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Pedir Oferecer e Receber Ajuda v3
Pedir Oferecer e Receber Ajuda v3
PEDIR, OFERECER E
RECEBER AJUDA
Fernanda Angelini
ISBN: 978-65-00-30267-7
Edição: Pedro Simões
Revisão: Lucas Lara, Giovanna Ponte, Bian-
ca Mayumi e Rebeca Oliveira
Capa: Iuri Prando
Ilustrações: Igor Sudo
Diagramação: André Caniato
1ª EDIÇÃO
2021
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“Poder sem amor é imprudente e
abusivo, e amor sem poder é sen-
timental e anêmico. Poder no seu
melhor é amor implementando
as demandas da justiça, e justiça
no seu melhor é poder corrigindo
tudo que se está contra o amor.”
Martin Luther King Jr.
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Sumário
Pedindo ajuda
Recebendo ajuda
Ajudando os outros
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Uma crítica à caridade
Autonomia e responsabilização
Consentimento
Como ser um bom ouvinte
O que dizer quando não há nada que pos-
sa ser dito
Pais e filhos
Os limites da ajuda
Ajuda que não ajuda
Agradecimentos
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PEDINDO AJUDA
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Ninguém é uma ilha
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[3] INFOMONEY. Joseph Safra: a trajetória do
banqueiro mais rico do mundo. 2020. Disponí-
vel em: https://www.infomoney.com.br/per-
fil/joseph-safra/. ↩
[4] POLLILO, Aline. Anitta e seus poderosos:
veja quem ajuda a cantora em sua carreira.
2013. Disponível em: http://ego.globo.com/fa-
mosos/noticia/2013/08/anitta-e-seus-podero-
sos-veja-quem-ajuda-cantora-em-sua-carrei-
ra.html. ↩
[5] FEKADU, Mesfin. Family affair: Billie Ei-
lish, Finneas win big at Grammys. 2020. Dis-
ponível em: https://apnews.com/article/us-
news-ap-top-news-hip-hop-and-rap-basketball-
music-9aceafe2574d6ee0dc7aae308ae6926a. ↩
[6] SCHINO, Gabriele. Grooming and agonis-
tic support: a meta-analysis of primate recipro-
cal altruism. Behavioral Ecology, Oxford, v. 18,
n. 1, p. 115-120, jan. 2007. ↩
[7] DAWKINS, Richard. O Gene Egoísta.
Companhia das Letras, 2007. ↩
[8] HARARI, Yuval Noah. Sapiens - Uma Breve
História da Humanidade. L&Pm, 2015. ↩
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[9] HALLY, David. King: e Social Archaeo-
logy of a Late Mississippian Town in Northwes-
tern Georgia. University Alabama Press, 2008.
↩
[10] STODDER, Ann L W (ed.). e Bioar-
chaeology of Individuals. University Press Of
Florida, 2012. ↩
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Privilégio e oportunidade
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[13] KAUFMAN, Mark. e carbon footprint
sham. Disponível em: https://mashable.com/fe-
ature/carbon-footprint-pr-campaign-sham. ↩
[14] MIT NEWS. Leaving our mark. Disponí-
vel em: https://news.mit.edu/2008/footprint-
tt0416. ↩
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Desconstruindo a culpa
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https://dx.doi.org/10.3389%2Ffpsyg.2017.017
70. ↩
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Epistemologia do sofrimento
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Pedindo ajuda para quem odeia
você
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Kahneman relata em seu livro Rápido e Deva-
gar: Duas Formas de Pensar [19].
Nosso cérebro é composto de duas metades,
conectadas por uma área central chamada de
corpo caloso. Normalmente cada hemisfério
executa as suas respectivas tarefas e o corpo ca-
loso permite que os dois lados se comuniquem
para coordenar ações que envolvem ambos. Por
exemplo, se você observar algo com seu olho es-
querdo, essa informação é processada pelo lado
direito do seu cérebro (os nervos são cruzados).
Mas se você quiser falar sobre o que viu, essa é
uma atividade geralmente coordenada pelo lado
esquerdo do cérebro, então os dois lados preci-
sam se comunicar para coordenar a visão com a
fala.
O que acontece então com pessoas que não
têm o corpo caloso e não podem realizar essa
comunicação? Surpreendentemente, é possível
ter uma vida funcional com dois hemisférios
que não conversam entre si, e cortar o corpo ca-
loso cirurgicamente chegou a ser um tratamento
para casos extremos de epilepsia. Mas como o
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cérebro dessas pessoas resolve conflitos entre
suas duas metades isoladas?
Em um experimento, um paciente com cére-
bro bipartido teve imagens diferentes mostradas
para cada olho: neve apenas para o olho direito
e um pé de galinha apenas para o olho esquer-
do.
Em seguida, quatro cartas com desenhos fo-
ram colocadas na frente do paciente, para que
ele escolhesse duas - uma com cada mão - que
combinassem com as imagens que ele tinha vis-
to. Com a mão esquerda ele apontou para a car-
ta com uma pá, e com a direita para uma gali-
nha. Ou seja: o hemisfério que viu a neve esco-
lheu a carta da pá, e o hemisfério que viu o pé
de galinha escolheu a carta com uma galinha.
Finalmente, os pesquisadores pediram que ele
explicasse por que ele havia escolhido aquelas
cartas. O problema é que conversar é uma ativi-
dade que envolve primariamente o hemisfério
esquerdo do cérebro, mas esse hemisfério só viu
a imagem do pé de galinha. O hemisfério direi-
to, que viu a imagem da neve, não tinha como
se comunicar com a parte do cérebro que estava
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criando a explicação. Como o hemisfério es-
querdo viu o pé de galinha, explicar a carta da
galinha era fácil. Mas como justificar a carta
com a pá?
Sem hesitar, o paciente explicou que ele esco-
lheu a carta da pá porque ele viu a imagem do
pé de galinha, e seria necessária uma pá para
limpar a sujeira de um galinheiro. Ou seja: sem
ter uma boa explicação de por que ele teria es-
colhido a carta com a pá, o hemisfério esquerdo
simplesmente inventou uma história que mais
ou menos fazia sentido com o que ele tinha vis-
to, sem que o paciente sequer estivesse ciente de
que estava inventando.
Cérebros bipartidos são interessantes porque
permitem exemplos extremos deste fenômeno,
mas a verdade é que todos nós funcionamos as-
sim. Normalmente pensamos em nós mesmos
como atores racionais, que pensam sobre um as-
sunto antes de tomar uma decisão. Na verdade,
o mecanismo mais comum é o oposto: nosso
cérebro enxerga o resultado e retroativamente
inventa uma justificativa para que você tenha
agido daquela maneira.
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Uma consequência disso é que é difícil para o
cérebro oferecer ajuda para uma pessoa que você
detesta e então continuar não gostando dela. Ao
registrar que você está gastando tempo e esforço
com alguém, a racionalização natural é “bom,
eu devo gostar muito dessa pessoa para estar me
dando todo esse trabalho”.
Os pesquisadores Jon Jecker e David Landy
estudaram esse efeito em 1969 [20]. Participan-
tes no estudo foram instruídos a realizar uma
série de tarefas e informados que receberiam
uma pequena recompensa financeira pelo traba-
lho. Eles foram então separados em grupos: para
o primeiro grupo, um pesquisador pedia que a
recompensa fosse devolvida, porque ele estaria
pagando do próprio bolso. Para o grupo de con-
trole, não foi pedido que a recompensa fosse de-
volvida.
Depois de decidirem devolver ou não o di-
nheiro, os participantes preencheram um ques-
tionário que perguntava o quanto eles gostaram
dos pesquisadores. O primeiro grupo consisten-
temente atribuiu as melhores notas em compa-
ração com o de controle. Ou seja: o grupo que
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ficou sem recompensa monetária nenhuma,
para justificar psicologicamente os seus atos,
concluiu que na verdade gostava do pesquisador
e por isso decidiu apoiar os seus esforços de gra-
ça.
Uma interpretação alternativa desse efeito
pode ser que seres humanos reconhecem um pe-
dido de ajuda como uma tentativa de aproxima-
ção e tendem a reagir favoravelmente. Nessa hi-
pótese, não é que o cérebro da pessoa se confun-
de, mas sim que pedir ajuda é um ato de vulne-
rabilidade e de humanidade compartilhada, e
portanto algo que faz com que a pessoa passe a
ver você de uma forma mais generosa.
Seja como for, pedir ajuda pode ser uma for-
ma potente de reverter relações ruins. Nem
sempre funciona - a pessoa pode simplesmente
se recusar a ajudar ou achar que você está sendo
folgado - mas não deixa de ser uma ferramenta
para converter até mesmo seus inimigos em par-
te da sua rede de apoio. E claro, não esqueça de
retribuir a ajuda - talvez você também descubra
que aquela pessoa não é tão ruim assim, afinal
de contas.
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[19] KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar:
Duas Formas de Pensar. Objetiva, 2012. ↩
[20] Jecker, Jon; Landy, David. Liking a Person
as a Function of Doing Him a Favour. Human
Relations. 22 (4): 371–378. ↩
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RECEBENDO AJUDA
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Como ajudar a te ajudar
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Na verdade, escolher a pessoa errada para pe-
dir ajuda é um tipo comum de autossabotagem,
uma forma de comprovar narrativas de solidão e
isolamento. “Viu, eu sabia que não podia confi-
ar em ninguém”, diz o sapo que resolveu carre-
gar um escorpião nas costas.
Queria contar uma história para vocês. Uma
vez eu estava viajando para Cuiabá e no fim des-
sa viagem comecei a passar muito mal. Quando
peguei o avião de volta tinha certeza que havia
algo errado. Mesmo sendo uma pessoa que
odeia hospitais e ir ao médico, eu sabia que era
exatamente o que devia fazer quando pisei em
Brasília. Porém, tinha medo dos meus pais não
entenderem a gravidade da situação, mesmo
porque eu estava com muita dor e mal conse-
guia explicar direito o que estava acontecendo.
Precisava de alguém que só fizesse o que eu pre-
cisava sem questionar, alguém que fosse levar a
situação a sério e tivesse um carro para me levar
até o hospital. Encontrei essa pessoa na minha
lista de amigos, ele prontamente concordou e
me levou ao hospital. Fizeram os exames e iden-
tificaram um quadro grave de pielonefrite.
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Quando finalmente me recuperei, os médicos
me falaram que se eu tivesse demorado mais um
pouco era óbito. O que eu aprendi com isso?
Viva o SUS.
Saiba do que você precisa.
Peça ajuda para as pessoas certas.
Tenha uma rede de apoio.
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vés de efetivamente pedir por um empréstimo
ou uma carona para casa.
Ao pedir por ajuda é provável que uma de
duas coisas aconteça: ou você conseguirá o que
quer ou perceberá que a pessoa para quem você
está pedindo não tem capacidade para fornecer
o que você precisa. Precisamos superar essa bar-
reira da rejeição entendendo que uma resposta
negativa não necessariamente é algo pessoal.
Além disso, é através do pedir e das trocas resul-
tantes disso que começamos a construir uma
rede de apoio.
Boas notícias: como dito em capítulos anteri-
ores, a maior parte das pessoas está disposta a
ajudar de bom grado nas circunstâncias certas.
E por isso, outra forma de ajudar os outros a te
ajudar é ser específico no seu pedido. Não espe-
re que as pessoas leiam sua mente, verbalize as
suas ideias. Se julgar necessário, organize seus
pensamentos em um papel antes de falar com
alguém para se sentir mais confiante.
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Prática?
Emocional?
Tente elaborar quais são as suas necessida-
des e expresse elas da maneira mais clara e
objetiva que conseguir.
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ambas as partes se ajudando em momentos e de
formas diferentes.
E se a pessoa não respeitar os seus limites e
usar o pretexto da ajuda para invadir sua priva-
cidade e autonomia? Lembre-se mais uma vez
que você não é obrigado a aceitar qualquer coi-
sa. Se a ajuda está ruim ou se o custo está muito
elevado, você pode recusar. É melhor ser vista
como uma pessoa ingrata do que deixar que os
outros pisem em você.
A longo prazo, o objetivo é criar uma rede de
apoio, ou seja, aliados diversos que podem ofe-
recer ajuda em uma ampla gama de situações,
que entendam instruções, limites e estejam dis-
postas a dialogar; e onde você também oferece
ajuda de volta. Criar relacionamentos de reci-
procidade é a chave para ampliar essa rede e en-
riquecer sua vida com novas experiências e pers-
pectivas. Por isso, é importante aprender como
retribuir a ajuda que recebemos para cultivar re-
lações equilibradas.
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Como retribuir ajuda
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Para evitar criar uma relação desigual, é im-
portante que a ajuda tenha um aspecto de reci-
procidade, em que ambos se ajudam ao longo
do tempo. Mesmo entre nossos colegas prima-
tas, um bonobo que se recusa a retirar os pio-
lhos dos outros vai rapidamente descobrir que
ninguém mais quer ajudar a retirar os dele.
Em matemática, o campo da Teoria dos Jogos
estuda cenários hipotéticos para analisar qual se-
ria o comportamento mais vantajoso em uma
determinada situação. O exemplo mais famoso
é o chamado Dilema do Prisioneiro [21], em
que dois suspeitos têm a opção de dedurar o ou-
tro para reduzir a própria pena, mas se ambos
abrirem o bico a pena dos dois será maior do
que se ficassem calados.
No exemplo original, os prisioneiros não são
amigos e não têm oportunidade para coordenar
uma estratégia nem para interagir novamente
depois do jogo. As condições são as seguintes:
A B Pena de A Pena de B
Calado Calado 1 1
Dedura Calado 0 3
Calado Dedura 3 0
Dedura Dedura 2 2
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O resultado é que dois atores perfeitamente
racionais jogando o dilema do prisioneiro irão
sempre dedurar um ao outro, apesar da alterna-
tiva de ambos ficarem calados ser mais vantajo-
sa.
Explicando de outra forma: para quem está
observando a situação de fora, é óbvio que o
mais vantajoso seria ambos ficarem calados, já
que os dois seriam condenados a apenas um
ano. Mas se A e B estão incomunicáveis e não
há um vínculo de lealdade entre eles, a conclu-
são racional de cada um é que é mais vantajoso
dedurar o outro. Como os dois farão a mesma
coisa, o resultado é que eles passarão dois anos
presos, o dobro do que se colaborassem.
Felizmente, humanos não são atores perfeita-
mente racionais, e desde os primeiros testes da
teoria verificou-se que pessoas têm um viés pela
cooperação [22]. E nas variações do jogo em
condições que se parecem mais com o nosso co-
tidiano social - em que podemos esperar que va-
mos interagir várias vezes com as mesmas pesso-
as e em que podemos lembrar como outras pes-
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soas agiram em relação a nós - a cooperação se
torna ainda mais vantajosa.
Por exemplo, no cenário em que os partici-
pantes jogam um número indeterminado de
partidas e podem lembrar qual foi a ação do
oponente no passado e ajustar a sua escolha de
acordo, uma abordagem válida é a estratégia de
espelhar o comportamento: você começa cola-
borando a princípio, e nas rodadas seguintes re-
pete a jogada do oponente. Ou seja: se B cola-
borou na primeira rodada, A vai continuar cola-
borando. Se B decidir trair A, A vai trair B de
volta na próxima rodada.
Claro, a Teoria dos Jogos lida com situações
idealizadas e simplificadas para um contexto
matemático de pontos. Mas esta estratégia de
“colabore, mas fique esperto” me parece uma
excelente primeira abordagem para muitos ce-
nários reais. Portanto, como incentivar que
aqueles que nos ajudaram no passado continu-
em a fazê-lo no futuro? Retribuindo.
O primeiro e mais importante passo na hora
de retribuir a ajuda que você recebeu é fornecer
validação. Diga o quão importante foi a ajuda
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ou o apoio das pessoas. Ainda que a ajuda tenha
sido pequena ou que você sinta que a pessoa
não fez mais que a obrigação. Nesse ponto de
obrigação, cabe ressaltar: com exceção de algu-
mas poucas responsabilidades definidas por lei,
ninguém tem obrigação nenhuma com você.
Esse sentimento de que o mundo lhe deve fa-
vores, talvez em retribuição por você ser uma
pessoa tão boa, é incrivelmente tóxico. Primei-
ro, isso vai alienar as pessoas ao seu redor e difi-
cultar a construção de uma rede de apoio, por-
que se você sente que o mundo lhe deve um fa-
vor você não vai reciprocar apropriadamente os
favores que de fato recebe. Mas o efeito mais
perigoso é que essa atitude também cria uma le-
targia psicológica que pode te impedir de agir
concretamente para ir atrás do que você quer e,
ao invés disso, ficar esperando que o mundo fi-
nalmente reconheça o seu valor, alimentando
cada vez mais seu ressentimento. Agradecer e re-
tribuir são formas de enxergar as relações huma-
nas de uma forma mais rica, calorosa e produti-
va do que pensar em obrigações que foram
cumpridas ou não.
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Há duas formas de pensar sobre a importân-
cia da retribuição. Se você gosta de pensar em
termos éticos, validar a ajuda não é mais que
um quid pro quo, a retribuição por um ato re-
cebido. Se preferir pensar em termos de lógica
fria, a simples verdade é que reforço positivo é a
forma mais eficaz de incentivar que o comporta-
mento seja repetido. Então, se você quer que
aquela pessoa ajude novamente, não deixe de
agradecer e elogiar.
Costumo brincar que adultos são apenas cri-
anças que pagam boletos. Quando uma criança
fala alguma coisa, começa a andar, consegue
usar o penico, o que normalmente as pessoas ao
redor fazem? Batem palma e as enchem de para-
benizações como uma forma de não só indicar
que a criança fez direito, como recompensá-la
de alguma forma ao reconhecer seus atos e es-
forços. Bom, acho que a gente não deveria ter
parado de fazer isso com adultos. Reforço posi-
tivo é importante, você está premiando um
comportamento que você quer que se repita
para que ele ocorra mais vezes. Ou seja: quando
seu parceiro ou parceira lavar a louça, que tal
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dizer “obrigado, essa ajuda é muito importante
pra mim” ao invés de “nossa, mas o que aconte-
ceu com você hoje?” ou “não fez mais que a
obrigação”. Agradecer e ser gentil com quem
nos ajuda não deveria ser difícil. Punição não é
o caminho da solução, ou seja, um diálogo
agressivo só fará a pessoa menos disponível a te
ajudar ou retribuir.
É comum que a validação seja retribuição su-
ficiente. Pessoas gostam de ter seu esforço nota-
do e apreciado, e de se sentirem úteis. Mas se
você quiser ir além na construção de uma rela-
ção recíproca, você pode pensar em como retri-
buir a ajuda que recebeu de outras formas. Às
vezes a retribuição é óbvia: se um colega pagou
pelo seu almoço, você pode pagar pelo dele da
próxima vez. Outras vezes, nem tanto: qual é a
forma apropriada de agradecer um professor
que ficou depois do horário para explicar um
conceito difícil, ou a sua amiga que ficou horas
ouvindo você desabafar?
Muitas vezes uma boa retribuição não vai ser
na mesma moeda, e pode ser até puramente
simbólica. Por exemplo, digamos que seu par-
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ceiro ou parceira tenha comprado para você um
presente caríssimo, aquele celular topo de linha
que você estava precisando. Um gesto equiva-
lente não precisa ser comprar um celular de vol-
ta. De fato, não precisa nem ser material. Talvez
uma atenção especial ou uma comida gostosa ao
fim de um dia estressante traga, para aquela pes-
soa, uma felicidade tão grande quanto o celular
trouxe para você. Especialmente em relações
com grandes diferenciais de idade, poder e ren-
da as recompensas simbólicas se tornam impres-
cindíveis para cultivar uma relação emocional-
mente equilibrada.
Já disse que ninguém tem obrigação com
você, certo? Bom, o inverso também é verdadei-
ro: você não tem obrigação com ninguém. Uma
ajuda não gera uma obrigação. Retribuição não
é obrigação, é uma ferramenta na construção de
redes de apoio. No exemplo do celular, você não
forçou a pessoa a dar um presente, ela deu por-
que quis. Se ela pede algo desproporcional de
volta ou usa o presente como ferramenta de ma-
nipulação, lembre-se que você literalmente não
é obrigado.
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Um exemplo que lida com vários dos concei-
tos que abordamos é o cenário dos pais com-
prando um carro para o filho que passou na fa-
culdade. Seus pais são obrigados por lei a prover
educação, comida e um teto, mas eles não são
obrigados a te dar um carro. Mas digamos que
seus pais de fato compraram o carro. Para retri-
buir, você provavelmente não conseguiria com-
prar um carro para eles de volta, mas talvez você
poderia fazer um jantar especial, escrever uma
carta, dizer o quanto aquilo foi importante para
você e cuidar do carro com responsabilidade.
Para muitos pais, um filho feliz, responsável e
agradecido vale mais que qualquer veículo.
Além disso, não vamos ser ingênuos, todo mun-
do sai ganhando aqui. Um carro não só traz
mais liberdade para o filho, como também para
os pais. Os pais não precisam mais adequar sua
própria agenda à rotina dos filhos, uma vez que
agora eles podem se locomover sozinhos e com
segurança. Independência beneficia todo mun-
do.
Agora, seus pais também não podem fazer pe-
didos absurdos no momento da retribuição.
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Talvez por terem feito um gesto tão grandioso
eles se sintam no direito de ditar sua personali-
dade, proibindo você de pintar o cabelo ou de
sair com um determinado grupo de amigos. Se
é algo dado com uma condição prévia e explíci-
ta, como “eu vou te dar um carro, mas em troca
quero que você passe a buscar seu irmão no co-
légio”, aí vai do seu julgamento aceitar essa tro-
ca ou não. O ponto importante nesse exemplo é
a clareza dos termos do contrato que você pode
estar assinando, não vale esconder as letras miú-
das. Dar um presente e exigir uma retribuição
específica e não combinada não é ajuda, é mani-
pulação emocional.
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O sentimento de dívida
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cide se tornar escravo de Crusoé pelo resto da
vida como forma de pagar sua dívida de sangue.
Vamos lá pois repetição é importante: você
não deve nada a ninguém. Você sempre pode
romper uma relação sem que precise necessaria-
mente sentir que pagou a pessoa na mesma mo-
eda. Se a pessoa ajudou de livre e espontânea
vontade, não existe uma obrigação de retorno,
no máximo uma expectativa. Existem vários
bons motivos pelos quais essa reciprocidade
pode não acontecer, e se, depois de ajudar, a
pessoa está exigindo uma retribuição específica,
então não era exatamente ajuda que ela estava
oferecendo em primeiro lugar. Você sempre
pode e deve priorizar a si mesmo.
Para fins de argumentação, vamos considerar
o caso de Sexta-Feira, resgatado de uma morte
horrível nas mãos de canibais. Qual é o limite
da dívida que ele tem com Crusoé? Essa dívida
é para sempre? O que fazer se o próprio ato de
pagar essa dívida passa a ser um transtorno tão
grande quanto o problema original? Para um
público moderno, fica difícil argumentar que
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ele realmente merecia se tornar um escravo em
pagamento.
Apesar disso, muitos de nós acabamos nos
tornando Sexta-Feiras, escravizados metaforica-
mente no pagamento de uma obrigação moral
com pessoas que nem mesmo enfrentaram cani-
bais para nos resgatar. Qual o sentido em se des-
truir para pagar uma dívida se essa dívida foi
contraída justamente em uma tentativa de aju-
dar? Qual o sentido em tornar sua vida pior
quando todo o ponto era ajudar para que você
pudesse melhorá-la? Esse é o ponto da ajuda,
melhorar as coisas, não o contrário.
Por conta dessa mentalidade, muitas vezes
mantemos relações tóxicas com pessoas que no
passado fizeram muito pela gente. Podemos fa-
lar por exemplo da relação com os nossos pais,
mas também acontece com amigos. Mesmo que
seu amigo um dia tenha te ajudado de uma for-
ma que significou muito, as pessoas mudam
conforme a vida se torna cada vez mais comple-
xa. Está tudo bem se um dia perceber que vocês
não têm mais compatibilidade, ou que a relação
simplesmente se desgastou. Você não precisa se
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sentir mal por se colocar em primeiro lugar e se-
guir em frente. Não se pode ficar eternamente
em dívida com todo mundo que um dia foi le-
gal com você.
Como conciliar essas ideias com o conceito
de retribuição que discutimos? O objetivo da re-
tribuição é criar uma relação equilibrada e mu-
tuamente positiva, em que ambos os participan-
tes podem compartilhar seus recursos e ajudar
um ao outro. Em contraste, a dívida é algo uni-
lateral, um peso que acompanha só um dos par-
ticipantes e que leva não a uma multiplicação
dos recursos, e sim a simples transferência de re-
cursos de um para outro. A longo prazo, rela-
ções saudáveis de ajuda e reciprocidade criam
uma rede de apoio ao seu redor. Relações de dí-
vida e culpa, por outro lado, tendem a isolar os
seus participantes e podem até levar a uma situ-
ação de codependência.
Portanto, ao receber ajuda, por maior e por
mais transformativa que ela seja, lembre-se do
Sexta-Feira. Retribua a ajuda de uma forma ra-
zoável, sem que isso se torne um sacrifício da
sua parte. Provavelmente a pessoa que ajudou
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ficará mais feliz em ter uma relação equilibrada
e duradoura do que em assistir você se destruir
para pagar uma dívida impossível. E quem sabe,
talvez você possa, no futuro, retribuir simples-
mente ajudando outra pessoa em uma situação
semelhante, expandindo ainda mais a sua rede
de apoio.
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Construindo uma rede de apoio
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precisa… é óbvio que essa pessoa não existe, es-
pecialmente no longo prazo.
Ao invés disso, o nosso conceito de rede de
apoio pode ser pensado como a ideia de acumu-
lar ao seu redor pessoas com características vari-
adas e complementares, e nos relacionar com
elas de maneira a maximizar o que elas têm de
melhor para oferecer e minimizar as áreas em
que elas acabam mais atrapalhando do que aju-
dando. Por exemplo, digamos que eu tenha
uma amiga que é muito boa com questões amo-
rosas: ela me escuta, acolhe e não julga. Mas se
eu começar a reclamar da minha família ela vai
me podar, falar que estou sendo ingrata e fazer
eu me sentir culpada. Já um outro amigo tem
problemas parecidos com a família dele, conse-
guindo empatizar comigo nessa situação, mas se
começo a falar do meu trabalho ele não entende
bem como funciona e acaba falando bobagem.
Nenhum dos dois se encaixa nessa visão ideali-
zada do amigo perfeito, mas ambos são mem-
bros valiosos da minha rede de apoio, bastando
apenas que eu saiba procurar a pessoa certa de-
pendendo do problema. A variedade de perso-
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nalidades e habilidades é o sinal de uma rede de
apoio frutífera.
Não existe ninguém que sozinho vai atender
todas as suas necessidades. Essa ideia além de
absurda é um pouco preguiçosa: bastaria encon-
trar essa pessoa especial feita para mim, sem de-
feitos, que depois disso não teria que me preo-
cupar com mais nada, não precisaria nem mes-
mo fazer novos amigos, essa pessoa já é o sufici-
ente. É essa mentalidade que também gera mui-
ta frustração. Se um dia você se iludiu de forma
a pensar que uma única pessoa poderia atender
todas as suas necessidades e quebrou a cara, pro-
vavelmente você não vai querer construir uma
nova rede de apoio com pessoas que nem mes-
mo parecem perfeitas. Mas essa é justamente a
atitude correta: entender que pessoas perfeitas
não existem e que todos temos o que oferecer
para os outros, apesar dos nossos defeitos. Só
um lembrete: se não existem pessoas perfeitas,
isso também vale para você, viu?
Ter uma rede de apoio é algo que este livro
apresenta como um ideal, um objetivo a se mi-
rar. Mas não estou dizendo que é algo fácil nem
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simples. Na verdade, é um projeto de longo
prazo, que dá muito trabalho, e muitas vezes as
pessoas têm medo de sequer começar pois não
querem confrontar a própria dificuldade em de-
senvolver novas habilidades, em ser vulnerável,
em criar conexões, e até mesmo com habilida-
des sociais básicas como puxar assunto, manter
uma conversa e demonstrar interesse. Às vezes
achamos que é mais confortável desistir do que
tentar e falhar.
A habilidade mais importante para isso é
aprender a fazer a manutenção das nossas rela-
ções, e lamentavelmente essa é uma habilidade
raramente ensinada.
Uma das principais características da manu-
tenção é que ela leva tempo. Acontece muito na
terapia: conversando com o paciente, chegamos
a uma intervenção para tentar resolver um pro-
blema, que o paciente fica de testar. Na próxima
sessão, o paciente volta e diz que não funcio-
nou. Mas na verdade, é raríssimo uma interven-
ção funcionar de primeira. Seres humanos são
criaturas de hábito, e é necessário repetir um
novo conceito ou comportamento dezenas de
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vezes antes que ele vença a inércia e possa ser in-
ternalizado.
Vou compartilhar um exemplo pessoal. Mi-
nha mãe não gostava de tatuagens e não aprova-
va que eu fizesse as minhas. Para evitar conflito,
conversei com ela que eu não esperava que ela
mudasse de opinião sobre o assunto, mas que
gostaria que ela parasse de compartilhar essa
opinião comigo. Ela poderia falar mal de tatua-
gem o quanto quisesse, com quem quisesse, só
não na minha frente. Da primeira vez que tive-
mos essa conversa, ela achou ruim, reclamou,
mas acabou entendendo. Fim de papo? Não. Na
semana seguinte ela voltou a falar mal das mi-
nhas tatuagens, e tive que repetir: “mãe, isso
não é legal, já conversamos sobre isso”. Nova-
mente ela não gostou, achou ruim, mas na prá-
tica ficou um mês sem criticar as minhas tatua-
gens. Dois meses depois, tive que fazer mais
uma nova intervenção, explicando que esses co-
mentários vindos dela me deixavam triste. Na
próxima recaída, seis meses depois, já brinquei,
perguntando se ela estava amarga com alguma
coisa para estar me enchendo o saco de novo,
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conseguimos rir e logo mudar de assunto. Hoje
faz dois anos que minha mãe não comenta nada
negativo sobre as minhas tatuagens. Na verdade
ela passou a aceitá-las, o que facilita muito a
nossa convivência. Mas para chegar aqui foi ne-
cessário manter as minhas expectativas no lugar,
entendendo que recaídas acontecem, compreen-
dendo que manutenção é algo que leva tempo,
requer muita paciência e muita repetição.
Raramente as pessoas, incluindo você mesmo,
vão mudar na primeira tentativa. E quando es-
tamos falando em construir uma rede de apoio,
estamos muitas vezes falando dessas repetições.
É improvável que você vá encontrar uma pessoa
feita exatamente nos moldes que você esperava,
e que você se encaixe nos moldes que ela espera
de volta. Então a única alternativa é construir
uma relação melhor ao longo do tempo.
Espero que isso ajude a regular as expectativas
sobre o que realmente significa uma rede de
apoio. Quero desconstruir a ideia de que rede
de apoio são pessoas iluminadas que vão passar
na sua vida por sorte e que vão te acolher em
tudo. No lugar disso, quero que vocês pensem
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que é uma construção, uma atividade que leva
tempo, que precisa de manutenção, administra-
ção e estratégia.
Em troca de tanto esforço, o que você recebe
é um modelo de relacionamento em que você
pode cultivar relações recíprocas e duradouras.
Pela natureza social do ser humano, é muito im-
portante que a gente sinta que pertence a um
lugar, e uma maneira de conquistar esse perten-
cimento de forma saudável é realmente colocar
energia nos seus relacionamentos, ao invés de se
contentar com as pessoas que passaram na sua
vida por acaso e só nunca foram embora. Bem,
se você escolher viver assim, não serei eu a jul-
gar. Mas se quiser algo mais, imagine quão mais
satisfatório seria sentir que pertence a um lugar
que você lutou ativamente para construir.
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Lidando com a decepção
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E sendo sincera, não temos realmente alterna-
tiva. Por mais que seja doloroso admitir, nin-
guém dá conta de tudo sozinho. A ideia de que
nós também podemos ser super-heróis autossu-
ficientes, como o Homem de Ferro que criou
sua armadura com sucata em uma caverna, é
uma ilusão poderosa na nossa cultura. Alimen-
tar esse delírio é uma armadilha difícil de evitar
porque todos queremos ser admirados e respei-
tados, e uma das maneiras de conseguir esse res-
peito é criar nossa própria narrativa de sucesso e
elevação individual. Como vimos, essas narrati-
vas são uma ficção. Não há quem prospere em
isolamento, e em cada história de um jovem mi-
lionário há um parágrafo escondido sobre os
seus pais ricos [25]. Construir uma rede de
apoio passa por desapegar dessa necessidade de
ser um super-herói, e entender que nossos ami-
gos também não são perfeitos e podem, eventu-
almente, nos decepcionar.
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[25] LARA, Rodrigo. Conhece a Bettina? Inter-
net não perdoa “milionária das propagandas”.
Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/no-
ticias/redacao/2019/03/15/conhece-a-bettina-
internet-nao-perdoa-milionaria-das-propagan-
das.htm. ↩
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Estou preocupado com você
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ta de confiança que tem em você atrás da des-
culpa da preocupação.
Um exemplo que ilustra a diferença entre a
preocupação genuína e a condescendência é
uma viagem de avião. Digamos que sua mãe
está preocupada que o seu avião pode cair ou
que podem extraviar sua bagagem. Até aqui, faz
sentido, afinal essas circunstâncias não estão
dentro do controle de ninguém. Mas se além
disso ela achar que você vai perder o voo, que
não vai saber recuperar a sua bagagem extravia-
da ou que você vai acabar sendo vítima de um
golpe, a essa altura ela já está meio que te cha-
mando de idiota, ou no mínimo ingênua.
Devemos ter cuidado com pessoas que nos
tratam dessa forma, que não reconhecem suas
habilidades e que sempre acreditam que o que
você tentar vai acabar mal. Não só essas pessoas
tendem a drenar a nossa autoestima, como elas
têm altas chances de se intrometer na sua vida e
tentar resolver os seus problemas por você, com
resultados imprevisíveis mesmo se elas tiverem
boas intenções. Mais preocupantemente, essa
condescendência pode se tornar desprezo, um
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sentimento que deve ser encarado como o mais
vermelho dos sinais vermelhos. Queremos estar
cercados de pessoas que nos consideram como
iguais, que valorizam nossas contribuições e ha-
bilidades, e que buscam nossa ajuda assim como
buscamos as delas.
O caso dos pais que não acreditam na sua ca-
pacidade é particularmente danoso à autoesti-
ma, já que como crianças tendemos a enxergar
nossos pais como figuras que estão sempre cer-
tas. Se sua mãe está sempre preocupada porque
acredita que você não consegue fazer nada sozi-
nho, é fácil internalizar a narrativa que de fato
você não é capaz.
Ou seja, se preocupar não costuma ser uma
boa forma de oferecer ajuda, e age mais como
uma manifestação externa - e contagiosa - de in-
segurança.
O que fazer então quando é o contrário, e é
você que está preocupado com outra pessoa?
Como evitar que isso se torne tóxico? Para co-
meçar, verifique se você está preocupado com
algo que está sob o controle da pessoa. Se você
estiver com medo de uma erupção vulcânica sú-
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bita, isso não é exatamente um julgamento so-
bre a capacidade daquela pessoa. Mas se você
tem medo que ela simplesmente não consiga se
virar, pense em termos mais concretos sobre
qual é a habilidade que você acredita que a pes-
soa não tem e cuja falta pode colocar ela em pe-
rigo. Por exemplo, digamos que ela tenha um
péssimo senso de direção e você tem medo de
que ela se perca em uma cidade desconhecida.
O que você pode fazer é, com muito tato, tentar
oferecer ajuda. Se ela aceitar, vocês podem jun-
tos salvar um mapa offline no celular, anotar os
endereços mais importantes em um caderno de
papel, identificar os melhores pontos de referên-
cia. Envolver ela no processo vai fazer com que
ela passe a desenvolver essas habilidades e a sua
própria independência, e no longo prazo deixar
você mais tranquilo com a sua preocupação ao
ver o preparo envolvido. Mas mesmo com todos
os avisos, existe um ponto em que a pessoa ine-
vitavelmente precisará viver e aprender sozinha.
É até possível que se perder seja uma experiên-
cia muito rica para ela. Aprenda a viver com o
desconforto, inclusive o desconforto de ver uma
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pessoa querida exercendo seu livre arbítrio de
querer errar sozinha antes de aprender.
Pondo de outra forma, o que eu sugiro é uma
abordagem estratégica:
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AJUDANDO OS OUTROS
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Você consegue ajudar?
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Ajuda e sacrifício
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ato que será divinamente recompensado, sinal
de um ser espiritualmente iluminado.
Essas raízes religiosas ainda encontram terre-
no fértil até mesmo na cultura comercial de
Hollywood: assim também o Homem de Ferro
morre para salvar o universo no fim de Vinga-
dores: Ultimato; o Wolverine morre em Logan;
e o Super-Homem morre em Batman vs Super-
man. A marca de um verdadeiro herói é o seu
sacrifício altruísta, mesmo no contexto de pro-
dutos comerciais de uma das culturas mais indi-
vidualistas do planeta.
A associação entre moralidade e sacrifício é
tão profunda que funciona até mesmo quando
revertida: um vilão como Severus Snape encon-
tra sua redenção no momento em que ele dá sua
vida por uma causa nobre. Darth Vader, em um
momento de clareza moral, agarra o Imperador
e arremessa ambos para a morte. De Senhor dos
Anéis a Dragonball Z, se um antagonista precisa
ser redimido aos olhos da plateia, ele tem boas
chances de morrer em um sacrifício heróico.
Em uma tendência mais problemática, é co-
mum séries e filmes matarem personagens
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LGBT+ como forma deles se “redimirem” pela
sua não-conformidade. É raro o personagem
gay que sobrevive até o fim de um livro do Step-
hen King, muitas vezes se sacrificando para sal-
var um dos protagonistas heterossexuais.
Para pessoas criadas nessa piscina de exaltação
do sacrifício, é difícil não sair molhado. Mas é
preciso se perguntar: que tipo de padrões essa
narrativa perpetua?
Dois estereótipos de sacrifício são pervasivos:
vou chamá-los de a Mãe e o Soldado. A Mãe,
com maiúscula, é aquela que se sacrifica incon-
dicionalmente pelos seus filhos. Uma Mãe, diz
o senso comum, não apenas pularia na jaula de
um leão para resgatar seu filho, como também
levantaria um carro no processo. Essa Mãe só se
alimenta quando os filhos já comeram, só se
veste quando os filhos já têm roupas de grife, e
ajudaria seus filhos a esconder os cadáveres caso
eles se revelassem assassinos em série.
Já o Soldado é aquele que por meio do seu sa-
crifício físico protege as mulheres e crianças in-
defesas ao seu redor. O Soldado morreria em
uma guerra para proteger a honra da sua nação,
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mataria outro homem para proteger a honra da
sua mulher, e poderia até tragicamente matar a
sua própria mulher se necessário, como Jon
Snow e Daenerys em Game of rones.
Naturalmente, estes arquétipos muitas vezes
tomam formas simbólicas: um homem sem fi-
lhos pode ser a Mãe do seu grupo de amigos, e
uma nerd baixinha pode se enxergar como um
Soldado das mídias sociais. Mas em ambos os
casos é fácil ver que se sacrificar pelo outro não
necessariamente é um gesto nobre, e nem sem-
pre traz boas consequências.
Portanto, antes de oferecermos ajuda é preci-
so examinar a fundo esse nosso complexo coleti-
vo de mártir, e aprender a distinguir entre ajuda
e sacrifício.
Pode ser muito difícil diferenciar ajuda de sa-
crifício no cotidiano. Culturalmente, nós nor-
malizamos muitas atitudes tóxicas e tornamos
tabus atitudes perfeitamente saudáveis, como
por exemplo esperar retribuição pela ajuda pres-
tada. Como navegar essa confusão?
As empresas aéreas podem nos ajudar a resol-
ver esse dilema. No cartão com as instruções do
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que fazer em caso de emergência, a ilustração é
clara: coloque a sua própria máscara de oxigênio
primeiro antes de tentar ajudar outra pessoa a
colocar a dela.
Em resumo: se colocar em primeiro lugar é
uma necessidade.
Este conceito simples viola muitas das nossas
regras implícitas de convivência, e por isso mes-
mo existe a necessidade de colocar ele em um
cartão de instruções de emergência, de preferên-
cia com uma ilustração simples e cores bem vi-
vas, para ver se assim a gente entende. Uma pes-
soa que se coloca em primeiro lugar não está
sendo egoísta?
Vamos imaginar que tem uma criança peque-
na sentada do seu lado quando o avião perde a
pressão da cabine. Altruisticamente, você ajuda
a criança a colocar a máscara dela primeiro. Po-
rém, você desmaia antes de conseguir colocar a
sua e, pouco depois, a criança, nervosa e des-
confortável, retira a dela. Tragédia.
Por outro lado, se você coloca a sua máscara
primeiro, você pode ajudar a criança mesmo
que ela já tenha desmaiado. Se a situação se
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complicar ainda mais, você estará desperto e
pronto para reagir. Podendo, por exemplo, le-
vantar e carregar a criança até a saída de emer-
gência em caso de incêndio.
Pondo de outra forma: sacrifícios não ajudam
ninguém. Não de verdade, e não a longo prazo.
Ajuda, por outro lado, faz com que todos os en-
volvidos tenham mais capacidade para enfrentar
as dificuldades futuras.
A ajuda genuína não pode ser um dreno sig-
nificativo dos seus recursos, sejam eles financei-
ros, cognitivos ou emocionais. Se você realmen-
te gostaria de ajudar uma pessoa mas não tem
os recursos para fazer isso sem se prejudicar,
considere ajudar de outra forma - a ajuda, assim
como a retribuição, pode ser ainda mais valiosa
quando simbólica.
Uma vez que tenha ajudado, porém, existem
duas ressalvas importantes sobre a retribuição
que você pode esperar. A primeira é que a outra
pessoa não é obrigada a retribuir. Claro, você
pode então decidir que essa é uma relação desi-
gual e sem reciprocidade, parar de ajudar e se-
guir com a sua vida. A segunda ressalva é que
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você não pode exigir a forma dessa retribuição.
Ainda que tenha salvo uma pessoa das garras de
um feiticeiro maligno, ela não é obrigada a se
apaixonar por você. Agora, um cartão de agra-
decimento vai bem.
Voltando à questão de ajuda versus sacrifício,
se a ajuda é algo que multiplica os recursos, o
sacrifício causa um transtorno considerável para
a pessoa que está oferecendo. Quando uma ati-
tude envolve uma grande quantia de dinheiro,
exige uma mudança considerável da rotina ou
causa angústia emocional, esses são todos sinais
de que estamos falando de sacrifício e não de
ajuda.
Em oposição à natureza recíproca da ajuda, o
sacrifício tende a ser unilateral. Em muitos ca-
sos, a pessoa que recebe esse tipo de “ajuda” se-
quer pediu em primeiro lugar, ou não foi con-
sultada sobre a forma e dimensão que esse auxí-
lio iria tomar. É o caso da mãe que faz dívidas
para comprar uma bolsa de marca para a filha,
quando a filha nem gosta de sair de bolsa. Ou
do namorado que passa meses fazendo hora ex-
tra para comprar um anel de diamantes para pe-
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dir sua namorada em noivado, quando ela nem
deu sinais de que gostaria de se casar.
O sacrifício raramente espera recompensas
proporcionais: ou a pessoa se sacrificando não
espera por recompensa nenhuma (destacando
portanto a suposta superioridade moral do seu
ato), ou exige uma recompensa específica e ab-
surda, como o cavaleiro que espera a mão da
princesa por tê-la resgatado do dragão. Afinal,
depois de tanto sacrifício a pessoa tem que se
apaixonar de volta por você, certo? Errado, um
sacrifício não retira o direito de escolha dos ou-
tros.
O sacrifício também tem uma narrativa con-
descendente: eu vou ajudar essa pessoa a ponto
de me prejudicar porque ela é tão incapaz e in-
defesa que não conseguiria se virar sozinha. Na
ajuda, frequentemente reconhecemos que a pes-
soa poderia resolver o problema por conta pró-
pria, mas que é mais conveniente e eficaz traba-
lhar em equipe. Já no sacrifício, é essa suposta
incapacidade que justifica o uso de ações drásti-
cas para resolver a situação. Se um amigo per-
deu as chaves do carro, ajudar a procurar é uma
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reação proporcional. Já na mentalidade do sacri-
fício você poderia oferecer o próprio carro em-
prestado e passar a semana andando de ônibus,
algo completamente desnecessário, afinal, se
você consegue pegar ônibus, seu amigo prova-
velmente também conseguiria. O sacrifício rou-
ba o protagonismo da situação para você, fican-
do agora como o herói, e deixa a pessoa em um
papel secundário na própria vida dela.
Imagine que seu parceiro ou parceira decidiu
se sacrificar pelo seu bem, e sem te consultar fez
um empréstimo para poder pagar pelo celular
que você queria. Isso põe você em uma situação
desconfortável de se sentir em dívida, e significa
que o casal terá menos recursos - financeiros e
emocionais - no futuro. Talvez o celular não
fosse a sua prioridade. O stress financeiro pode
muito bem abalar a relação dos dois, e os paga-
mentos do empréstimo geram uma fonte men-
sal de ressentimento mútuo. O que acontece se
o pagamento da fatura cair justamente em um
dia que vocês brigaram? Chamar atenção para o
fato ainda poderá fazer a presenteada ser taxada
como ingrata. Ainda que o relacionamento não
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seja frágil a ponto de se desfazer por isso, não há
por que passar por transtornos desnecessários.
Uma solução mais adequada seria ambos con-
versarem sobre como economizar e atingir esse
objetivo juntos, de forma combinada de co-
mum acordo.
Um outro exemplo seria uma amiga que está
em um relacionamento tóxico com o namora-
do. Você percebe que ela não vai conseguir sair
dessa sozinha e decide bancar o príncipe em um
cavalo branco, indo confrontar o namorado di-
retamente. No fim das contas, como não foi
uma decisão tomada pela pessoa, é provável que
ela não termine com o namorado e ainda deixe
você como o vilão na história. Não só ela não
pediu por ajuda dessa forma, como é possível
que ela se afaste de você, terminando com uma
pessoa a menos na rede de apoio dela, se tor-
nando assim ainda mais isolada e presa ao rela-
cionamento tóxico.
A narrativa da donzela que precisa ser resgata-
da das terríveis garras do vilão faz parecer que
intervir imediatamente e de maneira drástica é a
escolha correta e acertada moralmente. Como
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sugestão, gosto de substituir essa narrativa de
“certo” e “errado” e pensar em termos do que
“funciona” e “não funciona”. O senso comum
vai argumentar que é certo obrigá-la a terminar
o namoro. Mas funciona? Provavelmente não.
Se ela voltar com o namorado e se afastar de
você, esse é um dos piores cenários possíveis.
Pensando em termos do que funciona e reco-
nhecendo que problemas são estruturais – e
portanto levam tempo para serem corrigidos –
uma intervenção mais branda, empoderando
sua amiga, não julgando, fazendo parte da sua
rede de apoio, ajudando no crescimento da sua
autoestima, costuma ter uma chance maior de
funcionar.
Perceba que todos os exemplos acima falam
de uma ajuda muito mais passiva e não roman-
tizada. Quando você retira seu ego de precisar
salvar alguém e desconstrói a narrativa de uma
pessoa indefesa, tirando a urgência do discurso,
você ganha tempo para pensar em intervenções
mais eficazes.
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Uma crítica à caridade
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dianos desses orfanatos, onde a taxa de mortali-
dade infantil era o dobro da média nacional.
Já no Canadá, crianças dos povos nativos
eram retiradas da sua tribo contra a vontade dos
pais e enviadas para orfanatos religiosos onde
sua cultura era apagada. Sujeitas a condições
inadequadas e torturadas por não se adequar,
mais de seis mil crianças morreram aos cuidados
dessas instituições [40]. Não estamos falando do
passado longínquo: o último desses internatos
fechou em 1997. E claro, Irlanda e Canadá são
apenas dois lugares em que o governo decidiu
investigar esses abusos, mas é difícil imaginar
que não aconteceu o mesmo ou pior aqui no
Brasil.
Outro grupo de pessoas que vem à mente
quando o assunto é caridade são pessoas em si-
tuação de rua. É difícil estimar os efeitos da ca-
ridade nessas pessoas, e não há consenso entre
os pesquisadores. A esmola, em particular, é po-
lêmica. Embora qualquer pessoa prefira a versa-
tilidade de ter dinheiro em mãos, os governos
tendem a sugerir que essas pessoas sejam enca-
minhadas para os serviços oficiais de assistência,
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onde elas podem ser ajudadas de forma mais
completa e sistêmica - mas também, crucial-
mente, escondidas dos olhos do restante da po-
pulação e dos turistas. É claro que individual-
mente existe um potencial transformador no
acolhimento dessas pessoas. Porém, ao esconder
o problema em instituições distantes e pouco
transparentes, o governo também esconde o
problema sistêmico da pobreza e da miséria.
Especialmente no caso de usuários de drogas,
há uma pressão por parte de igrejas evangélicas
para que estas pessoas possam ser sequestradas -
a eufemística “internação compulsória” - e sub-
metidas contra sua vontade a terapias duvidosas
e à doutrinação religiosa, tudo em nome da sua
recuperação e da caridade divina. Em 2016,
uma revisão de literatura publicada no Interna-
tional Journal of Drug Policy concluiu que não
há evidência de que a internação compulsória
funcione [41], e a política é considerada uma
violação dos direitos do paciente pela Organiza-
ção Mundial de Saúde [42]. Apesar disso, essa
prática abominável se tornou legal no Brasil em
2019, sancionada pelo governo Bolsonaro.
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Tudo isso significa então que nunca devemos
fazer caridade ou estender a mão para aqueles
em necessidade? Não. Existem boas ONGs e
instituições às quais vale a pena doar dinheiro
ou tempo. Mas precisamos ter uma intensa re-
flexão para considerar as verdadeiras motivações
para este ato, e se as consequências realmente
serão positivas a longo prazo, tanto para você
quanto para o alvo da sua caridade. É simplista
pensar que porque algo se chama “caridade” ou
“ajuda” ela é intrinsecamente boa e positiva. E
no caso de grandes instituições como igrejas e
países, a evidência histórica é que a caridade
tende a custar muito caro. Quando a esmola é
demais, a psicóloga desconfia.
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pandemic. 2021. Disponível em:
https://www.salon.com/2021/04/26/bill-gates-
says-no-to-sharing-vaccine-formulas-with-glo-
bal-poor-to-end-pandemic_partner/. ↩
[28] OECD. COVID-19 spending helped to
lift foreign aid to an all-time high in 2020 but
more effort needed. 2021. Disponível em:
https://www.oecd.org/newsroom/covid-19-
spending-helped-to-lift-foreign-aid-to-an-all-
time-high-in-2020-but-more-effort-nee-
ded.htm. ↩
[29] MOYO, Dambisa F.. Dead Aid: why aid is
not working and how there is a better way for
Africa. Farrar Straus Giroux, 2010. ↩
[30] KORNBLUH, Peter (ed.). BRAZIL
MARKS 40th ANNIVERSARY OF MILI-
TARY COUP. 2004. Disponível em:
https://nsarchive2.gwu.edu/NSAEBB/NSA-
EBB118/. ↩
[31] ROSSI, Marina. A regra de sangue da
Operação Condor, a aliança mortífera das dita-
duras do Cone Sul. 2019. Disponível em:
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https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/29/po-
litica/1553895462_193096.html. ↩
[32] Dalenogare Neto, Waldemar. 2020. Os Es-
tados Unidos e a Operação Condor. ↩
[33] REUTERS. EUA admitem que ajuda hu-
manitária à Venezuela buscava apoiar Guaidó.
2021. Disponível em: https://www1.fo-
lha.uol.com.br/mundo/2021/04/operacao-de-
ajuda-dos-eua-a-venezuela-nao-seguiu-principi-
os-humanitarios-conclui-auditoria.shtml. ↩
[34] STARGARDTER, Gabriel. General Au-
gusto Heleno, futuro ministro, liderou missão
polêmica no Haiti. 2018. Disponível em:
https://exame.com/brasil/general-augusto-hele-
no-futuro-ministro-liderou-missao-polemica-
no-haiti/. ↩
[35] ZANELLA, Cristine Koehler; BERALDO,
Maria Carolina Silveira. ONU introduz epide-
mia de cólera no Haiti. 2012. Disponível em:
https://diplomatique.org.br/onu-introduz-epi-
demia-de-colera-no-haiti/. ↩
[36] BARTELS, Sabine Lee e Susan. Os filhos
abandonados da ONU no Haiti. 2019. Dispo-
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nível em: https://brasil.elpais.com/internacio-
nal/2019-12-27/os-filhos-abandonados-da-onu-
no-haiti.html. ↩
[37] BBC. Jovenel Moïse: 4 incógnitas sobre o
assassinato do presidente do Haiti. 2021. Dis-
ponível em: https://www.bbc.com/portugue-
se/internacional-57875162. ↩
[38] GRIERSON, Jamie. Mass grave of babies
and children found at Tuam care home in Ire-
land. 2017. Disponível em: https://www.the-
guardian.com/world/2017/mar/03/mass-grave-
of-babies-and-children-found-at-tuam-orphana-
ge-in-ireland. ↩
[39] DEPARTMENT OF CHILDREN,
EQUALITY, DISABILITY, INTEGRATION
AND YOUTH. Final Report of the Commissi-
on of Investigation into Mother and Baby Ho-
mes. 2021. Disponível em:
https://www.gov.ie/en/publication/d4b3d-final-
report-of-the-commission-of-investigation-into-
mother-and-baby-homes/?refer-
rer=http://www.gov.ie/en/campaigns/2f291-fi-
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nal-report-of-the-commission-of-investigation-
into-mother-and-baby-homes/. ↩
[40] BBC. Canada: 751 unmarked graves found
at residential school. 2021. Disponível em:
https://www.bbc.com/news/world-us-canada-
57592243. ↩
[41] Werb D, Kamarulzaman A, Meacham
MC, Rafful C, Fischer B, Strathdee SA, et al.
e effectiveness of compulsory drug treatment:
a systematic review. Int J Drug Policy 2016;
28:1-9. ↩
[42] UNODC. Da coerção à coesão: tratamen-
to da dependência de drogas por meio de cuida-
dos em saúde e não da punição. 2009. Disponí-
vel em: https://www.unodc.org/documents/lpo-
brazil/noticias/2013/09/Da_coercao_a_coesa-
o_portugues.pdf. ↩
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Autonomia e responsabilização
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útil para que ela não caia em uma relação abusi-
va novamente.
É um conceito complexo, então vamos tentar
mais um exemplo: suponha que você não tem
um bom relacionamento com os seus pais. Na
perspectiva da responsabilização, o foco seria
identificar quais componentes deste relaciona-
mento você consegue mudar. Certamente a per-
sonalidade dos seus pais não está sob seu con-
trole, mas você pode escolher com que frequên-
cia você os visita, quais assuntos você escolhe ou
se leva alguém junto para ter apoio moral. Não
é que a psicologia acha que tudo é sua responsa-
bilidade, mas sim que se o objetivo é transfor-
mar a realidade, é mais produtivo se concentrar
nos fatores que estão ao seu alcance.
Responsabilizar não é culpar a vítima. Há si-
tuações em que temos pouquíssimo controle.
Porém, não devemos enxergar as pessoas como
completamente indefesas. Além de condescen-
dente, essa atitude prejudica a recuperação psi-
cológica e material de quem precisa de ajuda.
Focar no que pode ser feito é colocar o poder,
aos poucos, de volta nas mãos de quem precisa.
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Se você perdeu o emprego, podemos exami-
nar a culpa das políticas econômicas do gover-
no, da ganância do dono da empresa ou das in-
justiças do capitalismo, todos fatores sobre os
quais você tinha pouco poder de decisão sobre.
Mas o que você vai fazer a respeito? De renovar
o seu currículo a se juntar a um movimento de
justiça social, tudo que faz parte da sua esfera de
possíveis ações é alvo dessa responsabilização.
O oposto de responsabilização é tratar a pes-
soa como coitada, uma personagem de uma tra-
gédia grega vítima da vontade dos deuses e das
vicissitudes do destino. O problema de ser uma
personagem de tragédia grega é que não impor-
ta o que você faça, a história vai terminar mal.
Se enxergar como vítima é fechar os olhos para
possíveis saídas de situações ruins, e para manei-
ras de não entrar em situações piores no futuro.
Ainda que a pessoa seja, no sentido jurídico,
uma vítima, a responsabilização é parte funda-
mental da sua agência, da sua autonomia e do
seu processo de superação de traumas.
Em um dos estudos mais desalmados da his-
tória da psicologia, os pesquisadores S. F. Maier
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e M. E. Seligman [43] demonstraram que ao
deixar um cachorro em uma sala em que o chão
aplicava choques elétricos aleatórios, este ca-
chorro eventualmente deixa de tentar evitar os
choques, mesmo quando colocado depois em
outra sala na qual os choques são facilmente evi-
táveis. Os dois chamaram o fenômeno de “de-
samparo aprendido”: ao serem confrontados
com uma situação desagradável fora do seu con-
trole, organismos tendem a deixar de evitar esse
estímulo desagradável no futuro, mesmo quan-
do seria possível escapar.
As aplicações do conceito de desamparo
aprendido à psicologia humana tendem a ser
exageradas, e mesmo em animais esse fenômeno
é mais uma tendência do que uma lei inescapá-
vel. Dito isso, esse é um lembrete poderoso da
importância psicológica de acreditar que é sem-
pre possível transformar o mundo ao nosso re-
dor, ainda que de maneira pequena ou incom-
pleta. Responsabilização é a aplicação prática
dessa ideia.
Portanto, ao ajudar alguém, é preciso reco-
nhecer que ela é capaz de tomar suas próprias
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decisões, e que provavelmente algumas dessas
decisões contribuíram para ela precisar pedir
ajuda em primeiro lugar. Idealmente, se puder-
mos identificar e corrigir essas decisões, ela será
capaz de ajudar a si própria no futuro. Claro, fa-
lar é fácil. Na verdade as pessoas tendem a ser
extremamente defensivas sobre seus erros, e é
muito fácil parecer que você está simplesmente
jogando toda a culpa da situação nela. Ainda as-
sim, mesmo que não seja oportuno discutir isso
com a pessoa na hora, mantenha na sua própria
cabeça que precisar de ajuda não é a mesma coi-
sa que ser uma vítima indefesa, e mantenha os
olhos abertos por uma oportunidade de ajudar a
pessoa a resolver a causa, e não só o problema.
Mais uma vez para quem estava dormindo no
fundo da sala: isso não quer dizer que a pessoa é
culpada por todas as coisas ruins que acontece-
ram na vida dela. O ponto é que, sendo uma
pessoa dotada de autonomia, provavelmente
existem coisas que ela mesma pode fazer para
melhorar a situação atual.
Provavelmente o jeito mais simples de preser-
var a autonomia da pessoa sendo ajudada é en-
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volvê-la no processo de ajuda. Converse com ela
sobre quais são as dificuldades e como ela acha
que podem ser superadas. Pergunte como ela
gostaria de ser ajudada. Evite, se possível, resol-
ver o problema você mesmo, e ao invés disso
forneça as ferramentas e condições para que a
própria pessoa resolva. Alternativamente, divida
o problema em tarefas e garanta que a pessoa
faça algumas delas sozinha. Quanto mais a pes-
soa participar do processo, mais ela se sentirá
responsável por ele, e mais recursos cognitivos
ela terá para lidar com problemas futuros. Aju-
dar é algo que se faz com a pessoa, e não no lu-
gar dela. Como um benefício colateral, você
também contribuirá para que ela possa oferecer
uma retribuição mais rica quando você também
precisar de ajuda, o que faz parte do processo de
expandir sua rede de apoio.
Todo mundo sabe que não se deve resolver o
dever de casa pelo seu filho. Mas muitas vezes
nós acabamos fazendo o dever de casa emocio-
nal das pessoas ao nosso redor. Ajudar não é re-
mover obstáculos pela pessoa, e sim oferecer
uma alavanca.
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Pode ser algo simples. Seu amigo precisa de
uma carona? Peça para ele cuidar do som ou do
GPS do carro durante o trajeto. Desde que a
pessoa tenha um papel a desempenhar, e não
simplesmente seja o receptáculo passivo da sua
ajuda divina, a ajuda terá chances melhores de
se tornar uma troca recíproca. A longo prazo,
essa é a melhor forma de ajudar.
Provavelmente você já ouviu o provérbio
“não se deve dar um peixe ao homem, e sim en-
siná-lo a pescar”. Apesar de seu uso recorrente
por economistas liberais e políticos de direita
para justificar cortes em programas sociais, exis-
te sim um fundinho de sabedoria nesse ditado.
O problema, parafraseando o ex-presidente do
Uruguai José Mujica, é quando destroçamos o
barco, roubamos a vara e tiramos os anzóis. Aí
realmente é melhor começar dando o peixe
mesmo.
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105(1), 3–46. https://doi.org/10.1037/0096-
3445.105.1.3. ↩
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Consentimento
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dos em uma situação de abuso dentro de casa,
entre outros.
Mas nos casos cotidianos mais comuns, é
possível estabelecer consentimento a partir do
diálogo. E vale lembrar que diálogo é uma habi-
lidade, e portanto não é algo que você nasce sa-
bendo. É algo que você precisa praticar e trei-
nar, e que envolve erros no caminho. Para cada
relação haverá uma fase de descobrir onde a pes-
soa quer ajuda e onde ela não quer, é um pro-
cesso de descoberta mútua. Por isso é tão im-
portante ter paciência tanto com a outra pessoa
quanto com você mesmo na construção desse
consenso.
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Como ser um bom ouvinte
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Os efeitos de conversar sobre nossos proble-
mas são surpreendentemente profundos. Em
um estudo de 1988, o psicólogo James Penne-
baker e seus colegas demonstraram que falar so-
bre seus traumas tinha um efeito positivo no sis-
tema imunológico e na saúde geral dos partici-
pantes do estudo [44]. Uma das teorias para ex-
plicar esse efeito é que guardar segredos doloro-
sos é uma atividade que causa stress, e portanto
problemas de saúde. Simplesmente abrir o peito
pode ter um efeito benéfico significativo.
Mais recentemente, em 2007, uma equipe de
pesquisadores armados com equipamentos mo-
dernos de neurociência demonstrou que nome-
ar nossas emoções reduz a ativação da amígdala,
a área do cérebro responsável pela reação de lu-
tar ou fugir [45]. Ao conversar sobre nossos sen-
timentos, nós envolvemos as áreas do cérebro
envolvidas com palavras e significados, e nos
tornamos menos reativos e mais conscientes.
Conversar sobre seus problemas pode ser uma
forma concreta de resolvê-los.
Os obstáculos do cotidiano se acumulam e
nos cansam, mas normalmente conseguimos li-
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dar com eles. Na maior parte dos dias, o que re-
almente precisamos é de alguém para escutar
nossos problemas, e muitos de nós não querem
que eles sejam resolvidos por outra pessoa.
Pessoas se comunicam de maneiras diferentes.
Simplificando, digamos que existem dois gran-
des grupos, que vamos chamar de grupo A e
grupo B. O grupo A quer conversar, colocar
para fora, se sentir levado a sério e ter validação.
Normalmente não é um grupo que quer muita
intervenção, ele não quer soluções, mas sim um
local mais íntimo de acolhimento. O grupo A,
ao contar sobre um problema, quer um abraço,
um “eu só consigo imaginar” ou “poxa se eu es-
tivesse no seu lugar também teria me sentido as-
sim”.
Já o grupo B tende a ser um grupo mais prá-
tico, um grupo que quer sugestões, soluções,
proatividade e brainstorm. A maneira mais fácil
de diferenciar os dois grupos é o fato do grupo
B ser um grupo que normalmente coloca após
os desabafos perguntas como: “o que você faria
no meu lugar?, “você acha que eu fiz certo?” ou
“você tem alguma ideia do que eu possa fazer?”.
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O problema normalmente acontece quando
pessoas A e B tentam se acolher. Quando A ten-
ta acolher B, com seu “deve ser difícil mesmo”
ou “putz, tenso”, B sente como se A não estives-
se levando a sério e que não está realmente inte-
ressado em participar da conversa. Já quando B
tenta acolher A, A fica sentindo como se B esti-
vesse tentando resolver seus problemas e sendo
condescendente, ficando frustrado por não ser
validado.
Essas não são regras rígidas, mas sim tendên-
cias, e é possível que dependendo do dia e/ou
da situação você transite entre os dois grupos.
Por isso estabelecer vínculos, uma comunicação
clara e aprimorar suas habilidades de escuta são
coisas que vão cair bem aqui.
No acolhimento, apenas ouvir ativamente
outra pessoa pode ser bem difícil. É desconfor-
tável ouvir sobre o sofrimento de uma pessoa
querida sem poder fazer nada concreto para re-
solver a situação. Não gostamos de nos sentir
inúteis. Nosso impulso é tentar “consertar” a
dor do outro ao invés de permitir que eles sin-
tam seus próprios sentimentos. Indo mais lon-
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ge, podemos acabar nos envolvendo muito
emocionalmente no desabafo, trazendo uma
carga negativa para dentro de nós. Como supe-
rar esses impulsos e conseguir oferecer para a
pessoa a ajuda da forma que ela precisa?
A primeira habilidade a se desenvolver para se
tornar um bom ouvinte é aprender a ficar con-
fortável com o desconforto. No começo de uma
relação é normal ficar ansioso com os momen-
tos de silêncio e tentar preenchê-los com con-
versa miúda. Por outro lado, ficar confortável
no silêncio é justamente uma das marcas de
uma relação mais profunda, onde ambos se sen-
tem confortáveis em coexistir sem precisar inte-
ragir. O mesmo se aplica ao desconforto de ou-
vir um desabafo: quanto mais você conhece a
pessoa, menos motivo você tem para sentir que
precisa se intrometer nos problemas que ela está
contando. Não seja condescendente! Mesmo se
estiver lidando com uma pessoa do grupo B,
tente esperar que ela peça por contribuições.
Outro fator que nos leva a ser ouvintes ruins
é o desconforto com emoções “negativas”. Um
bebê chorando na cabine de um avião gera uma
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bolha ao seu redor, dentro da qual a prioridade
número um de todos os outros seres humanos
presentes é fazer com que o bebê pare de chorar.
Pais constrangidos pedem desculpas enquanto
estranhos decidem testar suas habilidades como
palhaços amadores. Comissários de bordo são
despachados para lidar com a emergência. Des-
confio que até a torre de voo seja avisada.
Um adulto chorando é ainda mais constran-
gedor, e nossa reação é tratar a pessoa como se
fosse um cano estourado e correr para tapar o
vazamento assim que possível. Nossos estereóti-
pos de gênero também vêm prejudicar a situa-
ção: um homem chorando em público é consi-
derado patético, enquanto uma mulher não
pode chorar sem atrair a atenção de estranhos
querendo saber o que aconteceu.
A dimensão de raça também é relevante: a
jornalista Reni Eddo-Lodge conta [46] que du-
rante um evento de divulgação do seu livro “Por
que eu não converso mais com pessoas brancas
sobre raça”, uma mulher branca na plateia caiu
em prantos enquanto Reni lia um capítulo do
livro. Para Reni, esse choro era reflexo de um fe-
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nômeno mais amplo em que quando pessoas
brancas escutam falar sobre racismo, elas inter-
pretam essa informação como se fosse projetada
para fazer elas se sentirem pessoas más. Simples-
mente refletir sobre racismo é percebido como
se fosse um ataque pessoal a qualquer pessoa
branca na vizinhança. Muitas vezes essas pessoas
reagem com raiva ou de maneira defensiva, mas
em espaços progressistas como os movimentos
feministas e antirracistas, a reação mais comum
de pessoas brancas a discursos sobre raça é sentir
culpa - e chorar. E aí, desabafa Reni, as ativistas
negras se encontram obrigadas a abandonar a
conversa sobre poder estrutural para então pas-
sar a cuidar dos sentimentos feridos daquela
pessoa branca, providenciar um lenço e um
abraço, dizer que ela não é uma pessoa ruim. E
assim o que deveria ser um espaço para discutir
questões de pessoas negras passa a girar em tor-
no de uma pessoa branca. Ou, nas palavras de
outra ativista entrevistada pela Reni, “mulheres
brancas chorando é racista” [47].
No caso de homens negros, o choro de uma
mulher branca pode ser simplesmente letal,
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como no livro O Sol É Para Todos. Nessa histó-
ria inspirada em casos reais, Tom Robinson, um
homem negro, é falsamente acusado de estuprar
uma mulher branca. Em seu julgamento, apesar
do advogado provar que a história é mentira, o
júri branco decide condenar Tom mesmo assim,
e ele acaba morrendo tentando escapar da pri-
são. Narrativas falsas de que homens negros ou
imigrantes pretendem estuprar mulheres bran-
cas são um clássico racista [48], e continuam
populares ainda hoje [49]. Em um vídeo viral
de 2020, a nova-iorquina Amy Cooper, irritada
porque um homem negro havia pedido que ela
colocasse seu cachorro em uma coleira em seu
passeio pelo Central Park, chamou a polícia e
falsamente acusou o homem de tentar atacá-la.
No caso, a mentira foi descoberta e o homem
foi liberado [50]. Nem todo caso termina tão
bem [51].
Além do choro, outro sentimento que causa
fortes reações é a raiva. Assim como outros sen-
timentos vistos como negativos, a raiva também
pode ser difícil de se presenciar, ainda mais por-
que é fácil se sentir ameaçado mesmo quando
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ela não é direcionada para nós. Homens com
raiva são vistos como uma ameaça física iminen-
te, enquanto mulheres com raiva são histéricas e
fora do controle. E aqui também há um compo-
nente racial, em que pessoas negras têm uma
probabilidade maior de serem julgadas por esse
estereótipo mesmo quando estão reagindo de
maneira proporcional e apropriada.
A raiva também tende a ser contagiosa, e ra-
pidamente nos vemos abandonando o papel de
ouvintes. Quando nós somos o objeto da raiva,
sentimos a necessidade de elevar o nosso tom e
responder à altura. E quando a raiva é direcio-
nada em outra direção, temos o impulso de
compartilhar dessa raiva, de tomar para nós a
causa do outro. A raiva é um sentimento de alta
energia que estimula a ação imediata. Não por
acaso, raiva tende a ser o motor por trás de boa
parte do conteúdo viral em mídias sociais [52]:
seja porque você está furioso com o conteúdo
em si ou com o que o conteúdo está denuncian-
do, sua raiva estimula a interação, o que faz
com que aquele conteúdo atinja ainda mais pes-
soas.
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Claro, tanto raiva quanto tristeza são senti-
mentos perfeitamente naturais, e o choro uma
reação saudável. Nosso desconforto vem a partir
de questões sociais - o medo de demonstrar vul-
nerabilidade em público ou de causar transtor-
no para as pessoas ao seu redor - e não deveriam
nos impedir de experimentar nossos sentimen-
tos em sua plenitude. Não existem emoções
“negativas” ou “erradas”, embora possam existir
comportamentos negativos motivados por uma
emoção. Gostaria de destacar a raiva, que consi-
dero uma emoção injustiçada. Afinal, raiva não
é a mesma coisa que violência. Se você aprender
a expressar sua raiva sem machucar os outros ou
a si mesmo, esse é um dos primeiros passos para
começar a honrar sua própria história.
Mas se você está tentando ajudar alguém, não
sufoque os sentimentos dela. Deixe que ela cho-
re, desabafe e coloque para fora de forma segura
e sem julgamentos, tudo isso faz parte de verda-
deiramente abraçar o que se sente e aprender a
lidar com as suas emoções. Essa atitude de “dei-
xa chorar” também é útil para evitar que esses
sentimentos sejam usados como arma por pes-
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soas ignorantes ou mal intencionadas: se o cho-
ro fosse encarado de maneira mais natural, não
seria tão comum que ele causasse problemas
como roubar o destaque em uma reunião ou
instigar violência racial.
Relacionado ao nosso desconforto com emo-
ções negativas e com o silêncio, existe também o
impulso de sempre querer dar conselhos. Se tra-
ta de um impulso perigoso. É fácil ofender a in-
teligência da pessoa com um conselho óbvio
(“você já tentou ser mais positivo? Sorrir
mais?”), ou oferecer um conselho que pode aba-
lar a relação entre vocês (“por que você não ter-
mina com esse namorado lixo?”). Muitas vezes a
pessoa já tem uma resposta e precisa apenas de
suporte emocional para colocá-la em prática.
Oferecer um conselho não solicitado pode mi-
nar a autoconfiança dela aos poucos, plantando
a ideia de que ela não consegue fazer ou pensar
em nada sozinha.
Porém, às vezes a pessoa de fato quer um con-
selho, seja por que ela não pensou em nada ou
porque ela confia em você a ponto de achar que
você pode ter uma ideia melhor. Nesses casos,
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tente esperar ela pedir. Segure a sua ideia bri-
lhante na cabeça e aguarde pela oportunidade
certa. Se você realmente não consegue diferenci-
ar entre as duas situações, não hesite em per-
guntar diretamente: “eu não sei exatamente o
que te falar ou fazer, quero muito te ajudar, mas
então gostaria de saber se você só quer que eu te
ouça ou se você quer que eu ajude a pensar no
que pode ser feito?”. A comunicação clara rara-
mente é mal recebida.
A primeira habilidade para ser um bom ou-
vinte é, portanto, estar confortável com o des-
conforto. A segunda habilidade é… ouvir. Nor-
malmente em uma conversa nosso cérebro está
dividido entre prestar atenção no que a outra
pessoa está dizendo e preparar a sua resposta.
Essas tarefas nem sempre estão balanceadas, e é
comum que a maior parte do seu esforço men-
tal esteja em pensar em uma citação inteligente
ou uma piada engraçada para preencher o silên-
cio quando a outra pessoa parar de falar. Experi-
mente o que acontece quando você ignora essa
parte e dedica a sua atenção completa ao que a
pessoa está falando. Você não só vai compreen-
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der muito melhor o significado do que está sen-
do dito, como também pode perceber nuances
de expressão facial, mudanças sutis no tom de
voz, e de maneira geral ter uma imagem muito
mais completa do estado emocional das pessoas.
Com esse entendimento aprofundado do que
a pessoa está dizendo, como está dizendo e por
que está dizendo, se torna muito mais simples
identificar uma maneira de realmente ajudá-la.
Será que ela precisa de consolo ou de estímulo?
Devo oferecer um conselho ou um abraço? Es-
cute com atenção que as respostas podem vir
mais facilmente.
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Sabrina M.; PFEIFER, Jennifer H.; WAY,
Baldwin M.. Putting Feelings Into Words. An-
nual Review Of Psychology, v. 58, n. 1, p. 259-
289, fev. 2007. ↩
[46] EDDO-LODGE, Reni. About Race. Epi-
sódio 7. Disponível em: https://www.aboutrace-
podcast.com/7-white-women-crying-is-racist.
↩
[47] MORTLOCK, Alanah. Why white wo-
men crying is still racist: e work of trauma
narratives in self-stories of transracialism. Dis-
ponível em: https://blogs.lse.ac.uk/gen-
der/2020/12/09/why-white-women-crying-is-
still-racist-the-work-of-trauma-narratives-in-
self-stories-of-transracialism/. ↩
[48] FERRARI, Wallacy. CASO SCOTTSBO-
RO BOYS: O BIZARRO EPISÓDIO DE RA-
CISMO NA JUSTIÇA AMERICANA. 2021.
Disponível em: https://aventurasnahisto-
ria.uol.com.br/noticias/reportagem/scottsboro-
boys-o-mais-insano-caso-de-racismo-no-juri-
americano.phtml. ↩
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[49] FEDER, J. Lester; ANSELMI, Pascal. e
Real Story Behind e Anti-Immigrant Riots
Rocking Germany. Disponível em:
https://www.buzzfeednews.com/article/lesterfe-
der/germany-chemnitz-far-right-neo-nazis. ↩
[50] FRANCE PRESSE. Mulher branca que
denunciou falsamente homem negro em NY
responderá a processo. Disponível em:
https://g1.globo.com/mundo/noti-
cia/2020/07/06/mulher-branca-que-denunciou-
falsamente-homem-negro-no-central-park-em-
ny-respondera-a-processo.ghtml. ↩
[51] G1 RS. João Beto, morto por dois seguran-
ças em um supermercado no RS. 2020. Dispo-
nível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-
do-sul/noticia/2020/12/30/como-esta-aquele-
caso-joao-beto-morto-por-dois-segurancas-em-
um-supermercado-no-rs.ghtml. ↩
[52] is Video Will Make You Angry. 10 mar.
2015. YouTube: CGP Grey. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?
v=rE3jRHkqJc. ↩
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O que dizer quando não há
nada que possa ser dito
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Pais e filhos
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pais costumam apreciar. E se isso falhar, tente
uma garrafa de vinho.
No cenário em que é o filho ajudando os
pais, o mais importante é que os pais não to-
mem essa ajuda como garantida. Existe uma
etapa do desenvolvimento em que a criança
aprende, geralmente com muito conflito, a dife-
rença entre o que é uma responsabilidade dela
(ir para a escola, arrumar o próprio quarto) e o
que é uma ajuda (lavar o carro, cuidar do irmão
enquanto os pais vão ao cinema). Os pais tam-
bém não devem esquecer essa distinção, em par-
ticular quando o filho se torna um adulto inde-
pendente. Na dúvida, um “muito obrigado” cai
bem em todos os casos.
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fesa da honra por réus de feminicídio. Disponí-
vel em: https://g1.globo.com/jornal-nacio-
nal/noticia/2021/03/13/stf-proibe-por-unani-
midade-uso-do-argumento-da-legitima-defesa-
da-honra-por-reus-de-feminicidio.ghtml. ↩
[55] Secretaria de Direitos Humanos. RELA-
TÓRIO SOBRE VIOLÊNCIA HOMOFÓBI-
CA NO BRASIL. 2012. Disponível em:
https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/Rela-
torioViolenciaHomofobicaBR2012.pdf. ↩
[56] THOMSON, Judith Jarvis. A Defense of
Abortion. Philosophy & Public Affairs, v. 1, n.
1, p. 47-66, Disponível em: https://www.world-
cat.org/issn/0048-3915. ↩
[57] ALEXANDER, Harriet. Parents guilty of
manslaughter over daughter’s eczema death.
2009. Disponível em:
https://www.smh.com.au/national/parents-
guilty-of-manslaughter-over-daughters-eczema-
death-20090605-bxvx.html. ↩
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Os limites da ajuda
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Ajuda que não ajuda
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Essa regra dramática cria boas histórias, mas
também bagunça nossas expectativas. Na reali-
dade, a solução para problemas complexos está
quase sempre em pequenos atos feitos de ma-
neira consistente e continuada. Um exemplo é
perder peso: uma dieta radical pode até trazer
resultados passageiros, mas a longo prazo a úni-
ca solução real é mudar os seus hábitos por
meio da reeducação alimentar. Pequenas mu-
danças, todo dia.
Da mesma forma, nenhum grande gesto será
capaz de consertar um relacionamento, curar a
ansiedade ou restaurar a autoestima. Em todos
esses casos, a verdadeira solução se encontra em
um processo gradual e contínuo de melhora.
Quando estamos lidando com um problema
grande, é tentador buscar uma solução do mes-
mo tamanho, seja terminar o namoro, trocar de
faculdade ou mudar de país. Essas atitudes po-
dem até resolver questões práticas, mas não as
internas. Não é raro passar por todo o transtor-
no de uma mudança radical apenas para desco-
brir que, no fim, seus problemas seguiram você
na bagagem.
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Especialmente no contexto de oferecer ajuda
para outra pessoa, portanto, devemos ser res-
ponsáveis e resistir à tentação de tratar a vida
dela como a season finale de uma série. Pequenos
atos podem não ser tão dramaticamente satisfa-
tórios, mas costumam funcionar muito melhor.
Nesse ponto do livro já está claro o quanto se
relacionar com pessoas é uma tarefa complexa, e
tal complexidade evoca uma angústia enorme.
Sim, criar laços dá muito trabalho e a realidade
é que temos a tendência de fazer isso de qual-
quer jeito, pois se tornou uma tarefa banal e co-
tidiana. Acho uma reação compreensível estar
diante de toda essa complexidade e querer se fe-
char completamente do mundo. A vida é sua, o
problema é seu, você tem esse direito. Mas
como eu repeti ao longo do livro, tudo é uma
habilidade, tudo é passível de treinamento e
melhora. De fato, em muitas habilidades você
precisa ser muito ruim antes de se tornar muito
bom. Algumas pessoas fazem parecer mais fácil,
e outras nem sabem o que elas estão fazendo di-
reito ou não. Mas eu espero que esse livro seja
uma boa ferramenta de auxílio no seu processo
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de aprender e aperfeiçoar as habilidades de pe-
dir, oferecer e receber ajuda.
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Agradecimentos
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mim e me trouxeram a paz de saber que não es-
tou em uma bolha.
Quero agradecer a Rebeca, Nagy, Giovanna e
Bianca por também terem feito a revisão do li-
vro e, mais que isso, por terem me colocado pra
cima todas às vezes que duvidei de mim mesma,
dando o último pontapé necessário para colocar
esse ebook no mundo.
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