Você está na página 1de 23

CENTRO UNIVERSITÁRIO FG – UNIFGDIREITO

GARDÊNIA MAGALHÃES FERREIRA

CULTURA DO ESTUPRO E CULPABILIDADE DA VÍTIMA: A FALHA DO DIREITO


NA PROTEÇÃO DA MULHER.

Guanambi-BA2021
GARDÊNIA MAGALHÃES FERREIRA

CULTURA DO ESTUPRO E CULPABILIDADE DA VÍTIMA: A FALHA DO DIREITO


NA PROTEÇÃO DA MULHER.

Artigo científico apresentado ao curso de


Direito do Centro Universitário FG - UNIFG,
como requisito de avaliação da disciplina de
Trabalho de Conclusão de Curso II.
Orientador: Matheus Videro Caldas da Silva.

Guanambi-BA2021
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus, que com todo seu amor de Pai, me conduziu
com paciência durante toda a jordana da minha formação. Sem ele eu jamais chegaria
até aqui.

Aos meus pais, minha base e fortaleza, que me mantiveram de pé nos momentos
difíceis. Ao meu filho e meu marido que me apoiaram e entenderam todas as
adversidades e turbulências vividas.
Ao meu orientador Matheus Vídero, por todo ensinamento, acompanhamento e
dedicação para a elaboração do trabalho, se fazendo guia em relação aos meus
questionamentos.
A todos que direta ou indiretamente tenham contribuído ou fizeram parte da minha
formação acadêmica, minha eterna gratidão.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 6

2 MATERIAL E MÉTODO............................................................................................. 7

3 RESULTADO E DISCUSSÃO....................................................................................9

3.1 CULTURA DO ESTUPRO NO BRASIL................................................................... 9

3.2 A MULHER NO DIREITO PENAL BRASILEIRO....................................................10

3.3 A CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA DE ESTUPRO...................................................10

3.4 DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA PARA A PROTEÇÃO DA MULHER VÍTIMA DE


ESTUPRO.....................................................................................................................12

3.5 A CRÍTICA FEMINISTA AO DIREITO E O FEMINISMO JURÍDICO

.......................................................................................................................................12

3.6 APLICAÇÃO DA LEI E SUAS DIVERGÊNCIAS......................................................14

3.7 EFEITOS DO FEMINISMO NA VISÃO DA CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA...........16

3.8 A VITIMIZAÇÃO SECUNDARIA E TERCIÁRIA DA MULHER VÍTIMA DE


VIOLÊNCIA
SEXUAL.........................................................................................................................17

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................19

5 REFERÊNCIAS ........................................................................................................21
5

CULTURA DO ESTUPRO E CULPABILIDADE DA VÍTIMA: A FALHA DO


DIREITO NA PROTEÇÃO DA MULHER.

Gardênia Magalhães Ferreira¹, Matheus Vídero Caldas da Silva ².

¹Graduanda do curso de Direito, Centro Universitário Faculdade Guanambi - UNIFG.


² Docente do curso de Direito do Centro Universitário Faculdade Guanambi - UNIFG.

RESUMO: O presente estudo tem por objetivo compreender o contexto da cultura do


estupro no Brasil, obter caminhos que tenham eficácia para que ela seja descontruída,
de modo que, através disso a violência sexual contra a mulher seja vista de uma forma
mais séria, deixando de ser a vítima criticada por suas ações e desviar o olhar para o
real culpado, modificando assim uma realidade muitas vezes traumatizantes para a
mulher, vindo garantir a melhora em seus direitos, tanto femininos quanto humanos.
Demonstrar a diferença de visão existente entre o homem e a mulher na sociedade,
tal qual a desigualdade que o sexo feminino ainda enfrenta por conta do sistema
patriarcal enraizado na estruturação e cultura do país, trazendo isso através do
contexto histórico e sua tentativa de justificar um estupro nos dias atuais.

PALAVRAS-CHAVE: Culpabilidade. Cultura do estupro. Feminismo.

ABSTRACT: The present study aims to understand the context of rape culture in
Brazil, to find ways that are effective for it to be deconstructed, so that, through this,
sexual violence against women is seen in a more serious way, and is no longer the
victim criticized for their actions and looking away from the real culprit, thus modifying
a reality that is often traumatizing for women, guaranteeing the improvement of their
rights, both female and human. Demonstrate the difference in vision between men and
women in society, such as the inequality that women still face due to the patriarchal
system rooted in the structure and culture of the country, bringing this through the
historical context and its attempt to justify a rape these days.

KEYWORDS: Feminism. Guilt. Rape culture.


6

INTRODUÇÃO

No Brasil, há muito tempo se observa implantada, numa visão geral, um


patriarcado que condescende de maneira ampla com um ato incabível chamado de
cultura do estupro. Nessa vivência patriarcal, meninos são orientados desde cedo a
terem um pensamento dominador e de superioridade no que se diz relacionado às
mulheres, sempre fazendo com que a visão sobre elas seja de algo objetificado,
submisso e inferiorizado.
Em concordância com esse sistema patriarcal, criou-se então uma hierarquia
entre homens e mulheres, onde o lado inferiorizado torna-se um mero instrumento
para satisfazer os desejos do outro, fazendo com que, muitas das vezes em que a
mulher, colocada como um patamar inferior, seja sempre vista como causadora dos
atos/atrocidades a que lhe são empregadas.
O Sistema penal não está excluso disso. Seu pensamento também se mostra
afetado, mormente quando vem se tratar de crimes de estupro e violência sexual,
tornando-se tênue e limitando-se ao depoimento e testemunhas e provas da perícia,
onde a mulher é quase sempre classificada como facilitadora por não estar como a
sociedade as impõe que esteja, e mesmo se estivesse, se acharia algo para
culpabilizada, deixando então o olhar de culpa sobre a vítima e esquecendo o agressor
real. (BRANCO; SOUSA, 2018, p.2)
Para se analisar o conjunto geral de como se formou essa tal cultura, devemos
juntar as linhas que ligam cada ato que permeia uma relação social, a educação, a
visão que se é entregue a cada um, além de compreender o caminho da doutrina
seguida pelo agressor e vítima, mostrando então o conjuntural histórico envolvido até
se chegar no ato em si, bem como na tentativa da sua resolução, onde muitas das
vezes acaba sendo algo deturpado pela cultura machista e protetora em relação ao
sexo masculino.
A existência de dados oficiais nos traz essa realidade, mostrando o quão
grande é a tolerância quando se trara da culpabilidade da vítima de estupro no Brasil,
sendo justificada colocando em questionamento a índole e o comportamento do sexo
feminino, como se sua roupa, seu modo de agir ou o lugar onde ela se encontra
modificasse o acontecido. É como se quisessem enxergar nela toda a culpa de ter
sido usada como objeto sexual pelo seu agressor. Seja ela adulta, criança, idosa,
vulnerável, ou qualquer outro tipo de atributo que possa se considerar um ser mais
7

frágil, indefeso ou menos significativo que o homem/agressor.


Em 2014, de acordo com o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram
registrados 47.646 casos de estupros no Brasil. Porém esses dados são muito
piores se formos considerar que a maior parte de quem sofre esse tipo de agressão
acaba não denunciando.
O não denunciar está amplamente ligado ao fato de a maior parte dos
abusadores serem entes próximos das vítimas, são eles padrastos, tios, avôs, pais,
irmãos, primos, um vizinho, amigo da família, por isso, muitas vezes ficam
acobertados, até mesmo pelo medo de ser criticada por alguém, por querer
“manchar” a imagem do homem ou da própria família.
A construção do presente artigo tem como objetivo compreender o contexto da
cultura do estupro no Brasil, obter caminhos que tenham eficácia para que ela seja
descontruída, de modo que, através disso a violência sexual contra a mulher seja vista
de uma forma mais séria, deixando de ser a vítima criticada por suas ações e desviar
o olhar para o real culpado, modificando assim uma realidade muitas vezes
traumatizante para a mulher, vindo garantir a melhora em seus direitos, tanto
femininos quanto humanos.
Demonstrar a diferença de visão existente entre o homem e a mulher na
sociedade, tal qual a desigualdade que o sexo feminino ainda enfrenta por conta do
sistema patriarcal enraizado na estruturação cultural do país, trazendo isso através do
contexto histórico e sua tentativa de justificar o estupro nos dias atuais.
O objetivo fixa-se então em analisar a história que construiu essa cultura,
bem como questionar a aplicação da lei e a fragilidade de como o judiciário lida com
essa demanda agressiva e intimidadora em relação ao sexo feminino.

MATERIAL E MÉTODO

A cultura do estupro é a ideia da vítima ser responsável pela violência sexual


sofrida. É a perpetuação do estupro como forma de controle da sociedade e a
atribuição às mulheres do papel de segundo sexo, ou mesmo, sexo inferior, frágil.
Preparar qualquer uma para ser violada é parte fundamental da cultura nesse
contexto, mesmo que inconscientemente. Estupro e culpabilidade da vítima é um tema
que gera grandes discussões. O problema é que o estupro é um crime cuja definição
repousa na vontade da vítima e, para muitos, elas são quem devem provar que
8

sofreram.
No ano de 1998, ocorreu um caso na cidade de Santo André, que teve uma
grande repercursão, por ter acontecido com uma criança de apenas 9 anos de idade.
Uma estudante de 9 anos foi espancada, estuprada e morta com golpes de
um objeto cortante não identificado em Rio Grande da Serra (Grande São
Paulo).
O corpo de Chrisleyde Gomes da Silva, que tinha diversas marcas de
violência, foi encontrado em um trecho de mata atlântica perto de sua casa
por volta das 10h de ontem pelo estudante Danilo Henrique Dias Pinto, 17,
irmão do padrasto da vítima, o motorista Luciano Rogério Pinto, 25.
(OLIVEIRA, 1998, não paginado)

Que culpa teria uma menina de 9 anos? Ela era apenas uma criança.
Até quando o judiciário protegerá o agressor culpabilizando a vítima do crime
que sofreu? A cultura do estupro vai prevalecer?
Com as mudanças na lei, no Código penal, nas lutas pelos direitos femininos,
mesmo nos tempos de hoje, ainda existe a esperança de que seja modificada a visão
da sociedade sobre a mulher.
Crimes de estupro ocorridos no Brasil, estruturam e fazem parte da cultura do
estupro. Essa cultura é, generalizando, a banalização e padronização desse crime
pela sociedade que inclui e estimula essa cultura de várias maneiras, por exemplo,
quando se opõe às mulheres da mídia, culpando as vítimas, e não se constata nenhum
problema. Mulheres sofrem diariamente nas ruas. Os pais, de meninos
principalmente, incentivam as crianças desde que as pequenos são os "destinatários"
e as meninas a aceitarem ser beijadas e tocadas por seus colegas, depois de tudo
isso é "fofo", que é só uma brincadeira, mas é assim que se forma a concepção e o
caráter da criança.
E essa diligêcia de afastar os homens da culpa é insuportável. Primeiramente
culpam a vítima, logo depois, tentam justificar a violação que, não tem e não pode
justificar. Por último, o local. Casos de mulheres são produzidos em uma ampla
variedade de situações, na casa, faculdade, escola, nas ruas, nos ricos, na rica, classe
média ou no bairro popular. Eles ocorrem, independentemente do tipo de roupa, que
mulheres ou seu uso de comportamento.
Na preparação deste artigo, foi utilizada a pesquisa básica pura como método
de pesquisa, ou seja, a pesquisa teórica, cujo objetivo principal é analisar, contribuir e
complementar os tópicos de pesquisas anteriores.
Quanto aos seus métodos, trata-se de um estudo qualitativo, buscando
compreender o tema em discussão, buscando determinar possíveis formas de
9

aprimoramento e solução para a questão levantada. Será realizada uma pesquisa


descritiva e bibliográfica, ou seja, irá esclarecer e apresentar todos os aspectos do
tema abordado com base em revisões teóricas aprofundadas.

RESULTADO E DISCUSSÃO

3.1 CULTURA DO ESTUPRO NO BRASIL

Contruído sobre os pilares do patriarcado, o Brasil é um país onde o domínio


masculino sempre foi presente em todos os locais, seja na política, nas empresas, até
na estruturação da sociedade em si.
Desde o prelúdio, as mulheres foram moldadas e vistas pela sociedade como
um objeto. As indígenas sendo vistas pelos portugueses com olhos de lascívia por
andarem com seus corpor descobertos, as negras escravizadas sendo usadas em
casa como objeto sexual, ama de leite e para serviços domésticos, a falta de direito
ao voto mesmo com o passar do tempo, a visão de que a mulher só deveria cuidar do
lar e da família, sempre para não conquistar o espaço onde o homem se destacava.
(PIMENTEL, 1998)
Pimentel cita as palavras de François Duvalier, ditador haitiano:

(...) A violência sexual é tão antiga quanto a presença do homem na terra. É


evidente que isso não pode servir de justificativa para o comportamento atual;
serve, contudo, para nos dar a dimensão exata do qual um pouco evoluímos
nesse particular, a despeito de se considerar está a melhor fase evolutiva da
criatura ‘humana’. (DUVALIER)

Uma parte da população brasileira foi gerada de estupros, onde as índias e


negras eram obrigadas a ter relação com diversos homens, com um único intúito:
reprodução de proles, assim os seus “senhores” sempre teriam escravos para suprir
suas necessidades. Eram tratadas como animais, separadas pelas mais fortes e
vigorosas, para terem bons filhos.
Prosseguindo para os dias atuais, temos então a objetificação através das
letras de músicas, comerciais de cerveja e as grandes midias sociais que, querendo
ou não, conseguem propagar essa cultura com ainda maior velocidade.
Em seu artigo, Branco e Sousa (2018) citam Grossi (1996), “Não é de hoje que
a cultura do estupro está presente na sociedade e como ela incide nos pensamentos
patriarcais da população brasileira. A violência contra a mulher é caracterizada como
“uma das violações mais praticadas e menos reconhecidas no âmbito dos direitos
10

humanos no mundo. Ela se manifesta de diferentes formas, desde as mais veladas


até as mais evidentes, cujo estremo é a violência física.” (BRANCO;SOUSA, p. 04
apud GROSSI, 1996, p.136)
Considerando que o comportamento predatório dos agressores sexuais
extrapola o âmbito da classificação por crimes previstos no direito penal ou como
portadores de qualquer enfermidade, problema psicológico ou fenômeno anormal
previsto pela medicina psiquiátrica atual. Isso ocorre porque estupradores são
encontrados em todos os lugares e classes da sociedade. Eles forçam uma relação
ou ato contra a vitima através do comportamento e violaram os direitos humanos mais
básicos da saúde física e mental da outra parte. Portanto, os estupradores agem com
base em comentários sexistas que foram disseminados para e por eles, de várias
maneiras. O conteúdo deste discurso centra-se no seguinte ponto de vista: Os
homens têm poder sexual e o direito de exercer esse poder contra as mulheres ou
outros seres.

3.2 A MULHER NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

O termo gênero vem sendo trazido no universo do direito em meio a um debate


de sexo/gênero, igualdade/igualdade e também público e privado. (BRANCO;SOUSA,
2018).
O princípio da igualdade apoia a visão de que homens e mulheres são iguais
perante a lei, portanto as mulheres não podem ser tratadas de maneira diferente.
Desta forma, as diferenças de gênero serão superadas por este princípio.
Conceituando gênero, vê-se que suas contribuições vem sendo muito
importantes para a sociedade e o direito. Essas contribuições forçam a quebra
tradicionalidade de inferiorizar as mulheres que, na maioria dos casos sao tratadas
com uma menor perspectiva em relação aos homens.
O desenvolvimento social fez com que as mulheres ganhassem um lugar de
igualdade em relação ao homem, e não se está mais falando sobre formas de
subordinação, diretamente.

3.3 A CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA DE ESTUPRO

Utilizando então o pensamento de Rogério Greco, vê-se:


11

para que seja considerado o dissenso, temos de discernir quando a recusa


da vítima ao ato sexual importa em manifestação autêntica de sua vontade,
de quando, momentaneamente, faz parte do ‘jogo de sedução’, pois, muitas
vezes, o ‘não’ deve ser entendido como ‘sim’. (GRECO, 2012, p. 476)

Apesar de todas as mudanças em relação a legislacão do país, como citado


anteriormente, a cultura do estupro e o machismo conjunto, ainda é muito presente e
disseminado no Brasil. No caso do machismo, não so elencado a cabeça dos homens,
mas de várias mulheres também afetadas pelo sistema patriarcal.
O estupro acontece com qualquer mulher e pode vir a ser praticado por
qualquer homem, sem distinção de raça, lingua, cor, credo ou qualquer tipo de
classificação. Não existe um tipo especifico de estuprador, quiçá de vítimas, e os
agressores na maior parte das vezes, sao pessoas de convívio diário, como marido,
irmão, tio, colega de trabalho, chefe, amigo, etc, e engloba todas as classes sociais,
e sem qualquer motivação especial para o fato.
São inumeros os fatos que podem ser citados em relação ao brasil quando se
trata do crime de estupro e a culpabilização da vítima. Um desses casos discutidos
ressentemente foi o da digital influencer Mariana Ferrer que foi violentada pelo
emmpresário André Aranha em uma festa num clube.
Esse caso em especifico causou uma grande comoção nas midias sociais,
principalmente após a divulgação dos vídeos da audiência, onde Mariana foi
humilhada pelo advogado de André, mostrando suas fotos das redes sociais de biquini
e questionando o caráter da garota.
De acordo com o promotor do caso, o estuprador de Mari Ferrer não tinha como
ter dimensão durante o ato sexual de que a menina não estava sóbria e com
capacidade de consentir ou não a relação, por conseguinte, o réu não teria a intenção
de cometer estupro. Foi então onde surgiu o tão falado estupro culposo, que causou
uma onda de revolta nas redes sociais.
Querer culpabilizar a vítima para defender o homem é algo corriqueiro.
Questionam vestimenta, comportamento, lugar onde a vítima estava, ou qualquer
outro motivo. Tudo o que a mulher vier a fazer, pode ser usado para diminuí-la, culpá-
la, tirando a visão do homem agressor, e direcionando para ela.
O homem, sempre protegido pela sociedade, às vezes até mesmo pela justiça
e pelo direito penal, por conta do patriarcado enraizado, muitas vezes sai impune.
Culpam a vítima e, ainda para tentar ver o agressor como coitado, questionam como
ficará a vida daquele cidadão, o que a família dele irá sofrer com uma condenação de
12

estupro, que irá “manchar” a reputação daquele cidadão. Mas para mulher, a justiça e
a comunidade se recusa a proteger.

3.4 DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA PARA A PROTEÇÃO DA MULHER VÍTIMA DE


ESTUPRO

A inserção de Importunação Sexual como um crime, na Lei 13.718/2018,


ampliou e ajudou ainda mais em relação aos crimes de estupro. Seu artigo 215-A diz
que, “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de
satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.” (Código Penal,1940).
Essa nova Lei está ligada diretamente à proteção da liberdade sexual, entrando
então em concordância direta com o que se prega relação a proteção da mulher no
âmbito do Direito Penal. Tal lei classifica qualquer tipo de ato libidinoso como uma
importunação, um tipo de estupro, agressão ou conduta imprópria contra uma pessoa,
seja ela homem ou mulher.
Contudo, correlacionando à vivência feminina, vários pontos específicos do dia-
a-dia passam a ser questionados e categorizados como crime. O “frotteurismo” pode
valer-se de exemplo. Consiste basicamente em esfregar-se ou tocar na vítima, sem o
consentimento da mesma, muito ocorrido no Brasil nos ônibus coletivos, metrôs,
calçadas lotadas, até mesmo em festas. (BUENO, MARTINS, 2018).
Em geral, a violação acontece em locais nos quais a vítima tenha dificuldade
em evadir-se do local e da agressão sofrida.
Além disso, o texto da lei brasileira passou por mudanças drásticas com a
chegada da Lei 12. 015/2009, em relação aos crimes sexuais, porque o texto original
do Código Penal não coincide com a realidade atual do Brasil. O crime de infração é
antecipado no art. 213 do mesmo diploma jurídico com o seguinte texto:
Art. 213. Constranger alguém mediante violência e grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

As mudanças na legislação nacional sobre crimes os sexuais foram de grande


importância pois houve uma união de duas condutas fornecidas ao texto original do
Código Penal, tanto em relação ao estupro quanto ao atentado violento ao pudor.

3.5 A CRÍTICA FEMINISTA AO DIREITO E O FEMINISMO JURÍDICO


13

Ao passar do tempo, as opiniões os ideais feministas em relação ao direito e


suas funções para com as mulheres foi se diversificando, tornando-se divergentes,
complexas e muitas vezes conflitantes.
Silva (2018, p.86) em seu artigo cita Jaramillo (2000):
Segundo Jaramillo (2000), a crítica feminista ao direito se manifesta
em três perspectivas: a primeira problematiza a teoria do direito
propriamente dita (questionando os pressupostos do direito e suas
noções fundamentais), a segunda tece críticas a institutos jurídicos
determinados (por entendê-los prejudiciais às mulheres ou
mantenedores de sua subalternidade social), e a terceira põe em questão o
modo como o direito é aplicado nos casos concretos, propondo usos
estratégicos das leis, além de construir interpretações inovadoras e
emancipatórias do direito. (SILVA, 2018, p. 86)

Vê-se então que, na visão feminista o direito é produto da sociedade patriarcal,


refletindo então os direitos masculinos, e mesmo quando contempla as necessidades
femininas é regido e aplicado por instituições moldadas com ideais patriarcais.
Além destes, temos ainda as normas jurídicas que por vezes elimina parte dos
direitos civis, políticos, econômicos e até sociais femininos. Nos são tirados o direito
a educação de qualidade, o voto, o emprego e a igualdade salarial, representatividade
na política, seguridade social, dentre outros. Leis que criminalizam o aborto, outras
que estão ligadas à violência doméstica, assedio, entre outras que na maior parte das
vezes não funcionam, ou são geridas de maneira errada.
Aponta-se ainda a aplicação das leis nos casos concretos, suas metodologias
e interpretações, e como o sexismo ainda está presente em grande parte das decisões
judiciais do país. Mesmo assim “o feminismo tem se aproximado cada vez mais da
seara jurídica, estabelecendo com esta uma relação de crítica mútua, mas também
de importantes e exitosas parcerias.” (SILVA, 2018, p. 89)
O feminismo jurídico não tem uma definição certa. Ele vem sendo moldado
através do tempo, do conhecimento e da vivência das mulheres na sociedade. Nada
mais é então que um tipo de feminismo que se caracteriza pela sua diversidade de
vertentes, o que lhe faz desenvolver uma série de possibilidades de abordagens, de
interposições e pensamentos.
Conceitualmente, pode-se dizer que o feminismo jurídico corresponde a um
conjunto de críticas, teorizações, proposições metodológicas e atividades
práticas desenvolvidas por juristas feministas em face do fenômeno jurídico,
dentro ou fora do sistema de justiça. A proposta central deste tipo de
feminismo é desenvolver reflexões e sobretudo ações que promovam
transformações radicais no âmbito das normas, discursos e práticas jurídicas,
tendo como foco a obtenção da igualdade de gênero. (SILVA, 2018, p.90)
14

No direito, nas decisões que se referem ao estupro, existe um reforço


ideológico patriarcal machista que ainda nutre a desigualdade entre homens e
mulheres na sociedade. Nesse caso, a mulher violentada passa a ser “punida e
responsabilizada” pela agressão. Esse é, por incrível que pareça um argumento
bastante utilizado em petições de defesa de acusados de estupro como
fundamentação.
Tal pratica foi nomeada pelas pesquisadoras feministas como in dubio pro
stereotypo. Nas palavras de Silvia Pimentel, “No âmbito doméstico, ele continua
abafado pelas conivências familiares. No meio jurídico, se não for por cortesia, por
vezes vigora pelo padrão. "In dubio pro stereotypo"” (PIMENTEL, 2009, não
paginado). É nomeado de tal maneira, pois está relacionado diretamente as
concepções pessoais estereotipadas, preconceituosas e discriminatórias no que
concerne ao gênero feminino, interferindo assim nas decisões judiciais, favorecendo
o agressor/acusado e reforçando a diminuição do gênero feminino.

3.6 APLICAÇÃO DA LEI E SUAS DIVERGÊNCIAS

O Código Penal estabelece uma coordenação adequada com os princípios


constitucionais da dignidade humana quando a dignidade seletiva é uma mercadoria
legal protegida (CF, art. 1º, III). Toda pessoa tem o direito de exigir respeito pela sua
vida sexual e a obrigação de respeitar as escolhas sexuais dos outros, para tanto, o
Estado deve zelar para que sejam tomadas as medidas necessárias.
Usando como exemplo a Lei Maria da Penha, a incidência de violência
doméstica e familiar contra a mulher está não só ligada ao direito penal, mas aos
direitos humanos. No caso de Maria da Penha, o caso foi parar nos Tribunais
internacionais, tamanha a negligência sofrida pela vítima. Essa lei reconhece a real
inferioridade projetada pela sociedade na mulher em relação ao homem. Porém, não
se trata de inferiorizar a mulher, mas de dar a proteção necessária para minimizar as
condições desvantajosas por questões de vulnerabilidade.
O texto de Baruki e Bertolin diz:
Em que se pese a demora, felizmente, o legislador brasileiro não se
preocupou apenas com a punição do agressor. Pela inteligência do art.14,
verifica-se uma mudança no sistema jurídico nacional, que passa a
considerar o Juizado especializado em violência doméstica e familiar não
apenas competente para processar e julgar o crime cometido, mas também
15

questões sobre separação, divórcio, alimentos, guarda dos filhos, partilha de


bens, entre outras. (BARUKI; BERTOLIN, 2010, p. 317)

Embora a dignidade de um determinado ato sexual seja subjetiva e incerta,


porque coisas que são valiosas para uma pessoa podem não ser valiosas para outra
pessoa e vice-versa, verifica-se que em questões sexuais que isso está relacionado
apenas a crimes associados a relações sexuais não solicitadas (seja por meio de
coerção ou fraude), exploração por terceiros e danos às vítimas consideradas
vulneráveis por lei. Em outros casos, deve-se desfrutar da liberdade e privacidade
humanas.
De acordo com Elpídio Paiva Luz Segundo:
Os direitos da personalidade são condições essenciais ao ser e ao dever ser;
exprimem aspectos que afetam a personalidade humana e externam
posições jurídicas da pessoa pelo fato de ela nascer e viver; são aspectos da
condição humana que não são - nem podem ser tratadas como coisa.
Por isso mesmo, a Constituição da República de 1988 e o Código Civil de
2002 tutelam os direitos da personalidade, que se constituem como direito
fundamental da pessoa (natural e jurídica) de projetar-se no mundo, sendo a
Constituição a sede principal desses direitos. (SEGUNDO, 2020)

Ou seja, a lei, não só em relação ao direito penal, mas aos direitos humanos,
vem em defesa da personalidade, do direito de nascer, viver e ser seguro, não sendo
tratadas como coisas, no caso, ao se tratar da mulher, que quase sempre sofre a
repressão e submissão ao sexo masculino.
Ainda não foi alcançada uma igualdade no que se refere aos homens e
mulheres, até porque, não basta existir igualdade perante a lei, mas igualdade material
e no exercício dos direitos formalmente reconhecidos, o que vem sendo buscado e
reivindicado pelas mulheres, deixando claro então que as fases de formação do direito
ainda não estão totalmente superadas. (LEÃO, 2010, p. 346)
Em sua obra, Leão diz:
Um exemplo histórico é a definição da abrangência da lei de crimes
hediondos, e na ocasião da decisão (2001) passou a considerar a
penalização do estupro em duas categorias de gravidade da violência sexual,
diferenciando o sofrimento de mulheres vítimas de estupro entre as que
sofreram lesão corporal e morte e as que não sofreram – assim, o estupro só
seria crime hediondo quando houvesse “graves lesões ou morte” da vítima; o
que não acarretasse tais consequências passou a ser conhecido como
“estupro ligth” da justiça brasileira. Em 17 de dezembro de 2001, com o
julgamento do Habeas Corpus (HC n°81.288), o entendimento mudou por 7
votos a 4. (LEÃO, 2010, p. 350)
16

Para melhoria, o texto da lei brasileira passou por modificações drásticas com
a chegada da Lei 12. 015/2009, em relação aos crimes sexuais, fazendo com que os
crimes contra a dignidade sexual fossem vistos de uma forma mais severa.

3.7 EFEITOS DO FEMINISMO NA VISÃO DA CULPABILIZAÇÃO DA VÍTIMA

A história nunca se atentou às mulheres. Elas sempre foram vistas como um


objeto complementar para o uso masculino. Contudo, pesquisando mais afundo sobre
tudo o que a mulher vem conquistando para ser vista e respeitada na sociedade, essa
luta torna-se de fato algo impressionante. Mesmo ainda passando por coisas como a
violência sexual, a humilhação e o questionar de caráter, as mulheres seguem firmes
na luta pelos seus direitos.
Feminicídio, assédio, estupro. Mulheres passam por tudo isso, choram, se
machucam, quase morrem, mas a sociedade fecha os olhos muitas das vezes.
Foram criadas delegacias, organizações e leis, temas todos esses voltados
apenas às mulheres, para assim, talvez, elas ganharem visibilidade e credibilidade
para reivindicar seus direitos.
Mulher já foi moeda de troca entre famílias, já foi objeto de uso pessoal
masculino, já foi queimada viva por conhecer ervas que salvariam vidas e cuidariam
de doenças. A busca por igualdade e respeito ainda caminha devagar, pois a
desconstrução do sistema patriarcal, da desigualdade de gênero e da superiorizarão
do homem leva tempo para ser minimamente compreendida e aceita.
Mais uma luta que vem sendo travada pelas mulheres através do tempo,
apenas na busca de uma melhor condição e que seus direitos não fiquem apenas nos
papéis da legislação.
Nós estamos muito próximas da morte. Todas as mulheres estão. E nós
estamos muito próximas do estupro e estamos muito próximas do
espancamento. E nós estamos dentro de um sistema de humilhação onde
não há escapatória para nós. Nós usamos estatísticas não para quantificar
as feridas, mas para convencer ao mundo que as feridas existem. Estas
estatísticas não são abstrações. É fácil dizer “ah, as estatísticas, uns as
escrevem para um lado e outros para o outro”. É verdade. Mas eu escuto
sobre estupros um por um por um por um por um, que também é como eles
acontecem. Estas estatísticas não são abstratas para mim. A cada três
minutos uma mulher é estuprada. A cada dezoito segundos uma mulher é
espancada. Não há nada de abstrato nisso. Está acontecendo agora
enquanto eu falo.
E está acontecendo por um simples motivo. Não há nada de complexo e difícil
sobre o motivo. Homens estão fazendo isso, por causa do tipo de poder que
homens têm sobre mulheres. Esse poder é real, concreto, exercido de um
17

corpo para outro corpo, exercido por alguém que sente que tem o direito de
exercer isso, exercido em público e em privado. É a soma e substância da
opressão das mulheres. (DWORKIN,1984)

3.8 A VITIMIZAÇÃO SECUNDARIA E TERCIÁRIA DA MULHER VÍTIMA DE


VIOLÊNCIA SEXUAL.

As características da vitimização secundária são imediatamente após o ataque,


geralmente causa danos, sequelas psicológicas ou físicas e necessidade de ativação
de energia judicial. Isso também é chamado de vitimização excessiva, que busca por
obrigação proteger casos formais de violação de direitos. Em crimes de violência de
gênero, a vitimização secundária se dá quando as mulheres procuram proteção
policial para evitar uma nova agressão ou para pedir a punição agressor.
No que se refere a vitimização terciaria da vítima de crime sexual, consiste
exatamente na culpabilização que a população/sociedade impõe sobre mulher. Estes
atos de apontar o crime como um erro ou responsabilidade da sofredora da agressão
causam nao só um constrangimento nao só externo, mas também interno. O
psicológico se abala, os pensamentos mudam, e em algumas vezes ate ela mesma
se questiona se a culpa realmente não foi dela.
O STJ tem entendimento majoritário em relação ao valor da palavra da vítima:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL.
ESTUPRO. PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR PROBANTE. ACÓRDÃO A QUO
EM CONSONÂNCIA COMA JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL.
MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULAS7 E 83/STJ. 1. A ausência de
laudo pericial conclusivo não afasta a caracterização de estupro, porquanto a
palavra da vítima tem validade probante, em particular nessa forma
clandestina de delito, por meio do qual não se verificam, com facilidade,
testemunhas ou vestígios.
(STJ - AgRg no AREsp: 160961 PI 2012/0072682-1, Relator: Ministro
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 26/06/2012, T6 -SEXTA
TURMA, Data de Publicação: DJe 06/08/2012)

Embora não haja nenhum vestígio físico evidente, a violência psicológica


também é uma grave violação dos direitos humanos , que afeta diretamente a saúde
física e mental. A Organização Mundial da Saúde (OMS) a considera a forma mais
comum de abuso contra a mulher dentro da família, e sua naturalização também tem
sido apontada como um estímulo para a espiral de violência.
Na vitimização secundária a mulher incorre em inúmeros constrangimentos e
condutas invasivas, seja no inquérito policial ou na fase judicial, uma vez que
os crimes sofridos necessitam de provas invasivas, como exames físicos,
interrogatórios, repassagem dos momentos da agressão, dentre outros, fatos
18

estes que afetam seu psíquico tanto ao relatar a terceiros a dor sofrida,
quanto ao relembrar diversas vezes o ato do crime. (PAULA, 2018)

O caso Mariana Ferrer, que causou grande comoção social é um dos exemplos
de crimes contra a mulher com um descaso considerável do judiciário e com proteção
ao réu. No ano de 2018, Mariana Ferreira Borges, mais conhecida como Mari Ferrer,
digital influencer, trabalhava como embaixadora em um beach club na cidade de
Florianópolis/SC, fazendo divulgações do evento em suas redes sociais, no dia 15 de
dezembro. “Um dos laudos periciais anexados ao processo confirmou que houve
rompimento de hímen – o que indicou que a vítima era virgem até então – e que a
conjunção carnal ocorreu naquele dia.” (ALVES, 2020). A moça era virgem, estava
trabalhando, e no meio do evento foi dopada por um dos frequentantes do espaço,
levada para uma área reservada (como mostram as câmeras de vigilância do local no
referido dia, através de vídeos divuldados nas redes sociais) onde sofreu o abuso.
“Fui levada para um lugar desconhecido por mim e acredito que também seja para a
grande maioria das pessoas que lá frequentam” (Mariana Ferrer, 2020)
Mariana registrou a ocorrência no dia posterior ao acontecido, mas nada
aconteceu.
Cinco meses após o registro da ocorrência, em maio de 2019, o caso não
havia caminhado e Mariana decidiu compartilhar seus relatos nas redes
sociais. A história viralizou e foi compartilhada por milhares de pessoas,
incluindo personalidades famosas. Em julho, André de Camargo Aranha se
tornou réu do caso, investigado como estupro de vulnerável. No início das
investigações, Aranha, empresário que trabalha no ramo de marketing
esportivo, negou ter se aproximado da jovem naquela noite. Ele também se
recusou a fazer um exame de DNA a fim de que a polícia avaliasse se o seu
material genético era compatível com o do esperma encontrado na roupa da
influenciadora. No entanto, a delegada responsável pelo caso na época,
Caroline Monavique Pedreira, pediu que um copo de água usado pelo
empresário durante seu depoimento fosse estudado. Os resultados
comprovaram a compatibilidade entre o seu material genético e o esperma
presente na calcinha. Além disso, ele foi reconhecido nas imagens das
câmeras de segurança do local subindo uma escada de mãos dadas com ela
e foi apontado como suspeito por duas testemunhas. (BARDELLA, 2020, não
paginado)

Ainda na audiência do caso, Mariana foi humilhada pelo advogado de defesa,


diminuindo-a, mostrando fotos dos seus perfis das redes sociais, julgando seu
trabalho, objetificando a garota por causa de fotos “sensuais” na internet. No vídeo o
advogado ainda usa os termos “posições ginecológicas” e “chupando o dedinho”.
(BARDELLA, 2020)
O que gerou maior indignação no julgamento foi o chamado “estupro culposo”
e o “erro de tipo”, que não está presente na sentença, mas foi usado para associar o
19

caso e a absolvição do réu. André Aranha, o “suspeito” do caso em questão alegou


que não se lembrava do que aconteceu, dizendo que Mariana o seduziu e que tiveram
apenas pouco contato sexual. (ALVES, 2020)
Bardella cita D’urso dizendo:
O que gerou indignação foi o conceito jurídico de "erro de tipo". A advogada
criminalista e professora de Direito Penal Adriana D'Urso, consultada por
Universa, explica: "Se um homem tem relação sexual com uma menina menor
de 14 anos, o que pela lei é estupro de vulnerável, mas ela apresenta para
ele um documento falso, em que diz ter mais de 18, isso é um erro de tipo.
Não houve intenção de praticar o crime", diz. "Isso acontece com outros
crimes. E a pessoa será punida se, no Código Penal, a prática tiver a
modalidade culposa, sem intenção, como no caso do homicídio. O estupro
não aceita isso." (BARDELLA, 2020, não paginado)

Mais rescentemente, o senado aprovou uma nova lei a qual chamaram de


Mariana Ferrer, que consiste na proteção da vítima de agressões em audiência. A
vítima, neste caso especifico, foi humilhada pelo advogado da parte ré em audiência
de forma explicita, e nada foi feito para que ela fosse defendida. O réu, o senhor André
Aranha, foi inocentado por falta de provas, mesmo tendo várias evidências que
comprovavam o estupro. A presente lei também foi sancionada pelo presidente
Bolsonaro na data de 23 de novembro de 2021.
O Senado aprovou a Lei Mariana Ferrer, que protege a vítima de violência
durante julgamento e obriga o juiz a zelar pela integridade da mulher em
audiências de crimes contra a dignidade sexual. O projeto de lei foi elaborado
após Mari Ferrer ter sido constrangida pelo advogado de defesa de André
Aranha em frente ao juiz do caso. O texto segue para sanção presidencial.
Se Jair Bolsonaro (sem partido) assinar a lei, o Código Penal mudará para
garantir melhor tratamento à vítima de crimes contra a dignidade sexual.

O projeto de lei foi de autoria da deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) e


foi apresentado em novembro do ano passado após o ocorrido com Mari
Ferrer. (DUARTE, 2017)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mulher sempre foi colocada em um ambiente violento, sofrendo de


revitimização e suas consequências, mormente e inicialmente quando busca o estado
para resolver um problema. O que se vê, diante da realidade familiar e do coletivo,
essa situação é frequente e não solucionada.
O presente artigo enfatizou a sociedade descriminatória e omissa no que se
refere às mulheres vítimas de violência sexual, psicológica, física e o quanto elas são
culpabilizadas pelos atos violentos que sofrem. Para a descontrução de tais
parâmetros sociais então, é dever das instituições romper esses padrões de
desigualdade para que se consolide o respeito às diferenças e ao gênero.
20

Apesar de se observar um desempenho vindo do Judiciário na ascenção


desses mecanismos de direito que protegem a mulher violentada, este ainda não é
suficiente nem uma realidade absoluta. A ADC n° 19 – Constitucionalidade da Lei
Maria da Penha – discorre especificadamente em relação à igualdade de gênero e
como isso se mostrou importante no certame deste assunto no judiciário. Essa
decisão surge então de maneira com que o Estado tenha a oportunidade de se
expressar sobre a sua prioridade no tratamento da violência contra a mulher.
Em um breve apanhado, o objetivo principal é questionar a respondabilidade
do Estado para que impulsione e propicie mudanças nas atitudes discriminatórias e
não naturalizando-as em relação ao gênero feminino. Dessa forma, tanto a violência
quanto a discriminação contra as mulheres devem ser colocadas como
responsabilidade, pois fere os direitos humanos, quando se põe a mulher como mero
objeto/coisa.
Diante do exposto, apesar dessas inovações, ainda há necessidade do Estado
tomar ações mais precisas para melhorar esses mecanismos ou uma ferramenta
criada pelas referidas legislações, seja na formação de profissionais prestadores de
serviço, ou implantar novas unidades especializadas. Além disso, ao relatar e apontar
o papel da sociedade, é enfatizado que precisa ser melhorado para se adaptar
adequadamente a realidade atual.
21

REFERÊNCIAS

________. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão nº AgRg no AREsp 160961 PI


2012/0072682-1. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 06 ago. 2012.

ALVES, Schirlei. Caso Mariana Ferrer: conheça os detalhes do processo que


absolveu empresário. ND Mais, Florianópolis, 2020. Disponível em:
https://ndmais.com.br/seguranca/policia/exclusivo-os-detalhes-do-processo-que-
absolveu-acusado-de-estuprar-mariana-ferrer/. Acesso em: 29 Nov. 2021.

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Violência sexual e sistema penal: proteção
ou duplicação da vitimação feminina? Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos,
Florianópolis, pp. 87-114, jan. 1996. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15741/14254 Acesso em
13 out. 2021.

APARECIDA, Silvania; LEITE, Braga. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE


FORA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS BACHARELADO
INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS. [s.l.]: , [s.d.]. Disponível em:
https://www.ufjf.br/bach/files/2016/10/SILV%C3%82NIA-APARECIDA-BRAGA-
LEITE.pdf . Acesso em: 13 out. 2021.

BARDELLA, Ana. Mari Ferrer: entenda a cronologia do caso, a denúncia e a


sentença. Uol.com.br. Disponível em:
https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/11/10/caso-mari-ferrer.htm .
Acesso em: 27 Nov. 2021.

BARUKI, L.V.R.P.; BERTOLIN, P.T.M. Violência contra a mulher: a face mais


perversa do patriarcado. Quem tem medo do lobo mau? - Mulher, sociedade e
direitos humanos. São Paulo: Rideel, 2010.

BERTOLIN, P.T.M; ANDREUCCI, A.C.P.T. Mulher, sociedade e direitos humanos.


São Paulo: Rideel, 2010.

BUENO, S.; MARTINS, J. Nada a comemorar. 2018. Disponível em:


https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/nada-a-comemorar.ghtml . Acesso
em: 13 out. 2021.

CESAR AUGUSTUS MAZZONI; ANTÔNIO, Carlos; MARIANA; et al. A vitimização


terciária e a violência de gênero contra mulher. Jus.com.br. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/59788/a-vitimizacao-terciaria-e-a-violencia-de-genero-
contra-mulher . Acesso em: 28 out. 2021.

Crimes de estupro: culpabilização da mulher vítima dos crimes de estupro -


Âmbito Jurídico. Âmbito Jurídico. Disponível em:
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/crimes-de-estupro-
culpabilizacao-da-mulher-vitima-dos-crimes-de-estupro/ . Acesso em: 13 out. 2021.
22

DUARTE, Nathalia. Caso Mari Ferrer: Senado aprova lei Mariana Ferrer, que
protege vítima de crime sexual. @purepeopleBR. Disponível em:
https://www.purepeople.com.br/noticia/senado-aprova-lei-mariana-ferrer-que-
protege-vitima-de-crime-sexual_a329871/1 . Acesso em: 30 out. 2021.

DWORKIN, Andrea Rita. Eu quero uma trégua de 24 horas sem estupro -


ARQUIVISTA RADICAL. Felinismo Radical - Medium. Disponível em:
https://medium.com/arquivo-radical/eu-quero-uma-tr%C3%A9gua-de-24-horas-sem-
estupro-c098dfb5dda4 . Acesso em: 13 out. 2021.

FERRO, Adriana. Repensando a Mulher no Crime de Estupro: De vítima a culpada,


uma inversão em razão do gênero. Parte 1. Leccionem: Página da
Profa Dra Adriana Ferro. 29 de abr. de 2012. Disponível
em: http://www.adrianaferro.pro.br/2012_04_01_archive.html . Acesso em: 19 out.
2021.

FURIOSA. O que é Cultura do Estupro? - QG Feminista. QG Feminista.


Disponível em: https://qgfeminista.org/o-que-e-cultura-do-estupro/ . Acesso em: 13
out. 2021.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, v. III – 9º Ed. – Niterói,
RJ: Impetus, 2012.

LEÃO, Ingrid. Perspectiva de gênero no Judiciário: promoção e garantia de


igualdade, Mulher, sociedade e direitos humanos – São Paulo: Rideel, 2010.

IPEA. Governo Federal. Tolerância social à violência contra as mulheres. 04 de


abril de 2014. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/140327_sips_violencia_mu
lheres_novo.pdf . Acesso em: 13 out. 2021.

LIMA, C. A. DE; DESLANDES, S. F. Violência sexual contra mulheres no Brasil:


conquistas e desafios do setor saúde na década de 2000. Saúde e Sociedade, v. 23,
n. 3, p. 787–800, set. 2014. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
12902014000300787&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 13 out. 2021.

LUZ SEGUNDO, Elpídio Paiva. Direitos da personalidade: quo vadis?. Revista de


Direito da Faculdade Guanambi, Guanambi, v. 7, n. 01, e280, jan./jun. 2020.
doi: https://doi.org/10.29293/rdfg.v7i01.280. Disponível
em: http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/
280. Acesso em: 13 out. 2021.

Nunes, M. C. A., Lima, R. F. F., Morais, N. A.. Violência Sexual contra as


Mulheres. Psicologia: Ciência e Profissão. Out/Dez. 2017 v. 37 n°4, 956-969.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703003652016 . Acesso em: 13 out.
2021.

OLIVEIRA, Marcelo. Estudante de 9 anos é estuprada e morta – Folha de S.


Paulo. Cotidiano - São Paulo, terça, 13 de outubro de 1998. Disponível em:
23

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff13109827.htm . Acesso em: 19 out.


2021.

PAULA, Bárbara Emiliano de. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA UFU


DISTORÇÃO DE CONCEITOS: O tratamento da vítima como culpada. Análise
sobre vitimização secundária e criminalização da vítima mulher nos crimes de
violência de gênero. 2018 [s.l.: s.n., s.d.]. Disponível em:
https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/24210/3/DistorcaoConceitosTratament
o.pdf. Acesso em: 28 out. 2021.

PEIXOTO, A. F.; NOBRE, B. P. R. A RESPONSABILIZAÇÃO DA MULHER VÍTIMA DE


ESTUPRO. Revista Transgressões, v. 3, n. 1, p. 227-239, 27 maio 2015. Disponível em:
https://periodicos.ufrn.br/transgressoes/article/view/7203. Acesso em: 13 out. 2021.
PIMENTEL, Silvia; SCHRITZMEYER, Ana Lúcia P.; PANDJIARJIAN, Valéria. Estupro:
crime ou “cortesia”? Abordagem sociojurídica de gênero. Porto Alegre: Fabris, 1998.
(Coleção Perspectivas Jurídicas da Mulher).
RAMOS DA SILVA, V. A cultura do estupro e a culpabilização da vítima de
violência sexual. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Uberlândia, v. 47, n. 2, 9 jan. 2020. Disponível em:
http://www.seer.ufu.br/index.php/revistafadir/article/view/51386. Acesso em: 13 out.
2021.

RUANA, Jéssica; MENDES, Lima; VANJA, Raimunda; et al. ANÁLISE DA


VITIMIZAÇÃO DA MULHER EXPOSTA A VIOLÊNCIA. [s.l.: s.n., s.d.]. Disponível
em: https://semanaacademica.org.br/system/files/artigos/artigo-revista.pdf . Acesso
em: 20 out. 2021.

SILVA, Vanessa Ramos. A cultura do estupro e a culpabilização da vítima de


violência sexual: comentários ao Acórdão nº 70080574668 do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul. Revista da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Uberlândia. | v. 47 | n. 2 | pp. 363-371 | jul./dez. 2019 | ISSN 2178-0498.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.14393/RFADIR-v47n2a2019-51386 . Acesso em:
13 out. 2021.

SOUSA, Renata Floriano de. Cultura do estupro: prática e incitação à violência


sexual contra mulheres. Revista Estudos Feministas, v. 25, n. 1, p. 9–29, 2017.
Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
026X2017000100009 . Acesso em: 13 out. 2021.

Você também pode gostar