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FUNDAMENTACAO DA METAFISICA DOS COSTUMES Tradugio de Paulo Quintels Nota prévia do tradutor 4 presente versio portuguesa sda Grundlegung rar Metapliysik der Sith de Jmimanuel Kant for feta sobre 0 testo da edigzo de texmanuel Rants Werke preparada por Artur Buchenat ¢ Eines Cassirer e pubiicads pela casa de &runo Cassirer, Berlim, 1922, vot. 1V, Pag. 241-324. a repro- updo da segunda eilicgo, de Riga, 1786, fi rever a nossa tach, demo nos au trabalho de a confrantar comm as jramtcesas de Vielor Del. 23 (Kant, Fondements de la Métapiysique des Moeurs, Pais, 1934) e de H. Lachelfor (K. Kant, Fondements de la Métaphysique des Moeurs, 6.° edigdo, Parls, Machewe) e com a espanhola de Manuel G. Morente (M. Kant. Fundaweiacion de li Metaiisica de las Costumbres, Madrid, 1942). Nos pasos de interpretagia dificil ot duvidasa, tivemos 0 cuidado de inaicar, em nolog otsiladus N. do T © resultada da colagéo. O leitortebd assim a posstbilidade de prefer @ nossa qualquer dies ouleas tnrerpretagdes: Coimbra, agosto de 1948, PAULO QUINTELA Prefacio A velha filosofia grega dividia-se em irés ciéncias: a Fisica, a Etica e « Logi- ca. Esta divisdo esta perfeitamente conforme com a natureza das coisas, e nada hd @ corrigir nela a nao ser apenas acrescentar @ principio em que se basela, para deste modo, por um lado, nos assegurarmos da sua perfeipao, e, por outro, poder- mos determinar exatamente as necessarias subdivisces. Todo conkecimento racional é: ou material e considera quaiquer objeto, ou formal e ocupa-se apenas da forma do entendimento e da razéo em si mesmas e das regras universais do pensar em gerul, sem distingao dos objetos. A filosofia formal chama-se Logica; a material, parém, que se ocupa de dererminados obje~ tas e das leis a que eles estdo submetidas, é por sta vez dupla, pois que estas leis ou so leis da natureza ou leis da liberdade, A ciéncia da primeira chama-se Fisi- ca, a da outra é a Etica; aquela chama-se também Teoria da Natureza, esta, Teo- ria dos Costumes. A Légica ndo pode ter parte empirica, isto é, parte em que as leis universais e necessdrias do pensar assentem em prineipios tirados da experiéncia, pois que entéo néo seria Légica, isto é um cdnane para o entendimento ou para a razdo que 6 vélido para todo pensar e que tem de ser demonstrado. Em contraposicao, tanto a Filosofia natural come a Filosofia moral podem cada uma ter a sua parte empirica, porque aquela tem de determinar as leis da natureza como objeto da experiéncia, esta, porém, as da voniade do homem enquanto ela é afetada pela natureza; quer dizer, as primeiras como leis segundo as quais tudo acontece, as segundas como leis segundo as quais tudo deve aconteeer, mas ponderando tam- bém as condigdes sob as quais muilas vezes ndo acontece o que devia acontecer, Pode-se chamar empirica a toda a filasofia que se baseie em prinelpios da experiéneia, aquela, porém, cujas dowtrinas se apdiam em principios a priori che- ma-se filosofia pura. Esta ultima, quando é simplesmente formal, chamavse Logi- ca; mas quando se limita a determinados objetos do entendimento chama-se Metafisica. Desta maneira surge a idéia duma dupla metafisica, uma Metafisica da Natureza e uma Metafisica dos Costumes, A Fisica terd portanto a sua parte empirica, mas também uma parte racional: igualmente a Ltica, se bem que nesta @ parte empirica se poderia chamar especialmente Antropologia pratica, enquanto @ racional seria e Moral propriamente dita. 104 KANT Todas as indtistrias, oficios e artes gankaram pela divisae do trabalho, com @ experiéneia de que ndo é um sé homem que faz tudo, limitando-se cada wm a certo trabalha, que pela sua técnica se distingue de ouiros, para o poder fazer com @ maior perfeigdo € com mais facilidade. Onde o trabalho ndo este assim diferenciado e repartida, onde cada qual é homem de mil offcios, reina ainda nas indistrias a maior das barbarias. Mas, em face deste objeto que em si néo parece indigno de ponderagiio, perguntar-se-d se a fllosofia pura, em todas as suas par- tes, ndo exige um homem especial; ¢ se néa seria mals satisfatério 0 estado total da indiistvia da ciéncta se aqueles que estéo habituados a vender 0 empirico mis- turado com a racional, confarme © gosto do pdbtico, em proparcies desconhe- cidas deles mesmos, que a si proprios se chamam pensadores indopendentes ¢ chamam sonhadores a outros que apenas preparam a parte ractonal, fossem advertidos de ndo exercerem ao mesmo tempo dois Oficios ido diferentes nas suas téenicas, para cada um dos quais se exige talves wit talento especial e cuja reu- nido numa sé pessoa produ apenas remenddes. Mas aqui limito-me a perguntar Sea natureza de ciéncia néo exige que se distinga sempre euidadosamente a parte empiriea da parte racional ¢ que se anteponha @ Fisiea propriamente dita ¢empi- rica) uma Merafisica da Natureza, ed Autropologia présica uma Metaftsica dos Costumes, que deveria ser euidadosamente depurada de todos os elementos empi. ricos, para se chegar a saber de quanto é capaz em ambos os casos @ razdo pura ¢ de que fontes ela prépria tira 0 seu ensino a priori, Esza tiltima tarefa poderia, allds, ser levada a eabo por todos os maralistas (cujo nome ¢ legido), ou 86 por al. guns deles que se sentissem com vacagae para isso. Nao tendo propriamente em vista por agora senéo a Filosofia moral, res- (info a questéo posta ao ponto seguinte: — Nao & verdade que é da mais extrema necessidade elaborar um dia uma pura Filosofia moral que seja completamente depurada de tudo o que possa ser somente empirico ¢ pertenga & Antropologia? Que tenha de haver ume tai filosofia, ressalta com evidéncia da idéia comum do dever e das leis morais. Toda a gente rem de confessar que uma lef que tenha de valer moralmente, isto & como fundamento duma obrigacdo, tem de ter em st uma necessidade absoltta; que o mandamenio: “Nao deves mentir”, nao é valido somente para os homens ¢ que outros seres racionais se nao teriam que importar com ele, & assim todas as restantes leis Propriamente morals; que, par conse- guinte, o principio da obrigacdo néo se hd de buscar aqui na natureza do homem ou nas circunsténeias do mundo em que o homem esté posto, mas sim a priori exclusivamente nas conceitos da rardo pura, @ que qualquer outro preceito basea- do em prine(pios da simples experiéncia, e mesmo wn preceiio em certa medida universal, se ele se apoiar em principios empiricos, mum minima que seja, talvez apenas por um sé mébil, poderd chamar-se na verdade uma regra priitica, mas nunca wma lei moral. As leis morais com seus principios, em todo conhecimento Ppritico, distin- guemt-se portanto de mdo o mais em que exista qualquer colsa de empirico, ¢ nao 86 se distinguem essencialmente, como também tada a Filosofia moral assenta Mteiramenite na sua parte pura, ¢, aplicada ao homem, ndo recebe um minimo que FUNDAMENTAGAO DA METAFISICA DOS COSTUMES 108 seja do conhecimento do homem (A ntropologia), mas fornece-Ihe como ser racio- nal leis a priori. E verdade que estas exigem ainda wma faculdade de julgar apura- da pela experiéncia, para, por wm lada, distinguir em que caso elas tém aplicagdo, &, por outro, assegurar-lhes entrada na vontade do homem e eficacia na sua prati- ca. O homer, com efeito, afetado por tantas inclinagdes, é na verdade capaz de conceber a idéia de uma razdo pura prdtica, mas née € tao facilmente dotade da orca necessdria para tornar eficaz in conereto no seu comportamento. Uma Metafisica dos Costumes, 8, pois, indispensavelmente necessdria, ndo 86 por motives de ordem especulativa para investigar a fonte dos principios prati- cos que residem a priori na nossa razée, mas também porque os préprios costu- mes ficam sujeitos a toda a sorte de perversao enquanto thes faltar aquele fio con: dusor & norma supreme do sew exato jealgamento. Pois que aquilo que deve ser moralmenie bom nao basta que seja conforme 4 lei moral, mas tem também que cumprir-se por amor dessa mesma lei; caso contrdrio, aquela conformidade serd apenas muito contingente e incerta, porque © principio imoral produzind na ver- dade de vez em quando agoes conformes a lei moral, mas mais vezes ainda agdes contrérias a essa let. Ora, a lei moral, na sua pureza e autenticidade (e é exata- monte isto que mais importa na pratiea). ndo so deve busear em nenhuma outra parte sendo numa flosofia pura, e esta (Metafisica) tem que vir portanto em pri- meiro lugar, ¢ sem cla ndo pade haver em parte alguma uma Filosofia moral; aguela que mistura os principios puras com: os emplricos ndo merece mesmo o nome de filosofia (pols esta distingue-se do conhecimento racional comum exata- mente por expor em ciéncia a parte aguilo que este conkecimento sd concebe misturado); merece ainda muite menas o nome de Filosofia moral, porque, exata- mente por este amalgama de principios, vem prejudicar até a pureza dos costu- mes @ age contra a sua propria finaitdade. Nao se vd pensar, porém, que aquilo que aqui pedimos exista jd na prope- déutica que 0 célebre Wolff antepds é sua Filosofia moral a que chamou Filosofia pritica universal, ¢ que se ndo haja de entrar portanto em campo inteiramente novo. Precisamente porque ela devia ser uma filosofia pratica universal, ndo tomou em consideracdo nenhuma vortede de qualquer espécie particular — diga- mos wna vontade que fosse determinada completamente por principios a priari ¢ sem guaisquer mobiles empiricos, e a que se poderia chamar wma vontade pura =“, mas considerou o querer em geral com todas as agdes e cundigdes que The cabem nesta aeepedo geval, e por ai se distingue ela de uma Metafisica dos Costu- mes exatamente como a Logica gera! se distingue da Filosofta transcendental, a primeira das quais exp3e as operagdes e regras do pensar em geral, enquante que a segunda expe somente as operagces e regras especials do pensar puro, isto &, daquele pensar pelo qual os objetos sao conhecidos totalmente a priori, Com efei- to, a Metafisica dos Costumes deve investigar a idéia ¢ os principios duma possi- vel vortiade pura, ¢ ndo as agdes ¢ condicées do querer humano em gerat, as quais sao tiradas na maior parte da Psicologia. O feto de na Filosofia prética universal (sem alids ter o direito de o fazer) se falar iambém de leis morais e de dever, n@o eonstitui objecdo alguma ao que eu afirmo, Porque os autores daquela ciéncia 106 KANT também nisto continuam figis & idéia que dela fazem; ndo distinguem os motives de determinagio que, como tals, se apresentam totalmente 4 priori sd pels razdo" € sao propriamente morais, dos motivos empiricos, que 0 entendimento eleva a conceitas universais 36 par confronto das experiéneias. Consideram-nos, pelo contrdrio, sem atender d diferenga das suas fontes, 36 pela sua maior ou menor soma (tomando-os a todos como de igual espécie), e formam assim o seu conceita de obrigacdo; em verdade este conceita ndo é nada menos que moval, mas é o iinico que se pode exigir de uma filosofia que ndo atende d origem de todos os conceitos préticas possivels, sejam eles u priori ou simplesmente a posterior No propdsito, pois, de publicar um dia uma Metafisica dos Costumes, faco- @ preceder desia Fundamentapdo. Em verdade néo hd propriamente nada que the Possa servir de base aléyr da Critica duma razao pura pratica, assim como para @ Metafisica © é a Critica da razdo pura especulativa ji publicada, Mas, por um lado, aqueta nda ¢ como esta de extrema necessidade, Porque a razdo kumana no campo moral, mesmo no caso do mais vulgar entendimento, pode ser. facilmente levada a um alto grau de justeza ¢ desenvolvimento, enguanto que, pelo contrario, ne uso tedrico, mas pure, ela é exclusivamente dialética; por owsro dada, eu exijo, Para gue a Critica de uma razdo pura Pritica possa ser acabada, que se possa demonstrar simulianeamente a sua unidade com a razéo especulativa mum princi pio comum; pois no fim de contas trata-se sempre de uma sé e mesma razéio, que sé na aplicagdo se deve diferencar. A tal perfeigao ndo podia eu chegar ainda agora, Sem recorrer a consideracdes de natureza totalmente diversa que provoca- riam confiusiio no espirito do leitor. Eis por que; em ver de the chamer Critica da Fazdo pura pratica, eu me sirvo do tinlo de Fundamentag’io da Metafisica dos Costumes. * Como, parém, em terceiro lugar, uma Metafisica dos Costumes, a despeito do tinulo repulsivo, é suseedivel de um alto grau de popularidade ¢ aco modamento ao entendimento vulgar, acho titit Separar dela este trabatho preparasério de Sundamentagdo, para de fixturo nao ter de -Juntar a teorias mais féiceis as sutilezas inevitdveis em Jal matéria, A presente Fundamentagéo nada mais é, porém, do que a busca e. -fixagdo do Principio supremo da moralidade, 0 que constitu sé por si na seu propésito uma tarefa completa e bem distinta de qualquer outra invesitgacéo moral F verdacle que as minhas afirmagées sobre esta questao capital tao importante é que até agora néo fol, nem de longe, suficientemente discutida, receheriam muita clareza pela aplicagdo de mesmo principio a todo a sistema ¢ grande confirmagae pelo Sato da sufieléncia que ete mostraria Por toda a parte; mas tive que renunciar a esta vanlagem, que no fundo seria também mais de amar-proprio do que de utiti- dade gerat, porque a facilidade de apiteacda @ a aparente sufleléncia dum princi- | Marento (nds. 17) tridan inadvertidamente “ito por ef entendimiantos 9 ‘original dix loss durch er enf-(S. do.) 2 Fundam en ato “Fanamentos” vomo geralinente 5 dir seguindo os (ranceses, & que én boa trie ducdo do alemio Grandloguns, Fica assim posto em evidencia 0 eafeiou denesionen fee ue 0 Drigingl implica, Morente tambsa: tradx como nbs. (SV def) FUNDAMENTAGCAO DA METAFISICA DOS COSTUMES ~— 107 pio ndo dao nenhuma prove segura da sua exuiidao, pelo coutrdria, despertam em nés ume certa parcialidade para o ndo examinarmos e ponderarmos em toda a severidade por si mesma, sem qualquer consideraedo pelas consequéncias. O método que adorei néste escrito é 0 que creio mais conventente, uma vez que se queira percorrer 0 caminho analiticamente do conhecimenta vulgar para a determinacdo do principio supremo desse conhecimento, e em seguida ¢ em senti- do inverso, sinteticamente, da exame deste principio e das suas fontes para 0 comhecimento vulgar onde se enconira a sua apiicagdo. A divisao da matéria é, pois, a seguinte: 1. Primeira Segio: Transipao do conhecimento moral da razdo vulgar para v conkecimento filosdfico. 2. Segunda Segio: Transigdo da Filosafia moral popular para a Metafisica dos Costumes. 3. Terceira Scgiio: Ultimo passe da Metafisica dos Costumes para a Critica da razdo pura prdtica. = eemt eter Gy smtns pert sega cage ae 8 lyse . = au) «Tea aom a a = kee ee at | ao me be n 7 7 — — - = - =" oe Be wees =e Low rom wv - ae t =) - = We S steies 4 5 ro = ce GS a Primera SEGAO Transi¢ao do conhecimento moral da razio vulgar para 0 conhecimento filoséfico Neste mundo, e até também fora dele, nada é possivel pensar que possa ser considerado como bom sem limitagéa a nao ser uma sd coisa: uma boa yontade. Discernimento,® argicia de espirito, * capacidade de julgar * e como quer que pos- sam chamar-se os demais talentos do espirito, ou ainda coragem, decisao, cons- tancia de propdsito, como qualidades do femperamento, sio sem divida a muitos respeitos coisas boas ¢ desejiveis; mas também podem tornar-se extremamente mas e prejudiciais se a vontade, que haja de fazer uso destes dons naturais ¢ euja constituicdo particular por isso se chama cardter, nao for boa. O mesmo acontece com os dons da fortura, Poder, riqueza, honra, mesmo a satide, ¢ todo o bem-¢s- tar @ contentamento com a sua sorte, sob o nome de Jfelicidade, dio animo que muitas vezes por isso mesmo desanda em soberba, se nao existir também a boa vontade que corrija a sua influéncia sobre 2 alma ¢ juntamente todo o principio de agir e lhe dé utilidade geral: isto sem mencionar © fato de que um espectador razoavel ¢ imparcial, em face da prosperidade ininterrupta duma pessoa a quem nao adorna nenhurm trago duma pura ¢ boa vontade, nunca poder sentit satisfa- go, e assim a boa vontade parece constituir a condigao indispensavel do proprio fato de sermos dignos da felicidade. Algumas qualidades sitio mesmo favoraveis a esta bon vontade e podem faci: litar muito a sua obra, mas nde tém todavia nenhum valor intimo absoluto, pelo contrario pressupdem ainda € sempre uma boa vontade, a qual restringe a alta es- tima que, alias com razio, por clas se nutre, ¢ niio permite que as consideremos absolutamente boss. Moderagdo nas emogdes ¢ paixdes, autodominio e calma reflexdo so nfo somente bons a muitos respeitos. mas parecem constituir até parte do valor ‘ntimo da pessoa; mas falta ainda muito para as podermos decla rar boas sem reserva (ainda que os antiges as louvassem incondicionalmente), Com efeita, sem os principios duma boa vontade, podem elas tornar-se muitis. simo mas, ¢ 0 sangue-frio dum facinora niio's6 0 torna muito mais perigoso como » Verstamd no original, pareve me dever ser aqui cxeopcionalmeme traduride por “Viscerniments™ ¢ nda por “eatendiavenoo”, Os dais vadinores franceses propoem dnvelligences Marente entendimicnto, (N. shot.) “Witz no original, tem 0 Sentido especial da polavrt no alemio do sée, XIE. Delbos tradux parnfrastiea- to; Le dort de salstr les reatemblances des choses; Lachelier simplesinene: J esprit; Morente dia pros si 0 401 sentido atual e talus gracejo! (N. do) * Urterdséeafl.na parirase de Delbus: La fucult’ de disceraer fe particulier pour en jeer. (%, bo T.) Sy 110 KANT 9 faz também imediatamente mais abominayel ainda a nossos olhos do que 0 julgariamas sem isso. A boa vontade no € boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidao para alcangar qualquer finalidade proposta, mas tao-somente pelo querer, isto é, em si mesma, ¢, considerada em si mesma, deve ser avaliada em grau muite mais alto do que tudo o que por seu intermédio possa ser alcancado em proveito de qualquer inclinagdo, ou mesmo, se se quiser, da soma de todas as inclinagées, Ainda mesmo que por um désfavor especial do destino, ou pelo apetrechamento avaro duma natureza madrastu, fultasse totalmente a esta boa vontade poder de fazer vencer as suas intengdes, mesmo que nada pudesse alcancar a despeito dos Seus maiores csforgos, ¢ s6 afinal restasse a boa vontade (é claro que nao se trata aqui de um simples desejo, mas sim do simprego de todos os meios de que as nos- sas forgas disponham), ela ficaria brilhando por si mesma come uma jdia, como alguma coisa que em si mesma tem 9 seu pleno valor. A utilidade ou a inutilidade nada podem acrescentar ou tirar a este valor. A utilidade seria apenas como que © engaste para essa j6ia poder ser manejada mais facilmente na circulagio cor. Fente ou para atrair sobre ela a atengao daquekes que nilo so ainda bastante conhecedores, mas no para a recomendar aos conhecedores ¢ determinar o seu valor. ‘Ha contudo nesta idéia do valor absolute da simples vontade, sem entrar em Tinha de conta para sua avalingdo com qualquer utilidade, algo de tao estranho que, a despeito mesmo de toda a concordancia da raziio vulgar com ela, pode sur- sir a suspeita de que no fundo haja talver oculta apenas uma quimera agrea ¢ que @ natureza tenha sido mal compreendida na sua intencdo ao dar-nos a razio por governante da nossa vontade. Vamos por isso, deste Ponto de vista, por & prova esta iddia. Quando consideramos as disposigdes naturais dum ser organizado, isto 6 dum ser constituido em ordem a um fim que é a vida, aceitamos como principio qué néle sé nao encontra nenhum Srgao que nio seja o mais conveniente ¢ ade- quade a finalidade a que se destina. Ora, se num ser dotado de razio ¢ vontade a verdadeira finalidade da natureza fosse a sua conservacao, © seu bem-estar, numa palavra a sua Jelicidade, muito mal teria cla tomado as suas disposigdes ao escolher a razio da criatura para exccutora destas suas intengdes. Pois todas as agGes que esse ser tem de realizar nesse propésito, bem como toda a regra do seu comportamento, lhe seriam indicadas com muito maior exatidao pelo instinto, e aquela finalidade obteria por meio dele muito maior seguranga do que pela razAo; «86, ainda por cima, essa razio tivesse side atribuida a criatura como um favor, cla s6 Ihe poderia ter servido para se satregar a consideragdes sobre a feliz dispo- sigéo da sua natureza, para a admirar, alegrar-se com ela ¢ mostrar-se por ela agradecida & Causa benfazeja, mas nao para submeter 4 sua direedo fraca eenga- nadora a sua faculdade de desejar, achavaseando assim a intengao da natureza; numa palavra, a natoreza teria evitado que a razao caisse no uso pratico e se atre "Ecvidente gue 0 pronoese singular que Kant. ‘compre; ‘no phural, refere 0 a “uiilidade” “inutilidue”,o que ‘sc rviere a “utlidade”. Morente Der gemeine Verstand — poderia também traduzir-se: “o senso comum”. {N. do T.) ** Morents (pag. 39) tradus erragamente: Jo que es mis frecuente, O original diz: was dor meter ie. (Ni do T) ie ANT regras de mancira mais cOmoda com vista ao seu ugo (e sobretudo & discussie), mas no para desviar o humano senso comum (den gemeinen Menschenverstand), mesmo em materia pratica, da sua feliz simplicidade ¢ pé-lo por meio da filosofia num novo caminho da investigagao ¢ do ensino? A inocéncia ¢ uma coisa admirivel; mas 6 por outro lado muito triste que cla Se possa preservar téo mal c se deixe to facilmente seduzir. E ¢ por isso que 4 prépria sageza — que de resto consiste mais em fazer ou nao fazer do que em saber — precisa também da ciéncia, no para aprender dela, mas para asseguras 4s suas prescrigées entrada nas almas ¢ para thes dar estabilidade. O homem sente em si mesmo um forte contrapeso contra todos os mandamentos do dever que a raz&o Ihe representa como tio dignos de respeito: so as suas necessidades ¢ inclinagées, cuja total satisfagao ele resume sob o nome de felicidade. Ora a Tazao impde as suas prescrigGes, sem nada alids prometer as inclinagdes, irremi tentemente, ¢ também como que com desprezo-e menoscabo daquelas pretensdes ‘do tumultuosas ¢ aparentemente tao justificadas (¢ que se ndo querem deixar eli- minar por qualquer ordem). Daqui aasce uma dlalética natural, quer dizer, uma tendéncia para opor arrazoados ¢ sutilezas'® As leis severas do dever, para por em divida a sua validade ou pelo menos a sua pureza e o seu rigor ¢ para as fazer mais conformes, se possivel, aos nossos desejos e inclinagées, isto ¢, no fundo, para corrompé-las e despoji-las de toda a sua dignidade, o que & propria raziio pratica vulgar acabara por condenar. E assim, pois que a razdo humana velgar, impelida por motivos propria- mente praticos e nao por qualquer necessidade de especulagtio (que nunca a tenta, enquanto ela se satisfaz com ser simples si razio), se vé levada a sair do seu cir- culo ¢ a dat um passo para dentro do campo da /losofia prética. Ai encontra ela informagdes ¢ instrugSes claras sobre a fonte do seu principio, sobre a sua verda- deira determinagio em oposigio As maximas que se apdiam sobre a necessidade €8 inclinagao. Assim espera ela sair das dificuldades que the causam pretensdes opostas, ¢ fugir a0 perigo de perder todos os puras principios morais ém virtude dos equivocos em que facilmente cai, Assim se desenvolve itsensivelmente na razdo pratica vulgar, quando se cultiva, uma dialética que a obriga a buscar ajuda na filosofia, como Ihe acontece no uso téérico; € tanto a primeira como a segunda niio poderiio achar repouso em parte alguma a nao ser numa critica com- pleta da nossa raziio, °5 Veraiefedn & a expressho ster. Lachotice (pig. 29) traduz por chicaner: Detbox (pag. 109) por sophist quer: Morente (pig, 40) per divewtir,(N. d0-T.) SEGUNDA SEGAO ‘Transigio da filosofia moral papular para a metafisiea dos costumes Do fato de até agora havermos tirado o nosso conceito de dever do uso vul- gar da nossa razao pratica nio se deve de forma alguma concluir que o tenhamos tratado come um conceito empirico. Pelo contrario, quando atentamos na expe- riéncia humana de fazer ou deixar de fazer, encontramos queixas freqlientes ¢, como nés mesmos concedemos, justas,’® de que se nao podem apresentar nenhuns exemplos seguros da inteng&o de agir por puro dever: porque. embera muitas das coisas que o dever ordena possam acontecer em conformidade com ele, € contudo ainda duvidoso que elas acontegam verdadeiramente por dever ¢ ‘que tenham portanto valor moral, Por isso é que houve em todos os tempos fild- sofos que negaram pura ¢ simplesmente a realidade desta intengdo nas agdes humanas ¢ tudo atribuiram ao egoismo mais ou menos apurado, sem contudo por isso porem em divida a justeza do conceito de moralidade; pelo contrério, deplo- ravam profundamente a fraqueza ¢ a corrupeao da natureza humana que, se por um: lado era nobre bastante para fazer de uma idéia tao respeitével a sua regra de conduta, por outro era fraca demais para lhe obedecer, ¢ 36 se servia da razio, que Ihe devia fornecer as leis, para tratar do interesse das inclinagdes, de maneira a satisfazé-las quer isoladamente, quer, no melhor dos casos, buscando a maior conciliago entre elas, Na realidade, ¢ absolutamente impossivel encontrar na experiéncia com per- feita certeza um Gnico caso em que a maxima de uma acio, de resto conforme ao dever, se tenha bascado puramente em motivos morais ¢ na representagao do dever. Acontece por vezes na verdade que, apesar do mais agudo exame de cons- ciéncia, nao possamos encontrar nada, fora do motive moral do dever, que pudes- se ser suficientemente forte pura nos impelir a tal ou tal boa agdo ou a tal grande sacrificio, Mas daqui nao se pode concluir cam seguranga que nao tenha sido um impulso secreto do amor-propria, oculto sob a simples capa daquela idéia, a ver- dadeira causa determinante da vontade, Gostamos de lisonjear-nos entio com um mobil mais nobre que falsamente nos arrogamos; mas em realidade, mesmo pelo exame mais esforgado, nunca podemos penctrar completamente até aos mobiles secretos dos nossos atos, porque, quando s¢ fala de valor moral, nao é das agdes visiveis que se trata, mas dos seus prineipios intimos que se ndo ver. 8 Lachelier (pig. 81) trade, ambiguimente; nous enfendeans biem des personnes se pluindre, et justement ons Vaccordons(,.-).(8.doT,) bo KANT Nao se pode prestar servigo mais precioso Aqueles que se riem de toda a moralidade como de uma simples quimera da imaginagao humana exaltada pela Presuncdo, do que conceder-Ihes que os conceitos do dever (exatamente como por Preguica nos convencemos que acontece também com todos os outres conceitos) tém de ser tirados somente da experiéncia: porque assim thes preparamos um triunfo certo. Quero par amor humano canceder que ainda a maior parte das nos- Sas ages é conforme ao dever; mas se examinarmos mais de perto as suas aspira Ges € esforcas, toparemos por toda parte o querido Eu que sempre sobressai, e € nele, ¢ n&o no severo mandamento do dever que muitas vezes exigiria a auto-re hincia, que a sua intengdo se apdia. No é preciso ser mesmo um inimigo da vir- tude, basta ser apenas um ebservadar de sangue-frio que nio tome imediatamente o mgis ardente desejo do bem pela sua realidade. para em certos momentos (prin- cipalmente com o avangar dos anos ¢ com um juizo apurado em parte pela expe- riéncia, em parte agugado pela observacao) nos surpreendermos a duvidar se na verdade se podera encontrar no mundo qualquer verdadeira virtude. E entio nada nos pode salvar da completa queda das nossas idGias de dever, para conser. varmos na alma o respeito fundado pela lei, a no ser a clara conviegio de que, mesmo que nunca tenham havido ages que tivessem jorrado de tais fontes puras, a questio no & agora de saber se isto ou aquild acontece, mas sim que a razio por si mesma ¢ independentemente de todas os fendmenos ordena o que deve acontecer; de forma que agdes, de que o mundo até agora talver nao deu nenhum cxemplo, de cuja possibilidade poderé duvidar até aquele que tudo funda na expe- Figncia, podem ser irremitentemente ordenadas pela razdo; por exemplo, a pura lealdade na amizade nio pode exigir-se menos de todo a homem pelo fato de até agora talvez nao ter existide nenhum amigo leal, porque este dever, como dever em geral, anteriormente a toda a experiéncia, reside na idéia de uma razdo que determina a vontade por motivos @ priori. Se se acrescentar que, a menos que se queira recusar ao conceit de morali- dade toda a verdade ¢ toda a relagio com qualquer objeto possivel, se nio pade Contestar que 1 sua tei ¢ de tio extensa significagio que em de valer nao s6 para 0s homens mas para todos os seres racionais em geral, nio sb sob condigdes contingentes ¢ com excegdes, mas sim absolute e necessariamente, torna-se entio evidente que nenhuma experiéncia pode dar motive para coneluir sequer a possi bilidade de tais leis apoditicas. Porque, com que direito podemos nds tributar res- peito ilimitado, como prescrigdo universal para toda a natureza racional, Aquilo que 36 € valido talvez nas condigdes contingentes da humanidade? E como @ que as leis da determinagio da nossa vontade hiio de ser consideradas como leis da determinaciio da vontade de um ser racional em geral, € s6 como tais conside- radas também para a nossa vontade, se elas forem apensis empirieas ¢ nao tirarem @ sua origem plenamente a priori da razio pura mas ao mesmo tempo pritica? Nio se poderia também prestar pior servigo & moralidade do que querer extrai-la de exemplos, Pois cada exemplo que me seja apresentado tem de ser pri- meiro julgado segundo os principios da moralidade para se saber se & digno de servir de exemplo original, isto & de modelo; mas de modo nenhum pode ele dar © supremo conceito dela, Mesmo o Santo do Evangelho tem primeito que ser FUNDAMENTACAO DA METAFISICA DOS COSTUMES 20 comparado com © nosse ideal de perfeigdio :noral antes de © reconhecermos por tal; ¢ é ele que diz de si mesmo: “Porque é que vos me chamais bom (a mim que vos estais vendo)? Ninguém € bom (0 protétipo do bem) senao 0 sd Deus (que vos nao vedes)". Mas donde é que nés tiramos o conccito de Deus como bem supre- mo? Somente da édéia que a razao traga a prior? da perfeigio moral e que une indissoluvelmente a0 conceito de vontade livre. A imitagin nao tem lugar algum cm matéria moral, ¢ os exemplos servem apenas para encorajar, isto é, piem fora de divida a possibilidade daquilo que a lei ordena, tornam intuitivo’? aquilo que 4 regra pratica exprime'de mancira mais geral. mas nunca podem justificar que se ponha de lado o seu verdadeiro original, que reside na raziv, e que nos guiemos por exemplos. Se, pois, nao ha nenhum auténtico principio supremo da moralidade que, independente de toda a experiéncia, nao tenha de fundar-se somente na razéo pura, creio que nao é preciso sequer perguntar se é bom expor estes conceitas de maneira geral (in abstracto), tais como eles existem a priori juntamente com os principios que lhes pettencem, se o conhecimento se quiser distinguir do vulgar chamar-s¢ filoséfico. Mas nos nossos tempos talver isto seja necessario. Pois se se quisesse reunir votos sobre a preferéneia a dar ao puro conhecimento racional separado de todo 0 empirico, uma metafisica dos costumes portanto, ou 4 filoso- fia pratica popular, depressa sc adivinharia para que lado penderia a balanga. Este fato de deseer até aos conceitos populares é sem ddvida muito louvavel, contanto que se tenha comecado por subir até aos principios da razao pura e se tenha alcangado plena satisfagio neste ponto; isto significaria primeiro 0 funde- mento da doutrina dos costumes na Metafisica, para depois, uma vez ela firmada solidamente, a tarnar acesstvel pela popularidade. Mas scria extremamente absur- do querer condescender com esta logo no comeco da investigagao de que depende toda a exatidao dos principios, E nao é s6 que este método niio pode pretender ja- mais alcangar o mérito rarissimo de uma verdadeira popularidade filosdfied, pois nao é habilidade nenhuma ser cempreensivel a todos quando se desistiu de todo do exame em profundidade; assim esse método traz 4 luz um asqueroso mistifério de abservagdes enfeixadas a trouxe mouxe ¢ de principios racionais meio engrola- dos.com que se deliciam as cabegas acas, pois ha nisso qualquer coisa de utili- zavel para 0 palavrorio de todos os dias, enquanto que os circunspectos s6 sen- tem confusao ¢ desviam descontentes os olhos, sem alids saberem o que hao de fazer; ao passo que os fikbsofos, que podem facilmente descobrir a trapaga, pouca gente cncontram gue os ouga quando querem desviar-nos por algum tempo da pretensa popularidade para, sé depois de terem alcangado uma idéia precisa dos principios, poderem ser com direito populares, Basta que lancemos os olhos aos cusaios sobre a moralidade feitos conforme © gosto preferido para breve encontrarmos ora a idéia do destino particular da natureza humana (mas por vezes também a de uma natureza racional em geral), ora a perfeicao, ora a felicidade, aqui o sentimento moral, acolé 0 temor dé Deus, um pouco disto, mais um pouco daquilo, numa misturada espantosa; ¢ nunca 17 No original -ancohauulioi. Lachotice (nig. 38): visible, (N: dT.) ocorre perguntar se por toda a parte se devem buscar no conhecimento da natu- teza humana (que nde pode provir senao da experincia) os principios da morali- dade, ¢, nae sendo este 0 caso. sendo os iiltimos totalmente a priori, livres de todo ‘0 empirico, se se encontrardo simplesmente em puros conceitos racionais nao em qualquer outra parte, nem mesmo em infima medida; ¢ ninguém tomara a resolugao de antes separar totalmente esta investigag3o como pura filosofia pré- tica ou (para empregar nome tio desacreditado) como Metafisica’® dos Costu- mes, levé-la por si mesma & sua plena perfeig’o e ir consolando o publica, que exige popularidade, até ao termo desta empresa. Ora, uma tal Metafisica dos Costumes, completamente isolada, que nao anda misturada nem com a Antropologia, nem com a Teologia, nem com a Fisica ou 4 Hiperfisica, e ainda menos com as qualidades ocultas (que se poderiam cha- mar hipofisicas), nio ¢ somente um substrato indispensdvel de tode o canheci- mento tedrico dos deveres seguramente determinado, mas também um desiderato da mais alw importaneia para a verdadeira préitica das suas prescrigdes. Pois a pura representagiio de dever e em geral da lei moral, que niio anda misturada com nenhum acrescento de estimulos empiricos, tem sobre o coragio humano, por intermédio exelusivo da razdo (que s6 entiio se da conta de que por si mesma tam- bém pode ser prética), uma influéncia muito mais poderosa do que todos os ou- tros mébiles que se possam ir buscar ao campo empirico,’® em tal grau que, na consciéncia da sua dignidade, pode desprezar estes iltimos ¢ domind-los pouco a pouco. Em vez disto uma doutrina dos costumes mesclada, camposta de mobiles de sentimentos ¢ inclinagdes ao mesmo tempo que de coneeitos racionais, tem de fazer vacilar 0 dnimo em face de motivos impossivels de reportar a principio algum, que s6 muito casualmente leva ao bem, mas muitas vezes podem levar também ao mal. Do aduzido resulta claramente que todos os conceitos morais tém a sua sede ¢ origem completamente a priori na razao, ¢ isto tanto na razio humana mais vul- gar como.na especulativa em mais alta medida; que nao podem ser abstraidos de nenhum conhecimento empirico © por conse guinte puramente contingente; que exatamente nesta pureza da sua origem reside a sua dignidade para nos servirem de principios priticos supremos; que cada vez que thes acrescentemos qualquer ' Podeise, querende (wisi como se distingue u matemitien pur dh aplicada, a Weica pura da apticnda), istingale iguaiments 2 pura Glovofia dos costumes (Metafsiea) da maral aplicada (i naturera humana), Esta terminologia lombea-nos imediatamente tamisém que os prineipios marais se nic Furidam nas particula, ridades da saturez humana, mies que tém de existi por si mesmos 4 priori, porém que deles se podem derl. Var repre peiticas para a natiireca humata como para qualquer natureza raclonal, (A. da A) '* Possu unm carta do expslents Sulzst, i Salevido, cm qac me peryana qual seri w eausa por que a6 dow trinas da virtude, contendo tanto de comvenientes para a m2do, 1ém tio curto aleance pritica, A minha res ‘posta atrasou-se com as prepiy atives para.a pander dar completz. Mas ela nigo pode ser ovira sendo extas (Que 0 pedprios mesteen ndo charicarum on seus eonecitos ¢ que, queremdo faser bern demals n0 fcunit por toda a bands motives que levem ao ber moral, estragam a mezinlis por a querérem fazer especialmente endrgica. Pois-a mals vulgir observagic mostra que, quando apresentamas um ato de hanrader. tal coma ele foi levado @ feito com firmiera de alma mesmo sob 4s maiores temtagées dx micéria oe du seclugio, apanade dle toda u intongio de qualquer vanlagem neste ou noutro mundo, este ato dein muito attas de sie na som, bra qualquer outro que se the assemelhe mas que tena sido sfetad® ticsimo em inflma pavte por um mibit strana, eleva 9 als ¢ desperts 0 desejo de pexier proesder também assim. Mesmo as criangas de medlana ‘inde sentem esta impress, © nunca se thes deveria exper as seus deveres de maneita diferente, {M1 da A.) FUNDAMENTACAO DA METAFISICA DOS COSTUMES 193 coisa de empiric diminuimos em igual medida a sua pura influgncia e o valor ili- mitado das ages; que ndo s6 6 exige a maior necessidade sob 0 ponto de vista tedrico quando se trata apenas de especulagio, mas que é também da maior importincia prética tirar da raz’o pura os seus coneeitos e leis, expé-los com pu- reza & sem mistura, ¢ mesmo determinar o ambito de todo esi¢ conhecimento racional pritico mas puro, isto é. toda a capacidade da raziio pura pratica. Mas aqui nao se deve, como a filogofia especulativa o permite ¢ por vezes mesmo 0 acha necessario, tornar os principios dependentes da nalureza particular da razao humana; mas, porque as leis morais devem valer para todo o ser racional em geral, é do conceito universal de um ser racional em geral que se devem deduzir. Desta mancira toda a moral, que para a sua apliewgdo aos homens precisa da Antropologia, sera primeiro exposta independentemente desta ciéncia como pura filosofia, quer dizer, como metafisica, e de maneira completa (o que decerto se pode fazer neste género de conhecimentos totalmente abstratos). E é preciso ver bem que, se ndo estivermos de passe desta, ndo digo sé que sera v0 querer deter- minar cxatamente para o juizo especulativo o carter moral do dever em tudo o que é conforme ao dever, mas até que ser impossivel no uso simplesmente vulgar € prético, especialmente na insirugdo moral, fundar os ‘costumes sobre os seus auténticos principies ¢ criar através disto puras disposigdes morais ¢ implanté-las nos animos para o bem supremo do mundo. Para, porém, neste trabalho avangarmos por uma gradagao natural, aio somente do juizo moral vulgar (que aqui é muito digno de respeito) para o juizo filosdfico, como de resto ja se fez, mas duma filosofia popular, que ndo passa além do panto onde pode chegar as apalpadelas por meio de exemplos, até a Metafisica (que niio se deixa deter por nada de empirico ¢ que, devendo medir todo © contetide do conhecimento racional deste género, se eleva em todo 0 caso até 4s idéias, onde mesmo os exemplos nos abandonam), temos nds de seguir ¢ descrever claramente a faculdade pratica da razdo, partindo das suas regras uni- versais de determinagio, até ao ponto em que dela brotao conceito de dever. Tudo”? na natureza age segundo leis. S6 um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representagdo das leis, isto é segundo prinefpios, ou: s6 ele tem uma ventade. Como para derivar as agdes das leis ¢ necessaria a razdo, a vontade nao & outra coisa sendo razdo pritica. Se a razdo determina infalivelmente a yon- tade, as agSes de um tal ser, que so conhecidas como objetivamente necessarias, sio também subjetivamente necessarias, isto 6, a vontade & a faculdade de esco- Iher sd aguilo que a razdo, independentemente da inclinagao, reconhece como praticamente necessario, quer dizer, como bom. Mas se a razao 86 por si nao determina suficientemente a vontude, sc esta cata ainda sujeita a condigées subje tivas (a certos mobiles) que nao coincidem sempre com as objetivas; numa pala- vra, s¢ a vontade nao ¢ em si plenamente conferme a razdo (como acontece real- mente eatre os homens), entia as agdes, que objetivamente sio reconhecidas como necessarias, $40 subjetivamente contingentes, e a determinacao de uma tal yontade, conforme a leis objetivas, ¢ obrigagdo (Notigung); quer dizer, a relagao 2° Bia Jeaes Ding der Natur, propriamente: “Cada coisa da natereza”.(N.do T.) 134 KANT. das leis objetivas para uma vontade nao absolutamente boa representa-sé como a determinagio da vontade de um ser racional por principios da razio,2* sim, prin- Sipios esses porém a que esta vontade, pela sua natureza, nao obedece necessariamente. A representagao de um principio objetivo, enquanto obrigante para uma vontade, chama-se um mandamento (da racdo), ¢ a formula do mandamento cha- ma-se /mperativo,22 Todos os imperativos se eaprimem pelo verbo dever (Sollen), e mostram assim a relagao de uma lei objetiva da raziio para uma vontade que segundo a sua constituigae subjetiva nao é por ela necessariamente determinada (uma obriga- $40). Kles dizem que seria bom praticar ou deixar de praticar qualquer coisa, mas dizem-no @ uma vontade que nem sempre far qualquer coisa $6 porque Ihe € fepresentado que seria bom fazé-la. Praticamente bom & porém aquilo que deter- mina a vontade por meio de representagies da rxzao, por conseguinte, néo por causas subjetivas, mas objetivamente, quer dizer, por principios que so validos para todo o ser racional como tal, Distingue-se do agraddvel, POIs que este sé in- flui na vontade por meio da Sensacdo em virtude de causas Puramente subjetivas gue valem apenas para a sensibilidade deste ou daquele, e nao como principio da razdo que é valido para todos, 2 Uma vontade perfeitamente boa estaria Portanto igualmente submetida a keis objetivas (do bem), mas no se Pederia representar como obrigada a agdes conformes i lei, pois que pela sua constitui¢io subjetiva ela 56 pode ser determi- nad pela representaciin do bem. Por isso as imperatives nfo valem para a vonta- de diving nem, em geral, para uma vontade santa; 0 dever (Sollen) nao esta aqui no seu lugar, porque o guerer coincide j& por si necessariamente com a lei, Por isso os imperalivos so apenas fSrmulas para exprimir a relagdo entre leis objeti- vas do querer em gerale a imperfei¢do subjetiva deste ow daquele ser racional, da vontade humana, por exemplo. Ora, todos os imperatives ordenam ou Aipotdrtice ow categoricamente. Os hipotéticos representam a necessidade prética de uma Agi possivel como meio de alcangar qualquer outra coisa que se quer (ou que é possivel que se queira). O imperative categérico seria aquele que nos representasse uma ago como objeti- 21 Morente, nig. $4:¢. .. gor fundamems dela valunted¢, ..(N. do.) Hf Lacheller, pg. Al: da reprénetavion dun prince objecif comme eoni-eignant le votouré x iapatte timp rarif.(N. de.) £2 Chama se inclinagaeo a dependncia em que a facade de deseae etd ém fase das senstgdes§ a inctina (80 Prove sempre portamto uma necessidade(Bedlrfis). Chama se tnteresse a depevdencny ot qe uma Yor {ade contingénic determinivel se enecntra em face dos princinios da runia, Fsteintereroe ch tony pais lugar Be pock ca ScPeacente que no & pov si mesma eet tad 6 tempo conferme i raxBoxeu vontade dies aay Sees Ceugeter nenham interese, Mas a vonisde hum pode tamblin mie iferase por qualquer eviss ian OT 150 ARIF fr Iateresse, © primeira significa inteesye gre au agan,o segundos imteresse patold © mrimeiro masia apenas dependéncis da vontade em face das princes de rarhn a i, poik sepia raz da segundo o cea aa eka Socurer a nectssdade-da inclinagio, No primeita caro interese-me a ago, no Par dene rage Ga aGHO (enguanto ele me Lagradvel). Vimos na prinacia seo que aurna aio princare Fee ren gue tm ae tender an interne peo abe, max somame i propria pio £40 ion ecto Fario (Nei) (N: do) FUNDAMENTAGAO DA METAFISICA DOS COSTUMES 125 vamente necessaria por si mesma, sem relacdo com qualquer outra finalidade. Como toda lei pratica representa uma agao possivel como boa ¢ por isso como necessaria para um Sujeito praticamente determinavel pela razdo, todos os imperativos saéo formulas da determinagio da agao que & necessaria segundo o principio de uma vontade boa de qualquer maneira. No caso de a apo ser apenas boa como meio para qualquer eurra colsa, o imperative é hipotético; se a agao & representada come boa em sf, por conseguinte. como necesséria numa vontade em si conforme razéo como principio dessa vontade, entio o imperative & categdrico, © imperative diz-me, pois, que agao das que me sao possiveis seria boa, € representa a regra pratica em relagdo com uma vontade, que nao pratiea imedia- tamente uma agao 86 porque ela é boa, em parte porque o sujeito nem sempre sabe que ela é boa, em parte porque, mesmo que o soubesse, as suas maximas poderiam contudo ser contrarias aos principios objetivos duma razao pritica, © imperativo hipotético diz, pois, apenas que a ago ¢ boa em vista de qual- quer inteng3o possivel ou real. No primeiro caso é um principio problematic, no segundo um principio assertérico-pritico.™ O imperativo categdrico, que declara a aga como objetivamente neces: por si, independentemente de qualquer intengao, quer dizer, sem qualquer outra finalidade. vale camo principio apodi- tice (pritico), Pode-se conceber que aquilo que sé é possivel pelas forgas de um ser racio- nal ¢ também intengo possivel para qualquer vontade, ¢ par isso sao de fato infi- nitamente numerosos os prinefpios da agdo, enquanto esta ¢ representada como necessiria, para alcangar qualquer intengdo pessivel de atingir por meio deles. Todas as ciéncias tém uma parte pratica, que se compde de problemas que estabe- lecem que uma determinada finalidade & possivel para nés, ¢ de imperativos que indicam como ela pode ser atingida. Estes imperatives podem por isso chamar-se imperatives de destreza, Se a finalidade ¢ razoavel ¢ boa nao importa aqui saber, mas Uio-somente o que se tem de fazer para alcangi-la. As regras que o médica segue para curar radicalmente o seu doente ¢ as que segue o envenenador para o mater pela certa, sto de igual valor neste sentido de que qualquer delas serve para conseguir perfeitamente a intengio proposta, Como niio sabemos na primeira juventude quais os fins que se nos deparardo na vida, os pais procuram sobretude mandar ensinar aos filhos muites coisas ¢ tratam de thes transmitir a destreza no uso dos meios para foda sorte de fins, de nenhum dos quais podem saber se de fu- turo se transformar realmente numa intenc&o do seu educando, sendo entretanto possivel que venha a ter qualquer deles; ¢ este cuidado é tio grande que por ele descuram ordinariamente a tarefa de formar ¢ corrigir o juizo dos filhos sobre ¢ valor das coisas que poderao vir a eleger como fins. HA no entanto wma finalidade da qual se pode dizer que todos 0s seres racio- nais a perseguem realmente (enquanto lhes convém imperativos. isto é, como #* Delbow (pip. 126): Dane fe premier eat, i ert wn principe PROBLEMATIQUEMENT pratique; dans le second, un principe ASSERTORIQUEMENT pratique, — Lachelict (pag. 43): € st 4n principe pratiyae problématique drs kc premier eas, assertorique dans de secund, — Mo.eate (pig, 37): Bi ef primer caso es lua prtncipia peoblematico-pratica: en et segundo caso ex un principio aeertérica peatica, (N. do T.) i 126 KANT seres dependentes), ¢ portanto uma inteng&o que naa sé eles podem ter, mas de que se deve admitir que a tém na generalidade por uma necessidade natural, Esta finalidade & 4 /elieieude. O imperative hipotético que nos Tepresenta a necessi- dade pratica da ago como meie para fomentar a [elicidade € assertérico, Nao se deve propor somente como necessario para uma intengao incerta, simplesmente possivel. mas para uma intengao que se pode admitir como certa ¢ @ priori para toda a gente, pois que pertence sua esséncia. Ora, a destreza na escalha dos meios para atingir maior bem-estar proprio pode-se chamar prudéncia (Klug- Ait}? * no sentido mais restrite da palavra. Portanto, o imperativo qué se rela- ciona com @ escotha dos meios para alcangar a propria felicidade, quer dizer, 0 preceito de prudéncia, continua a ser Aipoidtico; 9 agio no é ordenada de manei- ra absoluta, mas somente come meio para uma outra intengio. Ha por fim um imperativo que, sem se basear como condigio em qualquer outra intengiio a atingir por um certo comportamento, ordena imediatamente este comportamento. Este imperativo é eategérico, Nao s¢ relaciona com a matéria da agio © com o que dela deve resultar, mas com a forma ¢ o principio de que ela mesma deriva: ¢ o essencialmente bom na acdo reside na dispasigao (Gesin- rung), * seja qual for o resultado. Este imperativo pode-se chamar o imperativo da moralidade, © querer segundo estes trés principios diferentes distingue-se também clara- mente pela aiferenca da obrigagdo imposta a vontade, Para tornar bem marcada esta diferenca, ercio que o mais conyeniente seria denominar estes principios por nandamentos (leis) da moralidade. Pois sd a lei waz consiga conceito de uma necessidade incondicionada, objetiva e conseqientemente de validade geral, ¢ mandamentos siio leis a que tem de se abedecer, quer dizer que se tém de seguir mesmo contra a inclinagao, O conselko contém, na verdade, uma necessidade, mas que $6 pode valer sob a condicdo subjetiva e contingente de este ou aquele homem considerar isto ou aquilo como contando para a sua felicidade; enquanto que o imperativo categérico. pelo contrarie, nao é limitado por nenhuma condi- sao ¢ se pode chamar propriamente um mandamento, absolutamente, posto que Praticamente, necessdrio. Os primeiros imperatives poderiam ainda chamar-se técnicos {pertencentes a arte), os segundos Pragméticos? ' (pertencentes 20 bem- estar), os terceiros morais (pertencentes a livre conduta em geral, isto é, aos costumes), Va ‘ordem, dizendo: ou sao regras da destreza, ou conselhos da prudéncia, ou #* A palavra “prodéneia"” & tomada ém ewido duplo; ow pods devignar a prud2acia nus relagdes com 0 mundo, 01 prudincia privada. A primeira

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