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JOÃO PEDRO PEREIRA DE BARROS DE FRANÇA

LICENCIATURA EM HISTÓRIA
DISCIPLINA DE HISTÓRIA MODERNA
PRIMEIRA ATIVIDADE AVALIATIVA
PERÍODO: 2022.1

1) Discorra sobre a formação e os desdobramentos da ideia de “liberdade” na


Itália entre séculos XII e XVI, indicando as críticas de Quentin Skinner a tese de
Hans Baron sobre o Humanismo Cívico.

Dentre as discordâncias entre Quentin Skinner e Hans Baron, abordaremos


neste texto as referentes à origem do Humanismo cívico. Para Hans Baron, o
humanismo cívico teria surgido a partir da necessidade histórica dos florentinos de
Quatrocentos lidarem com os conflitos armados em defesa de sua liberdade
republicana:

Baron trata a crise de 1402 como a causa de “uma revolução na


perspectiva político-histórica dos florentinos”, entendendo que “a defesa da
independência florentina contra Giangaleazzo” exerceu “profunda influência”
sobre o “fortalecimento do sentimento republicano florentino (SKINNER, pg.
92, 1996)

No entanto, para o historiador inglês Quentin Skinner, o humanismo cívico e


os ideais de liberdade não teriam surgido espontaneamente no séc. XV, eles voltam
quase 300 anos atrás, tendo suas origens no séc XII, seja durante os confrontos
contra o Sacro Império, ou no séc. XIV, durante os enfrentamentos aos papas. Mais
especificamente, o autor argumenta que vai ser durante as investidas do Sacro
Império Germânico e as consequentes vitórias das cidades italianas, a partir das
alianças formadas entre elas e o papado, que teremos as primeiras formulações
ideológicas sobre o direito à liberdade, a defesa da cidade e argumentações em
defesa do republicanismo.
No entanto, essa aliança com o papado logo mostrou suas limitações e suas
problemáticas aos cidadãos italianos: à medida que o papado auxiliava e financiava
as cidades italianas na sua guerra contra o Império, aumentava a ambição da Igreja
em dominar todo o Reino Italiano. Dessa forma, no decorrer do séc. XIII, o papado
conseguiu assumir controle direto sobre uma vasta parte do centro da Itália e
exercer uma considerável influência por todo Reino Italiano (SKINNER, p.36, 1978).
Com essa expansão do poderio papal, segundo Skinner, novas formulações
ideológicas e legais acerca da legitimidade da independência e liberdade das
cidades começaram a surgir, como os apelos ao imperador e formulações jurídicas
sobre os limites do poder da igreja, como vistas em Dino Compagni, Dante e Marsílio
de Pádua.
E para Skinner, o que daria as bases materiais e intelectuais para que os
florentinos pudessem realizar essa defesa ideológica e jurídica de sua liberdade e
independência enquanto cidades repúblicas seriam as “artes” da retórica e da
escolástica:

Ambas as tradições capacitavam os protagonistas da “liberdade”


republicana a conceitualizar e defender o valor distintivo de sua experiência
política e, especialmente, a argumentar que a moléstia facciosa era passível
de cura, e portanto a conservação da liberdade podia ser compatível com a
manutenção da paz. Se quisermos entender a evolução desses temas
centrais da teoria política renascentista, parece então essencial recuar para
antes das obras dos humanistas do Quatrocentos e localizar suas origens
nessas duas correntes do pensamento pré-renascentista (SKINNER, p. 49,
1996).

É possível perceber a influência dos retores na vida política das cidade


italianas e nas formulações sobre a liberdade, em um primeiro momento, nos
assuntos políticos e sociais que passaram a ser tratados nos textos e manuais de
retórica, e por outro, na virada humanística da retórica, passando a integrar textos,
poemas e cantos latinos e antigos enquanto modelos a serem seguidos. Dessa
forma, com a ascensão dos signoris e o perigo que eles exerciam à independência
das cidades italianas, os retores utilizaram-se de suas crônicas e tratados para
realizarem denúncias políticas e formulações ideológicas em defesa da liberdade:

Defrontando-se com essa ameaça de que se extinguisse toda uma


tradição política, esses autores reagiram oferecendo a primeira defesa em
larga escala dos valores políticos que caracterizavam as repúblicas urbanas.
Inspirando-se no quadro literário e retórico que acima esboçamos, eles
vieram a desenvolver uma ideologia voltada não apenas para a defesa, como
valor central, da liberdade republicana, mas também para a análise das
causas de sua vulnerabilidade e dos métodos mais adequados a tentar
garantir que ela não perecesse (SKINNER, p.62, 1996).
Nas análises de conjunturas e nos diagnósticos políticos desses retores
italianos, a sede por lucro e a formação de facções internas à cidade foram
identificadas enquanto os principais motivos para a queda e a decadência delas. E a
solução encontrada pelos retores foi a de prezar por um cidadão que fosse virtuoso,
que não se deixasse levar por estes vícios.
Por outro lado, a influência da escolástica na formulação das ideias de
liberdade republicana se deu pela redescoberta das obras dos filósofos antigos,
principalmente da obra de Aristóteles. O principal meio de disseminação das “novas”
ideias aristotélicas se deu entre os advogados romanos, que passaram a incorporar
as teorias e métodos da filosofia aristotélica em suas glosas e comentários
(SKINNER, p.72, 1996) e entre os estudantes italianos que tiveram contato com o
currículo da Universidade de Paris. Esses escolásticos, assim como os dictatores,
apresentavam um pensamento político que valorizava a independência e o
autogoverno republicano, muito baseadas em uma nova leitura da história de Roma
e de uma nova forma de compreender a história e de se enxergarem enquanto
sujeitos nela.
Os escolásticos também concordaram com os retores quando referindo-se ao
problema do fraccionismo e da falta de paz interna e estabilidade enquanto um dos
principais problemas de uma cidade. No entanto, apresentariam uma grande
divergência com relação à nobreza e à riqueza: para pensadores como Bartolo de
Sassoferato, a riqueza e a virtude estariam entrelaçadas, de tal forma que a riqueza
poderia produzir a virtude e vice-versa.
Outro ponto de discordância entre os escolásticos e os retores reside na
importância dada à forma do estado mais do que à formação retórica e intelectual do
governante para a solução dos problemas das cidades. Para os escolásticos, o bem
comum seria alcançado por meio da eficiência das instituições, do maquinário do
Estado. Por exemplo, para Marsílio de Pádua, uma das formas de evitar o
fraccionismo e a contradição interna seria evitar que o Estado fosse governado por
um número plural de governante ou magistrados, seria preciso que eles estivessem
subordinados um ao outro e que agissem como um só. Por fim, para assegurar a
inexistência de fraccionismo entre os cidadãos, seria importante um representante
deles:
Como insiste Marsílio, mesmo que o povo concorde em transferir o
direito ao exercício de sua soberania para um governante ou magistrado
supremo, um tal ministro jamais se pode tomar “legislador em sentido
absoluto, mas apenas em sentido relativo e por um tempo particular”. A
autoridade última deve permanecer em todos os tempos nas mãos do próprio
povo, que sempre pode controlar ou mesmo destituir seus governantes se
estes cessarem de agir em conformidade com os poderes estritamente
limitados que lhes foram confiados (SKINNER, pg. 83, 1996).

E para garantir que os governantes sigam a vontade popular, Bartolo e


Marsilio propõe algumas restrições aos governantes e algumas propostas de
"estrutura maquinaria" para o Estado, sendo elas: a ausência de hereditariedade do
monarca e a preferibilidade da eleição, a proibição ao governante de tomar qualquer
decisão que não esteja condizente com a lei e uma estrutura governamental
extremamente complexa que garanta que a vontade do povo será atendida pelo
governante.
Dando prosseguimento ao debate historiográfico, por Hans Baron não
reconhecer os primeiros debates acerca dos ideais republicanos de antes do séc.
XV, ele também não consegue vislumbrar a continuidade e as semelhanças entre o
Humanismo Cívico de quatrocentos e os dictatores medievais e o humanismo
petrarquiano que se desenvolveu pelo séc. XIV, assim como identificar o papel da
escolástica na formação do Humanismo Cívico.
Segundo Skinner, é possível traçar uma forte proximidade entre os dictatores
medievais e os humanistas florentinos, pois eles teriam passado pela mesma
formação académica e pelas mesmas influências intelectuais. Essa proximidade se
expressa nos tópicos políticos que consideram importantes de serem retratados: os
humanistas, assim como os retores medievais, tentam conservar a independência
das cidades repúblicas frente à qualquer ataque aos seus cidadãos; uma
constituição livre, na qual todo cidadão tem igual oportunidade de participar
ativamente dos negócios públicos; e a preferência pela forma republicana de
governo.
Outro ponto de convergência entre os dictatores medievais e os humanistas
cívicos de Quatrocentos é de que o valor de um cidadão não deve ser medido pelo
tamanho das suas riquezas ou da sua linhagem, mas sim pela sua capacidade de
desenvolver seus talentos, de atingir um senso adequado de espírito público e de
canalizar seu espírito para o serviço da comunidade (SKINNER, p. 102, XXXX). Por
fim, eles se assemelham pela sua preferência histórica: a valorização do período
republicano romano em detrimento do despotismo imperialista que sucedeu-o.
No entanto, eles se diferem em alguns quesitos: a) os humanistas do séc. XV
não se preocupam tanto com as facções; b) os humanistas cívicos não veem efeitos
negativos no aumento da riqueza à vida pública e; c) eles trarão como nova
preocupação o despreparo dos cidadãos em lutarem com suas próprias mãos para
defenderem sua liberdade, deixando-a nas mãos de tropas pagas e mercenárias.
Por conseguinte, para que possamos compreender a relação do humanismo
petrarquiano com o humanismo de Quatrocentos, precisamos, antes, compreender
quem foi Petrarca. Ele foi um retor que trouxe uma nova forma de observar os textos
ciceronianos, não mais enquadrando-os mecanicamente em sua realidade, mas sim,
partindo dos próprios pressupostos e visões filosóficas de Cícero. Essa “revolução
petrarquiana” trouxe consequências políticas e filosóficas que muito se aproximam
do humanismo cívico de Quatrocentos. Em primeiro lugar, houve uma quebra na
forma de enxergar o passado: ao invés dos humanistas se encontrarem e se
identificarem com os textos clássicos, passaram a perceber que houve uma
descontinuidade, que aqueles textos foram escritos em uma determinada época
para uma dada conjuntura e que ela não correspondia mais a realidade do séc. XIV.
Essa compreensão culminou na certeza de que a grandeza romana havia se perdido
e precisava ser reconstruída.
Segundamente, o conceito ciceriano de virtu e a possibilidade de ser
alcançada por qualquer pessoa, contanto que tivesse acesso a uma educação de
qualidade, que girasse em torno da filosofia antiga e da retórica. O acolhimento
desse conceito ciceriano entrou em oposição à concepção de natureza humana de
Agostinho, que entendia a virtude enquanto algo exclusivo à Deus, na qual o homem
poderia, no máximo, ser menos vicioso. Essa rejeição da tese agostiniana aparece
de forma mais radical nos humanistas florentinos, que não só identificavam a
possibilidade de se alcançar a virtude, mas fizeram dela o seu objetivo de vida.
Por fim, o autor traz o papel que a escolástica cumpriu no desenvolvimento
dos ideais humanistas de Quatrocentos. Ao passo que os dictatores medievais se
aproximam bastante dos Humanistas Cívicos do séc. XV, estes se afastaram quase
que por completo dos escolásticos. Por isso, quando falamos da relação entre os
humanistas de Quatrocentos e a escolástica, não podemos incorrer no erro de achar
que os humanistas coexistiram pacificamente com os escolásticos, sem levar
nenhum desafio propriamente intelectual à ele, nem muito menos que os humanistas
rejeitaram radicalmente a escolástica e a baniram do cenário intelectual e cultural da
Itália do séc. XV. Eles apresentaram divergências metodológicas, hermenêuticas e
políticas com os escolásticos, e levaram suas ideias para frente, enfrentando-os e
superando-os em diversos pontos.

2) Discorra sobre o contexto histórico em que Maquiavel viveu, a partir de


Skinner, Bobbio e Grafton; aponte os principais fatores sociopolíticos que
influenciaram a produção dos argumentos contidos no Príncipe, citando
exemplos da fonte.

O contexto político vivido por Maquiavel foi extremamente marcado pela


efervescência das civitates, cidades-repúblicas “pequenas”, comandadas por
senhores temporários ou eletivos, ou por conselhos de notáveis ou representantes
(BOBBIO, p. 84, 2017). Essa forma de governo abarcava uma dinâmica
extremamente caótica de transformações políticas, mudanças organizacionais,
conquistas, derrotas, golpes e conspirações. Todos esses acontecimentos levaram
Maquiavel a diagnosticar alguns problemas dentro do reino italiano, e mais
especificamente, em Florença: a preferência por contratar exércitos mercenários ao
invés de edificar um exército cidadão e a constante falta de estabilidade
(BIGNOTTO, 2003). Esse primeiro seria o que levaria o então chanceler à sua
decadência. Pois, foi por construir um exército a partir do povo da cidade, que
Florença não conseguiu resistir às investidas do exército espanhol, fazendo com que
Maquiavel ficasse mal visto frente aos príncipes seguintes, que o prenderam e
torturaram (BIGNOTTO, 2003).
É nesse cenário de abandono, humilhação e ostracismo que Maquiavel
começou a escrever o Príncipe, ansiando conquistar a simpatia do novo príncipe de
Florença, a partir da demonstração de suas potencialidades enquanto conselheiro,
aspirando, dessa forma, retornar à vida pública e política. Dessa forma, Maquiavel
vivenciou, em um curto período de tempo, uma sucessão de mudanças drásticas na
organização política florentina, que influenciaram diretamente nas suas
preocupações ao escrever O Príncipe, desde suas ambições pessoais, até o desejo
de uma forma de governo estável que desse as bases necessárias para que a paz
pudesse ser vivida pelos homens (BIGNOTTO, 2003).
No âmbito intelectual, Maquiavel presenciou uma forte efervescência
intelectual. Muito influenciado pelas tendências humanistas da época, durante a sua
juventude, jogou-se aos livros clássicos e latinos, principalmente os de historiadores
romanos como Tito Lívio, seguindo por toda a formação humanística, mesmo sem
ter as condições materiais para tal (BIGNOTTO, 2003; BOBBIO, 2017). No entanto,
Maquiavel não se prendeu às leituras políticas e morais dos humanistas cívicos, que
viam nas virtudes cristãs, não somente o objetivo de vida de qualquer homem, mas
também a condição essencial para que alguém se tornasse um bom príncipe. Ele
superou esses limites morais e desenvolveu um conceito de virtú que muito se
distanciava dessa tradição ciceroniana e se aproximava mais de um realismo
político, no qual o soberano virtuoso seria aquele capaz de manter seu estado
estável e em paz (BIGNOTTO, 2003).
Com relação aos principais argumentos trazidos durante o texto, podemos
citar três: a) a importância de se edificar um exército constituído pelo povo da cidade
para a segurança dos principados; b) a possibilidade de “domar” a fortuna a partir da
virtú e; c) o que constitui um bom príncipe, um príncipe virtuoso. Todos esses
argumentos são baseados em experiências históricas, tanto próximas a realidade
italiana do sé. XV, quanto distantes, remontando aos tempos de “glória romana”.
Acerca da segurança das cidades e da possibilidade de lidar com eventuais
invasores, Maquiavel destaca a necessidade de se construir um exército popular,
formado por cidadãos, ao invés de simplesmente contratar um exército de
mercenários. Essa escolha pelas milícias populares se dá pela volatilidade e
inconsistência dos mercenários que, segundo ele, na primeira oportunidade,
abandonarão e trairão seu contratante, em busca de mais dinheiro:

Digo, pois, que as armas com as quais um príncipe defende seu Estado ou
são próprias, ou são armas mercenárias e auxiliares, ou uma mistura de
ambas. As mercenárias e auxiliares são inúteis e perigosas; e, se alguém
basear seu Estado em armas mercenárias, nunca estará seguro nem terá
estabilidade. porque tais tropas são desunidas, ambiciosas, sem disciplina,
infiéis, valentes entre os amigos e vis diante dos inimigos, sem temor a Deus
nem fé nos homens; e com elas, quanto mais se adia o combate, mais se
adia a derrota; na paz se é espoliado por elas, na guerra, pelos inimigos
(MAQUIAVEL, p. 62, 2010)

Essa predileção pelas tropas populares tem base na análise de Maquiavel acerca da
invasão da Itália, pelo Rei Carlos VIII da França e na sua experiência enquanto
chanceler, acompanhando de perto as campanhas e vitórias de César Borgia
(BIGNOTTO, 2003). Pois foi a partir que ficou claro para ele a impossibilidade de se
resistir a invasão de um exército verdadeiramente desejoso pela vitória com tropas
mercenária:
Daí que, restando a Itália praticamente nas mãos da Igreja e de uma poucas
repúblicas, e não estando os padres e os cidadãos habituados ao uso das
armas, todos começaram a contratar forasteiros…e o resultado de tanta
virtude é que a Itália foi varrida por Carlos, depredada por Luís, forçada por
Fernando e vituperada pelos suíços (MAQUIAVEL, pg. 64, 2010).

O duque [César Bórgia] entrou na Romanha com armas auxiliares, toda


composta de franceses, e com elas tomou a Ímola e Forli; todavia, não lhe
parecendo confiáveis tais armas, recorreu às mercenárias por julgá-las
menos perigosas e contratou os Orsini e os Vitelli; mais tarde, percebendo
que estas também eram ambíguas, infiéis e perigosas, aniquilou-as e
concentrou-se em suas próprias armas […] o seu prestígio aumentou
continuamente e só atingiu o ápice quando todos viram que ele era o
comandante exclusivo de suas milícias (MAQUIAVEL, pg. 64, 2010).

Por conseguinte, a fortuna cumpre um papel de extrema importância na vida


dos homens, sendo a força do acaso, o rio devastador que, quando se enfurece,
alarga as planícies, derruba as árvores e todos fogem diante de seu ímpeto
destrutivo (MAQUIAVEL, pg. 98, 2010). No entanto, para Maquiavel, os homens não
devem se render a força avassaladora da virtude, pois ela é responsável por decidir
somente 50% do seu destino, a outra metade fica a cargo da virtú da pessoa, da sua
capacidade de adequar a sua natureza à qualidade dos tempos (MAQUIAVEL, pg.
98-100, 2010)
E para construir sua argumentação Maquiavel se utiliza do exemplo do Papa
Júlio II, que durante toda sua carreira agiu da mesma forma, com ímpeto,
independente da situação, fazendo com que, se a fortuna exigisse uma resposta
diferente, seria a sua ruína (MAQUIAVEL, 2010); e de César Bórgia, exemplo que
está presente direta ou indiretamente em todo o seu texto, no qual, apesar de toda a
fortuna que envolveu a conquista dos seus principados, foi capaz de torcê-la e
domá-la a partir da sua virtude e da sua capacidade de se adaptar à qualidade dos
tempos:

Por outro lado, César Bórgia, mais conhecido como o duque Valentino,
conquistou o poder graças à fortuna do pai e com ela mesma o perdeu,
conquanto tenha agido e feito tudo aquilo que um homem prudente e virtuoso
deveria ter empreendido a fim de lançar as raízes nos territórios que as
armas e a fortuna alheias lhe haviam concedido (MAQUIAVEL, pg.47, 2010)
Por fim, Maquiavel apresenta uma visão pouco tradicional acerca da política e
de qual deveria ser a conduta dos príncipes. Pois, apesar de enxergar como
importante a s virtudes cristãs, para Maquiavel, o que definirá a qualidade de um
príncipe não serão essas virtudes tradicionais, mas sim, a sua capacidade de se
manter no poder e manter paz em seu principado:

Porque o homem que quiser ser bom em todos os aspectos


terminará arruinado entre tantos que não são bons. Por isso é preciso que o
príncipe aprenda, caso queira manter-se no poder, a não ser bom e valer-se
disso segundo a necessidade (MAQUIAVEL, p. 71, 2010).

Todos concordam quanto é louvável que um príncipe mantenha sua


palavra e viva com integridade, não com astúcia; todavia, em nossa época
vê-se por experiência que os príncipes que realizaram grandes feitos deram
pouca importância à palavra empenhada e souberam envolver com astúcia
as mentes dos homens, superando por fim aqueles que se alicerçam na
sinceridade (MAQUIAVEL, pg. 78, 2010).

E há de se observar que um príncipe, sobretudo o príncipe novo, não


pode observar todas as coisas pelas quais os homens são chamados de
bons, precisando muitas vezes, para preservar o Estado, operar contra a fé,
contra a caridade, contra a humanidade e contra a religião (MAQUIAVEL, pg.
79, 2010).

E essa concepção de virtú está baseada na análise que Maquiavel faz de


duas figuras importantes de seu tempo: César Bórgia e Alexandre VI. A respeito de
César Bórgia, Maquiavel o enxerga enquanto um príncipe que, apesar de ter
conquistado seu principado por armas alheias e pela fortuna, conseguiu ser astuto e
dissimulado o suficiente para manter seu principado (MAQUIAVEL, pg.48-51, 2010).
Sobre Alexandre VI, Maquiavel faz uma defesa de suas infames condutas morais
enquanto uma tática política:

Alexandre VI nunca fez, nunca pensou em outra coisa senão em


enganar os homens, encontrando sempre os meios de poder fazê-lo; e
jamais houve homem com maior talento para asseverar algo, reforçando-o
com infindáveis juramentos, e em seguida, descumpri-lo; entretanto seus
enganos sempre se seguiram ad votum, pois ele bem conhecia esse aspecto
do mundo (MAQUIAVEL, pg. 78, 2010).

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