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Escola de História da Igreja – Patrística - Lucas Régis Lancaster

Aula 16 - “APOLOGÉTICO”, de TERTULIANO DE CARTAGO

O autor e a obra

➢ O autor: Nasceu em Cartago em 160, filho de pais pagãos, estudou seriamente, formou-se
advogado e atuou como jurista. Se converteu ao catolicismo aos 30 anos, rompeu com todo o
passado, ordenou-se sacerdote e tornou-se progressivamente o personagem mais destacado da
Igreja de Cartago. Possuía uma inteligência profunda e conhecimentos vastíssimos. Durante 20
anos, até cerca de 210, esteve na vanguarda das fileiras da Igreja, atacando um por um dos seus
inimigos, as “víboras”, como os chamava: pagãos perseguidores, judeus, apóstatas, hereges. A
única coisa que importava para ele era a Igreja, a lei de Cristo, e a disciplina moral, nada mais
(por isso recusa a filosofia como uma invenção demoníaca
e desandou para o rigorismo). Tinha um temperamento de
fogo, e lançou-se desde sua conversão ao assalto de todos
os inimigos de Cristo, desbaratando um por um. Nenhum
orador o ultrapassava na arte da palavra, na habilidade
dialética, na dureza em destruir o adversário. Era sobretudo
um polemista. Foi um dos maiores gênios da humanidade,
diz o Padre Insuelas, mas faltou-se moderação e sabedoria.
Quase sempre apaixonado, era por vezes áspero e rude. Na
verdade, diz Daniel-Rops, o que lhe faltou foi “penetrar
verdadeiramente o sentido das palavras do Evangelho que
prometem o reino dos céus aos humildes de coração”.
➢ Obras: Escreveu 35 livros, a maioria em sua face católica:
(a) escritos apologéticos: Aos gentios; Apologético; De TERTULIANO

Testemonio Animae; Carta a Escápula; Contra os judeus; (b)


Escritos polêmicos: Da Prescrição dos hereges; Contra Hermógenes; Contra Marcião; Contra
Práxeas; (c) Escritos dogmáticos: Do Batismo; O Escorpião; Da carne de Cristo; Da
Ressurreição da carne; Da alma; (d) Escritos morais e espirituais: Da oração; Da Penitência;
Do Adorno das mulheres; À esposa; Aos mártires; Da paciência; Dos espetáculos; Da idolatria.
➢ O “Apologético”: Estudaremos a melhor obra apologética de Tertuliano, que se destaca tanto
no conteúdo quanto na forma. Foi escrita em 197 e está dividida em 50 capítulos.

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A estrutura da obra

➢ A obra explora os seguintes temas:


• Como advogado, Tertuliano começa por explorar as questões jurídicas, demonstrando
as injustiças processuais e legais nas condenações aos cristãos (c. 1-5 p. 53-72) e mostra
como eram os pagãos, e não os cristãos, que não cumpriam mais suas próprias leis (c.
6, p. 72-75).
• Em seguida responde às acusações de crimes privados feitas contra os cristãos,
devolvendo essas acusações contra os próprios acusadores (c. 7-9, p. 76-86).
• Subsequentemente, responde às acusações de crimes públicos supostamente
praticados por cristãos (c. 10-15, p. 86-101) contestando as seguintes afirmações:
▪ Os cristãos ofendem a religião oficial? (c. 22-24, p. 124-134).
▪ Os cristãos conspiram contra Roma, na medida em que não cultuam os
deuses que lhe deram o Império? (c. 25-26, p. 134-141).
▪ Os cristãos ofendem o imperador? (c. 28-36, p. 142-153)
▪ Os cristãos prejudicam a sociedade? (c. 37-41, p. 153-167)
▪ Os cristãos não colaboram com a sociedade? (c. 42-45, p. 167-173)
• Tertuliano também se dedica a explicar a fé cristã:
▪ Respostas às mentiras a respeito de nossa fé (c. 16, p. 101-15)
▪ Explicação do Antigo Testamento (c. 17-21, p. 105-117)
▪ Doutrina cristológica de Tertuliano (c. 21, p. 117-123)
▪ A fé cristã é como a dos filósofos? (c. 46-48, p. 175-183)
• Conclusão (c. 49-50, p. 186-191).

I- Injustiças processuais e legais nas condenações aos cristãos (1-6)

➢ Ele endereça sua obra não aos imperadores, mas aos governadores locais, responsáveis por
julgar os cristãos. Começa reclamando que os cristãos não têm julgamento justo, não são
ouvidos e que é por isso que ele escreve sua obra, a fim de que se permita que “a verdade
chegue até vossos ouvidos, ainda que seja através do caminho silencioso da palavra escrita”
(1,1).
➢ Diz Tertuliano que a verdade não é deste mundo, mas que seria extremamente vantajoso se as
leis a condenassem pelo menos a ouvindo. Os romanos, por outro lado, condenavam sem ouvir

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a verdade: “isso porque se negam a ouvir o que, uma vez ouvido, seriam incapazes de
condenar” (1,3).
➢ 1º argumento – A injustiça contra o próprio nome de cristão que os pagãos desconheciam
(1,4-12): os romanos condenavam não uma prática ou ato ou crime, mas um nome. A injustiça
é ainda mais grave e indefensável justamente porque se condena o que se ignora. Os romanos
não sabem quem são os cristãos e o que é ser cristão, e mesmo assim condenam à morte aqueles
que assim se declaram. Não há, porém, nada pior do que odiar o que desconhece.
• E ele mostra a contradição e a máxima das injustiças: os pagãos ignoram os cristãos
porque os odeiam, e os odeiam justamente porque os ignoram.
• Os perseguidores diziam que as cidades estavam invadidas, que havia cristãos em todos
os cantos, em todas as condições, mas nem isso os levava a considerar que talvez
houvesse um bem escondido entre eles. Poderiam perscrutar a respeito da fé cristã
(mas somente nisso a curiosidade humana mostrou-se ponderada), mas não querem
saber a razão das conversões, preferindo ficar na ignorância e naquele ódio injusto.
• Mas os pagãos poderiam objetar: “muitos se convertem ao mal, muitos passam ao vício.
Não é porque algo atrai a muitos que é bom”. Tertuliano concorda, mas diz que quando
alguém se converte ao mal, se esconde, pois se envergonha do mal que pratica. Mas
nenhum cristão se envergonha nem se arrepende de se ter convertido. Ao ser
denunciado, se alegra; se acusado, não se defende; se condenado, se alegra. Que classe
de delito é este, pergunta, que não apresenta as características de delito? Que classe de
delito é esse que os réus se gloriam, cuja acusação desejam e cujo castigo constitui para
eles uma vitória?
➢ 2º argumento – Somos tratados diferentemente de outros criminosos (2,2-5): Afinal,
mesmo se formos culpados, por que os romanos nos tratam diferente dos outros criminosos?
Ora, os romanos reconheciam os direitos dos demais se defenderem de qualquer crime,
enquanto a nós esse direito era vedado. Quando se trata de cristãos não há presunção de
inocência, não há dúvidas: somos culpados de terríveis abominações.
➢ 3º argumento – Maluquice do “rescrito de Trajano” (2,6-9): Que tipo de criminosos somos
nós, pergunta Tertuliano, que não podemos ser procurados? Os outros bandidos e criminosos
podem ser procurados, mas os cristãos não. Que perigo é este que oferecemos se se proíbe que
nos busquem?
➢ 4º argumento – Nos torturam para que neguemos (2,10-15): Os criminosos são torturados
para que confessem sê-lo, nós somos torturados para que neguemos ser cristãos. Somente de

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nós o direito romano quer a mentira: quer, com efeito, que digamos que não somos cristãos,
enquanto dos outros quer que digam a verdade.
➢ 5º argumento – Basta negarmos para sermos absolvidos (2,15-2,17): Ao cristão, a quem se
considera culpado de todos os crimes, basta que negue para ser absolvido. Que grande perigo é
este que os cristãos oferecem? Será que os pagãos não percebem que muitos podem negar ser
cristãos, ser absolvidos, e depois continuar sendo cristãos?
➢ Conclusão (2,17-3,8): não nos condenavam, nem perseguiam e nem odiavam por crime
nenhum, mas pelo simples fato de sermos cristãos, ou seja, pelo nosso nome, nome esse
“perseguido por não sei que classe de ódio, cujo único fim é impedir que os homens conheçam
com segurança o que eles têm a segurança de desconhecer”. Na tabuinha não inscreviam
“homicida, incestuoso, etc.”, mas “cristão”, que não é nome de delito algum. Com efeito, de
fato o nome cristão era muito malvisto: se dizia das boas pessoas: “pena que é cristão”. As
pessoas melhoravam de vida após sua conversão e, antes suportados nas suas más vidas, agora
corrigidos são expulsos, maltratados e deserdados.
➢ Mas dirão: “estamos apenas cumprindo a lei, que define ‘não se permite existir cristãos’”
(4,4-5,3): Trata-se do “Institutum Neronianum”, que proibia ser cristão. Contudo, não há nada
de mal em revogar leis injustas (ele cita o exemplo do imperador da época, Séptimo Severo,
que revogou muitas leis antigas). Tertuliano enuncia uma bela máxima jurídica: “as leis não
estão justificadas por sua antiguidade nem pela dignidade do legislador, senão só por sua
justiça, de forma que, quando se reconhece por injustas, é preciso condená-las” (4,10). E
nenhuma lei - como a que proíbe a existência dos cristãos - deve a si mesma a segurança de sua
própria justiça, senão que deve esperar que seja essa justiça averiguada. E por que essas leis
contra os cristãos são injustas? Porque condenam um nome, e mais nada. Ele recorre ainda a
um exemplo histórico: corria a história de que Tibério, em cujo reinado o nome “cristão” surgiu,
tentou tornar a religião cristã lícita, mas o senado não se pronunciou. Nero, porém, mudou de
ideia e passou a nos perseguir.
➢ Uma prova da injustiça das perseguições (5,4-8): Quem desencadeou a primeira
perseguição? Nero. Ora, é uma honra ter Nero por perseguidor, como depois dele Domiciano,
pois eram homens injustos, ímpios, infames. Os próprios pagãos os condenaram e reabilitaram
todos os condenados por eles, exceto os cristãos. De outra parte, todos os bons imperadores não
foram nossos perseguidores. Em resumo: os bons imperadores não aplicaram essas leis
neronianas contra nós. Então ele pergunta: “Que classe de leis são essas que utilizam contra
nós somente os ímpios, injustos, infames, cruéis, frívolos e insensatos?”. Ele cita em seguida

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os bons imperadores que não nos perseguiram: Vespasiano, Trajano, Adriano, Antonino Pio e
Marco Aurélio.
➢ Eram os romanos que não cumpriam suas próprias leis (6,1-6,10): Ele lista uma série de
leis tradicionais romanas que eles mesmos não mais cumpriam – leis que reprimiam o luxo e a
ambição, leis a respeito do matrimônio, sobre os costumes – tudo isso eles tinham abandonado.
Em tudo os romanos negavam os seus antepassados – no comer, na educação, nas conversas e,
sobretudo, no culto dos deuses. Com efeito, se acusava os cristãos de não mais adorarem os
deuses romanos, mas os próprios romanos tampouco os adoravam, cultores que eram agora de
divindades estrangeiras, sobretudo orientais.

II- Respostas às acusações de crimes privados (7-9)

➢ Éramos acusados de infanticídio, incesto e outros crimes (7,1).


➢ A isso responde Tertuliano:
1. Nem mesmo os pagãos acreditavam que essas histórias fossem verdadeiras, porque
não éramos obrigado a dizer o que fazíamos diante do verdugo, mas apenas negar que
éramos cristãos (7,2).
2. Todos os dias éramos traídos e assediados, mas nunca jamais ninguém nos surpreendeu
praticando os atos dos quais somos acusados (7,4-7).
3. Quem propagava esses boatos? A fama, aquela que espalha as histórias de modo a
nunca se saber onde surgiram (7,8-14). São boatos, e não histórias verazes
comprovadas por ninguém. Apenas a fama é o testemunho dos crimes dos cristãos,
mas ela não é capaz de provar o que lançou ao vento. Porém, diz Tertuliano, “tudo se
aclara com o tempo”.
➢ Tertuliano também rebate as acusações (8,4-9): nós cristãos prometemos a vida eterna. Mas
seria razoável crer que pregamos que a vida eterna será conseguida comendo crianças e
cometendo incesto? Quem iria se convencer disso e se tornar cristão? Mas os pagãos podem
responder: “isso é feito escondido dos prosélitos, só depois ficam sabendo”. Então, pergunta
Tertuliano, quem depois de se inteirar disso permaneceria cristão?
➢ Tertuliano mostra então que é entre os pagãos que isso ocorria (9,1-20): Ele cita vários ritos
e cultos pagãos nos quais se oferecia crianças aos deuses, se matava seres humanos, se fazia
orgias, etc. Entre os pagãos havia a terrível prática de “exposição dos recém-nascidos”, prática
que seria abandonada no século IV por influência da Igreja, enquanto os cristãos prefeririam
morrer a abandonar no frio ou afogar um recém-nascido, pois “entre nós é proibido qualquer

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homicídio, inclusive o aborto.” Quanto ao incesto: ora, o primeiro dos incestuosos é Júpiter, o
deus supremo que os cristãos se negam a adorar e que é o deus dos deuses para os pagãos.
Ademais, são os pagãos os são mais passíveis de incesto, uma vez que são eles quem
abandonam seus filhos, podendo, no futuro, um pai desposar a filha sem saber que é sua filha.

III- Respostas às acusações de crimes públicos (10-15)

➢ Tratando dos crimes públicos, ele começa por responder à acusação de que “não prestamos
culto aos deuses e ao imperador e que, por isso somos culpados de sacrilégios e lesa
majestade” (10-11,).
• Dizem que não prestamos cultos aos deuses, mas para nós não são deuses, e por isso
não prestamos culto. O máximo que poderiam exigir de nós não é que prestássemos
culto, mas que demonstrássemos que eles não são deuses.
• E é o que ele faz em seguida, tentando demonstrar que os deuses não são deuses, mas
que foram homens. Essa é a chamada interpretação “evemerista” dos mitos, segundo
a qual os deuses foram homens divinizados após sua morte, a ponto de se ter perdido a
lembrança de que um dia foram homens. Tertuliano então faz uma análise de alguns dos
deuses para mostrar que na verdade foram homens divinizados (10,4-11)
• Poderão então dizer os pagãos: não negamos que eram homens, mas afirmamos que
se tornaram deuses após sua morte. Mas responderá Tertuliano: para que isso
acontecesse, seria necessário que houvesse um Deus supremo, senhor da divindade, que
a comunicasse para estes homens. Caso contrário ninguém poderia transformá-los em
deuses (11,1-3). Contudo, seria absurdo pensar que haja um Deus que precise de deuses
auxiliares para executar a tarefa divina. Para demonstrá-lo, o “anti-filosófico”
Tertuliano recorre a um argumento filosófico: “Todo o conjunto deste mundo, seja
eterno e incriado - como diz Pitágoras -, seja nascido e feito - como diz Platão - em seu
mesmo princípio, e de uma vez para sempre, aparece organizado, harmonicamente
ordenado e governado racionalmente”. Não pode ser um princípio imperfeito o que o
realizou todo com perfeição. Com efeito, para nada o Criador precisaria de Saturno e
de seus filhos (11,4-9).
• Responderão os pagãos: a divinização por parte da divindade suprema poderia não
ser por necessidade dela, mas pelos méritos dos homens a se tornarem deuses.
Tertuliano responde com o óbvio: quem examina a conduta dos deuses descobrirá que

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o lugar adequado para eles não é o céu, mas o Tártaro, o inferno. É para lá que vão os
ímpios para com os pais, incestuosos, adúlteros, raptores de donzelas e corruptores de
crianças, violentos, homicidas, os que roubam e defraudam e todos os que parecem com
os deuses deles. Com efeito, os romanos tinham tribunais para castigar os que faziam
coisas semelhantes aos deuses, enquanto os adoravam. “Condenam uns e adoram seus
colegas. Convertestes em deuses os piores delinquentes” (11,10-14).
• Os pagãos adoram estas criaturas infames, ao mesmo tempo em que lançam aos infernos
homens bons, justo, prudentes. E assim ele lista personagens gregos, orientais e
romanos que, virtuosos, foram perseguidos e condenados pelos próprios pagãos, a
começar por Sócrates (11,15-16).
➢ Do mesmo modo como são os pagãos que não cumpre as leis, os pagãos são os primeiros a
não honrar os seus deuses (13,1-15,7) E lista várias demonstrações disso: (a) a preferência
que se dá a um em detrimento do outro; (b) a escolha dos piores animais para os sacrifícios; (c)
a educação dos jovens através de textos que humilham e desabonam os deuses – afinal, os
poetas assim o fazem, a começar por Homero, que mostra deuses ciumentos, irados e capazes
de ser feridos; (d) os poetas também desprezaram os deuses, como Sócrates. Mas os pagãos
dirão: “por isso o matamos”. Sim, responde Tertuliano, mas depois desfizeram a sentença,
colocaram uma estátua dele em Atenas e puniram os acusadores. E ele conclui com uma
pergunta irônica: “Me pergunto se vossos deuses não terão mais queixas contra vós do que
contra os cristãos”.

a) Os cristãos ofendem a religião oficial? (22-24)

➢ Os demônios conduzem o homem à idolatria (22): A partir do capítulo 22 Tertuliano explica


o que são os deuses: demônios. Com efeito, os filósofos conheciam estas “substâncias
espirituais”, que chamavam “daemones”, demônios. A atividade dos demônios consiste, desde
o princípio, em destruir o homem, causando-lhe todo tipo de dano. E foram eles que conduziram
a humanidade à adoração dos deuses através dos enganos, por exemplo, da falsa adivinhação,
Com efeito, eles afastaram o homem da meditação sobre a verdadeira divindade mediante os
enganos da falsa adivinhação, como os oráculos, como as aparições de fantasmas e todo tipo
de prodígio próprio dos charlatães. Assim eles se passam por deuses, produzindo coisas para
levar os homens a adorá-los como tais.
➢ Após demonstrar que os anjos e os demônios têm os mesmos poderes dos deuses pagãos, e que
o que os pagãos adoram tem a mesma natureza do demônio e depois de dizer com ironia que

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os pagãos agora “buscam novos deuses, porque os que tinhas por tais são demônios” (23,1-14)
ele explicará que, é em razão disso, que os cristãos não ofendem a religião oficial.
➢ Diz Tertuliano (23,15-19) que, como para os cristãos os deuses são demônios, não os
reconhecem como deuses, preferindo morrer para não trair Cristo adorando-os. Ou seja, nós
não ofendemos a religião oficial porque não reconhecemos que a religião oficial seja
autenticamente religião. Os que ofendem a verdadeira religião são os pagãos, uma vez que
adoram o que é falso e rejeitam a verdadeira religião do verdadeiro Deus, além de atacá-la
(23,15-24,1).
➢ E aos listar os vários cultos a todo tipo de divindade admitidos em todo o Império, Tertuliano
conclui: “nós, ao contrário, somos os únicos a quem se proíbe ter sua religião: ofendemos os
romanos e somos considerados culpados, porque não adoramos os deuses dos romanos”
(24,9). “Entre vós há direito de adorar a qualquer deus, exceto ao verdadeiro, como se não
fosse Deus de todos aqueles de quem todos somos” (24,10).

b) Os cristãos conspiram contra Roma, na medida em que não cultuam os deuses que lhe deram
o Império? (25-26)

➢ Tese: Os pagãos diziam ainda que os romanos, em razão do seu zelo religioso para com seus
deuses, foram colocados acima do mundo inteiro, ou seja, que a existência dos seus deuses se
prova na medida em que se destacaram sobre todos os demais povos. Em suma: que tal
recompensa foi concedida aos romanos pelos deuses (25,1-2). Logo, os cristãos, negando-se a
adorar tais deuses estavam de algum modo prejudicando o Império Romano.
➢ 1º argumento de Tertuliano: Pensar assim seria pensar que os deuses estrangeiros trataram
melhor um povo estranho do que o seu próprio, e que entregaram o solo em que nasceram a
homens que habitavam o outro lado do mar. Por exemplo: Júpiter entregaria Creta aos romanos,
se esquecendo daquela gruta do monte Ida onde os cretenses o criaram? Juno se esqueceria da
cidade Cartago, sua cidade preferida? Mas os romanos poderão responder: “foi o destino, os
fados, contra os quais nem Júpiter e nem Juno podem”. Sim, diz Tertuliano, mas não foram aos
fados que os romanos erigiram templos no Capitólio, mas a Júpiter e Juno (25,3-9).
➢ 2º argumento de Tertuliano: Ademais, seria absurdo atribuir o auge do poder romanos aos
méritos de sua religiosidade, quando se percebe que a religião romana progrediu justamente à
medida que o Império crescia. Foi o rei Numa quem introduziu os aspectos essenciais do culto
romano (templos, estátuas e o sacerdócio), enquanto antes a religião era precária. De modo que

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os romanos não foram religiosos antes de ser grandes, logo, não são grandes por terem sido
religiosos (23,10-14).
➢ 3º argumento de Tertuliano: Ele continua esse raciocínio se perguntando como seriam
grandes, por causa da religião, homens cuja grandeza provêm da impiedade? Ora, o Império
Romano foi construído à base de grandes guerras e vitórias. E nas guerras ocorreu a destruição
das cidades, onde estavam os templos dos deuses, com mortes violentas de seus cidadãos e
sacerdotes e pilhagem dos bens sagrados e profanos. Ora, isso não seria impiedade para com os
deuses romanos também adorados em outras partes? Em resumo: “tantos são os sacrilégios dos
romanos quanto são seus troféus” (25,15).
➢ Em suma, não sendo os deuses a causa das vitórias romanas, não prejudicamos o Império na
medida em que não os adoramos.

c) Os cristãos ofendem ao imperador? (28-36)

➢ Acusação: Os romanos também nos acusavam de ofendermos o imperador. E por quê? Porque
não o reverenciávamos como os pagãos o faziam – com mais devoção do que a Júpiter. Eram,
por isso, condenados por crime de lesa-majestade.
➢ Resposta: Também nisso os romanos eram irreligiosos com seus próprios deuses: porque
demonstravam maior temor a um senhor humano, preferindo-se jurar em falso por todos os
deuses do que pelo imperador (28,4). Isso porque os romanos constatavam o óbvio: os
imperadores eram mais poderosos do que os deuses, que muitas vezes padeceram sob a ira de
César: eram os deuses que dependiam de César, e não o contrário (29,2).
➢ Nós cristãos rezamos pelo imperador ao Deus verdadeiro, rogando sempre por ele, pedindo
uma vida prologada, um império tranquilo, uma casa livre de perigos, exército forte, um senado
fiel, um povo fiel, um mundo de paz, tudo o que se pode desejar enquanto homem e enquanto
imperador (30,1-4). E assim Tertuliano mostra a incoerência dos romanos: nos torturam,
crucificam, supliciam e matam enquanto suplicamos pelo imperador (30,7).
➢ Mas será verdade isso o que ele diz? Ele se propõe a provar: leiam, diz, nossas Escrituras, que
nos mandam rezar pelos inimigos e até aos nossos perseguidores (Mt 5,44). Quem são,
pergunta, mais inimigos e perseguidores dos cristãos que aqueles que são a causa de que nos
acusem de crime de lesa-majestade. A Escritura também diz (1Tm 2,1) para “orar pelos reis e
pelos príncipes e pelas autoridades, para que tenhais paz” (31,1-2).

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Observação: Tertuliano e a ordem política no “Apologético”

O “problema” de Tertuliano

Na aula 40 da “História Universal da Igreja”, dissemos que, dentre todos os Padres da Igreja, Tertuliano parece ter sido
aquele quem adotou a postura mais hostil em relação à ordem romana. Segundo alguns autores como Thomas Noris
Cochrane, Tertuliano teria rompido com o espírito da Romanidade e com o espírito greco-clássico romano, sobretudo nas
suas implicações políticas. Outrossim, parece-nos que essa postura variou, e que no Apologético ele manifesta notória
benevolência para com esse poder.

Em alguns de seus escritos parece haver uma espécie de secessão dos cristãos em relação à ordem social e política (ou seja,
a negativa de que os cristãos estivessem incluídos na Romanidade) e é notória a sua recusa da filosofia: “o que há de
comum, perguntava, entre o filósofo e o cristão?” Essas e outros posicionamentos como a negativa de um imperador cristão
(para ele um César cristão seria uma contradição em termos) e a afirmação, no “De Idolatria”, de que o fato de Cristo ter
rejeitado um reino terrestre deveria ser suficiente para nos convencer que todos os poderes e dignidades seculares são não
meramente alheios, mas hostis a Deus, levou muitos a exagerar, como Thomas Noris Cochrane, o rompimento de Tertuliano
com a ordem política e a sua negativa da ordem romana em si mesma como um mal.

A leitura do “Apologético”, porém, lança luzes preciosas sobre essa questão e impede um exagero nesse sentido.
Acompanhemos, portanto, as considerações de Tertuliano a esse respeito.

➢ Continuando a resposta acerca da suposta ofensa dos cristãos ao imperador, diz Tertuliano que
existe um outro motivo pelo qual os cristãos rezam pelo imperador, pela estabilidade do império
e pelos interesses romanos: a crença dos cristãos da época de que o fim do mundo teria lugar
com a queda do Império Romano. Com efeito, “como não queremos passar por essa
experiência e por rezarmos para que demore, favorecemos a continuidade de Roma” (com
nossas orações) (32,1).
➢ Mas ele vai além: afirma mesmo que “respeitamos o plano de Deus sobre os imperadores. Ele
os pôs a frente dos povos. Sabemos que neles há algo que Deus quis e, portanto, queremos que
esteja a salvo o que Deus quis”. (32,2-3). É muito difícil extrair dessas palavras uma recusa da
ordem romana ou política em si mesma.
➢ Adiante ele explica que reza pelo imperador, mas “não vou chamar ‘deus’ ao imperador,
porque não sei mentir, nem me atrevo a debochar dele. Damos por claro que é homem, e ao
homem interessa submeter-se a Deus”. O imperador não é deus, porque se não fosse homem,
não seria imperador (33,2-4). Ele não se nega a chamar o imperador de “senhor” (dominus),
mas desde que no sentido corrente da palavra, ou seja, enquanto senhor humano, e não enquanto
“Deus” (34,1). Ou seja, como é próprio do cristão, Tertuliano não nega que o poder político
vem de Deus, e não nega que se deva respeitá-lo, mas nega-se a considerar o exercente deste
poder como deus.
➢ Existe um trecho mais adiante, porém, que pode levar a pensa algo assim: quando ele diz que
“nós reconhecemos uma única república, comum a todos, o mundo” (38,3).

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Império Cristão e “Liberdade Religiosa”

É fato, porém, que Tertuliano não cogitava, e até negava, a realização de algo que se daria no século seguinte ao seu: um
imperador cristão e um império cristão.

E é por negar a possibilidade de união entre as duas ordens, política e religiosa, que a Igreja iria posteriormente afirmar
como uma necessidade, que Tertuliano reclama “liberdade religiosa” no “Apologético” (24,5-6), dizendo: “Deixe que adore
um a Deus e outro a Júpiter”. Ele estaria aqui reclamando um direito ao erro, direito posteriormente condenado por tantos
Santos Padres e Doutores, assim como pelo Magistério de Pio VI, Pio VII, Leão XII, Pio VIII, Gregório XVI, Pio IX, Leão
XIII, Pio X, Pio XI e Pio XII? Não, ele só não reconhecia a possibilidade de um Estado que reconhecesse a verdade cristã
e se submetesse a ela como se daria a partir do século IV. Para ele, seriam o Estado e a Igreja sempre incomunicáveis, de
modo que seria melhor que esse Estado tolerasse a Igreja do que a perseguisse.

➢ Os cristãos são considerados não-cidadãos, inimigos de César, sem que se atente para o fato de
que os grandes inimigos públicos dos imperadores, rebeldes e amotinados, não saíram das
fileiras cristãs, ao contrário, estão entre aqueles que acusam os cristãos de crimes terríveis
(35,8-10).
➢ Nós não somos chamados de romanos, pois somos considerados inimigos, enquanto os
verdadeiros inimigos de Roma, são chamados romanos (36,1).

d) Os cristãos prejudicam a sociedade? (37-41)

➢ Diziam os pagãos que os cristãos eram inimigos não apenas do imperador, mas da própria
sociedade
➢ Mas Tertuliano pergunta: “como podemos ser inimigos da sociedade, se temos o mandamento
de amar o inimigo? A quem podemos odiar?” Ora, diz ele diretamente aos governadores,
“prescindindo de vós, livremente, o populacho hostil se lança contra nós a sangue e fogo.
Possuídos de um delírio próprio dos Bacanais, nem sequer respeitam os cristãos mortos: os
arrancam da sepultura, os esquartejam, já deformados e decompostos os seus corpos” E ele
pergunta: “que mal essa gente recebeu dos cristãos?” (37,1-3).
➢ E em um dos trechos mais famosos da Igreja Antiga, ele diz que se quiséssemos revidar, não
sobraria pedra sobre pedra:
“Se quiséssemos atuar não só como vingadores ocultos, mas como inimigos declarados, nos
faltaria acaso a força de destacamentos e tropas? Somos de ontem e já temos tomado todo o orbe
e tudo o vosso orbe: cidades, aldeias, municípios, aldeias, até os campos, as tribos, as decúrias,
o palácio, o senado, o fórum. Só vos deixamos vossos templos. Podemos contar vossos exércitos:
nós seremos mais em uma só província. A que guerra não estaríamos dispostos e prontos,
incluindo em condições desiguais, nós que com tanta alegria recebemos uma morte cruel, se não
fosse porque segundo nossa doutrina é antes permitido receber a morte que matar? Podíamos
também ter lutado contra vós sem armas e sem rebelião, somente semeando a discórdia”. E ele
acrescenta, com sua costumeira ironia: “se deixássemos todos o Império Romano, vós ficaríeis
assustados com vossa solidão” (37,4-7).

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➢ Em suma, que mal nós, que poderíamos chacinar os pagãos, causamos se aceitamos a morte?
➢ Em seguida responde à acusação de que não frequentamos os espetáculos: ora, diz, se não os
frequentamos, pior para nós (38,4-5).
➢ Para responder à acusação de que éramos “antissociais”, narra a vida comunitária católica:
como “somos um corpo, pois compartilhamos uma doutrina, pela unidade do modo de viver e
pelo vínculo da esperança” (39,1) e mostra algumas coisas comuns que fazíamos (39,2-7).
Nesse contexto se encontra a famosíssima citação:

“’Olhe, dizem, como se amam’, porque eles, ao contrário odeiam; e ‘como estão dispostos a
morrer uns pelos outros’, pois eles estão antes dispostos a matar uns aos outros” (39,7).

➢ E ele pergunta: quando nos reunimos para a perdição de alguém? Somos do mesmo modo,
juntos ou dispersos: tanto juntos quanto separados, não fazemos nada de mal, a ninguém
prejudicamos (39,21). Não obstante, nos qualificam como “facção” que prejudica, e a quem
tudo culpam.
➢ Com efeito, todo tipo de tragédia, desgraça, que já existiam desde sempre, imputam a nós:

“Se o Tibre inunda as muralhas, se o Nilo não inunda os campos, se não chove, se a terra treme,
se há fome, se há doenças, em seguida se grita: ‘Cristãos aos leões!’ Tanta coisa por causa de
um só? Os pergunto: antes de Tibério, a saber, antes da vinda de Cristo, quantas calamidades
caíram sobre o orbe (mundo) e a urbe (cidade de Roma)?” (40,2).

➢ E em seguida ele cita muitos casos de tragédias e calamidades registradas de tempos que não
havia cristãos (40,6-9). Com efeito, sempre houve tragédias: Deus sempre castigou a
humanidade, porque além de não ser devidamente adorado, era trocado por falsos deuses, e
tudo isso antes do advento do cristianismo. Contudo, a partir do momento em que houve
cristãos, as tragédias diminuíram justamente por causa da intercessão dos cristãos (40,10-13).
Essa ideia já estava expressa em São Justino, na sua II Apologia (7,1).
➢ E ele devolve a acusação: são os pagãos quem são perigosos para a sociedade humana, porque
são eles que atraem as calamidades públicas por desprezarem a Deus (41,1). E ele diz: se essas
tragédias são castigos dos vossos deuses por causa dos cristãos, são injustos, pois prejudicam
seus fiéis por causa dos cristãos. Mas Tertuliano percebe que os pagãos podem retrucar: “Esse
argumento também pode se voltar contra vosso Deus, posto que também Ele suporta que seus
partidários sejam prejudicados por causa dos ímpios” (41,2). E responde: ele tudo reservou
para o juízo eteno, de modo que nesta terra não antecipa a distinção entre bons e maus. Ele age

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igualmente pata todo o gênero humano: complacente algumas vezes, rigoroso outras, quis que
fossem compartilhados seus benefícios e danos entre fiéis e infiéis (41,3-4).
➢ Mas Tertuliano esclarece que para nós não há prejuízo algum: Se ocorre a nós um dano,
não nos importamos: 1) porque essa vida não nos importa; (2) porque se sobre nós cai alguma
adversidade, deve-se imputá-la aos pagãos, que as mereceram. E se somos associados a eles
por isso, nos alegremos reconhecendo as profecias divinas que confirmam a fé e confiança que
temos no que esperamos (no céu) (41,5).
➢ Os deuses pagãos, por outro lado, não prometem nada disso, de modo que se castigam seus fiéis
junto dos cristãos, são injustos (41,6).

e) Os cristãos não colaboram com a sociedade? (42-45)

➢ É muito provável que essa acusação tenha sido recolhida por Tertuliano na obra de Celso,
respondida por Orígenes em seu “Contra Celso”. Trata-se da alegação de que a fé cristã é inútil
para a sociedade, que os cristãos estão alheios aos problemas do momento e que, por isso,
seriam inúteis para a coletividade.
➢ Diz Tertuliano: “Se diz que também somos improdutivos para os negócios”. Mas ele responde:
“como assim, somos homens que vivem convosco, com o mesmo alimento, vestuário, gênero de
vida e necessidades vitais”. Como prejudicaríamos os negócios tornando-os improdutivos?
(42,1-3). E após listas algumas coisas das quais os cristãos não participam, deixa que não
deixam de comprar o que é necessário (42, 4-7).
➢ Ele concorda que, com o crescimento da Igreja, as rendas dos templos minguam. Mas responde:
é porque preferimos ajudar os pobres. E conclui com um deboche: “Se os deuses quiserem,
estendam a mão que lhes daremos uma moeda” (42,8).
➢ Só a um gênero de comerciante que pode queixar-se da improdutividade dos cristãos: os que se
envolvem com transações clandestinas e supersticiosas (43,1).
➢ Maior prejuízo para a sociedade é a injustiça promovida pelas perseguições: pior é que tantos
justos sejam sacrificados, que tantos inocentes sejam declarados culpados (44,1).
➢ E ele pergunta: entre os acusados por crimes – assassinato, traidor, sedutor, saqueador –
registrados nos tribunais são também cristãos? “De gente vossa está sempre transbordante o
cárcere, dos vossos são os suspiros que exalam constantemente das minas, etc..., ninguém que
está ali é cristão, a não ser somente por essa razão; e, se por outra, é que já não é cristão”
(44,2-3).

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➢ E por que nós não cometemos esses crimes que os pagãos cometem? Porque fomos instruídos
por Deus, e não por homens. Por um lado, nossas leis são mais perfeitas, pois são de Deus; e
por outro, o castigo para o seu descumprimento é eterno, e não passageiro, como o é para o
descumprimento das leis humanas (45,1-7).

IV- Análise da fé cristã

a) Respostas às mentiras a respeito da fé cristã (c. 16)

➢ Muitas mentiras haviam sido disseminadas a respeito do que acreditávamos.


➢ A esse respeito, Tertuliano começa refutando a mentira de que adorávamos um deus com
cabeça de asno, explicando a origem, que, ele julgava, ser a da história (16,1-3). Ele responde
com uma constatação óbvia: são os pagãos que adoram animais. Ele lista alguns animais
adorados por múltiplas seitas de pagãos e conclui: “talvez é isso o que nos imputam: em meio
aos adoradores de toda classe de animais e bestas, nós seriamos os dos anos” (16,5).
➢ Outros, com maior aparência de verdade, acreditavam que o sol era nosso deus. A suspeita, diz
ele, decorria do fato de que rezávamos voltados para o oriente. Rezamos voltados para o oriente,
explica, pois cremos que de lá Deus voltará. De igual modo, se o nosso dia de alegria e de
guarda é o do sol (o domingo), não é por causa do sol, mas por causa da ressurreição do Senhor
(16,9-11).
➢ Respondidos esses boatos, se propõe a explicar a religião católica (16,14).

b) Explicação do Antigo Testamento (c. 17-21) (p. 105-117)

➢ Essa parte é, na minha opinião, a menos importante da Apologia. Existem outros tratados da
época que tratam com maior profundidade o tema. Mas analisemos sumariamente a exposição
de Tertuliano a esse respeito.
➢ Ele começa explica qual é o Deus que adoramos, a partir de seus atributos: é um Deus único,
que tirou o mundo do nada, invisível, impalpável, inalcançável pelos sentidos (17,1-3).
➢ Mostra como as obras de Deus dão testemunho de sua grandeza e de bondade, ou seja, que o
homem pode, de algum modo, conhecê-lo, através de suas obras (17, 5-6).
➢ Porém, explica, “para alcançá-lo mais plenamente e com maior profundidade, ele se revelou”,
no Antigo Testamento através da Lei e dos Profetas, que nos legaram as Sagradas Escrituras
(18,1-5).

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➢ Quando fala de Moisés, Tertuliano faz algumas digressões cronológicas para mostrar que
Moisés é anterior aos gregos, tanto dos poetas quanto dos legisladores quanto dos filósofos
(19,1-2). Ele inclusive envereda por aquela interpretação, hoje considerada equivocada, de que,
sendo as Escrituras anteriores à filosofia e à literatura gregas, os gregos leram o Antigo
Testamento. Entende que os filósofos imitaram as Escrituras sem referenciar a fonte, se
“apropriando” delas (19,3-5). A forma como ele coloca demonstra o seu asco para com a
filosofia, de todos conhecida.
➢ Em seguida ele parte para a prova da veracidade da fé – como o fizeram Justino e tantos
outros – a partir do cumprimento das profecias antigas em Cristo (19,8-10). Isso prova a
majestade das Escrituras: tudo o que ocorreu em Cristo estava predito (20,1-2).
➢ Mas até agora ele falou das Escrituras judaicas. Com efeito, apesar dos antiquíssimos escritos
dos judeus, somos do tempo de Tibério, que era bastante recente. Nós não somos judeus, não
temos o mesmo nome dos judeus e não adoramos o mesmo Deus que os judeus: “temos
acerca de Deus uma ideia diferente da judaica” (21,1-3). No que consiste essa diferença? Nós
cremos em Cristo como Deus (21,3).
➢ Ele explica que antes os judeus tinham uma situação de privilégio diante de Deus, mas, como
fora previsto, nos últimos tempos Deus escolheria adoradores muito mais fiéis do que o povo
escolhido de outrora (21,4-6).

c) Doutrina cristológica de Tertuliano (c. 21)

➢ Ele começa então a falar de Cristo e da Encarnação: Veio aquele que Deus anunciava, o Cristo,
Seu Filho (21,7); não nascido de uma mãe impura (21,8-9).
➢ Quando ele fala de Cristo ele utiliza o conceito filosófico de Logos, procurando paralelos na
filosofia, o que pode espantar em se tratando de Tertuliano: “Temos dito que Deus criou a
totalidade do mundo com sua palavra, seu entendimento e seu poder. Também entre vossos
sábios se diz que o Logos – a dizer, a palavra – mostra ser o artífice do universo” (21,10).
➢ O Logos, para nós, é Jesus Cristo: “ele procede do Pai, foi engendrado por procedência, e por
isso se chama Filho de Deus, e Deus, pela unidade da substância” (21,12). E acrescenta:
“Também quando o raio sai do sol é uma parte do todo; mas o sol estará no raio porque é um
raio de sol, e não separada de sua substância senão que se estender, como a luz que se prende
da luz. Permanece íntegra e sem perder em nada a matéria matriz [...] Assim também, o que
saiu de Deus é Deus, e Filho de Deus, e os dois são um. Assim, espírito nascido do espírito,
Deus de Deus, numericamente distinto em grau [um é Pai e outro Filho], não por essência,

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que precede da matriz, sem separar-se dela. Assim, pois, este raio de Deus, como antes sempre
se anunciava, descendo até uma Virgem e se encarnando em seu seio, nasce homem e ao mesmo
tempo Deus.” (21,12-14).
➢ Os judeus não reconheceram a Cristo, sendo por isso castigados. Os judeus pensavam que ele
era só um homem, e mesmo com seus milagres nada mais fizeram do que ver nele um mago
(21,15).
➢ Em seguida Tertuliano narra a Paixão, a Ressureição, o envio da Igreja, Ascensão, a
disseminação da Igreja pelo mundo e o martírio sob Nero (21, 19-25).

d) A fé cristã é como dos filósofos? (c. 46-48, p. 175-183)

➢ Começa por mostrar a incongruência do tratamento dos pagãos para com os cristãos e
para com os filósofos: Ora, dizem os pagãos que a fé cristã é só mais uma doutrina filosófica,
mas se assim é “porque não nos dão liberdade como a eles?” Ora, os filósofos desmentem
abertamente os deuses e recriminam as superstições públicas, ao mesmo tempo em que são
pagos com honorários e estátuas ao invés de serem condenados às feras (46,1-4).
➢ A grande distinção entre cristianismo e filosofia: Mas a doutrina cristã não é uma filosofia.
Tertuliano tem uma visão muito negativa da filosofia, dizendo que os filósofos burlam da
verdade e a desprezam, enquanto os cristãos necessariamente a buscam, e a oferecem aos outros
integramente, pois se preocupam com sua salvação. Nisso nós nos diferenciamos sobremaneira
em ciência e em doutrina (46,7-8). E em seguida cita muitos erros, pessoais e doutrinários, dos
antigos filósofos (46,8-18).
➢ Repete, por fim, a conhecida tese de que os antigos leram o Antigo Testamento e que, naquilo
que acertaram, se inspiraram nas Escrituras judaicas: “o que encontraram em nossos livros
plagiaram em suas próprias obras, e ao não crerem que foram palavras divinas, não se
coibiram de interpolá-las, nem tampouco as compreenderam totalmente” (47,1-3). Em seguida
lista as profundas semelhanças entre as doutrinas filosóficas e os próprios poemas com as
Escrituras (47,4-13), concluindo que “essas semelhanças se encontram exclusivamente em
nossas crenças” (47,14).
➢ Enfim, trata-se da antiga doutrina do judaísmo alexandrino, segundo a qual os escritos pagãos
haviam conhecido o Antigo Testamento.

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V- Conclusão (49-50)

➢ No capítulo 26, Tertuliano faz uma reflexão sobre o martírio, na qual explica que não podemos
negar Deus com a boca enquanto nos mantemos fiéis em nosso coração. Como diz em outra
parte, “Dizemos, e dizemos publicamente, feridos e ensanguentados por vossas torturas,
gritamos: ‘Adoramos a Deus por Cristo” (21,28).
➢ Mas ele lembra aos governadores: o poder que eles tinham de nos castigar, nós o concedemos,
uma vez que éramos cristãos porque queríamos ser:

“Certamente, se quero, sou cristão. Portanto, me castigarás se eu quiser que me castigues. Como
o poder que tens sobre mim não o teria se eu não o quisesse, significa que teu poder está em
minha vontade, não na sua potestade. O mesmo se aplica ao populacho, que se alegra em vão
com nossa vexação, pois nosso é o gozo que ele se arroga, pois preferimos ser castigados a
renegar a Deus. Pelo contrário, os que nos odeiam devem entristecer-se, não alegrar-se, pois nós
conseguimos o que escolhemos” (49,4-6).

➢ E acrescenta mais adiante com aquela épica palavra que parece resumir para toda a posteridade
a obra de Tertuliano:

“Não serve de nada vossa mais refinada crueldade. É antes um estímulo para nós. E mais:
crescemos em número cada vez que nos perseguis: o sangue dos mártires é semente de novos
cristãos” (50,12-13).

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