Gabriel F. Magno1, ∗
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Instituto de Fı́sica de São Carlos, Universidade de São Paulo, CP 369, 13560-970, São Carlos, SP, Brasil
Vamos apresentar três derivações da condição de quantização sobre a carga magnética usando o efeito
Aharonov-Bohm, invariância de gauge e um método heurı́stico através dos nı́veis de Landau. Discutiremos
qualitativamente um modelo de matéria condensada, chamado spin ice, que simula uma exitação parecida com
uma carga magnética pura assim como apresentar um panorama da busca do monopolo magnético.
∇ · Bmon , 0. (6)
II. ELETROMAGNETISMO NA MECÂNICA QUÂNTICA
Se quisermos que o campo magnético tenha divergência
não nula porém mantendo a relação para Bmon dada em (2)
É importante termos em mente algumas caracterı́sticas do devemos escolher um potencial vetor com uma singularidade
eletromagnetismo no contexto da mecânica quântica [3]. Os especial onde recuperamos a condição (6). Em coordenadas
esféricas um possı́vel potencial vetor seria:
g(1 − cosθ)
∗ gabriel.magno@usp.br ADir = ϕ̂. (7)
rsinθ
2
Esse potencial, chamado potencial vetor de Diral, é singular só faz sentido identificarmos esse objeto como um mono-
para toda uma linha θ = π, essa singularidade tem o nome de polo magnético se o solenóide fino semi-infinito for comple-
corda de Dirac. tamente não fı́sico, ou seja, indetectável. Em particular, não
Ainda temos que na condição de monopolo magnético na produzir nenhum deslocamento de fase em um experimento
origem não há nenhum gauge tal que qualquer A seja não- do tipo Aharonov-Bohm [7]. Vamos modelar o solenóide
singular em todo espaço exceto a origem [4]. Para provar semi-infinito como um casca cilı́ndrica estendida da origem
essa afirmação, considere uma famı́lia de loop’s Γθ fixo θ e até z → −∞, com seção transversal S e corrente azimutal
r com ϕ ∈ [0, 2π], vamos agora integrar A sobre Γθ . Sendo Σ por unidade de comprimento λ. Cada anel de corrente do so-
a superfı́cie cujo contorno é Γθ , se A é não-singular fora da lenóide entre z e z + dz produz um momento de dipolo [8]:
origem, podemos reescrever a integral usando o Teorema de
Stokes:
dIS ẑ λdzS ẑ
I Z dm = = . (10)
c c
A · dl = B · dS
Γθ Σ Um momento de dipolo magnético m na origem produz um
Z θ Z 2π potencial vetor:
g (8)
= dθ0 dϕr2 senθ0
0 0 r2 m×r
A(r) = . (11)
= 2πg(1 − cosθ). r3
Para computar o potencial vetor em todo espaço basta inte-
Mas, para θ → π, obtemos o valor 4πg, uma contradição,
grar as contibuições de cada momento de dipolo distribuı́dos
pois nesse limite o loop Γθ colapsa em um ponto. Por-
de z ∈ (−∞, 0]. No sistema de coordenadas esférico:
tanto, a afirmação que A é não-singular fora da origem é
falsa. Isso significa que todo potencial vetor de um mono- dm × r0 (z0 )
Z
polo magnético terá singularidades tipo corda de Dirac fora A(r, θ, ϕ) =
r03 (z0 )
da origem. Transformações de gauge só mudariam a posição
λS sinθ0 (z0 )ϕ̂ 0
Z 0
da corda de Dirac (Seção III C). = dz (12)
Do resultado (8) temos que o potencial vetor (7) terá ∇ × −∞ cr02 (z0 )
λS 1 − cosθ
ADir = (g/r2 )r̂ + 4πgθ(−z)δ(y)δ(x)ẑ em conta do fluxo rema- = ϕ̂.
nescente em θ = π, assim podemos dizer que: c rsinθ
1 2 v
mv = ~ n. (20)
2 r
Como temos apenas a componente Jz do momento angular,
podemos achar uma relação de quantização para ela a partir
de (20):
Jz = mrv = 2~n. (21)
Podemos usar o resultado de (21) para obter a quantização
de E:
c ~c
E = Jz = 2n. (22) Figura 4: Rede pirocloro do spin ice. Cada spin reside ao longo de um
r2 g r2 g eixo paralelo a uma das linhas pretas, que adentram o tetraedro pelos
vértices e intersectam o seus centro. Retirada de [10]
A magnitude do campo elétrico entre as placas do capacitor,
ambas tendo densidade de carga ±σ, é dada por E = 4πσ. Se
±Q é a carga em cada placa diretamente acima ou abaixo da
órbita, então Q = πr2 σ. Assim temos a novamente a condição
de quantização de Dirac relacionando Q com (22):
~c
E = 4Q/r2 ; Q = n. (23)
2g
Então a carga sobre as placas é quantizada em unidades
~c
de 2g , como Q é quantizado em unidades de e então g deve
~c
também o ser, só que em unidades de 2e . Essa derivação
ilustra a conecção entre a quantização de carga elétrica com
quantização de carga magnética.
A. Spin Ice
Figura 5: (c, d) são obtidas ao substituir cada spin em a e b por um par de
Certos materiais, conhecidos como spin ices, podem se cargas magnéticas opostas colocadas nos sı́tios mais adjacentes da rede. Em
comportar como se possuı́ssem um gás livre de monopolos (a, c), as vizinhaças obedecem a regra do gelo, com dois spins apontando
para dentro e dois para fora, dando carga magnética lı́quida zero em cada
magnéticos [10]. Exemplos de spin ices incluem Dy2 Ti2 O7 e
sı́tio. Já em (b, d), invertendo o spin compartilhado, um par de monopolos
Ho2 Ti2 O7 . Esses materiais exibem quasipartı́culas de mono- magnéticos aparece (sı́tios com carga magnética lı́quida), esta configuração
polo magnético a temperaturas abaixo de 1K [11]. tem um grande momento magnético. e mostra um par de monopolos
Spin ice é um sólido composto de um número de sı́tios, cada separados (esferas vermelha e azul destacadas) por uma linha de dipolos
um com formato tetraedral, com um elétron em cada vértice conectados (‘corda de Dirac’) entre eles, destacada em branco, as linhas de
campo também estão representadas. Retirada de [10]
do tetraedro. Essa configuração é chamada rede pirocloro. O
spin do elétron é restrito a apontar diretamente para dentro ou
fora do tetraedro, ao londo de um eixo conectando o centro de
dois sı́tios consecutivos. O cristal e o eixo de cada spin são Vamos aproximar o spin por um par de monopolos
mostrados na Fig. 4. magnéticos ligados por um halteres. Fazendo isso, quando
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a maioria dos spins aponta para dentro/fora, o sı́tio parece um Existem também experimentos que tentam criar o mono-
monopolo magnético. O haltere é escolhido grande o sufici- polo. Pesquisas anteriores no Tevatron, LEP, e HERA falha-
ente para que cada monopolo resida no centro de cada sı́tio, ram na produção e detecção de monopolos magnéticos [12].
Fig. 5(c,d). Esses resultados negativos sugerem que monopolos devem ter
A configuração de menor energia do sistema ocorre quando massa maior que TeV/c2 . Atualmente ocorrem pesquisas em
cada tetraedro tem dois spins apontando para dentro e dois aceleradores de altas energias, como o experiemento MOE-
apontando para fora, conhecida como regra do gelo. A DAL no LHC.
explicação intuitiva para isso vem da aproximação de halte- Outros experimentos tentam medir o fluxo de monopo-
res, onde cada sı́tio no cristal deve contribuir com um termo los vindos de fontes astrofı́sicas [12]. O experimento MA-
de potencial do tipo Coulomb no Hamiltoniano do sistema, e CRO usou um detector subterrâneo por 11 anos, todavia não
o estado de menor energia deve ocorrer quando todos os sı́tios foi detectado nenhum monopolo, assim colocaram um li-
forem neutros. mite superior de 10−16 cm−2 s−1 sr−1 sobre o fluxo de mono-
Um grande número de configurações permitem a regra do polos magnéticos. O experimento RICE também não de-
gelo, dando um estado fundamental altamente degenerado. Se tectou nenhum monopolo, baixando o limite superior para
um uńico haltere (spin) é flipado, então um sı́tio no cristal terá 10−18 cm−2 s−1 sr−1 .
uma carga magnética lı́quida positiva, e um sı́tio adjacente a O limite superior do fluxo de monopolos magnéticos
ele terá carga magnética lı́quida negativa. Essas exitações pro- também pode ser derivado através do campo magnético da
duzem um par monopolo-antimonopolo livres para se mover nossa galáxia [12]. A Via Láctea é permeada por um campo
ao longo do cristal através dos fliping’s de spins adjacentes, magnético de cerca de 3µG. Se um monopolo existe na nossa
diferentemente do par de monopolos confinados nos extremos galáxia ele drenaria energia desse campo magnético com uma
de um solenóide visto na Seção III B, criando uma corda de taxa de dissipação dependente do fluxo de monopolos. Mo-
dipolos flipados equivalente a corda de Dirac, Fig 5(e). nopolos pesados seriam dominados por forças gravitacionais,
Por causa da força tipo-Coulomb entre os monopolos mas para monopolos leves, com massa < 1017 GeV/c2 , o fluxo
magnéticos cair com 1/r2 , enquanto a interação dipolo-dipolo pode ser limitado por 10−15 cm−2 s−1 sr−1
cai com 1/r3 , podemos desconsiderar com boa aproximação Existe muita fı́sica na literatura sobre monopolos
contribuições do tipo dipolo-dipolo no Hamiltoniano [12]. magnéticos. Um tratamento completo do assunto estaria
Dessa forma o caminho de dipolos flipados não tem im- fora do escopo desse trabalho. Vamos destacar mais alguns
portância, não podemos afirmar que esse análogo a corda de pontos relevantes:
Dirac exista sobre qualquer caminho particular conectando
dois monopolos. Isso é análogo ao caso da ambiguidade na (a) Dirac, originalmente, obteve o seu resultado introdu-
posição da corda de Dirac , que varia com o gauge, visto na zindo uma extensão não usual da mecânica quântica,
Seção III C. Entretanto, essa corda de Dirac no cristal não é conhecida como fatores de fase não integráveis [2][4].
afı́sica, e a quantização do monopolo no sistema não obedece Esses fatores acabam determinando unicamente o
a condição de quantização de Dirac. campo eletromagnético. A condição de quantização
A existência dessas quasipartı́culas de monopolo magnético resulta da imposição que todas as funções de onda
foi experimentalmente verificada. Usando Dy2 Ti2 O7 foram não integráveis do sistema descrevem o mesmo campo
medidas correntes magnéticas e interações tipo-Coulomb en- magnético.
tre monopolos. Também foi determinado a condutividade
magnética do material e medida a carga magnética das quai- (b) Existem muitas outras derivações da condição de
partı́culas [11]. quantização do monopolo magnético. Um mais sim-
Esse é um exemplo de um sistema fı́sico real em que se plista usa um argumento semi-clássico baseado na
pode estudar quasipartı́culas de monopolos magnéticos quantização do momento angular carregado por um
campo eletromagnético [8]. O campo eletromagnético
criado por um monopolo elétrico e magnético, ambos fi-
B. Panorama geral xos, carrega um certo momento angular; afirmando que
o momento angular vem quanta de ~/2, a condição de
Monopolos magnéticos ainda são amplamente procurados. quantização de Dirac é obtida.
Uma das técnicas se baseia no fato que corrente elétrica
produz campo magnético circulante, corrente magnética (c) Monopolos magnéticos podem ser generalizados por
deve produzir campo elétrico circulante. Se um monopolo dyons, partı́culas que carregam cargas eleétricas e
magnético passar por um anel condutor deverá ser induzida magnéticas [14] [15]. Se um dyon tem carga elétrica
uma corrente que é substancialmente diferente daquela ge- e1 e magnética g1 , e outro e2 e g2 , então e1 g1 − e2 g2
rada por um dipolo magnético passando por um anel condutor. deve ser um múltiplo inteiro de ~c/2.
Blas Cabrera [13] realizou esse tipo de experimento monito-
rando a corrente que atravessava um anel supercondutor por (d) Uma teoria gran-unificada prevê a existência de mo-
151 dias. Uma candidata a detecção do monopolo carregando nopolos magnéticos [1][16][17]. Sua massa é prevista
um gD surgiu, porém esse resultado tentador não se repetiu. O com ordem de 1016 GeV/c2 , muito além das energias
consenso foi que essa detecção é inconclusiva. alcançadas no aceleradores de partı́culas modernos.
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