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12º Português

Conteúdo
12º Português ........................................................................................................................................................................... 1
Antero de Quental ................................................................................................................................................................... 2
Biografia ............................................................................................................................................................................... 2
Contradições de Antero ...................................................................................................................................................... 2
A um poeta ...................................................................................................................................................................... 3
Álvaro de Campos .................................................................................................................................................................... 4
Ode triunfal...................................................................................................................................................................... 4
Fase Intimista/Pessimista.................................................................................................................................................... 4
Aniversário....................................................................................................................................................................... 4
Poema em linha reta ..................................................................................................................................................... 4
Lisbon Revisited (1923) ................................................................................................................................................... 4
Tabacaria ......................................................................................................................................................................... 5
Ricardo Reis .............................................................................................................................................................................. 8
Não tenhas nada nas mãos ............................................................................................................................................ 8
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio ................................................................................................................... 8
A última ode .................................................................................................................................................................... 8
Mestre, são placidas ....................................................................................................................................................... 8
Alberto Caeiro.........................................................................................................................................................................11
Eu nunca guardei rebanhos ..........................................................................................................................................11
Tudo o que vejo está nítido como girassóis.................................................................................................................11
Sou um guardador de rebanhos ..................................................................................................................................11
X - «Olá, guardador de rebanhos, ................................................................................................................................ 11
Síntese ................................................................................................................................................................................11
Ideias da sua poesia: .....................................................................................................................................................11
Estilo da sua poesia .......................................................................................................................................................12
Contradições..................................................................................................................................................................12
Gramática ...............................................................................................................................................................................14
Principais processos de variaçãofonológica .....................................................................................................................14
Processos irregulares de formação de palavras ..............................................................................................................15
Semântica...........................................................................................................................................................................15
Valor temporal .............................................................................................................................................................. 15
Valor aspetual................................................................................................................................................................ 15
Valor modal ...................................................................................................................................................................15
Antero de Quental
Biografia
Lido e estudado como um poeta filosofo ou um filosofo poeta, celebrado como um mentor espiritual e
personagem emblemática da Geração de 70 canonizado em vida pelos seus companheiros e depois da morte pelas
duas ou três gerações que lhe sucederam e nele viram, alias com justiça, o mais perfeito símbolo do seu tempo,
Antero de Quental corre hoje o risco de ser colocado num pedestal demasiado histórico ou imponente para atrair a
atenção de uma época aparentemente pouco interessada em decifrar enigmas como os que a sua figura
inevitavelmente convoca e suscitados tanto pela vida como pela sua escrita.
Tendo decorrido entre 1842 e 1891, as quase 5 décadas da sua existência situam-no num período
literariamente marcado pela crise do romantismo e pelo surgimento da escola realista, sendo habitual identificá-lo
com o grupo que a partir das conferências do casino se tornou, conhecido como a Geração de 70. Mas, basta ler os
seus poemas com alguma atenção para verificar que essa arrumação no chamado realismo só se justifica, em função
da mensagem legível, por exemplo, à superfície das odes modernas - o cântico de uma humanidade cujo percurso
histórico pretensamente regenerador havia de libertá-la e conduzi-la a um futuro de verdade e de justiça universais.
No entanto o estremecimento que assalta não apenas esses poemas como a restante obra de Antero inscreve-se
ainda numa conceção de poesia de matriz essencialmente romântica (de um romantismo grave e austero, nas linhas
de um Alexandre Herculano), de que a poesia portuguesa só mais tarde virá a afastar-se, com "o real e a analise" de
Cesário Verde e, pouco depois, com o aparecimento dos simbolistas.

Contradições de Antero
Os sonetos de Antero de Quental oferecem-nos um espetáculo de luz e sombra na curva evolutiva da sua
biografia poética, transitando de uma exigente elevação espiritual para um pessimismo decrescente, onde os ideais
gradualmente, perdem força face a uma realidade limitadora e imperfeita. Passando de um Antero otimista e
apolíneo, no qual o poeta é demostrado como sendo um revolucionário e lutador, para um Antero pessimista, que
quase se identifica com o ideal budista do nirvana.
Sonetos transmissores da suprema missão do poeta, como “Soldado do Futuro”, no combate reformador de
um novo mundo, tutelado pela “Razão, irmã do Amor e da Justiça”, e visando lutar, sobretudo, pela liberdade, vão
dando lugar à expressão do naufrágio das ilusões, sem “cantos de luz” que possam verdadeiramente povoar a solidão
e desvanecer o negrume da sua infelicidade. Os sonetos “Palácio de Ventura” e “Acordando” revelam a oposição entre
sonho e realidade, bem como a catástrofe da busca do ideal. Efetivamente, o cavaleiro, que procurou a felicidade,
reconheceu que o amor e o seu papel de benéficas transformações no mundo pessoal e coletivo, reaparece da sua
maravilhosa aventura destroçado e com o frio na alma.
Assim, Antero tornou-se convivente assíduo da dor, possuído pela inapagável angústia existencial e,
consequentemente, tomado de desejo de paz e serenidade, onde a atração pela morte configurou uma saída
possível do seu desassossego de viver.
A um poeta

O sujeito poético caracteriza um poeta que dorme, em serenidade, nas suas crenças seculares, indiferente à
realidade, onde ocorrem lutas e agitações, não sentido necessidade de agir, sendo isto semelhante à evasão da
realidade por parte dos românticos. Em seguida este pede ao poeta que acorde para guiar o povo para um mundo
novo, melhor do que aquele que estão habituados a viver.
Devendo cantá-lo e celebrá-lo através de um estilo novo, tendo que afastar o que é velho convencional e
egocêntrico.
Álvaro de Campos
Ode triunfal
A dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica Tenho febre e escrevo. rodar férreo e cosmopolita
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, Para a beleza disto Dos comboios estrénuos,
totalmente desconhecida dos antigos. Da faina transportadora-de-cargas dos navios, Do giro lúbrico e lento dos
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! guindastes,
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! Em fúria fora e dentro de mim, Do tumulto disciplinado das fábricas,
Por todos os meus nervos dissecados fora, E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! Tenho os lábios secos, ó Horas europeias, produtoras, entaladas Entre maquinismos e afazeres úteis!
grandes ruídos modernos, De vos ouvir demasiadamente de perto, Grandes cidades paradas nos cafés,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso De expressão de Nos cafés — oásis de inutilidades ruidosas Onde se cristalizam e se precipitam
todas as minhas sensações, Os rumores e os gestos do Útil
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras doProgressivo! Nova Minerva
sem-alma dos cais e das gares!
Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical — Grandes Novos entusiasmos de estatura do Momento!
trópicos humanos de ferro e fogo e força — Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostadas às docas, Ou a seco, erguidas, nos
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro, Porque o presente é planos-inclinados dos portos! Atividade internacional, transatlântica, Canadian-
todo o passado e todo o futuro Pacific! Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis, Nos Longchamps e
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes elétricas Só porque houve nos Derbies e nos Ascots,
outrora e foram humanos Virgílio e Platão, E Piccadillies e Avenues de l'Opéra que entram Pela minh'alma dentro! […]
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta, Como eu vos amo a todos, a todos, a todos, Como eu vos amo de todas as
Átomos que hão de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem, Andam maneiras,
por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes, Com os olhos e com os ouvidos e com o olfato
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando, E com o tato (o que palpar-vos representa para mim!)
Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma. E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar! Ah, como todos os
meus sentidos têm cio de vós! […]
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime! Ser completo como Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera. Amo-vos carnivoramente,
uma máquina! Pervertidamente e enroscando a minha vista Em vós, ó coisas grandes, banais,
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo! úteis, inúteis, Ó coisas todas modernas,
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, Ó minhas contemporâneas, forma atual e próxima
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento A todos os Do sistema imediato do Universo!
perfumes de óleos e calores e carvões Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável! Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks, Ó couraçados, ó pontes, ó
docas flutuantes —
Fraternidade com todas as dinâmicas! Promíscua fúria de ser parte-agente Do Na minha mente turbulenta e incandescida Possuo-vos como a uma mulher bela,

Fase Intimista/Pessimista
Aniversário
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava O que fui de serões de meia-província,
morto. O que fui de amarem-me e eu ser menino,
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, O que fui, ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui... A que distância!...
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. (Nem o echo...)
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma, De ser inteligente para O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa, Pondo grelado
entre a família, nas paredes...
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. Quando vim a ter O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
esperanças, já não sabia ter esperanças. Quando vim a olhar para a vida, perdera lágrimas),
o sentido da vida. O que eu sou hoje é terem vendido a casa, É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo, O que fui de coração e parentesco,

Poema em linha reta


Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida...
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Indesculpavelmente sujo, Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Ó príncipes, meus irmãos,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Arre, estou farto de semideuses!
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Onde é que há gente no mundo?
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado, Poderão as mulheres não os terem amado,
Para fora da possibilidade do soco; Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo. Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Vil no sentido mesquinho e infame da vileza

Lisbon Revisited (1923)


Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida... Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos — mas
mas uma infâmia; ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que tenho sido
os oiço e me falam. vil, literalmente vil,
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
meus irmãos, Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer. pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Não me tragam estéticas! Não me falem em moral! Tirem-me daqui a metafísica! Vão para o diabo sem mim,
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas Das Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! Para que haveremos de ir juntos?
ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) — Não me peguem no braço!
Das ciências, das artes, da civilização moderna! Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho. Já disse que sou só
Que mal fiz eu aos deuses todos? Se têm a verdade, guardem-na! sozinho!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. Fora disso sou doido, Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
com todo o direito a sê-lo. Ó céu azul — o mesmo da minha infância —, Eterna verdade vazia e perfeita!
Com todo o direito a sê-lo, ouviram? Ó macio Tejo ancestral e mudo, Pequena verdade onde o céu se reflete!
Não me macem, por amor de Deus! Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável? Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer cousa? Se eu fosse outra E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

Tabacaria
Não sou nada. Nunca serei nada. Ainda que não more nela; E o que podia fazer de mim não o fiz. O dominó
Não posso querer ser nada. Serei sempre o que não nasceu para isso; Serei que vesti era errado.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do sempre só o que tinha qualidades; Conheceram-me logo por quem não era e não
mundo. Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a desmenti, e perdi-me.
Janelas do meu quarto, porta ao pé de uma parede sem porta Quando quis tirar a máscara,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira, Estava pegada à cara.
que ninguém sabe quem é E ouviu a voz de Deus num poço tapado. Crer Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha
(E se soubessem quem é, o que saberiam?), em mim? Não, nem em nada. envelhecido.
Dais para o mistério de uma rua cruzada Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que
constantemente por gente, O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o não tinha tirado.
Para uma rua inacessível a todos os cabelo, Deitei fora a máscara e dormi no vestiário Como
pensamentos, E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou um cão tolerado pela gerência
Real, impossivelmente real, certa, não venha. Por ser inofensivo
desconhecidamente certa, Escravos cardíacos das estrelas, E vou escrever esta história para provar que sou
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e Conquistámos todo o mundo antes de nos sublime.
dos seres, levantar da cama; Essência musical dos meus versos inúteis, Quem
Com a morte a pôr humidade nas paredes e Mas acordámos e ele é opaco, Levantámo-nos e me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
cabelos brancos nos homens, ele é alheio, Saímos de casa e ele é a terra E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela inteira, defronte,
estrada de nada. Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Calcando aos pés a consciência de estar
Indefinido. existindo,
Estou hoje vencido, como se soubesse a Como um tapete em que um bêbado tropeça
verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse (Come chocolates, pequena; Come chocolates! Ou um capacho que os ciganos roubaram e não
para morrer, Olha que não há mais metafísica no mundo valia nada.
E não tivesse mais irmandade com as coisas senão chocolates. Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e Olha que as religiões todas não ensinam mais à porta.
este lado da rua que a confeitaria. Olhou-o com o desconforto da cabeça mal
A fileira de carruagens de um comboio, e uma Come, pequena suja, come! voltada
partida apitada Pudesse eu comer chocolates com a mesma E com o desconforto da alma mal-entendendo.
De dentro da minha cabeça, verdade com que comes! Ele morrerá e eu morrerei.
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
de ossos na ida. de folhas de estanho, A certa altura morrerá a tabuleta também, e os
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a versos também.
Estou hoje perplexo como quem pensou e vida.) Depois de certa altura morrerá a rua onde
achou e esqueceu. Mas ao menos fica da amargura do que nunca esteve
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo serei a tabuleta,
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa A caligrafia rápida destes versos, Pórtico partido E a língua em que foram escritos os versos.
real por fora, para o Impossível. Morrerá depois o planeta girante em que tudo
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa Mas ao menos consagro a mim mesmo um isto se deu.
real por dentro. desprezo sem lágrimas, Em outros satélites de outros sistemas qualquer
Falhei em tudo. Nobre ao menos no gesto largo com que atiro coisa como gente
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das Continuará fazendo coisas como versos e
fosse nada. coisas, vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
A aprendizagem que me deram, E fico em casa sem camisa. Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre
Desci dela pela janela das traseiras da casa, Fui uma coisa tão inútil como a outra,
até ao campo com grandes propósitos. Mas lá (Tu, que consolas, que não existes e por isso Sempre o impossível tão estúpido como o real,
encontrei só ervas e árvores, consolas, Sempre o mistério do fundo tão certo como o
E quando havia gente era igual à outra. Ou deusa grega, concebida como estátua que sono de mistério da superfície,
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que fosse viva, Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma
hei-de pensar? Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e coisa nem outra.
nefasta,
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que Ou princesa de trovadores, gentilíssima e Mas um homem entrou na Tabacaria (para
sou? colorida, comprar tabaco?),
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa! Ou marquesa do século dezoito, decotada e E a realidade plausível cai de repente em cima
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que longínqua, de mim.
não pode haver tantos! Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais, Semiergo-me enérgico, convencido, humano, E
Génio? Neste momento Ou não sei quê moderno — não concebo bem o vou tencionar escrever estes versos em que digo
Cem mil cérebros se concebem em sonho quê —, o contrário.
génios como eu, Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode
E a história não marcará, quem sabe?, nem um, inspirar que inspire! Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los E
Nem haverá senão estrume de tantas Meu coração é um balde despejado. Como os saboreio no cigarro a libertação de todos os
conquistas futuras. que invocam espíritos invocam espíritos invoco pensamentos.
Não, não creio em mim. A mim mesmo e não encontro nada. Sigo o fumo como uma rota própria,
Em todos os manicómios há doidos malucos Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez E gozo, num momento sensitivo e competente,
com tantas certezas! absoluta. A libertação de todas as especulações
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que E a consciência de que a metafísica é uma
certo ou menos certo? passam, consequência de estar mal disposto.
Não, nem em mim... Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam, Vejo
Em quantas mansardas e não-mansardas do os cães que também existem, Depois deito-me para trás na cadeira E continuo
mundo E tudo isto me pesa como uma condenação ao fumando.
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos degredo, Enquanto o Destino mo conceder, continuarei
sonhando? E tudo isto é estrangeiro, como tudo.) fumando.
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas — Vivi, estudei, amei, e até cri, (Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas E hoje não há mendigo que eu não inveje só por Talvez fosse feliz.)
—, não ser eu. Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
E quem sabe se realizáveis, Olho a cada um os andrajos e as chagas e a O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na
Nunca verão a luz do sol real nem acharão mentira, algibeira das calças?).
ouvidos de gente? E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica. (O
O mundo é para quem nasce para o conquistar nem amasses nem cresses Dono da Tabacaria chegou à porta.)
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso Como por um instinto divino o Esteves voltou-
ainda que tenha razão. sem fazer nada disso); se e viu-me.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez. Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e
Tenho apertado ao peito hipotético mais a quem cortam o rabo o universo
humanidades do que Cristo, E que é rabo para aquém do lagarto Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum remexidamente. o Dono da Tabacaria sorriu.
Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda, Fiz de mim o que não soube,
Síntese
Ideias da sua poesia:
• Álvaro de Campos evolui ao longo de três fases: a de influência decadentista a que pertence o Opiário, a
futurista e sensacionista, de inspiração whitmaniana, onde encontramos, por exemplo, a Ode Triunfal e a
Ode Marítima; e a intimista ou independente, marcada pela abulia e o tédio, pela angústia e o cansaço, com
poemas como O que há em mim é sobretudo cansaço, Esta velha angústia, Apontamento, ou os de Lisbon
revisited:
o Na primeira fase, encontra-se o tédio de viver, a morbidez, o decadentismo, a sonolência, o torpor e a
necessidade de novas sensações;
o Na segunda fase, há um excesso de sensações, a tentativa de totalização de todas as possibilidades
sensoriais e afetivas (unanimismo), a inquietude, a exaltação da energia, de todas as dinâmicas, da
velocidade e da força até situações de paroxismo;
o Na terceira fase, perante a incapacidade das realizações, volta o abatimento, a abulia, a revolta e o
inconformismo, a dispersão e a angústia, o sono e o cansaço
Fase sensacionista
• Reflete a insubmissão e rebeldia dos movimentos vanguardistas da segunda década do século XX, olha o
mundo contemporâneo e canta o futuro.
• Poeta, que, numa linguagem impetuosa, excessiva, canta o mundo contemporâneo, celebra o triunfo da
máquina, da força mecânica e da velocidade. Dentro do espírito das vanguardas, exalta a sociedade e a
civilização modernas com os seus valores e a sua "embriaguez" (ex.: Ode Triunfal...).
• Diferente de Caeiro, que considera a sensação de forma saudável e tranquila, mas rejeita o pensamento, ou
de Ricardo Reis, que advoga a indiferença olímpica, Campos procura a totalização das sensações, conforme as
sente ou pensa, o que lhe causa tensões profundas.
• Como sensacionista, é o poeta que melhor expressa as sensações da energia e do movimento, bem como as
sensações de "sentir tudo de todas as maneiras". Para ele a única realidade é a sensação.
• Em Campos há a vontade de ultrapassar os limites das próprias sensações, numa vertigem insaciável, que o
leva a querer "ser toda a gente e toda a parte". Numa atitude unanimista, procura unir em si toda a
complexidade das sensações.
Fase pessimista
• Mas, passada a fase eufórica, o desassossego de Campos leva-o a revelar uma face disfórica, a ponto de
desejar a própria destruição. Há aí a abulia e a experiência do tédio, a deceção, o caminho do absurdo.
• Incorporando todas as possibilidades sensoriais e emotivas, apresenta-se entre o paroxismo da dinâmica em
fúria e o abatimento sincero, mas quase absurdo.
• Depois de exaltar a beleza da força e da máquina por oposição à beleza tradicionalmente concebida, a poesia
de Campos revela um pessimismo agónico, a dissolução do "eu", a angústia existencial e uma nostalgia da
infância irremediavelmente perdida.
• Na fase intimista de abulia, observa-se a disforia do "eu", vencido e dividido entre o real objetivo e o real
subjetivo que o leva à sensação do sonho e da perplexidade (ex.: Tabacaria). Verifica-se, também, a presença
do niilismo em relação a si próprio, embora reconheça ter "todos os sonhos do mundo".

Estilo da sua poesia


• Verso livre, em geral muito longo;
• Irregularidade formal (estrófica, métrica e rítmica);
• Assonâncias, onomatopeias, aliterações;
• Rima interior;
• Ritmo amplo, com alternâncias.
• Excesso de expressão: exclamações, interjeições, apóstrofes, pontuação emotiva (exclamações,
interrogações, reticências);
• Mistura de níveis de língua;
• Desvios sintáticos;
• Estrangeirismos e neologismos;
• Substantivação de fonemas;
• Metáforas ousadas, personificações, hipérboles, paradoxos, enumerações, gradações;
• Estilo torrencial (2.ª fase);
• Repetições, simetria de construção, anáforas;
• Construções nominais, infinitivas e gerundivas;
• Grafismos inovadores e expressivos;
• Estética não aristotélica (fase futurista), assente nas ideias de força, dinamismo energia, etc.
Ricardo Reis
Não tenhas nada nas mãos
Não tenhas nada nas mãos Que louros que não fanem
Nem uma memória na alma, Nos arbítrios de Minos?
Que quando te puserem Que horas que te não tornem
Nas mãos o óbolo último, Da estatura da sombra
Ao abrirem-te as mãos Que serás quando fores
Nada te cairá. Na noite e ao fim da estrada?
Que trono te querem dar Colhe as flores mas larga-as, Das mãos mal as olhaste.
Que Átropos to não tire? Senta-te ao sol. Abdica E sê rei de ti próprio.

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio


Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
(Enlacemos as mãos). Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado, Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Mais longe que os deuses. Pagãos inocentes da decadência.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio. Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Mais vale saber passar silenciosamente Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
E sem desassossegos grandes. Nem fomos mais do que crianças.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz, E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos, Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria, Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
E sempre iria ter ao mar. Pagã triste e com flores no regaço

A última ode
Só o ter flores pela vista fora E as rápidas carícias
Nas áleas largas dos jardins exatos Dos instantes volúveis.
Basta para podermos
Achar a vida leve Pouco tão pouco pesarei nos braços
Com que, exilados das supernas luzes,
De todo o esforço seguremos quedas Escolhermos do que fomos
As mãos, brincando, pra que nos não tome O melhor pra lembrar
Do pulso, e nos arraste.
E vivamos assim. Quando, acabados pelas Parcas, formos,
Vultos solenes de repente antigos,
Buscando o mínimo de dor ou gozo, E cada vez mais sombras,
Bebendo a goles os instantes frescos, Ao encontro fatal
Translúcidos como água
Em taças detalhadas, Do barco escuro no soturno rio,
E os nove abraços do horror estígio, E o regaço insaciável
Da vida pálida levando apenas Da pátria de Plutão.
As rosas breves, os sorrisos vagos,

Mestre, são placidas


Mestre, são plácidas
Todas as horas O Tempo passa,
Que nós perdemos, Não nos diz nada.
Se no perdê-las, Envelhecemos.
Qual numa jarra, Saibamos, quase
Nós pomos flores. Maliciosos,
Sentir-nos ir.
Não há tristezas
Nem alegrias Não vale a pena
Na nossa vida. Fazer um gesto.
Assim saibamos, Não se resiste
Sábios incautos, Ao deus atroz
Não a viver, Que os próprios filhos
Devora sempre.
Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos, Colhamos flores.
Tendo as crianças Molhemos leves
Por nossas mestras, As nossas mãos
E os olhos cheios Nos rios calmos,
De Natureza... Para aprendermos
Calma também.
À beira-rio,
À beira-estrada, Girassóis sempre
Conforme calha, Fitando o Sol,
Sempre no mesmo Da vida iremos
Leve descanso Tranquilos, tendo
De estar vivendo. Nem o remorso
De ter vivido.

Síntese
Ideias da sua poesia:
• Latinista e helenista (Interesse pela cultura Clássica, Romana e Grega).
• Ricardo Reis, poeta clássico, da serenidade epicurista, que aceita, com calma lucidez, a relatividade e a
fugacidade de todas as coisas.
• Aceita a antiga crença nos deuses, enquanto disciplinadora das nossas emoções e sentimentos
• Defende a busca de uma felicidade relativa alcançada pela indiferença à perturbação.
• Defende o prazer do momento, o “carpe diem”, como caminho da felicidade, mas sem ceder aos impulsos
dos instintos - epicurismo.
• Considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade – ataraxia
• Propõe, uma filosofia moral de acordo com os princípios do epicurismo e uma filosofia estoica:
o - “Carpe diem” (aproveitai o dia), ou seja, aproveitai a vida em cada dia, como caminho da felicidade;
o - Buscar a felicidade com tranquilidade (ataraxia);
o - Não ceder aos impulsos dos instintos (estoicismo);
o - Procurar a calma, ou pelo menos, a sua ilusão;
o - Seguir o ideal ético da apatia que permite a ausência da paixão e a liberdade (sobre esta apenas
pesa o Fado).
• Adquiriu a lição do paganismo espontâneo de Caeiro, cultiva um neoclassicismo neopagão (crê nos deuses e
nas presenças quase divinas que habitam todas as coisas), recorrendo à mitologia greco-latina,
• Considera a brevidade, a fugacidade e a transitoriedade da vida, pois sabe que o tempo passa e tudo é
efémero. Daí fazer a apologia da indiferença solene diante o poder dos teus e do destino inelutável.
• Considera que a verdadeira sabedoria de vida é viver de forma equilibrada e serena, ( “sem desassossegos
grandes”).

Estilo da sua poesia


• Submissão da expressão ao conteúdo: a uma ideia perfeita corresponde uma expressão perfeita
• Estrofes regulares de verso decassílabo alternadas ou não com hexassílabo
• Verso branco
• Recurso frequente à assonância, à rima interior e à aliteração
• Predomínio da subordinação
• Uso frequente do hipérbato
• Uso frequente do gerúndio e do imperativo
• Uso de latinismos (astro, ínfero, insciente...)
• Metáforas, eufemismos, comparações, imagens
• Estilo construído com muito rigor e muito denso
• Classicismo erudito:
o precisão verbal
o recurso à mitologia (crença e culto aos deuses)
o princípios de moral e da estética epicurista e estoica
o tranquila resignação ao destino
o poeta Intelectual, sabe contemplar: ver intelectualmente a realidade
o aceita a relatividade e a fugacidade das coisas
o verdadeira sabedoria da vida é viver de forma equilibrada e serena
• privilegia a ode, o epigrama e a elegia.
• usa a inversão da ordem lógica, favorecendo o ritmo das suas ideias disciplinadas
• estilo densamente trabalhado, de sintaxe alatinada, hipérbatos, apóstrofes, metáforas, comparações,
gerúndio e imperativo.
Alberto Caeiro
Eu nunca guardei rebanhos
Eu nunca guardei rebanhos, Seriam alegres e contentes. minhas ideias,
Mas é como se os guardasse. Pensar incomoda como andar à chuva Ou olhando para as minhas ideias e vendo o
Minha alma é como um pastor, Quando o vento cresce e parece que chove mais meu rebanho,
Conhece o vento e o sol E sorrindo vagamente como quem não
E anda pela mão das Estações Não tenho ambições nem desejos compreende o que se diz
A seguir e a olhar. Ser poeta não é uma ambição minha E quer fingir que compreende.
Toda a paz da Natureza sem gente É a minha maneira de estar sozinho
Vem sentar-se a meu lado. Saúdo todos os que me lerem,
Mas eu fico triste como um pôr de sol E se desejo às vezes, Tirando-lhes o chapéu largo
Para a nossa imaginação, Por imaginar, ser cordeirinho Quando me veem à minha porta
Quando se vê acabar lá ao longe (Ou ser o rebanho todo Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
E se sente a noite já entrada Para andar espalhado por toda a encosta Saúdo-os e desejo-lhes sol
Como uma borboleta pela janela. A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo), E chuva, quando a chuva é precisa,
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol E que as suas casas tenham
Mas a minha tristeza é sossego Ou quando uma nuvem passa a mão por cima Ao pé duma janela aberta
Porque é natural e justa da luz Uma cadeira predileta
E é o que deve estar na alma E corre um silêncio pela erva fora. Onde se sentem, lendo os meus versos.
Quando já pensa que existe E ao lerem os meus versos pensem
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso. Quando me sento a escrever versos Que sou qualquer cousa natural —
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos, Por exemplo, a árvore antiga
Com um ruído de chocalhos Escrevo versos num papel que está no meu À sombra da qual quando crianças
Para além da curva da estrada, pensamento, Se sentavam com um baque, cansados de
Os meus pensamentos são contentes. Sinto um cajado nas mãos brincar,
Só tenho pena de saber que eles são contentes, E vejo um recorte de mim E limpavam o suor da testa quente
Porque, se o não soubesse, No cimo dum outeiro, Com a manga do bibe riscado.
Em vez de serem contentes e tristes, Olhando para o meu rebanho e vendo as

Tudo o que vejo está nítido como girassóis


Tudo que vejo está nítido como um girassol. Porque o vejo. Mas não penso nele
Tenho o costume de andar pelas estradas Porque pensar é não compreender...
Olhando para a direita e para a esquerda, O mundo não se fez para pensarmos nele
E de vez em quando olhando para trás... (Pensar é estar doente dos olhos)
E o que vejo a cada momento Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem... Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Sei ter o pasmo comigo Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Que teria uma criança se, ao nascer, Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Reparasse que nascera deveras... Porque quem ama nunca sabe o que ama
Sinto-me nascido a cada momento Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Para a completa novidade do mundo...
Amar é a primeira inocência,
Creio no mundo como num malmequer, E toda a inocência é não pensar...

Sou um guardador de rebanhos


Sou um guardador de rebanhos:
O rebanho é os meus pensamentos Por isso quando num dia de calor
E os meus pensamentos são todos sensações. Me sinto triste de gozá-lo tanto,
Penso com os olhos e com os ouvidos E me deito ao comprido na erva,
E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la Sei a verdade e sou feliz.
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

X - «Olá, guardador de rebanhos,


«Olá, guardador de rebanhos, Aí à beira da estrada, De memórias e de saudades
Que te diz o vento que passa?» E de coisas que nunca foram.»
«Que é vento, e que passa, E que já passou antes, «Nunca ouviste passar o vento.
E que passará depois. E a ti o que te diz» O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira,
«Muita coisa mais do que isso, E a mentira está em ti.»
Fala-me de muitas outras coisas.

Síntese
Ideias da sua poesia:
• Defende o sensacionismo, corrente que apresenta três princípios: os objetos são resultados de uma sensação
nossa, todo e qualquer tipo de arte provém igualmente de uma sensação e a arte é uma transformação de
uma sensação noutra. Por conseguinte, Alberto Caeiro, afirma que ver e sentir é conhecer e compreender a
realidade, não sendo necessário usar o pensamento para fazê-lo.
• Dá mais valor aos sentidos e às emoções do que ao pensamento. Sendo caracterizado como um poeta não
do pensamento, mas sim da natureza, um «guardador de rebanhos», que observa e sente a realidade de
forma objetiva e natural.
• Verifica-se uma negação ao misticismo, ou seja, não concorda em ver mistérios nos objetos senão aquilo que
observa, pois, segundo ele, «pensar é estar doente dos olhos». Defendendo que não é necessário o
pensamento para observar e compreender o mundo, os conceitos reduzem-se àquilo que observamos.
• Ele exprime o desejo de acabar com a consciência das suas próprias sensações, isto é, o «vício de pensar»,
porque, de acordo com este heterónimo "as coisas não têm significação: têm existência, a qual é o seu
próprio significado" (Pessoa, 2006, p. 79).
• Tenta ver as coisas como elas são, sem refletir sobre elas e sem atribuir-lhes significados (“Que é vento, e que
passa, / E que já passou antes, /E que passará depois. “).
• Advoga a comunhão do Homem com a Natureza, aproximando-se assim do paganismo. Sentindo um
deslumbramento perante a sua diversidade.
• Considera que só o presente existe e deve ser vivido
• Afirma ser o poeta do real objetivo, um poeta (falsamente) ingênuo

Concluindo, o programa sensacionista de Alberto Caeiro afirma recusar o pensamento, a filosofia e a existência
de uma metafísica, tendo em conta apenas as emoções, o que pode ser conferido através deste poema.

Estilo da sua poesia

• a presença de versos sem rima e com métrica coordenadas copulativas “ E que já passou antes,/
irregular, que são usados de modo a eliminar da E que passará depois./E a ti o que te diz?»”.
sua poesia os mecanismos rítmicos e a • Frases simples em que domina a coordenação
musicalidade artificialmente orquestrados. • Domínio do campo lexical de “natureza”
• uso reduzido de metáforas, palavras com duplo • Marcas de discurso de oralidade e da prosa
sentidos, conotações de linguagem ou de tropos • Adjetivação objetiva
que dizem uma coisa por meio de outra; • Predomínio do presente do indicativo
• uso de vocabulário simples e reduzido; • Simplicidade dos recursos retóricos
• uso de tautologias “Que é vento, e que passa,”; • Irregularidade a nível da estrutura estrófica, usada
• uso de uma sintaxe enumerativa, onde para expressar o imediatismo das suas sensações
predominam o polissíndeto e orações

Em suma, Alberto Caeiro tenta eliminar qualquer elemento conotativo, artificial ou trabalhado da sua poesia, o
que empresta à composição um certo tom de falsa simplicidade, utilizando-se destes métodos para intensificar a
ideia de que é o poeta da simplicidade e da ingenuidade.

Contradições
Alberto Caeiro descreve-se a si próprio como sendo o poeta da simplicidade e ingenuidade que possui uma
visão sensacionista e antifilosofias, acreditando que as coisas são como elas são, colocando a realidade ao nível das
sensações, não havendo nada para além desta, vendo a realidade com um olhar nítido.

Diz ser o poeta da simplicidade e da ingenuidade porem estrutura os seus poemas de forma pensada e
trabalhada, de modo a transmitir uma ingenuidade disfarçada
• Diz ser o poeta da simplicidade e da • Diz desvalorizar e recusar o pensamento, mas
ingenuidade porem expressa nos seus os seus poemas são reflexões e não tanto
poemas uma intensa complexidade filosófica descrições da natureza
• Diz recusar o pensamento, mas ao tentar • Afirma-se contra a filosofia, mas expõe a sua
representar poeticamente a diversidade e a «doutrina» nos seus poemas
variedade do mundo acaba por ter que fazer • Analisa e reflete sobre as sensações, não se
uso da racionalidade limitando a captar impressões

Existe uma contradição entre o poeta ingénuo que Alberto Caeiro diz ser e o pensador que ele recusa ser, mas
que afinal é, sendo, assim, possível identificar dois Caeiros, o poeta ingênuo e o pensador, sendo o primeiro que em
teoria se desdobra no segundo.
Gramática
Principais processos de variação fonológica
Processos de variação fonológica

Processo Em que consiste Exemplificação

De supressão: Queda de um fonema

aférese No inicio da palavra Attonitum > tonito > tonto

Sincope No meio da palavra Attonitum > tonito > tonto

apocope No fim da palavra Plenum > peno

De inserção: Acrescento de um fonema

Prótese No inicio da palavra Stare > estar

Epêntese No meio da palavra Humile > humilde

Paragoge No fim da palavra Ante > Antes

De alteração: Mudança na qualidade ou na posição dos segmentos

Assimilação Alteração de fonema, que se torna igual ou semelhante a Ipsu > Isso
um som vizinho

Dissimilação Alteração de fonema, que setorna diferente dos sons Rodondo > Redondo
vizinhos

Sonorização Transformação de consoantes surdas em posição Focu > Fogo / Totu > Todo
intervocálica em consoantes sonoras

Vocalização Transformação de uma consoante em vogal Nocte > Noite

Palatalizaçã o Transformação de um grupo de fonemas num som Filiu > Filho


palatal

Redução Enfraquecimento de uma vogal em posição átona Sono > Soninho


vocálica

Metátese Troca de lugar de fonema numa palavra Semper > Sempre


Crase Contração deduas vogais numa só Leer > Ler

Sinérese (ditongação) Contração de duas vogais numditongo Lee > Lei

Processos irregulares de formação de palavras


Extensão semântica – atribuição de um novo sentido ou de uma aceção anteriormente inexistente a uma palavra.
Ex: Rato – animal roedor/ferramenta de computador;

Empréstimo – palavras de outras línguas que entraram numa outra sendo recorrentemente usada pelos falantes.
Ex: Árabe – xeque/ alface/ açúcar; japonesa – harakiri/ biombo/ sushi

Amálgama – processo de criação de novas palavras que resulta da fusão dos vocábulos, ambos sofrendo amputações.
Ex: informática – informação + náutica; franglês – francês + inglês;

Sigla – vocábulo que resulta da redução das palavras de uma expressão às suas iniciais. Lê-se soletrando.
Ex: OMS – organização mundial de saúde; PJ – polícia judiciaria;

Acronímia – semelhante à sigla, porem em vês de se ler a soletrar, lê-se como uma palavra
Ex: SIDA – síndrome da imunodeficiência adquirida; TAC – tomografia axial computorizada;

Truncação – redução de uma palavra, suprimindo-se geralmente as silabas finais.


Ex: moto < motocicleta; quilo < quilograma; otorrino < otorrinolaringologista

Semântica
Valor temporal

Valor aspetual
O valor aspectual traduz o modo como a ação se realiza ou desenvolve-se. Os valores aspectuais são os
seguintes:
• Valor perfetivo – a ação é apresentada como concluída. Ex: Ontem comi feijão
• Valor imperfectivo – a ação é apresentada como não concluída. Ex: Naquela época ia ao cinema.
• Valor iterativo – a ação realiza-se regular ou repetidamente. Ex: Vou ao cinema regularmente; Temos ido ao
cinema.
• Valor habitual – a ação é um hábito, um costume. Ex: Eu costumo lavar os dentes; Íamos sempre de férias.
• Valor genérico – apresenta um facto como permanentemente válido. Ex: A Terra é redonda; Os peixes vivem
na água.
Valor modal
O valor modal exprime a atitude do interlocutor perante aquilo que enuncia. Distinguem-se as seguintes
modalidades:
• Epistémica
o valor de certeza – A caneta está estragada
o valor de probabilidade – A caneta pode estar estragada
• Deôntica
o Valor de obrigação – Tens de entrar
o Valor de permissão – Podes entrar
• Apreciativa
o (Avaliação positiva) – Felizmente, chegaste.
o (Avaliação negativa) – Lamento a demora.

Orações
Orações coordenadas
Subclasses Exemplos
Assindética Sinto-me quente, devo estar doente.
Copulativa Sai do trabalho e fui para casa.
Adversativa O telemóvel tem bateria, mas não funciona.
Sindéticas Disjuntiva Chovia ou nevava.
Conclusiva Estudei bastante, logo vou ter boa nota.
Explicativa Liga o aquecedor, pois está frio.

Orações subordinadas
Substantivas Completivas Ele pediu que lhe fizéssemos um favor.
Relativas Quem espera sempre alcança.
Adjetivas Relativas restritivas Gosto da camisola que compraste.
Relativas explicativas A Ana, que chegou cedo, está a dormir.
Adverbiais Temporais Assim que cheguei, fui dormir.
Causais O carro parou porque ficou sem gasolina.
Finais Amanhã encontramo-nos para falar.
Condicionais Se fores ao supermercado, traz leite.
Concessivas Apesar de não ter muita fomes, podemos jantar.
Comparativas O teu irmão é mais alto do que tu
Consecutivas Estava tanto frio que tremiamos

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