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3ª série
Sociologia

Sociedade patriarcal: a violência de gênero


Violência contra a mulher: o retrato comum da sociedade?
Como uma sociedade patriarcal como a brasileira reproduz a desigualdade entre homens e mulheres?
Movimentos pelos direitos das mulheres protagonizaram lutas importantes para que as relações de gênero
fossem colocadas em pauta no debate público. São exemplos o movimento sufragista na França do século XIX, a
criação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino na década de 1920 e a vertente do feminismo
interseccional iniciado nos anos 1960 nos Estados Unidos, entre muitos outros. A ideia de que o homem é mais
forte e inteligente do que a mulher enraizou-se no senso comum com a influência, inclusive, de estudos
científicos e filosóficos ocorridos sobretudo no século XIX, que defendiam a concepção da subordinação feminina
e da inferioridade biológica em relação ao masculino. Assim, todas as desigualdades e violências cometidas
contra as mulheres eram encaradas como predisposição natural do homem, ou seja, a diferença biológica
justificaria a assimetria das relações entre homens e mulheres, a violência de gênero e a divisão dos papéis
desempenhados em sociedade.
O questionamento de tais paradigmas ganhou força ao longo do século XX, em que filósofas como Simone de
Beauvoir (1908-1986) e Angela Davis (1944-) produziram teorias que inspiraram lutas e movimentos de mulheres
em diversas localidades, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos. Essas movimentações foram fundamentais
para melhor compreender as relações de gênero, interpretadas como relações de poder construídas
socialmente. Assim, não seria a mulher fraca e frágil em decorrência de sua biologia, pois sua situação de
vulnerabilidade estaria ligada ao processo de socialização e à divisão de posições em sociedades que relegam à
mulher um papel subalterno àquele ocupado por homens.
Embora tenha ocorrido avanços importantes ao longo do último século, a violência de gênero ainda é um
fenômeno expressivo na contemporaneidade. Esse tipo de violência pode ser tanto de ordem psicológica
(agressões verbais, chantagens, ameaças, humilhações ou outros assédios morais), de ordem física (agressões
que atentem contra a integridade física), de ordem sexual (abusos e assédios como estupro ou importunação
sexual) quanto de ordem moral (calúnia e difamação), e é motivada com base no gênero da vítima. A maioria dos
alvos de violência de gênero são mulheres e meninas, que na estrutural patriarcal encontram-se em condições de
desvantagem em relação aos homens, já que estas relações também se constituem como relações de poder que
privilegiam o gênero masculino.

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Patriarcado (substantivo masculino)
1. Estrutura social em que as mulheres estão subordinadas aos homens, configurando
situações de opressão.
2. Sociedade na qual os homens possuem os privilégios e domínio dos espaços
públicos, relegando às mulheres o espaço privado (casa). Assim, o pai possui poder em
relação à esposa e à filha (que na vida adulta poderá estar subordinada ao marido).

É comum a associação direta entre violência de gênero e agressão física, por ser mais fácil a identificação de
eventuais hematomas e marcas deixados no corpo da vítima. Porém, as outras tipificações citadas
anteriormente (psicológica, sexual, moral) também são abarcadas em leis de prevenção e combate à violência
contra a mulher, a exemplo da Lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Assim, uma mulher
vítima de violência de gênero pode estar em um relacionamento no qual não é agredida fisicamente, mas é
submetida a humilhações, difamações e abusos psicológicos. Este infográfico apresenta em detalhes as formas
de violência tipificadas na legislação, ou seja, que podem ser consideradas crime com base na Lei Maria da
Penha:

Infográfico detalha os tipos de violência doméstica previstos na Lei Maria da Penha - SENADO
FEDERAL/FACEBOOK

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A violência de gênero pode se manifestar de diversas formas: violência doméstica, estupro, violência simbólica e
feminicídio. Os dados demonstram o quanto a violência de gênero faz parte da realidade brasileira. Só no ano de
2019, mais de 200.000 mil mulheres foram agredidas. Também são consideradas indicadores de idade e raça,
sendo as mulheres negras com idades entre 20 e 39 anos as principais vítimas de feminicídio no Brasil, de acordo
com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2020). Também é importante destacar que a maioria dos
agressores e assassinos dessas vítimas são seus próprios companheiros ou ex-companheiros, que não aceitam o
fim do relacionamento.

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Feminicídio (substantivo feminino)
1. Homicídio praticado contra a mulher baseado no fato de a vítima ser do gênero
feminino.
2. Crime de ódio contra o gênero feminino que resulta em assassinato de uma mulher.

Em 2015, o Brasil aprovou a Lei do Feminicídio (13.104/2015), que distingue os homicídios comuns dos
homicídios que são cometidos contra mulheres apenas pela condição de ser mulher. O feminicídio foi incluído
no rol dos crimes hediondos, o que significa que se trata de um crime cruel e que causa repulsa segundo os
valores éticos de uma sociedade, havendo maior tempo de condenação. Essa lei é um importante avanço no
combate e punição da violência de gênero no Brasil, tornando visível um fenômeno que é histórico e estrutural.
Assim, o reconhecimento desse tipo específico de violência contribui para a conscientização sobre uma realidade
na qual as mulheres estão submetidas independente da faixa etária, classe social ou etnia.
Apesar dos impactos da violência sofrida por mulheres, o senso comum tende a buscar argumentos que
justifiquem crimes contra o gênero feminino, depositando a responsabilidade dos acontecimentos nas próprias
vítimas — são questionamentos sobre o tipo de roupa utilizado por elas, ataques à personalidade ou ao modo de
vida da mulher ou suspeitas sobre as intenções da vítima ao realizar uma denúncia. Discursos desse tipo
favorecem a impunidade e a subnotificação de casos, abrindo margem também para atos de violência
simbólica. Pierre Bourdieu (2002) trata sobre o assunto, alegando que a violência simbólica é invisível, isto é, ela
pode ser imperceptível, invisível aos demais, mas ainda é sentida pela mulher em seu cotidiano.
A violência simbólica pode se manifestar por meio de um gesto, de um olhar, da maneira de falar. Ela é exercida
quando, por exemplo, uma mulher anda na rua e um homem a olha de uma forma invasiva, ou ainda quando no
local de trabalho um homem realiza gestos que não consideram a presença e nem a opinião de uma mulher.
Essas práticas cotidianas ajudam, pois, a reproduzir e manter a violência de gênero e a própria condição de
opressão da mulher na sociedade.
Em provas como o ENEM e demais processos seletivos, a violência de gênero pode aparecer articulada com o
papel dos movimentos feministas recentes, que tiveram atuação para denunciar o machismo e reivindicar
igualdade de gênero. Assim, podem haver questões que peçam para que sejam reconhecidos avanços do debate
de gênero na sociedade que ocasionou, inclusive, a criação de leis e políticas públicas de enfrentamento à
violência contra a mulher. As provas podem abordar, ainda, as diferenças existentes entre os homicídios comuns
e o feminicídio.

Exercício resolvido
1. (UECE-CEV 2019.1) Atente para os seguintes dados: “No Brasil, doze mulheres são assassinadas todos os
dias, em média, segundo os dados oficiais dos estados relativos a 2017. São 4.473 homicídios dolosos, sendo
946 feminicídios, ou seja, casos de mulheres mortas em crimes de ódio motivados pela condição de
gênero”.
Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-daviolencia/noticia/cresce-n-de-mulheres-vitimas-dehomicidio-no-
brasil-dados-de-feminicidio-saosubnotificados.ghtml
Em relação aos crimes de homicídios contra mulheres, é correto dizer que
a) o aumento de assassinatos de mulheres no Brasil é resultado direto do aumento da criminalidade violenta que
caracteriza a violência urbana no País.
b) todo homicídio é violento e se constitui em crime perante a lei, não havendo características de natureza nem
de motivações que o distingam dos demais.
c) a violência contra as mulheres, na maioria dos casos, é praticada por homens que se orientam por um modelo
de dominação masculina que vincula masculinidade à violência.
d) a violência contra mulheres no Brasil é resultado da exposição das próprias mulheres na vida pública, sendo
elas próprias as responsáveis pela situação.
O anúncio da questão traz alguns dados de violência de gênero no Brasil, tratando, especificamente, do
feminicídio. Em seguida, é pedida uma alternativa que corresponda aos crimes de homicídio cometido contra
mulheres. Tanto a alternativa A quanto a B, não consideram a especificidade da violência contra a mulher, que
possui uma motivação distinta dos homicídios comuns. A opção A liga o homicídio de mulheres ao
crescimento da criminalidade urbana, o que é incorreto, pois a motivação e a natureza do crime são diferentes.
A alternativa correta é a letra C, pois associa corretamente a violência contra a mulher à dominação

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masculina e a opressão histórica vivenciada pelas mulheres. A letra D está incorreta, pois atribui a violência
sofrida pela mulher a ela própria, o que caracteriza uma violência simbólica ao passo que culpabiliza a vítima
pelo seu próprio processo de dominação.
Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. São Paulo, ano 14, 2020. ISSN 1983-7364. Disponível em:
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf. Acesso em:
10/12/2021.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2002.

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