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G1 “DIREITO DO TRABALHO I” (2.

2022) EM 04/10/2022
Prof.ª Dr.ª Daniela da Rocha Brandão

Bernardo Marquez de Vasconcelos | 2220186

1ª QUESTÃO

Importa compreender que a regra da condição mais benéfica se encontra inserida no


âmbito do princípio da proteção tendo este, no seu cerne, o intuito de compensar a
superioridade económica do empregador em relação ao empregado, proporcionando ao
segundo superioridade jurídica que deriva da sua qualidade como empregado e não de
trabalhador, isto porque não é a qualquer trabalhador que lhe é atribuído este benefício, tem
de ser um subordinado que se encontre numa relação de emprego.
Esta regra encontra-se a par de outras duas que, conjuntamente, constituem o
princípio da proteção: o in dúbio pro operário e a aplicação da norma mais favorável ao
trabalhador. No entanto, cabe deixar claro que não se confundem. Atentando ao princípio da
condição mais benéfica, podendo igualmente ser denominado por princípio da cláusula mais
vantajosa, vem este sustentar que as vantagens consagradas no contrato de trabalho que
pelo empregado já foram conquistadas assim devem permanecer, não sendo aceitável uma
mudança que coloque o trabalhador num estado inferior ao que se encontrava.
Difere da regra do in dúbio pro operário uma vez que é mais geral, por aparecer na
realidade como uma manifestação da mesma e por ter consagração jurídico-positiva
expressa. Também não se confunde com a segunda, da aplicação da norma mais favorável,
tendo em conta que acarreta a aplicação de uma norma de favor que não é referente à
caracterização geral, mas antes a uma situação específica.
Atentando ao exposto na alínea 8ª do art. 19.º da Constituição da Organização
Internacional do Trabalho é estabelecido que: "Em nenhum caso se poderá admitir que a
adoção de uma convenção ou de uma recomendação pela Conferência, ou a ratificação de
uma convenção por qualquer membro torne sem efeito qualquer lei, sentença, costume ou
acordo que garanta aos trabalhadores condições mais favoráveis que as que figuram na
convenção ou na recomendação".
Face a tal preceito poderia surgir a dúvida se, em causa, está a aplicação da regra
mais favorável ou da condição mais benéfica. Para Américo Plá Rodriguez,
enquadrar-se-ão ambas neste preceito, uma vez que, “(...)mesmo quando se refere à lei,
costume ou acordo (na suposição de que seja coletivo), parece referir-se à primeira; quando
alude a sentença ou acordo (no sentido de contrato individual de trabalho) está-se referindo
à segunda, ou seja, à que estamos estudando agora.” Compreende-se a dificuldade que por
vezes acarreta a distinção entre ambas, visto o vínculo estreito pelo qual se encontram
ligadas.
A regra da condição mais benéfica vem pressupor a aplicação da regra do direito
adquirido previsto no art. 5º, XXXVI, da Constituição. Advém este do facto do trabalhador
haver já conquistado determinado direito, não podendo este ser modificado de forma a
diminuir as condições mais favoráveis em que se encontrava o obreiro.
Mesmo ocorrendo a superveniência de uma norma legal de carácter menos protetor,
esta não poderá afetar os contratos de trabalho que já hajam sido celebrados, atingindo
apenas os novos contratos, sendo assegurado pelo preceituado na Lei Maior de que “a lei
não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5.º, XXXVI).
Este princípio também pressupõe que, havendo dispositivos num mesmo contrato que
estejam em concorrência, aplicar-se-á aquele que mais favorável for para o empregado.
Importa compreender que esta regra serve como critério para resolver questões de
direito transitório em matéria trabalhista pelo que, pretendendo traçar o alcance desta,
nota-se que, na prática, a sua utilização tem vindo a decrescer, fruto do espírito cada vez
mais progressista e protetor das novas normas de Direito do Trabalho que tendem a
constituir condições mais benéficas para o trabalhador e não o oposto.
Note-se também que esta regra possui um alcance muito mais íntimo,
representando uma garantia ad personam, pelo que se projeta na esfera individual de cada
obreiro e não na esfera dos trabalhadores em geral.
Ojeda Avilés estabelece três requisitos para se poder invocar a aplicação desta
regra, sendo eles: Que sejam condições de trabalho, compreendidas em sentido amplo,
incluindo portanto as condições de trabalho concedidas no trabalho realizado por conta
alheia; que sejam condições efetivamente mais benéficas, sendo necessário proceder-se a
uma comparação entre duas regulações distintas, pelo que a relação de trabalho necessita
de ter sido fundada sob a vigência da norma antiga; que essas condições tenham sido
reconhecidas ao trabalhador, pelo que é exigido que tenham sido preenchidos os requisitos
necessários para o nascimento do direito.
Atentando a estes requisitos, compreende-se que não cabe no alcance desta regra
as condições que, face à norma antiga, nunca chegaram a ser exercidas. Isto porque os
requisitos em questão nunca se encontraram preenchidos.
É certo que a aplicação desta regra poderá colocar certos obstáculos às empresas,
prejudicando a sua racionalidade empresarial, já que permitir-se-ia diferentes níveis de
benefícios para empregados de uma mesma empresa. Dever-se-á, então, estabelecer
alguns limites, como bem elucida Américo Plá Rodriguez.
Primeiramente, poder-se-á eliminar de forma expressa, através de uma disposição
na norma posterior, da aplicação da outra norma. Seguidamente, instituindo-se condições
mais favoráveis em nova lei, encontrar-se-ão todos em pé de igualdade já que será esta a
condição a aplicar a todos os trabalhadores. Por fim, poder-se-ão instituir cláusulas de
compensação que, de acordo com Montalvo Correa e Camps, poder-se-ão classificar como
compensação vertical ou horizontal, conforme em causa esteja uma mesma condição mas
melhorada ou uma outra condição, que não seja da mesma espécie.
Vários exemplos podem ser apresentados em que haja consagração jurídico-positiva
desta regra, veja-se, a título de exemplo, que ao menor aprendiz é garantido o
salário-mínimo horário, salvo condição mais favorável (§ 2a do art. 428 da CLT). Em quase
todas as convenções coletivas ou laudos encontramos algo semelhante ao que é
encontrado na Disposição Geral n. 14 do laudo do Grupo 50 (Instituições de Saúde e
Assistência), de 27.12.65, onde é consagrado que: "As vantagens de qualquer ordem (horas
de trabalho, remunerações, licenças, etc.) superiores às estabelecidas por este laudo e de
que gozem atualmente os trabalhadores devem ser mantidas, salvo se derrogadas
expressamente pelo presente".
De La Lama Rivera veio abrir um debate referente a quais condições mais benéficas
devem ser efetivamente respeitadas. Para responder a esta questão o autor veio arguir que
apenas podem ser consideradas como condições mais benéficas as que com esse carácter
tenham sido estabelecidas. Se possuírem carácter provisório então não poderão ser
invocadas com esse propósito, tendo que assumir uma natureza definitiva.
De outro modo, diversos problemas poderiam advir de tal situação, tanto de
natureza económica como psicológica, pois não só uma empresa poderá não possuir
recursos financeiros suficientes para suportar que tais condições provisórias sejam
invocadas para sempre como também, se tal fosse possível, poderiam abster-se de criar
essas condições com receio que fosse impossível alterar o conteúdo das mesmas.
É com base nestas ideias que vem o autor considerar que só será aplicada a regra
da condição mais favorável nas condições que produzam efeitos legais e que, revestindo
portanto caráter de fonte de direito subjetivo, o seu cumprimento seja juridicamente exigível.
Já não seria aplicável quando não fosse essa a vontade do empresário que apenas
pretendia atribuir determinada liberalidade em determinado tempo.
Américo Plá Rodriguez discorda que se possa basear o critério de aplicação da
regra com base na vontade do empresário pelo que, para o autor, dever-se-á servir do
critério da razoabilidade para averiguar os factos e compreender se a condição foi estendida
para além do período estabelecido originariamente, de tal modo que já não faça sentido
invocar a questão de provisoriedade para afastar a aplicação do princípio, fazendo alusão a
uma “interpretação racional das realidades.”
Este princípio possui tal relevância que chegou a ser debatido se não era deste que
derivava o princípio da continuidade, por Perez Leñero, tendo-se chegado à conclusão que
a resposta à questão é negativa: são princípios autónomos que, no entanto, partilham a
tutela do trabalhador como raíz.
Por fim, cabe referenciar que este princípio também se encontra na redação das
Súmulas 51, I e 288 do Tribunal Superior do Trabalho, demonstrando a sua sedimentação
no seio do Direito do Trabalho, não apenas pela doutrina como também pela jurisprudência.

2ª QUESTÃO

Atentando à factualidade descrita importa informar o empreendedor que, no Brasil, a


caracterização da relação de emprego é a porta de entrada para a proteção do trabalhador.
O empregado, assim enquadrado, é titular dos mais variados direitos. Alguns desses,
nomeadamente, são: salário mínimo, férias, tutela quanto à forma da extinção do contrato
de trabalho, limitação da jornada de trabalho, repouso semanal remunerado, fundo de
garantia do tempo de serviço, décimo terceiro salário, seguro-desemprego (em caso de
desemprego involuntário), licença-maternidade e licença-paternidade, tutela quanto à
segurança e saúde, registro em carteira de trabalho, entre outros cuja previsão se encontra
na Constituição Federal, na CLT e em leis avulsas. Os trabalhadores autónomos e
eventuais, por outro lado, já não gozam desses benefícios legais. Tendo isso em conta,
apraz sugerir ao empreendedor a celebração de contratos de prestação de serviços,
regulados pelos artigos 593.º e 594.º do CC, assim como pela Lei n.º 13.429.

Importa, no entanto, deixar algumas notas relevantes com o intuito de permitir ao


empreendedor formar a decisão mais informada possível. O contrato de prestação de
serviços, em oposição ao de trabalho, caracteriza-se pela falta de subordinação,
onerosidade da relação, não eventualidade e pessoalidade concomitantemente.
Apreende-se, portanto, que não há uma relação de dependência do empregador com o
empregado, seja esta económica, técnica, hierárquica ou jurídica, não há um salário a ser
recebido pelo empregado por prestar os seus serviços e não se possui uma relação de
continuidade no trabalho prestado. O contrato é firmado com o empregado havendo a
possibilidade de substituição por outra pessoa, não sendo o contratado o único a poder
exercer a atividade. Estando a empresa em questão relacionada com o comércio, através
de uma plataforma digital, parece ser este um bom conselho jurídico atentando ao facto de
que outras empresas sedimentadas neste novo tipo de trabalho, denominado de crowdwork,
têm vindo a adotar esta mesma postura, tendo em conta que não exige treinamento, a
estrutura do trabalho é determinada por microtarefas, o trabalho poderá ser realizado em
formato online, não é carecida segurança laboral, a remuneração depende das tarefas
realizadas, atribui-se ao trabalhador a vantagem da flexibilidade de horários, entre outras.

Não obstante, importa que o empreendedor compreenda que não basta que seja
celebrado um contrato de prestação de serviços para que este não esteja adstrito ao Direito
do Trabalho. O empreendedor deve-se abster de, de alguma forma, limitar a autonomia do
trabalhador uma vez que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que
emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que
efetivamente ocorre na realidade. É esta uma imposição do Princípio da Primazia da
Realidade. Caso seja criada uma efetiva relação de subordinação, em que o empreendedor
possua um poder de direção sobre o trabalhador é, pois, este o fato real que emerge da
relação verdadeiramente existente. A justiça do Trabalho procurará sob o manto da
aparência, muitas vezes simulada, dos contratos de direito comum, civil ou comercial, pelo
que se a decisão do empreendedor for a de celebrar com os seus trabalhadores contratos
de prestação de serviços, deverá efetivamente tratá-los como prestadores de serviços e não
como empregados. A própria jurisprudência tem vindo a sustentar esta ideia,
nomeadamente quando expressou que “Não importa a sua descaracterização a
circunstância de constar da carteira profissional ou de documento escrito anotações
diversas da realidade fática, pois é esta que prevalece, como relação de emprego.” (Ac.
TRT, 3ª Região, ReI. Juiz Ribeiro de Vilhena).

3ª QUESTÃO

O impacto que as inovações tecnológicas vieram trazer ao mercado de trabalho tem


sido objeto de inúmeros debates entre economistas e cientistas sociais, havendo quem
sustente uma redução expressiva de postos de trabalho que não se veria acompanhada de
uma criação de novos empregos. Por outro lado, há quem compreenda a inexistência de
alterações de relevo no mercado de trabalho, a nível quantitativo, derivado dos inúmeros
postos de trabalho que a indústria 4.0 vem a inserir no mercado global.
Neste sentido, os autores Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson defendem que,
enquanto uma minoria das inovações tecnológicas consubstanciar-se-á, efetivamente, na
substituição total dos seres humanos pelos robôs, a grande maioria acabará por promover
relações de complementaridade entre estes. A nova forma de organização da produção irá
eliminar vários trabalhos, assim como criará tantos outros. O surgimento destes novos
postos de trabalho que advêm das inovações tecnológicas irá exigir determinadas
habilidades cognitivas, assim como uma elevada qualificação dos trabalhadores, pelo que a
entrada e a continuidade no mercado de trabalho irá necessariamente depender do
preenchimento destes requisitos.
De qualquer forma, independentemente do entendimento que se adote, não se pode
negar que novos empregos serão criados pelo que, para responder à questão colocada,
cabe identificar uma relação de emprego e uma relação de trabalho, que tenham sido
geradas a partir da implementação dessas novas tecnologias, no processo de produção de
bens e serviços.
Primeiramente, e tendo em atenção a inteligência artificial, podemos identificar os
técnicos e engenheiros altamente especializados para desenvolver softwares que
constituíram uma nova relação de emprego fruto das novas tecnologias. A relação de
emprego ocorrerá quando se encontrarem os requisitos do art. 3.º da CLT preenchidos, ou
seja, teremos uma relação de emprego quando houver prestação de serviços de natureza
não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. A prestação de
serviços em questão tem que ser intuitu personae, isto é, apenas aquela pessoa a pode
realizar, sendo a mesma insubstituível por aquela tarefa.
Consegue-se observar que tais pressupostos se verificam uma vez que o
desenvolvimento de software, que comporta a inteligência artificial, está em constante
desenvolvimento e há uma necessidade contínua de realizar atualizações ao mesmo pelo
que nunca será um trabalho eventual já que cada software importa conhecimentos
específicos em relação ao mesmo não sendo praticável a contratação provisória de técnicos
e engenheiros. Desta ideia, de igual forma se retira a essencialidade de cada trabalhador
per si, não sendo estes facilmente substituídos por outros que iriam carecer de bastante
tempo para poderem desempenhar a mesma função com a mesma eficiência. Parece
também clara a dependência destes face ao empregador que sobre eles exerce um forte
poder de direção, sendo necessárias instruções bastante específicas e um horário estável
que coadune com as exigências e dificuldades que surjam.
Fruto desta relação de emprego, poder-se-ão estes empregados fazer valer das
disposições trabalhistas, gozando da tutela protecionista concedida pela CLT e estando o
empregador sujeito às obrigações que desta relação vinculativa advenham, como o
pagamento do salários, repouso semanal remunerado, férias, entre outras.
Colocando em foco uma nova relação de trabalho que tenha surgido com a indústria
4.0, poder-se-á fazer alusão ao chamado crowdwork, constituindo este uma relação de
trabalho de género triangular, cuja duração, em regra, não excede os segundos, minutos ou
horas, sendo desenvolvida no âmbito da crowdsourcing ou terceirização online. O que
sucede é que os interessados em determinado serviço expõem essa necessidade numa
aplicação, manifestando interesse em realizar esse serviço os trabalhadores que estejam
interessados. A infraestrutura é oferecida pela plataforma, desenvolvendo-se daí a relação
entre o solicitador do serviço e o trabalhador. Um exemplo que se poderá utilizar para
melhor compreender esta situação é a plataforma de serviços Amazon Mechanical Turk.
Tendo em conta que a relação de trabalho ocorre quando algum dos requisitos do
art, 3,º da CLT não se encontra preenchido, pelo que basta que apenas um daqueles
critérios não seja suprido para que tenhamos uma relação de trabalho, facilmente se
consegue enquadrar a situação supramencionada no âmbito deste tipo de relação.
Não só a prestação de serviços é eventual como não há pagamento de salário,
tendo em conta que a fixação do preço do trabalho e o momento em que o pagamento é
feito são decididos pelo cliente da plataforma. Além do mais, não se verifica a relação de
subordinação, pois que a coordenação do trabalho é realizada em conjunto pelos clientes e
pela plataforma, não só sendo a forma pela qual a atividade deve ser efetuada determinada
por ambos, como ainda o controlo do trabalho é efetuado pelos clientes, que possuem o
poder de rejeitar as atividades, não pagando, com o devido conhecimento da plataforma.
Por fim, também não é um trabalho em que o trabalhador não possa ser substituído por
outro, se um não está interessado em realizar, outro o pode fazer.
Face ao exposto, não se encontram abrangidos pela tutela protecionista do Direito
do Trabalho este tipo de trabalhadores, não gozando dos benefícios previamente
mencionados, nem estando o empregador adstrito às obrigações que de uma relação de
emprego emergem.

4.ª QUESTÃO

(i) A necessidade de regulamentação da categoria profissional:

As plataformas digitais de trabalho, também denominadas pelos termos “economia


colaborativa” ou "uberização'', apresentam-se hoje como inevitabilidades do hodierno
paradigma laboral neste mundo cada vez mais automatizado que a (des)regulação pública
do trabalho terá de acompanhar.
É crescente o número de trabalhadores autónomos, microempreendedores, em
busca dos benefícios de independência, autonomia e flexibilidade. Há dois pontos
perceptíveis neste cenário: o primeiro é que muitas vezes a exclusividade do emprego pode
causar prejuízos. Por exemplo, a pessoa que perde o único emprego fica numa situação
muito mais desfavorável do que aquela que deixou de prestar o serviço por via de uma
plataforma, mas em que ainda há outras fontes de rendimento. Ao longo do tempo, se a
economia compartilhada se firmar como uma nova lógica de trabalho, ela pode acabar por
ser, inclusive, uma fonte de segurança económica. A flexibilidade, independência e
autonomia que muitos trabalhadores veem como benefício neste novo fenómeno pode
acabar por forçar as leis trabalhistas a realojarem-se em diferentes cenários.
O segundo ponto é em relação aos países mais desenvolvidos que, pela própria
concretização dos direitos sociais, acabam por não prejudicar os trabalhadores autónomos
que não tenham benefícios trabalhistas pois, muitos destes, na maioria das vezes já estão
concretizados na vida social de todos os cidadãos. Neste caso, é muito mais preocupante
os trabalhadores autónomos em países subdesenvolvidos ou com poucos direitos sociais
concretizados pelo Estado, pois, estes sim, dependeriam dos benefícios do empregador.
O perigo, no entanto, de que as empresas possam vedar certas situações e negar
aos trabalhadores um ambiente e salários dignos não deve ser desconsiderado. Pelo
contrário, há que se ter muito cuidado em relação ao que estas inovações implicam aos
suados direitos trabalhistas. Por isso, segundo a autora Robin Chase, ter-se-á que pensar
numa maneira para que todos os benefícios que um trabalhador formal recebe de uma
empresa estejam disponíveis a todos os trabalhadores autónomos, mesmo com fontes
fragmentadas de rendimento. Julie Schor defende também esta ideia, de que o salário digno
e outras condições básicas de trabalho devem ser impostas ao mercado em geral, e não
apenas aos empregados formais.
Dependendo do controlo que a plataforma exerça sobre o utilizador provedor,
também é possível que a própria plataforma crie mecanismos de benefícios àqueles que se
mostrarem como mão de obra integral, ou habitual, talvez por imposição estatal, ou talvez
para melhor atender aos interesses do utilizador.
Não se sabe qual será o futuro do trabalho, mas as formas de prestar serviços,
fornecer bens, compartilhar conhecimentos estão a mudar muito rapidamente. Muitos hoje
optam por não ser empregado formal de uma empresa e poder ter a autonomia,
independência e flexibilidade que esta nova lógica oferece. No que concerne a este tópico,
parece que as mudanças virão logo.
Deparamo-nos com diversas possibilidades regulatórias para esta categoria
profissional, podendo tanto ser enquadrada em modelos legais já existentes, como ser
propostos novos modelos específicos para estes trabalhadores. Outra hipótese, que não
passa pelo enquadramento destes obreiros em categorias intermediárias (como em países
em que está prevista esse tertium genus), passa pela possibilidade de criar leis específicas,
como aliás já se verificou em certos países como Portugal, Espanha, Itália, e Estados
Unidos da América.
Não se sabe que tipo de regulação ou de políticas serão necessárias para proteger
os trabalhadores, mas o que é certo é que a dignidade do ser humano, assim como todos
os seus direitos fundamentais, devem estar sempre no centro destas regulações.

(ii) Problemática da caracterização do vínculo de emprego, relacionando o princípio da


primazia da realidade:

Atentando à problemática da caracterização do vínculo de emprego, há hoje uma


grande discussão em torno do aplicativo Uber e a relação jurídica que este tem com os seus
motoristas. Muitos argumentam tratar-se de uma relação trabalhista vedada e, portanto,
abusiva por não seguir as condições e normas trabalhistas da legislação local, e muitos
outros argumentam que não se trata de vínculo empregatício. Noutro caso, do Airbnb, esta
polémica perde força, pois os anfitriões não utilizam a força de trabalho para prestar o
serviço e, sim, oferecem um “produto”.
A área cinzenta que surge onde não se distingue mais o pessoal do profissional, é
bastante perceptível nos impactos desta nova economia no Direito do Trabalho. Isto porque
há uma diferença entre quem realiza serviços ocasionais como “freelancers”, e aqueles que
prestam serviços habitualmente sempre através da mesma plataforma.
A polémica parece crescer sempre acompanhada do grau de controlo que as
plataformas digitais exercem sobre os seus utilizadores. Por exemplo, o GetNinjas não
exerce muito controlo sobre a qualidade ou veracidade dos serviços que os utilizadores
estão a oferecer, além de ser um espaço para conectar prestadores e tomadores de serviço.
Por outro lado, o Uber, exerce o controlo do preço, e aplica penalidades. Já o Singu, faz um
treinamento para os profissionais qualificarem-se para serem prestadores de serviço por via
do aplicativo.
O vínculo de emprego é verificado quando há prestação de serviços de natureza não
eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário, conforme o art. 3º da
CLT. Estes requisitos, na sua totalidade, não são verificados nestas plataformas. No
entanto, há discussões a respeito de uma subordinação e um controlo no horário de
trabalho que seriam “velados” por meio de incentivos e punições. Seguindo esta linha de
raciocínio, e atentando ao Princípio da Primazia da Realidade, importa a verdade verdadeira
diante dos aspectos formais que a desfigurem, ou seja, verificando-se que há uma efetiva
relação de subordinação, não importa qualquer documento ou outra formalidade que
expresse diversamente da realidade, é só esta última que importa aos olhos da justiça
brasileira.
Na querela, no seio do aplicativo Uber, se a relação entre os motoristas e a empresa
é de emprego ou de trabalho, podem-se encontrar argumentos nos dois sentidos. Quem
defende estar-se diante de uma relação de trabalho fundamentar-se-á na autonomia do
trabalhador no desempenho das atividades, assim como a possibilidade que os motoristas
possuem de ficar off-line. Criticando esta linha argumentativa, veio o Tribunal Regional da
2.ª Região sustentar que “(...) o valor cobrado pelas demandadas é fixo, não há autonomia
do motorista para a realização dos supostos descontos, sob pena de ficar privado de ganho;
a admissão da possibilidade de ficar off line pelo demandante não caracteriza a existência
de autonomia em vista dos mecanismos indiretos utilizados pelas demandadas para
mantê-lo disponível, como a instituição de premiações.”
Verifica-se, portanto, a falta de consenso sobre o preenchimento dos requisitos que
levariam à aplicação do Princípio da Primazia da Realidade e, consequentemente, ao
reconhecimento dos motoristas como empregados numa relação de subordinação.
Houve também uma grande discussão no Brasil a respeito do vínculo empregatício
das revendedoras de produtos da marca Avon com a empresa. Depois de muitos processos
judiciais, e muitas decisões contraditórias, foi pacificado que a relação não se configura
como trabalhista. A revendedora que entrou com a ação judicial (Processo RR –
17600-93.2013.5.17.0191 (3ª Turma do TRT), no caso, foi considerada autónoma, e livre
para assumir os riscos da atividade empreendedora.
Ao que tudo parece, as dúvidas a respeito das relações trabalhistas, tais como são
expostas no Código do Trabalhador, entre as plataformas e os utilizadores prestadores de
serviço, não serão verdadeiramente esclarecidas. Por enquanto, supõe-se que advenham
muitas decisões, com fundamentos e argumentações contrárias entre si.

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