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o pcb cai no sa mba

os co mu n ista s e a cu lt u r a p opul a r
1945 – 1950
pr êm i o a rqu i vo p ú b li co d o esta d o d o r io d e ja n eiro - 2005

Va lér i a Lim a Guim a r ã es

O Pcb cai no SAMBA os comunistas e


a cultura popular
1945-1950

r i o d e jan ei ro 2009
©2009 by Valéria Lima Guimarães

governador do estado do rio de janeiro


Sérgio Cabral

secretário de estado chefe da casa civil


Régis Fichtner

diretor-geral do arquivo público


do estado do rio de janeiro - aperj
Paulo Knauss de Mendonça
Este livro é dedicado ao Francisco,
comissão julgadora
Marcos Guimarães Sanches (Presidente) que na ternura da sua primeira infância,
Ana Maria Mauad de Souza Andrade Essus
já começa a se agitar ao som da batucada.
Keila Grinberg
Marcos Luiz Bretas da Fonseca
Maria José Mesquita Carvalheiro de Macedo Wehling
Às velhas e novas guardas do samba.
Tânia Maria Tavares Bessone Cruz Ferreira

revisão
Aos companheiros do Centro Comunitário
Carmen Lucia Teixeira Jochen
de Capacitação Profissional Paulo da Portela.
projeto gráfico
Elen Ribera
A Marcelo Duarte de Almeida e Elba Lima Guimarães,
tratamento de imagem
pela razão mais sublime.
Fernando Ebert

G963

Guimarães, Valéria Lima.


O PCB cai no samba : os comunistas e a cultura popular, 1945–1950 /
Valéria Lima Guimarães. – Rio de Janeiro : Arquivo Público do Estado do Rio
de Janeiro, 2009.
239 p. : Il.

“1º lugar no IV Concurso de Monografias “Resgate da Memória Fluminense”


do APERJ – 2005”.
ISBN

1. Partido Comunista Brasileiro – Influência do samba. 2. Comunistas.


3. Cultura popular. 4. Repressão política. I. Arquivo Público do Estado do Rio de
Janeiro. II. Título.
CDD 329.8200981

Todos os direitos desta edição reservados


ao Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro - APERJ
Praia de Botafogo, 480 - Botafogo
Rio de Janeiro, RJ CEP 22250-040
Telefone: (21) 2332-1449 aperj@aperj.rj.gov.br
“Nenhum cérebro deverá ser mais complexo,
enciclopédico, que o do comunista”.
Para ser comunista,
O País, 20.12.1923.

“O samba vai vencer


Quando o povo perceber
Que é o dono da jogada”.
Caetano Veloso

“O que você acredita que é um artista? Um imbecil


que só tem olhos se for pintor, ouvidos se for músico, ou uma lira
em todos os andares do coração se for poeta, ou mesmo, se for boxeador,
apenas músculos? Muito pelo contrário, ele é ao mesmo tempo
um ser político, constantemente em alerta diante dos dilacerantes,
ardentes ou doces acontecimentos do mundo, refletindo-os na forma
como realiza as suas obras. Como seria possível desinteressar-se dos
outros homens? Graças a qual indolência dissociar-se de uma vida que
eles lhe trazem de modo tão abundante? Não, a pintura não é feita para
decorar os apartamentos. É um instrumento de guerra
ofensivo e defensivo contra o inimigo”.
Pablo Picasso
Sumário

3.2 - A bancada comunista e a defesa da cultura


na Constituinte de 1946
106
3.3 - A imprensa comunista e o encontro
13
prefácio do Partido com as massas
114
introdução 19

capítulo 1 - reflexões em torno da cultura popular: capítulo 4 - samba, o ópio do povo? 125
o mundo do samba como objeto de análise acadêmica 41
4.1 - Uma Tribuna Popular
1.1 - A procura das “raízes do samba” 128
44 4.2 - O samba sobe a Tribuna
1.2 - O embate ideológico: cultura erudita x cultura popular 133
50 4.3 - Um carnaval para Prestes
1.3 - Cultura popular, culturas populares 145
55 4.4 - A Tribuna sobe o morro
1.4 - A ascensão do samba como expressão maior 152
da cultura popular
57
capítulo 5 - a quarta-feira de cinzas 177
capítulo 2 - do samba marginal ao samba nacional 65 5.1 - Uma democracia relativa
177
2.1 - Um Estado Novo para o samba 5.2 - As polícias políticas e o controle da ordem política e social
65 182
2.2 - Villa-Lobos, o maestro das escolas de samba 5.3 - As polícias políticas no mundo do samba
76 186
2.3 - Do malandro ao operário 5.4 - A difícil negociação
82 195
5.5 - Outros carnavais
199
capítulo 3 - o partido comunista
à procura das camadas populares 95
6 - conclusão 203
3.1 - Intelectuais e artistas a serviço da educação política do povo
96 7 - bibliografia 229
Prefácio

P esquisando peças teatrais no arquivo nacional, um


dia deparei-me com um título que me intrigou: Os Alegres Bol-
chevistas! No início dos anos 1920, com a revolução na Rússia se
consolidando e o Partido Comunista do Brasil dando seus pri-
meiros passos, que motivos teriam esses bolchevistas para serem
alegres no Rio de Janeiro ingênuo do teatrólogo Gastão Tojeiro?
Lendo a peça descobri que tratava de um grupo de aproveitadores
travestidos em comunistas, que terminavam por desistir de fazer
um partido para formar um bloco para o carnaval, pois descobriam
que esta festa seria o verdadeiro comunismo. Começava nesse perí-
odo uma tensão na experiência da pobreza urbana, dividida entre
uma seriedade de missão, buscando um lugar melhor na sociedade,

11
e uma identificação desses trabalhadores com a festa e a diversão que convivia com a realidade de uma intensa e cruel repressão, ao
que haviam marcado sua identidade maior num período que pode mesmo tempo em que buscava expandir suas bases e tornar-se um
ser chamado, retrospectivamente, de pré-comunista. Daí em dian- grande partido político. Por um lado, era um partido muito sério,
te a história dos trabalhadores daria cada vez menos atenção ao preocupado com a exploração das massas, que não conseguia es-
lazer, para buscar se afirmar como uma luta séria, de reconhecidos conder seu desconforto com a alienação de pessoas que preferiam
participantes da história política do século xx brasileiro. uma festa ou um jogo de futebol a uma reunião do sindicato. Por
Já faz muito tempo que a história não é mais vista apenas como a outro, reconheciam que todo comunista tem que ir onde o povo
história da política e dos governantes. A partir dos anos 1970, uma está, e que se era na diversão, ali estariam também. O mundo da
diversidade de temas e objetos acelerou as mudanças na produção cultura – no seu sentido mais restrito de arte – poderia permitir
de historiadores, explodindo com as pretensões explicativas mais ações de conscientização, denúncias da exploração, e também uti-
tradicionais e trazendo para o campo da história assuntos até então lizar a tradição irônica e crítica do humor para falar mal dos pode-
pouco importantes ou territórios de amadores ou de outras ciências rosos. Como o povo gostava de rir, seria útil tentar uma subversão
sociais. Esse processo não se fez sem reação e sem um descontenta- pelo riso, canalizar uma prática tradicional e conferir-lhe um sig-
mento, que ainda hoje aparece diante de certos temas considerados nificado revolucionário. Essa ação dos comunistas foi particular-
irrelevantes demais. A chamada História Cultural firmou seu terri- mente significativa na conjuntura da legalidade de 1945, quando
tório, mas alguns colegas ainda parecem pensar que, de vez em quan- era importante ter muitos votos e ganhar eleições. E o Cavaleiro da
do, ela vai longe demais. Existiria uma história “séria” e uma história Esperança marchou para a Escola de Samba...
mais curiosa, apenas tolerada. Essa divisão do campo talvez oculte o O encontro de objetos se presta à ironia, a um sentimento de in-
que seria a ousadia maior: misturar os objetos, fazendo quem sabe o congruência que parece propor que se houvessem coisas importantes
que os antigos chamavam joco-sério. Falar sobre a relação dos atores na vida do partido comunista, não estariam no mundo das escolas
políticos com a diversão e o prazer pode ser muito perigoso. de samba e, se este tem importância, não é pela atuação comunista.
É essa relação perigosa e ambígua que Valéria buscou compre- Mas o encontro é carregado de possibilidades. A partir dali o pcb iria
ender, quando mergulhou em relações históricas da foice com o solidificando uma política cultural, uma apreciação do popular como
pandeiro. A maior parte da historiografia levava a crer que, a partir um valioso instrumento de crítica e mobilização. Os sambistas tam-
de 1930, os populares abandonaram a fantasia e o carnaval e entra- bém viveriam a presença da política, talvez muito menos oportunista
ram para os sindicatos, a favor ou contra Vargas. Numa primeira do que outras aproximações posteriores, marcada por uma admira-
versão, manipulados politicamente, numa mais moderna “nego- ção pelo ideal de artistas do povo. Poderiam mostrar um pouco do
ciando”, o lugar do pobre objeto da história foi se distanciando da que pensavam sobre as transformações que vivia o Brasil e refletindo
festa. Essa só era lembrada na manipulação, nos eventos populistas sobre seus heróis. Pensar nos festejos de aniversário de Luís Carlos
de Getúlio no Estádio do Vasco. Mas os pobres nunca deixaram de Prestes percorrendo escolas de samba é colocar juntos dois elementos
se divertir, de frequentar bares e carnavais, talvez até bordéis, e os bastante diversos da história brasileira – o encontro do General com
políticos sempre souberam disso e construíram uma relação com o carnavalesco parece a mistura dos capítulos de um livro de Roberto
esses espaços em busca de apoios. da Mata - mas a admiração mútua tinha muito de verdadeira.
Isso pode ser particularmente interessante na trajetória de um Foi um momento breve, um curto desfile. Uma reflexão pessi-
partido comunista, comprometido com os interesses do povo, mista poderia dizer que nessa terra tudo acaba em repressão. Os

12 o pcb cai no samba prefácio 13


comunistas sempre pagaram um preço alto por suas crenças e o e especialmente esse magnífico registro da Tribuna Popular, para
mundo do samba, que ia se distanciando da malandragem vio- reforçar a necessidade de explorar em conjunto a política das artes
lenta e das mortes precoces dos tempos do Estácio, passou a co- e as artes da política.
nhecer também o peso da mão política do estado, vigiado e repri-
mido, agora não mais por não ser civilizado, mas por tornar-se
politizado.
O mais curioso na história que nos traz Valéria é o múltiplo M a rcos Lui z B r eta s
esquecimento a que foi condenada. Não ficou na memória do sam- Fevereiro de 2009
ba nem do Partido Comunista. Enquanto Valéria conduzia sua
pesquisa, sob minha orientação na ufrj, sempre estávamos em
busca de quem poderia nos falar desses tempos e desses encontros.
Contávamos com a ajuda atenciosa de Anita Prestes (fosse ela do
mundo do samba seria um auxílio luxuoso), buscando velhos co-
munistas do samba, mas tivemos melhor sorte em Porto Alegre do
que no Rio. Só depois do trabalho pronto, quando um jornalista se
interessou pela pesquisa conseguimos furar um bloqueio e chegar
num dos personagens mais importantes desta história: Mário Lago,
respeitável compositor e militante histórico, responsável pela or-
ganização de muitos festejos populares para o pcb. O resultado foi
decepcionante; ele simplesmente disse que não se lembrava dessas
festas ou de ter tido participação. Essa história não fazia parte da
sua biografia e a conversa acabou sem começar...
Mas a relação entre os comunistas e o mundo do samba nunca
deixou de ser, ao menos, imaginada. Na imprensa anticomunista
católica dos anos 1950, Carla Rodeghero encontrou um debate so-
bre o que seria pior: se o comunismo ou o carnaval? A conclusão
era que o carnaval era pior, pois os militantes comunistas ao menos
tinham fibra, enquanto o carnaval seria a completa dissolução do
indivíduo. Dentro desse cenário da convivência próxima de cate-
gorias tão diferentes da vida compreendida pelos historiadores,
Valéria Guimarães nos conduz com muito carinho por seus ato-
res históricos, sem desqualificá-los ou caricaturá-los, o que seria
tentador fazer como fica evidente na indulgência desse prefácio.
Com meticulosidade de pesquisadora vai destrinchando os pro-
blemas na relação, levantando cuidadosamente a documentação

14 o pcb cai no samba prefácio 15


Agradecimentos

S ão mu i tos os q u e pa rt i c i pa r a m d i r eta o u
indiretamente da preparação deste livro. A lista é interminável. Serei
sempre grata a todos vocês: minha família, amigos, professores do
ppghis do ifcs/ufrj, funcionários das bibliotecas e arquivos públi-
cos pesquisados, velhas guardas, diretores e carnavalescos dos gres
Império Serrano e Portela, portuários, dirigentes do pcb e do pc do b,
membros de escolas de samba virtuais, colecionadores de discos raros,
produtores culturais, jornalistas, artistas, pesquisadores de carnaval,
enfim, tanta gente me ajudou com pistas, comentários, sugestões, crí-
ticas, depoimentos, apoio, uma palavra amiga...
Gostaria de fazer uma referência especial ao professor Marcos
Luiz Bretas da Fonseca, meu orientador, que sempre acreditou que
essa história iria dar samba.
Ao Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, sem o qual este
livro não seria possível, especialmente ao seu diretor, Paulo Knauss,
pelo seu trabalho e grande empenho nesta publicação. Introdução
Aos professores Anita Leocádia Prestes, Maria Paula Araújo e Val-
ter Duarte, fundamentais na realização deste trabalho.
A Rachel Valença, João Ximenes Braga, Hiran Araújo, Beatriz
Ryff, Raquel Pomar, Virgínia Fontes, Marília Barboza, Arthur Olivei-
ra Filho, Marcos Napolitano, Ana Paula Palamartchuk e Luiz Carlos
Prestes Filho, que apostaram nessa idéia e me abriram muitas portas.
A José Carlos Rego e Paulo Mota Lima (in memorian).

a b r e-a l a s

C omo em todos os anos, durante o carnaval, os


componentes das escolas de samba desfilam na avenida cantando os
sambas-enredo escolhidos em suas quadras durante o ano anterior.
Cantar o samba-enredo de sua escola de coração é uma rotina saborosa
Atentar aos sambas do
para todo folião nos dias de carnaval. Na década de 1980, os versos dos
Império Serrano, a questão
nacionalista do Vargas sambas-enredo, especialmente os da Beija-Flor de Nilópolis, escola
da qual muito cedo aprendi a gostar por identidade local, faziam-me
descobrir que havia uma relação mágica entre o samba e a história do
Brasil ensinada no meu curso primário, condensada sob a forma de Es-
tudos Sociais, respaldando as letras dos sambas que exaltavam o valor
da “civilização”, dos “heróis”, “mitos”, “lendas” e “tradições”. Os sam-
bas e as aulas desafiavam a minha imaginação, dando asas a aventuras,

19
como a de “brincar de bandeirantes”. Pelos terrenos baldios e quintais carnaval, nesse caso o samba, articulado a um outro grande prazer do
de nossas casas, de “arma” em punho, seguíamos eu e outros amigos de qual fiz o meu ofício: a História.
infância, todos da mesma classe, pela “mata” na deliciosa “aventura” de O resultado desse prazer e de acreditar na viabilidade acadêmica
“caçar índios” e “salvar o Brasil”. do estudo do mundo do samba, para usar o jargão corrente entre os
Sempre havia discórdia: todos queriam ser Fernão Dias e Domin- sambistas e os não-sambistas, é a materialização desta dissertação de
gos Jorge Velho, mas ninguém queria ser a “caça”. A despeito das letras mestrado, que atualiza algumas questões estudadas na monografia
de samba que também enfocavam os indígenas (sob a ótica dos bons de encerramento do curso de graduação e as amplia, trazendo novas
selvagens), o apelo dos bandeirantes, representados nos livros escola- discussões e um novo enfoque, que agora é apresentada ao leitor sob
res como belos, de feições amistosas, grande bravura e um bom cará- o título de O pcb cai no samba: relações entre política e cultura:
ter, era mais forte do que a representação do indígena, com expressões 1945-1950.
hostis... todos éramos, então, bandeirantes, à procura de um inimigo
imaginário, já que ninguém se candidatava ao posto...
Anos mais tarde, as comemorações do centenário da abolição da
escravatura, levadas para a avenida pelas escolas de samba, apontavam Muito se tem escrito a respeito do Partido Comunista Brasileiro, espe-
mais claramente para as relações entre o samba e a História. Então, no cialmente após o fim da ditadura militar e da censura, um de seus prin-
final do antigo primeiro grau, cada vez mais fazia sentido e era bem cipais braços, que, imbuída daquilo que Maria Tucci Carneiro chamou
mais agradável conhecer a História do Brasil através do carnaval. de lógica da suspeição1, dificultava o desenvolvimento de pesquisas que
Assim como assistir a um filme que abordasse temática histórica elegessem o Partido Comunista como foco de suas preocupações.
significava apreender a história tal qual ocorreu, um samba-enredo Desde então, trabalhos científicos, ensaios e livros de memórias têm
de abordagem histórica era um veículo de informação equivalente aos sido produzidos com muita freqüência, desnudando a complexa his-
manuais escolares. O discurso de ambos era muito semelhante, a ideo- tória do mais antigo partido político em atividade no Brasil, uma his-
logia também, embora ainda não pudesse percebê-la. tória marcada pela violência, repressão e, sobretudo, pela resistência,
O amadurecimento intelectual não provocou uma ruptura com responsável por manter a atuação do partido nos longos momentos
a antiga crença no valor da relação samba-história: ao contrário, re- em que fora posto na clandestinidade.
velou novas possibilidades de ver o tema, e tornou-a mais complexa, Um dos mais frutíferos debates entre historiadores e filósofos neste
deixando de ser percebida como um mero apêndice dos livros didá- final de século refere-se à necessidade premente de se fazer uma revisão
ticos, acrescido de uma poética peculiar. Cada vez mais convencida crítica de temas e autores já bastante investigados, considerando que
de que a relação samba e História é bastante fértil, desenvolvi a mo- por mais que se tenha discorrido a respeito de um assunto, ele não se
nografia O Carnaval da Vitória e Outros Carnavais: relações entre esgota em si mesmo. A cada retorno ao tema, uma nova possibilidade;
política e samba – 1945-1950, trabalho que trouxe à tona uma série a cada nova prova, um novo fato pode ser valorizado, que, ao lado de
de questões que precisavam ser investigadas e discutidas mais deta- novas possibilidades de abordagens e métodos, pode acrescentar muito
lhadamente num segundo momento. A comunicação O Carnaval mais sobre o mesmo, que, por sua vez, passa a se constituir no novo.
dos 500 anos e o ofício do historiador, apresentada na anpuh-rj,
foi uma outra experiência bastante interessante, que reforçou ainda “(...) é necessário examinar de novo. E os historiadores que pensam
mais o meu prazer em participar e estudar elementos pertinentes ao que não vale a pena retomar este ou aquele problema tradicional justa-

20 o pcb cai no samba introdução 21


mente porque já foi discutido, adotam implicitamente, ou a idéia de que “(...) O auge desta imprensa de partidos, especialmente do pcb,
essa problema já recebeu uma solução satisfatória, em certo autor, ou en- acontece nos pós-1945, com a redemocratização do país. Neste momen-
tão a idéia de que essas questões não têm solução”2 to, o pcb possui nove jornais diários, nas principais cidades brasileiras,
inúmeros semanários, diversas revistas, duas editoras. (...) Pela primeira
É retomando um objeto bastante enfocado pela academia, que pro- vez em sua história, [o pcb] torna-se partido de massa: o número de
pomos uma nova abordagem, procurando menos acompanhar a trajetó- aderentes e de simpatizantes aumenta de maneira extraordinária. É vas-
ria política do Partido Comunista ao longo de suas décadas de existência ta a quantidade de jornais e revistas sob a sua chancela, publicados em
do que analisar uma questão bastante cara ao Partido, alvo de acalorados todos os Estados e Distrito Federal; são inúmeras as editoras e há toda
debates entre os seus membros, e que não tem recebido a adequada aten- uma orientação, não só na publicação de material do próprio partido,
ção dos pesquisadores – a estratégia política do pcb de relacionamento como nas edições de romances e clássicos do marxismo”.4
com as massas, especificamente num momento de intensa atividade do
Partido: os anos 1945-19483. Procurando examinar mais de perto essa Embora a categoria período de democratização seja amplamente
questão, um ponto se sobrepõe aos demais: o interesse cada vez maior aceita e utilizada pela historiografia para se referir ao período que se
dos comunistas num atributo das massas capaz de lhes proporcionar o estende de 1945 a 1964, nunca é demais ressaltar o caráter limitado
tão pretendido diálogo com a classe operária: a cultura popular. dessa tão festejada democratização, conhecida também como redemo-
Na avaliação do Partido, quanto mais próximo o seu contato com cratização de 1945, categoria adotada pelo próprio Carone, ou ainda
a cultura popular, valorizando-a e estimulando-a, maior o poder de intervalo populista, entre outras denominações. Essa experiência “de-
penetração do pcb na classe operária, o que, a médio prazo, propor- mocrática” revela um profundo conservadorismo, pois esse momento
cionaria a concretização do ideal comunista de fazer a revolução do é marcado pela manutenção de instituições características do autori-
proletariado, conquistando o poder político e instaurando o comu- tarismo de Vargas, como a atuação das polícias políticas, incluindo a
nismo no Brasil. polícia especial, encarregada de dissolver – à bala – comícios comu-
Valendo-se de uma relativa abertura política, proporcionada nistas; a violenta repressão aos movimentos populares; a permanência
pelo fim do Estado Novo e ascensão do que se convencionou cha- da censura à imprensa comunista e a elaboração e concretização de um
mar de período da democratização, que se estendeu de 1945 a 1964, projeto que condenava novamente o pcb à clandestinidade.
caracterizado como um interregno entre a ditadura estadonovista e A própria Constituinte democrática, que contou com a partici-
o golpe militar, o pcb procura maximizar a sua participação dentro pação e algum entusiasmo da bancada comunista, iria gerar as bases
da legalidade, ampliando seu poder e prestígio políticos, conquis- – previstas na futura Constituição – para a cassação do pcb. Os traba-
tando um crescente sucesso eleitoral e procurando alcançar uma es- lhos da Assembléia Nacional Constituinte são iniciados em fevereiro
trutura logística adequada a um grande partido em funcionamento. de 1946. Em março, já surgem denúncias quanto à utilização ilegal de
A imprensa comunista é um dos mais consideráveis reflexos dessa dois estatutos por parte do pcb e da manutenção de práticas antide-
solidificação do Partido na democratização. Os periódicos A Voz mocráticas no Partido. A aprovação, à revelia da bancada comunista,
Operária e Tribuna Popular, ambos do Rio de Janeiro, lançados em de um artigo proibindo as atividades de partidos antidemocráticos, ti-
1945, com uma tiragem bastante significativa, são bons parâmetros nha um objetivo muito bem delineado.
para se entender o aquecimento das atividades do Partido Comu- Um artigo do estatuto do pcb, que proibia o relacionamento dos
nista naquele momento. militantes comunistas com elementos fascistas e trotskistas, a mani-

22 o pcb cai no samba introdução 23


pulação de declarações de Prestes sobre de que lado estaria se houvesse tudo trazendo às suas páginas principais as mazelas sociais que acome-
uma guerra entre Brasil e União Soviética, além das denúncias de que o tiam as camadas mais carentes da população. Intervir naquele cenário,
pcb estaria atuando com um estatuto clandestino, foram os argumentos através de uma estratégia de condução dos sambistas – vislumbrados
utilizados para o processo que concluiu que o Partido era extremista e pelo Partido como “as massas”, desorganizadas, mas com um estupendo
inconstitucional. Em maio de 1947, concretizava-se o processo de cas- potencial revolucionário – ao comunismo, mais precisamente ao pcb,
sação do Partido, e finalmente em janeiro de 1948, é a vez dos parla- e eleger seus candidatos em todas as esferas políticas se tornaram preo-
mentares comunistas serem expurgados da cena política e amargarem o cupações centrais do Partido em relação ao mundo do samba.
ostracismo. Tudo isso com base e em nome dos princípios democráticos No exame das fontes, perceberemos também uma outra expectati-
evocados pela Constituição. va em relação ao mundo do samba: a de que seja tirada daí a orienta-
Ainda que se reconheça essa limitação da liberdade de ação política, é ção cultural dos comícios do pcb. A cada festa eleitoral, era norma do
preciso não perder de vista o fato de que este foi um dos períodos de mais in- próprio Partido chamar a indispensável presença das escolas de samba
tensa atuação do PC no Brasil, seja durante os primeiros anos (1945-1947), que, com seu ritmo e componentes de maior expressividade em deter-
quando lhe foi concedida uma efêmera legalidade, seja atuando clandestina- minada comunidade, atraíam as massas para ouvirem a mensagens da
mente, amparando o movimento sindical, o movimento estudantil, procu- inteligentsia do Partido, geralmente representada por João Amazonas,
rando negociar com Juscelino Kubistschek a volta do partido à legalidade, e Jorge Amado e Luiz Carlos Prestes.
procurando manter ainda a sua imprensa em atividade, editando periódicos As marchinhas e sambas com letras políticas eram os ritmos pre-
de considerável alcance, como Ação Direta (rj, 1955), Novos Rumos (rj, feridos nas festas eleitorais do Partido, que acreditava assim estar se
1956), Estudos Sociais e Problemas (rj, 1960), entre outros. comunicando melhor com as massas, e ao mesmo tempo prestando o
Centrando o foco de nossas observações nos cinco primeiros anos serviço de levar-lhes cultura e educação, tarefas que considerava serem
da democratização, elegeremos o já citado periódico Tribuna Popular da alçada do Estado, mas que há muito este estaria se eximindo.
como meio privilegiado de informações acerca da nossa temática: as As visitas à redação do jornal Tribuna Popular pelos sambistas e as
relações entre o pcb e a cultura popular. homenagens constantes das diretorias das escolas de samba aos diri-
A Tribuna Popular destacou-se por seu importante esforço em se gentes do pcb e ao jornal nos revelam que as relações entre ambos não
aproximar das escolas de samba, por intermédio de sua entidade repre- se davam de forma unilateral. Era patente a reciprocidade do mundo
sentativa, a União Geral das Escolas de Samba. As relações pareciam do samba, que abria as suas portas para receber os membros do Parti-
bastante sólidas (não fosse a forte repressão que o Partido sofreria nos do e sentia-se prestigiado pelas constantes incursões dos candidatos e
anos seguintes), chegando a Tribuna Popular a se intitular o veículo dos repórteres comunistas em suas sedes.
oficial das escolas de samba e tomando a frente da organização dos Contudo, ainda que o relacionamento entre o pcb e o mundo do
desfiles em parceria com a uges, com o célebre desfile de novembro samba parecesse frutífero, havia um elemento que buscava a desarticu-
de 1946, em homenagem ao Cavaleiro da Esperança. lação dessa aliança. O recrudescimento das atividades repressivas ao
Estimulado com o sucesso do desfile, o jornal passa a se dedicar comunismo internacional ganhava espaço naqueles anos iniciais da
mais intensamente à cobertura dos preparativos para o desfile de 1947, Guerra Fria, aumentando a atuação das polícias políticas. No Rio de
denominado Carnaval da Vitória, acompanhando a movimentação Janeiro, a dps – Divisão de Ordem Política e Social empenhava-se no
das escolas de samba e seus barracões, os ensaios e festas, ressaltando o combate e prevenção ao comunismo em plena redemocratização. A
quão inventivas e talentosas eram aquelas pessoas do morro, mas sobre- organização, em 1947, de uma segunda (e pretendia-se oficial) entida-

24 o pcb cai no samba introdução 25


de representativa dos interesses dos sambistas, a Federação Brasileira massas versus partido de quadros se coloca com maestria, tornando o
das Escolas de Samba, com incentivo inclusive do chefe da dps, Cecil diálogo com este autor fundamental para a nossa pesquisa.
Borer, reduziu dramaticamente os recursos da uges para a execução Os trabalhos mais recentes em torno do pcb, apoiados em novas
do carnaval, acusada de envolvimento com atividades subversivas. So- perspectivas teóricas, têm lançado um novo olhar sobre o Partido
mente as escolas de samba filiadas à Federação receberiam a subvenção Comunista, ora percorrendo o caminho aberto pelos autores acima
da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Começaria aí o início da referidos, debruçando-se sobre a trajetória do partido e examinando-a
derrocada da uges, assim como estava em pleno curso o processo de atentamente, ressaltando as suas estratégias e contradições internas,
desarticulação do pcb. como as obras de Dulce Pandolfi9, Antônio Carlos Mazzeo10 e Gildo
Brandão11; ora estabelecendo recortes em torno de problemas mais
pontuais, como a obra de Bethânia Mariani12, que inova por sua abor-
dagem, utilizando os recursos da lingüística e da semiótica para com-
Examinando a historiografia a respeito do Partido Comunista Brasileiro, preender a análise do discurso da imprensa a respeito do pcb e do
é difícil percebermos um recorte que privilegie essa temática. Ainda hoje, comunismo, contribuindo para um debate interdisciplinar.
são referências sobre o pcb os trabalhos desenvolvidos no início dos anos A maioria dos trabalhos conhecidos a respeito do pcb, portanto,
80 por Leôncio Martins Rodrigues, Edgar Carone5, Ronald Chilcote6 e prima por uma análise diacrônica, percorrendo o fenômeno pcb de
Moisés Vinhas7, contribuições inegavelmente importantes, que suscitam 1922 até os anos 1960, 1970 ou 1980, dependendo da opção do autor,
vários debates em torno das questões por eles enfocadas. A preocupação ou, mais recentemente, elegendo recortes que, também privilegiando
maior desses autores está em escrever uma história institucional do Partido a diacronia, se debruçam mais detidamente sobre um determinado
Comunista, enfocando a sua organização e composição, o debate teórico problema levantado pelo autor, como na obra de Mariani.
em torno da questão do comunismo, as relações do pcb com a Interna- Sem nos esquecermos da perspectiva diacrônica, que nos auxilia-
cional Comunista, as constantes clivagens dentro do Partido e a atuação rá na percepção dos desdobramentos da relação pcb - cultura popu-
política do pcb nas diferentes conjunturas nacionais. lar (como nos bem sucedidos contatos firmados nos anos 1960, por
Leôncio Rodrigues, em seu trabalho O pcb: Os dirigentes e a orga- exemplo13, procuraremos enfatizar uma análise sincrônica, buscando
nização8, por exemplo, faz um detalhado painel da composição e or- conhecer as perspectivas das camadas populares, em especial daquelas
ganização do pcb, enfocando desde os seus primeiros anos, onde ana- vinculadas ao que chamaremos de mundo do samba14 em relação às
lisa a juventude e rotatividade dos seus componentes, passando pelo demandas do Partido para esse grupo social; e os usos que o mundo
apoio comunista à anl, até o alvorecer do golpe militar. Rodrigues do samba faz dessa expectativa gerada pelo pcb, que propõe a valoriza-
procura destacar na trajetória do partido as diferentes orientações se- ção e adesão em massa desse grupo ao Partido, com vistas à revolução
guidas pelos comunistas em torno da composição de seus quadros. A democrático-burguesa, num primeiro estágio rumo ao socialismo.
permanência ou não de intelectuais no pcb; o declínio da participa- Evidentemente ao cruzarmos o fenômeno pcb com o fenômeno
ção do operariado, motivado pelas mudanças de tática e de orientação cultura popular, mais especificamente, com o mundo do samba – até
ideológica em benefício de elementos de camadas mais abastadas, nos então inexplorado pela literatura a respeito do pcb e pouquíssimo en-
idos dos anos 30; o problema da adesão ao partido; o distanciamento focado pela literatura referente ao samba – teremos necessariamente de
em relação às massas e a política de atração do proletariado para o seu recorrer ao exame de uma bibliografia especializada nesses dois últimos
meio são pontos de reflexão do autor. A clássica questão partido de agentes, valorizando uma perspectiva transdisciplinar de trabalho.

26 o pcb cai no samba introdução 27


Das obras acima referidas, destacamos a contribuição de Hermano rização das camadas populares, procurando resgatar o seu lugar de
Vianna como imprescindível para a nossa pesquisa. Privilegiando o bastiões da arte brasileira, produzindo um discurso que enfatiza a
problema da consideração do samba como um fenômeno caracterís- dignidade daqueles que contribuem para o engrandecimento do país
tico da cultura nacional, o que lhe dá o status de símbolo daquilo que através de sua arte, mas que ainda não receberam o devido reconheci-
se conheceu entre os anos 20 e 30 como brasilidade, e analisando todo mento do poder público.
o debate intelectual que se instala em torno da questão, Vianna vai Não se pode deixar de considerar também as orientações da iii In-
desvelando o mistério no qual num curto espaço de tempo promoveu ternacional Comunista, que prioriza a autodeterminação dos povos
o samba da condição de um ritmo musical, resultante da balbúrdia e através da criação de uma Frente Nacional Democrática e Popular,
barbárie das classes baixas, da escória social, ao patamar de manifes- responsável por libertar os povos das heranças do imperialismo. Na
tação cultural genuinamente brasileira, rica por sua complexidade de avaliação da ic, o imperialismo teria abafado as raízes nacionais dos
sons, pela sua dança e pela riqueza na composição étnica dos que dele povos colonizados. Era preciso, então, fazer emergir as identidades
se ocupam, num elogio aberto à mestiçagem. locais, resgatar os particularismos e valorizar a cultura nacional. Ine-
Vianna vai nos mostrando como o discurso intelectual dos anos 20 gavelmente é também nessa fonte que o pcb irá beber, caracterizando
e 30, especialmente os escritos de Mário de Andrade, Gilberto Freyre um intercâmbio de discursos produzidos por uma intelectualidade de
e Sérgio Buarque são importantes na formação de um elogio à mesti- esquerda e pelo pensamento político da direita, como abordaremos
çagem e da valorização do samba como cultura brasileira. no segundo capítulo desta dissertação.
Isso nos interessará bastante de perto, se considerarmos que o dis- Só muito recentemente a historiografia interessou-se em pesqui-
curso do pcb em favor da cultura popular e as suas investidas ao mun- sar temas referentes ao mundo do samba. Uma das abordagens mais
do do samba se justificam, em parte, por essa valorização da cultura comuns é a análise das letras de sambas que façam referências a temas
popular, talhada a partir da Semana de Arte Moderna (não por acaso históricos, procurando compreender de que forma a cultura popular
no mesmo momento em que surge o Partido) e revigorada durante o concebe a história, mais precisamente, a história enquanto um saber
Estado Novo, com o grande incentivo de Vargas às escolas de samba. escolar. Podemos citar os trabalhos de Monique Augras16 como os
Também não é um acaso o fato de ser na era Vargas instituído oficial- mais expressivos nesse campo.
mente o desfile das escolas de samba e a quase unânime adoção de Também podem ser encontradas análises que, a partir das letras dos
temas nacionais como enredos das escolas de samba15. sambas, procuram privilegiar uma determinada temática e por meio
É interessante percebermos também a participação do próprio dela tentar desenhar o contexto político e o universo cultural em que o
sambista como um agente construtor ou mesmo um crítico dessa sua compositor estivera inscrito, como no trabalho Lupicínio Rodrigues – o
nova imagem, positivada, que em muitas vezes lhe é conveniente, o feminino, o masculino e suas relações17. Entretanto, na nossa avaliação, a
que nos faz crer que a ação do mundo do samba em relação à sua pró- proposta do trabalho não se verifica ao longo do texto, já que não nos
pria cultura não é menos política do que a do pcb. Essas ponderações foi possível identificar a articulação do texto com o contexto. A análise
são imprescindíveis para que evitemos uma análise que peque pela sua das canções de Lupicínio foram tomadas como um corpus explicativo
unilateralidade, podendo cair num reducionismo tão prejudicial a do comportamento do compositor, projetado como sendo o compor-
qualquer investigação científica. tamento social tipicamente masculino entre os anos 1930-1970, o que
Reconhecendo o mundo do samba como um baluarte da cultura na nossa avaliação é um ponto bastante questionável.
nacional, o Partido Comunista busca traçar uma estratégia de valo- Ao classificar o samba em diferentes categorias, fracionando-o em

28 o pcb cai no samba introdução 29


samba apologético-nacionalista, samba da malandragem e samba can- que justifiquem essa diferenciação interna. Antes disso, o mundo do
ção, os autores filiam a produção musical de Lupicínio a esse último samba é híbrido, formado por sujeitos bastante diferentes, com uma
estilo. Tal classificação é original da obra de Cláudia Matos18, e esse produção musical e um comportamento político e social variados,
procedimento tornou-se bastante comum entre os pesquisadores que mas que não se excluem. Existe um intercâmbio permanente nesse
se interessam pelo estudo do mundo do samba, numa tentativa de se meio social que permite que um mesmo agente adote, em momentos
reconhecer as nuances e negar o caráter homogêneo do samba. diferentes, comportamentos diametralmente opostos.
No entanto, é preciso levar em conta que um mesmo sambista
necessariamente não se restringe a um ou outro estilo. Sua produção “Todo mundo pensa que sempre fui unicamente este romântico. Na
não está condicionada a um modelo único. Examinando a obra de verdade, cada fase da vida tem seu ritmo musical. A infância tem um, a
Wilson Batista, por exemplo, é possível percebê-lo fazendo um elo- adolescência outro. Quanto mais a gente vai amadurecendo, coisas mais
gio aberto à malandragem, como no samba Lenço no Pescoço (1933), vividas, músicas de mais sentimentos. Na velhice, a gente modera os pas-
mas também ouve-se um samba de tipo ufanista de sua autoria, Que- sos e vai na valsa. Termina na valsa. Quando eu comecei a fazer música,
ro um Samba (1939): que o Ciro gravava, eram todas músicas alegres, eu era um sambista mes-
mo... isso antes da dor-de-cotovelo aparecer... é que eu fui o criador da
Não danço tango dor-de-cotovelo”19.
nem swing e nem rumba
gosto do choro Essa variação de comportamento e da produção musical dentro do
do batuque e da macumba mundo do samba será uma das nossas maiores preocupações neste tra-
sou brasileira balho, procurando relacioná-la à iniciativa comunista de penetração
tenho a pele cor de sapoti nesse híbrido mundo do samba.
gosto do samba porque faz Ainda com referência à produção a respeito do universo do samba,
meu corpo sacudir. cabe-nos destacar também a biografia de Mário Lago, uma figura cen-
tral no nosso trabalho, por ter sido simultaneamente sambista e co-
Essa tipologia estabelecida por Cláudia Matos e amplamente utili- munista e pela sua participação direta no relacionamento pcb-mundo
zada pelos estudiosos, se compreendida de forma a considerar ou isto do samba na periodização por nós escolhida. Produzida pela historia-
ou aquilo, se for aplicada de maneira excludente, antes de auxiliar o dora Mônica Velloso, Mário Lago: Boêmia e Política20 é mais uma obra
pesquisador, termina por distorcer a interpretação. de fôlego que vem contribuir imensamente nos ainda tímidos estudos
Os autores do estudo sobre Lupicínio, ainda que ressaltem o seu historiográficos sobre o mundo do samba e abre uma perspectiva de
ecletismo musical, reproduzindo a fala do artista que abaixo cita- trabalho a partir do renovado gênero biográfico, que voltou a ganhar
mos, mantém a tipologia proposta pela autora de Acertei no Milhar, força a partir de meados dos anos 90.
o que altera substancialmente o resultado de suas pesquisas. É o Ficam patentes as lacunas apresentadas pela historiografia acer-
próprio Lupicínio quem se encarrega de romper com classificações ca dos estudos referentes à política cultural do Partido Comunista
reducionistas, chamando-nos a atenção para não incorrermos no Brasileiro21, bem como aos trabalhos referentes à história do sam-
erro de pensar que o mundo do samba não é um bloco homogêneo ba. Recorrendo ao debate transdisciplinar, percebemos também ser
e portanto estabelecermos tipos – diferentes e não-relacionáveis – ainda muito tímida nas demais ciências afins a produção em torno

30 o pcb cai no samba introdução 31


dos dois elementos por nós enunciados, abrindo um amplo leque de narrativa sobre o resultado do trabalho historiográfico – um dos de-
possibilidades a serem trabalhadas. bates mais intensos nos anos 1990 – a micro-história, através de Carlo
Ginzburg, nos chama a atenção para o perigo de se supervalorizar a
Fazer o cruzamento da literatura a respeito do Partido Comunis- retórica argumentativa em prejuízo do social, o que identificaria a pes-
ta com a literatura sobre o mundo do samba, amparadas em depoi- quisa histórica com um puro e simples documento ideológico, uma
mentos por nós coletados, investigando as suas redes de interlocução atividade puramente retórica e estética, desgarrada da sua pretensão
social. Eis a nossa tarefa principal, recorrendo ao suporte da História de verdade. As muitas verdades que o discurso narrativo admite com-
Social como uma linha de pesquisa que, ao nosso ver, dá conta das promete a verossimilhança das provas e do trabalho do historiador.
demandas aqui colocadas. Nesse sentido, ao estabelecer a crítica não ao recurso da narrativa, tão
A História Social por um longo tempo esteve associada à macro- valioso para o próprio Ginzburg, mas a determinados usos que se faz
análise, apoiada no estruturalismo, recebendo um pesado estigma de dela na historiografia, que a aproxima da ficção, a micro-análise, na
ser uma linha de investigação que, por almejar encampar a totalidade perspectiva de Ginzburg, procura encontrar na constituição das pro-
(afinal qual história não é social?, provoca Hebe de Castro22), uma vez vas um caminho para se chegar à verdade, comprometida com uma
que tudo poderia ser considerado social, terminava por cair num vazio ética que está relacionada àquilo que Michel de Certeau chama de lu-
teórico e se tornara alvo de pesadas críticas em função de sua superfi- gar social do historiador23.
cialidade e generalidade. Com o avanço da discussão crítica acerca dos
limites teóricos e metodológicos da história social, vai amadurecendo, Para a nossa investigação, elegemos como fontes os jornais Tri-
entre os anos 70 e 80, o reconhecimento de um sentido específico da buna Popular no período de sua circulação – 1945-1947, O Globo,
história social enquanto abordagem histórica, amplamente debatido e Jornal do Brasil, A Manhã e Voz Operária; os prontuários e dossiês
aceito no atual estágio dos debates historiográficos nacionais e inter- contidos nos arquivos das polícias políticas, em especial da dps –
nacionais, o que vem promovendo um resgate da história social e con- Divisão de Polícia Política e Social, durante o período 1945-1950;
solidando-a como um eficiente recurso analítico do comportamento depoimentos de artistas populares, colhidos pelo Museu da Imagem
e relações dos diversos grupos sociais. e do Som, além daqueles a nós concedidos no decorrer de nossa pes-
Nesse sentido, buscamos aplicar à investigação histórica de viés quisa; discursos dos constituintes comunistas proferidos em 1946 e
social um método condizente com a especificidade de seu alcance, publicados no Diário da Assembléia; textos teóricos de autores co-
evitando reproduzir as macroanálises, que, ainda que tenham contri- munistas, como Levemos às massas a nossa linha política, escrito pelo
buído grandemente para a historiografia, não favorecem a percepção deputado comunista Maurício Grabois, em 1945, e correspondências
mais atenta de detalhes relevantes para a compreensão do todo social. do escritor Graciliano Ramos. Também se constituem em fontes as
Referimo-nos, portanto, ao recurso da redução da escala na análi- entrevistas concedidas por deputados comunistas que participaram
se de nosso objeto, considerando tal procedimento compatível com a da Assembléia Constituinte de 1946 à Revista de Sociologia e Políti-
nova história social, aberta ao diálogo com a também revigorada his- ca24, a saber: Jorge Amado, João Amazonas, Joaquim Batista Neto e
tória política e com a história cultural. Goffredo da Silva Telles Jr.
A micro-análise, para além da sua importância metodológica, da No tocante à localização das fontes, temos que o vespertino Tri-
qual trataremos mais adiante, ocupa também importante espaço nesta buna Popular – um veículo de propriedade do pcb com tiragem diá-
discussão teórica. Com uma preocupação cada vez maior no peso da ria, exceto às segundas-feiras, que circulou entre os anos 1945/1947

32 o pcb cai no samba introdução 33


– encontra-se microfilmado na Biblioteca Nacional. A sua aquisi- colas de samba, entre os anos 1930 e 1940, como o Mundo Sportivo,
ção deu-se através de doação de colecionador, apresentando ausên- O Globo e A Noite, para compreendermos quais as especificidades
cia de alguns exemplares tanto pela sua não incorporação à coleção da cobertura e promoção do evento, quando realizadas pelo pcb.
como pela censura política sofrida em outras edições. Pretendemos O Jornal Voz Operária, também de propriedade do pcb, destinado
percorrer toda a periodicidade do jornal, considerando ser este um a um público ligado ao movimento sindical e que coexistiu com a
instrumento fundamental para a nossa análise, destacando especial Tribuna Popular, também será um importante parâmetro para se co-
atenção a duas colunas, criadas especificamente para o mundo do nhecer as diferenças de enfoque, concepção e expectativas do Parti-
samba: O Samba na Cidade e O Povo se Diverte, assinadas sob os do Comunista em relação às massas, expressas em seus dois veículos
pseudônimos Satanaz e Grisu. de comunicação e propaganda.
A Tribuna Popular será utilizada em nossa pesquisa como um dos Os arquivos da dps encontram-se no Arquivo Público do Estado
canais de comunicação do Partido Comunista, sem que, no entanto, do Rio de Janeiro, preservando-se as suas organizações originais e a sua
seja tratado como um representante da totalidade, como a voz da es- lógica interna. Estão divididos em setores – por iniciativa dos agentes
querda comunista de sua época, uma vez que entre o Partido e a sua policiais que o organizaram – que englobam desde assuntos conside-
imprensa existem várias nuances a serem consideradas. rados de caráter geral ou administrativo até os mais específicos, como
Buscaremos, através do interrogatório sistemático da fonte Tribu- setor japonês, setor austríaco ou setor comunismo, onde se encontram
na Popular, recorrendo às contribuições da história cultural25, identi- documentos produzidos a partir do relacionamento (ou do suposto
ficar as particularidades de um jornal político-partidário, que procura relacionamento) do pcb com associações desportivas e grêmios recre-
sustentar o formato de um vespertino comum, trazendo, inclusive, ativos, incluindo-se as escolas de samba.
páginas dedicadas aos esportes, em especial ao futebol e suplementos Uma das características mais importantes dos arquivos é a de que
infantis aos domingos; observar a lógica social do texto, procurando não foram produzidos para serem acessados por pessoas estranhas à po-
identificar que tipo de inserção o jornal tem no contexto histórico; lícia, o que pode explicar a dificuldade de localização de documentos
qual a percepção que o jornal faz do outro, que imagem se faz do leitor inerentes à nossa pesquisa e a incompreensão de como tais documentos
e como está prevista a recepção; qual a disposição das colunas referen- foram interpretados para estarem arquivados nesta ou naquela seção.
tes ao samba em relação às demais seções do vespertino; quais os topoi Roger Chartier, no seu texto Leitura e leitores “populares” da Renas-
retóricos da cultura política aplicados com freqüência às matérias e cença ao Período Clássico27, nos fornece uma importante contribuição
seções destinadas à cultura popular; qual a recepção ou quais os usos metodológica ao considerar que, a partir dos arquivos da repressão,
que o mundo do samba faz do jornal; e qual a relação implícita entre podem ser reconstituídas as maneiras de ler do povo, referindo-se em
o jornal e o seu leitor, considerando haver graus diferentes de leitores particular ao trabalho de Ginzburg em O Queijo e os Vermes. Dessa for-
e de expectativas em relação ao que se lê26. ma, os dossiês e prontuários referentes às escolas de samba serão per-
Sempre que necessário, em momentos de polêmicas travadas cebidos aqui como um importante canal de expressão não só das for-
acerca de algum acontecimento abordado pela Tribuna, recorrere- ças de repressão em relação ao evento, como também dos indiciados,
mos a outros diários, como os citados acima, a fim de perceber qual o retratados no documento senão como colaboradores do comunismo
posicionamento do jornal comunista em relação aos demais jornais. infiltrados em escolas de samba, (quando o rastreamento das polícias
Também é nossa intenção comparar o enfoque dado por outros jor- políticas acusava a presença de elementos “subversivos”), como cola-
nais que se encarregaram de promover o carnaval e o desfile das es- boradores da polícia e cumpridores do dever de informar nome e do-

34 o pcb cai no samba introdução 35


cumentação dos principais elementos envolvidos nos g.r.e.s.28 Com o propósito de alcançarmos esse estágio que atinge o objeto em
Os discursos dos parlamentares constituintes comunistas de 1946, seus mínimos detalhes, optamos por aliar aos recursos fornecidos pela
publicados no Diário da Assembléia, foram obtidos no Centro de Do- micro-história as contribuições da antropologia interpretativa, de Cli-
cumentação e Informação, Seção de Documentação Parlamentar da fford Geertz, com sua descrição densa, isto é, procurar a produção do
Câmara dos Deputados, em Brasília - df. Nos interessarão mais espe- sentido a partir de considerações que valorizam não só o sentido inter-
cificamente os acirrados debates relativos à cultura, questão bastante no do documento como também o seu sentido externo em relação ao
cara aos deputados comunistas. público, na tentativa de dar conta dos mais diferentes tipos de conheci-
Os textos teóricos escritos pelos comunistas na década de 1940, mento suscitados pelo exame de nossas fontes, relacionando-os ao seu
selecionados para este trabalho, encontram-se no Arquivo Asmob, sob contexto histórico. Nas palavras de Giovanni Levi:
a guarda da Universidade Estadual Paulista, e as correspondências ati-
vas e passivas de Graciliano Ramos localizam-se no Instituto de Estu- “Em vez de iniciar com uma série de observações e tentativas para
dos Brasileiros – ieb – da Universidade de São Paulo. impor sobre elas uma teoria de tipo legal, esta perspectiva [a descrição
As entrevistas com os constituintes comunistas de 1946 foram densa] parte de um conjunto de sinais significativos e tenta ajustá-los
colhidas especialmente para a edição da Revista de Sociologia e em uma estrutura inteligível. A descrição densa serve portanto para re-
Política, número especial pelos 50 anos da Constituição de 194629 gistrar uma série de acontecimentos ou fatos significativos que de outra
e serão consideradas aqui, assim como os depoimentos gravados forma seriam imperceptíveis, mas que podem ser interpretados por sua
pelo Museu da Imagem do Som e aqueles por nós coletados, com inserção no contexto, ou seja, no discurso social. Essa abordagem é bem
o adequado tratamento sugerido pela história oral, um método que sucedida na utilização da análise microscópica dos acontecimentos
chama atenção para as filtragens que a informação do depoente ou mais insignificantes, como um meio de se chegar a conclusões de mais
entrevistado vai sofrendo e da importante interferência da memória, amplo alcance”30.
seletiva e retrospectiva.
A partir da leitura crítica das fontes, organizadas num corpus do- Assim, com o método indiciário, auxiliado por uma descrição den-
cumental bastante significativo, procuramos lhes dar o tratamento sa, poderemos perceber, para além das intenções do Partido em rela-
proposto pela micro-história, em especial pelo método indiciário, ção à cultura popular manifestas no discurso do jornal, na sua forma,
enunciado por Carlo Ginzburg com base nas contribuições oriundas na sua linguagem, nas características e posicionamento da fotografia
da antropologia, da medicina e da prática policial. de um sambista publicada no jornal, por exemplo, novas provas e pos-
Buscando encontrar os indícios que nos ajudem a constituir as pro- sibilidades de reconstrução e interpretação do mesmo fato, reveladas
vas suficientes para a construção de uma argumentação coerente com por detalhes que encerram códigos que o texto escrito não pode reve-
o fato ali reconstituído, consideraremos pertinente reduzir a escala de lar. Nesse sentido, também esses aspectos constituir-se-ão em textos e
nossa observação com vistas a, através da observação minuciosa do de- a preocupação em se fazer uma análise com lupa de fatos circunscritos,
talhe, do particular, ir além de uma constatação que as fontes possam como enfatiza Ginzburg, será uma importante aliada na nossa pers-
explicitar, como a tentativa de aproximação do pcb ao mundo do samba pectiva de trabalho.
naqueles anos 1945-1950. Esse projeto tornar-se-á mais evidente com Percorrendo ainda o detalhe, a singularidade do evento, poder-
as contribuições trazidas pelo interrogatório minucioso das fontes, em se-á chegar a um sistema de valores e representações que extrapolam
busca de novas pistas que possam descortinar aquilo que está oculto. o ambiente do partido político e a sua interação com o mundo do

36 o pcb cai no samba introdução 37


samba, revelando aspectos importantes que marcam o período por sado em atrair as massas para as suas fileiras, começa a perceber a im-
nós delimitado e que por vezes contribuem para esclarecer o contex- portância política do mundo do samba.
to da época. A vinculação de um acontecimento histórico singular a O capítulo três aborda o projeto comunista para as camadas po-
sistemas mais abrangentes de códigos e significações, isto é, relacionar pulares, destacando o papel da imprensa do Partido e a importância
o micro com o macro, o seu contexto, entendido aqui como uma es- dos intelectuais como organizadores da cultura. Também trataremos
trutura dinâmica que dialoga com as práticas individuais, e não uma da participação dos constituintes comunistas na Assembléia de 1946 e
coleção de microfenômenos, é uma das maiores contribuições que a do seu esforço na defesa da cultura naquele fórum. Informada pela es-
micro-análise, via método indiciário, pode fornecer à historiografia. tética do realismo socialista, a cultura política comunista apresentará
A observação do detalhe, nesta pesquisa, nos ajuda a perceber, por traços marcantes do modelo cultural soviético, expressando também
exemplo, sistemas de valores que não se circunscrevem somente em tor- variantes significativas, encontráveis, por exemplo, no comportamen-
no das perspectivas do pcb enquanto agente estritamente realizador to de Graciliano Ramos.
das orientações de Moscou, colocando por terra algumas teses de que o No quarto capítulo, será discutida a relação entre o Partido Co-
pcb não teria autonomia e seria apenas uma extensão dos interesses so- munista e o mundo do samba, destacando a especificidade do projeto
cialistas internacionais. Nesse aspecto, deve ser considerada uma série comunista para aquele segmento da cultura popular, bem como a res-
de valores externos ao movimento comunista internacional, provenien- posta das camadas populares às iniciativas comunistas.
te de uma determinada cultura política brasileira capaz de influenciar E por fim, no capítulo final, trataremos dos desdobramentos políti-
fortemente o partido e que se mescla nessa relação, com a influência do cos da relação pc - mundo do samba, analisando a atuação das polícias
modernismo e do amparo estadonovista à cultura nacional. políticas, que interferiam ostensivamente nessa relação, e apontando
Esta dissertação é composta de cinco capítulos. O primeiro, inti- para a continuidade da parceria do Partido com o mundo do samba.
tulado Reflexões em torno da cultura popular: o caso do samba, discute
a dificuldade científica em lidar com o samba como objeto de análise.
Em muitos casos, os estudos – científicos ou não – carregam um juí-
zo de valor que tende a superestimar ou, dependendo da perspectiva
do pesquisador, desvalorizar a importância do samba como um fenô-
meno político e cultural. Esse parece ser o caso de muitos trabalhos
que enfocam o samba pós-ditadura militar, em particular o samba dos
anos 1990, e que vêem nas transformações sofridas pelo ritmo uma
descaracterização completa de sua “natureza”, deixando transparecer
um conservadorismo que concebe o samba da atualidade como o sus-
piro derradeiro desse gênero musical. A discussão cultura popular ver-
sus cultura erudita recebe nesse capítulo um papel de destaque.
No segundo capítulo, discutiremos o processo de ascensão cultural
do samba, uma manifestação musical marginalizada, que é alçada à
categoria de música brasileira dentro do projeto cultural do Estado
Novo. É nesse momento que o Partido Comunista do Brasil, interes-

38 o pcb cai no samba introdução 39


c ap ít ul o 1

Reflexões em torno da cultura popular:


o mundo do samba como objeto
de análise acadêmica

E mbora os estudos sobre a cultura popular


tenham atraído uma considerável parcela de historiadores nas últimas
décadas, ainda é muito escassa a produção historiográfica de trabalhos
relacionados ao mundo do samba, reconhecidamente um dos maiores
núcleos representativos da cultura popular brasileira. No plano acadêmi-
co, o tema irá ganhar maior ressonância no campo da Antropologia e da
Sociologia, produzindo relevantes obras que vão desde o já clássico tra-
balho de Roberto da Matta, Carnavais, Malandros e Heróis – para uma
sociologia do dilema brasileiro1, até os mais recentes, como o de Hermano
Vianna, O Mistério do Samba, com o qual muito iremos dialogar.
É fora do ambiente acadêmico que se concentra a maior parte das
obras referentes ao mundo do samba. São memórias, depoimentos,

41
coletâneas de sambas, fotos e desfiles carnavalescos, casos e histórias mudanças percebidas no samba. Em novembro de 1999, Cabral la-
pitorescas, compêndios sobre a história do samba, como por exemplo, mentava-se no seminário Deixa de ser rei só na folia: samba, cultura e
a conhecida obra As Escolas de Samba em Desfile: Vida, Paixão e Sorte2, memória que não freqüentava mais a escola de samba Portela porque
escrita por dois importantes dirigentes de escolas de samba e promo- esta já não era mais a mesma dos anos 70, onde a comunidade partici-
tores do carnaval carioca. A Fundação Nacional de Arte – funarte pava e não se tocava o tão criticado samba da moda.
– ocupa um papel de destaque na produção de trabalhos ligados ao O referido seminário, promovido pelos centros acadêmicos de
samba, oportunizando os artistas populares e aqueles que têm alguma História da ufrj e da uerj procurava de alguma forma trazer contri-
inserção no mundo do samba, de imortalizarem a sua história e pre- buições a uma recente demanda por estudos que privilegiam a relação
servarem a sua cultura nos livros editados por essa instituição governa- música e História, mais particularmente, samba e História, que vem
mental. Citamos aqui, a título de exemplificação, as obras de Vagalume3 sendo percebida nas universidades. A extensão universitária, trazendo
e de Lúcio Rangel4. Também são conhecidas as edições bilíngües, que para a academia diversos sambistas e admiradores de samba, o diálo-
procuram contar em linhas gerais fatos interessantes do carnaval cario- go com o senso comum e o interesse provocado no público acadêmi-
ca e apresentar em fotos de dimensões consideráveis a cultura popular co, foram aspectos de grande importância que fizeram do seminário
e o Rio de Janeiro, considerado a capital do samba, na perspectiva de uma experiência muito bem sucedida. Contudo, o que nos chamou a
divulgar a cultura e a Cidade no exterior e atrair um crescente número atenção foi exatamente o tom conservador das discussões, conforme
de turistas, tendo em vista a imagem consolidada dentro e fora do Bra- apontava Cavalcanti. A tônica das discussões em torno do lugar social
sil como o país do samba, da praia, da cachaça e do futebol. do samba e do seu papel na cultura, eram as modificações pelas quais o
Os trabalhos do jornalista Sérgio Cabral, bom entendedor de sam- mundo do samba atravessara, provocando a sua descaracterização e a
ba e antigo militante do pcb, são considerados as maiores referências perda das suas raízes, uma questão bastante polêmica e recorrente nos
sobre o mundo do samba. É antiga a incursão do jornalista na literatura meios de comunicação, acentuada no período de carnaval.
a esse respeito. Responsável pela coleta de importantes depoimentos de Esse saudosismo que lamenta a perda de suposta essência, especial-
renomados sambistas para o Museu da Imagem e do Som, como Car- mente quando se fala em samba, vem informando uma série de traba-
tola, Carlos Cachaça e Ismael Silva, Cabral é o autor da obra bilíngüe lhos dentro e fora da universidade, que assumem o papel de perpetua-
As Escolas de Samba – o quê, quem, como, quando e por quê, editada dores dessas práticas “em vias de se perderem”. O discurso das “raízes”,
em 1974, e de uma nova versão, de 1996, atualizada e ampliada, que a partir das quais o samba se erigiria, é uma componente ideológica do
recebeu o título de As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. A obra, de processo de construção da identidade da nação, que encontra eco tan-
grande fôlego, valoriza menos o formato turístico, descartando o texto to no senso comum quanto nos trabalhos científicos e chega ao século
em inglês e o volume excessivo de fotografias de passistas em evolução e XXI mais contundentes do que nunca, face às incertezas típicas da
prioriza o texto, enriquecido com a utilização de diversas fontes, ainda virada do milênio e ao mal-estar surgido com a pós-modernidade6.
que a sua sistematização não tenha sido adequada. O objetivo deste capítulo é refletir sobre o significado e os usos do
Maria Laura V. de Castro Cavalcanti5 alerta para uma tendência termo cultura popular em relação ao mundo do samba, percebendo
conservadora que vem tomando lugar nos trabalhos relacionados ao como o discurso em defesa das chamadas “raízes do samba” se constrói
mundo do samba, na qual o jornalista Sérgio Cabral está incluído ao a partir de uma determinada concepção acerca da cultura popular.
deixar clara a sua simpatia para com sambistas e escolas de samba de
reconhecida tradição e ao mesmo tempo manifestar a sua aversão às

42 o pcb cai no samba reflexões em torno da cultura popular 43


1 . 1 – a pro cu r a da s “r aí zes d o s a m ba” sabe.....E pagando mico como daquele rapaz, morador de Santa Tereza
- Bairrozinho complicado! - que se auto-proclama a “nova geração do
Começaremos por discutir um emblemático documento eletrônico samba” e sai na primeira página do globo com trajes típicos de um sam-
que nos fornece inúmeras possibilidades de análise e nos remete para bista: short sandpiper, camiseta, tenis nike e, casaco????? - fundador de
o centro da polêmica em torno de uma concepção de cultura popular um bloco que promete:
e da essência do mundo do samba: “- Vamos parar Santa Teresa!”
Tarefa difícil a dele!!! Tô até pensando em fundar um bloco com uma
“Alguns fatos marcaram minha sexta-feira, e me levaram à reflexão: missão dessas..Vai se chamar Apóstolos do São João Batista, sairá no ce-
Espero que ela também seja útil a vocês..... mitério, e minha promessa será:
...o paraíso...ele existe e fica na Mauá!7 Tivemos a idéia de nos encon- “ - Ninguém vai ficar de pé!!!”
trarmos com alguns amigos na Lapa, que supostamente estavam numa Xinguem, respondam, me defenestrem, mas emitam uma opinião....
roda de samba... Do revoltado [...]”8.
Aí começa a reflexão.... Samba, na Lapa, o que você espera??? Sambistas
tradicionais, o pessoal nascido e criado nas escolas de samba, o talento nato.... Dificilmente os debates em torno do mundo do samba não resul-
Mas é isso que temos??? Não!!!!! tam em apaixonadas discussões onde se manifestam pontos de vis-
Quando se chega à Lapa encontramos uma legião de pessoas que ta bastante ortodoxos. Sensibilidades afloram e idiossincrasias são
entendem de verdade de samba tanto quanto o Hans Donner - ele ao percebidas através de falas que procuram resguardar o delimitado
menos é casado com uma mulata!!! Um bando de bicho grilo - na de- território do samba. Qualquer elemento estranho a esse universo,
finição do grande [...]: “Mamãe eu queria ser hippie, mas cheguei umas é desqualificado e desautorizado de participação, a não ser na con-
décadas atrasado”, que decorou todas as letras de sambistas tradicionais dição de espectador que reverencia o outro e o legitima enquanto
nos últimos meses, defende verdadeiras teorias sobre cada um deles - “ah, integrante de um grupo diferente. As ácidas críticas feitas pelo autor
o português correto e simples de cartola”, “ah, as metáforas de Nelson do e-mail acima enunciado, àquela altura um acadêmico de Histó-
Cavaquinho”. Uma galera que acha que o máximo em matéria de subúr- ria que se intitulava revoltado com as “invasões” que o mundo do
bio é Santa Teresa, que, como o grande representante dessa geração [...] samba vem sofrendo, são representativas de uma grande corrente de
não sabe cantar um samba inteiro, nunca foi à feira de Caxias, e se acha opinião que abrange tanto elementos do mundo do samba quanto os
o bambambam.....Lamentável! que dele não participam.
O grande problema é que esses sambistas de academia acham que Começaremos pelo desapontamento do autor diante do que viu na
entendem de fato de samba, querem tocar inclusive!!!! Porra, no bar Lapa, fazendo-o perder a viagem, como diria Chico Buarque, já que “a
tinha um maldito pandeiro - ou pandeirola, [...] sendo insistentemente tal malandragem não existe mais”. Qual malandragem? Aquela imor-
maltratado por alguém.... Cheguei sob reclamações de que um vizinho talizada nos romances urbanos cariocas, contada e cantada através de
do apartamento de cima atirou água no grupo.....Sorte deles, se fosse um personagens que se tornaram lendários, como Madame Satã e Moreira
sambista de verdade teria era dado umas porradas!!!! da Silva e presente nas memórias de boêmios como Mário Lago, por
Agora o conselho...Se você gosta de samba, mas é um sem talento exemplo. Em vez do “talento nato” dos sambistas populares, o autor
como eu - com minha pinta de galego, não dá! - não se meta a to- se depara com “bichos grilos” fora de contexto, metidos a entenderem
car, a fazer parte do samba!!!! Vocês tão tomando o lugar de quem de uma coisa que não é de sua alçada, ‘artistas’ de uma “suposta” roda

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de samba. As habilidades do sambista para o autor são inatas. Para ele, O discurso da negação resguarda o lugar do “legítimo” sambista,
não se aprende samba na escola nem nas rodas: já se nasce sabendo. identificado como o indivíduo oriundo das camadas populares e que
Os “bichos grilos”, artificialmente preparados para a ocasião, de- participa de determinados códigos característicos do grupo, como,
corando letras para mostrarem e tentarem se passar por sambistas, são por exemplo, conhecer a feira de Duque de Caxias, conforme aponta-
estudantes universitários (muitas vezes provenientes das camadas po- do no texto. A crítica aos trajes dos “neo-hippies”, e aos jovens que vão
pulares, mas aqui rotulados pela sua inserção acadêmica), que busca- ao samba com roupas de conhecidas grifes deixa patente a concepção
riam aceitação no grupo e demonstração de conhecimento utilizando de que sambistas são personagens típicos que se vestem com roupas
jargões da academia. A esses não-personagens do mundo do samba o típicas. Visão ideológica9, incorporada pelo autor e repetida acritica-
autor, que aí se identifica, aconselha ficar de fora, limitando-se a ob- mente, construída nos anos 30 e imortalizada nas películas estreladas
servar a performance do outro. por Carmem Miranda que ganharam o mundo. O sambista de hoje
A expressão “sambistas de academia” nos parece bastante interes- ainda é o personagem malandro, de camisa listrada a Assis Valente,
sante, pois ela nos remete tanto aos intelectuais, conforme o sentido chapéu Panamá de lado, tamanco arrastão, navalha no bolso, lenço no
adquirido no texto, quanto aos “marombeiros”, freqüentadores de pescoço e andar gingado que provocavam desafio e faziam Wilson Ba-
academias de ginástica que dentro da perspectiva do autor também tista orgulhar-se de ser tão vadio.
seriam excluídos da categoria “sambistas”, dado o seu perfil “mauri- Tendo em vista a “descaracterização” do samba na Lapa, o revol-
cinho”, definido pelo uso das criticadas roupas esportivas e por um tado autor do e-mail percebe a Praça Mauá como o novo paraíso do
comportamento bastante diferente da malandragem atribuída ao samba, com toda a conotação fantasiosa que a palavra sugere. A região
sambista. Interessante observar que o rechaçado intelectual bem portuária é eleita o novo reduto do “autêntico samba”. Mesmo sem
como os adeptos à prática esportiva já de longa data são persona- mencioná-lo, o termo “reduto” expressa muito bem o pensamento do
gens presentes na história do samba. Hermano Vianna nos fala das autor, que pode ser melhor compreendido, se levarmos em conta as
relações entre Pixinguinha e Gilberto Freyre, nos anos 1920; André diversas definições propostas pelo Dicionário Aurélio:
Gardel analisa o encontro entre Manuel Bandeira e Sinhô, também
no início do século passado; Noel Rosa, reverenciado como um dos “1. Recinto construído no interior de fortaleza para aumentar a re-
maiores sambistas de todos os tempos, estudou Medicina; o cpc da sistência desta. 2. Lugar fechado que serve de abrigo; refúgio; recinto. 3.
une, na década de 1960, uniu a voz do morro à voz da Zona Sul; Lugar onde se reúne um grupo que tem uma determinada tendência ou
Martinho da Vila fez várias incursões na literatura e não foi rejeita- linha de atuação. 4. Ponto onde se concentram os fatores mais importan-
do por isso. Estas são rápidas referências à inserção de personagens tes de alguma coisa. (...)”10.
intelectualizados no mundo do samba, e vice-versa, que não lhes cus-
taram o repúdio dos sambistas, ao contrário, foram experiências bem O espaço do samba é, nesta perspectiva, um território de resistên-
recebidas pelas camadas populares. cia. Resistência a outros tipos de “samba”, desqualificados por não cor-
Se a premissa de que o samba para se conservar enquanto tal deve responderem a determinadas expectativas construídas com base num
dispensar elementos que lhe são estranhos for verdadeira, então, nosso passado idealizado. Nessa medida, o desfile das escolas de samba, na
trabalho, cujo objeto são as relações entre um partido político que va- Marquês de Sapucaí, coração da Praça xi, tradicional ponto de refe-
loriza o papel do intelectual como agente conscientizador das massas e rência do samba carioca, é visto com reprovação por muitos sambistas
o mundo do samba, durante a década de 1940, seria uma ficção. e não sambistas que vêem o desfile das escolas de samba reduzido a

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um lucrativo negócio, onde o luxo e a utilização de sofisticados recur- tadas por consideráveis parcelas do mundo do samba como guardiãs
sos tecnológicos minimizam a importância da popular. A crescente de antigas tradições que aproximam presente e passado e conservam
participação de artistas e modelos que não raro fazem da avenida um características originais de um tempo em que as escolas de samba te-
trampolim para a fama, as alas de turistas, combinadas entre escolas e riam valorizado o sambista popular. Nesse sentido, a velha guarda de
agências de viagem, e o grande número de profissionais especializados uma escola de samba hoje é encarada como um símbolo de resistência
em lidar com tecnologia de ponta, constituem, aos olhos de muitos, numa arena onde estariam em conflito o samba tradicional e o samba
um corpo estranho ao carnaval. Afastar-se desse metier e buscar es- moderno, que recebe toda a influência de recursos tecnológicos, além
paços alternativos seriam formas de preservação do que é entendido de um sofisticado aparato de marketing e mídia12.
como o samba em seu estado mais puro11. A maior parte das músicas cantadas pelas velhas guardas versa so-
Santa Teresa, “bairro complicado” pela concentração de camadas bre a saudade de tempos que não voltam mais. Tempos dos mestres
médias (o autor não leva em consideração a presença das camadas po- que lhes ensinaram a arte do samba, de Ismael Silva a Paulo da Portela,
pulares nas favelas formadas na região), produziria um tipo de samba passando-lhes os segredos de uma tradição da qual eles são herdeiros e
não reconhecido. A geografia do samba privilegiaria, então, o lado novos “professores”, ainda que não nutram tanto entusiasmo com rela-
predominantemente pobre da cidade partida, para utilizar a termi- ção às novas gerações, acostumadas às mudanças sofridas pelo samba.
nologia de Zuenir Ventura. A Praça Mauá no texto funciona como Dentro do grupo das velhas guardas são reverenciadas especial-
contraponto de Santa Teresa. Outros preferem o elogio ao subúrbio mente as “tias”, a quem os sambistas identificados com a linha mais
nessa fuga rumo a um porto seguro do samba. tradicional do samba costumam pedir a bênção em suas canções. As
Diversos sambistas identificados com o samba “de raiz” costumam “tias”, também conhecidas como pastoras, além de terem feito por
fazer exaltações aos bairros do subúrbio em suas canções. Interjeições muito tempo parte do coro que acompanhava a execução dos sambas-
do tipo “Alô Serrinha!”; “Alô Cacique de Ramos!”; “Alô rapaziada de enredo e dos sambas de quadra, que eram cantados fora do período do
Marechal!”, “Alô Baixada!” são signos da legitimação de territórios carnaval, também tinham – e até hoje têm – um importante papel: são
onde resistiriam as tradições do samba. Ao lado da exaltação do su- elas as responsáveis pelas famosas festas onde são servidas as suas espe-
búrbio, é redescoberta uma antiga personagem, estrela dos carnavais cialidades: angu à baiana, feijoada, moqueca, regadas a muita cerveja e
de outros tempos: a velha guarda. samba. As “tias” são vistas, em última instância, como a representação
Cientes da perda do lugar social da velha guarda nas escolas de das tias baianas que tomaram conta do pedaço, conforme a historiado-
samba e no momento do desfile, em favorecimento à superexposição ra Mônica Veloso, e que fizeram da região da Saúde, Gamboa, Santo
de corpos bem torneados responsáveis por um melhor resultado vi- Cristo e arredores, no início do século, um espaço famoso pela for-
sual do desfile e por atração de grande publicidade, muitos sambistas te presença da cultura africana, pelas festas por elas promovidas que
costumam render homenagens às velhas guardas, considerando haver contribuíram para o surgimento do samba. Os quitutes das tias, das
um débito do mundo do samba para com elas. Assim, reverenciam quais a Tia Ciata é a mais famosa e cultuada, eram apreciados até por
os personagens mais antigos das escolas como reconhecimento de sua aqueles que ali estavam para impedir a proliferação da “desordem”.
importância no passado e no presente para as suas agremiações e como Em síntese, as “tias” de hoje são reconhecidas como as continuadoras
uma forma de revalorização de um grupo nem sempre muito presti- de uma tradição iniciada há um século pelas “tias baianas” e ambas
giado pelos dirigentes das escolas de samba. são percebidas como agentes da resistência no mundo do samba: as
Em torno das velhas guardas é criada uma mística que as faz respei- pioneiras às proibições policiais e as contemporâneas resistem, dando

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continuidade ao trabalho das antigas tias e lutando para evitar que mas a decadência por este lado é patente: os livros de cordel vão tendo
essa tradição se extinga tão logo. menos extração depois da grande inundação dos jornais”13.
Tanto o elogio ao subúrbio quanto a exaltação à velha guarda po-
dem ser encarados como escolhas que qualificam o samba e o distin- A catalogação das manifestações populares, pensadas como perecí-
guem de outros tipos de música. Ambas as escolhas fazem parte de veis ao tempo, foi dando espaço a um outro olhar, trazido pelas contri-
um projeto de cultura popular específico que pretende ser vitorioso buições de Roger Bastide e Mário de Andrade, por exemplo, que consi-
na luta por representação no interior da própria cultura popular. As- deravam ser a cultura popular um fenômeno móvel, que interagia com o
sim, faz sentido admitirmos a existência de culturas populares que se tempo e se transformava, não mais em um processo de desenraizamento
comunicam entre si, mas que também estão disputando hegemonia e progressiva extinção, mas em um conjunto de fenômenos em constan-
dentro do grupo. te mudança. Nessa perspectiva, o “critério” tradição deixou de ser válido
para a observação do que poderia ser compreendido como folclore, e a
observação das manifestações urbanas também passou a ser considera-
da, superando o mito do campo como sendo o guardião da essência da
1 . 2 – o embat e ideoló gico : cultura popular, que remontaria a uma era pré-industrial.
cu lt u r a eru d ita x cult ur a popul ar As análises em torno da cultura popular e o próprio imaginário po-
pular em relação ao tema concebem-no numa relação de antagonismo
A discussão em torno do conceito de cultura popular está na ordem com algo que lhe parece ser exterior. Seja através dos folcloristas tradi-
do dia. Muito se tem refletido a respeito do que é o popular, que tipo cionais, que opunham campo e cidade, antigo e novo, seja nos debates
de cultura lhe é peculiar e que tratamento lhe deve ser destinado. No mais recentes, temperados com uma retórica advinda de um marxis-
Brasil, cultura popular e folclore por muito tempo estiveram identi- mo vulgar (popular x burguês), seja através de uma longa tradição que
ficados, sendo compreendidos como sinônimos de reminiscências, coloca em lados opostos iletrado x letrado, o fato é que a definição do
resquícios de hábitos populares que estão em vias de se perderem. Es- que é cultura popular é influenciada por uma tentativa de proteção
sas foram as interpretações de importantes folcloristas, como Sílvio em relação a algo que lhe é estranho, caracterizando muitas vezes uma
Romero e Câmara Cascudo, preocupados em registrar tais resquícios postura bastante conservadora, no sentido semelhante às preocupa-
antes que estes desaparecessem por completo. O folclore então, e em ções dos folcloristas a que nos referíamos: preserve, antes que se acabe,
última instância a cultura popular, eram encarados como coleções de antes que se misture com elementos estranhos e se descaracterize. Esse,
“fósseis” que ajudariam a encontrar as origens da cultura popular, o conforme apontávamos anteriormente, parece ser o ponto de vista de
que lhe havia de mais autêntico e puro, e se possível, tentar conservá- diversas análises relacionadas ao samba.
las. A tradição era um princípio necessário à identificação do que po- Nessa relação de oposição, percebemos no trabalho de Cláudia
deria ser considerado folclórico ou não. Matos, Acertei no Milhar – samba e malandragem no tempo de Getú-
lio, alguns comentários críticos a respeito do sufocamento do que há
“A literatura ambulante e de cordel no Brasil é a mesma de Portugal de mais misterioso e fascinante na produção popular (...), em nome da
(...). Nas cidades principais do império ainda vêem-se nas portas de al- adequação aos moldes conceituais de que dispõem os meios acadêmicos. A
guns teatros, nas estações das estradas de ferro e noutros pontos as livra- autora critica também as análises crítico-literárias, produzidas quase
rias de cordel. O povo do interior ainda lê muito as obras de que falamos; em sua totalidade por uma elite acadêmica, pertencente a uma classe

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social dominante, que não dariam conta da dimensão do que seja po- “O mito da marginalidade impede que as classes aceitem os com-
pular. Boa parte dos trabalhos acadêmicos ou não, que envolvam cul- ponentes das massas como seres iguais. Vai-se formando uma ideologia
tura popular, usualmente critica os procedimentos acadêmicos para cultural onde, de um lado, o código dominante é a cultura letrada por-
lidar com esse objeto, considerando-os falhos ou elitizados. tuguesa; do outro, a subcultura do índio, do ex-escravo, do sertanejo, do
Ainda que seja salutar a crítica aos métodos utilizados, pode-se proletário de vida rústica, artesanal, marginal. Esta permanece até hoje
identificar nesse discurso a idéia de que a academia está desautorizada abaixo do limiar da escrita e assim se anulam quaisquer relações entre os
a abordar determinados temas, ligados ao popular, pelo próprio status códigos ‘altos’ e a vida e a mente do povo. No nosso país, a poucos anos
da universidade e pela origem social de seus membros, que não com- do século XXI, ‘cultura popular e código culto, escrito, são conjuntos
preenderiam o que há de “misterioso e fascinante” (em última instân- altamente diferenciados, cuja área de interseção é reduzida’... ou nula”15.
cia, de original) nesse universo.
Polemizando um pouco essas afirmações de Mattos, podemos Partindo dessa premissa, as autoras consideram cultura erudita ou
acrescentar que a própria composição social de quem está na acade- cultura das classes mais abastadas e cultura popular como universos
mia hoje já está diversificada; os cursos relacionados às humanidades diametralmente opostos e um palco de luta de classes, onde, por sua
já possuem um respeitável número de estudantes advindos das cama- posição social e econômica favorável, as classes mais favorecidas ten-
das populares. Nesse sentido, ao alcançarem a universidade, essas pes- deriam a comprimir os grupos sociais populares, impondo-lhe a sua
soas passam a fazer parte de uma elite, deixando de serem populares? cultura. A cultura popular, nesse ponto de vista, seria a resultante de
Os estudos referentes à cultura popular por elas desenvolvidos nesse um projeto imposto pelas classes superiores, as quais seriam completa-
ambiente acadêmico passam a estar contaminados por uma elitização mente ignorantes a respeito da cultura do povo – o que manifestaria
incapaz de compreender o cerne da cultura popular? Essa essência uma distorção na essência do que é genuinamente popular.
popular, misteriosa e fascinante, como afirmara a autora nos idos dos
anos 80, é encontrável? Ela existe? “No Rio de Janeiro há mais de trezentas favelas, onde vivem mais
A cultura popular é apresentada, especialmente quando relacio- de um milhão de cariocas. Como o interesse das classes pelos favelados
nada ao mundo do samba, como adversária de uma cultura erudita, limita-se às relações de trabalho ou servilismo, aquelas desconhecem, ou
elitizada e, portanto, inimiga dos interesses e manifestações populares. melhor, acintosamente ignoram os fenômenos culturais ou modus viven-
Uma cultura por vezes vitimada pelas constantes inserções da cultura di de seus componentes”. [grifo nosso]
erudita, numa relação de dominação, onde as trocas culturais não são
valorizadas, mas sim, encaradas como fruto de um perigoso processo E citam Malinovski, em seu trabalho sobre as ilhas Trobiano, afir-
de descaracterização da cultura popular. mando ser a situação das camadas populares do Rio de Janeiro exata-
É o que ocorre com a abordagem feita pelas pesquisadoras de samba mente igual ao que o antropólogo observou no contato com os nati-
Marília Barbosa e Lygia Santos14. Sua obra, que elege a trajetória de Paulo vos daquela cultura:
da Portela, renomado sambista carioca, contém alguns aspectos bastante
discutíveis. A concepção de cultura popular explicitada no texto e poste- “Os brancos, não obstante o seu contato com os nativos, e apesar da
riormente aplicada à explicação do comportamento dos sambistas diante excelente oportunidade de observá-los e comunicar-se com eles, quase
de determinadas situações requer uma avaliação crítica, uma vez que, re- nada sabiam sobre eles”16.
correndo a Carlos Guilherme Motta, as autoras consideram que:

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A cultura popular seria então um “subproduto gerado com mau cultura erudita, responsável por impor-lhe os seus valores, dominan-
gosto pelos técnicos das ‘classes’”, sufocando através dos métodos de do-lhe e reduzindo-lhe a um apanágio dos interesses de uma cultura
comunicação a história, a personalidade e os meios de expressão da hierarquicamente superior, os discursos em torno da questão continu-
cultura popular. As massas, na ótica das autoras, vitimadas pela vora- am reproduzindo essa lógica, como pudemos observar na obra refe-
cidade da cultura de elite, “vão pouco a pouco se transformando em rente a Paulo da Portela, nos escritos e depoimentos de Sérgio Cabral,
cópias grotescas e pobres do comportamento das classes”17, perdendo e entre a nova geração, que não se intimida diante das críticas e man-
uma pseudo-pureza original. A mitificação da cultura popular ocupa tém o seu ponto de vista, inclusive nos trabalhos acadêmicos.
aqui um lugar bastante representativo, condicionando toda a inter-
pretação das autoras, como na passagem:

“Caetano [um dos fundadores do g.r.e.s. Portela ao lado de Paulo da 1.3 – cu lt u r a p op u l a r , cu lt u r a s p op u l a r es


Portela] só exige justiça para o fato de ter ele pensado, primeiro, em orga-
nizar o seu grupo, colocar no papel, o preto no branco, fato este que só evi- Longe de pretendermos encontrar um porto seguro para a polêmica
dencia a sua assimilação dos hábitos cultos da classe média, onde o primeiro em torno da cultura popular, interessa-nos trazer à discussão alguns
passo que se dá diante de um novo produto é registrar-lhe a patente”. autores que se debruçaram sobre o tema, em diferentes perspectivas e
interpretar o fenômeno samba à luz dessas contribuições.
Considerar o registro de uma entidade uma reprodução de um, Dentre os autores que buscaram analisar ou mesmo cunhar uma
na expressão das autoras, modus vivendi estranho ao meio popular, definição para o termo cultura popular, selecionamos para este traba-
e que isto seria um procedimento que levaria à descaracterização da lho Mikhail Bakhtin, Carlo Ginzburg e Roger Chartier, procurando
sua própria cultura, significa incorrer numa análise não só reducio- conhecer as semelhanças e nuances entre as suas perspectivas.
nista como também de um profundo maniqueísmo, eliminando uma Em Bakthin, por exemplo, observa-se a consideração de dois blo-
série de elementos que devem ser considerados a partir do fato da cos culturais distintos, organizados segundo a noção de classe, que
legalização daquela escola de samba e que são imprescindíveis para o promovem trocas incessantes através de um processo de circularidade.
entendimento de como tal comportamento se relaciona com o con- Assim, a cultura popular é pensada em oposição a uma cultura erudita,
texto da época. Consultando a documentação das polícias políticas sendo constantes, contudo, as interações entre ambas.
e recorrendo à história do carnaval do Rio de Janeiro, por exemplo, Carlo Ginzburg faz de Bakhtin o seu principal interlocutor, ado-
observa-se que qualquer entidade recreativa que pretendesse entrar tando as suas categorias de análise e ampliando-as. De acordo com
em funcionamento deveria providenciar o seu alvará, que seria con- o autor de O Queijo e os Vermes e de História Noturna, entre outras
cedido após verificação das condições do local e averiguação da ficha obras, as trocas culturais entre os níveis sociais distintos são bastante
policial de todos os elementos da sua diretoria, com a preocupação complexas, devendo haver a necessidade de relativização do significa-
ainda de se evitar a infiltração de elementos considerados subversi- do dos termos popular e erudito. Esta relação não cabe num modelo
vos em tais espaços. simplista, que polariza essas duas noções e dificulta a compreensão do
Ainda que mais recentemente o debate conceitual em torno da que o autor chamou de circularidade cultural. Dessa forma, a noção
cultura popular tenha chamado a atenção no sentido de evitar as con- de cultura popular em Ginzburg, fortemente influenciada pela antro-
siderações que fazem da cultura popular uma reprodução grosseira da pologia cultural, é entendida como o “conjunto de atitudes, crenças,

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códigos de comportamento próprios das classes subalternas num certo essa divisão [popular/erudito] em termos de classe”21, Thompson for-
período histórico”18, uma cultura subalterna, mas que não é imposta nece uma importante diretriz para o nosso trabalho.
pela cultura erudita (dominante), e tampouco se apresenta como uma As escolas de samba, um dos lugares de maior concentração po-
cultura pura, original das classes populares em resistência às incursões pular no período, eram vistas pelo Partido como entidades capazes de
da cultura dominante. As trocas culturais entre esses diferentes extratos arregimentar uma classe, o operariado, ainda pouco consciente de sua
sociais são bastante intensas, resultando numa dialética que faz desse identidade - de classe - e de seu papel político. Nesse sentido, a cultura
relacionamento entre cultura popular e cultura de elite um movimento popular é percebida como uma expressão de classe, e, aproximar-se das
constante e uma experiência bastante frutífera para ambos os lados. escolas de samba seria uma forma de estreitar o diálogo com as massas,
O conceito de cultura popular é utilizado por E. P. Thompson o que será acompanhado de perto pelos órgãos de repressão.
de forma diversa da compreensão de Ginzburg. Thompson admite Considerando o lugar material a que lhe corresponde, como res-
as trocas culturais entre o dominante e o subordinado, o escrito e o salva Thompson, e percebendo as demais compreensões dos autores
oral, mas critica duramente a definição proveniente da antropologia, acima referidos sobre a cultura popular, temos um instrumental ra-
via Geertz, que estaria sugerindo um consenso a partir da idéia de zoável para analisarmos criticamente essa unicidade com que a cate-
conjunto (“conjunto de idéias, crenças ...”), o que poderia conduzir goria cultura popular foi apreendida por alguns estudiosos ns primei-
a uma generalização prejudicial ao entendimento da cultura popular ra metade do século xx, e ao mesmo tempo posicioná-la no debate
em questão19. Para ele, este é um terreno de elementos conflitantes, intelectual do período marcado por intensas discussões em torno da
repleto de fraturas, e, estariam formando um sistema ou o conjunto, nacionalidade, da cultura brasileira, da cultura popular, do folclore e
ao qual se referem os estudos antropológicos, somente a partir de uma onde muito se preocupou em conhecer o que é o nacional.
pressão imperativa, como o nacionalismo, a consciência de classe ou a
ortodoxia religiosa predominante.
Assim, Thompson, um historiador de formação marxista, tendo
inclusive participado de militância partidária, busca tornar o con- 1.4 – a a scen são d o sa m ba co mo ex p r essão
ceito mais “concreto e utilizável, não mais situado no ambiente dos m a ior da cu lt u r a p op u l a r
‘significados, atitudes, valores’, mas localizado dentro de um equilíbrio
particular de relações sociais”. A cultura popular, então, é situada “no O samba no início do século, identificado como produto das influências
lugar material que lhe corresponde”20. Isto nos interessará de perto, trazidas da África e malvistas pela sociedade brasileira, fora espaço de per-
pois consideramos haver no interior do mundo do samba, por exem- seguição policial e preconceito de uma elite profundamente interessada
plo, manifestações diferenciadas da cultura popular, o que caracteriza em reproduzir certos aspectos da cultura européia, em especial francesa,
o seu hibridismo, não sendo possível entendê-la de maneira homogê- naquele começo de século, apelidado de Belle Epóque. O batuque dos ne-
nea. Isto nos interessará de perto, pois consideramos haver no mundo gros, as rodas de samba, as festas do candomblé, a boêmia, os teatros de
do samba manifestações diferenciadas da cultura popular, captadas revista, enfim, as manifestações festivas de apelo popular, eram rotuladas
pelo Partido Comunista a partir de um mesmo prisma, identificado por essa elite como algo inferior, vulgar, onde se promoviam freqüentes de-
como a produção cultural de uma classe: o proletariado. sordens, necessitando assim da constante interferência policial. O carnaval
Ao analisar a cultura popular para a compreensão da identidade das máscaras, ao estilo veneziano, a música clássica, os saraus em sofistica-
das classes subalternas na Inglaterra do século xviii (“é difícil não ver dos salões da cidade é que gozavam de prestígio pelas pessoas de ‘bon ton’.

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No entanto, não é de nosso interesse absolutizar essa relação. Não A música em geral, enquanto prática dos grupos sociais, pode ser
se pode manter essa discussão de forma polarizada, opondo cultura compreendida pelo que José Miguel Wisnik chamou de “terra-de-
da elite à cultura do povo. É preciso examinar os seus cruzamentos, ninguém ideológica”25, sempre comprometida politicamente, e se tor-
as suas interpenetrações e os conflitos que advêm dessa relação, como nando por isso foco de suspeita.
fizeram Carlo Ginzburg, Thompson e Roger Chartier, por exemplo. O samba é um lugar de produção e incorporação de valores, há-
Ainda que não perceba o conflito entre cultura popular e cultura de bitos e comportamentos da sociedade. É espaço também de política.
elite, que resultará num palco de lutas e trocas culturais, este último Não é, portanto, portador de uma estranha inocência, a qual se tem
considera fundamental a mediação entre o erudito e o popular, o que procurado e buscado identificar como “raízes” da cultura popular. Em
nos exige uma análise mais criteriosa em relação ao estudo da cultura. nome do samba promovem-se reuniões, festeja-se, discute-se, briga-
Seria absolutamente nociva, segundo Chartier, a sobreposição de va- se, mantêm-se laços de identidade e de atrito, apóia-se este ou aquele
lores do conjunto letrado ao popular, numa relação de exterioridade. candidato, alia-se a este ou aquele partido, enfim, o samba torna-se um
Mais que isso, é preciso fazer tais cruzamentos de forma a entendê-los meio de comunicação, de disputa política e de sociabilidade. É tam-
como “produtores de ‘ligas’ culturais ou intelectuais cujos elementos bém espaço favorável às questões sentimentais, geralmente traduzidas
se encontram tão solidamente incorporados uns nos outros, como li- sob a forma de lamento pelo amor perdido.
gas metálicas”22. Nos últimos setenta anos, por exemplo, registra-se uma multiplici-
Essa interpretação parece ter encontrado paralelo nas análises de dade de tendências políticas embutidas na voz do samba. Como parte
Sérgio Cabral e Hermano Vianna23: o primeiro considera, especial- integrante de uma cultura política de determinada época, manifestou-
mente em relação à origem do samba, que não há um endereço certo, se de forma apologética, valorizando o personalismo de líderes políti-
não há uma referência exclusiva, como os morros do centro do Rio de cos; ufanou-se de certas formas de governo ou do país; teceu críticas
Janeiro, os bairros populares, ou os terreiros de candomblé da Bahia. às condições político-econômicas e a regimes políticos; manteve-se
Tampouco que seja produto de uma única classe social, ressaltando a “indiferente” ao cenário político, abordando temas pretensamente
sua complexidade. O samba é um fenômeno híbrido, reunindo ele- “neutros”26. Essas tendências da cultura política também interagem na
mentos de diversas camadas sociais e diversos credos, incluindo-se ju- organização do samba enquanto corporação (as escolas de samba) e
deus e ciganos, por exemplo. De acordo com Hermano Vianna, recor- nos seus órgãos representativos: associações, uniões, ligas, federações,
rendo a Michel Vovelle, a possibilidade de associação entre o erudito e seja influindo no regulamento dos desfiles das escolas de samba e do
o popular se dá por intermédio de “indivíduos mediadores”. carnaval, um dos espaços onde o samba se manifesta com grande in-
Vovelle entende como mediador cultural aquele que está: tensidade, seja fornecendo subsídios para a sua administração e sua
própria organização.
“situado entre o universo dos dominantes e dominados, adquirindo Analisaremos mais detidamente nesta dissertação as “perigosas”
uma posição excepcional e privilegiada: ambígua também, na medida relações do Partido Comunista com o mundo do samba. Os comu-
em que pode ser visto tanto no papel de cão de guarda das ideologias nistas utilizam como estratégia a valorização do sambista como um
dominantes, como porta-voz das revoltas populares. [...] por outro lado, elemento de resistência à falta de políticas públicas comprometidas
também pode ser o reflexo passivo de áreas de influência que convergem com aquela camada social. Nesse sentido, a imprensa comunista vol-
para sua pessoa, apto a criar um idioma para si mesmo, expressando uma tada para esse eleitor popular – A Tribuna Popular – em seu período
visão de mundo bem particular”24. de circulação (1945-1947) investe consideravelmente em matérias

58 o pcb cai no samba reflexões em torno da cultura popular 59


que procuram denunciar a carestia e as péssimas condições de vida dos embora de forma sub-reptícia, lançando mão da carnavalização e não
moradores daquelas favelas e bairros do subúrbio, onde não por coin- das maneiras postuladas pelos teóricos da revolução, os populares de-
cidência estão instaladas as escolas de samba. monstraram sua resistência às forças que os oprimiam, chegando a obter
Examinando a documentação formada pelo conjunto de reporta- conquistas consideráveis e relativizando a visão tradicional acerca de sua
gens e artigos da Tribuna Popular, fica bastante claro o apelo do refe- dominação e manipulação”.
rido veículo à conscientização daquelas massas, de que elas têm papel
fundamental na cultura (através de seu samba) e principalmente na Numa tentativa de superar algumas teses que encaram as camadas
economia e na política do país, e que não podem se conformar com a populares como vítimas da dominação e manipulação, Soihet de cer-
sua progressiva marginalização política e social. As camadas populares ta forma repete a mesma fórmula, só que desta vez superestimando o
são, para o pcb, agentes em potencial de resistência ao poder político papel dos sambistas, como responsáveis por resistirem, à sua maneira
e condutoras de uma guinada política favorável ao proletariado. Ao e dentro dos espaços permitidos, às tentativas de enquadrá-los dentro
levarem a sua arte para o asfalto e dali para o resto do mundo, na ótica de uma lógica estranha ao mundo do samba e de sua submissão total
do partido, estão resistindo a um esforço programado de redução de ao controle institucional.
sua potencialidade, pois se devidamente conscientes – e isso ficaria a O próprio fenômeno da transformação do samba em símbolo da cul-
cargo do pcb – mudariam radicalmente os rumos do país. tura nacional é encarado como reflexo da persistência do samba, “tão per-
Essa consideração do partido de que as comunidades que fazem o seguido e estigmatizado pela autoridade”, entre os populares. E a sua “pre-
samba são um dos principais agentes de resistência, conforme exalta sença na cultura dos mais diversos segmentos sociais” também é apontada
o pcb, produz no mundo do samba uma grande excitação, pois lhe como resultado desse esforço de resistência do mundo do samba.
dá acesso às páginas principais de seu jornal, abrindo uma série de O que a autora admite em rápidas passagens do capítulo, mas não
canais diferentes de participação e culminando na criação de uma desenvolve num sentido de relativizar esse papel do mundo do samba
parceria que lhe garante progressiva participação no jornal, bem como agente de resistência às iniciativas governamentais, são as rela-
como uma considerável inserção do partido nos assuntos relaciona- ções estabelecidas entre os sambistas e o poder público. Muitas vezes,
dos ao mundo do samba. a questão não é da ordem da resistência ou incorporação pura e sim-
A mesma premissa de que o mundo do samba é por excelência um ples de diretrizes vindas “de cima”. É preciso levar em consideração
espaço de resistência e que vem informando diversos trabalhos cien- que a relação entre o mundo do samba e o poder institucional é de
tíficos, conforme discutimos no início deste capítulo, chega à obra de negociação, numa arena onde estão postos diversos interesses que não
Rachel de Soihet. A tônica do capítulo 5 de A Subversão pelo Riso27, se resumem a um jogo dominação x resistência. Sequer pode-se consi-
intitulado Escolas de samba no carnaval carioca: origens e ascensão derar o mundo do samba como um todo homogêneo, como se tem
(1930-1945), é a consideração de que o mundo do samba exerce um visto na maioria dos trabalhos.
papel de resistência popular fundamental, ao marcar a sua presença Essas considerações ajudam a construir uma visão saudosista con-
num espaço permitido de atuação popular, que é o carnaval, temporânea de um mundo do samba isento de interferências estra-
nhas a ele e a identificação de vários sambistas da atualidade como
“o que garante a vez e a presença dessa população no espaço público. elementos de resistência a essas tentativas de invasão “de fora”.
Nesse sentido [o que não distancia essa linha de raciocínio do entendi- Maria Laura V. de Castro lembra a própria luta por hegemonia
mento que o pcb tinha nos anos 40 a respeito da resistência popular], dentro do espaço das escolas de samba; as negociações das escolas

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com o poder paralelo da contravenção, cedendo em alguns aspectos ciação para que pudessem se inserir nessa ordem seletiva e excludente,
e beneficiando-se em outros; e também as várias negociações com o onde as oportunidades de participação e o acesso à cultura popular
poder público, onde as relações de afetividade e cordialidade não são não são tão fáceis.
deixadas de lado. Assim, é preciso adentrar nesse tranqüilo consenso de que a cultu-
A história de Paulo da Portela é um dos mais expressivos mode- ra popular é por excelência um espaço de resistências diversas e con-
los para essa análise. Paulo Benjamin de Oliveira vem ocupando as siderar que o mundo do samba não se manteve numa posição oposta
páginas de vários livros de samba não só por ser um dos fundadores ao poder público em toda a sua existência, resistindo com bravura a
da Portela, como pela respeitabilidade que conquistou em sua época toda e qualquer forma de dominação externa. Ao contrário, o mundo
devido a sua postura contrária aos códigos comportamentais vigentes do samba, como dissemos, é híbrido, cheio de clivagens, onde fazem
no mundo do samba. Para ele, era inadmissível um sambista desfilar na parte figuras que transitam num e noutro lado e que procuram estabe-
Portela, nos arredores da Praça x1, sem que estivesse trajado à altura lecer relações entre os mais diversos canais de atuação na sociedade. A
de um sambista da sua escola. Ou seja, era proibido estar trajando ta- relação que se estabelece é de luta de interesses, sim, mas uma luta que
mancos de madeira e vestimenta desleixada. Um sambista da Portela não pode ser posta em termos de dominação e resistência, o que seria
deveria estar com “pés e pescoço ocupados”, como dizia. Era necessá- demasiado simplista, e que não se resume apenas a uma disputa por
rio usar terno alinhado, gravata e sapato muito bem engraxado, para participação. Ela é muito mais complexa. Ter em conta esse aspecto ge-
fazer bonito no centro da cidade. latinoso da cultura popular, para utilizar a terminologia gramsciana no
Paulo da Portela, assim como Heitor dos Prazeres, nos anos 30 e que se refere às massas, é essencial para não reproduzirmos uma visão
40, empenhou-se em conquistar espaços de atuação para a escola do idealizada, purista, acerca da cultura popular e do mundo do samba,
subúrbio e o reconhecimento na cidade. Por isso, considerava uma que certamente nos impediriam de ver a complexidade das relações
apresentação impecável fundamental para a boa receptividade das ca- que envolvem o mundo do samba com o Partido Comunista.
madas médias da cidade, uma vez que estava interessado em adquirir
subsídios e reconhecimento social para a sua escola, embora essa idéia
não fosse do agrado dos outros sócios fundadores, o que acabou pro-
vocando a saída de Paulo da Portela da escola28.
Nesse ponto é interessante retomar a discussão em torno da figura
do malandro e fazer um paralelo com a história de Paulo da Portela.
Segundo Cláudia Matos29, o malandro é um ser que se situa na frontei-
ra entre o popular e a elite, carnavalizando a estética burguesa do pale-
tó e gravata e reinventando códigos burgueses a partir de seus valores
populares. Nesse sentido, o malandro subverte a ordem e é encarado
então como um ser que resiste a essa mesma ordem instituída.
Tanto em Paulo da Portela quanto no caso do malandro, trata-se
menos de duas propostas diferentes de resistência, que querem garan-
tir o seu espaço às custas da rejeição de certos valores que lhes seriam
– ou não – impostos, e mais de uma tentativa de aproximação e nego-

62 o pcb cai no samba reflexões em torno da cultura popular 63


c ap ít ul o 2

Do samba marginal ao samba nacional

“O samba, que traz na sua etimologia a marca do sensualismo,


é feio, inocente, desarmônico e arrítmico, mas paciência:
não repudiemos esse nosso irmão pelos defeitos que contém.
Sejamos benévolos; lancemos mão da inteligência e da civilização.
Tentemos devagarinho torná-lo mais educado e social”.
(Cultura Política, ago. 1941.)

2.1 – um esta d o n ovo pa r a o sa m ba

O Estado Novo, implementado com o golpe de Estado em 1937, ca-


pitaneado por Vargas, tinha como um de seus principais projetos o
redescobrimento do Brasil. Para o novo regime, que se autoprocla-
mava uma democracia social1, era preciso voltar-se para o país de for-
ma a incitar o orgulho nacional, superando os ranços da República
Velha, criticada pela sua política, que atendia aos restritos interesses
das oligarquias que se revezavam no poder. Ao velho e viciado regime,
“excessivamente liberal”, se contrapunha o conservadorismo do novo
modelo. O liberalismo, que até então tinha sido a grande vedete dos
principais movimentos políticos da segunda metade do século deze-

65
nove em diante, é interpretado como um dos responsáveis pela desor- da censura a todos os meios de comunicação e cultura – teatro, ci-
dem provocada no país. nema, música, atividades esportivas e recreativas, imprensa, a fim de
Para a implementação desse Estado que se anunciava Novo, e se controlar a vida cultural do país. Também era da sua competência a
considerava totalmente adverso a todo tipo de política praticado até organização de desfiles cívicos e festas de exaltação ao patriotismo,
aquele momento, recorreu-se a um recurso nada condizente com além de exposições, concertos e conferências3.
qualquer regime que se pretenda democrático: o autoritarismo. O Es- Em maio de 1938, o governo promovia diversas solenidades em
tado Novo, como se sabe, amparou-se numa ditadura, que restringiu comemoração ao cinqüentenário da Abolição. Coube ao médico Ar-
sensivelmente os parcos direitos dos cidadãos, fechou o Congresso, tur Ramos, a pedido do ministro da Educação e Saúde, Gustavo Ca-
criou o sistema de intervenção federal nos estados, privou os partidos panema, elaborar a programação das festividades, que compreendiam
políticos de seu funcionamento, controlou os sindicatos e outorgou desde seminários e lançamentos de livros até um chá oferecido por des-
uma nova Constituição. cendentes da princesa Isabel a ex-escravas no Palácio do Catete, sem
A matriz ideológica que oferecia a via autoritária como única alter- deixar de lado a apresentação de canto orfeônico, regida pelo maestro
nativa para a construção de um Estado distante do que fora a Repúbli- Heitor Villa Lobos. As comemorações dos cinqüenta anos do fim da
ca Velha, com todas as suas mazelas, clientelismo, pacto oligárquico, escravatura, amplamente publicadas na imprensa em todo o país, fa-
etc., foi extraída do pensamento de alguns intelectuais radicais, como ziam parte, segundo Gomes da Cunha, de um projeto de reconstrução
Oliveira Vianna e Alberto Torres. Estes ideólogos se tornaram bastan- do passado e da memória da escravidão, recontextualizando a imagem
te influentes no pensamento social da época, conquistando a adesão do trabalho não-qualificado e da marginalização social, com vistas a
de grande parte da elite política. A base do pensamento autoritário “dignificar planos da cultura e da história de um povo, de uma raça, de
brasileiro era construir um Estado forte, centralizador e interventor, uma civilização, cujos indivíduos eram quase sempre vistos através das
que pudesse organizar a massa, bastante desarticulada em função da- lentes da desqualificação social.”4 No último país do Globo a abolir a
quilo que se considerava ser incapacidade inata dos mestiços, rumo ao escravidão, urgia repensar a condição social do negro, privado da con-
desenvolvimento nacional2. Fazia-se necessário investir na construção quista de direitos sociais, e redimensionar o seu papel, valorizando-o
ideológica do homem novo, consciencioso dos valores que o dignifica- em busca de sua incorporação à condição de trabalhador-cidadão, res-
riam, como o trabalho, a disciplina e o respeito à ordem. A paz social e ponsável pelo desenvolvimento do Brasil.
o progresso do país estavam condicionados a uma mudança de atitude O jornalista Costa Rego, que destacava na sessão cívica realizada
de cada indivíduo, que, com seu labor, contribuiria para a melhora de no Teatro Municipal os legados e contribuições do negro na cultura bra-
si e da nação, em conformidade com o anúncio de um novo tempo, sileira, escrevia no Correio da Manhã, em 14 de maio de 1938:
propício à criação de um país unido e próspero.
Para impulsionar o seu projeto político-cultural, o Estado Novo “Em todos os problemas do Brasil, que são grandes e vários, debalde
contava com dois órgãos fundamentais: o mes – Ministério da Edu- se buscará o negro como fator de inquietações. O negro não perturba a
cação e Saúde e o dip – Departamento de Imprensa e Propaganda, marcha dos negócios. A liberdade que lhe outorgamos não serviu para
que controlava todas as informações a serem veiculadas à população e torná-lo soberbo. Foi antes condição que só o tem encaminhado no seu
se esmerava em construir a imagem do Estado Novo como o governo sentido de cooperar, como legítimo brasileiro, na grandeza do país. Co-
que se preocupava com o bem-estar das massas, ressaltando a figura do memorar o cinqüentenário da Abolição é, sem dúvida, ilustrar a história
trabalhador como a mola propulsora desse projeto. O dip ocupava-se do Brasil em um dos seus pontos mais delicados, aquele precisamente em

66 o pcb cai no samba do samba marginal ao samba nacional 67


que uma questão da raça poderia compreender – e bem ao contrário só ender os processos político-econômicos brasileiros, destacaram-se
fez assegurar – os fundamentos de nossa unidade”5. Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, dois autores impres-
cindíveis para a compreensão da idéia de identidade nacional e que se
Como parte da incorporação do negro ao projeto de unidade na- inscrevem num contexto nacionalizante, de padronização e uniformi-
cional que estava em gestação, o Ministério da Educação e Saúde, por zação dos aspectos políticos e culturais do país.
intermédio de Artur Ramos, elaborou um programa de atividades que Casa Grande e Senzala, escrita em 1933, a obra mais famosa de
previam: 1) uma lista de assuntos relacionados à escravidão e ao abo- Gilberto Freyre, se notabiliza por, diferentemente do pensamento
licionismo; 2) a realização de monografias sobre o negro brasileiro; conservador, valorizar a mestiçagem como uma potencialidade brasi-
3) a realização de conferências e uma sessão no Instituto Nacional de leira rumo ao desenvolvimento da nação. Para ele, o caráter multirra-
Música, onde seria apresentado um programa musical de negros ou cial da sociedade brasileira é capaz de gerar uma “civilização” original e
compositores de influência negra; 4) a realização da sessão cívica, da criativa8, oferecendo uma “reinterpretação democratizante do proces-
qual nos referimos acima, em 13 de maio, com a participação de abo- so de formação da cultura brasileira”.
licionistas residentes no Rio de Janeiro; 5) uma exposição de “objetos
negro-brasileiros devidamente catalogados”, composta de “objetos de “A negra ou mulata para dar de mamar a nhonhô, para niná-lo pre-
arte”, “objetos da escravidão”, gravuras de “tipos negros” ou “cenas da parar-lhe a comida e o banho morno, cuidar-lhe da roupa, contar-lhe
escravidão”, painéis e esculturas de artistas negros, livros, monografias histórias, às vezes para substituir-lhe a própria mãe – é natural que fosse
e “mapas estatísticos mostrando a contribuição do negro na civiliza- escolhida dentre as melhores escravas da Senzala. Dentre as mais limpas,
ção brasileira”; 6) criação da Enciclopédia do Negro Brasileiro, que mais bonitas, mais fortes. (...) como então se fazia para distinguir as ne-
contava com a colaboração de Afonso Taunay, Pedro Calmon, Ade- gras já cristianizadas e abrasileiradas, das vindas há pouco da África; ou
mar Vidal, Gilberto Freyre, Roberto Simonsen, Aníbal Matos, Afon- mais eminentes no seu africanismo”9.
so Arinos, Rodolfo Garcia, Evaristo de Moraes, Costa Rego, Manuel
Bonfim, Édison Carneiro, Gonçalves Fernandes, Câmara Cascudo, Ao lado de Freyre, Sérgio Buarque também interpretará a cultura
Mário de Andrade, Lindolfo Gomes, Cunha Lopes, Josué de Castro, brasileira por uma via democratizante, igualmente valorizando a mis-
Sérgio Buarque de Hollanda, Frente Negra Brasileira, Bastos de Ávila, cigenação e apontando para o fato de que as raízes do Brasil, expressão
Roquete Pinto, Renato Mendonça, Jacques Raimundo, Samuel Cam- que dá título à sua obra, de 1936, sofreram transformações constantes.
pelo, Rodolfo Garcia e o articulador do projeto, Artur Ramos6. Carlos Guilherme Motta considera Freyre “um ideólogo da ‘cul-
A participação ativa de intelectuais7 das mais diversas tendências tura brasileira’” e aponta que, tanto em Casa Grande e Senzala, quan-
no Estado Novo concorria para a busca de uma identidade nacional, to em Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque, perpassa um “saudosismo
a invenção daquilo que seria autenticamente brasileiro, um trunfo do aristocrático”10. Mais especificamente à obra de Freyre, haveria “uma
regime varguista no controle da “cultura nacional”. Esse projeto reu- volta às raízes” como reação à perda de prestígio político e social da
niu intelectuais das mais variadas tendências, que incluíam desde de- velha elite da República Velha, de quem ele seria filho11, uma resposta
fensores de idéias eugênicas, como Oliveira Vianna e Alberto Torres, dada por uma “elite aristocratizante” em decadência. Opinião seme-
até os “revolucionários” Gilberto Freyre e Sérgio Buarque. Fez-se, en- lhante é compartilhada por Valeriano Costa: “a concepção de demo-
tão, uma revisão da História do Brasil de forma jamais vista. Ao lado cracia de Gilberto Freyre não era a liberal clássica e, muito menos, a
de Roberto Simonsen e Caio Prado Júnior, que procuravam compre- marxista, o que certamente facilitou a consolidação da sua imagem

68 o pcb cai no samba do samba marginal ao samba nacional 69


conservadora”12. Hermano Vianna, porém, diverge dos autores, con- americano participaram com maior ou menor tenacidade de sua “fi-
siderando que Casa Grande e Senzala está em perfeita sintonia com a xação” como gênero musical e de sua nacionalização”.13 As canções
vanguarda da época e que, ao contrário do que afirma Motta, “não se apreciadas nas mais diversas partes do país ficam reduzidas ao plano
trata de uma volta às raízes, mas da própria criação dessas raízes”. regional, traduzido como uma dimensão menor, terminando por opô-
Seguindo os passos de Vianna, é possível perceber de que forma las à grandiosidade que o samba vai adquirindo.
o samba, uma manifestação cultural “menor”, até então considerada E o samba, um ritmo híbrido por natureza, passou a ser considera-
sinônimo de desmedida, de transgressão à ordem e que vivia às voltas do o redentor das raízes brasileiras, uma referência singular, em detri-
com a polícia, passa a penetrar nesse discurso nacionalizante e, mais mento da diversidade de manifestações culturais do país.
ainda, é elevado ao status de símbolo da brasilidade, efígie das coisas Ary Barroso, em sua consagrada Aquarela do Brasil, considerada a me-
brasileiras. As razões que condicionaram essa passagem de uma deter- lhor música brasileira de todos os tempos (em grande parte devido à sua
minada cultura popular, marginal, objeto de repressão, para o lugar letra e ao seu forte apelo nacionalista), é quem melhor resume esse nova res-
de pólo aglutinador da “cultura brasileira”, constituem para Vianna o ponsabilidade que o samba tem de assumir para manter o Brasil brasileiro:
grande “mistério do samba”.
O enigma é decifrado pelo autor como uma resposta à necessidade ...
de unificação cultural da pátria, e de construção de um modelo que Oi, abre a cortina do passado
melhor pudesse representar a riqueza cultural do país. O samba, se- Tira a mãe preta do cerrado
gundo os ideólogos deste projeto, reuniria determinadas característi- Bota o rei Congo no congado
cas que lhes eram bastante convenientes. Uma delas seria o fato de Brasil, Brasil
conservar aquilo que ansiosamente perseguem: as raízes da cultura
brasileira. Vianna corretamente nos orienta no sentido de que se tra- Oi, este Brasil lindo e trigueiro
tava, da mesma forma que se fizera com os estudos da sociedade brasi- É o meu Brasil brasileiro
leira e da cultura em geral, de um “processo de invenção e valorização Terra de samba e pandeiro...
dessa autenticidade sambista”.
Essas supostas raízes são apontadas na composição étnica da As escolas de samba, instituições bastante recentes, compostas em
maioria dos adeptos ao samba – negros e mulatos; no espaço da ci- sua maioria por negros operários, começavam a atrair a atenção do
dade onde esse grupo habitava, que passa a ser positivado; na dan- Estado Novo, ganhando prestígio e reconhecimento. Essa instituição
ça; no ritmo, enfim estaria aqui a síntese do que era genuinamente congregava os mais perfeitos atributos que a cultura nacional deveria
brasileiro e que passava, então, a cair no gosto e se tornar motivo de ter: samba, festa, mestiçagem... trabalhadores... Ali estavam presentes
orgulho e envaidecimento de uma elite que até bem pouco tempo todos os elementos da verdadeira cultura nacional, e como tal, preci-
não era afeita a esse ritmo. savam ser resguardados do perigo da contaminação, da diluição das
Ressalta-se a multiplicidade de agentes que se envolveram no pro- raízes tão bem preservadas naquele espaço. Surge então a preocupação
cesso de invenção e consolidação do samba urbano do Rio de Janeiro em se preservar essa recém-descoberta pureza, repudiando todo tipo
como a música nacional. Segundo Vianna, “negros, ciganos, baianos, de modificação que viesse a ser experimentada no samba.
cariocas, intelectuais, políticos, folcloristas, compositores eruditos, O desfile de 1937, por exemplo, não agradou aos jurados, que
franceses, milionários, poetas – e até mesmo um embaixador norte- questionaram o excessivo luxo e desejavam que a dança e a música –

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elementos que compunham a essência das raízes – fossem mais valo- Muitas foram as críticas nostálgicas que denunciavam que o carna-
rizadas. O medo de se distanciar das origens do samba e do carnaval val já não era mais o mesmo, já perdera a sua autenticidade. Em 1941,
crescia na proporção em que as “coisas brasileiras” eram valorizadas. A Sílvio Moreaux escreve no Jornal do Brasil uma crônica extremamente
escola de samba Vizinha Faladeira, campeã do carnaval daquele ano, conservadora, exigindo maior censura nos sambas para evitar a possi-
foi duramente criticada pela sua riqueza e pelas inovações que intro- bilidade de “assuntos apologistas de baixezas, como as macumbas e as
duzira. A comissão de frente, que levava para a avenida um automó- malandragens”, livrando “o nosso povo das idéias africanistas que lhe são
vel, seguido por seis homens ricamente vestidos montados a cavalo, impingidas pelos maestrecos e poetaços, chamados poetas de morro”16.
chocou a imprensa. A presença de músicos tocando instrumentos de Monique Augras nos chama a atenção para o purismo que recai sobre a
sopro também desagradara. A proibição desses instrumentos fora abo- concepção de povo, “bom e ingênuo”, que contaminar-se-ia inevitavel-
lida em 1937, assim como não havia nada que proibisse a utilização de mente dada a imposição cultural de “maestrecos e poetaços”. Sem contar
automóveis e cavalos. A suntuosidade do desfile rendeu o campeonato a negação explícita da influência do candomblé no samba carioca, o que
para a Vizinha Faladeira, mas não evitou que a comissão julgadora seria prontamente esquecido no projeto cultural do Estado Novo, onde
produzisse o seguinte manifesto: o branqueamento é uma condição sine qua non.17
As críticas partiam tanto de indivíduos favoráveis ao Estado
“Embora concedendo maioria de pontos à Vizinha Faladeira, a co- Novo quanto de opositores, mesmo anos mais tarde. Num longo
missão não deixa de reconhecer ter sido a Portela a que mais preencheu as artigo do jornal Tribuna da Imprensa, de 1950, o saudosismo e as
finalidades das escolas de samba. Entretanto, assim procedeu em virtude críticas contundentes ao carnaval “despersonalizado” atribuem a
dos quesitos apresentados não corresponderem ao julgamento a realizar. culpa ao Estado Novo. O artigo, intitulado “Esplendor e decadên-
De futuro, já pelo brilho desses cortejos, já pelo número dos mesmos, cia do carnaval”, sugere uma entrevista com um poeta e grande car-
como pelo extraordinário interesse despertado no público, os quesitos navalesco (cujo significado à época era o mesmo que folião), que la-
devem ser mais complexos e firmados com antecedência bastante para menta o desaparecimento do verdadeiro carnaval, preocupando-se
que as escolas de samba por eles se possam reger. com as novas gerações, que não conheceriam o carnaval autêntico.
Pensa também a comissão que a exibição de carros alegóricos e de O grande carnavalesco era o próprio jornalista, que, utilizando-se
comissão de frente a cavalo ou de automóveis foge à finalidade das escolas do jogo entrevistador/entrevistado, abria espaço para exteriorizar
de samba, hoje a parte maior, mais interessante e mais nacionalista do seus sentimentos através do personagem que criara, um eu amargu-
carnaval carioca”.14 rado e melancólico:

A Gazeta de Notícias também manifestou-se contrária às iniciati- “Assistiremos de fato este ano a um carnaval brasileiro? Um da-
vas da Vizinha Faladeira: queles carnavais famosos no mundo inteiro (...) e que há muito tempo
não temos?
“Se algumas escolas de samba – aliás, a maioria – souberam guardar as – Duvido muito, diz o poeta a quem faço esta pergunta, carnavalesco
suas tradições, outras desvirtuaram por completo a sua finalidade. Vimos convicto na grande época e que hoje foge da cidade mal entra fevereiro.
escolas de samba com carros alegóricos, instrumentos de sopro, comissões a – O último grande carnaval foi o de 1934. Nesse ano começa a deca-
cavalo, etc. Isto não é mais escola de samba. Elas estão se aclimatando com as dência – do carnaval e do Brasil.
rodas da cidade e, neste andar, os ranchos vão acabar perdendo para elas”.15 – Meu Deus, digo eu rindo, mas afinal era tão importante assim?

72 o pcb cai no samba do samba marginal ao samba nacional 73


– O carnaval era, na verdade, algo de representativo da força social Paulatinamente procurava-se exercer o controle sobre as agremia-
dum povo, no plano artístico e no plano lúdico. ções carnavalescas, de modo a evitar prejuízos às suas imaculadas raí-
– E a que se deve atribuir então a decadência do Carnaval carioca? zes, mas também, como todas as manifestações culturais, para que não
– Não sou sociólogo e a eles compete decidir, mas penso que as cau- desafiassem o bom andamento da ordem estadonovista. As escolas de
sas imediatas devem ter sido a transformação da paisagem política, com samba, já em processo de franca apreciação pela classe média, ainda
a chegada da ditadura e o clima de inquietação, e desassossego que ela que houvesse freqüentes críticas à sua “invasão” ao asfalto e por vezes
produziu; a angústia proveniente da guerra e das revoluções sucessivas, a fossem encaradas como ameaça aos bons valores sociais, tornavam-se
mudança dos padrões econômicos, etc. também um importante canal de divulgação do regime e de contro-
– Talvez que a influência norte-americana, hoje preponderante, te- le da massa. O dip mantinha-se vigilante, controlando os passos dos
nha também contribuído para essa mudança, sugere o repórter. sambistas e de suas escolas.
- É claro. O carnaval carioca era uma festa de caráter afro-europeu. A década de 1940 foi a que produziu o maior número de enredos
Da África vinham a música e a dança, e da Europa a tradição da pró- ufanistas. Foi também o período de ouro da Portela, que sagrou-se
pria festa e as fantasias da “Comedia del Arte” – os milhares de Pierrots, heptacampeã, vencendo os desfiles de 1941 a 1947. No carnaval de
Arlequins, Pierrettes, Colombinas e Dominós e a graça decorativa dos 1943, a escola apresentou o enredo “Carnaval de Guerra”, onde se ma-
confeti e das serpentinas. nifestava a favor da participação do Brasil na guerra. O samba-enredo,
A influência norte-americana liquidou com as fantasias da Comme- segundo Wisnick, um gênero proveniente da combinação entre a
dia del Arte e com o elemento nativo representado pelas fantasias de ín- “tradição da malandragem e o pastiche do discurso cívico”19, falava da
dio. Tudo isso foi suplantado pelo pijama, pela camisa “olímpica”, pelo defesa da democracia, expressão também utilizada por essa escola de
“short” pelo “slack” e pelas fantasias de marinheiro e de “cow boy”. É o samba no carnaval de 1938, cujo enredo intitulava-se “Democracia no
reino do vale-tudo e da falta de invenção. Samba”, em plena ditadura estadonovista.
E dizendo isto o carnavalesco de outrora franze o nariz com despre- Cada vez mais Vargas investia no seu projeto de amoldar as escolas
zo... Na verdade tinham muito mais poesia os antigos trajes...” de samba a seus interesses. Subvencionava o carnaval, interferia na orga-
nização dos concursos e abria espaço para as escolas de samba no rádio,
O jovem repórter dava prosseguimento à sua “entrevista” com o veículo que se encontrava no auge da sua popularidade, tornando-se
maduro poeta, que já não tinha mais perspectivas: elemento fundamental para a propaganda getulista. Em 1940, a Rádio
Nacional era encampada, servindo diretamente aos interesses do dip.
“Começaram proibindo as máscaras, depois oficializaram os ranchos e as O samba, promovido a ritmo nacional, junto com as recém-cria-
escolas de samba, surgiram novos hábitos, novos motivos. O carnaval de hoje das escolas de samba, que, aos olhos de Vargas deveriam ser encaradas
dirigido e mecanizado pela Prefeitura é um fantasma do que foi. Pior ainda, como verdadeiras corporações do samba, torna-se um símbolo oficial
é uma caricatura. Que dirão os brotinhos que surgem para o carnaval? Não do Estado Novo, uma das suas mais nobres construções, com reconhe-
tendo conhecido o ótimo, e certo que não poderão estranhar o péssimo...”18 cimento mundial, funcionando, inclusive, como moeda de troca nas
relações diplomáticas com outros países. Carmem Miranda é o maior
Curiosamente o Estado Novo, tão criticado no artigo, é também o emblema dessa construção. Sua vestimenta e seus trejeitos, “à baiana”,
regime que, à sua maneira, acreditava estar se empenhando em manter procuravam torná-la “brasileira”, ajudando-a a representar com su-
as raízes do carnaval. cesso o país no exterior, em especial na terra do Tio Sam, que como

74 o pcb cai no samba do samba marginal ao samba nacional 75


sinal de sua “boa vizinhança”, nos oferecia a sua igualmente “autênti- “Quando se toma a estética de Villa-Lobos como exemplo de estética
ca” descoberta, até hoje um símbolo dos Estados Unidos da América: que se realiza pelo excesso, observa-se que um recurso particularmente
Mickey Mouse. importante é a diversidade de informações musicais utilizadas, prove-
nientes das mais diversas tradições – européia, indígena e africana; urba-
no-cosmopolita e rural-regional. Wisnik (1983: 169) observa que o as-
pecto monumental de sua obra visaria responder às expectativas do meio
2 . 2 – v ill a-lobos, o m aest ro social: ‘a música de Villa-Lobos parece corresponder plenamente à idéia
da s escol a s d e sa mba de ‘país novo’, segundo a qual os países da América Latina tenderam a ser
vistos, até mais ou menos a altura de 1930, pelo ângulo de sua pujança
Villa-Lobos reconhecido internacionalmente já na década de 1920, virtual e, pois, da grandeza ainda não realizada’. Esse momento coincide
foi o único compositor brasileiro convidado a participar da Semana de com a difusão das inovações ocorridas na Europa no início do século,
Arte Moderna. A participação de Villa-Lobos nos fervorosos debates em particular a ‘descoberta’ das músicas folclóricas russa (Stravinski) e
intelectuais dos anos 1920 e 1930, que tinham como preocupação co- húngara (Bartók), com seus ritmos irregulares e harmonias inusitadas.
nhecer a identidade cultural do Brasil, apreendendo a essência musical Em particular, o primitivismo brutalista do primeiro Stravinski – o da
do brasileiro, fora intensa. Sagração da Primavera (1913) e As bodas (1923) – parece singularmente
O compositor representava naquele momento a vanguarda da músi- adequado para conotar a idéia de pujança étnica, de virilidade não cor-
ca no país, e sua aceitação na Semana de 1922 servia como contraponto rompida pelos refinamentos da civilização. (...) essa mescla de primiti-
aos compositores vinculados a um passado estético identificado com o vismo e grandiosidade deixou marcas no Villa-Lobos que compôs obras
romantismo. Em 12 de fevereiro de 1922, Oswald de Andrade escrevia como os choros Rasga o coração (Choro nº 10, 1926) e Pica-pau (Choro
no Jornal do Comércio o artigo Semana de Arte Moderna, onde dispa- nº 3, 1925), e que promoveu o canto orfeônico nas escolas, regendo ‘mo-
rava: “Carlos Gomes é horrível. Todos nós o sentimos desde pequeni- numentais massas orfeônicas em estádios de futebol’ e corais de até 40
nos. Mas como se trata de um glória da família, engolimos a cantarolice mil escolares, cantando música a duas, três e quatro vozes’ (...)”. 23
toda do Guarani e do Schiavo, inexpressiva, postiça, nefanda.”20
Santuza Cambraia Naves percebe a ocorrência de um proces- Villa-Lobos, que desde 1905 excursionara pelo país à procura dos
so civilizador no país, que apresenta duas faces: a “dos ideólogos da ritmos do interior, visando conhecer o Brasil, encabeça em 1932, es-
modernização via civilização”, um modelo clássico que estabelecia tando à frente da Sema – Superintendência da Educação Musical e
distinções entre estilos considerados elevados e estilos baixos, com Artística, um projeto de unificar o Brasil através do coral, que conta
vistas a manter a ordem; e a experiência dos modernistas, onde são com a adesão de Mário de Andrade e diversos modernistas.
promovidas interseções entre os elementos ‘inferiores’ rejeitados pelo A participação ativa do compositor no movimento modernista
processo civilizador clássico e a cultura erudita21. O modernismo, con- leva para o Estado Novo, principalmente através do Ministério Capa-
tudo, na interpretação da autora, adota o que chamou de “estética da nema, “o ministério dos modernistas, dos Pioneiros da Escola Nova,
monumentalidade”, que prima por “um tom absolutamente elevado e de músicos e poetas”24, uma grande influência do movimento, que
monumental para articular o erudito e o popular”.22 A monumentali- mesclava aspectos do processo modernizador da geração de 1922 com
dade funciona como recurso para um projeto que reúne continuidade, o conservadorismo dos partidários da criação de uma arte nacional
essência e totalidade: culta, como preconizava Renato de Almeida.

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Ângela de Castro Gomes ressalta a importância dos modernistas da cultura nacional. Nesse mesmo evento apresentou-se um cordão
no processo de inclusão do trabalhador no projeto político-cultural carnavalesco, que recebera subvenção do dip, ainda por meio de Villa-
do Estado Novo, onde era essencial a construção de Lobos, para “resgatar” os velhos carnavais do Império. Acreditava-se
assim estar reproduzindo “o bailado da rainha”, “a dança dos velhos” e
“(..) uma outra tradição, uma outra ‘atitude mental’, sendo a geração “bailados dos palhaços e dos diabinhos”, merecendo o comentário pu-
modernista a mediadora da transição que se iniciara nos anos 20 e se blicado na revista Carioca de que aquilo era o que se chamava de obra
completava nos anos 40. Os modernistas adequavam-se magnificamente de educação popular.27 Tornava-se cada vez mais evidente o interesse
bem à tarefa, tanto porque restauravam a temática da brasilidade com do Estado Novo pelas escolas de samba e Villa-Lobos era o homem de
feições militantes, quanto porque eram os intelectuais disponíveis para o ligação do regime com o mundo do samba.
preenchimento dos cargos públicos do Estado Novo”.25 O maestro tinha boas relações com os sambistas. Freqüentava a
sede da Mangueira e relacionava-se também com Paulo da Portela e
No Editorial Brasil social, intelectual e artístico, da revista Cultura Zé Espinguela. Villa-Lobos foi responsável pela estréia de Cartola no
Política, órgão de divulgação cultural do Estado Novo, do qual parti- cinema, onde fez figuração no filme Descobrimento do Brasil, de Hum-
cipavam diversos modernistas, ficava patente a matriz conservadora berto Mauro, para o qual o maestro compôs as suítes que integram a
do projeto estadonovista: obra Descobrimento do Brasil.
Não se pode compreender a o relacionamento de Villa-Lobos com
“Hoje, podemos afirmar que existe uma política brasileira que é uma o mundo do samba – nem qualquer outro episódio que envolva ele-
autêntica expressão do nosso espírito nacional. Nesse espírito social ajus- mentos ligados às elites políticas e sambistas – como uma tentativa
taram-se as necessidades do nosso presente às conquistas do nosso passa- de enquadramento político-cultural das camadas populares ao Estado
do, para formarem esta permissão tríplice da política, que nos concede Novo, ao qual os sambistas seriam presas fáceis. É preciso levar em
agir, pensar e criar o Brasil...”.26 consideração que interessava aos sambistas estar próximo das esferas
de poder como estratégia de negociação de sua condição. A imagem
Entre os famosos eventos cívicos realizados no governo Vargas, do sambista ainda confundia-se com a imagem do malandro, há déca-
mesmo antes da criação do Estado Novo, destaca-se o concerto no das tratado como caso de polícia. Os diversos laços de aproximação do
estádio de São Januário, organizado por Villa-Lobos, em 1935, onde Estado com o mundo do samba, ainda que representassem uma tenta-
cerca de vinte e cinco mil estudantes renderam homenagem a Vargas, tiva de incorporação ao projeto estadonovista, implicavam também a
cantando músicas de apelo nacionalista, entre elas, um samba do po- conquista de espaços por parte do mundo do samba, que começava a
pular Moleque Sete, da Escola de Samba Recreio de Ramos, batizado de ganhar o asfalto e o mundo.
Legião Estrangeira, e que nas mãos do maestro, já reconhecido inter- Em agosto de 1940, o governo Roosevelt enviou ao Brasil uma co-
nacionalmente, se transformara na marcha-rancho Meu Brasil. mitiva formada por 109 músicos da All American Youth Orchestra, li-
Foi Villa-Lobos quem levou as escolas de samba a participarem derada pelo maestro Leopold Stokovski. O grupo chega ao país à pro-
da Exposição do Estado Novo, na famosa Feira de Amostras de 1939, cura da “mais autêntica música popular brasileira”. Nos apontamentos
junto com outros grupos de danças “folclóricas”, como jongo, che- de Stokovski, havia a listagem do que estava procurando: sambas, ba-
gança, cateretê, entre outras que, como vimos, ocupavam um espaço tucadas, marchas de rancho, macumbas, emboladas, etc. Por intermé-
local, enquanto as escolas de samba eram consideradas representantes dio de Villa-Lobos, a quem o maestro americano solicita a seleção dos

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artistas populares, Stokovski é apresentado aos seguintes artistas: Car- nas décadas de 1930 e 1940. A letra, composta por Santana, Nasci-
tola, as pastoras da Mangueira, Paulo da Portela, Pixinguinha, Donga, mento e Ricardo Simpatia, expressa claramente o entendimento dos
João da Baiana, Zé Espinguela, Zé Com Fome, mais tarde conhecido sambistas em relação à importância do maestro para a cultura popular,
como Zé da Zilda, à dupla sertaneja Jararaca e Ratinho, entre outros. na qual o samba se insere.
Das músicas coletadas resultaram dois discos intitulados Native Bra-
zilian music- Leopold Stokovski, que nunca foram divulgados no Brasil “Villa-Lobos é prova de brasilidade
até a recuperação e lançamento de um long play pelo Museu Villa-Lo- Sua obra altaneira
bos, em 1987, ocasião do centenário do maestro brasileiro.28 Vem na voz da Mocidade
Em novembro de 1941 foi a vez do maestro e musicólogo norte- Cantando a apoteose brasileira
americano Aaron Copland ser apresentado por Villa-Lobos ao mun-
do do samba. Ao participar de um grito de carnaval, na sede da escola Rompeu barreiras
de samba Estação Primeira de Mangueira, onde foi recepcionado por Atravessou fronteiras
Cartola, atestou: Para a sua música despontar
Esse gênio brasileiro
“Há um contraste entre música e dança. A melodia é forte e vibrante, Conquistou o mundo inteiro
ao passo que a dança é relaxada e lenta. A mim não me surpreendeu a mú- Fez nosso país se orgulhar
sica, mas o canto. Esse mesmo tipo de ritmo eu já havia notado em todos Palmilhando os quatro cantos do gigante
os compositores brasileiros, em todos que eu ouvi: Villa-Lobos, Gnatalli, De folclore fascinante
Ovalle, Vianna, Cosme, Guarnieri, Mignone, Fernandes. Fontes de belezas naturais
(...) Eles dançam com muita distinção. Não há nada de sensual. Os Criou grandes temas musicais
negros norte-americanos são selvagens quando dançam o fox. Os do Bra-
sil são mansos e respeitosos”.29 Papagaio do moleque
Enfeitando o céu azul
Villa-Lobos, no imaginário do mundo do samba, é visto como um O uirapuru
grande defensor e divulgador da cultura popular em todo o mundo. A encantar de norte a sul
Os sambistas nutrem grande gratidão ao maestro, “prova de brasili- As Bachianas quanta emoção
dade”. Em 1999, a escola de samba Mocidade Independente de Pa- É lindo o chorinho
dre Miguel, levava para a avenida o enredo Villa-Lobos e a Apoteose Rasga o coração
Brasileira, um título bastante sugestivo, que pode ser lido tanto como
a importância do maestro para a divulgação da cultura nacional no Deixou cantar em sua música
exterior, quanto pelo viés da influência do compositor das Bachianas A fauna, a flora, rio e mar
na valorização do mundo do samba, que conquistou o seu espaço no No concerto da floresta
asfalto e hoje tem a sua culminância na Praça da Apoteose. O belo O luar
samba conta com um primoroso arranjo orquestrado e participação Canta o pajé
de coral infantil, aludindo às sessões de canto orfeônico para crianças Dança o mandu sarará

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Refletindo a poesia O espaço dos sambistas/trabalhadores na Hora do Brasil alcançava
Mistérios e magias da cultura popular grandes proporções: em janeiro de 1936, o programa oficial de divul-
Criança esperança gação do governo foi transmitido diretamente da quadra do Grêmio
Vem pra folia cirandar Recreativo Estação Primeira de Mangueira, já considerada uma das
E hoje a batuta do maestro pioneiras e mais populares escolas de samba do Brasil. O programa,
Rege a sinfonia dessa arte milenar”. que contou com a presença de Lourival Fontes, então diretor do dnp,
Departamento Nacional de Propaganda, antecessor do dip, não só foi
transmitido para todo o território nacional como também para a Ale-
manha hitlerista – àquela altura simpática a Vargas –, com tradução
2 . 3 – d o m a l a n d ro ao oper ári o simultânea, apresentando entre as suas maiores atrações, sambas da
escola verde-e-rosa de autoria de Cartola, Carlos Cachaça, Zé Com
A educação no Estado Novo foi um dos mais importantes meios Fome e outros mangueirenses ilustres.
coercitivos das camadas populares. A pedagogia estadonovista al- Para além da escola, espaço de educação formal, e do rádio, o proje-
cançava o cidadão comum não somente na escola, chegava também to pedagógico estadonovista contava com outros canais de realização.
à sua casa através da forte propaganda política articulada pelo DIP Nesse sentido, a arte popular é acionada e valorizada pela importância
e veiculada pelo rádio, instrumento de fundamental importância pedagógica que ela pode vir a desempenhar.32 As escolas de samba, já
para o regime. em processo de franca apreciação pela classe média, ainda que houves-
Em 1934 foi criado o programa Voz do Brasil, mais tarde conhe- se freqüentes críticas à sua “invasão” ao asfalto e por vezes fossem enca-
cido como Hora do Brasil, cujo objetivo era a irradiação dos feitos do radas como ameaça aos bons valores sociais, tornavam-se também um
governo Vargas. A partir de 1942, com a posse de Alexandre Marcon- importante canal de divulgação do regime e de controle da massa.
des Filho, ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, o programa
passava a transmitir a sessão Falando aos trabalhadores brasileiros, que “A ordem social, a paz, o trabalho, a tolerância política favorecem o
consistia numa série de palestras informais, proferidas pelo próprio desenvolvimento de todas as capacidades criadoras da coletividade. A
ministro, cujo objetivo era explicar didaticamente aos trabalhadores vida popular conquista o mais alto nível de estabilidade. Usos, costumes,
aspectos da política trabalhista de Vargas bem como os novos direitos arte, literatura, ciências adquirem um impulso novo de verdadeira flora-
adquiridos. “Devia ser um canal de comunicação privilegiado, rápido ção intelectual e estética. (...) Estas páginas refletem esse espetáculo ex-
e sem intermediários entre o povo e o presidente/Estado.”30 traordinário de renascimento do Brasil Novo. Elas constituem um depoi-
No mesmo ano de 1942 uma outra sessão passa a integrar a Hora mento vivo e irretorquível do espírito de paz, de concórdia, de tolerância
do Brasil. Trata-se de um espaço dedicado à música brasileira, onde o e de unidade que hoje desfrutamos”. 33
samba ganha um espaço de destaque. É nesse momento que a Praça
Onze, o principal reduto do samba, para desespero dos sambistas, está Se desde os tempos do antigo entrudo o samba já tinha se torna-
sendo demolida para dar lugar à Avenida Presidente Vargas. O espaço do objeto de repressão policial, sob a alegação de ser um fator de de-
do samba no rádio vem conformar uma nova realidade, reeducando o sestruturação da ordem, foi com o Estado Novo que esse controle se
mundo do samba dentro dos novos espaços consentidos de participa- tornara mais intenso. O samba, agora encarado como portador dos
ção, definidos a partir de regras geridas pelas elites políticas.31 signos nacionais, como elemento de divulgação de uma cultura brasi-

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leira, composta por uma harmoniosa fusão das “contribuições” das três sista, à entidade, se não representativa, pelo menos aglutinadora de
raças, recebera o apadrinhamento do governo estadonovista, com pe- determinada categoria social, o que tornava operacional o controle e a
sadas subvenções especialmente para as escolas de samba, que seriam a incidência da censura a esse tipo de organização.
síntese do samba naquele momento e a síntese da cultura nacional. O mesmo Dulcídio Gonçalves, em 1937 ordenaria a polêmica in-
Ao lado dos grandes investimentos nos desfiles das escolas de sam- terrupção dos desfiles das escolas de samba, mandando desligar a ener-
ba, das recepções oferecidas pelo Palácio do Catete aos sambistas e aos gia elétrica, desfazer o cordão, que servia para separar espectadores e
artistas em geral, das constantes incursões de Villa-Lobos nas quadras passistas, e retirar o policiamento. Embora não se tenha esclarecido os
das escolas de samba, o samba, bem como as demais manifestações motivos da atitude do delegado, é perceptível a arbitrariedade de suas
artísticas e culturais do País, sofrera um tipo de controle bastante pe- constantes medidas em relação ao carnaval. Em 1939, Dulcídio Gon-
culiar. Em parceria com a polícia militar, acostumada a ocupar-se das çalves reunira esforços para transferir o local dos desfiles das Escolas
ocorrências relacionadas ao samba como fator de perturbação da or- de Samba para o Campo de São Cristóvão. Os ranchos e os blocos já
dem, de expressão da marginalidade, chocando as pessoas de ‘bon ton’, haviam sido retirados por ele da Avenida Rio Branco, sob a alegação
entra em cena a severa vigilância de um aparato de controle político, de que “os ranchos, na Avenida Rio Branco dificultavam a ação da po-
ideologicamente organizado para reprimir possíveis canais de disper- lícia e cerceavam a liberdade de locomoção das multidões”34.
são daqueles interesses arbitrários, e ao mesmo tempo promover tais Lourival Fontes, por sua vez, à frente do Conselho de Turismo
interesses. Esta incumbência recai sobre o Departamento de Imprensa da Prefeitura do Distrito Federal, era quem encabeçava a elaboração
e Propaganda, o dip, que em parceria com o Departamento de Polícia do regulamento dos desfiles das escolas de samba, instituindo normas
Social, o dps, a polícia política de Vargas, tentará estabelecer um pa- bastante severas às escolas e aos sambistas, determinando, a duração e
drão cultural para o País, no qual eram estampadas as virtudes do Es- o espaço de execução dos desfiles momescos, e apontando as atitudes
tado Novo e se buscava silenciar qualquer iniciativa identificada como que seriam consideradas infrações, como apresentar instrumentos de
crítica ao regime autoritário. Essa forma peculiar de controle social, da sopro, entre outros itens. O samba Se o morro não descer, de 1936, de
qual o samba não consegue se esquivar, principalmente por ser o “bas- Herivelto Martins e Darci de Oliveira, representa claramente o des-
tião da brasilidade”, por estar em evidência, provoca uma série de orde- contentamento dos sambistas com o excessivo controle e com os limi-
nações nos desfiles das escolas de samba, interferindo desde a escolha tes impostos pelo poder público para se festejar o carnaval:
do local de apresentação das escolas até a denominação que deveriam
ostentar. Eminentes autoridades que futuramente iriam compor os “Se a turma lá do morro
cargos de direção do dip e do dps, como Lourival Fontes e Dulcí- Fizer greve e não descer
dio Gonçalves, já ensaiavam com maestria mecanismos de controle A cidade vai ficar triste
das escolas de samba. Em 1935, por determinação de uma portaria do Carnaval vai morrer
Delegado de Costumes e Diversões, Dulcídio Gonçalves, as escolas Toda a cidade
de samba deveriam adotar a expressão Grêmio Recreativo, que seria o É um grito de socorro
seu pré-nome, passando a ser identificadas como Grêmio Recreativo Se a escola não descer
Escola de Samba, acrescentando-se ao final o seu complemento. Carnaval vai ser no morro
Uma vez transformadas em grêmios recreativos, tornava-se explí- O tamborim já está de prontidão
cita a tentativa de relacionar escola de samba à idéia de associação clas- Estão de guarda

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A cuíca e o violão do jogo de chapinhas, carteado, bilhar, etc., aproveitando a vida de
Estão esperando saber forma irreverente, eram os seus maiores prazeres. Sinhô, Bide, Buci
Qual é a ordem Moreira e mais tarde Moreira da Silva e Wilson Batista eram os mais
Que tem de prevalecer conhecidos e orgulhavam-se em ostentar o título de malandros. Suas
Se as escolas não tiverem liberdade vestimentas características – o chapéu de palha, tipo panamá, terno
Carnaval vai ser no morro sempre alvo, calça larga, lenço no pescoço, sapato de bico fino muito
Ninguém vai para cidade” bem engraxado e seu jeito gingado de andar – eram inconfundíveis
e conferiam-lhe identidade. Cláudia Matos classifica a elegância do
Em 1940, várias escolas de samba foram interditadas pela polícia malandro como paródia do estilo burguês, pelo exagero e deformação
em função de brigas envolvendo componentes das escolas Rainha das com que se apresenta, despertando mais facilmente o interesse da polí-
Pretas e União de Madureira, ambas sediadas nesse bairro, que teve cia e afastando-o do aburguesamento. É de Wilson Batista (1933) um
como saldo várias pessoas feridas a navalha, algumas gravemente. Isso dos sambas mais conhecidos que envolve a temática da malandragem,
levou a polícia a fechar essas duas escolas, assim como a Prazer da Ser- responsável pela famosa polêmica com Noel Rosa:
rinha, também situada em Madureira. As escolas de samba, ao lado de
toda a conveniência e interesse despertados em torno das suas apresen- “Meu chapéu de lado
tações, eram consideradas “uma ameaça à segurança pública”.35 Tamanco arrastando
O controle policial às escolas de samba se faz presente desde a in- Lenço no pescoço
tervenção para desapartar brigas entre os próprios sambistas, passan- Navalha no bolso
do pela elaboração de um rígido regulamento que normatiza todo o Eu passo gingando
trabalho de produção de fantasias, músicas e enredos, bem como o Provoco desafio
comportamento dos componentes das escolas de samba e dos especta- Eu tenho orgulho
dores durante o desfile, até a vigilância constante às escolas de samba, Em ser tão vadio”
como possível foco de efervescência e disseminação de idéias políti-
cas prejudiciais àquele projeto em voga. Nem o malandro é esquecido A malandragem, cantada em divertidos sambas, grande sucesso nas
nesse projeto: ao contrário, esse personagem sofre uma transformação rádios, não escaparia ilesa ao controle do Estado Novo, que a identifi-
equivalente ao processo de sanitarização da cidade ou de reurbaniza- cava como signo da vadiagem (uma infração grave no Código Penal da
ção à moda de Pereira Passos. Sob a ótica do Estado Novo, o malandro época), um elemento dado ao ócio e à perturbação da ordem. O dip
se regenera, vira trabalhador. Sua imagem sofre metamorfoses, levan- dedicava atenção especial aos sambas que lhes eram apresentados para
do-o da marginalidade à condição de cidadão honesto e trabalhador, censura prévia, tendo proibido até o ano de 1940 cerca 400 sambas. O
sinônimo do sucesso do regime de Vargas. próprio Wilson Batista tivera de prestar esclarecimentos aos censores
Figura bastante conhecida nas décadas de vinte e trinta, o malan- por conta de seu sucesso, proibido pela comissão de censura criada
dro identificava-se muito com o samba, sendo várias vezes mencionado pela Confederação Brasileira de Radiodifusão. A malandragem, en-
em suas letras. Algumas delas, bastante conhecidas por nós, pregavam tretanto, não deveria ser para sempre abandonada em função das res-
o elogio à malandragem. Não trabalhar, ter muitas mulheres, derru- trições do regime, que também se desagradava das letras de samba em
bar os adversários na pernada, um derivado da capoeira, ser o mestre que o malandro reclamava do alto custo de vida e da falta de melhores

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condições sociais. Ao contrário, o malandro poderia tornar-se bastan- “Seu auxiliar está equivocado comigo
te útil, um importante trunfo para as pretensões de Vargas, servindo Eu já fui malandro
como porta-voz daquele regime ao se declarar regenerado do vício da Hoje estou regenerado
malandragem e incorporado ao trabalho, principal artifício de Var- Os meus documentos
gas para o controle das massas. Só o trabalho dignificava o homem. O Eu esqueci mas foi por distração
próprio Wilson Batista aderiu a esse comportamento de bom moço, Comigo não
num artifício para fugir das amarras da censura, e ao lado de Ataulfo Sou rapaz honesto
Alves compôs o mais famosa ode ao Estado Novo: Trabalhador veja só minha mão
Sou tecelão
“Quem trabalha é quem tem razão
Eu digo e não tenho medo de errar Se ando alinhado
O bonde São Januário É porque gosto de andar na moda
Leva Mais um operário Pois é
Sou eu que vou trabalhar Se piso macio é porque tenho um calo
Antigamente eu não tinha juiz Que incomoda na ponta do pé”
Mas resolvi garantir meu futuro
Vejam vocês Não é somente nas entrelinhas das letras dos sambas nem no com-
Sou feliz, vivo muito bem portamento dos sambistas que a malandragem sobrevive. Wisnik opor-
A boemia não dá camisa a ninguém” tunamente nos lembra também da própria harmonia dos sambas e da lin-
guagem musical, mantidas, apesar do esforço em se proibir essa prática:
Ainda que estivesse sob vigilância e que fosse obrigado a abando-
nar a sua companheira inseparável, a navalha, e sofresse o apelo à re- “(...) Embora alguns sambas procurem efetivamente assumir um
generação, vestindo o uniforme do trabalho, o malandro, classificado ethos cívico no nível das letras, essa intenção é contraditada pelo gesto
pela autora de Acertei no Milhar como “um ser na fronteira”, ambíguo, rítmico, pelas pulsões sincopadas que opõem um desmentido corporal
consegue manter a sua mensagem codificada, nas entrelinhas, procu- ao tom hínico e à propaganda trabalhista. A tradição da malandragem
rando não fugir à sua identidade. Ao lado da exaltação ao trabalho resiste, de dentro da própria linguagem musical, à redução oficial, produ-
aparecem a procura da mulher amada e a busca de uma vida estável, zindo curiosas incongruências de letra e música, e sobrevive certamente
em substituição aos temas alusivos à orgia, ao descanso e à jogatina, intata ao Estado Novo. (...)”36.
mas a malandragem pré-censura não desaparece.
Em Senhor Delegado, de Antoninho Lopes e Jaú, o malandro tenta dar Tendo sobrevivido “certamente intata ao Estado Novo”, como acre-
esclarecimentos ao delegado sobre sua conduta suspeita, já que os trejeitos e dita Wisnik, ou sofrendo ligeiras modificações em função da inserção
os trajes, que colaboravam em denegrir a sua imagem junto às autoridades, de elementos até então desconhecidos à malandragem e da criação de
não foram abandonados, naquele momento em que o malandro deveria re- subterfúgios para driblar a censura, como o samba-de-breque, o fato é
jeitar essa denominação. À repressão policial, uma resposta ‘malandra’, que que a malandragem não desaparece durante o regime, apesar dos esfor-
procura disfarçar a sua identidade, sem conseguir negá-la de fato: ços intensos em destruí-la, transformando o malandro em trabalhador.

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O elogio à malandragem, comum nos sambas dos anos 1920 e 1930, Ele não prendia
vai dando espaço a um outro discurso, onde o malandro se regenera e Só batia
descobre que malandro que é malandro pega trem lotado e dá duro no
trabalho. Moreira da Silva, “o último dos malandros”, costumava dizer Era um homem muito forte
em suas entrevistas que malandro não é sinônimo de indivíduo crimi- Com um gênio violento
noso, como usualmente se percebe nos escritos sobre a temática. Ser Acabava a festa a pau
malandro é valorizar o ócio, o não-trabalho. A sua condição marginal E ainda quebrava os instrumentos
vem da sua opção por não aderir ao trabalho formal.
A antítese perfeita, a imagem invertida no espelho do malandro é Ele não prendia
o trabalhador, o otário, na gíria da malandragem, que pega no pesado Só batia
para garantir a sua sobrevivência, que para o Estado Novo é o cidadão, Ele não prendia
que se lança no labor – no sentido pleno da palavra, cujo significado Só batia
está associado a sacrifício, como condição necessária para a dignifica-
ção individual e para o progresso do país. O operário no Estado Novo Os malandros da Portela,
é um herói anônimo, responsável pelo seu desenvolvimento individu- Da Serrinha e da Congonha
al e pelo desenvolvimento da coletividade. Pra ele eram vagabundos
O depoimento de Carlos Cachaça à Rachel Soihet representa um E as mulheres sem-vergonha
momento, nos anos 1930, em que o samba ainda detinha a pecha de
música de marginal e ainda era uma música marginalizada. A sua “mis- A corimba ganhou terreno
teriosa” – aproveitando a análise de Hermano Vianna – positivação e O samba virou escola
transformação em música nacional ainda estava em processo: “Olha, Foi expulso da polícia
o samba-enredo é este aqui, mas pra desfilar lá embaixo, e se a polí- Vive pedindo esmola
cia proibir? Porque vai falando no nome do Castro Alves. Porque o
samba era coisa de marginal, pra eu estar envolvendo uma figura da Ele não prendia
história do Brasil”.37 Só batia
O samba de 1938, de Nilton Camporino e Tio Hélio, gravado em Ele não prendia
2000 por Zeca Pagodinho, atesta a relação do samba com a polícia: Só batia

“Delegado Chico Palha Paulatinamente esse estigma do samba dá lugar a um discurso que
Sem alma, sem coração elogia abertamente o sambista, identificado como o operário empreen-
Não quer samba nem curimba dedor que se esmera em fazer bonito pela cultura do país. Como nos
Na sua jurisdição conta Soihet, o articulista do jornal O Radical, em 1938, valorizava a
importância do grêmio carnavalesco, “composto de operários que não
Ele não prendia vacilam em se sacrificar para emprestar a maior expressão possível ao
Só batia nosso tão falado carnaval”.38 A expressão nosso...carnaval, sugere o alcan-

90 o pcb cai no samba do samba marginal ao samba nacional 91


ce nacional e a aceitação social do carnaval e do samba, que adquirem Portela, um negro operário que trabalhava como lustrador no Centro
uma nova conotação, cada vez mais associada à ordem e à disciplina: da Cidade, buscava conquistar espaços junto às elites políticas visando
a uma mudança significativa em direção à inclusão de seu grupo. O es-
“(...) as escolas de samba, visando apenas prestar uma justa homena- treitamento de suas relações com as elites políticas – ao que as suas bi-
gem ao benemérito governador da cidade, conseguiram muito mais. La- ógrafas o identificaram como um “traço de união entre duas culturas”42
vraram a sua maior vitória de todos os tempos. Deram uma prova de dis- – explica-se como estratégia de entrada do seu grupo numa ordem que
ciplina e gratidão, conseguindo, ao mesmo tempo, surpreender, pela sua seleciona qual cultura popular vai encampar. O uso de trajes alinhados
harmonia, pela sua compostura, ao mundo oficial e social ali representa- e de um comportamento condizente com a lei e a ordem, desfazendo a
do pelas suas figuras de maior destaque (...) já obtivemos essa primeira imagem marginal do sambista, está diretamente ligado a essa necessida-
grande vitória, estamos certos de que o apoio oficial não nos faltará, para de de inserção e participação no sistema, bastante difícil para as camadas
a glória maior da nossa verdadeira música popular: o samba”.40 populares até então marginalizadas e reprimidas.

Um personagem de grande representatividade no mundo do sam- “Todos aqueles que olhavam o negro do morro como desordeiro,
ba e de grande importância neste trabalho é Paulo da Portela, conhe- viam-no organizado (...) Através da organização, que lhe custava sacrifí-
cido pela sua elegância e distinção. Paulo, eleito Cidadão Samba em cio, dinheiro, tempo e paciência, dominava a metrópole. Por outro lado,
193741, gozava de grande credibilidade em sua comunidade, no subúr- as instituições ou órgãos que os oprimiam e/ou perseguiam no morro
bio de Oswaldo Cruz, a quem moças de família eram confiadas. Paulo agora estavam a seu serviço: a polícia que o prendia abria alas para que a
levava as jovens à Portela, escola da qual era um dos fundadores, com escola desfilasse (...). O carnaval era, assim (...) uma festa de integração,
o consentimento de seus pais, sob a garantia de que elas seriam leva- mas, especificamente, um ato de auto-afirmação negra”.43
das para casa ao final das festas. Sua confiabilidade é derivada de uma
conduta que cobrava dos sambistas extrema polidez. Sob o lema “todo O momento de construção do samba como elemento portador
mundo de pés e pescoços ocupados”, o dirigente portelense refutava a da identidade cultural da nação, da valorização da cultura negra e de
apresentação dos foliões que estivessem trajando tamancas ou rejeitas- incorporação do trabalhador ao projeto político do Estado Novo era
sem o uso de gravata. favorável a posturas identificadas com certos valores essenciais para o
A necessidade de um comportamento exemplar, dentro dos padrões regime varguista. É o próprio Paulo da Portela quem especifica quais
burgueses e a recusa do estereótipo do malandro tinham para Paulo da são esses valores: “devemos impor a cultura e a arte da nossa raça, res-
Portela um significado extremamente importante. Acreditava, com isso, peitando e fazendo respeitar as normas e as leis. O sambista deve ser
reunir condições necessárias para um diálogo com as camadas domi- responsável e correto, cultivando a união e evitando a violência”.44
nantes, em busca da afirmação da identidade cultural de sua comuni- O líder portelense adquiria crescente prestígio entre as camadas
dade e de sua inserção na sociedade. Sob o estigma da sua localização dominantes, conquistando espaços e funcionando como um media-
geográfica, o subúrbio, da difícil condição econômica dos trabalhadores dor transcultural, na categoria cunhada por Vovelle. Era essa a sua es-
que em sua maioria passaram a habitar o bairro a partir do bota-abaixo tratégia que buscava a abertura de um canal de participação para as
de Pereira Passos, das complicadas relações do mundo do samba com camadas populares organizadas a partir do mundo do samba. Era esse
o poder público, que ainda o via com desconfiança, e da pesada heran- também um dos braços do projeto de Vargas para incorporação das
ça que a escravidão deixara para grande parte da comunidade, Paulo da camadas populares ao Estado Novo.

92 o pcb cai no samba do samba marginal ao samba nacional 93


O Estado Novo com seu apelo à positivação da mestiçagem como c ap ít ul o 3
símbolo da fusão democrática das raças; à construção do samba como
ritmo nacional, representante dessa harmonia racial, e ao esforço de
transformação do malandro em trabalhador, ao lado da realização de O Partido Comunista à procura
maciços investimentos na indústria e organismos que fomentam a das camadas populares
cultura, a pesquisa estatística, e a assistência social46, colabora com a
introjeção desses novos valores nacionais no imaginário da moderni-
zada sociedade brasileira. Tais valores estão plenamente enraizados e
visíveis na atualidade, conforme procuramos abordar no capítulo 1 ao
discutirmos a redescoberta do samba “de raiz” e a sua inflamada defesa
contra a ameaça do “samba moderno”, formado por influências diver-
sas. A máxima Brasil, país do samba, da mulata, das praias, da cachaça
e do futebol também reflete essa tradição criada na década de 1930.

O cur i oso é p o r q ue os d em a is pa rt i d os
“burgueses”, “reformistas” ou “eleitorais” não têm hereges, embora este-
jam repletos de trânsfugas. Entendemos que no cerne da questão, como
o lubrificante que faz funcionar a máquina partidária, está a idéia da
interpretação correta do mundo. A superioridade do Partido vem do
fato de que ele possui o monopólio da verdade, não da verdade divina,
mas da verdade terrena. A raiz está no marxismo, a doutrina científi-
ca da interpretação da História, a chave para a compreensão de todos
os eventos. Tal como a Igreja reivindica o monopólio da interpretação
da vontade de Deus, o Partido possui o monopólio da interpretação da
História. O saber é o instrumento da dominação dentro do Partido. Por
isso, ele atrai os intelectuais, os pré-intelectuais ou sub-intelectuais (a

94 o pcb cai no samba 95


espécie mais nefasta). A combinação da interpretação científica com o res externos, entre eles, a campanha vitoriosa da União Soviética no
destino heróico salvacionista, ao alcance dos que “sabem”, atrai os inte- combate às forças do Eixo, e internos, tais como: a volta do Partido
lectuais, transforma o saber em poder. Para catequizar, cumpre dominar à legalidade num cenário de relativa distensão política, caracterizada
os evangelhos. Tal como os jesuítas catequizavam os indígenas, os inte- pela democratização de 1945; e o prestígio de Luiz Carlos Prestes no
lectuais do Partido catequizam os operários.1 Partido desde a década de 1930. Esses fatores, além da campanha pela
entrada do Brasil na Segunda Guerra, atraem não só os intelectuais
como também diversos setores da sociedade.3
Jorge Amado entusiasticamente escreve:
3 . 1 – in t elect uais e art istas a serviço
da ed u cação polít i c a d o povo “Indomável Partido do proletariado! E dos sábios e dos escritores!
Onde iríamos nós caber, por caso, senão dentro deste Partido que é do
Os anos iniciais de formação do Partido Comunista do Brasil e a cria- povo? Só nas suas fileiras poderemos fortalecer, ao contato com o prole-
ção do Bloco Operário e Camponês não entusiasmaram a intelectua- tariado e o povo, a nossa capacidade de criação artística e científica. Aqui
lidade. Ao final da década de 1920, o Partido contabiliza pouco mais se aponta para o futuro”.4
de mil militantes.2
Foi a partir da década de 1930 que o pcb começou a alcançar as ca- O trabalho dos intelectuais e artistas no Partido, a um só tempo,
madas médias, atraindo para as suas fileiras militares, estudantes e inte- atendia ao projeto comunista de desenvolvimento de uma política
lectuais. O boom de intelectuais no Partido é concomitante à bolche- cultural engajada, e proporcionava tanto aos intelectuais quanto aos
vização do pcb, em cumprimento às diretrizes da iii Internacional. artistas um espaço de atuação nem sempre disponível na sociedade:
Filiaram-se ao Partido alguns dos expoentes da chamada Geração
de 30, grupo de escritores surgidos num movimento de renovação “Em uma sociedade com reduzidíssimo número de instituições cul-
literária que se verificou no país após a Revolução. Mário de An- turais; com espaços de cultura inacessíveis, em razoável medida, pelo seu
drade e Patrícia Galvão, a Pagu, autora do famoso romance proletá- elitismo, conservadorismo e formalidades; imersa em um processo de
rio Parque Industrial, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Raquel de modernização e mudança, marcado pela emergência e integração de (no-
Queiroz, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Monteiro vos) grupos sociais; sem uma divisão de trabalho nitidamente cristaliza-
Lobato eram alguns dos novos membros do pcb oriundos do cam- da no campo intelectual; em uma sociedade transpassada por todas essas
po das letras; Caio Prado Jr., Edison Carneiro, Cândido Portina- características, este aparato político-cultural (...) funciona como pólo e
ri, Dorival Caymmi, Procópio Ferreira, Nelson Pereira dos Santos, circuito gravitacional de importância – variada, a depender das circuns-
Oscar Niemeyer, o maestro Francisco Mignone, o jornalista Pedro tâncias – da vida cultural e, de modo simultâneo, como espaço/tempo de
Mota Lima, o cronista Álvaro Moreyra, o pianista Arnaldo Estrela e formação e realização dos intelectuais”.
o cientista Mário Schemberg também entraram para o Partido, que
reunia um respeitável grupo de personalidades ligadas às letras, às A edição da Tribuna Popular de 21.07.1946 trazia como manchete
artes e à ciência. em sua primeira página: “O lugar dos intelectuais é no Partido Comu-
A presença dos intelectuais no Partido atingiu o seu auge entre nista”. Foi entrevistado o Dr. Aloysio Neiva Filho, eleito para o Comi-
os anos 1945-1947, período em que o pcb se fortalece devido a fato- tê Metropolitano do pcb carioca. “Além do convívio diário com os

96 o pcb cai no samba o partido comunista à procura das camadas populares 97


mais destacados lutadores da classe operário, melhor pude sentir o que
significa o íntimo contato com as massas”. (...).
A plêiade de artistas e intelectuais comunistas proporcionava ao
Partido uma significativa intervenção no campo cultural, consolidan-
do um projeto que visava à educação política pela via da cultura. An-
tônio Rubim mapeia quatro diferentes portas de entrada do Partido
Comunista no campo das políticas culturais:

“[1] a cultura (enquanto consubstanciada em produtos/bens) pro-


duzida pelo Partido Comunista em suas instâncias partidárias ou pelas
mãos e cabeças de intelectuais a ele vinculados; [2] as práticas em re-
lação à cultura (organização, instituição e divulgação) exercidas dire-
tamente pelo pc (e seu aparato político-cultural) e indiretamente por
via de instituições e entidades culturais influenciadas por ele [como a
abde]; [3] as intervenções político-culturais do Partido no relaciona-
mento com os intelectuais; [4] a tematização da cultura inscrita nas
formulações elaboradas, de maneira imediata, em documentos e re-
soluções partidários ou pela mediação de dirigentes e/ou intelectuais
ligados ao pc.”

A liberdade de criação, “idéia considerada estimuladora de desvios


burgueses, alimentadores de pensamentos decadentes” , estaria tolhi-
da pela construção de um modelo estético que deveria ser adotado pe-
los pcs de todo o mundo.
Em meados da década de 1940 chegavam ao Brasil as diretrizes
de Moscou em relação à política cultural. Conhecido como realismo
socialista, o modelo de estética adotado na Rússia stalinista foi divul-
gado oficialmente em 1934, por Andrei Jhdanov, no i Congresso de
Escritores Soviéticos. Em linhas gerais, tratava-se da construção de um
padrão artístico-literário que tinha como base o comprometimento
Fig. 1 – Muitos intelectuais comunistas,
além das tarefas específicas desempenhadas
com a denúncia e o engajamento social. Esse novo padrão, que deveria
dentro do Partido, almejavam representar ser meticulosamente seguido pelos comunistas, caracterizava-se como
os interesses do Pcb nas esferas do poder um esforço na produção de uma arte e uma cultura genuinamente pro-
público. Folheto de 1945, apreendido pela
polícia política. (Fonte: Arquivos da Relação. letárias, que funcionassem como instrumentos de combate à cultura
Rio de Janeiro: FAPERJ, 2000, p. 22). cosmopolita burguesa.7

o partido comunista à procura das camadas populares 99


Nesses moldes, os artistas e intelectuais brasileiros, engajados
no Partido, deveriam também respeitar os ditames do modelo
jhdanovista, uma radicalização das idéias dos pioneiros da estética
marxista, como Mehring (1893) e Plekhanov (1912), que afirmava
que a arte é determinada apenas indiretamente pela economia, por
meio da influência mediadora da divisão das classes e da domina-
ção da classe.8
O romancista Graciliano Ramos foi um dos maiores críticos da
imposição do modelo estético da URSS e da submissão de suas obras
à censura do Partido. O autor lutava contra a concepção de arte sob
a forma da dicotomia arte proletária versus arte burguesa. Reprodu-
zimos abaixo um trecho de uma matéria publicada no jornal Reno-
vação, em 1944, sob o título de “Os chamados romances sociais não
atingiram as massas”:

“Repórter: Pode haver um romance social afastado da massa? Pode ha-


ver um romance só da burguesia, por exemplo, e que nada tenha com os
demais?
Graciliano Ramos: Se fôssemos conceituar romance social como ro-
mance do povo, os problemas do povo, etc, só havia um romance social:
operário, quando escrito pelo próprio operário como ficou dito. Mas essa
literatura não a posso julgar porque não existe. Um escritor pode escrever
para a massa e o operário não o ler. Eu já tentei isso quando escrevi São
Bernardo, mas o povo não leu São Bernardo, e continuo sem saber por
quê. De qualquer modo, o romance social terá que ser mantido e é preciso
que o personagem seja o próprio autor”.
Fig. 2 – Cartaz de 1945 divulgando a
candidatura de Portinari a Deputado Federal
Para Rubim,
pelo Pcb de São Paulo, nas eleições de 2 de
dezembro de 1946, não tendo conseguido
votos suficientes para a vaga na Constituinte. “(...) o potencial emancipador é retido apenas (e ficticiamente) na po-
Tanto no folheto de Jorge Amado quanto no
material de campanha de Portinari observam-
lítica. Outras manifestações emancipadoras – como a cultura, as artes, o
se slogans relacionados à proximidade pensamento, etc. – sendo obrigadas a se diluir na (má) política, se desca-
daqueles intelectuais com as camadas racterizam e perdem sua “energia” emancipadora. A politização excessiva
populares. (Fonte: AMARAL, Aracy. Arte para
quê? A preocupação social na arte brasileira. da cultura realiza uma ‘política cultural’ que tem apenas um resultado: a
1930-1970. São Paulo: Nobel, 1984, p.118). paralisia da cultura”.

o partido comunista à procura das camadas populares 101


Ainda que o auge do jhdanovismo no Brasil tenha ocorrido nos
anos 1950, é bastante visível a sua existência já na segunda metade da
década de 1940, como se pode observar nos romances de Jorge Ama-
do, sobretudo na trilogia Subterrâneos da Liberdade.
Jorge Amado afirmara no periódico comunista Momento, de
Salvador:

“A educação política das grandes massas, em especial das massas pro-


letárias, é um dos pontos de nosso programa de Partido (...) Muito pensa-
Fig. 3 – “Clovis Graciano. mos realizar em matéria de educação artística das massas. (...) Pensamos
IV Congresso do PCB, 1947.
em teatro, em cinema, em editoras, em exposições, conferências, poemas
Nanquin s/ papel – 52,4 x 41,5
cm. Col. Ibiapaba Martins”. realizados, pronunciados e declamados nas fábricas e nos grandes centros
Apud. AMARAL, Aracy. Arte de concentração proletária”.10
para quê? A preocupação social
na arte brasileira. 1930-1970.
São Paulo: Nobel, 1984, p.120. Tal proposta de educação política, a que se referia o escritor baia-
A alegoria de Clovis Graciano no, demandava intensa participação dos intelectuais que, em muitos
retrata a união dos diferentes
grupos sociais, representada casos, encontravam dificuldades no cumprimento de suas tarefas es-
pela presença de um operário, pecíficas. A carta de Graciliano Ramos explicita bem a dificuldade e a
um camponês, uma mulher,
insegurança sentidas pelo romancista no trato com as camadas popu-
um negro, caracterizado como
sambista, e um intelectual. lares, não por coincidência, componentes das escolas de samba. Em-
bora relativamente extenso, o documento merece ser reproduzido na
íntegra não só pelo seu teor, que nos desperta para várias questões da
época, entre elas a sua experiência na a.b.d.e.,11 como também pelo
inconfundível estilo e qualidade literária:

“Rio de Janeiro, 12.10.1945.


A Junio Ramos
Reli agora as suas cartas e o bilhete que me mandou por intermédio
do Morena. Quantas diferenças desde aquela tarde que nos separamos
na Central, hein! Você parecia meio apagado, mas vi bem que a frieza
era conseqüência da situação geral. Agora faltou [?] e fazemos coisas que
nunca pensamos fazer. Até discursos.
Domingo achei-me em dificuldade séria. No comício, na Praça Saenz
Peña, houve sabotagem, cortaram-nos o microfone – e foi preciso, diante
de alguns milhares de pessoas, andar gente em busca de pilhas, não sei

o partido comunista à procura das camadas populares 103


quê. Só podiam falar sujeitos de pulmões fortes. Vieram as pilhas, mas que tentou harmonizar nossas opiniões. Mas isto era impossível. Encon-
ainda sim os oradores tiveram de suprimir muitas coisas. trei alguns funcionários esquerdistas. Voltando às tarefas, cochichei uma
Eu tinha feito uma experiência. Afirma a reação que a massa é es- espécie de conferência, um desastre, na a.b.d.e., onde fui recebido por
túpida, insensível, e por isso devemos oferecer-lhe chavões e bobagens um jornalista católico. Da a.b.d.e. passamos a um bar, daí ao casino [sic],
rudimentares. Resolvi não fazer ao público nenhuma concessão: escrevi andamos noutros lugares e terminamos a noite num café ordinário, im-
na minha prosa ordinária, que, se não é natural, pois a linguagem escrita pingindo literatura a uma pretinha. Notei em Minas uma singularidade:
não pode ser natural, me parece compreensível. Mas às vezes Carpoux me todas as mulheres que vi estavam grávidas.
disse que acha inexplicável haverem esgotado uma edição por Angústia. Mando-lhe para a Tribuna [Popular] o conto Dois Dedos, quase
Realmente saíram duas, e já teria saído a terceira, se não vivêssemos sob a inédito. Saiu há tempo na Argentina e vai ser publicado numa edição
ditadura das tipografias. Há também essa. Decidi, pois, falar num discur- de 200 exemplares. Vou ver se mando a colaboração pedida. Não desejo
so como falo nos livros. Iriam entender-me? trabalhar na imprensa, nem de longe, mas ando a remoer um plano, tal-
Talvez metade do auditório fosse formado pelas escolas de samba. vez realizável. Findos alguns compromissos neste resto de ano, iniciarei
E referi-me à canalha dos morros, à negrada irresponsável, utilizando as um trabalho a respeito das prisões de 1936. É difícil e arriscado: ten-
expressões dos jornais brancos. Era arriscado, aceitaria a multidão essa ciono apresentar aquela gente em cuecas, sem muitos disfarces, com os
literatura sem metáforas e crua? Além disso, Deus me deu uma figura nomes verdadeiros. Necessito autorização dos personagens: não tenho
lastimosa, desagradável, cheia de espinhos. direito de utilizar gente viva num livro de memórias que encerrará tal-
Com essas desvantagens, senti-me apoiado logo nas primeiras pala- vez inconveniências. Pretendo falar sério com os meus companheiros
vras, e conversei como se estivesse em casa. De repente o microfone em- de cadeia. Se fizer o livro, poderei publicá-lo no jornal de Santos, antes
perrou. Em vez de encoivarar o resto à pressa, calei-me, dobrei os papéis e de entregá-lo ao editor. Mandarei os capítulos à medida que forem sen-
aguardei os acontecimentos... exigências e gritos fizeram que o miserável do feitos. Foi o que fiz com Infância. Isto é apenas uma probabilidade,
voltasse a funcionar. ou antes, uma possibilidade, e o negócio começará o ano vindouro, se
Cheguei ao fim com diversas interrupções. Os homens dos morros começar, pois agora estou engajado em vários contratos. Antes do fim
ouviram a injúria que a reação lhes atira e manifestaram-me simpatia ines- do mês enviarei um artigo.
perada. É inútil, porque não pretendo ser ator. Estou velho para mudar de Diga à Natália que recebi os contos. Ainda não os li. Vai paralelo um
profissão. Aqui em casa todos se meteram na grande bagunça. Madame volume de Infância. Não lhe mando um porque não vale a pena gastar 50
trabalha na minha célula. As duas garotas pregam cartazes, tremem nas mil réis à toa. Arranje-se com o exemplar dela.
paredes - e domingo passaram o dia num caminhão, lendo horrores num E adeus. Parece que vai tudo mal. É o diabo. Abraços para v. e para
auto-falante. À noite estavam roucas. Nosso amigo Tatá brilha, como v. Natália. Muitos beijos na Moleca. E bênçãos, naturalmente.
tem visto na Tribuna. Diz que trabalha muito, mas acho que apenas se Graciliano”.12
emprega em aparecer nas fotografias, dançar e ouvir música. Descobriu
que é fotogênico, é o repórter mais novo do Brasil, e explora isto. Interessante considerar a categoria “cultura de Partido”, enunciada
Em Minas, acabada a primeira parte da tarefa, passei algumas horas por Rubim, e sua análise a respeito de um ethos assumido pelos inte-
no seu Banco e estive a conversar com o presidente, um cidadão amável lectuais comunistas na década de 1940:

104 o pcb cai no samba o partido comunista à procura das camadas populares 105
“(...) Tal ‘cultura’ [a cultura de Partido] funciona simultaneamente ao alinhamento do Partido aos interesses burgueses como instrumen-
como uma ‘tradição’ cultural reivindicada, assumida e a ser incorporada to de combate às velhas oligarquias.
por seus (novos) militantes/filiados e como conjunto de critérios polí- Com a concessão do registro de funcionamento ao Partido Comu-
tico-culturais e estéticos de valoração e seleção dos materiais culturais e nista do Brasil, a menos de um mês das eleições de dezembro de 1945,
artísticos presentes no social, e através deles, julgados pertinentes pelo que inaugurariam o período democrático17 no pós-guerra, foi garanti-
PC para serem estimulados e desenvolvidos na sociedade. Em suma, uma da ao pcb a possibilidade de lançar os seus próprios candidatos a sena-
‘cultura de Partido’ que governa a intervenção político-cultural do Parti- dor, deputado e também, em combinação com os interesses de Vargas,
do, seus dirigentes e membros”.13 lançar um candidato à presidência, o desconhecido Yedo Fiúza.
Mesmo com o pouco tempo de campanha, o Partido consegue ob-
Nessa cultura de partido de que nos fala Rubim, a atuação dos inte- ter uma expressiva votação, elegendo 1 senador, Luiz Carlos Prestes,
lectuais é imprescindível. Segundo o pensamento gramsciano, na dis- o Cavaleiro da Esperança, amparado pelo grande prestígio que ainda
puta pela hegemonia, são os intelectuais que “dão homogeneidade e possuía entre o povo, e 14 deputados federais.18 Ainda que tivesse sido
consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas derrotado à presidência da República, Yedo Fiúza alcançou um gran-
também no social e político”14 Quanto às classes dominadas, compete de feito para o pcb, obtendo 500.000 votos, cerca de 10% dos votos
aos intelectuais orgânicos articular as forças emergentes e lutar por válidos. O Partido conquistaria daí em diante uma popularidade cada
uma nova ordem social.15 Mesmo antes da chegada das idéias de Gra- vez maior19, o que lhe garantiu, nas eleições para prefeitos e vereadores
msci ao Brasil, nos idos dos anos 1960, foi de grande importância a em 1947, um significativo sucesso, tornando-se a maior bancada em
participação dos intelectuais no Partido Comunista no papel de orga- vários estados.
nizadores do proletariado.16 A participação dos comunistas na elaboração da nova Carta Cons-
titucional foi extremamente limitada. Giovannetti Netto chama a
atenção para uma tendência no Ocidente de marginalização sistemá-
tica ou contenção dos comunistas na vida política em todo o mundo
3 . 2 – a ba n ca da co mu n ista e a defes a da no período pós-guerra.20 Os 15 integrantes da bancada comunista
cu lt u r a na C o n st i t ui n t e de 1946 procuravam um espaço de atuação numa Assembléia conservadora,
composta por mais de 300 constituintes representando as legendas do
A famosa Conferência da Mantiqueira, em agosto de 1943, represen- psd, ptb, pr, psp, udn e da coligação ed/pdc/pl.21 Eram constantes
tou um marco no processo de reorganização do pcb. Além da reestru- os pronunciamentos dos constituintes em repúdio à presença de agen-
turação do Partido, foi acordada a política da União Nacional, carac- tes das Polícias Políticas nas sessões da Assembléia Constituinte. Os
terizando a aproximação do Partido com a burguesia e a aliança com manifestos da bancada comunista em favor da extinção das referidas
o governo Vargas. Era a expressão brasileira da política stalinista de polícias também eram freqüentes.
alinhamento ao capitalismo no combate ao nazifascismo. A bancada comunista atuava obedecendo às diretrizes traçadas
A União Nacional encontrava apoio na conservadora Liga de De- pelo pcb. As emendas apresentadas eram previamente submetidas à
fesa Nacional, composta, inclusive, por comunistas, que engrossavam aprovação da direção do Partido, que procurava fazer uma divisão de
o coro em favor da participação do Brasil na Guerra. A adoção de uma tarefas a serem desempenhadas pelos constituintes. A Jorge Amado e
linha política classista e o discurso oposicionista do pcb deram lugar Carlos Marighella, por exemplo, coube a tarefa de escrever os discur-

106 o pcb cai no samba o partido comunista à procura das camadas populares 107
sos dos comunistas na tribuna. Uma das práticas usuais era a ocupação Num longo pronunciamento na sessão de 27 de junho de 1946, às
da tribuna para protestar contra a violência em relação aos militantes fls. 3.022 e 3.023 do Diário da Assembléia, o deputado Maurício Gra-
comunistas. Segundo João Amazonas, durante o período de realiza- bois faz críticas contundentes ao caráter democrático da Constituinte:
ção dos trabalhos da Constituinte – que se estenderam de fevereiro
a setembro de 1946 – foram mortos cerca de 30 comunistas que se “(...) O Projeto de Constituição em debate nesta Assembléia não está
manifestavam a favor de movimentos grevistas.22 à altura das conquistas já alcançadas pelo nosso povo. Já foi declarado
Em decorrência de uma greve realizada pelos trabalhadores da mesmo desta tribuna que o Projeto é anacrônico e não mais corresponde
Light, àquela época uma empresa privada pertencente ao capital es- à realidade do Brasil, pois se acha atrazado [sic] em relação às grandes
trangeiro, que resultou no espancamento de vários trabalhadores pela conquistas já obtidas pelo nosso povo, como a autonomia municipal.
polícia, o deputado Batista Neto levou à Assembléia os trabalhadores Observamos, quanto as tais conquistas que nesse Projeto se pratica
espancados “para mostrar aos deputados o que era a democracia bra- verdadeiro atentado contra a democracia. (...)
sileira”. E dizia: “eis aí o significado da democracia brasileira para os (...) Parece que o espírito da ditadura, de quinze anos de opressão
trabalhadores”. Decepcionado com a pequena repercussão e falta de em nossa terra, em que um centralismo burocrático impedia a completa
interesse das demais bancadas em relação à violência contra os traba- autonomia municipal, prevaleceu naqueles que elaboraram o Projeto de
lhadores e ao problema da limitação dos direitos políticos no Brasil, Constituição”.
Batista Neto concluiu desanimado: “a coisa ficou por isso mesmo”.23
Muitas foram as derrotas sofridas pelos comunistas na Constituin- Foram constantes os incidentes envolvendo comunistas e Polícias
te, como o veto ao direito de voto de militares de baixa patente e dos Políticas por ocasião dos comícios e festividades em praça pública
analfabetos. promovidos pelo pcb, especialmente no Rio de Janeiro e na cidade
de Santos, em função do movimento operário no porto. Por diversas
“(...) Declara a bancada comunista que pleiteou destaque para a emen- ocasiões, os atos públicos encabeçados pelo Partido resultavam em ti-
da número 3.032, do Partido Comunista do Brasil, e que votou contra a roteios e prisões, o que se refletia na atuação dos constituintes comu-
decisão que negou o aludido destaque, por não se poder conformar com a nistas, que ocupavam a tribuna da Assembléia para protestar contra
negação do direito de voto a analfabetos, soldados e marinheiros. os acontecimentos. Não faltavam denúncias de tortura a portuários
Apoiando o indeferimento do destaque mencionado, a ilustre As- sindicalizados e de impedimento de greves. O deputado Jorge Amado,
sembléia, senão na totalidade, pelo menos na esmagadora maioria, assu- diante da interrupção a bala da festa de comemoração do primeiro
miu graves responsabilidades perante o povo. aniversário do pcb na legalidade, teceu ácidas críticas ao novo regime
(...) O golpe de força da maioria que eliminou a votação do direito de democrático, que desde cedo mostrava-se extremamente frágil:
voto a soldados, marinheiros e analfabetos tem o nosso formal desapoio.”
“Sr. Presidente [da Assembléia Constituinte], a voz do Partido Co-
A Constituinte, recorrendo novamente à Giovannetti Netto, não munista será ouvida nesta Casa, porque o Senador e os Deputados comu-
era soberana. Sua atuação se dava num “terreno movediço”, pois estava nistas, com assento nesta Assembléia Constituinte, foram tão eleitos pelo
sob pressões de fortes interesses políticos e econômicos, que buscavam povo como os de outros Partidos.
a manutenção de sua hegemonia e o afastamento da participação po- Seria antidemocrático, humilhante para esta Assembléia Consti-
pular no processo decisório. tuinte, se não podesse [sic], no dia de hoje, depois de tão lamentáveis e

108 o pcb cai no samba o partido comunista à procura das camadas populares 109
lutuosos acontecimentos, ontem ocorridos, ser escutada a voz dos repre- Medidas arbitrárias como esta, de suspensão de um órgão da im-
sentantes de qualquer Partido, especialmente do meu, de tal forma envol- prensa, com base em lei caduca, baixada no período do Estado Novo, em
vido e vítima que é de provocações. Seria humilhante que um Deputado 1938, são, sem dúvida atentados à democracia”.27
comunista não tivesse a liberdade de falar e ser ouvido num ambiente
democrático. Percebendo o pouco espaço para o exercício da sua participação po-
(...) Não vimos para esta tribuna atacar Partidos ou atacar o governo. lítica, o pcb interpreta tal problema como sendo fruto da permanência
Vimos, apenas, para dizer que ontem no Largo da Carioca, a reação e o de elementos fascistas infiltrados no governo Dutra. Tal assertiva im-
fascismo deram mais um passo para que se feche esta Casa do povo, a plicava na necessidade de uma atuação mais contundente, incluindo a
Assembléia Constituinte. Esse é o fim visado pelos provocadores: é o fim realização de campanhas de grande abrangência popular no intuito de
a que se dirigem os os que agridem indefesos cidadãos”.26 combater os resquícios fascistas que penetravam na Constituinte. A ga-
rantia da democratização, na avaliação do pcb, se daria pela eliminação
Quando da apreensão e impedimento, por quinze dias, de circu- daquelas reminiscências e pelo respeito à nova Constituição.
lação do jornal Tribuna Popular, do Partido Comunista, a bancada O jornal Tribuna Popular, matutino do pcb que circulou durante
não poupou críticas, fazendo uso da palavra na tribuna para protes- os anos de legalidade do Partido (1945-1947), revelava em suas pági-
tar contra a decisão do Ministro da Justiça. Maurício Grabois, Jorge nas a preocupação com a sobreposição dos interesses do governo à so-
Amado, Luiz Carlos Prestes, Carlos Marighela se revezavam em pro- berania da Constituinte. Já em fevereiro de 1946, o jornal denunciava
nunciamentos contrários à censura à Tribuna Popular. Prestes enviou na sua primeira página:
telegrama lido para toda a Assembléia Constituinte na sessão de 17 de
agosto de 1946: “Governo tentará impor à Constituinte, hoje, a legalização do
monstro fascista de 1937 – Mas o povo carioca lutará contra esse gol-
“Protesto contra suspensão ‘Tribuna Popular’, até violência estúpida pe baixo do governo, não se conformando com tão criminoso atenta-
que fere imprensa livre e marca um retrocesso inqualificável na redemo- do às liberdades democráticas e à marcha pacífica para a democracia”
cratização do País. Evidencia de tal ato manobra elementos sabotadores (tp, 27.02.46).
democracia infiltrados governo”.
O jornal afirmava que a falta de liberdades democráticas expressa
Maurício Grabois identificava na censura da Tribuna Popular o naquilo que compreendia como manutenção do fascismo, caracterizava
disparate entre o princípio democrático enunciado pela Constituinte um “estado de sítio não declarado” e que faltava apenas “para concre-
e a prática política: tizar a trama reacionária a prisão dos deputados e o fechamento do
Parlamento, como aconteceu nos dias sombrios de 37”.
“Enquanto nesta Assembléia estamos elaborando uma Carta Constitu- O medo do que os comunistas consideravam ser a permanência
cional; enquanto a espectativa [sic] popular se manifesta atravez de grande do fascismo no Brasil, baseados nas interpretações do comunismo in-
afluência a esta Casa; enquanto há o máximo interesse de todos os Srs. Repre- ternacional e na experiência dos movimentos nazifascistas na Europa,
sentantes em que, elaboremos uma Carta que assegure a normalidade Cons- levava à necessidade de se partir para ações concretas nessa nova luta
titucional do País, assistimos ao mesmo tempo, a atos completamente arbi- contra o “fascismo” no país. Na mesma edição da Tribuna Popular,
trários que parecem não levar em conta o trabalho que estamos realizando. também na primeira página, destacam-se:

110 o pcb cai no samba o partido comunista à procura das camadas populares 111
“O mut [Movimento Unificador dos Trabalhadores] denuncia ma- emendas ao Projeto de Constituição que tinham como ponto central
nobra dos remanescentes fascistas”; “[... ] Fala-nos a direção do mut Na- questões relacionadas à cultura.
cional acerca dos acontecimentos verificados nas minas do Rio Grande Dos constituintes comunistas, Jorge Amado foi o que mais inten-
do Sul; Urge revogar a Carta fascista de 37; Apelo à solidariedade do samente se debruçou sobre a questão cultural. Uma das questões mais
proletariado”. caras para o escritor baiano, eleito por São Paulo, era a liberdade reli-
giosa. Foram muitos os pronunciamentos contrários a determinadas
Jorge Amado, em comício realizado em Santos, comparava a práticas que, na ótica do constituinte comunista, feriam o direito de
repressão ao movimento operário santista ao período do Estado Novo, liberdade de credo. Jorge Amado, assim como Maurício Grabois era
apontando na nova Constituição a reprodução da “Polaca”: contrário, por exemplo, à invocação da “proteção de Deus” no preâm-
bulo da Constituição,31 além de severas críticas às propostas de adoção
“O povo e o proletariado de Santos, especialmente os bravos estiva- do ensino religioso nos colégios.
dores das docas santistas, vivem sob o terror e as mais absurdas amea- São inúmeros os pronunciamentos do escritor baiano atribuindo o
ças, como se estivéssemos não em 1946, após a derrota do nazi-fascismo, baixo nível cultural do povo à situação de dependência econômica do
mas em pleno 1937 quando o ascenço [sic] mundial do fascismo ditava o país frente ao capital estrangeiro. Como solução do problema cultu-
monstrengo intitulado de Constituição de 1937. (...)”.28 ral, era preciso resolver as desigualdades econômicas:

A historiografia encarregou-se de superar as considerações de que “Não tenhamos ilusões de resolver os problemas culturais do Brasil,
o Estado Novo tenha sido uma experiência do fascismo no Brasil.29 O de liquidar ou diminuir sensivelmente o índice humilhante de analfabe-
conservadorismo e o autoritarismo do governo Dutra, portanto, estão tos do nosso país, enquanto mantivermos o povo em tal estado de miséria
longe de serem encarados pelos pesquisadores como resquícios do fas- física. (...) Todos nós sabemos que milhares e milhares de crianças não
cismo brasileiro, como pensavam os comunistas no calor dos aconte- vão ã escola porque não têm o que comer e o que vestir e são necessárias
cimentos de 1946. Suas considerações precisam ser avaliadas a partir em casa para ajudar o ganha-pão dos pais, em trabalhos quase sempre im-
da compreensão de que a cultura política comunista, desenvolvida no próprios para a sua idade. E quanto a essa tão falada preguiça do nosso
período imediatamente posterior a ii Guerra, numa situação de clara caboclo, do nosso camponês, que é ela senão o desinteresse nascido da
desestabilização dos comunistas em escala internacional, inclusive no fome, da subalimentação, do estado permanente de miséria, sem uma
Brasil, provoca uma visão de mundo muito particular, que não lhes ofe- única perspectiva, sem nenhuma esperança.
rece outra possibilidade de análise senão a que apontava a ressurgência O nível da nossa cultura aumentará à proporção em que nos liber-
– ou pelo menos a existência de resquícios – do [suposto] fascismo no tarmos de nossa situação angustiosa de semi-colônia, de país produtor
Brasil e que conclamava as massas a se organizarem para impedir que o de matéria-prima, de atrasada economia feudal, de camponeses como
monstro pudesse novamente despertar e aterrorizar o país.30 servos, sem indústria, sem real independência, joguete dos interesses
Examinando mais atentamente a atuação dos comunistas na As- imperialistas. Quando realizarmos a independência econômica de nossa
sembléia Constituinte, percebemos a preocupação das bancadas do Pátria, anseio maior do povo brasileiro”.32
Partido em relação à cultura. Já sob a influência do realismo socialista,
além das orientações do Partido em relação às condições econômicas Resolver a questão econômica superando os “resquícios feudais”
e sociais, eram constantes os discursos, pronunciamentos, moções e não era o bastante para alcançar o desenvolvimento cultural dos bra-

112 o pcb cai no samba o partido comunista à procura das camadas populares 113
sileiros. Havia também a necessidade de utilização de instrumentos idéias do Partido dentro da nova conjuntura que surgia, qual seja, a de
eficazes na educação cultural e política do povo. Cumpria à arte de- sua legalidade proporcionada pela democratização.
sempenhar esse papel político-pedagógico. O autor enfatiza que o novo momento exigia do pcb uma atua-
Na sessão de 19 de junho de 1946, os constituintes foram surpre- ção dentro do respeito irrestrito à lei, não mais admitindo as práticas
endidos com a leitura de um discurso de Jorge Amado em homenagem de divulgação experimentadas durante a clandestinidade do Partido.
a Máximo Gorki, cujo falecimento completava 10 anos. O discurso do O novo trabalho em muito diferia-se daquele executado na ilegali-
escritor brasileiro enfatizava a participação de Gorki na montagem do dade, cuja ênfase era dada ao combate ao nazi-fascismo. Nesse novo
sistema socialista, “que é a abastança, a alegria e a cultura”, sua imagem contexto, Grabois chama a atenção de seus camaradas para a impor-
como símbolo na luta contra o nazi-fascismo, além de destacar a im- tância que o trabalho de divulgação assume na aplicação da linha
portância da arte na transformação política e social: política do Partido.
Diante de uma situação absolutamente nova, era chegado o mo-
“Mestre do romance e do conto, Máximo Gorki foi também em nosso mento que exigia de todos os quadros grande esforço para superar a
tempo dramático, o melhor exemplo do escritor de vida e obra dedicadas falta de experiência na atuação no regime democrático. Nessas con-
à liberdade e à dignidade do homem. Acreditou no ser humano e na sua dições, segundo o autor, cabia ao Partido a tarefa de “desmascarar
missão sobre a terra, a serviço da sua felicidade colocou sua pena. os agentes do capital estrangeiro colonizador, do isolacionismo e do
(...) Jamais, como na obra de Máximo Gorki, nos seus livros e em colonialismo inglês, fazendo com que fique bem claro quem são os
seus artigos, - romances, contos dramas e poemas, discursos e conferên- verdadeiros amigos do povo e quais os inimigos da liberdade e do de-
cias – se provou aquela verdade que afirma que a obra de arte é também senvolvimento progressista em nossa terra”.33
arma do povo em luta por uma vida melhor e mais digna. (...) Nascido Através da imprensa comunista, que atingia o seu auge, ao lado de
camponês na Rússia tzarista, adolescente operário nas suas fábricas, ele outros mecanismos de divulgação, como os discursos proferidos por
teria que ser, quando escritor, o romancista dos operários e campone- Prestes nos comícios do Partido, os comunistas assumiam a tarefa de
ses, o narrados dos seus sofrimentos, das suas dores, e também das suas levar informação às massas e à classe média, cumprindo o que Grabois
esperanças e suas lutas”. considerava ser o seu “papel decisivo no curso dos acontecimentos”.34
Maurício Grabois enfatiza o trabalho de divulgação como uma forma,
sobretudo, de organização das massas, conforme preconizava Lênin:

3 . 3 – a impr en sa co mu n ista e o encon t ro “O papel do jornal não se limita, sem dúvida, a difundir idéias, a educar
d o Pa rt id o co m as m ass as politicamente e a ganhar aliados políticos. O jornal é não só um propagan-
dista e um agitador coletivo, mas também um organizador coletivo.
Maurício Grabois escreve, em agosto de 1945, o informe de divulga- (...) Só a tarefa técnica de assegurar a necessária provisão de materiais
ção ao Comitê Nacional do Partido Levemos às Massas nossa Linha para um jornal e a sua difusão obrigará a criar uma rede de agentes locais
Política, um dos mais importantes documentos para a compreensão dum Partido único, que manterão entre si contato vivo, que conhecerão o
da estratégia de divulgação do Partido comunista. Nas suas 29 pági- estado geral das coisas, que se acostumarão a exercer regularmente funções
nas, o libreto, publicado pelas Edições Horizonte, de propriedade do parciais dentro do trabalho geral de toda a Rússia, que irão pondo à prova
pcb, traz uma reflexão de Grabois sobre o papel da divulgação das as suas forças na organização de diversas ações revolucionárias”.35

114 o pcb cai no samba o partido comunista à procura das camadas populares 115
Na atividade de organização e agitação das massas, o autor de dos os problemas para todos os sociais-democratas russos que defendam
Levemos às Massas nossa Linha Política enumera uma série de tarefas pontos de vista dos mais diversos matizes. Não só não recusamos a polê-
a serem cumpridas pelos membros do Partido, os intelectuais orgâ- mica entre camaradas nas páginas dos nossos órgãos, como, pelo contrá-
nicos, se quisermos utilizar a terminologia gramisciana. Cabia aos rio, estamos dispostos a dar-lhe o maior espaço”. 36
intelectuais orgânicos a tarefa de dividirem-se estrategicamente para
organizarem ações que transformem os jornais do Partido em orga- Assim, o órgão central do Partido, o jornal A Classe Operária, de-
nismos de massa, preparando, por exemplo, ações entre amigos, re- veria ter como função:
alizando coleta de recursos entre amigos e simpatizantes; promover
festas e conferências que gerem recursos para os jornais; ampliar o “Ensinar aos camaradas de todos os organismos a trabalhar dentro do
espectro de anúncios para angariar fundos e garantir uma circulação Partido e fora dele. Explicar as questões que se referem à organização, so-
mais ampla. bre a nossa estrutura orgânica, sobre a nossa política de quadros. Ajudar o
Aos intelectuais do Partido estava reservada a tarefa de alfabeti- Partido, desde as bases até as direções, a realizar o trabalho de divulgação.
zarem os camaradas iletrados e ministrarem “aulas de conhecimen- Procurar manter as tradições gloriosas da imprensa do Partido”. 37
tos gerais”. Também lhes era atribuído o papel de “escrever sobre
as nossas questões, trazendo ensinamentos aos nossos membros e Os jornalistas e escritores da imprensa comunista deveriam compor,
educando-os no espírito do marxismo-leninismo”. Grabois, imbu- de acordo com Lênin, “um estado-maior”, formado por “especialistas
ído da concepção leninista de imprensa, falava da necessidade de correspondentes, um exército de repórteres social-democratas” que
criação de uma revista, de caráter teórico, para ajudar na formação criassem uma rede de articulação em toda a parte, “sabendo penetrar
dos quadros através da transcrição de estudos marxistas publicados em todos os ‘segredos de estado’ (...) um exército de homens obrigados
em outros países e da publicação de textos dos intelectuais comu- “pelas suas funções” a ser omnipresentes e omniscientes” [sic]. 38
nistas brasileiros. Segundo Lênin, a revista cumpre o papel propa- Pode-se afirmar que no Brasil, a especialização dos jornalistas que
gandístico, enquanto o jornal deve estar voltado para a organização trabalhavam nos órgãos de imprensa do Partido, recomendada na te-
e agitação das massas. oria leninista, em certa medida fora alcançada. Isso se deve ao fato de
que, segundo o jornalista Paulo Motta Lima, histórico colaborador
“A distribuição dos temas e dos problemas indicados, entre a revista e dos jornais do Partido,
o jornal, efetuar-se-á em razão das diferenças de extensão dessas publica-
ções e pela diversidade do seu caráter: a revista deve servir com preferên- “As pessoas que trabalhavam em nossos jornais raramente conseguiam
cia à propaganda, o jornal à agitação. trabalhar noutro jornal. Era muito comum a pessoa ter necessidade de
Devemos esforçar-nos por criar uma forma superior de agitação atra- trabalhar em mais de um jornal (...) porque os nossos jornais sozinhos,
vés do jornal, o qual registrará periodicamente as queixas dos operários, geralmente não davam para sustentar ninguém. O fato de trabalhar num
as greves e outras formas de luta proletária e todas as manifestações de jornal comunista era uma espécie de barreira para poder trabalhar noutro
opressão política em toda a Rússia e que, de acordo com os objetivos fi- jornal não comunista”. 39
nais do socialismo e com as tarefas políticas do proletariado russo, tire
conclusões de cada acontecimento. O trabalho de divulgação, entretanto, não deveria restringir-se à
(...) queremos que os nossos órgãos sejam órgãos de discussão de to- palavra impressa. Nem à imprensa comunista. Antônio Rubim nos

116 o pcb cai no samba o partido comunista à procura das camadas populares 117
lembra da política comunista de influência de outros veículos, que do, pelos grandes ensinamentos que contêm sobre a atual posição política
funcionava como recurso à maximização da comunicação do Parti- do Partido e sobre os vários problemas nacionais”.
do.40 Outra alternativa para a divulgação, no entender de Grabois,
seria a intensificação de palestras, a serem realizadas nas fábricas e em Ainda faziam parte do processo de capacitação intelectual dos
outros locais de trabalho; a realização de vários comícios, que atraíam quadros do Partido o estudo de questões locais e internacionais para
grande número de espectadores e que produziram resultados memo- debates acerca dos problemas nacionais e estrangeiros, assim, os ca-
ráveis para os comunistas, como os famosos comícios de 1945 nos es- maradas estariam aptos a por em prática a propaganda do Partido,
tádios do Pacaembu, em São Paulo e de São Januário, no Rio de Janei- discutindo os problemas que afligem as massas e atingindo-as. Nas
ro, sendo Luiz Carlos Prestes ovacionado em ambas as ocasiões. palavras de Lênin,
Os discursos em público também são apontados por Grabois como
eficientes instrumentos de divulgação. Neste aspecto, o autor refere- “Um propagandista (...) deve dar ‘muitas idéias’, tantas que todas es-
se especialmente aos discursos de Prestes proferidos nos comícios e sas idéias, no seu conjunto, só poderão ser assimiladas no momento por
em outras ocasiões e que são publicados em folhetos pelas editoras poucas pessoas.
comunistas e vendidos aos trabalhadores. O discurso do comício de (...) o agitador tomará um exemplo, o mais flagrante e mais conhecido
São Januário, segundo Grabois, foi publicado numa tiragem recorde do seu auditório (...) e aproveitando este fato conhecido por todos, fará
de 170 mil exemplares. todos os esforços para inculcar nas massas uma só idéia: a idéia do absur-
Os manifestos publicados em todo o país, os painéis e cartazes, es- do da contradição entre o aumento da riqueza e o aumento da miséria;
tes últimos utilizados nas campanhas eleitorais, “mobilizando pintores, (...) cabe ao propagandista o cuidado de dar uma explicação completa
desenhistas e artistas amigos do Partido”, são apontados como outros desta contradição. É por isso que o propagandista atua principalmente
recursos de divulgação do pcb nesse novo contexto de atuação dentro por meio da palavra impressa”.43
da legalidade e praticamente inédito na história do Partido.41
Embora os comunistas dispusessem de razoáveis recursos mate- Cumpria às editoras comunistas uma tarefa elementar no proces-
riais para o seu trabalho de imprensa e divulgação, Maurício Grabois so de capacitação intelectual dos membros do pcb. A publicação, a
criticava duramente os recursos humanos, apontando falhas no tra- pleno vapor, de novos títulos e de edições revistas e mais bem cui-
balho de divulgação devido à baixa capacitação teórica dos quadros. dadas, em língua portuguesa, superando as edições não autorizadas,
Para ele, era necessário realizar um sério trabalho de preparação inte- em sua maioria publicadas em espanhol, eram essenciais para o pro-
lectual dos membros do Partido, desde a base até a direção, para que jeto do Partido.
houvesse um “melhoramento do nível político, teórico e ideológico O quadro abaixo baseia-se num anúncio das Edições Horizonte,
de seus quadros”. Para isso, propunha o estudo individual dos clás- publicado na contracapa de Levemos às Massas nossa Linha Política.
sicos do marxismo, a edição urgente de livros e estudos teóricos “de Além da publicação de livros e panfletos, as Edições Horizonte tam-
maior atualidade”, a discussão da linha política do Partido, conside- bém anunciavam a venda de “retratos de Prestes cr$2,00 – uma foto
rando que: de Ruy Santos”.44

“(...) os discursos de Prestes, os nossos Estatutos, os artigos de nossa


imprensa precisam ser bem discutidos em todos os organismos do Parti-

118 o pcb cai no samba o partido comunista à procura das camadas populares 119
Grabois via nas Edições Horizonte um importante meio de edu-
cação do povo:

quadro 1 “O seu objetivo é fazer divulgação científica, difundir biografias de


homens e heróis do Brasil e do Mundo [sic], publicar pequenas obras
Edições Horizonte Ltda. literárias, estudos sobre os problemas nacionais e pequenos trabalhos
Uma editora a serviço do povo marxistas”.45

série t ít ulos e au tores Considerada a mais importante de um total de 24 editoras comu-


As grandes reportagens O Teatro Soviético na guerra – Henry W. nistas, a Editorial Vitória possuía uma estrutura bastante considerável,
da guerra Longfellow Dana funcionando como uma empresa, articulada com gráficas, distribui-
Clássicos do Marxismo Manifesto Comunista – Marx e Engels; doras, livrarias e mantendo um quadro de “funcionários e vendedores
Luta contra o Trotskismo – Stálin; profissionalizados, além de uma direção oficial. Subterraneamente
Do Socialismo Utópico ao Socialismo existe outra direção, subordinada à direção do Partido, que em verda-
Científico – Lênin. de dita a orientação político-cultural da editora”.46 Com 57.000 volu-
Problemas Nacionais União Nacional para a Democracia e o mes editados em um ano de atividade, a companhia, que em 1948 in-
Progresso – Luiz Carlos Prestes; corpora a Edições Horizonte, concentrava-se na publicação de livros
Organizar o Povo para a Democracia – de cultura geral, cuja finalidade era, nas palavras de Grabois, “elevar o
Luiz Carlos Prestes nível intelectual da massa e de nossos quadros em particular”.
Cultura Popular A Arte Infantil na União Soviética; Num exercício de autocrítica, muito comum à prática comunista,
Patriotismo (Teste Histórico) – N. Baltizky Maurício Grabois aponta falhas no trabalho de divulgação durante a
Sabatinas Os Comunistas e a Religião – Luiz Carlos ilegalidade. Para ele, os comunistas deveriam ter melhor aproveitado
Prestes; os espaços abertos pelos jornais burgueses para convocarem as massas
Os Comunistas e o Monopólio da Terra – para uma reflexão sobre a situação do país. O autor também percebe
Luiz Carlos Prestes falhas na linguagem utilizada pelos camaradas para se comunicarem
História A Grande Revolução Francesa – E. Tarle; com as massas, apontando a falta de objetividade e clareza nas expo-
Tiradentes – herói popular – Brasil Gerson sições e a superficialidade com que os temas eram abordados, dada à
Informes Os Comunistas na Luta pela Democracia – má formação política dos quadros do Partido. Teria faltado, também,
Luiz Carlos Prestes; Forjemos um Poderoso “concisão, espírito de síntese e sensibilidade diante do povo.”
Partido Comunista – Arruda Câmara; A proposta de Grabois para a superação dos problemas, além
O PCB na Luta pela Paz e pela Democracia do forte impulso nas atividades editoriais, da capacitação teórica e
– Luiz Carlos Prestes prática dos quadros do Partido, da divulgação das obras de cultura
Literatura Homens e Coisas do Partido Comunista – marxistas e do material político do Partido, e da captação de recur-
Jorge Amado sos para as publicações em todo o Brasil, era uma mudança na forma
de lidar com as massas. Fazia-se necessário adotar um tratamento

o partido comunista à procura das camadas populares 121


especial para uma melhor comunicação com as camadas proletárias e Vitória, o Natal da Vitória e as festas juninas, realizados com sucesso
camponesas da sociedade. Nessas condições, deveriam ser adotados no início dos anos 1940 e que mobilizaram um grande público.
meios que permitissem a comunicação com os analfabetos, maioria
absoluta da população brasileira na década de 1940, e as massas se- “Utilizando-se as mais variadas diversões, levantaram-se recursos
mi-alfabetizadas. São as seguintes as sugestões do autor no tocante para a ajuda a FEB, fez-se propaganda contra o fascismo e pela democra-
aos camponeses iletrados: cia, defendeu-se a necessidade de manter a frente interna sólida enquanto
nossos bravos ‘pracinhas’ lutavam na Europa. Os alto-falantes e o cinema
“Sem dúvida o rádio, o cinema e o disco de vitrola constituem os me- ao ar livre muito ajudaram a propaganda. Embora esses festejos não se
lhores veículos de propaganda entre analfabetos. Neste sentido já demos tenham realizado sob os auspícios do Partido, este deve aproveitar todas
alguns passos com o fim de criarmos um departamento de cinema do as suas experiências”.50
Partido (...) .47
Estamos também providenciando uma grande tiragem de um alma- Uma das formas de intervenção político-cultural do Partido Co-
naque, bem ilustrado contendo matéria de propaganda comercial para munista, conforme observa Rubim, se dá “através dos bens simbólicos
que possa ser distribuído gratuitamente, que terá, ao lado de conselhos produzidos e difundidos por sua imprensa”, porém, “não se circunscre-
úteis aos trabalhadores do campo, relatos sobre as lutas populares no Bra- ve a boletins, jornais e revistas, locus privilegiado de sua atividade”.51
sil e as lutas sociais da humanidade, o programa do Partido, a vida de A mobilização dos intelectuais e artistas no projeto comunista de or-
Prestes, a marcha da Coluna, etc. ganização do campo político e cultural representava uma tentativa de
É muito comum no interior a existência de serviços de alto-falantes. rastreamento da
Eles precisam ser utilizados por nós, assim como automóveis que dispo-
nham de instalações de alto-falantes. Cada Comitê Estadual e o Comitê “completude da rede de equipamentos e recursos, materiais e huma-
Municipal deve lutar por possuir o seu alto-falante. Grupos de artistas nos, destinados à produção, distribuição, circulação e consumo da cultu-
amadores, que excursionam pelo interior, poderão ter grande influência na ra, tecida pelo Partido e pelos intelectuais a eles associados. Na música
divulgação da nossa linha política entre as massas analfabetas do Brasil”.48 popular, carnaval e escolas de samba; na música erudita; em corais; em
teatro; no rádio (...); no campo da fotografia; em atividades educacionais;
No espaço urbano, as sugestões de Maurício Grabois estão rela- em congressos, conferências, seminários e encontros culturais; no lazer e
cionadas à criação de quadros operários de divulgação, para que estes nos esportes; enfim, nos mais diversificados espaços da cultura e da arte a
levem para o Partido a sua experiência no contato com os trabalha- teia do PC penetrou com maior ou menor eficácia e deixou vestígios”.52
dores. Também sugere uma atenção especial aos oradores proletários,
os quais “têm mais facilidades de expressar os anseios das massas e são Embora muito breves, os anos de legalidade do Partido Comunis-
por elas melhor compreendidos”.49 As estratégias de propaganda do ta são uma rica fonte de estudos sobre o relacionamento do Partido
PCB nas cidades são bastante variadas, provocando o uso de dife- com a cultura popular. Nesse período, os vestígios dos quais nos fala
rentes métodos de divulgação. As diversões populares são percebidas Rubim, são claramente perceptíveis, revelando um ambicioso projeto
como excelentes canais de veiculação do programa dos comunistas. do pc junto às camadas populares.
Grabois sugere que sejam repetidas as experiências dos camaradas que
participaram na organização de festas patrióticas, como o Carnaval da

122 o pcb cai no samba o partido comunista à procura das camadas populares 123
c ap ít ul o 4

Samba, o ópio do povo?

“O Secretario Geral do Partido Comunista do Brasil falou da urgente


necessidade da organização do povo, sindicatos, comitês democráticos,
clubes esportivos e associações recreativas. Quanto a estas últimas,
especialmente no que se referia às Escolas de Samba, tornava-se indis-
pensável uma proteção maior, por parte do governo. O samba, frisou Pres-
tes, é musica e arte do povo, merecendo todo o estímulo e apoio dos poderes
públicos.” (Tribuna Popular)

“Quanto mais candidatos da Chapa Popular eleitos, tanto melhor para


aquelas Escolas [de samba] e [grandes] sociedades.”(discurso de Vespasiano
Lyrio da Luz, candidato a vereador pelo Partido Comunista)

S e em 1 9 3 6 o g ov er n o b r a s i lei ro s e u t i li z ava
das escolas de samba, em particular a Mangueira, como instrumento
de divulgação dos seus interesses junto aos nazistas, cuja fórmula viria
a se repetir em diferentes contextos, a esquerda também não deixaria
de recorrer a esse expediente, reconhecendo a expressividade e noto-
riedade que as escolas de samba vinham adquirindo. Um dos exemplos
mais significativos é o artigo de 1936, do jovem Carlos Lacerda, à épo-
ca um fervoroso militante comunista, para o jornal Diário Carioca:

“O samba nasce do povo e deve ficar com ele. O samba elegante das
festanças oficiais é deformado: sofre as deformações na passagem de mú-
sica dos pobres para divertimento dos ricos. O samba tem de ser admirado

125
onde ele nasce, e não depois de roubado aos seus criadores e transforma-
do em salada musical para dar lucro aos industriais da música popular.
O samba é música de classe. O lirismo da raça negra vive nele. Uma
estupenda poesia surge dele. A força criadora da classe que vai transfor-
mar o mundo brota nele aos borbotões na improvisação, na cadência, no
ritmo. É’ preciso defender o samba contra as concepções de seus defor-
madores, que preferem mostrá-lo como curiosidade exótica. O samba não
é exótico. É humano. É uma expressão de arte viva. Defenda-se o samba.
Defenda-se o sambista. Quando os oprimidos vencerem os opressores, o
samba terá o lugar que merece”.1

Essa apropriação do que chamamos de mundo do samba pelas


elites políticas, tanto de direita quanto de esquerda, se sustenta num Fig. 4 – Entremeados por notícias
relacionadas à política nacional e
mesmo fundamento construído entre os anos 20 e 30, ao qual nos re-
internacional, diferenciando-os das
feríamos anteriormente. Ambas as tendências concebem o samba e o amenidades publicadas nas colunas
carnaval como símbolos da brasilidade, sínteses das coisas nacionais. destinadas ao samba, eram abordados
também assuntos referentes às
A apresentação do que havia de autenticamente brasileiro, “coisa nos- condições de vida das comunidades;
sa”, aos alemães, como fizera Vargas em 36, seria equivalente, a rigor, à criticava-se as políticas públicas em
idéia de que o samba é música de classe e de que traz em si o lirismo de torno das populações de baixa renda e,
sobretudo, conclamava-se esse grupo
uma raça oprimida, como preconizava Lacerda. Em ambos os discur- social a vislumbrar o Partido como
sos, prevalece a valorização do popular como elemento de inventivida- representante e porta-voz legítimo
de, dignidade e beleza e de retrato genuíno do País. de seus interesses. A solução para
os problemas sociais, apontados nas
Essa tradição até hoje valorizada, foi perfeitamente incorporada reportagens, estava na eleição dos
pela esquerda, em especial pelo Partido Comunista, objeto de nossas membros do PCB e na adesão das
comunidades carentes ao comunismo.
preocupações nesta dissertação, influenciando diretamente as suas ati-
A visita a essas comunidades, com a
tudes e diretrizes políticas em relação às massas, mesmo em períodos proximidade das eleições de 1947,
distantes do carnaval. Aqui o sambista passa a ser identificado como passaram a ser freqüentes, todas elas
respaldadas pelo discurso sobre a
retrato de um povo sofrido, porém feliz, criativo e talentoso, mas so- importância dessas comunidades no
bretudo, mais uma vez recorrendo ao discurso de Lacerda, como com- cenário cultural brasileiro.
ponente de uma classe, portadora de um enorme potencial revolucio-
nário por ela desconhecido, o que muito interessará ao Partido. Era,
pois, chegada a vez do samba entre os camaradas.

126 o pcb cai no samba


4 . 1 – um a t r ibu na pop ul ar e das mais amplas camadas populares. Para isso, é indispensável que se
desenvolva cada vez mais, superando as suas dificuldades, até chegar a ser,
Com o crescimento vertiginoso da imprensa comunista – “dentro da no mais curto prazo, o mais completo porta-voz do povo”.2
legalidade”, como enfatizava Maurício Grabois – surge, a partir de
1945, a Tribuna Popular, periódico que rapidamente alcançou gran- Fundada em 22.05.1945, a Tribuna Popular circulava diariamente,
de importância na estratégia de divulgação e de aproximação do pcb exceto às segundas-feiras, como todos os matutinos da época, devido
com as massas. Ao lado do órgão central do partido, A Classe Operá- ao fechamento das gráficas aos domingos, ou quando era impedido de
ria, depois chamado de Voz Operária, a Tribuna Popular, mais tarde circular por decisão da censura, como durante toda a segunda quinze-
Imprensa Popular, funcionava como o porta-voz do pcb junto ao ope- na de agosto de 1946, período em que a Tribuna fazia críticas contun-
rariado e ao homem do campo. Para os segmentos intelectualizados da dentes à polícia política e ao governo Dutra.
sociedade, publicações como a revista Literatura cumpriam o papel de O jornal, de oito páginas, com uma tiragem que chegou a alcançar 50
divulgação das idéias do Partido. mil exemplares,3 combinava notícias advindas das agências comunistas
internacionais, especialmente da imprensa russa, com matérias locais,
“TRIBUNA POPULAR – Jornal de massas – A grande arma de nos- privilegiando o movimento operário, mas também reservando espaço
sa divulgação é, sem dúvida, um diário de massas. Ele é o veículo número para as lutas camponesas, duas questões centrais para os comunistas.
um de nossa linha política no meio do povo. É tão vital para o Partido Ao lado de matérias a respeito de greves de operários, de alertas à po-
como para nós o ar que respiramos. A sua falta nos ocasionou no passado pulação contra os perigos do retorno do nazi-fascismo ou de notícias de
sérias dificuldades e facilitou o envenenamento de parte da opinião públi- lugares tão distantes quanto variados, como a do aumento do custo de
ca pela imprensa, a serviço dos reacionários nacionais e do isolacionismo vida na Grécia, o espaço do entretenimento era substancial, assumindo
norte-americano, que tenta confundir as massas e lança o germe do golpe também a sua função política, em conformidade com as determinações
e da desunião entre o povo, principalmente entre a classe média. do Partido de construir uma política cultural para a sociedade.
Um grande jornal de massas é um fator decisivo para a marcha do O cinema e o teatro tinham um espaço fixo no jornal. A progra-
Brasil no sentido da democratização. A nossa conhecida e querida ‘Tri- mação dos cines e casas de espetáculo da cidade do Rio de Janeiro era
buna Popular’ está cumprindo, apesar de suas naturais debilidades, a sua divulgada diariamente acrescida de comentários críticos a respeito do
tarefa de organizar, educar e estimular o proletariado e o povo na luta conteúdo dos filmes. A crítica pautava-se na ideologia político-parti-
pela unidade, pela democracia e pelo desenvolvimento pacífico em nossa dária, atendendo aos preceitos do realismo socialista:
terra. Em suas colunas, os trabalhadores, os homens do povo e a classe
média encontram um defensor dos seus legítimos direitos. Nas páginas da “E sob o céu da China: O filme, ao invés de mostrar a resistência do
‘Tribuna Popular’ o povo aprende a se organizar e lutar dentro da orien- povo e do exército vermelho chinês, se resume à história de um simples
tação política do Partido. No entanto, nosso jornal de massas tem ainda triângulo amoroso durante a guerra. Esse filme, contando não seja muito
que se desenvolver bastante para satisfazer as necessidades do Partido, do bom no gênero, poderá agradar”.4
proletariado e do povo. Precisa ocupar um lugar fundamental na luta pela
realização de nossas tarefas e pela formação de um grande e poderoso Par- A preocupação dos comunistas em relação ao cinema e ao teatro
tido, profundamente ligado às massas. Necessita ser o maior auxiliar dos não se restringia à crítica de filmes. Em pleno auge do funcionamento
organismos partidários nas suas tarefas de mobilização da classe operária da vasta teia de comunicações montada pelo pcb, ainda que de forma

128 o pcb cai no samba samba, o ópio do povo? 129


limitada, os comunistas também se lançaram na produção, distribui-
ção e exibição de filmes. Nos primeiros anos de redemocratização, di-
versos curta-metragens foram produzidos, desempenhando o papel de
cinejornal, extensão da Tribuna Popular nas telas. Também surgia nes-
se contexto a produtora Liberdade Filmes, criada por Oscar Niemayer
e Rui Santos, responsável pelo documentário O comício de Prestes do
Pacaembu, de 1946, pelo longa-metragem 24 anos de luta, com de-
poimentos de Astrojildo Pereira, Prestes, Jorge Amado, entre outros
comunistas5 e pelo registro em película de um desfile das escolas de
samba, organizado pelo Partido, em 15 de novembro de 1946, do qual
trataremos mais tarde.
Se a boêmia não era bem vista pelos comunistas, como atesta Mário
Lago,6 o teatro de revista, que ainda gozava de grande popularidade,
embora já tivesse conhecido tempos melhores, ao contrário, não era
um empecilho para o Partido. A própria Tribuna Popular publicava
anúncios de revistas musicais, como Eu Quero é Rosetar, o maior desfile
político carnavalesco na mais carnavalesca das revistas, abordando te-
mas ligados ao clima político do momento,7 e Eu Quero é Confusão, que
prometia um espetáculo de críticas políticas. Em ambos os anúncios,
lia-se a referência “revista política”, um recurso que compatibilizava as
revistas musicais – com as características do jornal e do Partido.
Compatibilidade maior entre a linha política do partido e bens
de consumo não poderia haver, como é o caso do Sabão Russo, con-
tra erupções, espinhas e panos, ou dos perfumes Cavaleiro da Espe-
rança, “a marca dos mais finos perfumes”. Ao comprar por atacado
produtos da marca Cavaleiro da Esperança, na Perfumaria Meu So- Fig. 5 – Folheto da bancada
nho, o consumidor era contemplado com folhinhas com retrato de comunista, com o Senador Luiz
Carlos Prestes em destaque,
toda bancada comunista. concedido pela Perfumaria
Se em 1942 o jornal O Globo publicava anúncio de fantasias da casa Meu Sonho, que comercializava
os perfumes Cavaleiro da
A Exposição sugerindo os modelos de marinheira e fuzileiro estilizado,
Esperança. (1946). O mesmo
a Tribuna Popular, por seu turno, veicula anúncio da loja Inovação: encontra-se nos arquivos da
polícia política. (Fonte: Arquivos
da Relação. Rio de Janeiro:
“Freqüente os grandes bailes de carnaval com a fantasia Marmiteiro.
FAPERJ, 2000, p. 22).
A fantasia oficial do carnaval de 1946! Para brincar à vontade... com ele-
gância e comodidade!... Em brim refrigerado picolet a fantasia mar-

130 o pcb cai no samba


miteiro é confeccionada em todas as cores. Para senhoras em modelo O pcb, principalmente por meio de sua imprensa, mas não somen-
short ou slack e que depois do carnaval é uma elegante roupa esportiva.” te através dela, procura abarcar uma variedade de campos artísticos
e culturais, consolidando o seu projeto de intervenção político-cul-
Mas nem sempre os anúncios eram “engajados”, isto é, havia publi- tural. A Tribuna Popular era um lugar fundamental na viabilização
cidade alheia a qualquer tipo de vinculação entre a ideologia do jor- desse projeto, pois destinava-se a uma camada social que, no entender
nal (e do Partido) e o produto em questão: anunciava-se na Tribuna dos comunistas, desconhecia o seu papel transformador no processo
também – e principalmente – pelo fato dela ser Popular. Dentaduras, histórico, carecendo de ações educativas e conscientizadoras. A arte e
gravatas, vestidos de noivas a preços baixos, elixires contra calvície, pa- a cultura, nesse sentido, desempenhariam uma função primordial.
letós sob medida, terrenos, colégios, “gotas da juventude” e até revistas
musicais, com fotografias de vedetes em sua característica performan-
ce levantando as saias, sem qualquer referência a críticas políticas.
Um dos elementos de grande identificação da Tribuna com o po- 4.2 – o sa m ba sob e a Tr ib u na
pular era o espaço reservado ao futebol, àquela altura já o esporte da
preferência nacional, sendo-lhe dedicada diariamente quase uma pági- O samba, a esta altura reconhecido pelos comunistas como uma das
na inteira. Famosos jogadores de futebol gozavam de grande prestígio maiores formas de expressão artística popular, conforme analisado
na Tribuna, que também trazia, em menor proporção, informações nos capítulos anteriores, também estava representado nas páginas da
sobre voleibol, tênis, natação e turfe. Tribuna, através das colunas O povo se diverte e O samba na cidade,
As notas sociais – casamentos, aniversários, batizados – também que, mesmo distante do período do carnaval não deixavam de ser pu-
tinham o seu espaço garantido no periódico comunista, assim como blicadas, ainda que surgissem esporadicamente, tornando-se diárias
a coluna ...e a caravana passa..., especializada em piadas e mexericos entre os meses de dezembro e março.
sobre políticos e personalidades em evidência. Tudo isso diferenciava Sob os auspícios dos cronistas Satanaz, Grisu e Calunga,8 a co-
consideravelmente a Tribuna dos demais veículos de divulgação do luna O povo se diverte funcionava como um espaço de divulgação de
Partido Comunista, como estratégia para atingir (e)leitores, que não assuntos ligados aos interesses de clubes, escolas de sambas e outras
exercem, recorrendo à categoria de Gramsci, a função de intelectuais entidades recreativas. Notas sobre a agenda e os preparativos dos bai-
na sociedade. les carnavalescos nos clubes, convocações para as tradicionais batalhas
Os produtos culturais eram assuntos recorrentes nas páginas da de confete, cartas de leitores relacionadas a assuntos pertinentes ao
Tribuna Popular, que reafirmava com freqüência a importância dos carnaval, homenagens recebidas pela Tribuna Popular por parte das
bens culturais como instrumentos de divulgação e educação política agremiações, enfim a cultura popular, em especial o mundo do samba,
do povo, consolidando o projeto político-cultural do pcb. A seção A encontrava na coluna O povo se diverte um espaço de participação e
literatura e a vida, escrita por intelectuais, que nos anos de circulação representação.
da Tribuna Popular estavam em massa no Partido Comunista, trazia
crônicas de Pablo Neruda, Graciliano Ramos e outros intelectuais co- “Para que paguem as passagens do bonde nos dias de folia
munistas. Para as crianças, o jornal preparava um suplemento especial, Condutor Roberto Davi pede publicação nesta coluna para que não
que circulava aos domingos, com jogos e sabatinas, procurando inserir deixem de pagar as passagens. Diz o seguinte: “Aproximam-se os 3 dias de
os pequenos, de forma lúdica, na filosofia comunista. Carnaval, e sendo este o da ‘Vitória’, terá maior animação que nos outros

132 o pcb cai no samba samba, o ópio do povo? 133


anos. Para nós, entretanto, será um verdadeiro suplício, porque os foliões, cargo de cada agremiação decidir pela participação ou não do desfile.
na sua quase totalidade jovens folgazões, não nos pagam as passagens”.9 Os jornais, que costumavam realizar uma ampla cobertura dos desfi-
les, não enviaram repórteres para o local da apresentação. O vesperti-
A carta do angustiado condutor de bonde é um indício da forte expec- no O Jornal assim descreveu o clima reinante:
tativa criada em torno do carnaval de 1946, que deveria ser um período
de grande catarse social, por se tratar do primeiro carnaval do pós-guerra “O carnaval deste ano será mais triste. Estamos em guerra, atingidos pela
e da volta (?) da democracia no Brasil, tendo sido batizado de Carnaval crise mundial, e aquela alegria contagiante do carioca desapareceu, surgin-
da Vitória, em alusão à cultura política do momento. O clima de euforia do uma nítida compreensão do momento que atravessa a humanidade”.11
construído pelos promotores da festa com a ajuda dos veículos de comu-
nicação também é veiculado pela Tribuna Popular, aparentemente con- Em fevereiro de 1945, a Guerra dava sinais de que caminhava para
trastando com manchetes que aterrorizavam os comunistas. o seu término. Os foliões iam para as ruas e salões brincar o carnaval
Um dos assuntos mais recorrentes e importantes para a Tribuna que marcaria o fim do período dos “Carnavais de Guerra”, caracteriza-
Popular no período 1945-46 era a necessidade de se banir o que os dos por enredos patrióticos, que estavam diretamente ligados à propa-
comunistas chamavam de resíduos do nazi-fascismo no Brasil e preve- ganda e às campanhas nacionalistas do período.
nir-se contra a volta do autoritarismo, lançando-se numa maciça cam- O espaço dedicado pela Tribuna Popular ao Carnaval da Vitória
panha pela revogação da Carta Constitucional de 1937, apelidada de era bastante considerável. Diariamente, no período de dezembro a fe-
o Monstrengo Fascista, conforme abordamos no capítulo 3. vereiro, o jornal publicava matérias referentes à festa.
Ainda que estivessem apreensivos quanto à possibilidade de retor- Na Coluna O povo se diverte, de 10.02.46, a Tribuna posicionava-
no do autoritarismo, criando forte tensão entre os comunistas, estes, se em defesa da participação das crianças nos festejos carnavalescos,
com a proximidade do carnaval, procuravam voltar as suas atenções uma proibição feita através de portaria baixada pelo Juiz de Menores.
também para a organização e promoção dos festejos momescos, que Os argumentos utilizados reforçam a grande expectativa em relação
no ano de 1946 ficaram conhecidos como Carnaval da Vitória, em àquele carnaval, que teria o valor simbólico de restabelecer a alegria
alusão à cultura política do momento. e encerrar um período de profunda tristeza, marcado pela guerra. O
Os carnavais da década de 40 foram marcados pelo tenso clima texto faz referência também à alegria “típica” do carioca, traduzida
político provocado pela Guerra e pela euforia de seu término. O car- na expressão espírito folgazão do carioca e às “legítimas vibrações” do
naval de 1943, com a declaração de guerra do Brasil à Alemanha, seria povo, que no texto representam a dimensão do povo brasileiro, pro-
cancelado. A Prefeitura do Distrito Federal, que subvencionaria a fes- jetando a cultura carioca como a cultura nacional. Embora extenso,
ta, desistiu de seus planos. Também foi cancelada a apresentação das consideramos interessante reproduzir o artigo:
grandes sociedades, dos ranchos e dos blocos. Já as escolas de samba,
aderiram à iniciativa conjunta da Liga de Defesa Nacional e da União “Durante a guerra. A popular instituição dos cariocas, o Carnaval,
Nacional dos Estudantes, que organizaram o desfile no estádio de São desceu a um nível de entusiasmo jamais observado entre nós. Era natural
Januário, em benefício da cantina do soldado combatente, a pedido de no momento em que milhares de pessoas se sacrificavam nos campos de
Darci Vargas, primeira-dama do país.10 batalha para extirpar da face da terra a besta-fera fascista, que nosso povo
No ano seguinte, o carnaval foi festejado sob uma atmosfera de não sentisse qualquer estímulo para se divertir à vontade”.
incerteza e apatia geral. A União Geral das Escolas de Samba deixou a Cessada porém, a guerra, o espírito folgazão do carioca voltou a rea-

134 o pcb cai no samba samba, o ópio do povo? 135


nimar-se criando-se grande expectativa em torno do próximo Carnaval, uma monumental batalha de ‘confetti’, em homenagem à gloriosa f.e.b.
batizado unanimemente o Carnaval da Vitória. A batalha será abrilhantada pela presença de várias escolas de samba, re-
Dispondo sobre a participação dos menores nos próximos festejos presentações de frevo, entre estes os ‘Pás Douradas’. Comparecerão, ain-
carnavalescos, o Juiz de Menores do Distrito Federal vem de baixar uma da, os foliões da ‘Embaixada do Sossego’, ‘Tenentes do Diabo’, etc. Duas
portaria em que se acham contidas várias restrições a respeito. Algumas bandas de música, além de vários conjuntos regionais darão uma nota
dessas medidas são até certo ponto justas, como, por exemplo a que visa alegre à festa. Serão distribuídos vários prêmios ás escolas de samba, às
limitar o horário dos chamados bailes infantis. Outras, porém, são intei- representações de frevo, á fantasia mais original, ao melhor estandarte
ramente injustificadas, como a que se refere à proibição de menores de e ao melhor conjunto. A Batalha da Vitória está sendo organizada por
14 anos tomarem parte em cordões ou préstitos carnavalescos, mesmo de uma comissão de moradores do bairro, em colaboração com a União de
dia. O nosso povo já se habituou ao espetáculo das festividades religiosas, Moradores do Estácio”. 12
com a participação pública de crianças de tenra idade. Nas festas cívicas
ou mesmo nas homenagens de que de vez em quando são objeto alguns “festa popular no largo do assunção
figurões políticos, é comum notar-se a presença de milhares de crianças, Por iniciativa da Célula Herculano, realizou-se ontem, no Largo da
expostas aos rigores do causticante sol, sem que o digníssimo Juiz de Me- Assunção uma festa popular para homenagear o Assunção Futebol Clu-
nores se lembre de tomar qualquer providência. be, Campeão de Futebol de 45 da Liga de Amadores Sul Esportiva. Fez a
De modo geral, a portaria constitui uma tentativa de cercear as legíti- entrega à taça oferecida pelo Comitê Popular local ao club vencedor o Se-
mas vibrações de nosso povo, neste ‘Carnaval da Vitória’ e urge escoimá- cretário Político da Célula Sr. Braulino Ferreira, que exaltou o feito e fez
la de seus senões”. um apelo aos espectadores, no sentido de darem o seu apoio á Autonomia
do Distrito Federal, e á revogação da carta para-fascista de 37.
Outras formas de articulação do posicionamento político do Par- Num palanque ornamentado foram montados vários números do
tido na conjuntura do pós-guerra, via Tribuna Popular, com o carnaval próximo carnaval comparecendo ao local a Escola de Samba Vermelho
eram as homenagens aos pracinhas da feb, a publicação de letras de e Branco e o Conjunto Regional Lourival Pereira. Compareceu o depu-
sambas relacionados à participação do Brasil na Guerra, as visitas dos tado Batista Neto, que fez um discurso, concitando o povo a lutar pela
comunistas às escolas de samba, onde proferiam discursos contrários Autonomia do Distrito Federal”.13
ao nazi-fascismo e divulgavam a linha política do Partido, e a promo-
ção de eventos culturais e esportivos, combinando torneios de futebol Os sambas-enredo para o Carnaval da Vitória e as marchas carna-
com exibições de escolas de samba. Tudo isso contribuía para refor- valescas receberam na Tribuna Popular, no período que antecedia o
çar o clima de ansiedade e expectativa para aquele que prometia ser carnaval, um espaço exclusivo para a sua divulgação. A seção Músicas
um carnaval que inauguraria novos tempos, tempos de paz, no plano de Carnaval publicava regularmente as letras das músicas que seriam
internacional, e de democracia interna, às expensas das ameaças dos cantadas durante os festejos momescos. Os temas das marchas e sam-
resquícios fascistas, como pensavam os comunistas, além de coroar de bas publicados eram, invariavelmente, a vitória das forças democráti-
êxito o trabalho de popularização do pcb. cas contra os nazistas e a participação dos brasileiros na guerra, como
neste samba, de Onésimo Gomes, Edgar Nunes, Horácio Rosário e J.
“batalha da vitória Pereira, publicado na edição de 22.02.1946:
Será realizada, no próximo Sábado, dia 23, na rua Sampaio Ferraz,

136 o pcb cai no samba samba, o ópio do povo? 137


“bravos do monte castelo
Salve os heróis que lutaram
Pela democracia e liberdade
O nome do seu pavilhão honraram quadro ii
Fazendo a tranqüilidade
Em nossos lares voltar
Mais uma Página de Glória
Para exaltar
escol as de sa mba t ít ulo d o en red o
A nossa história
Azul e Branco Cruzada da Vitória
Confirmaram a tradição
Da saudosa geração Estação Primeira A Nossa História
De Caxias a Barroso Conferência de São Francisco
Prazer da Serrinha
Nomes de um passado tão belo
Com orgulho nesta homenagem revelo Não É o Que Dizem Chegada dos Heróis Brasileiros

Império da Tijuca Aos Heróis do Monte Castelo


Mais um feito glorioso
Salve os bravos de Monte Castelo” Unidos da Tijuca Anjos da Paz

Por deliberação do órgão representativo das escolas de samba, a Vai se Quiser Pela Vitória das Armas do Brasil
União Geral das Escolas de Samba, uges, no Carnaval da Vitória, Somos da Vitória
Fiquei Firme
todas as escolas deveriam desenvolver enredos relativos à vitória dos
Aliados sobre as forças do Eixo, destacando a participação do Brasil na Mocidade Louca de Alvorada de Paz
guerra. Assim, as agremiações que desfilaram na Avenida Presidente
São Cristóvão
Vargas, então palco central do desfile das escolas de samba, desenvol-
veram os seguintes enredos: Paz e Amor Mensageiros do Samba
A Portela, escola de samba mais premiada na década de 1940, ga-
nhando os carnavais de 1941 a 1947, foi a campeã do carnaval de 1946 na Assembléia das Reparações
com o enredo Alvorada do Novo Mundo, desenvolvido com alegorias Tomada de Monte Castelo
Depois Eu Digo
batizadas de A volta das Forças Armadas, os Acordos Ministeriais, as
Nações Unidas vitoriosas, “Hitler esmagado e Mussolini enforca- Corações Unidos As Armas da Vitória
do e por fim uma alegoria mostrando ‘Tio Sam’ em pé com Hitler
Unidos do Salgueiro Recordando a História
ajoelhado”.14 O regulamento do desfile de 1946 proibia o improviso na
segunda parte do samba, rompendo com uma prática tradicional dos

138 o pcb cai no samba


sambistas. Assim, a Portela levou para a avenida o samba previamente medidas policiais em relação aos preparativos dos desfiles, e, sobretudo,
elaborado, Carnaval da Vitória, de autoria de Boaventura dos Santos. estabelecendo o vínculo ideológico entre as escolas de samba e o Parti-
A letra do samba representa bem o característico estilo dos sambas- do Comunista. A uges tornou-se uma espécie de organismo classista
enredo, formado por um fraseado rebuscado que buscava enobrecer vinculado ao partido. A participação da uges no jornal comunista re-
tanto o próprio samba, que ainda era alvo de preconceito,15 quanto presentava, através da coluna O samba na Cidade, um instrumento de
conferir grande magnitude aos temas relacionados ao patriotismo. O articulação dos interesses comunistas com as escolas de samba.
samba-enredo O Carnaval da Vitória já continha um jargão largamen- O pcb, tendo cada vez mais consolidado o seu comprometimento
te utilizado pelos compositores, a expressão encantos mil, como recur- com a utilização dos ritmos e festas populares como estratégia de comu-
so para rimar com Brasil:16 nicação com as massas, também abre espaço, na Tribuna Popular, para
que as entidades tidas como representativas desse popular – as escolas
“O Carnaval da Vitória de samba – estabeleçam contatos entre si, de acordo com os seus inte-
É o que a Portela revela resses (divulgar reuniões das diretorias das escolas de samba, convocar
Liberdade, progresso, justiça os sambistas para ensaios e comemorações, tornar públicos os enredos
Que realiza o valor de um povo herói das escolas para o carnaval, entre outros) e principalmente, mantenham
Jamais poderia esquecer contatos com os próprios jornalistas e com o Partido, executando o pa-
Essa data sagrada pel de um importante agente da práxis política comunista.
Que o mundo inteiro sempre lembrará Convém ressaltar que o contato dos comunistas com os sambistas
Esse carnaval cheio de encantos mil não era uma novidade inaugurada pelo vespertino Tribuna Popular. Em
Lá lá lá lá lá lá lá lá 1935, um grupo de jornalistas ligados ao Partido Comunista, tendo à
Canta, canta o meu Brasil” frente Pedro Mota Lima, levou o professor da Sorbonne, Henri Wallon,
em visita ao Brasil, à sede da Portela, com recepção de Paulo da Porte-
Os comunistas cada vez mais se convenciam da importância do la, onde a comitiva conheceu o samba que seria cantado no carnaval,
mundo do samba para os seus projetos. O espaço do samba na Tribu- intitulado, não por coincidência, “O Samba Conquistando o Mundo”,
na Popular era proporcional ao seu papel, enquanto proletariado, no com o qual a escola, que ainda se chamava Vai como Pode, sairia campeã
processo histórico. Na mesma página onde era publicada a coluna O naquele ano. Em 1946, no auge da aproximação do pcb com as escolas
Povo se Diverte, a Tribuna garantia um lugar de maior destaque para de samba, Pedro Mota Lima, então diretor da Tribuna Popular, reme-
mais uma coluna dedicada ao samba: O samba na cidade. Para além morava os acontecimentos de 1935 nas páginas do jornal comunista:
da divulgação de festas carnavalescas, a nova coluna desempenhava
um papel de maior importância, funcionando como um espaço de “A Portela engalanou-se. Cobriu-se de bandeirinhas o seu terreiro. Os
representação institucional dos sambistas. Os assuntos do interesse da ases do samba, vindos de outras escolas, iam reunir-se naquele instituto
União Geral das Escolas de Samba, que teve, guardadas as devidas pro- da gente do morro. As mais lindas pastoras, as vozes escolhidas, os músi-
porções, o mesmo papel que desempenha hoje a Liga Independente cos de fama, compositores e solistas estavam convocados para a homena-
das Escolas de Samba – Liesa, monopolizavam o espaço do Samba na gem ao representante da velha sabedoria da França.
Cidade, convocando dirigentes de escolas de samba para reuniões, pu- (...) Como a ciência ainda não encontrou a procurada maneira de de-
blicando portarias da Delegacia de Costumes e Diversões acerca das fender as escolas de samba em tais situações, um aguaceiro de trovoada

140 o pcb cai no samba samba, o ópio do povo? 141


carioca ameaçou não só o brilho, mas a própria realização da festa franco-
brasileira. Passamos as correntes nos pneus dos nossos carros. Rumamos
sem vacilação para o subúrbio. (...) O professor Wallon, sua senhora, ar-
tistas e intelectuais brasileiros ali estavam sendo recebidos pelos filhos de
nosso povo com um calor de sinceridade ainda não conhecida nos círcu-
los oficiais. O mestre da Sorbonne foi saudado em francês por um dos
diretores da escola: ‘Professor Wallon, permita-me que vos saúde no belo
idioma de Racine’. Em meio à festa, já no salão onde cantavam e dança-
vam lindas pastoras, alguém pediu um improviso a Paulo da Portela. (...)
Paulo inspirou-se um momento, sua fonte larga banhava-se de luz, seus
olhos exprimiam por antecipação a música e a letra prometidas: ‘Como é
linda a Guanabara, jóia rara de beleza’”.17

A abertura desse espaço parece ter conquistado a credibilidade do


jornal junto ao mundo do samba. Constantemente eram publicadas
cartas de escolas de samba simpáticas à Tribuna Popular e, não raro,
convidavam os jornalistas para participar de homenagens feitas a esse
folhetim. As “visitas de cordialidade” de dirigentes de escolas e sam-
bistas à redação tornaram-se cada vez mais freqüentes. O próprio jor-
nal, através do seu concurso “Embaixador e Embaixatriz do Samba”,
abria as suas portas para que os candidatos e torcedores presenciassem
as apurações parciais e o resultado final do concurso.

“aos presidentes das escolas de samba


Para tratar de assunto urgente, a direção da Tribuna Popular, órgão
oficial das escolas de samba, convoca para uma reunião hoje, ás 20 horas,
na redação deste matutino, todos os presidentes das escolas de samba”.18

“tribuna popular, órgão oficial da escola de samba união


Fig. 6 – Coluna O Samba dos industriários do realengo
na Cidade: um espaço de Recebemos assinada pelo sr. Durval Medeiros, secretário da ‘Escola
participação popular e
de Samba União dos Industriários do Realengo’, uma carta na qual o mes-
divulgação dos interesses
do partido e do mundo do mo nos comunica que, de acordo com a resolução da junta governativa da
samba. (Fonte: Tribuna Popular, Escola, nosso jornal passa a ser o órgão oficial para todas as publicações
05/01/1947, p.02).
de seus festejos carnavalescos”.19

samba, o ópio do povo? 143


“a escola de samba unidos da tijuca homenageia a ‘tribuna “O desfile das Escolas de Samba constituiu uma das notas de maior
popular’ destaque do chamado “Carnaval da Vitória”, que, afinal, não alcançou o
A escola de samba ‘ut’, sábado último, fez uma brilhante homena- esplendor esperado.
gem ao nosso jornal. Um dos componentes da escola falou em nome de Jamais, por melhor boa vontade que tivéssemos, poderíamos compa-
seus companheiros saudando a Tribuna Popular.”157 rar as festas consagradas ao Rei Momo I e Único, ontem terminadas, com
as de 1927, 28, 29 e até mesmo a de 1935.
Os colunistas da seção O Povo se Diverte, assinada com os codi- O tríduo carnavalesco poderia ter sido bem melhor se não fora a ga-
nomes Satanaz e Grisú, publicam cartas recebidas pelo jornal e dão nância dos muitos exploradores do povo, certas medidas tomadas pela
informes que revelam relativo êxito do Partido em seu objetivo de ar- polícia e a chuva que, principalmente na terça-feira, empanou completa-
regimentar as escolas de samba como atores do processo de divulgação mente os festejos de rua. (...)”.22
do Partido e de condução das massas ao comunismo :
Se o Carnaval da Vitória frustrou as expectativas de muitos quan-
“ No flagrante acima vemos a Escola de Samba ‘Malha quem Pode’ to à decoração da cidade e à falta de investimentos nos desfiles, para os
que esteve em nossa redação em visita de cordialidade. A referida escola comunistas foi um carnaval bastante promissor. Enquanto outros ves-
pertence ao sub-comitê do Morro da Liberdade, filiado ao Comitê De- pertinos divulgavam o fracasso da festa, as páginas da Tribuna Popu-
mocrático da Tijuca. No próximo Domingo dia 17 do corrente, às 13 ho- lar alardeavam o retumbante sucesso do carnaval. As manchetes que
ras, vai oferecer aos seus associados uma peixada em sua sede à rua Barão davam conta do êxito dos festejos não eram meros artifícios para fazer
de Itapagipe, 557.”158 jus à pesada publicidade que a Tribuna fizera antes da festa. Ao contrá-
rio, o saldo para os comunistas foi muito positivo: a ampla cobertura
“escola de samba ‘azul e branco’’ feita antes e durante o carnaval, especialmente aos bailes carnavalescos
Está em franca atividade essa escola (...) preparando-se para o desfile do e desfiles das escolas de samba, bem como a promoção das próprias
próximo Domingo, à rua Indiana, em homenagem ao Comitê Democrá- festas do Partido, ratificaram a importância do mundo do samba para
tico Cosme Velho-Laranjeiras. Os diretores de harmonia são Waldemiro, os comunistas, como forma de estreitamento dos laços entre o Parti-
o popular Dorcelino (‘Doce’) e o conhecido pracinha Nicanor do Nasci- do e as camadas populares, e estimularam os camaradas a se lançarem
mento. Será porta-bandeira a senhorita Maria Sampaio. As cores da ‘Azul e mais diretamente na organização e publicidade dos desfiles das escolas
Branco serão defendidas para a disputa das Taças ‘Autonomia para o Distri- de samba, uma prática muito comum entre os jornais da época, a que
to Federal’ e ‘ Pedro Ernesto’, instituídas pelo Comitê do Bairro”.20 a Tribuna Popular era a mais nova candidata.

O que deveria ser um carnaval inesquecível, inaugurando novos


tempos, foi, para Sérgio Cabral, um fracasso. A decoração da cidade e o
desfile dos ranchos – que ainda gozavam de grande prestígio – ficaram 4.3 – um ca r nava l pa r a p r est es
aquém das expectativas. A falta de verba teria sido pretexto para justifi-
car a simplória decoração das ruas e a decepcionante apresentação dos As colunas O povo se Diverte, O samba na cidade e Músicas de carnaval,
ranchos, marcada tradicionalmente pelo luxo e suntuosidade.21 além das matérias de divulgação das festas organizadas pelos comitês
O Diário Trabalhista, de 07 de março de 1946, na página 7, noticiava: e células do Partido, onde a presença das escolas de samba era uma das

144 o pcb cai no samba samba, o ópio do povo? 145


atrações, ou das visitas dos comunistas às escolas de samba, não repre- arquiteto, Aparício Torelli, o “Barão de Itararé”, jornalista, Arnaldo
sentavam a totalidade das ações dos comunistas e da Tribuna Popular Estrela, pianista, Ataulfo Alves, compositor e cantor, parceiro de Má-
em relação ao mundo do samba. rio Lago em várias músicas, Álvaro Moreira, escritor, Jorge Amado,
Meses depois do sucesso alcançado pelos comunistas na divulga- escritor e Deputado Federal pelo pcb e Dr. Odilon Batista.23
ção do Carnaval da Vitória e na promoção de diversos bailes políti- Numa das poucas referências encontradas na literatura a respeito
co-carnavalescos, o mundo do samba volta a ser assunto nas páginas do desfile organizado pelos comunistas, Marília T. Barboza da Silva e
da Tribuna. Desta vez, as escolas de samba são coadjuvantes de uma Arthur de Oliveira Filho, autores de várias biografias de personalida-
grandiosa festa, onde estaria presente, como convidado de honra, Luiz des do mundo do samba, teceram o seguinte comentário:
Carlos Prestes, o líder maior do Partido, acompanhado pelo minis-
tro Wrzosech, da Polônia. A 15 de novembro de 1946, no Campo de “Jamais um concurso anterior convocou um grupo como esse, onde
São Cristóvão, tinha lugar um dos maiores acontecimentos político- todos os membros eram expoentes máximos dos setores culturais a que
culturais organizados pelo Partido Comunista em toda a sua história: pertenciam. Perguntamos, será que as classificações anteriores teriam
um concurso de escolas de samba em homenagem ao Cavaleiro da Es- sido justas, ou os julgadores, não tão profundamente conhecedores da
perança e à Proclamação da República. arte negra como Edison Carneiro, Arthur Ramos, Jorge Amado e outros,
Para tão célebre ocasião, foram formadas duas comissões, compos- teriam falhado? É difícil responder.
tas por artistas, intelectuais de prestígio e personalidades do mundo Os democratas verdadeiramente sinceros devem receber com humil-
do samba, além dos próprios dirigentes comunistas. As personalida- dade a lição de sabedoria política do PCB e passar a organizar comissões
des selecionadas para as comissões, salvo raras exceções, eram filiadas julgadoras dos concursos de escolas de samba de gabarito tão alto quanto
ao Partido Comunista. Faziam parte da comissão julgadora: o folclo- a do desfile de 15 de novembro de 1946. E note-se que as cinco grandes
rista Édson Carneiro, Francisco Mignone, compositor erudito, o jor- escolas da época estavam ausentes: Portela, Mangueira, Depois eu Digo,
nalista e então diretor da Tribuna Popular Pedro Motta Lima, Mário Azul e Branco, Unidos da Tijuca. Em compensação, deu-se oportunida-
Lago, compositor popular, autor teatral, radialista e membro do pcb de a muitas escolas pequenas e desconhecidas. Em matéria de política, no
e Paulo Werneck, pintor. caso, a estratégia do PCB era corretíssima. E quem a combateu democra-
A comissão de honra, por sua vez, era formada por elementos não ticamente com a estratégia adequada foi Paulo da Portela, sabido demais
menos ilustres: Russildo Magalhães, presidente da Comissão Metro- para embarcar numa canoa vermelha”.24
politana Pró-Imprensa Popular, Leme Júnior, da Comissão Nacional
Pró-Imprensa Popular, Vespasiano Lyrio da Luz, jornalista da Tribuna Para além do juízo de valor, importa-nos discutir que a escolha de
Popular e grande articulador da parceria com a uges , Arthur Ramos, membros, nas palavras dos autores, superqualificados, os quais, inclusi-
antropólogo, Aníbal Machado, escritor, Eurico de Oliveira, diretor do ve, “instituíram” o “quesito” mestre-sala e porta-bandeira, atribuindo
Diário Trabalhista, Aidano do Couto Ferraz, redator-chefe da Tribu- pela primeira vez nota à evolução do casal de dançarinos, está relacio-
na Popular, Alcides da Rocha Miranda, pintor e arquiteto, Quirino nada à importância do papel do intelectual e do artista na construção
Campofiorito, pintor, Dorival Caymmi, cantor e compositor, Paulo da da cultura.
Portela, compositor e cantor popular, presidente da Escola de Samba Participaram do desfile do Campo de São Cristóvão 22 escolas de
Lira do Amor, João Calazans, o Jararaca, cantor e compositor popular, samba, atestando o sucesso da iniciativa dos comunistas junto às agre-
capitão Agildo Barata, histórico militante do pcb, Oscar Niemeyer, miações e às suas comunidades de origem.

146 o pcb cai no samba samba, o ópio do povo? 147


quadro iii O samba da Lira do Amor, Cavaleiro da Esperança, que, de acordo
com a Tribuna Popular, era de autoria de Lourival Ramos e Orlando
escolas de samba co mun idade de origem Gagliastro, foi o que mais atraiu a atenção do matutino comunista, o
participantes do desfile
de 15 de novembro que rendeu aos sambistas de Bento Ribeiro um prêmio especial, não
previsto nos preparativos do desfile.
Fiquei Firme Morro da Favela
Lira do Amor Bento Ribeiro “Prestes!
Paz e Amor Bento Ribeiro O Cavaleiro da Esperança,
Um homem que pelo pequeno relutou,
Cada Ano Sai Melhor Morro de São Carlos Seu nome foi bem disputado dentro das urnas
Paraíso das Morenas Morro de São Carlos Oh! Carlos Prestes
Foi bem merecida a cadeira de Senador
Corações Unidos Jacarepaguá
Passou dez anos encarcerado
Vai se Quiser Jacarepaguá Comeu o pão que o diabo amassou
Irmãos Unidos Irajá (Oh! Prestes)”.25

Últimos a Chegar Duque de Caxias Edem Silva, o Caxiné, vencedor do concurso Cidadão-Samba de
Unidos de Cabuçu Cabuçu 1946, prestou a sua homenagem a Prestes com o samba:

Flor do Lins Lins de Vasconcelos


“Para nós, Prestes é Imortal
Filhos do Deserto Lins de Vasconcelos Um Hino de glória
Unidos do Morro Azul Maria da Graça Cantaremos em louvor a Prestes
Numa Poesia sem igual
Prazer da Serrinha Vaz Lobo Exaltaremos a vitória
Unidos de Vila Rica Copacabana Deste grande imortal
Prestes, pela heroicidade
Unidos de Santo Antônio Catete
Alcançou a imortalidade
Irmãos Unidos Catete
Império da Mocidade Colégio Salve Cavaleiro da Esperança
Orgulho dos homens do Brasil
Unidos da Capela Parada de Lucas Na luta pela liberdade
Unidos do Castelo Esplanada Marchamos ao seu lado
Com todo calor varonil”
Império da Tijuca Salgueiro

samba, o ópio do povo? 149


Mano Décio da Viola, famoso pelo lirismo de seus sambas, prepa- Acompanha o canto de um passarinho
rou para a festa o samba-enredo Pelo Bem da Humanidade: Sem errar o compasso
Quem não acredita
“Sempre lutando Poderemos provar, podes crer
Pela nossa liberdade Nós não somos de enganar (bis)
Sofreste Melodia mora lá
Ó grande nome No Prazer da Serrinha
Cavaleiro da Esperança Nós vivemos alegres a cantar
Ficarás para sempre A nossa Escola, nos dá emoção (bis)
Na nossa lembrança” Porque ninguém jamais
Poderá desmoronar a nossa união”
Os sambas-enredo que homenageiam Prestes, a rigor, obedecem à
mesma estrutura dos sambas-enredo que elegem personagens consagra- O desfile de novembro de 1946 foi memorável para a comunidade
dos pela História oficial, fortemente marcada pelo positivismo, sendo de Vaz Lobo, que até então em seu currículo carnavalesco tinha como
peculiares às letras dos sambas palavras do tipo heróis, evocação, home- melhor resultado um 3º lugar em 1935 e, nos anos 1940, sua melhor
nagem, exaltação, tributo, louvor, orgulho, viva, salve, glória e efemérides, posição foi o 11º lugar no Carnaval da Vitória. Seria o seu primeiro e
combinadas a palavras do tipo liberdade, progresso, nação, humanidade, último grande resultado.
memória, lembrança, esperança. O discurso do samba-enredo constrói Insatisfeitos com o autoritarismo e intransigência da direção da
uma imagem do Brasil pautada no discurso historiográfico do século Prazer da Serrinha, um grupo de sambistas dissidentes decidiu-se pela
xix, que perdurou até pelo menos metade do século xx.26 Ao adotarem fundação de outra escola de samba, a Império Serrano, resultado da
a mesma estrutura tradicionalmente ufanista, os sambas-enredos em fusão da Prazer da Serrinha com a Deixa Malhar, da Tijuca, que fora
homenagem a Prestes produzem uma peculiar aproximação do discurso extinta. A nova agremiação recebeu a adesão de elementos desconten-
historiográfico oficial com um personagem não muito simpático à his- tes com a Portela, o que fortaleceu ainda mais a nova escola.
toriografia de cores positivistas e mitificado por alguns setores da cultu- Um dos responsáveis pela fusão foi Elói Antero Dias, o Mano Elói,
ra popular, que o insere, à sua maneira, na história dos grandes homens personagem de grande prestígio no mundo do samba. Mano Elói foi
que orgulharam a nação, lutando pela liberdade e pelo progresso. o primeiro cidadão samba do Rio de Janeiro, eleito em 1936, numa
A escola de samba vencedora do desfile do Campo de São Cristó- promoção da União Geral das Escolas de Samba em parceria com o
vão foi a Prazer da Serrinha, com um samba que, curiosamente, não jornal A Rua. Famoso jongueiro, respeitado Ogan, dono de centros
fazia referência ao grande homenageado. Ao contrário, optou por de macumba, colaborador na fundação de várias escolas de samba, o
cantar a sua própria história, através do samba de Hélio dos Santos e prestígio de Mano Elói valeu-lhe a entrada no restrito círculo das gra-
Rubens da Silva: vadoras, onde gravou, em 1930, dois discos, um de pontos de macum-
ba e o outro de jongo, uma conquista bastante significativa, tendo em
“o prazer da serrinha vista a resistência social ainda reinante em relação à cultura africana.
Qualquer criança bate um pandeiro Os discos renderam ao Ogan um convite de Chico Alves, o Rei da
Bate um pandeiro e toca cavaquinho Voz, conhecido pelas “parcerias” nas composições dos sambistas e pela

150 o pcb cai no samba samba, o ópio do povo? 151


compra de sambas, a gravarem juntos um novo disco de macumbas, o as camadas populares, estreitava-se no mesmo ritmo em que as escolas
que foi recusado por Elói.27 de samba iam se consolidando e sendo reconhecidas, inclusive inter-
Mano Elói, que fizera parte do corpo de jurados no Carnaval da nacionalmente. Uma das atitudes do pcb que lhe garantiram maior
Vitória, também era conhecido por duas outras funções ligadas à ativi- penetração entre os sambistas foi a sua interferência na organização do
dade portuária, um dos setores de maior incidência do Partido Comu- desfile das escolas de samba no carnaval de 1947, batizado de Carnaval
nista: era presidente do Sindicato da Resistência do Cais do Porto e da Paz, novamente em alusão ao fim da Segunda Guerra e à vitória dos
trabalhava como “fiscal de plataforma”. Elói levou para o porto muitos Aliados. Como de praxe, cabia a um jornal estar à frente dos preparati-
rapazes da Serrinha: vos, influindo na criação do regulamento e promovendo um concurso
de grande sucesso, para a eleição do Cidadão Samba e da Embaixatriz
“Em 1947 - conta Irênio Delgado [portuário e jornalista, ligado tam- do Samba daquele ano. A Tribuna Popular, contando com o respaldo
bém às escolas de samba] – o Elói era um dos presidentes do Sindicato da da uges, que fazia do matutino comunista o seu veículo oficial, pela
Resistência. Naquela época existia uma função na fachada do cais, junto primeira – e única – vez conquistou o cobiçado posto de promotora
aos armazéns de descarga de navios. Era o fiscal de plataforma. Ganhava de uma das maiores festas populares do Rio de Janeiro, já com grande
não por uma pessoa, mas o total equivalente a tantos ‘ternos’ fiscalizasse. projeção mundial.
Ternos eram os grupos de homens. Se trabalhasse com cinco ternos, ga- Através do preenchimento e envio à redação da Tribuna de um
nhava por cinco homens. Esse cargo era disputadíssimo dentro da Resis- cupom publicado pelo jornal, o leitor participava da escolha do Ci-
tência. O Elói resolveu só dar tal função a quem morasse em Vaz Lobo e dadão Samba e da Embaixatriz do Samba do Carnaval da Paz. Vence-
fosse participante do Império Serrano. O escolhido era obrigado a doar riam aqueles que obtivessem o maior número de cupons a seu favor.
o equivalente a um terno para a escola de samba. Aí começou a entrar A partir de 1º de janeiro de 1947, a Tribuna divulgava semanalmente
dinheiro e o Império pôde seguir com aquela força toda”.28 os resultados parciais da apuração, o que rendia novas matérias sobre
os sambistas no jornal, inclusive com fotos dos líderes do concurso e
A entrega da taça conquistada no desfile de 15 de novembro foi assegurava a popularidade do evento.
feita em 7 de dezembro, na sede da Prazer da Serrinha.29 Uma comiti- Os preparativos para o Carnaval da Paz, que exigiam uma par-
va formada por Heitor Servan de Carvalho e José Calazans, presiden- ticipação direta da Tribuna Popular, eram concomitantes aos prepa-
te e vice-presidente da uges, Vespasiano Lyrio da Luz, Pedro Motta rativos do pcb para as eleições municipais e para o Senado, a serem
Lima, Neves Manta, Edison Carneiro e a equipe de reportagem da realizadas em 19 de janeiro. A Tribuna estabelecia um estreito vínculo
Tribuna Popular, foi recepcionada com um banquete, tradição entre entre a campanha eleitoral do Partido e a campanha de divulgação e
as escolas de samba. promoção dos festejos de 1947. A presença e os discursos dos candida-
tos comunistas nas festividades envolvendo o mundo do samba eram
tão freqüentes quanto necessárias face ao comprometimento político
dos dirigentes da uges com o Partido Comunista.
4 . 4 –a t r ibu na so be o morro O aniversário de Prestes, data histórica para o Partido, fora entu-
siasticamente celebrado, mobilizando uma extraordinária estrutura
A relação entre o pcb e as escolas de samba, cada vez mais considerada que contou com a assessoria de uma Comissão de Festejos Comemora-
pelo Partido uma estratégia de penetração dos ideais comunistas entre tivos do Aniversário de Luiz Carlos Prestes, composta por Mário Lago,

152 o pcb cai no samba samba, o ópio do povo? 153


presidente da Comissão, Vespasiano Lyrio da Luz, Pedro Motta Lima,
Eugênia Álvaro Moreira e Ariosto Assis. Foram várias as comemo-
rações pela passagem do aniversário de Prestes. Em todo o Brasil os
comunistas organizaram festas. Passado um mês de seu aniversário,
Prestes ainda recebia homenagens das células do Partido em outros
estados e a Tribuna não parava de publicar telegramas de felicitações
de leitores de todo o país.
As comemorações foram batizadas pela Comissão de Festejos de
festas populares em homenagem a Prestes. As festas populares, promovi-
das pelos Comitês Distritais do pcb no Rio de Janeiro, contavam com
um grande número de atrações musicais, inclusive, com a presença de
cantores do rádio, de reconhecido sucesso do grande público. As esco-
las de samba, mais uma vez, eram convidadas imprescindíveis:

“Entre as inúmeras festas com que o povo carioca comemorará o ani-


versário de Prestes, destacam-se, sobretudo as seguintes:
Praça Saens Pena, na Tijuca, com desfile das Escolas de Samba – promo-
tores: cd [Comitê Distrital] Tijuca, Norte e Estácio.
Praça Irajá, com desfiles das Escolas de Samba. Promotores – cd Madu-
reira, Rocha Miranda e Irajá.
Praça do Norte em Engenho de Dentro, com desfile das Escolas de
Samba.
Parque da Avenida Passos: festa para os filhos dos eleitores do Partido
Fig. 7 – Divulgação dos
Comunista, da Chapa Popular. Promotores: cd Esplanada, Santos Du-
resultados parciais da eleição
para Embaixatriz do Samba do mont e República.
Carnaval de 1947. Um ensaio Grande Festa do Campo de São Cristóvão – esta festa constará do se-
para um outro pleito do qual
guinte programa, planificado pelo cd de São Cristóvão:
o mundo do samba, dentro
de poucos dias, não poderia 1. A partir das 17 horas, irradiação de músicas populares;
se furtar: as eleições de 19 de 2. Às 18:30h, os batutas da “Cidade Maravilhosa” (frevo);
janeiro, votando nos candidatos
do Partido Comunista.
3. Grande “show” pela cooperativa dos artistas.
(Fonte: Tribuna Popular, Foram convidados especialmente vários artistas, como Jorge Vei-
15 de janeiro de 1947, p.04). ga, Aracy de Almeida. Haverá fogos de artifício, batalha de confete. Às
17:30h partirá a passeata da sede do C. [Comitê] Distrital de São Cristó-
vão, havendo para isso transporte à disposição do público”.30

samba, o ópio do povo? 155


O itinerário e o horário em que o senador do povo estaria em cada
uma das festas populares foi divulgado previamente pela Tribuna Po-
pular para que todos pudessem render a sua homenagem a Prestes. Em
1º de janeiro de 1947, à página 6, lia-se:

“Horário de passagem de Prestes pelas Festas Populares:


18:30h – Serzedelo Correa, em Copacabana
19:10h – Largo do Machado
19:30h – Parque da Avenida Passos
19:50h – Rio Comprido
20:10h – Praça Saens Pena
20:40h – Praça Rio Grande do Norte, em Engenho de Dentro
20:50h – sede da Célula Falcão Paim, a fim de cortar o bolo que lhe será
oferecido.
21:30h – Praça do Irajá
22:15h – Praça das Nações, em Bonsucesso
23:00h – Campo de São Cristóvão”

As comemorações pelo aniversário de Prestes não se restringiam


às festas programadas pelo Partido com esse propósito. A pretexto da
apresentação dos candidatos a Cidadão Samba e Embaixatriz do
Samba do Carnaval da Paz, a Tribuna Popular organizou junto com a
União Geral das Escolas de Samba um festival com a presença de várias
agremiações, filiadas e não filiadas à uges. Luiz Carlos Prestes estivera
presente ao festival, ocorrido em 02.01, véspera do seu aniversário, ao
lado do deputado federal João Amazonas. O samba-enredo vencedor
do desfile de 15 de novembro foi novamente entoado, seguido de uma
segunda parte, criada para a ocasião. O novo samba, de Lourival Ra-
mos e Orlando Gagliastro, ou de Paulo da Portela, conforme aponta
Fig. 8 – À medida que s Sérgio Cabral31, ganhou os seguintes versos:
e aproximavam as eleições de
1947, aumentava a inserção
do mundo do samba na “Vivia constrangido e humilhado
Tribuna Popular. Oh, Carlos Prestes
Mas nunca na sua vitória desacreditou”

samba, o ópio do povo? 157


Segundo a Tribuna Popular, na madrugada do dia 03.01, João Ca-
lazans, vice-presidente da uges anunciou que “o Senador Luiz Carlos
Prestes completava mais um aniversário natalício. Todos os presentes
com a mais viva alegria cantaram então a tradicional canção Parabéns
pra você”,32 seguida dos cumprimentos de todos os candidatos ao Car-
naval da Paz. O episódio foi transformado numa matéria da Tribuna
Popular, cuja manchete relacionava o festival dos sambistas às festas
que realizar-se-iam pelo aniversário de Prestes, estabelecendo uma fu-
são entre as duas festividades e entre os interesses das duas entidades en-
volvidas: o Partido Comunista e a União Geral das Escolas de Samba.
A matéria de 8.01.47 não deixa qualquer dúvida que a parceria Par-
tido Comunista-União Geral das Escolas de Samba atingia o seu auge:

“Confiam os vereadores do povo para o êxito do próximo carnaval


– as escolas de samba esperam que os futuros membros do Conselho Mu-
nicipal tudo façam para que a festa máxima do povo honre as tradições
carnavalescas do Rio.
Falam à nossa reportagem o sr. Antonio dos Santos e a srta. Doraci
de Assis, candidatos a Cidadão e Embaixatriz do Samba do Carnaval da
Paz (...)”.
Fig. 9 – O discurso da eficiência
A proximidade das eleições fazia com que os comícios, que por e espontaneidade das escolas
de samba (leia-se das camadas
orientação dos dirigentes do Partido, deveriam se chamar festas elei- populares), era uma estratégia
torais, se tornassem cada mais freqüentes, recebendo ampla cobertura utilizada com freqüência
na Tribuna. As festas mobilizavam grande número de militantes que pela Tribuna Popular
(04/01/1947, p.08).
se ocupavam das suas tarefas específicas, que iam desde a preparação
de material de divulgação e infra-estrutura do local da festa até tarefas
a serem executadas durante os eventos, como arrecadar fundos para
a Chapa Popular e aumentar o número de militantes para o pcb, que
em 1947 chegaria ao significativo número de 200 mil inscritos, con-
tingente nunca antes conseguido pelo Partido.33
A presença de dirigentes dopcb e de candidatos da Chapa Popu-
lar ao pleito do dia 19 nas festas eleitorais era constante. As atrações
também. Ao lado de cantores e artistas populares, como enfatizava o
Partido e das escolas de samba, Luiz Carlos Prestes, João Amazonas,

158 o pcb cai no samba


que concorria a uma vaga no Senado, Pedro Motta Lima, Vespasiano
Lyrio da Luz e Aparício Torelly, que pleiteavam uma vaga na Câmara
Municipal – , eram presenças garantidas, discursando para o público e
apresentando a sua plataforma política.
Vespasiano Lyrio da Luz era dos candidatos do Partido Comunista,
o que mais popularidade mantinha entre os sambistas. Como jornalista
da Tribuna Popular e candidato, estivera por diversas vezes nas sedes
das escolas de samba, onde proferia discursos, recebia homenagens e
apresentava o seu programa de governo que incluía a criação de qua-
dras para as escolas de samba, cursos profissionalizantes e de alfabetiza-
ção, serviços básicos – água, luz, saneamento e melhorias diversas para
aquelas comunidades carentes de políticas públicas e conhecidas como
produtoras de uma das maiores referências culturais do País.

“(...) Como verdadeiros organismos de massa, as escolas de samba,


por exemplo, terão oportunidade de lutar ao lado do povo pelas reivin-
dicações do povo. Nos morros, favelas, nos bairros, há falta d’água, de
escolas, de ruas acessíveis, transitáveis facilmente. As escolas de samba,
estamos certos, têm o direito e desejam lutar para a solução urgente desses
Fig. 10 – Por determinação
do Partido, os comícios angustiantes problemas. (...)” 34
passavam a ser chamar “festas
eleitorais”, organizadas pelo
“comando de show”. As escolas
As escolas de samba constituir-se-iam num espaço privilegiado
de samba figuravam entre de disputas políticas. Buscar conquistar eleitores no mundo do sam-
as principais atrações das ba não era uma idéia original do pcb: na campanha eleitoral para a
festas. (Fonte: Tribuna Popular,
04/01/1947, p.08). Câmara dos Deputados de 1938, projeto abortado com o golpe de
Vargas, o vereador Frederico Trota, que lutara pela conquista da sub-
venção das escolas de samba no carnaval de 1935, fez do mundo do
samba um grande reduto eleitoral:

“A diretoria da Escola de Samba União Barão da Gamboa chegou a


lançar um manifesto, ‘aos morros e ao povo das escolas de samba’, lem-
brando os serviços prestados por ele e pela União das escolas de samba,
entidade que o político ajudou a criar. ‘Infelizmente’, dizia o manifesto,
‘essa situação não continuou porque indivíduos ambiciosos se intromete-
ram, desvirtuando a diretriz inteligente e criteriosa dos seus prestigiosos

samba, o ópio do povo? 161


fundadores.’ Os sambistas da Gamboa destacaram também que a primei-
ra diretora da ues criou o Troféu Frederico Trota, destinado à melhor
escola de samba de cada desfile, exatamente para homenagear o político
que tanto colaborou com o samba carioca. Finalizava o manifesto: ‘O
povo das escolas de samba vem mostrar que já pode eleger alguém para
seu representante no parlamento. Às urnas, pois, em 1938, com o nome
de Frederico Trota!’ A Estação Primeira de Mangueira também era consi-
derada um reduto eleitoral do político, tanto que promoveu um comício
na Mangueira, com a presença do seu candidato a presidente da Repúbli-
ca, José Américo de Almeida, além de políticos importantes como João
Neves da Fontoura, Batista Luzardo e o conde Pereira Carneiro”.35

Coube à uges estreitar a parceria entre o mundo do samba e o
Partido comunista, funcionando como um organismo classista dentro
do pcb. O relacionamento entre o Partido e as escolas de samba dava
sinais de longevidade.
Constatada a importância das festas e ‘shows’ durante os comícios,
essa passa a ser uma preocupação primordial das células e Comitês De-
mocráticos, recebendo grande destaque na pauta das reuniões de orga-
Fig. 11 – A parceria UGES-PCB nização dos comícios. Cria-se, para um melhor aproveitamento dessa
promovia uma aproximação
constante das escolas de samba
fórmula, os comandos de ‘shows’, compostos por vários militantes, en-
com o Partido, que tinha como tre eles, Jararaca (da caipira dupla Jararaca e Ratinho) e Mário Lago. A
trunfo a presença de Prestes nas normatização das festividades eleitorais, que procurava regular desde
festas populares. (Fonte: Tribuna
Popular, 02/01/1947, p. 06). a distribuição de panfletos e aspectos técnicos, como a checagem de
microfones para os oradores, até quais características os membros da
comunidade convidados a subir ao palanque deveriam ter, reservava
para as escolas de samba e seus representantes um papel fundamental,
como se pode observar no artigo publicado em 08.01.1947:

“instruções do comitê metropolitano para as festas


eleitorais
1.Todos os comícios do Partido passam a se denominar ‘Festas Eleitorais’
(...)
9. Anunciar as festas eleitorais nos alto-falantes que devem percorrer o
distrito, visitando, sobretudo, os locais de concentração: pontos de bon-

samba, o ópio do povo? 163


de, filas, cinemas, restaurantes, etc. Convidar pessoalmente, ou por car-
ta, certas personalidades e certas categorias da população.
(...)
13. Antes do início da festa devem ser tocadas músicas popula-
res, principalmente marchas e sambas de propaganda eleitoral
do Partido.
(...)
17. Convidar publicamente para ficar ao lado dos candidatos, nos locais
das festas eleitorais, os moradores mais conceituados do bairro que es-
tiverem presentes (presidentes de clubes esportivos, escolas de samba,
colégios, etc.). O ‘Speaker’: deve anunciar a chegada desses elementos
declarando a sua qualidade de dirigentes de organizações populares, etc.
Também incluir mulheres de famílias numerosas, viúvas ou mães de com-
batentes caídos na luta, combatentes da feb, etc.36

Cada vez mais freqüentes, as festas eleitorais se realizavam em di-


versas regiões do Estado do Rio de Janeiro (inclusive na área rural,
Fig. 12 – Com a proximidade em chácaras, com a presença de muitos lavradores), ocupando várias
das eleições locais de 1947,
páginas de destaque na Tribuna Popular. Tal método aprimorava-se à
crescia o espaço do mundo
do samba na Tribuna Popular. medida que as festas eram realizadas e a fórmula aprovada pelos mem-
O articulador das relações bros do Partido.
UGES-PCB, Vespasiano Lyrio da
Luz, investe na campanha junto
Em Levemos às Massas nossa Linha Política, Maurício Grabois en-
ao seu eleitorado em potencial: fatizava a necessidade da utilização de métodos de propaganda cuja
os sambistas. (Fonte: Tribuna eficácia residiria na linguagem e apelo popular:
Popular, 15/01/1947, p.04).

“Na luta eleitoral devemos ter a maior audácia possível, utilizando


todos os meios práticos de propaganda, usados na publicidade em geral.
O rádio, o teatro, o cinema, os cartazes, os comícios, os letreiros lumino-
sos, as faixas, os volantes, os jornais e todos os meios de difusão devem ser
mobilizados. Claro está que isso exige ampla movimentação de finanças,
que deve ser objeto de uma campanha especial”.

A manchete da edição de 9.01.47, pág. 8, atesta a percepção do


Partido em falar a linguagem das massas, incluindo, novamente, o
mundo do samba :

samba, o ópio do povo? 165


“Novos métodos de propaganda eleitoral desenvolvidos pelo Partido
Comunista – Programas de calouros, blocos carnavalescos, programas de
esquina, as iniciativas tomadas – Circular do Comitê Metropolitano”.

Na referida reportagem, é apontada a eficiência de blocos carna-


valescos, aproveitando-se a proximidade do carnaval, para a concen-
tração das massas, que servirão para compor passeatas pelos bairros,
entoando as músicas do Partido. Aqui a condução dos blocos não está,
necessariamente, a cargo de membros das entidades ligadas ao mundo
do samba, mas sim dos próprios membros do Partido.

“É claro que os camaradas não vão esperar que a massa se junte desde
logo ao bloco para então começar a passeata. É preciso a máxima iniciati-
va por parte dos camaradas. Façam a concentração com os nossos elemen-
tos, comecem a cantar, iniciem a passeata. E, principalmente não caiam
na defensiva, alegando que não sabem cantar, que não têm jeito para isso.
É importante que os camaradas compreendam que isso é fundamental
para a propaganda de massas do Partido. Esse trabalho poderá ser feito
sempre se estiverem em locais onde haja aglomeração, em bondes, cafés,
Fig. 13 – Reflexos do realismo socialista no
filas, no intervalo para o almoço nos locais de trabalho, etc”.38
Brasil. O ritmo preferencial para o contato
com as camadas populares era a marchinha
carnavalesca. Jararaca, parceiro de Ratinho, Nesta matéria ainda, é apresentada como “eficiente” uma nova mo-
saiu vitorioso nas eleições para vereador, em
1947. a letra de Mamãe eu quero, de Jararaca
dalidade de entretenimento político e adesão das massas, que conta
e Vicente Paiva, recebeu a seguinte versão, com a participação de palhaços, de grande simbologia no imaginário
de autoria do próprio Jararaca: “Mamãe não infantil, e de filhos da militância do Partido.
quero”: Mamãe não quero/ mamãe não quero/
mamãe não quero mais mamar/ eu já estou
grande/ quero saber em quem é que eu vou “iv palhaços
votar/ vota meu filho/ que és moço e és viril/
Pela sensação que um palhaço desperta sempre, êsse [sic] é um dos
vota pra grandeza e pro progresso do Brasil/
vota com cuidado/ com cuidado vota/ e dá meios mais eficientes de levarmos para a rua a nossa campanha. Um cama-
o seu voto a um sincero patriota!/ Não vota rada que tenha veia cômica, vestido de palhaço, percorre as ruas da cidade,
meu filho/ não crê na marmelada/ dos que
fazendo palhaçadas, dando cambalhotas, mexendo com os conhecidos (de
prometem tudo/ e no fim não fazem nada/
vota com cuidado/ olhe bem a lista/ escolha preferência fazendo alusões às dificuldades por que eles passam e às difi-
os candidatos do Partido Comunista. Apud. culdades gerais). Para chamar mais atenção ao trabalho do palhaço, pode-
RODRIGUES, Sonia Maria B. Calazans. Jararaca
e Ratinho. A famosa dupla caipira.
se [convidar] os filhos dos camaradas e fazer uma adaptação do conhecido
Rio de Janeiro: Funarte, 1983, pp. 63-64. ‘Hoje tem Marmelada?’. Damos aqui um exemplo dessas adaptações:

samba, o ópio do povo? 167


Palhaço: - No açougue tem carne? teatral carnavalesca, de grande sucesso, Eu quero é rosetar. A autoria
Crianças: - Não tem, não senhor. da letra da marcha carnavalesca, a ser cantada no comício histórico
Palhaço: - Na leiteria tem leite? de 16.01, encerrando a campanha eleitoral, foi atribuída ao povo. O
Crianças: - Não tem, não senhor. povo compôs a letra que se segue, para ser cantada com a música de “Eu
Palhaço: - O pobre tem escola? quero é rosetar”:
Crianças: - Não tem, não senhor.
Palhaço: - E tem hospitais? “Por um comício teu, querido Prestes
Crianças: - Não tem, não senhor. Eu vou até o Irajá (bis)
Palhaço: - Que fazer para endireitar? Que importa que a intriga aumente
Crianças: - Votar na Chapa Popular”. Eu quero é te escutar (bis)

A presença das escolas de samba nos comícios e festejos do pcb Enfrentou qualquer perigo
tinha para o jornal, e em última instância para o Partido, um triplo sig- Mas eu quero é te escutar
nificado: além de atrair as massas para o comício e dar-lhes diversão, Seja na Praia do Russel ou em Jacarepaguá
um direito do qual a carestia não lhes permitiria usufruir, representava Podem os reacionários
também a abertura de um espaço para que os artistas populares se ma- Querer nos atrapalhar
nifestassem, para que o povo sofrido e criativo das escolas de samba ti- A vitória é de Prestes e da Chapa Popular
vesse vez e voz. “Está bem claro, vez mais, que os ‘shows’ são um poderoso
instrumento de ligação com as massas”. 39 Que importa que a intriga aumente
Uma outra atribuição dos shows, para o Partido, era o seu caráter O que eu quero é votar (bis)”
educativo, prestando o serviço à sociedade de instrução política das
massas desinformadas: Eu quero é votar, na sua função de promover a educação política do
povo, conforme enunciava a Tribuna Popular, procurava consolidar o
“O caráter festivo impresso ultimamente às nossas festas eleitorais imaginário em torno de Prestes como alguém cuja trajetória fora mar-
tem dado maior brilho às mesmas, tornando possível a realização de bons cada pela luta em favor dos ideais democráticos, o que lhe custou per-
comícios em locais onde a massa não está suficientemente esclarecida e seguições, injustiças e intrigas. E, que, a essas vicissitudes, reagia com
onde é preciso levar a nossa palavra”.40 bravura, transformando-se num símbolo de resistência em prol dos
interesses do povo e sendo por ele reverenciado. Afinal, o que valeria
“As músicas populares da campanha eleitoral podem e querem ser o sacrifício de ir até o Irajá, para escutar o querido Prestes, que muitos
cantadas pela massa. Para isso basta que os promotores da festa ao povo, ensinamentos teria a passar para o público,42 diante de sacrifício maior
profusamente, [distribuam?] volantes com as letras das músicas. Esta é feito para o povo, como passar dez anos encarcerado e comer o pão que
também, uma forma de educação política do povo”.41 o diabo amassou?
A edição de 16.01 da Tribuna Popular fazia a chamada, em letras
Uma dessas músicas populares da campanha eleitoral, era a mar- garrafais, para a Grande Festa Eleitoral de encerramento da campanha
cha Eu quero é votar, paródia da música que dá título à comédia da Chapa Popular, o comício histórico, batizado de O Primeiro Lugar

168 o pcb cai no samba samba, o ópio do povo? 169


para o Partido de Prestes. O texto apontava o comício como um espe-
táculo inédito em nossa vida política, uma alta demonstração de amor
patriótico e consciência cívica. O comício ao mesmo tempo, cumpria
uma outra função, a de festa da alegria do povo triunfante sobre os seus
inimigos que tudo fizeram para impedir a realização da campanha elei-
toral e das eleições. A festa do povo era também uma festa da cidade, da
querida cidade de heróicas tradições democráticas.
O comício era anunciado como a maior manifestação de massas,
jamais vista na capital da República. Em se tratando de manifestação
política “de massas”, organizada pelo Partido Comunista na conjuntu-
ra do pós-guerra e que admitisse o clima de festa, como os comícios/
festas eleitorais, era obrigatória a presença de escolas de samba:

“Centenas de cantores populares mobilizados pelo partido do povo,


bandas de música, ‘shows’ de todas as organizações do Partido Comunis-
ta, carros alegóricos, painéis, os artistas das Escolas de Samba que falam a
linguagem dos morros esperançosos de dias melhores, estandartes, fogos
de artifício – eis o que a grande massa verá no comício de meio milhão, Fig. 14 – Chamada para o
“comício mostro”, um dos
hoje, a partir das 4 horas da tarde, no Campo de São Cristóvão. eventos de maior público
Maior que todas as grandes festas esportivas, maior que os desfiles das já realizados pelo Partido
Escolas de Samba, que fazem descer do morro os trabalhadores anôni- Comunista. (Fonte: Tribuna
Popular, 16/01/1947, p.08).
mos, que os ‘trabalhistas’ de Getúlio e os udenistas de Hamilton Noguei-
ra ainda ontem insultavam em seus jornais, maior que todos os comícios
das grandes jornadas anteriores, o comício ‘O 1º lugar para o parti-
do de prestes’ deve ser igual à recepção da gloriosa FEB em que o povo
se irmanou nas ruas num grande dia da nacionalidade”.43

Falar a linguagem do morros esperançosos de dias melhores, além


de transformar as escolas de samba em porta-vozes das demandas so-
ciais e políticas de suas comunidades, como sugere o texto, significava
também traduzir através da música, da dança do samba e das alegorias
alusivas ao enredo dos comunistas, a mensagem do partido para as co-
munidades menos esclarecidas, de onde seriam provenientes as escolas
de samba, o que nos remete ao “drama” vivido por Graciliano Ramos
ao ter que discursar para os sambistas presentes à Praça Saens Pena.

170 o pcb cai no samba


As imagens que acompanham a publicidade do comício histórico
são bastante contrastantes e carregadas de simbologia. A matéria, de
página inteira, é emoldurada pela imagem, de um lado, de Prestes e de
outro, de João Amazonas, feitas por desenhista do jornal, dialogando
com a frase Prestes e Amazonas falarão ao povo, a qual introduz uma
longa manchete, que inclui as escolas de samba. Prestes e Amazonas,
separados pelo longo texto sobre o comício, são representados sorrin-
do, em posição movimento, sugerindo que estivessem caminhando.
O olhar, fixo no horizonte, parecia sinalizar confiança no futuro, o
que é reforçado pelo gesto das mãos dos dois dirigentes do partido:
Prestes, com o braço direito elevado e punho cerrado, e o outro braço
em posição de movimento, como se tomasse impulso para caminhar, e
Amazonas, com o braço esquerdo alinhado ao corpo, e o outro ergui-
do, acenando confiante.
Contrastando com as imagens dos dois oradores do comício his-
tórico, ao final da página, entre uma nota referente à participação do
Exército na garantia da ordem durante as eleições, e a marcha Eu quero
é rosetar, uma charge, retratando Getúlio Vargas e suas alianças po-
líticas. A charge, formada por duas cenas, servia como ilustração do
trecho da matéria quando se refere aos trabalhistas, entre aspas, que
costumavam insultar em sua imprensa os trabalhadores anônimos do
morro. Intituladas Ele disse... “trabalhador, o ptb é o teu partido” , dis-
curso de Vargas para as massas, afastadas e de costas, como se estivesse
indo embora, e Ele fez... “Mas estes são os donos do ptb”, fazendo refe-
rência à burguesia industrial, representada por personagens em posi-
Fig. 15 – Candidato João
Amazonas, uma das principais ções aristocráticas, vestidos de fraque e cartola, que tinha o símbolo
atrações do comício de São do cifrão desenhado. Um dos personagens carregava sob o braço um
Januário, acenando para a
massa popular. Ao seu lado,
trem, com um ponto de interrogação, sugerindo um questionamento
a representação de Prestes crítico sobre a que seria destinado àquele meio de transporte.
reproduz o gesto da principal Prestes e João Amazonas, ao contrário, trajavam paletós amarro-
liderança do Partido Comunista
numa fotografia da década tados, o que lhes dava ares de simplicidade, buscando estabelecer uma
de 1940: Prestes, de punho identificação com as camadas populares.
cerrado e olhar confiante
A participação das escolas de samba nos eventos promovidos pelo
caminha decididamente para a
vitória. (Fonte: Tribuna Popular, Partido Comunista, bem como a inserção dos comunistas no mun-
19/01/1947, p.08) do do samba, especialmente através das visitas às escolas de samba e

samba, o ópio do povo? 173


comparecimento às festividades promovidas por aquelas agremiações,
faz parte de uma complexa teia de relações estabelecidas pelo Partido
durante a sua legalidade.
Buscando atuar dentro dos padrões legais, o Partido procura lançar
mão dos mais diversos recursos possíveis para conquistar a credibilida-
de das massas e atraí-las para os seus quadros. Durante as eleições de
janeiro de 1947, as discussões acerca dos métodos para eleger os can-
didatos da Chapa Popular se intensificaram, sendo destinada à cultura
e à arte grande atenção. A arte e a cultura, especialmente se voltadas
para as camadas populares, eram apontadas como um dos principais
instrumentos de mobilização, educação política e propaganda. Ao
lado dos torneios de futebol, das apresentações de cantores da era de
ouro do rádio, dos concursos e gincanas promovidos pelos militantes,
as escolas de samba desempenhavam um papel importante, funcio-
nando como o principal elo de ligação do Partido com as comunida-
des dos morros do centro da cidade e de muitos bairros do subúrbio
carioca, onde o samba era um elemento gerador de identidade local,
como acontece ainda hoje nos bairros de Oswaldo Cruz, Madureira,
Bento Ribeiro e Vaz Lobo. Para os comunistas, faltava ainda consoli-
dar, nessas comunidades, uma identidade política, em nome da qual o
Partido Comunista acessaria recursos materiais e humanos.

Fig. 16 – “O samba, frisou Prestes, é


música e arte do povo, merecendo
todo o estímulo e apoio dos poderes
públicos”. Discurso proferido durante
visita à Escola de Samba Lira do Amor,
ocasião em que Prestes lembrou a
necessidade de intensificar a campanha
pela revogação da ‘da Carta fascista
de 1937’. (Fonte: Tribuna Popular,
22/02/1947, p.08).

samba, o ópio do povo? 175


c ap ít ul o 5

A quarta-feira de cinzas

“Tinha censura, mas o pessoal já sabia e ninguém fazia nada de político.


Realmente o samba ia para a censura, mas os nossos sempre passavam porque
os nossos compositores não tinham maldade política (...) o povo veio a se ligar
em política de uns tempos pra cá, antes ninguém sabia quem era quem,
não sabia e nem queria saber”.(D. Neuma da Mangueira) 1

5.1 – um a demo cr aci a r el at iva

O período compreendido entre 1945 e 1964 tem recebido dos estu­


diosos diversas denominações, dentre as mais utilizadas, podemos
citar: “período de democratização”; “período de redemocratização”;
“República Populista”; “Intervalo Democrático” ou ainda “A Era dos
Partidos”, expressões alusivas a um período caracterizado pela promul-
gação de uma nova Constituição, em substituição ao que a Tribuna
Popular chamou de “Carta Fascista de 37” e de “O Monstrengo Cadu-
co de 1937”e pela volta do pluripartidarismo, sobretudo.
Cabe aqui salientarmos que, apesar de uma nova Constituição,
que garantia conquistas importantes para os brasileiros, como o fim

177
do voto classista, à moda do nazi-fascismo e a instituição do voto fe-
minino obrigatório, e apesar do retorno à legalidade dos partidos po-
líticos, fatores que contribuem para a caracterização do período como
democrático, há de se argumentar que a nova Constituição conserva
alguns traços marcantes do período de autoritarismo, como a manu-
tenção da clt e o forte controle sindical, dando seqüência à subor-
dinação dos sindicatos ao Estado, como fizera Vargas. E o retorno ao
sistema partidário, “a despeito do seu caráter pluralista, confrontou-se
em condições altamente desfavoráveis, no terreno do processo decisó-
rio estatal, com a burocracia de Estado, então organizada como força
política autônoma”.2
A própria Constituinte de 1946 já se revelaria ultraconservadora
em sua base, objetivando a manutenção de um Congresso forte a fim
de se contrapor ao quadro anterior, onde o Executivo predominava.
A emenda n.º 3.159, proposta por constituintes do psd sentenciava:
“É vedada a organização , bem como o registro ou funcionamento de
qualquer partido ou associação cujo programa ou ação, ostensiva ou
dissimuladamente vise a modificar o regime político e a ordem econô-
mica e social estabelecidos nesta Constituição”.3
O governo Dutra, marcadamente conservador, contribuiu para Fig. 17 – “Depredação do PCB
a instabilidade da democracia de diversas maneiras. O alinhamento pela política. 1947. Fotógrafo:
Salomão Scliar”. (Fonte:
total, na política externa, aos Estados Unidos e a diluição das reservas
Arquivos da Relação. Rio de
obtidas na ii Guerra através da aquisição de produtos absolutamente Janeiro: FAPERJ, 2000, p.27).
irrelevantes para o desenvolvimento interno, como ioiôs, além da re-
sistência à promoção do desenvolvimento industrial brasileiro, não só
custaram-lhe o apelido de “presidente ioiô”, como traduziram a sub-
serviência do Brasil aos interesses monopolistas do capital estrangeiro,
contribuindo para a deflagração de uma onda de protestos e insatis-
fação dos trabalhadores, seguidas de forte repressão policial através
da chamada “polícia especial”, a polícia especializada em desarticular
violentamente comícios e manifestações dos trabalhadores.
Também é durante o governo Dutra que os comunistas eleitos
para a Constituinte de 46 terão seus mandatos cassados e o Partido,
que vinha ganhando expressividade, encabeçando a lista dos mais vo-
tados no Rio de Janeiro, por exemplo, será posto na clandestinidade.

178 o pcb cai no samba


A imprensa comunista também será reprimida, provocando uma cir- cordata de Mussolini com a Igreja Católica, Mons. Hélder Câmara, ao
culação irregular, o empastelamento da redação e o fechamento defi- Ministro da Justiça, Adroaldo Mesquita da Costa:
nitivo dos seus jornais. Os comícios comunistas interrompidos a bala
deixaram um saldo de vários militantes mortos e apontavam mais uma “A Ação Católica Brasileira felicita Vossa Excelência pela publica-
vez para o descompasso entre a garantia constitucional de direitos de- ção do decreto permitindo às entidades especializadas, de fins morais
mocráticos e a práxis política. e educativos, a assistência aos trabalhos de censura prévia das diversões
Em linhas gerais, os acontecimentos do período que se seguiu a públicas. A iniciativa de v.ex. credencia seu nome à gratidão de quantos
1946, ao contrário do que se costuma argumentar mesmo com res- anseiam dar às diversões sua verdadeira finalidade educativa, neutralizan-
salvas, não são o prenúncio de tempos democráticos que serão inter- do o poderoso fator dissolvente das tradições de honestidade da família
rompidos com o golpe de 1964, mas antes, a manutenção de insti- brasileira”.4
tuições conservadoras que se apresentam sob uma nova roupagem,
procurando desvencilhar-se do autoritarismo com que estiveram Em relação ao carnaval, a maior diversão pública do Brasil, ao con-
comprometidas na 1ª era Vargas e garantindo a permanência dos in- trário do que se costuma afirmar, a censura não é uma invenção do dip.
teresses oligárquicos e do capital estrangeiro. A democracia, abalada O nacionalismo expresso nos enredos das escolas de samba durante o
pelas fortes repressões aos trabalhadores e pela cassação primeiro dos Estado Novo, segundo Augras, é resultado da propaganda ideológica
parlamentares, “inconvenientes ao processo constituinte” e depois do do regime, à qual as agremiações, correspondem com enredos nacionais,
Partido Comunista, revelava-se tão frágil, a ponto de, após os con- buscando o seu reconhecimento e consolidação num cenário marcado
turbados fatos de agosto de 1954, um grupo de juristas promover a 1 pelo autoritarismo. Para a autora, a censura aos enredos surge com o
Reunião Nacional de Juristas pela Defesa das Liberdades Democráti- relacionamento das escolas de samba, via uges, com o Partido Comu-
cas, exigindo em sua resolução geral, o cumprimento “intransigente” nista. Não por acaso, em janeiro de 1947, a menos de um mês do Car-
dos direitos democráticos assegurados pela Constituição de 1946 e naval da Paz, tão entusiasticamente alardeado na Tribuna Popular, era
repudiando “os diversos projetos de lei e normas violadoras desses divulgado o regulamento do desfile para aquele ano, contendo medidas
direitos e liberdades”. que visavam a conter a euforia comunista junto às escolas de samba:
O legado do Estado Novo se transfere para o “período de redemo-
cratização”, por exemplo, no acentuado controle das polícias políticas “Art. 1º O desfile obedecerá exclusivamente à orientação da Prefeitu-
sobre qualquer tipo de manifestação, com base no apriorismo de que ra do Distrito Federal, representada pela comissão de festejos designada
espaços de agremiação popular, como movimentos sindicais, greves, pelo sr. Prefeito do Distrito Federal, de acordo com a Portaria nº 20, de
passeatas, movimento estudantil, grupos militares de baixa patente e 17 de janeiro do corrente ano. Para o julgamento da presente competição,
também diversões públicas, incluindo-se aí as escolas de samba, eram a comissão de festejos designará a comissão de julgamento. [era costume
considerados propensos a atos subversivos, devendo ser investigados e entre o jornal organizador do concurso, elaborar o regulamento e des-
submetidos à censura ostensivamente. tacar a comissão julgadora. Em 1947, porém, a prefeitura antecipou-se,
A revista Lei e Polícia, intitulando-se um órgão técnico de repres- assumindo para si esta responsabilidade].
são à delinqüência e combate ao comunismo, de junho de 1948, publica (...) Art. 6º Há inteira conveniência na divulgação dos enredos, fican-
no artigo A censura Prévia nas Diversões Públicas, telegrama do então do os concorrentes com inteira liberdade de distribuição aos jornais desta
representante da Ação Católica Brasileira, partidária da famosa Con- Capital. É obrigatório nos enredos o motivo nacional”.

180 o pcb cai no samba a quarta-feira de cinzas 181


O regulamento também falava na necessidade de “elevar o nível internacional. É considerado “subversivo” aquele cuja ação pretende im-
moral das escolas de samba”, exigindo das agremiações a aceitação plantar uma “nova ordem política” ou poderá acarretar a desestabilização
incondicional do “veredictum” [sic] pronunciado pela Prefeitura do do regime vigente. A ordem política, por sua vez, é entendida como resul-
Distrito Federal.5 tado da independência, soberania e integridade territorial da União bem
A Guerra Fria e o colaboracionismo dos governos brasileiros com como da organização e atividade dos poderes políticos. Justaposta ou
as potências capitalistas, criaram no País uma atmosfera de horror ao confundida com a ordem política está a “ordem social”, que se relaciona
comunismo, mesmo que não se tivesse muita clareza sobre o que pro- aos direitos e garantias individuais, ao regime jurídico de propriedade, da
priamente poderia ser considerado “comunista”, o que provocou uma família e do trabalho, à organização dos serviços públicos e de utilidade
busca verdadeiramente obsessiva ao combate do comunismo no Brasil geral e as relações de direito e deveres que mantêm com os indivíduos. 8
e resultou em graves distorções – que até hoje povoam a memória de
muitos brasileiros.6 “O conceito de ‘propaganda subversiva’ é apresentado invariavel-
mente com significação ampla, genérica, como se fosse a afirmação de
alguma coisa a respeito da qual todas as pessoas tivessem exatamente a
mesma compreensão. Afirma-se que tal procedimento é ‘subversivo’, e já
5 . 2 – a s p o líci a s p o lít i c as e o con t role está demonstrado o crime. Esse conceito genérico algumas vezes aparece
da or d em p o lít ica e so c i al concretizado, quando necessário enquadramento legal, sob a designação
de ‘doutrinação comunista’, outras vezes como ‘incitação à luta de classes’
As polícias políticas, que atuaram no Brasil no período de 1933 a ou se em ‘atos de guerra psicológica adversa”. E quase sempre os autos
1983, receberam diversas denominações e atribuições, passando de acusatórios fazem alusão à instigação da ‘animosidade contra as Forças
uma Delegacia vinculada à Polícia Civil do antigo Distrito Federal à Armadas e as autoridades constituídas’ ”. 9
posição de Departamento Geral, possuidor de inúmeras divisões, se-
ções e serviços e recebendo maior autonomia. Com a prática da lógica da suspeição, eram criados estereótipos
Examinando a literatura a respeito das polícias políticas bem acerca do suspeito, o “subversivo”, resultando em textos aberrantes,
como alguns dossiês e prontuários integrantes dos arquivos, observa- onde as características físicas de determinados sujeitos eram por si só
mos determinadas características que acompanham os trabalhos de “subversivas” e revelavam mais do que propriamente as suas atitudes,
investigação dos agentes e que se reproduzem nos relatórios por eles deixando transparecer quem eram e o que certamente iriam fazer. Na
produzidos. A lógica da suspeição,7 privilegiada desde a República Ve- documentação produzida no final dos anos 60, por exemplo, no auge
lha, orienta verticalmente as diretrizes de trabalho dos investigadores, dos protestos internacionais, do movimento estudantil, da liberação
estabelecendo uma tipologia capaz de classificar a priori pessoas ou sexual e do feminismo, eram considerados os maiores suspeitos, os
grupos de serem ou não “subversivos”. Através desse diagnóstico fazia- grupos de jovens que estivessem num automóvel modelo Fusca, cujo
se a censura preventiva, objetivando manter a purificação da sociedade interior “provavelmente” estaria repleto de panfletos subversivos, e
ou promover a profilaxia social, como os relatórios sugerem, afastando “provavelmente” teria a verdadeira placa do veículo escondida, ou ain-
os perigos da subversão. da, o automóvel “provavelmente” fora roubado para que os jovens fa-
A subversão é distinguida do crime comum e sobre ela recaem as çam assaltos a bancos e o produto do assalto possa servir para o custeio
maiores atenções sob o temor de se implantar no Brasil o comunismo da propaganda das idéias comunistas.

182 o pcb cai no samba a quarta-feira de cinzas 183


Nessa lógica, as conjeturas adquiriam o poder simbólico de que panfletos, flâmulas, fotografias e outros materiais aos relatórios pro-
nos fala Bordieu, passando a prevalecerem como um fato concreto, duzidos. Entretanto, tanto o recurso às idéias previamente concebidas
inadvertidamente reconhecido e incorporado, e irrefutável pelos gru- quanto a apreensão deste material, as “provas concretas”, a necessidade
pos sobre os quais esse poder é exercido. Assim como jovens em Fuscas de se relatar minúcias, sublinhar e destacar nomes, e carimbar os docu-
“certamente” estiveram envolvidos em atividades subversivas, escrito- mentos, classificando-os como “Confidencial” e “Ultraconfidencial”,
res, jornalistas, professores, proprietários de livrarias, estrangeiros, em favorecem uma construção de fatos inexistentes, mas que pretendem
especial europeus e nipônicos, e até mulheres louras, que serviam para ser verdadeiros, e contribuem para uma interpretação precipitada e
parar os motoristas fingindo ter problemas no seu automóvel, para distorcida dos acontecimentos. A persistência dos agentes em anexar
que os comparsas escondidos atacassem o veículo, “sem fazer mal ao aos relatórios, por exemplo, livros apreendidos em outros idiomas,
dono”, pois os seus interesses eram outros, estavam inseridos nos tipos sem preocuparem-se em traduzi-los, ou seja, sem se certificarem do
suspeitos sobre os quais as polícias políticas ocupavam o seu tempo conteúdo daquele material que viria a servir de prova contra alguém,
investigando: mas que mesmo assim seria suficiente para incriminá-lo, revela a fra-
gilidade dos esquemas de investigação, colaborando para a criação de
“A prática empregada foi a habitual: o casal de tipo japonês ficou do discrepâncias cada vez maiores. A intolerância em relação às diferen-
lado de fora, em função de cobertura, e os demais entraram no estabeleci- ças étnicas e culturais, o “abuso de poder e a ignorância tornaram-se
mento, dominaram os empregados e se apoderaram do dinheiro existente marcas registradas dos ‘fiscais de idéias’ ”.12
no cofre e nas caixas registradoras, mantendo tudo numa fronha e esta
num saco de papel de firma.” “ ... o mesmo figura como tendo recebido, em 1964, a revista
‘suyturys’, juntamente com correspondência suspeita. No entanto, em
O que a princípio seria concebido como roubo, crime comum, sindicância realizada pela Divisão de Operações deste dops, ficou apu-
passou a ser interpretado como ação com propósitos terroristas, de- rado que o aludido cidadão possui um irmão, residente na Lituânia, que
corrente da presença do “casal de tipo japonês”, uma suspeição pre- lhe escreve e envia revistas publicadas”.13
viamente consolidada não só pelo seu tipo étnico, como por agir, de
acordo com o relato policial, habitualmente da mesma forma, ficando Desde a Revolução de 1930 a censura postal era aplicada, preo-
de prontidão do lado de fora. cupando-se a partir de 1942 com as correspondências provenientes
Alexandre Wainstein, proprietário da Editorial Pax, entre os anos dos países do Eixo. “Para o censor postal, o estrangeiro suspeito tinha
1930 e 1940, por várias vezes teve seus livros apreendidos e queimados sempre um perfil e uma direção definida: se comunista, correspondia-
pelo deops de São Paulo, por se tratar de um suspeito em potencial: se com algum ‘camarada’ da União Soviética, Lituânia ou Espanha; se
“primeiro por ser de origem russa e judeu, identidade esta que lhe anarquista, mantinha contatos com a esquerda espanhola; se nazis-
conferia qualidades de ‘sujeito esperto, inteligente e de muita cultura’; ta recebia correspondência da Alemanha, e, se fascista, trocava cartas
segundo por estar ligado ao Partido Comunista; e terceiro por comer- com correligionários italianos”.
cializar obras traduzidas do russo”.11 Além da suspeição, aplicava-se também o que Marilena Chauí
Ao lado das ações pautadas na caracterização prévia dos suspeitos, chamou de ‘sistema’ de inversões político-ideológicas:15 os valores consi-
tem lugar uma outra característica do trabalho dos agentes das polícias derados retos privilegiavam um conservadorismo extremado, dando a
políticas: a necessidade de referendar o seu trabalho, anexando livros, qualquer manifestação avessa a ordem estabelecida uma nomenclatura

184 o pcb cai no samba a quarta-feira de cinzas 185


que imputava-lhe rótulos absolutamente pouco condizentes com os Desta feita, uma das pré-condições para uma sociedade recreati-
propósitos dos seus agentes políticos. A atividade comunista, decla- va ter o seu alvará de funcionamento liberado, era a apresentação do
rada ou rotulada pelos seus opositores como tal, recebia um espectro mapa da diretoria, com envio anexo de ficha pessoal de cada compo-
bastante variado, mas que indicava em linhas gerais reacionarismo e nente, incluindo-se documentação, estado civil, profissão e endereço
retrocesso, destruição e caos. Já a política de extrema direita adotada comercial, a fim de que pudessem ser feitos a devida conferência da
no período varguista, por exemplo, era anunciada como moderna.16 documentação e o cruzamento dos dados com os arquivos de outros
setores, como o trabalhista, por exemplo, para que fosse expedido o
“nada consta” e a agremiação pudesse desenvolver normalmente as
suas atividades.
5 . 3 – as políci as polít icas no mun d o
d o sa mba “Em 7/12/1950
Do Delegado de Costumes e Diversões
A dps, Divisão de Polícia Política e Social, criada em março de 1944, Ao Diretor da Divisão de Polícia Política e Social
recebeu as competências da antiga Delegacia Especial de Segurança Assunto – informação - solicita
Política e Social, possuindo, no ano de 1946 a seguinte organização: Sr. Diretor:
Delegacia de Segurança Social, Delegacia de Segurança Política, Ser- A fim de instruir processo de licenciamento do Grêmio Recreativo
viço de Investigações, Serviços de Informações e Cartório. Em seus Escola de Samba Portela, com sede administrativa na Estrada do Portela
arquivos encontram-se documentos produzidos e apreendidos, cata- n.º 446, remeto a V. S. o mapa da diretoria respectiva e peço que essa Divi-
logados sob a forma de dossiês, prontuários individuais, relatórios, li- são informe sobre os antecedentes políticos dos seus componentes”. 18
vros de presos, entre outros, organizados de acordo com os seguintes
descritores: Segunda Guerra Mundial, Espionagem, Estrangeiros, Ar- Após a checagem dos dados, uma intimidação, datada de
mamento, Sindicatos, Associações Beneficentes, Instituições Religio- 19/12/1950, do chefe do Setor Trabalhista: “(...) Torna-se necessário
sas, Sociedades Esportivas, Presos Políticos, História Contemporânea o comparecimento a este Setor dos senhores Armando Passos, João
do Brasil, Polícias Políticas, República Nova, Sociedades Recreativas, Ferreira Barbosa e João Mendonça do ‘Grêmio Recreativo Escola de
Ordem Pública, Ordem Social.17 Samba Portela’ a fim de esclarecimentos.”
Classificados no descritor Sociedades Recreativas, encontramos al- Dando seqüência às investigações, no mês seguinte, a 04/01/1951,
guns documentos a respeito das escolas de samba, produzidos pelas seria divulgado o resultado final para efeito da posse da nova direto-
polícias políticas durante o “período da redemocratização”. Apesar do ria daquela escola de samba, inocentando dois dos envolvidos, mas
pequeno volume de material a respeito dessas agremiações, conside- acusando Armando Passos, secretário do g.r.e.s. Portela, de possuir
ramos o corpus significativo para a nossa proposição, ou seja, analisar “antecedentes políticos (comunistas) neste Setor”. Isto pressupunha o
a forma com que os atores políticos consideram o mundo do samba, afastamento do cidadão envolvido da direção da escola e a continuida-
aqui traduzido por escolas de samba, vistas sob a ótica de “sociedades de das investigações em torno da sua pessoa.
recreativas”, cuja concentração de pessoas – de acordo com a lógica da Algumas circunstâncias embaraçosas, protagonizadas pelos pró-
suspeição - tornaria o ambiente favorável à circulação das idéias tidas prios agentes das polícias políticas, são verificadas ao longo das dili-
como perniciosas. gências, especialmente quanto a pessoas homônimas:

186 o pcb cai no samba a quarta-feira de cinzas 187


“Do Delegado de Costumes e Diversões Num terceiro ofício, de 29.12.1950, os policiais percebem através
Ao Diretor da Divisão de Polícia Política e Social de sindicâncias, cujos procedimentos não são explícitos nos documen-
Assunto: informações – solicita tos, que se referiam a outra pessoa:
Senhor Diretor:
A fim de instruir processo de licenciamento do Grêmio Recreativo “(...)
Sodade do Cordão, com sede administrativa na Rua Tacaratú, n.º 35, re- 1. josé soares de oliveira, o atual 2º Procurador do “gcs do c”
meto incluso a v.s. o mapa da diretoria respectiva e peço que essa Divisão [Grêmio Carnavalesco Sodade do Cordão], registra antecedentes polí-
informe, com a possível urgência sobre os antecedentes políticos dos seus ticos (comunistas).
componentes. 2. Procedeu-se a sindicância, apurando-se que joão messias dos san-
Atenciosas saudações, tos, atual 2.º Tezoureiro [sic] da supracitada sociedade, não é a mesma
Eduardo P. da Costa pessoa cujos antecedentes estão informados pelo Setor Arquivo do s.i.
Delegado Os demais membros dirigentes da sociedade em aprêço, não registam an-
Em 1.º de dezembro de 1950”. tecedentes nêste Setor. [sic]
Cecil Borer
A solicitação do delegado é prontamente atendida: Chefe do Setor Trabalhista”

“dps Os ofícios e requerimentos pertinentes à União Familiar Estrelas


Serviço de Informações de Rocha Miranda, cadastrados no dossiê n.º 6, e do Grêmio Recre-
Setor Arquivo ativo e Desportivo Primeiro de Março, dossiê n.º 5, datados dos anos
nº 47915 1948 e 1949, são bastante incisivos e apresentam um inflamado dis-
Ref. Prot. 22962/50 curso acerca do perigo comunista, uma demonização característica
dos anos iniciais da Guerra Fria, que vai adquirindo proporções cada
1.º) Com nome idêntico, aqui figura registado [sic]: vez maiores, orientando as investigações dos agentes para esse fim e
joão messias dos santos, empregado da Cia telefônica Brasileira e interpretando de maneira oblíqua os propósitos das sociedades e agre-
residente na Rua Nabuco de Freitas, 203, em 1945, figura entre os ele- miações submetidas à apreciação dos censores:
mentos recrutados para o extinto pcb, naquele ano.
2.º) Quanto aos demais nomes que compõem o quadro de diretores do “Departamento Federal de Segurança Pública
‘Grupo Carnavalesco Sodade do Cordão’, nada consta neste Setor” [ Se- Divisão de Polícia Política e Social
tor Arquivo do Serviço de Investigações]. Serviço de Informações
Em 02.12.1950 Em face dos antecedentes políticos (comunistas) que aqui registam
Chefe do Setor” Kleber Inácio da Silva e José da Conceição, componentes da diretoria
da ‘União Familiar Estrelas de Rocha Miranda’, e tendo em vista que é
No canto inferior do documento, encontra-se um carimbo com a princípio do extinto Partido Comunista do Brasil infiltrar seus agentes
seguinte inscrição: “Fichado no S.Iv. (st1) [Serviço de Investigações]. em todas [sic] as entidades de caráter profissional, recreativo, cultural,
Elemento de nome idêntico. 08229 esportivo, etc., esta Divisão opina contrariamente à concessão de licen-

188 o pcb cai no samba a quarta-feira de cinzas 189


ça ora pleiteada, a menos que os mesmos sejam substituídos. De ordem,
devolva-se à Delegacia de Costumes e Diversões.
Em 9-11-1948
Renato Lahmeyer
Chefe do Serviço de Informações”

O discurso do Serviço de Informações referenda o mecanismo da


suspeição, provocando uma adequação das ‘ocorrências’ a esse instru-
mento. Ao concluírem que dois dos membros da associação de Rocha
Miranda possuem antecedentes políticos logo (des)qualificados de “(co-
munistas)”, apressam-se também em justificar que tal atitude decorre ou
dá margem a um “princípio” do “extinto” – e aí está implícita a consci-
ência e valorização da atuação do Partido na clandestinidade – Partido
Comunista, que era infiltrar seus agentes “em todas as entidades de cará-
ter profissional, recreativo, cultural, esportivo, etc.” (grifos nossos).
A sentença anterior pretende absolutizar e maximizar a presença
de agentes comunistas nas entidades desportivas e profissionais e em
quaisquer outras, em última instância, em toda parte, traduzidas e não
especificadas pela expressão “etc.”. Estabelecer a substituição dos dois
membros apontados como comunistas, como condição para licenciar
a entidade em questão, representaria resguardá-la das práticas usuais
Fig. 18 – Fotografia de Rui
do pcb de infiltrar agentes nas associações, mesmo que não tivesse
Santos apreendida pela polícia
sido especificado o grau de envolvimento dos diretores da entidade política. Ao centro, vê-se dois
com o Partido, sugerido apenas pela genérica expressão “antecedentes leitores da Tribuna Popular, que
trazia a manchete: “Uma festa
políticos (comunistas)”. do povo para o povo”. (Fonte:
Apesar de extensos, consideramos importante transcrever dois dos Arquivos da Relação. Rio de
documentos componentes do dossiê número 5, do Grêmio Recreativo Janeiro: FAPERJ, 2000, p.26).

e Desportivo 1º de Março:

“dps
Referente Prot. nº 17.819/48
Dos sócios fundadores do Grêmio Recreativo e Desportivo 1º de Março,
figuram registados nesta Divisão, como célebres agitadores comunistas
(...)
Assim, esta Divisão, considerando que a referida entidade foge às finalida-

190 o pcb cai no samba


des que realmente deveria ter, não só opina pela não concessão da licença Nos documentos transcritos, permanece a imprecisão a respeito
ora pleiteada, como pela cassação do seu registo. De ordem, devolva-se à das atividades consideradas comunistas nas quais tenham sido envol-
Delegacia de Costumes e Diversões. vidos os membros da entidade que pleiteia o seu registro. No primei-
Em 5/11/1948. ro documento, a expressão “célebres agitadores comunistas” é utilizada
Renato Lahmeyer em função da extensa relação de nomes relacionados à associação que
Chefe do Serviço de Informações” encontram-se fichados nos arquivos comunistas apreendidos ou nas
próprias delegacias políticas, de acordo com as diligências do Serviço
“dps de Informações. A expressão dimensiona a atividade comunista no seio
Informação n.º (...) da nova agremiação que pretende se constituir e sugere, em combi-
Relativamente ao pedido de licença do “grêmio recreativo e nação com a sentença “foge às finalidades que realmente deveria ter” a
desportivo primeiro de março” e, considerando: criação de um cartel comunista, um aparelho – na linguagem dos anos
a) que não padece qualquer dúvida sobre a existência e a nocividade de 1960-1970 – dissimulado na forma de associação recreativa. Tamanha
elementos comunistas que integram sua diretoria, sem excluir seu procu- constatação tornava, aos olhos dos censores, imprescindível a rejeição
rador e representante legal – Dr. Heitor Rocha Faria - que não faz segre- da licença de funcionamento da entidade.
do de suas convicções moscovitas; No segundo documento, em particular no item c, são encontrados
b) que é um verdadeiro paradoxo a alusão que faz no item 3º do seu recurso, enunciados que atestam a suspeição, transformada em verdade incon-
dizendo que costumazes agitadores fichados de longa data nesta dps e com testável, como textualmente se observa, e que permitem por si só o
um vasto cartel de atividades comunistas são apenas “inofensivos rapazes”. repúdio à diretoria do grdpm: “... a verdade meridiana e inconteste é a
c) que apesar de fazer a declaração leviana de que o “grdpm não duvi- de que jamais agitadores comunistas se congregaram ou se congregam em
da nem cogita de saber se entre seus fundadores e diretores há alguém torno de qualquer entidade apenas para se conduzir em coerência com
que pertencesse ao extinto Partido Comunista”, a verdade meridiana e seus estatutos, mas sim, e tão somente, para dar asa aos seus pendores de
inconteste é a de que jamais agitadores comunistas se congregaram ou se agitadores.”
congregam em torno de qualquer entidade apenas para se conduzir em A condição de substituição de alguns membros da diretoria, des-
coerência com seus Estatutos mas, sim, e tão somente, para dar asa aos ta vez não é imposta como único caminho de licenciá-la, em função
seus pendores de agitadores; esta Divisão, tendo em vista a impossibilida- da constatação de que todos estariam comprometidos com atividades
de material de afastá-los da direção da entidade em causa, pois são eles a comunistas. A negativa da licença a esta e outras entidades é justifi-
sua razão de ser e a ela se acham intimamente identificados, não vê outra cada como uma medida de profilaxia social, buscando-se através da
alternativa senão aquela de solicitar ao Excelentíssimo Sr. General Chefe prevenção, frustrar possíveis acontecimentos que poriam em xeque a
de Polícia seja providenciado o competente despacho ao representante manutenção da ordem. A determinante do que seria propriamente o
do Ministério Público, pleiteando a dissolução do “Grêmio Recreativo e potencial foco de desordem, o que seria a atuação preventiva e a que
Desportivo Primeiro de Março”, à semelhança do que já se verificou com circunstâncias adotá-la é exatamente a lógica da suspeição.19
várias outras entidades congêneres, por se tratar de medida de verdadeira Comparecer às delegacias policiais para prestar esclarecimentos
profilaxia social. Devolva-se ao Gabinete de S. Excia. acerca de sua conduta, submeter os seus enredos e sambas à censu-
Em 21/09/1949.” ra e enviar mapas com dados pessoais dos componentes da diretoria
Diretor da Divisão” da escola de samba ou de qualquer entidade desportiva que pleiteasse

192 o pcb cai no samba a quarta-feira de cinzas 193


o “nada consta” da dps para o seu funcionamento, passou a ser uma
constante na vida de sambistas, compositores, artistas em geral e ad-
ministradores dessas entidades, incluindo-se clubes de futebol, tam-
bém considerados um lugar por excelência de subversão. Esta prática,
motivada pelo horror internacional ao comunismo, foi adotada desde
o Estado Novo, atravessou intacta o “período de redemocratização”,
cassando registros de funcionamento, direitos dos cidadãos e monito-
rando e censurando suas atividades.
O mundo do samba, que sempre esteve às voltas com a polícia, desde
os tempos do entrudo, passa a se relacionar também, a partir dos anos
30, e em especial durante a “redemocratização”, com as polícias políticas,
sob a suspeita de manter em seus quadros elementos comunistas infiltra-
dos, permanecendo, ainda que num outro contexto, onde se inscrevem
todas as manifestações populares, a sua caracterização secular de signo
da desarticulação da ordem e promoção da barbárie, mesmo após ter
Fig. 19 – A três dias das
sido promovido à condição de símbolo da brasilidade.
eleições, a Tribuna Popular
faz uma retrospectiva da
ditadura Vargas, anunciando
a chegada de um novo tempo
a partir da conscientização do
lumpemproletariado. A matéria, 5.4 – a difícil n ego ci ação
publicada em 16.01.1947, está
posicionada ao lado da coluna
O Samba na Cidade, o que faz
A relação entre a União Geral das Escolas de Samba e a polícia oscilava
transparecer a função política da entre momentos de crise e de cordialidade. Buscando transitar num ter-
coluna, destinada a esse mesmo reno movediço, mantido sob constante vigilância, a uges, em sua seção
público leitor.
na Tribuna Popular, fazia referências amistosas à polícia e até envia-lhe
mensagens de felicitações. Na coluna O samba na Cidade, da edição
de 19.01.1947, publica um telegrama enviado pelo chefe de polícia, o
General Lima Camara, retribuindo os votos de feliz Ano Novo.
No mesmo dia da publicação do telegrama do chefe de polícia, a
coluna O Samba na Cidade repudia a ação da “famigerada” Delegacia
de Ordem Política e Social, que enviou à sede da uges, no dia 16.01,
data do desfile em homenagem a Prestes,

“(...) um “beleguim”(...), interessado em saber quais as escolas de sam-


ba que desfilariam à tarde em homenagem ao senador Prestes. [o agente

a quarta-feira de cinzas 195


do Dops] Ameaçou adiante que as escolas participantes deste desfile te- 1947 ao lado da uges, chamou a atenção das autoridades policiais.
riam a sua licença cassada. (...) Inteirando-se do fato, o sr. José Calazans Como resposta à parceria pc-uges, foi criada uma nova entidade re-
[vice-presidente da uges] constatou momentos mais tarde, não passar presentativa das escolas de samba, a Federação Brasileira das Escolas de
o sr. Nestor Fernandes da Rocha de um ‘tira’ da famigerada delegacia de Samba. A iniciativa, tomada pelo prefeito Hildebrando Gois em parce-
Ordem Política e Social. Foi assim, mais uma vez, repelida outra provoca- ria com o delegado Cecil Borer, da dps (o mesmo que negara a partici-
ção dos caixeiros do sr. Imbassaí. pação de Armando Passos na direção da Portela, entre outras medidas
Os tempos são outros e a turma do samba não se deixa arrastar facil- relacionadas aos sambistas), representava uma clara resposta da direita
mente para as provocações policiais. Os sambistas sabem também da exis- ao relacionamento entre a uges e o Partido Comunista. Visando ao
tência de uma Constituição que lhes assegura as liberdades fundamentais”. esvaziamento da uges e à diminuição do alcance da Tribuna Popular,
a nova Federação passa a contar com a completa cobertura do jornal A
O texto acima revela que a uges não ocupava na Tribuna Popular Manhã, de propriedade do governo federal, que se põe a abordar dia-
um simples espaço de divulgação de seus interesses. Percebe-se uma riamente em suas páginas assuntos relacionados ao carnaval.20
simbiose entre o seu discurso e o discurso do jornal comunista, que A Prefeitura do Distrito Federal, que mantinha estreitas relações
repudiava com freqüência as atividades dos “beleguins” da “famige- com a nova entidade, decreta que ficará somente a cargo da própria
rada” dops. A Tribuna não só era o “órgão oficial da União Geral das prefeitura estabelecer o regulamento e conduzir o desfile, afastando
Escolas de Samba” como também o seu porta-voz. a Tribuna Popular da organização dos festejos e criando espaço para
Indignado com a proibição do carnaval de 1947, feita pelo chefe um intenso duelo entre os jornais Tribuna Popular e A Manhã. Cada
de polícia, o Carnaval da Paz, para o qual a Tribuna Popular vinha entidade, amparada pelo respectivo jornal, zelava para manter em seus
se preparando ansiosamente, o jornal passa a tecer ácidas críticas à quadros as escolas de samba que estavam a ela filiadas e faziam ataques
medida e ao chefe de polícia. Com a revogação da portaria, o jornal mútuos, caracterizando o que Sérgio Cabral, com muita propriedade,
comemora, em 10.01.1947, o feito e atribui a si a responsabilidade denominou Guerra Fria no Samba.
da conquista.
“Em nossas fileiras não admitimos cores políticas, especialmente
“Revogada a portaria contra o Carnaval aquelas que venham de encontro aos sacros desígnios da nossa Constitui-
Os vespertinos de ontem anunciaram que a portaria anti-carnavalesca ção. O que acontece – e isso fazemos questão de levar ao conhecimento
do Chefe de Polícia havia sido revogada. Este auspicioso fato, que era do governador da cidade – é que na União Geral das Escolas de Samba
aguardado com ansiedade por todo o povo carioca, constituiu mais uma atualmente, prevalece tudo, menos o samba. Os seus atuais diretores,
vitória da imprensa popular e democrática no Rio de Janeiro. A vitória, em vez de deixarem a política fora da entidade, preferiram transformá-la
no entanto, cabe mais particularmente à tribuna popular, que é ór- numa célula mater do Partido Comunista, motivo pelo qual as escolas
gão oficial da uges e foi o primeiro a protestar contra a portaria anti- de samba verdadeiramente brasileiras resolveram fundar uma nova en-
carnavalesca do Chefe de Polícia”. tidade, livre do câncer dos extremismos e das cores políticas. Queremos
alertar o ilustre prefeito, que se tem revelado um animador e protetor do
A cada vez mais destacada atuação da Tribuna Popular na promo- verdadeiro samba, que, ao receber o auxílio da prefeitura, a uges tira uma
ção de eventos que ligavam o Partido às camadas populares, estando, percentagem para os seus cofres.”
por exemplo, na linha de frente dos preparativos para o carnaval de

196 o pcb cai no samba a quarta-feira de cinzas 197


“O samba, essa melodia colorida, tão brasileira, tão nossa, não poderá 5.5 – ou t ros ca r nava is
jamais ser deturpado por elementos perniciosos completamente alheios
ao próprio samba.”21 Os anos 1960 foram marcantes na história das escolas de samba pela for-
te aproximação das agremiações com as camadas médias. O cpc da une
O esvaziamento da uges tornara-se progressivo. O repasse de foi um dos grandes canais de divulgação dos sambistas e de consolidação
subvenção somente às escolas de samba ligadas à Federação e o fecha- de uma cultura de valorização do artista popular junto à classe média
mento da uges por policiais – ainda que a entidade tenha recorri- carioca.. Cada vez mais os sambistas, antes desvalorizados em função de
do e conquistado o seu direito ao funcionamento – representavam a seu modesto nível de escolaridade e de sua condição social, conquista-
decadência de uma entidade de grande expressividade na década de vam respeitabilidade entre os jovens da Zona Sul da Cidade.
1940, tendo sofrido as mesmas sanções que o pcb naquele período de A visita aos terreiros e a subida dos morros do subúrbio à procura
redemocratização. Mesmo recebendo a adesão, em 1949, da Portela e do encontro com a cultura popular, tornava-se uma prática cada vez
da Estação Primeira, dissidentes do grupo da Federação, o carnaval da mais comum entre estudantes secundaristas e principalmente entre os
uges tinha o estigma de extra-oficial e a falta de recursos prejudicava universitários, convencidos de seu papel na inclusão social das mas-
o brilho da festa. sas. Zé Kéti, Cartola, Nelson Cavaquinho eram alguns dos artistas do
Sendo posto na ilegalidade em 1948 e tendo todos os seus parla- mundo do samba que mais diretamente atuaram nos projetos do cpc,
mentares sofrido a cassação dos seus mandatos, o fechamento da Tri- participando de seminários nas universidades, cantando para um pú-
buna Popular não tardou, encerrando um parêntese da história do Par- blico jovem que começava a descobrir a voz do morro.
tido nos breves anos considerados democráticos e de abertura política. O Partido Comunista, via movimento estudantil, participava dire-
Em plena redemocratização lá estavam o pcb, a Tribuna Popular e a tamente desse movimento, que tinha como instrumento pedagógico
União Geral das Escolas de Samba (que não escondia a sua admiração das camadas populares a arte popular revolucionária.22
pelo Partido) banidos da legalidade. O pcb, ainda que com dificulda- Nesse período, o interesse da censura pelas escolas de samba con-
des, passou a atuar clandestinamente. A Tribuna Popular teve as suas tinuava acentuado. O enredo do Salgueiro, História da Liberdade no
atividades definitivamente encerradas e a uges entrava numa crise ir- Brasil, não agradou à censura, que numa atitude de represália à ousada
reversível. Cada vez mais a estratégia de aproximação com as camadas iniciativa, obrigou a escola a conviver com a falta de luz na quadra,
populares, através das escolas de samba – “verdadeiros organismos de cortada pelas autoridades policiais.
massa”, nas palavras de Vespasiano Lyrio da Luz, o homem de ligação Durante os anos 70, imbuídos de uma cultura política que repu-
do Partido com as escolas de samba –, ou através de qualquer canal de diava o movimento estudantil e todas as manifestações de liberação
alcance das massas, se tornava restrita. A suspeição da dps provocava e democratização feitas pela juventude, os agentes do dops instaura-
um cerceamento relativo das atividades do Partido e intimidava as as- ram investigação a respeito de várias iniciativas em torno da criação
sociações desportivas e grêmios recreativos, forçando-os a encontrar da Ala dos Estudantes, na Portela. Considerando ser o pretexto para
possíveis brechas para a atuação na clandestinidade. a penetração ou infiltração (termos largamente utilizados que, segun-
do Bethania Mariani sugeriam a idéia de invasão de um espaço não
permitido)23 dos interesses comunistas, após uma série de protocolos
e pareceres, ficou decidida a proibição da ala de desfilar no carnaval,
sob a pena de a escola ser punida pela sua conivência. Ou a agremia-

198 o pcb cai no samba a quarta-feira de cinzas 199


ção bania de vez os estudantes, que por natureza, seguindo a lógica relações entre os comunistas (distribuídos entre o pcb, pc do b e mes-
que atravessou toda a existência das polícias políticas no Brasil, man- mo o pps) e o mundo do samba, guardadas as devidas proporções,
tinham um elo com a subversão e não se inseriram na escola de samba mantêm-se até hoje. Em 2000, durante a campanha eleitoral para a
com propósitos comuns aos foliões, ou seria indiciada por compactuar Câmara Municipal, circulou pela Cidade um panfleto de campanha
com a prática subversiva. Os extremos permaneciam. O meio termo, a do candidato a vereador pelo pc do b, Beto Salgueiro, marítimo e inte-
relativização, para quem elege grupos privilegiados de subversão, não grante do mundo do samba, que trazia como plataforma:
constam em seu vocabulário nem muito menos orientam a suas ações.
As escolas de samba, apontadas como um dos alvos preferenciais dos “(...) 2- Mundo do Samba e suas comunidades
“elementos comunistas”, recebem atenção dos censores até a extinção Defender a doação, pela Prefeitura, de terrenos em locais adequados para
do órgão, em meados dos anos 1980. barracão das escolas de samba;
José de Oliveira, ressalta duas tendências da cultura política ma- Lutar pela posse definitiva de terrenos da Prefeitura do Rio de Janeiro,
nifestas nos enredos apresentados pelas escolas de samba durante o onde já estão localizadas as Escolas de Samba;
regime militar: o “Carnaval Compromisso” – representado em larga Implantação de programas de Qualificação Profissional, especializados
escala pela Beija-Flor – com seus temas ufanistas, que ressaltavam as com recursos municipais, para pessoal ligado às atividades de barracão
realizações da ditadura militar (mobral, Brasil 2000) – e o repúdio a de escolas de samba;
esse comportamento, através de enredos críticos, como os da Capri- Criação e implementação de vilas olímpicas e creches nas comunidades
chosos de Pilares e Império Serrano. Não encontramos, porém, nos ar- ligadas ao mundo do samba;
quivos das polícias políticas, referências a essas escolas, embora sejam Projetos da comunidade salgueirense.(...)”
de domínio público os contratempos enfrentados, por exemplo, pelo
g.r.e.s. Caprichosos de Pilares por conta de seus enredos críticos. Em 1999, Luiz Carlos Prestes foi cantado na avenida, num curioso
No entanto, o dops produziu diversos documentos a respeito samba da Acadêmicos do Grande Rio. Dessa vez, não num desfile pro-
da g.r.e.s. Unidos de Vila Isabel, por ocasião de uma homenagem movido pelo Partido, mas, com todo o aparato que cerca o carnaval
– como nos tempos da “redemocratização” – das escolas de samba ao carioca da atualidade, no desfile oficial. Sinal dos tempos.
Cavaleiro da Esperança, na passagem de seu aniversário.
“acadêmicos do grande rio
“(...) Este departamento geral, em atenção ao solicitado, in- prestes, o cavaleiro da esperança
forma que a festa em homenagem aos 85 anos de Prestes, contou com ( João Carlos – Carlinhos Fiscal – Quaresma)
a presença de cerca de mil e quinhentas pessoas, que, com a chegada
do homenageado, cantavam o ‘slogan’: ‘de norte a sul, de leste a oeste, Desperta, nasceu
o povo todo grita luiz carlos prestes.’ (...) No final da solenidade, Cem anos nos pampas, que herança!
prestes foi presenteado com um auto Chevrolet Opala, placa rj/ Coração Vermelho a palpitar
ou-2785 sedan, prata azulado e metálico”.24 Cavaleiro da Esperança
Luiz do proletário carleando a Nação
A Unidos de Vila Isabel, ainda na década de 1980, teve como pre- Enfrentou adversários
sidente Russa, que elegeu-se vereadora pelo Partido Comunista. As Fez do Verbo o seu canhão

200 o pcb cai no samba a quarta-feira de cinzas 201


Sonhos de P de coragem
Cheio de C de paixão
Pelas trilhas destas terras, destas terras
Explosão de arte e guerra, não se encerra Conclusão
Igualdade em seu pensar
Bolívia, Rússia, China um exílio que ensina
Proporciona um novo lar
Fruto de sua batalha
Fez-se a tropicália
E no Senado ascender
E a Coluna vai embora
Prestes soube e fez a hora
Esperar é perceber...
Hoje de cara pintada
Grande Rio irmanada, com imenso prazer
Tocantis se manifesta, a hora é essa
Prestes a acontecer
Ah! eu tô maluco, amor
Ah! quero reformas já
Ah! quero paz e amar
Sou Caxias, vou marchar”

P ro cur a mos n est e t r a ba lh o co n t r i b ui r pa r a


o d e b ate em torno das relações do Partido Comunista do Brasil
com a cultura popular, escolhendo como estudo de caso o samba. Re-
correndo aos teóricos que se ocuparam do conceito de cultura popular,
optamos por considerá-la não como um palco de luta, um duelo com
uma cultura de elite, onde sairiam, necessariamente, vencedores e per-
dedores, estes fadados a perderem a sua essência, como vimos em alguns
trabalhos analisados durante nosso estudo, mas cultura popular como
um espaço que se relaciona dialeticamente com a cultura de elite, num
constante processo de definição e redefinição de ambas as partes.
O samba, considerado um fenômeno eminentemente popular,
torna-se nessa discussão um elemento fundamental, pois é um espaço

202 o pcb cai no samba 203


de apaixonadas discussões preocupadas em conservar as suas “raízes”, sa e Propaganda a divulgação desta nova maravilha pelos arredores do
que seriam guardiãs de uma cultura popular em seu estado puro, sem Brasil e do mundo e a promoção de uma nova imagem do sambista:
interferências da mídia, investimentos empresariais ou penetração de a de trabalhador regenerado, refeito do vício da boêmia e das agruras
elementos estranhos a ele (pessoas não oriundas dos subúrbios e fa- da malandragem.
velas cariocas ou pertencentes a uma elite intelectual), responsáveis O carnaval a partir de então ganhara subvenção do Estado, trans-
por lhe causar deformações e afastar-se das suas raízes. Nessa medida, formara-se num espetáculo internacional, tipo exportação, e tornara-
a cultura popular de nossos dias já não seria mais autêntica, seria um se competitivo. Os sambas e enredos obedeciam a um tom apologéti-
produto da voraz indústria cultural, salvo alguns resquícios que de- co, de exaltação, ganhando arranjos marciais.
vem ser preservados. A partir do governo Dutra, precisando obedecer a um rígido re-
Esse discurso, que ganha alguns novos contornos com o passar do gulamento, que previa a inclusão das escolas de samba na categoria
tempo, como a questão pagode carioca (“verdadeiro”) versus pagode “grêmio recreativo”, os sambistas passaram a ter o seu comportamento
paulista (“falso”), remonta, como procuramos analisar, às primeiras regrado pela Delegacia de Costumes e Diversões, que mantinha estrei-
décadas do século, quando o samba, da condição de maldito pelas to relacionamento com a dps, a polícia política herdeira das atribui-
elites, fruto das manifestações de uma camada social marginalizada, ções da polícia de Vargas.
ascende como símbolo da cultura nacional, raiz da cultura popular, Nos arquivos da dps, encontram-se à disposição dos pesquisadores
sendo cantado e exaltado por ilustres músicos, intelectuais e pelas eli- prontuários e dossiês relativos a pessoas e entidades ligadas ao mundo
tes políticas nos anos pós-1922. do samba, com destaque para os documentos produzidos durante o
Observando o mundo do samba a partir do seu relacionamento chamado período de redemocratização. No período em foco, ressalta-
com o Estado, especialmente na sua atribuição de portador do mo- mos a importância dos registros produzidos pela dps referentes às di-
nopólio da violência, percebemos que a relação entre ambos sempre ligências feitas junto aos grêmios recreativos e associações desportivas
fora conflituosa, marcada pelo ofuscante predomínio de uma cultura que pleiteavam o seu alvará de funcionamento. Só mediante o “nada
política pouco afeita a uma série de comportamentos e hábitos sociais consta” da Divisão de Polícia Política e Social é que seria permitida a
de uma classe cujo status beirava a condição de marginalidade. manutenção de componentes da diretoria na escola de samba, ou em
Ao buscar a normatização do carnaval, por exemplo, o poder públi- outra entidade em questão, ou mesmo seria concedida a licença para
co não só ansiava incluir nos seus parâmetros uma manifestação popular essas agremiações desenvolverem as suas atividades.
que reconhecidamente transitava entre os pomposos salões da elite ca- Na nossa amostragem, foram analisados alguns documentos indi-
rioca, através dos compositores de samba, que funcionavam como uma cativos do temor das autoridades policiais em relação à atuação de ele-
espécie de mediadores culturais, como também decretava a extinção de mentos envolvidos com atividades comunistas nestes locais de aglo-
lendários personagens populares, como o zé pereira e o malandro, que meração das camadas populares, considerando, através do mecanismo
procuravam sobreviver dentro dos espaços limitados de atuação. da suspeição, ser uma estratégia há muito conhecida a penetração de
O ultranacionalismo, que imprimiu à Era Vargas o seu caráter interesses “subversivos” nesses espaços. Numa medida textualmente
conservador, promoveu uma obsessiva busca da essência do ser bra- denominada de “profilaxia social”, os agentes secretos inspecionavam
sileiro, uma autenticidade mitificada que elegeu a mestiçagem como e buscavam censurar as atividades das agremiações, resguardando a
signo da cultura brasileira e nomeou o samba o seu ritmo genuíno, e, sociedade dos perigos que o comunismo internacional provocaria no
dentro dessa perspectiva, oficial. Coube ao Departamento de Impren- país, sem no entanto, buscarem elucidar o significado do termo “co-

204 o pcb cai no samba conclusão 205


munismo” e seus derivados, além das expressões vinculadas ou mesmo jornal e ao Partido, declarando o seu apoio aos candidatos da Chapa
substitutas daquele termo, como por exemplo o adjetivo “subversivo”, Popular, para as eleições de 1947, e ostentando a idéia – pela qual pa-
ao qual tanto repudiavam. garia um alto preço – de que a Tribuna passara a ser o seu canal oficial
Ao longo dos anos 1946-1964, considerados de distensão política, de comunicação. A relação de parceria indicaria bons frutos para o
o que é bastante discutível, o trabalho das polícias políticas com seus carnaval daquele ano, onde a Tribuna não só faria ampla cobertura
censores desenvolvia-se em larga escala. Músicos, poetas, composito- como também participaria da organização dos festejos e inclusive da
res, enfim toda a classe artística, bem como todas as organizações po- elaboração do regulamento, como fizera no desfile em homenagem a
pulares não foram poupadas da suspeição de que ali poderia haver um Prestes no ano anterior.
anti-nacionalista em potencial. Entretanto, a uges que agregou em torno de si um expressivo nú-
Mesmo sob a vigilância das polícias políticas foi possível ao pcb, mero de escolas de samba e respondia até então pelos interesses dessas
via Tribuna Popular, durante um espaço de tempo tão breve quanto a entidades, passando a receber destaque nas páginas da Tribuna Popu-
própria existência do vespertino, uma sólida aproximação com as esco- lar, começaria a amargar os dissabores do ostracismo, provocado pela
las de samba, “verdadeiros organismos de massa”, buscando construir a criação de uma nova corporação, a Federação Brasileira das Escolas de
imagem do jornal como o veículo oficial de divulgação dos interesses Samba, uma iniciativa de setores comprometidos com a direita bra-
das escolas de samba, e o Partido como o legítimo defensor daquela sileira, ligados inclusive à dps, cujo intuito explícito era “libertar” o
gente talentosa e sofrida dos morros cariocas. samba dos “elementos perniciosos” que dele estariam se apoderando,
As campanhas do Partido, sempre voltadas para as massas, confor- devolvendo-o à condição de música nacional, isenta das abordagens
me os ideais comunistas, traziam como estratégia a realização de vários subversivas. A Manhã, um matutino de conhecido posicionamento
shows populares, visando a conquista das camadas menos favorecidas conservador, estava para a Federação assim como a Tribuna Popular
por meio daquilo que tanto prezavam: a sua cultura. A necessidade esteve para a uges, num duelo desigual que colaborou para o fim
constante de ter entre suas atrações durante os comícios, que não por daquela que parecia uma sólida aliança entre as massas advindas do
acaso passam a ser chamados de festas eleitorais, a exibição das escolas mundo do samba e o Partido. A nova regulamentação baixada pela
de samba, e a criação de uma série de marchinhas carnavalescas que prefeitura, que assumia o controle do carnaval, previa o corte de sub-
exaltavam as qualidades do Partido e de seus candidatos, entre outras venções às escolas não alinhadas à Federação. Essa medida provocou
diretrizes políticas devidamente estabelecidas pelas células e Comitês um considerável enfraquecimento da uges, que sucumbiu ao lado da
Democráticos, representavam para a inteligentsia do pcb mecanismos Tribuna Popular e do pcb, posto na ilegalidade. A era da democrati-
de educação política das massas e de aproximação do Partido com a zação finalmente expunha de fato o seu rosto. O mundo do samba,
base, formada pelo operariado que, segundo o leninismo, teria papel como já de costume, estivera mais uma vez diante da força instituída
primordial na tomada do poder e na transformação da sociedade rumo pelo poder estatal.
ao comunismo. Cabia aos intelectuais do pcb a função de organizar as O estreitamento dos laços entre o Partido e as escolas de samba,
camadas populares, preparando-as para a sua participação decisiva no na segunda metade dos anos 1940, consolidou uma parceria bastante
processo histórico, sob o comando do Partido. sólida, que, mesmo durante a ilegalidade não se dissolveu. Durante
As relações entre o pcb e o mundo do samba pareciam perenes. a ditadura militar, a relação Partido Comunista-mundo do samba
A uges, entidade representativa das escolas de samba, mostrava-se ganhava um novo fôlego, motivada pelo interesse de alguns setores
cada vez mais entusiasmada com o interesse que despertava junto ao da classe média, especialmente entre os estudantes universitários e a

206 o pcb cai no samba conclusão 207


classe artística, em abrir caminho para a participação das camadas po- n ota s - in t rodu ção
pulares no processo social.
A relação do pc com o mundo do samba, entretanto, não pode ser 1 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Livros Proibidos, Ideias Malditas - o Deops e as
vista como uma apropriação total do outro. Havia uma aproximação minorias silenciadas. São Paulo: Estação Liberdade, 1997.
mútua, caracterizada pela reciprocidade do mundo do samba, que via 2 ENGEL, Pascal. Pode a Filosofia escapar da História? In: Passados Recompostos –
no espaço aberto pelo Partido uma oportunidade de garantir os seus campos e canteiros da História. Rio de Janeiro: UFRJ: Fundação Getúlio Vargas,
próprios interesses. 1998, p.112.
3 O registro pcb é cassado em maio de 1947, entretanto, o mandato de seus parla-
mentares é mantido até o ano seguinte, permitindo ainda que de maneira restrita,
a atuação legal dos deputados e senador comunistas.
4 CARONE, Edgar. O pcb – 1943-1964. São Paulo: DIFEL, 1992, pp. 3 e 5.
5 CARONE, Edgar. O pcb. São Paulo: DIFEL, 1982. A obra de Carone além de te-
cer uma competente análise da conjuntura na qual o pcb se inscreve, contribui na
viabilização de importantes fontes produzidas pelo Partido, o que será de grande
valia para o nosso trabalho.
6 CHILCOTE, Ronald H. O Partido Comunista Brasileiro: conflito e integração.
Rio de Janeiro: Graal , 1982.
7 VINHAS, Moisés. O Partidão – A Luta por um Partido de Massas (1922-1974).
São Paulo: Hucitec, 1982.
8 In: História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: DIFEL, 1981. Tomo III,
vol.3, pp. 364-451.
9 PANDOLFI, Dulce. Camaradas e Companheiros: História e memória do pcb.
Rio de Janeiro, Relume Dumará: Fundação Roberto Marinho, 1995.
10 MAZZEO, Antônio Carlos. Sinfonia Inacabada: A política dos comunistas no
Brasil. São Paulo: Boitempo, 1999.
11 BRANDÃO, Gildo Marçal. A Esquerda Positiva: As duas almas do Partido Co-
munista. São Paulo: Hucitec, 1997.
12 MARIANI, Bethânia, O pcb e a Imprensa: os comunistas no imaginário dos jor-
nais - 1922-1989. Rio de Janeiro: Editora Revan, UNICAMP, 1998.
13 Ainda que nossa delimitação temporal se restrinja à segunda metade dos anos
1940, isso não nos impede de termos em conta fenômenos que excedem a tem-
poralidade demarcada.
14 Adotamos a expressão popular mundo do samba como uma categoria que, no
nosso entendimento, poderá dar conta da multiplicidade dos elementos por ela
representados, como rodas de samba, carnaval, escolas de samba, sambistas, entre

208 o pcb cai no samba notas 209


outros. Recorreremos, entretanto, sempre que necessário ao uso dessas expressões 26 Podemos citar grupos de leitores que lêem por divertimento, leitores ocasionais e
isoladamente. É preciso salientar que reconhecemos que o mundo do samba é leitores profissionais, enfim, uma gama de interesses diversos do que fora original-
híbrido, como esclareceremos melhor mais adiante. Essa será uma das questões mente previsto pelos autores do texto. Nesse aspecto, a contribuição de Martin
centrais de nosso trabalho. Lyons nos é muito valiosa, ao se debruçar sobre os leitores operários no oitocen-
15 Uma das raras exceções conhecidas foi o enredo Branca de Neve e os Sete Anões, tos: “Os social-democratas alemães, na virada do século, promoviam a educação
da Vizinha Faladeira, em 1939. A escola fora desclassificada naquele ano por des- da classe operária por meio de bibliotecas voltadas para as ciências sociais. Os
cumprimento ao regulamento. Vários pesquisadores , entre eles Sérgio Cabral e leitores poderiam, de início, utilizar a biblioteca para obter literatura de entre-
Rachel Soihet, afirmam que tal penalidade foi decorrente da proibição por parte tenimento, mas esperava-se que viessem a ‘progredir’ passando para os textos
do Estado Novo, de as escolas de samba desenvolverem enredos com temáticas clássicos do socialismo, para Kautsky e, eventualmente, para Das Kapital. O bi-
estrangeiras. Monique Augras discorda deste ponto de vista e afirma que a obri- bliotecário Griesbach, de Dresden, declarou que a principal função dos bibliote-
gatoriedade de temas nacionais data de 1945, durante o Governo “democrático” cários entre os operários era ‘fazer com que os usuários passassem da literatura de
de Dutra. Abordaremos melhor essa discussão no capítulo 2. diversão para a leitura dos textos de não-ficção. (...) Esse otimismo educacional,
16 AUGRAS, Monique. Medalhas e Brasões: a história do Brasil no samba. Rio de contudo, estava destinado a fracassar, na medida em que leitores das classes ope-
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1992; O Brasil do Samba-enredo. Rio de Janei- rárias, em sua grande maioria, escolhiam a literatura de entretenimento oferecida
ro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. pelas bibliotecas circulantes, fossem elas patrocinadas por empregadores ou por
17 FARIA, Fernando A. e Matos, Maria Izilda S. de. Lupicínio Rodrigues – o femini- sindicatos”. Lyons, Martin. Os novos leitores do século XIX: mulheres, crianças,
no, o masculino e suas relações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. operários. In: CAVALLO, Gugluielmo e CHARTIER, Roger (orgs.) História da
18 MATOS, Cláudia. Acertei no Milhar – samba e malandragem no tempo de Getú- Leitura no Mundo Ocidental. 2. São Paulo: Editora Ática, 1999, pp.166-202.
lio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. 27 Idem, idem, pp. 117-134.
19 Apud. FARIA, Fernando e MATOS, Maria Izilda, op. cit. 52. 28 Grêmio Recreativo Escola de Samba, uma denominação obrigatória, a partir de
20 VELLOSO, Mônica. Mário Lago: Boêmia e Política. Rio de Janeiro: Fundação 1939, para todas as escolas de samba.
Getúlio Vargas, 1997. 29 Supra citado.
21 Não se pode, porém, deixar de reconhecer as contribuições de Antônio Albino Cane- 30 LEVI, Giovanni. Sobre a Micro-história. In: BURKE, Peter. A Escrita da Histó-
las Rubim ao debate em torno da política cultural do pcb. Dialogaremos intensamente ria – novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, pp. 141-142.
com o autor, especialmente no capítulo 3.
22 CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro e VAINFAS, Ronaldo
(orgs.) Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 1997, p. 45-59.
23 Segundo Certeau, a prática do historiador está relacionada com o lugar social
que ocupa, a disciplina metodológica e uma escrita. Ver CERTEAU, Michel. A
Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
24 Revista de sociologia e política. Dossiê Constituinte de 1946. Curitiba: UFPR,
1996, n. 6 e 7.
25 CHARTIER, Roger. A História Cultural – entre práticas e representações. Lisboa:
Difel, 1990.

210 o pcb cai no samba notas 211


n ota s - ca pít u lo i freqüenta as quadras, participa dos ensaios, anseia pelo desfile, se esmera em fazer
bonito ao pisar na passarela. Aqui não poderia se identificar o elemento popular?
1 MATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis – para uma sociologia do dile- Ou o popular se torna uma presa fácil dos interesses econômicos que cercam o
ma brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. carnaval, nesse caso, da estrutura empresarial, do luxo e da riqueza dos megades-
2 ARAÚJO, Hiram e JÓRIO, Amauri. As Escolas de Samba em Desfile: Vida, Pai- files das chamadas “superescolas de samba S.A” e se deforma? Não haveria espaço
xão e Sorte. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura, 1969. para a discussão de que o popular se transforma e interage com outros grupos so-
3 GUIMARÃES, Francisco. Na Roda de Samba. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1978. ciais? E os chamados “falsos pagodes”, seriam menos populares por “afastarem-se”
4 RANGEL, Lúcio. Sambistas e Chorões. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1962. das tais “raízes” e por terem em alguns casos um aparato de mídia ao seu redor?
5 CAVALCANTI, Maria Laura V. de Castro. Carnaval Carioca: dos bastidores ao 12 Zeca Pagodinho, apontado como um dos herdeiros do samba de raiz, reverencia
desfile. Rio de Janeiro: UFRJ: FUNARTE, 1995. em quase todas as faixas do seu disco “Um dos poetas do samba” (1992), as velhas
6 Analisaremos mais detidamente o lugar do samba no projeto de construção da guardas da Portela e da Mangueira. Numa das faixas, dedicada à velha guarda da
nação, no capítulo 2. escola azul e branco, o cantor presta a sua homenagem àqueles que lhe ensinaram
7 Referência à Praça Mauá, região portuária conhecida como tradicional reduto do o que é o samba. Não qualquer tipo de samba, mas àquela linhagem da qual o can-
submundo carioca e percebida como um dos espaços que preservam traços de um tor é apontado como herdeiro: o samba do subúrbio, ensinado pelos bambas das
Rio de Janeiro nostálgico. Durante o carnaval, o bloco Escravos da Mauá desfila velhas guardas: “Vambora Velha Guarda... E aí vem a Velha Guarda da Portela, do
nas imediações, avivando a atmosfera saudosista e construindo uma identidade de saudoso Nílson com esse belo samba... uma homenagem a todos aqueles que me en-
novo reduto do samba “verdadeiro”, “não descaracterizado”. sinaram o que é o samba: Tia Doca, Tia Eunice, Tia Surica, Monarco, Casquinha,
8 E-mail recebido na semana do carnaval de 2000, enviado por um acadêmico de His- Manacéa, Alberto Lonato, Argemiro e outros mais... Chico Santana (pout- pourri
tória de uma universidade carioca. Optamos por resguardar a identidade do autor e Meu Tamborim – Alcides Lopes; Dá-me um Sorriso – idem – Vida de Fidalguia –
omitir os nomes citados, pois se trata de uma mensagem de circulação restrita. Alvaiade e Chico Santana, faixa nº6)
9 Ideologia aqui entendida como falsa consciência das relações de domínio entre 13 ROMERO, Sílvio apud AYALA, Marcos e AYALA, Maria Ignez. Cultura Popu-
as classes. Cf. BOBBIO, Norberto. Ideologia. In: Dicionário de Política. Brasília: lar no Brasil. São Paulo: Ática, 1995, p. 14.
Editora Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial, 2000, pp. 585- 14 SANTOS, Lygia e SILVA, Marília Barbosa. Paulo da Portela - traço de união entre
597; CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980. duas culturas. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1989.
10 Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 1202. 15 Idem, p. 25.
11 Uma questão se coloca: quem vai às quadras das escolas de samba? Quem são 16 Idem, ibdem, p.25.
as costureiras, escultores, pintores, bordadeiras, carpinteiros, vidraceiros, dese- 17 Note-se que, por diversas vezes, as autoras utilizam “as classes” como referência
nhistas, artesãos? Quem é essa gente empenhada em construir a ilusão?, para- ideológica às camadas superiores da sociedade. E sobre os estratos sociais infe-
fraseando Martinho da Vila em seu samba-enredo da Unidos de Vila Isabel, Pra riores, menos econômica e socialmente favorecidos, referem-se por “as massas”,
tudo se acabar na quarta-feira, de 1984. Por que ainda se fala em comunidade, e estabelecendo uma confusão semântica entre os termos classe e massa, utilizados
com muita freqüência, durante os desfiles das escolas de samba? Não estaria ali aqui para denotar posições opostas na divisão social.
presente a cultura popular? Não exatamente como se queria que ela estivesse, de 18 GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes. São Paulo: Companhia das Letras,
forma idealizada, conservadora (no sentido de conservar algo que já não existe 1987, p. 16.
mais), mas ali está, apropriando-se do carnaval da maneira como melhor lhe con- 19 Sobre o problema da generalização do conceito de cultura em Geertz e do conse-
vém, reinventando-o, reinterpretando-o, e vivenciando-o de forma intensa, pois qüente esvaziamento da percepção das diferenças culturais de um mesmo grupo,

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ver as críticas de Giovanni Levi no seu ensaio Sobre a micro-história, in: Burke, n ota s - ca p ít u lo ii
Peter (org). A Escrita da História – novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992;
e as constantes referências a esse problema feitas pelos autores da obra organizada 1 Tomamos como parâmetro a análise de Ângela de Castro Gomes, em seu traba-
por Jacques Revel. Jogos de Escalas – a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: lho intitulado O Redescobrimento do Brasil: “O povo do Estado Novo é um corpo
Fundação Getúlio Vargas, 1999. político hierarquizado pelo trabalho, não tendo a vontade da massa em bloco,
20 THOMPSON, E. P. Costumes em Comum. São Paulo: Companhia das Letras, nem da multidão de indivíduos organizados segundo seus interesses. Neste senti-
1998, p.17. do, é dentro do corporativismo que o ideal de justiça se pode materializar, e é pela
21 Idem, p. 16. mesma razão que nossa democracia não é política , mas social.” In: Estado Novo:
22 CHARTIER, Roger. História cultural entre práticas e representações. Lisboa: DI- Ideologia e Poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1993, p.143.
FEL, 1990, p 56. 2 As teorias de inferioridade racial e as teses de branqueamento, bastante em voga
23 CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, desde o século xix, justificavam o atraso econômico e cultural do Brasil naquele
1996; VIANNA, Hermano. O Mistério do Samba. Rio de Janeiro: UFRJ: Zahar, momento.
1995. 3 Lacerda, Aline e Kornis, Mônica (orgs.). Estado Novo – a construção de uma ima-
24 VOVELLE, Michel. Ideologias e Mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. gem. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
214. A aplicação desse conceito foi utilizada num sentido bem próximo ao nosso 4 CUNHA, Olívia Maria Gomes da. Sua alma em sua palma: identificando a “raça”
intuito (ao nos referirmos aos agentes diretamente envolvidos no contato recí- e inventando a nação. In: PANDOLFI, Dulce (org.) Repensando o Estado Novo.
proco entre o Partido e o mundo do samba), por Hermano Vianna. Os candida- Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 258-259.
tos e dirigentes do pcb que vão às quadras das escolas de samba e os sambistas que 5 Apud CUNHA, Olívia Maria Gomes da. Op. cit. pág. 257.
promovem recepções aos comunistas e vão até a redação da Tribuna Popular ou 6 Idem, p. 266.
até a sede do Partido, em visitas de cortesia, serão percebidos aqui como respon- 7 Utilizamos aqui a expressão em seu sentido estrito, entendida como “categoria
sáveis por uma interação dialética entre cultura popular e cultura de elite, como social definida por seu papel ideológico: eles são os produtores diretos da esfera
principais agentes promotores da circulação cultural, enunciada por Gizburg. ideológica, os criadores de produtos ideológicos-culturais”, o que engloba “escri-
25 WISNIK, José. Miguel. Algumas questões de Música e Política no Brasil. IN: tores, poetas, artistas, filósofos, sábios, pesquisadores, publicistas, teólogos, certos
BOSI, Alfredo (org.). Cultura Brasileira. São Paulo: Ática, 1987. tipos de jornalistas, certos tipos de professores, estudantes, etc.” LÖWY, Michael.
26 Ocupamo-nos dessa temática no trabalho Cultura Política nas Escolas de Samba Para uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários. Apud. Ridenti, Marcelo.
do Rio de Janeiro, 1975-1984, apresentado no XIII Encontro Nacional da ANPUH, Intelectuais, estudantes e artistas: Paris, 1968. IN:REIS Filho, Daniel Aarão (org.)
em Belo Horizonte, 1997. . Intelectuais, História e Política. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000.
27 SOIHET, Rachel. A Subversão pelo Riso. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Var- 8 COSTA, Valeriano M. Ferreira. Vertentes Democráticas em Gilberto Freyre e Sér-
gas, 1998, p. 152. gio Buarque. IN: Lua Nova – Revista de Cultura e Política, nº 26, 1992, p.219.
28 Ver Barbosa, Marília. e Silva, Lígia. Paulo da Portela – traço de união entre 9 Apud Freyre in: DIEHL, Astor Antônio. A Cultura Historiográfica Brasilei-
duas culturas. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1989. ra. Do IHGB aos anos 30. Passo Fundo: EDIUPF, 1998, p. 181.
29 Acertei no milhar – samba e malandragem no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro: 10 Motta, Carlos Guilherme. Ideologia da Cultura Brasileira. São Paulo: Ática,
Paz e Terra, 1982 1990, p.31
11 Idem , p. 58.
12 Op. cit., p. 221.

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13 O autor cita como emblemático o encontro, em 1926, entre Gilberto Freyre, Sér- 27 CABRAL, Sérgio, op. cit., p. 126.
gio Buarque de Holanda, Prudente de Moraes Neto e Villa-Lobos, com Pixin- 28 CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar,
guinha, Donga e Patrício Teixeira. Para Vianna, este encontro, de grande desta- 1996.
que na mídia, já demonstra essa tentativa de construção da idéia do samba como 29 Apud. SILVA, Marília Barboza e SANTOS, Lygia. Paulo da Portela. Traço de
elemento articulador da identidade nacional, num ato de invenção da tradição, União de Duas Culturas. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1989, p. 135.
descrito por Hobsbawn ou de fabricação da autenticidade, como define Peterson, 30 GOMES, Ângela de Castro. Ideologia e Trabalho no Estado Novo. In: PAN-
a despeito das tentativas de Gilberto Freyre de banalizá-lo, de deixar transparecer DOLFI, Dulce (org.) Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Ge-
que o evento seria algo cotidiano, comum, e não um importante passo de um túlio Vargas, 1999, p. 65.
projeto de construção da tão almejada identidade nacional, características dos 31 AUGRAS, Monique. O Brasil do Samba-Enredo. Rio de Janeiro: Fundação Ge-
debates intelectuais das décadas de 20 e 30, e que encontra nesses intelectuais o túlio Vargas, 1998, p.52.
seu maior expoente. 32 Trataremos mais detidamente do papel político e educativo da arte no capítulo 3.
14 Apud. CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 33 Cultura Política, set. 1941. Apud Gomes, Ângela de Castro. O Estado Novo e
Lumiar, 1996, p. 114. Grifo nosso. a recuperação do passado brasileiro. In: História e Historiadores. Rio de Janeiro:
15 Apud CABRAL, Sërgio. Op. cit. p.114. Fundação Getúlio Vargas, 1999.
16 CABRAL, Sérgio, pp. 134-235. 34 CABRAL, Sérgio, op. cit.., p.124.
17 AUGRAS, Monique. O Brasil do Samba-Enredo. Rio de Janeiro: Fundação Ge- 35 Idem, p. 127.
túlio Vargas, 1998, p. 53. 36 WISNIK, José Miguel. Algumas Questões de Música e Política no Brasil. In:
18 Esplendor e decadência do carnaval. Tribuna da Imprensa, 16 de dezembro de BOSI, Alfredo (org.) Cultura Brasileira – Temas e Situações. São Paulo: Ática,
1950, pp. 5- 6. Grafia da época. 1987, pág. 120.
19 WISNIK, J. M., op. cit. p. 120. 37 SOIHET, Rachel. Op. cit. P.132.
20 Apud. NAVES, Santuza Cambraia. O Violão Azul. O Modernismo e a música po- 38 Apud. SOIHET, Rachel. p.132.
pular. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 38. 39 No editorial do jornal Folha Dirigida, de 22 a 29 de fevereiro de 2001, semana
21 Idem, p. 37. de carnaval, lia-se: “No passado o título de país do carnaval era usado pejorativa-
22 Id. Ib. pp. 75-76. mente em relação ao Brasil. (...) Independente disso, o carnaval, aliado ao turis-
23 Idem, ibdem, p. 72. mo, passou a ser a grande festa nacional, gerando milhares de empregos diretos e
24 BOMENY, Helena. Três Decretos e um Ministério: a propósito da educação no indiretos. No Rio de Janeiro, as Escolas de Samba durante todo o ano passaram
Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janei- a recrutar milhares de profissionais. A rede hoteleira também esgota a sua capa-
ro: Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 137. Entre os intelectuais atuantes nos cidade de ocupação. Outros centros também lucram com o carnaval, em especial
projetos desse ministério, Bomeny cita Mário de Andrade, Carlos Drummond de Salvador e Recife. A cidade de São Paulo também incorporou o carnaval a seu
Andrade, Anísio Teixeira, Rodrigo Mello Franco, Alceu Amoroso Lima, Jorge de calendário. Em outros estados o turismo também se faz crescente. Desse modo,
Lima, Manoel Bandeira, além é claro, de Villa-Lobos. o país do carnaval passa a ter uma conotação positiva.” Ainda que se deva levar
25 GOMES, Ângela de Castro. Op. cit. P. 139. em conta que o mote do editorial é a chegada do carnaval associada à natureza
26 Editorial, Brasil social, intelectual e artístico. Cultura Política (1); 227, mar. da publicação, voltada para a grande massa de desempregados de níveis médio
1941. Apud. GOMES, Ângela de Castro. História e Historiadores. Rio de Janeiro: e superior, é curioso observar que a essência do discurso é a relação do carnaval
Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 140 com o trabalho. A grande festa popular se torna “positiva”, nas palavras do editor,

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pela sua importância no mercado de trabalho. Mesmo que não se possa vincular n ota s - ca p ít u lo iii
diretamente tais idéias ao discurso estadonovista que relaciona mundo do samba
e trabalho, o que seria por demais precipitado e infundado, é interessante per- 1 RODRIGUES, Leôncio Martins. Um Intelectual da Velha Guarda. In: BAS-
cebermos os pontos de contato entre ambas as falas, onde ressalta-se o caráter BAUM, Hersch W. Cartas ao Comitê Central – História sincera de um sonhador.
funcional e disciplinador da festa. São Paulo: Discurso Editorial, 1999.
40 O Radical, 31.01.1936. Apud. SOIHET, Rachel. A Subversão pelo Riso. Rio de 2 RUBIM, Antônio A. C. Marxismo, Cultura e Intelectuais no Brasil. In: MORA-
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 146. ES. João Quartin (org.). História do Marxismo no Brasil. São Paulo: Unicamp,
41 Em novembro desse mesmo ano, o Cidadão-Samba, juntamente com seu par- 1998, vol. III, p. 340. Para uma discussão mais detalhada da formação do Partido
ceiro Heitor dos Prazeres, Marília Barboza, a violonista Ivone Rabelo e o grupo Comunista, ver RODRIGUES, Leôncio M. O PCB: Os dirigentes e a organiza-
Turunas Cariocas compunham a Embaixada do Samba, levando o samba brasi- ção. In: História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: DIFEL, 1981. Tomo
leiro para o Uruguai. Embora não tivesse caráter oficial, representava a música III, vol.3, pp. 364-451.
brasileira no exterior, que cada vez mais voltava as suas atenções para o “ritmo 3 Idem, idem, p. 343.
nacional”. Para maiores detalhes a respeito da excursão da Embaixada do Samba, 4 Idem, ibdem, p. 351.
ver SILVA, Marília e SANTOS, Lygia. Paulo da Portela. Traço de união entre duas 5 AMADO, Jorge. Homens e Coisas do Partido Comunista. Rio de Janeiro: Hori-
culturas. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1989. zonte, 1946, p. 11.Apud. Rubim, op. cit. pp. 324-325.
42 Idem. 6 FALCÃO, Frederico José. Ilusões de Estratégia: O PCB do apogeu à crise do stali-
43 MOURA, Clovis. O Negro de Bom Escravo a Mau Cidadão. Apud SOIHET, nismo (1942-1961). Universidade Federal do Rio de Janeiro: Instituto de Filosofia
Rachel, op. cit. p.140. e Ciências Sociais. Dissertação de Mestrado, 2 v.,1996, v. 1, p. 41 (mimeo).
44 ARAUJO, Hiran, (coord.) Memória do Carnaval. Rio de Janeiro: Oficina do Li- 7 ARAUJO, Mônica da Silva. O Realismo Socialista no Brasil (1945-1948). Niterói:
vro, 1991. Apud SOIHET, op. cit. p. 145. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia.
45 Além de participar de eventos relacionados à apresentação do mundo do samba Monografia, 1998. (mimeo)
a estrangeiros, o sambista de Oswaldo Cruz conseguira levar ilustres políticos à 8 BOTTOMORE, Tom et. Alii. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janei-
sua escola de samba, entre eles, Lindolfo Collor, Frederico Trota, Lourival Fontes, ro: Zahar Editor, 1998, p. 18.
Pedro Ernesto, Mourão Filho. Conhecido como um organizador nato, “nosso 9 Renovação. Salvador, maio/junho de 1944, nº 13, ano 7. Arquivo Graciliano Ra-
professor”, como costuma cantar a Velha Guarda da Portela, tornou-se um mito mos: IEB/USP.
no mundo do samba e na comunidade de Oswaldo Cruz, que vem sendo redesco- 10 AMADO, Jorge. Apresentação. O Momento. Salvador, 3 de setembro de 1945,
berto meio século depois da sua morte. apud. RUBIM, Antonio A. op. cit, p. 340.
46 Como a Companhia Siderúrgica Nacional, o Conselho Nacional de Petróleo, o 11 A Associação Brasileira de Escritores, fundada em 1942 por intelectuais, sofria
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o IBGE, o Instituto Na- uma forte influência do Partido Comunista, interessado em controlar ou fundar
cional do Livro, o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Esta- agências culturais e associações de intelectuais, consolidando o seu projeto polí-
do, e a organização da Juventude Brasileira (que estimulava o culto à pátria pelos tico de organização da cultura.
estudantes), entre outras realizações. 12 Arquivo Graciliano Ramos – IEB/USP. Série Correspondências Ativas, doc. 46.
No que tange à aproximação comunista com o mundo do samba, o Partido irá
enunciar uma série de procedimentos a serem adotados, entre eles o tipo de lingua-
gem utilizada nos pronunciamentos e abordagens, as estratégias de atração e ade-

218 o pcb cai no samba notas 219


são ao Partido, entre outros, que trabalharemos mais detidamente no capítulo 4. 22 Ver entrevista de João Amazonas na Revista de Sociologia e Política. Op. cit., pp.
13 RUBIM, Antonio A. C. op. cit. p. 368. 83-100.
14 GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro: 23 Entrevista com o ex-deputado Batista Neto, idem, idem, pp.101-112.
Civilização Brasileira, 1979, p.3. 24 A declaração, lida por Jorge Amado na sessão de 29 de agosto de 1946 e publicada
15 SCHLESENER, Anita Helena. Hegemonia e Cultura: Gramsci. Curitiba: UFPR, no Diário da Assembléia, à fl. 4390, é assinada por toda a bancada comunista.
2001. 25 Trataremos melhor da fragilidade da redemocratização de 1945 no capítulo 5.
16 Para um painel mais completo sobre a atuação dos intelectuais no PCB, cf. a dis- 26 Diário da Assembléia, 25 de maio de 1946, fl. 2085.
sertação de mestrado de PALAMARTCHUK, Ana Paula. Ser Intelectual Comu- 27 Pronunciamento do deputado Maurício Grabois na sessão de 16 de agosto de
nista. Escritores brasileiros e o comunismo (1920-1945). São Paulo: UNICAMP, 1946. Diário da Assembléia, fls. 4133-4134.
17 Para Antônio Carlos Mazzeo, trata-se da configuração de uma “legalidade bur- 28 Discurso de Amado na sessão da Assembléia em 29 de maio de 1946, publicado
guesa” (...) e não da democracia plena (...) [porque] a própria ‘redemocratização’ no Diário da Assembléia, à fl. 2167.
não rompe com a autocracia burguesa. Articulada pela habilidade histórica dos 29 Certamente o projeto estadonovista inspirava-se em alguns elementos do fascis-
políticos burgueses, a ‘redemocratização’ realizou-se ‘pelo alto’, cooptando os se- mo italiano, como a própria idéia do corporativismo. Hoje, discute-se as distân-
tores populares, que se organizavam em grupos políticos incipientes. Uma vez cias entre o projeto e a prática, pondo em questão uma série de idéias até então
estruturada a transição e a legitimação desse processo, novamente as organizações incontestes. O Programa de Estudos do Tempo Presente, da UFRJ, tem se desta-
populares seriam postas à margem, como ocorreu com a cassação do PCB e de cado nessa questão desenvolvendo pesquisas que em muito contribuem para que
sua bancada. Sinfonia Inacabada – A Política dos Comunistas no Brasil. São Paulo: sejam desfeitos certos cânones a respeito do Estado Novo (colocando em xeque a
Boitempo, 1999 p. 91. própria experiência corporativa no Brasil, por exemplo), lançando uma nova luz
18 A bancada do Distrito Federal, a maior do Partido, era composta por 4 cons- sobre os complexos anos 1937-1945.
tituintes: além do senador Luiz Carlos Prestes, os deputados João Amazonas, 30 Em 1996, João Amazonas, na já citada entrevista concedida à Revista de Sociolo-
Maurício Grabois e Batista Neto; Caires de Brito, Jorge Amado, José Crispim, gia e Política, quando perguntado sobre as avaliações do Partido sobre a consti-
e Osvaldo Pacheco formavam a bancada paulista; por Pernambuco foram eleitos tuinte de 1946, que atribuíam a repressão contra o Partido e contra o movimento
Gregório Bezerra, Agostinho de Oliveira e Alcedo Coutinho; Abílio Fernandes popular à “meia dúzia de elementos fascistas infiltrados no governo”, responde:
e Trifino Correia representavam o PC gaúcho na Constituinte; a bancada flumi- “Não. Não eram ‘meia dúzia de fascistas’. O que havia de fato era uma estratégia
nense era composta por Alcides Sabença e Claudino Silva. do governo Dutra de eliminar pela força os comunistas...”. Op. cit., p. 95.
19 Segundo o jornal A Classe Operária, órgão central do Partido Comunista, edição 31 BRAGA, Sérgio. Op. cit., vol. 2. p. 724. O autor indica a obra Navegação de Cabota-
de 29.06.1946, o Partido àquela altura contava com um total de 200.000 filiados, gem: apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei. Rio de Janeiro:
representando um marco na história do PCB. Record, 1992, onde o escritor baiano descreve o processo de aprovação de emenda
20 NETTO, Evaristo Giovanetti. A Esquerda e os Impasses da Transição para a De- constitucional de sua autoria assegurando a liberdade religiosa e de crença.
mocracia no Pós-Guerra (1945-1946). In: Revista de Sociologia e Política. Dossiê 32 Diário da Assembléia, 02.08.1946, fl. 3814. Note-se que Jorge Amado interpreta a
Constituinte de 1946. Curitiba: UFPR, 1996, pp. 37-58. suposta passividade e preguiça do brasileiro, enunciadas pelas modernas teses em
21 Para um estudo detalhado do perfil da Constituinte de 1946, conferir a disser- voga nos anos 1940, como fruto do subdesenvolvimento econômico a que o país
tação de mestrado de BRAGA, Sérgio Soares. Quem foi Quem na Constituinte estivera submetido, o que produziria um reflexo direto na cultura do país.
de 1946 – um perfil socioeconômico e regional da Constituinte de 1946. Brasília: 33 GRABOIS, Maurício. Op. cit., p. 7.
Câmara dos Deputados, 1998, 2v. 34 Idem, ibdem, p. 7.

220 o pcb cai no samba notas 221


35 LENIN, Vladimir. Informação de Classe: A Natureza Classista da Informação. 42 GRABOIS, Maurício. op. cit, p. 18.
Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1975. Apud. FIGUEIREDO, Apolinário Rebelo, 43 LÊNIN, Vladimir. Que fazer? São Paulo: Hucitec, 1979, pp. 126-127. Apud. FI-
A Imprensa Central do Partido Comunista do Brasil. Brasília: Centro Universitá- GUEIREDO, Apolinário Rebelo, op. cit., p. 55.
rio De Brasília-UNICEUB, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas-ICSA: 2000, 44 Tribuna Popular, 10.11.45, página 3.
mimeo. (monografia), p. 48. 45 GRABOIS, Maurício. op. cit. p. 17.
36 LENIN, Vladimir. Informação de Classe: A Natureza Classista da Informação. 46 RUBIM, Antonio A. C. op. cit. P. 328.
Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1975. Apud. FIGUEIREDO, Apolinário Rebelo, 47 Falaremos sobre o cinema comunista no capítulo 4.
op. cit. p. 51. 48 Op. cit., pp. 24-25.
37 GRABOIS, Maurício. op. cit., p. 21. Tamanha importância atribuída ao princi- 49 Duas questões são capitais para Maurício Grabois e vão acompanhar toda a sua
pal órgão do PCB levou o escritor Jorge Amado, na edição de A Classe Operária, trajetória no PCB: o trabalho de divulgação do Partido, onde a imprensa de-
de 09 de março de 1946, a definir o jornal como “Pão e Luz” dos comunistas. Cf. sempenha papel fundamental; e a formação intelectual dos quadros do Partido.
FIGUEIREDO, Apolinário Rebelo. Op. cit. P. 36. Tais questões persistem ao longo de toda a existência do Partido. No já citado
38 LENIN, Vladimir. Que fazer? São Paulo: Hucitec, 1979, p. 184. apud. FIGUEI- estudo de Apolinário Rebelo Figueiredo, o autor analisa o discurso de Grabois no
REDO, Apolinário Rebelo. Op. cit. p. 44. informe do IV Congresso do PCB, em 1954: “Grabois faz um apelo para que ‘am-
39 Entrevista concedida à autora, em 08.06.2000. Paulo Motta Lima, assim como seu pliemos os nossos horizontes e pensemos na agitação e propaganda em termos de
irmão Pedro Motta Lima, teve grande participação no jornal comunista Tribuna milhões’. Noutro trecho desse documento, Grabois trata a imprensa do Partido
Popular. O entrevistado, hoje conselheiro da ABI, trabalhou na Câmara dos De- como ‘uma arma insubstituível na propaganda do programa e na luta pela execu-
putados, sediada no atual Palácio Tiradentes, fazendo a cobertura dos trabalhos ção das tarefas que o Partido enfrenta’. Para o jornal cumprir essa ‘importante ta-
da Assembléia Nacional Constituinte, em 1946, para o vespertino comunista. refa’ é necessário ‘elevar o nível político, ideológico e profissional dos nossos jor-
40 RUBIM, Antonio Albino Canelas, op. cit., p. 312. nalistas’, em outras palavras, era preciso realizar a montagem do “estado-maior”,
41 A imprensa comunista brasileira surge em 1925, quando foi fundado o jornal A conforme Lênin, formando exércitos de escritores e jornalistas especializados.
Classe Operária, órgão central do Partido Comunista do Brasil. Em 1928, o Partido Ao tratar do conteúdo dos textos [Grabois] também critica o fato de que ‘pouco
fora posto na ilegalidade, um duro golpe no trabalho de divulgação do Partido e de utilizamos na imprensa (do Partido) um meio tão poderoso de esclarecimento e
sua linha política, obrigando os seus militantes e simpatizantes a uma ação bastante educação do povo como a polêmica’. PROBLEMAS. Rio de Janeiro: Editorial
limitada. A Classe Operária passou a circular clandestinamente. Com a volta à lega- Vitória, Dezembro de 1954, pp. 198-203. Apud. FIGUEIREDO, Apolinário
lidade, em 1945, o PCB experimenta a reorganização do seu trabalho de divulgação Rebelo, op, cit. p.52.
e atinge o apogeu da sua imprensa. Nesse momento, fazem parte do espectro da 50 GRABOIS, Maurício. op. cit. p. 18.
imprensa comunista: O Momento, Tribuna Popular (RJ), Hoje (São Paulo), Tribu- 51 RUBIM, Antonio A. C. Op. cit., pp. 323-324.
na Gaúcha (Porto Alegre), Folha do Povo (Recife), Jornal do Povo (João Pessoa), 52 Idem, idem, pp. 339-340.
Folha Popular (Natal), Tribuna do Povo (São Luiz), Jornal do Povo (Aracaju), Tri-
buna do Sul (Ilhéus), A Luta (Manaus), Folha Capixaba (Vitória), Jornal do Povo
(Curitiba), Estado de Goiás (Goiânia), O Democrata (Cuiabá), Tribuna do Povo
(Uberlândia), entre outros. Fonte: RUBIM, Antonio A. Canelas. Op. cit., pp. 316-
317. Essa ampla rede nacional ruiria com a cassação do Partido e o cancelamento
dos mandatos dos parlamentares, entre maio de 1947 e janeiro de 1948.

222 o pcb cai no samba notas 223


n ota s - ca pít u lo iv 22 Apud VALENÇA, Raquel e VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha, Serrano.
Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1981, p. 25.
1 Apud Cabral, Sérgio, op. cit., p. 109. 23 SILVA, Marília T. Barboza e OLIVEIRA FILHO, Arthur L. de. Silas de Oliveira
2 GRABOIS, Maurício. Levemos às Massas nossa Linha Política. Op. cit. pp. 14-15. – do jongo ao samba-enredo. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981, p. 69.
3 RUBIM, Antonio A. Canellas. Op. cit., p. 317. 24 Idem, idem, p. 70. A “estratégia democrática” de Paulo da Portela, a que os autores
4 Tribuna Popular, 30.08.1945, p.4. se referem, foi o ingresso do sambista no Partido Trabalhista Nacional, legenda
5 RUBIM, Antonio A. C. Op. cit., p. 339. pela qual pretendia eleger-se vereador.
6 Cf. VELOSO, Mônica. Mario Lago – Boêmia e Política. Rio de Janeiro: Funda- 25 Os autores de Silas de Oliveira - do jongo ao samba-enredo apresentam outra ver-
ção Getúlio Vargas, 1997. são para o samba de Lourival Ramos e Orlando Gagliastro, afirmando, inclusive
7 Tribuna Popular, 15.01.1947, p. 4. que o autor do samba teria sido Paulo da Portela, membro da comissão de honra
8 O jornalista Paulo Motta Lima, que atuou na Tribuna Popular durante os três do desfile, que procurou omitir a sua autoria. O samba-enredo teria a seguinte
anos de sua circulação, em entrevista à autora, em 08.06.2000, informou desco- letra: Prestes, Cavaleiro da Esperança/ Foi o homem que pelo povo sempre relu-
nhecer os responsáveis pela coluna, enfatizando que nem todos os jornalistas que tante/ Teu nome foi disputado nas urnas/ Ó Carlos Prestes/ Foi bem merecida a
trabalhavam na Tribuna eram comunistas. cadeira de Senador/ És o Cavaleiro que sonhamos/ De ti tudo esperamos/ Com
9 Tribuna Popular, O povo se diverte, 02.03.1946, p.5. todo amor febril/ Para amenizar nossas dores/ E levar bem alto as cores da ban-
10 Cabral, Sérgio. Op. cit., p. 137. deira do Brasil.
11 Apud Cabral, Sérgio, idem, p. 139. 26 Essa tendência fixou raízes profundas no mundo do samba. No artigo O Carna-
12 Coluna O povo se Diverte, 22.02.46, p. 5. val dos 500 Anos e o ofício do historiador, apresentado na ANPUH-2000, discuti-
13 Tribuna Popular, 17.02.46, p. 2. mos que obras clássicas da historiografia tradicional, como História do Brasil, de
14 CANDEIA. Escolas de Samba: a árvore que esqueceu a raiz. Rio de Janeiro: Lida- Rocha Pombo, continuam norteando os trabalhos de carnavalescos e composito-
dor/SEEC, 1978, p. 19. res na confecção de enredos e sambas-enredo.
15 Sobre a permanência do preconceito ao samba, ver TUPY, Dulce. Carnavais de 27 Cf. VALENÇA, Raquel Teixeira e VALENÇA, Suetônio. Op. cit.
Guerra – o nacionalismo no samba. Rio de Janeiro: ASB, 1985. 28 NASCIMENTO, Ernesto. Na rota do Prazer da Serrinha, o Império Serrano é
16 Idem, idem, p. 107. um porto seguro para o mundo atracar no Brasil. Rio de Janeiro: 2000 (mimeo). O
17 Apud CABRAL, Sérgio. Op. cit., pp. 103-104. A data da publicação na Tribu- referido autor é o atual carnavalesco da escola de samba Império Serrano e o texto
na Popular não foi corretamente indicada pelo jornalista Sérgio Cabral. Um dos citado trata-se da sinopse do enredo apresentado no carnaval de 2001, O Rio corre
pontos críticos da sua obra, que se tornou uma referência para os estudiosos do pro Mar, onde é feita referência à relação do Império Serrano com a estiva.
mundo do samba, é exatamente a sistematização inadequada das fontes. Ainda as- 29 A edição de 15 de janeiro de 1947 noticiava que todas as escolas que desfilaram
sim, tal fato não invalida a utilização do documento, considerando a dificuldade no Campo de São Cristóvão receberiam, como prêmio de participação, assina-
de localiza-lo em nossa pesquisa na Tribuna Popular. tura anual da Tribuna Popular, o jornal do povo, devendo informar à UGES o
18 Tribuna Popular, 11.01.1947, p.5. endereço de correspondência para receberem o matutino.
19 Idem, 17.02.1948, Coluna “O povo se diverte”, p 6. 30 Tribuna Popular, 01.01.1947, p.4.
20 Idem, 17.02.46, p.6. 31 CABRAL, Sérgio. Op. cit., p. 126.
21 CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba: o quê, quem, como, quando e por quê. Rio 32 Tribuna Popular 04.01.1947 – p.8.
de Janeiro: Fontana: 1974, p. 119. 33 Cf. VINHAS, Moisés. O Partidão. São Paulo: HUCITEC, 1982, pp. 129-130.

224 o pcb cai no samba notas 225


34 Discurso do candidato Vespasiano Lyrio da Luz. TP, 12.01.47, p.2. n ota s - ca p ít u lo v
35 CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar,
1996, p. 115. 1 Entrevista concedida a Raquel Soihet para a obra A Subversão pelo Riso. Cf.
36 Tribuna Popular, 08.01.1947, p. 3. [grifos nossos] SOIHET, Rachel. Op. cit., p. 149.
37 GRABOIS, Maurício, op. cit., p. 23. A Tribuna Popular organizava diversas ações 2 SAES, Décio. Democracia e Capitalismo no Brasil: Balanços e Perspectivas, In:
entre amigos para arrecadar fundos para a publicação do jornal bem como para a dossiê constituinte de 1946, pp. 129-147.
propaganda eleitoral do Partido. 3 Apud Revista de sociologia e política. Dossiê Constituinte de 1946. Curitiba:
38 Beatriz Ryff, famosa militante comunista que participou do levante de 1935 e es- UFPR, 1996, n. 6 e 7, p. 119.
teve presa na Sala 4, a primeira prisão política feminina, recorda-se de ter desfila- 4 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Dossiê Geral , n.º 67.
do no bloco carnavalesco Filhos do Povo, ao lado de Carlos Marighela, em 1947, o 5 Apud AUGRAS, Monique. O Brasil do Samba-Enredo. Rio de Janeiro: Fundação
que confirma a importância do samba para o Partido Comunista. Cf. DUARTE, Getúlio Vargas, 1998, pp. 62-63. Note-se a harmonia entre o discurso de Mons.
Leneide. A Sobrevivente da Sala 4. Jornal do Brasil. Domingo, pp. 12-14. Hélder Câmara em sua felicitação ao Ministro da Justiça pelo controle das diver-
39 Tribuna Popular, 09.01.1947, p. 8. sões públicas e as medidas tomadas pela Prefeitura do Distrito Federal.
40 Idem, 09.01.1947, p.8. 6 Mesmo das crianças, que repetem as idéias pré-concebidas pelas gerações anteriores,
41 Ibidem, 05.01.47, p. 2. apresentando, nas aulas de história, por exemplo, grande receio em abordar o tema.
42 Em Levemos às Massas nossa Linha Política, Maurício Grabois destaca como um 7 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Livros Proibidos, idéias Malditas – o Deops e as
dos mais importantes instrumentos de aprendizagem política ouvir os discursos Minorias Silenciadas. São Paulo: Estação Liberdade, 1997.
de Prestes. 8 GUIMARÃES, Valéria L., VIANA, Alexander Martins. Op. cit.
43 Tribuna Popular, 16.01.47, p.8. 9 In: Brasil Nunca Mais. Tomo III: Perfil dos Atingidos. RJ: Petrópolis: Vozes,
1988, pp. 284-285.
10 Idem, ibdem.
11 In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Op. cit., p.31.
12 Idem, ibdem, p.43.
13 Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Setor Administrativo, pasta 60.
14 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. op. Cit. pp. 42-43.
15 Ver prefácio à obra de De Decca, Edgar. 1930 – O Silêncio dos Vencidos, São
Paulo: Brasiliense, 1980.
16 O conservadorismo militar dos anos 1960, com o seu golpe de Estado, recebeu
o título de revolução, uma denominação que até hoje circula inclusive nos meios
acadêmicos. Decretando, através de carimbo nos documentos produzidos, o ca-
ráter “irreversível da revolução” e a consolidação da “democracia”, o então DOPS,
fazia com maestria a inversão de conceitos tão valiosos ao cenário político bra-
sileiro, contribuindo para a incompreensão, diluição ou mesmo a inversão – da
qual falava-nos Chauí – do significado desses valores junto ao senso comum:“A
Revolução de 64 é irreversível e consolidará a democracia no Brasil.”

226 o pcb cai no samba notas 227


17 Conferir ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Os
Arquivos das Polícias Políticas – Reflexos de nossa história contemporânea. Rio de
Janeiro: FAPERJ, 1996, p. 44.
18 DOPS – Setor Geral – 67. Bibliografia
19 Cf. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Op. cit.
20 CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lu-
miar, 1996, p. 147.
21 Apud. Cabral, op. cit, pp. 150-151.
22 DOMONT, Beatriz. Sonhos e Utopias em torno de um projeto cultural: o CPC da
UNE. Petrópolis: Vozes, setembro-outubro de 1998.
23 MARIANI, Bethania. O PCB e a Imprensa. São Paulo: Revan, 1998.
24 Departamento Geral de Investigações Especiais (DGIE), setor comunismo.

1 – ob r a s t eór ica s :

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Este livro foi produzido no Rio de Janeiro, em abril de 2009, para o Arquivo Público.
Texto composto em Garamond Premier Pro e fólios em Myriad Pro. Fotolito,
impressão e acabamento pela Imprensa Oficial. O papel pólen soft 90g/m2
foi usado para o miolo e cartão supremo 250g/m2 para a capa.

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