofundar as discussões sobre a super-
religiões através (sic) dos nichos de exploração do negro escravizado, sua
resistência usando muitas vezes uma marginalização, durante e depois do
tática ambivalente que era confundida período de escravidão, bem como sobre
como cristianização” (p. 241) foram as ambiguidades da população negra
importantes para a organização e que, em grande parte, são resultado da
resistência social do negro escravizado. ideologia de branqueamento. Em suma,
a obra é importante, principalmente, por
Por fim, na quarta parte do livro demonstrar como o racismo está na
“Especificidade e Dinamismo dos origem do Capitalismo Brasileiro,
Movimentos de São Paulo”, Moura conduzindo-nos ademais a pensar
realiza uma discussão muito profícua porque, ainda hoje, este Capitalismo é
sobre um assunto espinhoso: a subalterno ao Capitalismo Global.
ambivalência de valores da classe média
negra paulistana, que, “ao mesmo
tempo em que procura destacar o negro,
aproxima-se dos padrões brancos para Referências
autovalorizar-se” (p. 318). O autor MONTEIRO, Walber. Clóvis Moura e sua visão
explica que o preconceito racial e a sobre o negro na dinâmica da luta de classes no
marginalização imposta ao negro são Brasil. Núcleo de pesquisa Biblioteca Clovis
elementos determinadores do seu Moura. 2013. Disponível em:
comportamento que, muitas vezes, https://npbclovismoura.wordpress.com/.
Acesso: Junho/2015.
resulta em agressividade, para
contrapor-se ao comportamento de OLIVEIRA, Dennis. Prefácio: Uma análise
subalterno, ou se distorce em uma marxista das relações raciais. In: MOURA,
postura de negação, na qual “negro não Clóvis. Dialética radical do Brasil Negro. 2 ed.
vota em negro” (p. 303), pois o negro São Paulo: Fundação Maurício Grabois: Anita
Garibaldi, 2014.
candidato é um negro branco
(branqueado); ou, ainda, se aliena em
uma busca de autoafirmação cultural, a
partir da valorização da beleza negra Recebido em 2015-10-27
que, se por um lado, traz elementos Publicado em 2015-12-06
africanos e afro-brasileiros, por outro,
apresenta famílias negras de classe
média alta de cabelos alisados e roupas *
NEIDE CRISTINA DA SILVA é doutoranda
africanas, que estão longe da realidade em Educação (UNINOVE); pós-graduação Lato
da população negra brasileira. Como se sensu em História (UNINOVE).

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