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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FACED


Salvador, 13 de novembro de 2022.
Licenciatura em Pedagogia
Sociologia da Educação – Docente: Prof.ª Rubenilda Sodré
Alunas: Carla Viana, Ester Torres, Jéssica Menezes, Luciana Ferreira, Tatiana Lins .

RESENHA SOBRE O FILME


CABEÇA DE NÊGO

O filme “Cabeça de Nêgo” é um drama brasileiro de 2021, produzido e


dirigido, pelo diretor e roteirista Déo Cardoso, estado-unidense, declarado brasileiro
e de família Cearense, resolve então gravar todas as cenas no estado do Ceará,
inspirado no livro Panteras Negras e as lutas antirracistas, aborda questões raciais e
a precariedade no sistema educacional público. Tendo como elenco em sua maioria
atores negros da juventude periférica.
A trama retrata um jovem negro secundarista que estuda, se emancipa e leva
junto toda a escola. Denota o ímpeto pela mudança de jovens que passam por
dificuldades sociais e trazem consigo a vontade de querer mudar a situação de
injustiça vivida diariamente e de desigualdade tão latente. Além disso, mostra a
espontaneidade juvenil e a realidade do jovem preto periférico onde a busca pela
mudança retrata uma consciência política como caminho para a transformação
social. Saulo como protagonista e o agente transformador daquela realidade, sabe
que precisa partir do individual para o estrutural coletivo, ele tem consciência de que
não adianta tentar atacar o estrutural. Dessa forma ele se atém aos pequenos
detalhes da escola como por exemplo: o abandono, a precarização e a opressão
sobre os estudantes que afeta a toda comunidade local.
Este pensamento corrobora com as ideologias de Gramsci, acerca de uma
profunda reflexão da liberdade e da autonomia dos sujeitos, e das possibilidades de
uma transformação radical da sociedade capitalista, tendo a educação e as artes
como importantes instrumentos para a tomada de consciência e mobilização
popular.
Saulo convive com a dor da perda do seu irmão entendendo e agindo como
uma das premissas de Durkheim em relação ao crime, onde apesar das implicações
morais que todos nós possuímos em relação a um criminoso e ao ato que infringe
as regras morais, para este sociólogo, deve-se despir dessas pré noções e buscar
uma explicação que relacione o fenômeno do crime com o contexto social. Daí
talvez o gatilho principal para o seu manifesto na escola, podemos apontar tal
situação como fato social que para Durkheim são fenômenos gerais que refletem no
indivíduo. “Ele está em cada parte porque está no todo, o que é diferente de estar
no todo por estar nas partes” (DURKHEIM, 2007a, p. 9), reconhecido pela coerção
externa, é difundido pela educação familiar, pelas crenças, ideias e práticas
transmitidas de geração para geração.
Podemos identificar decisões estéticas impressionantes, como por exemplo
quando o filme aborda o racismo sendo muito focado a imagem de Saulo,
personagem principal, além da empatia da colega que se consterna ao presenciar
aquela situação. Além disso, há a figura da mãe de Saulo onde ela sabe que esse
caminho é violento, letal e traz graves sequelas e ainda sim, vemos que ao se
defrontar como aquela situação e saber os impactos daquele ato de Saulo, ela o
apoia porque sabe a importância daquela atitude.
Observa-se a antítese entre o afeto e solidariedade indo de contraponto a
violência dos professores que não entendem a gravidade do problema do racismo,
se desdobrando até na mídia. Essa violência simbólica para Bourdieu é entendida
como uma violência que é cometida com a cumplicidade entre quem sofre e quem a
pratica, sem que, frequentemente, os envolvidos tenham consciência do que estão
sofrendo ou exercendo, evidenciando a escola como instrumento de desigualdade.
Destacamos também a pusilanimidade pela incompetência, inaptidão, ou até
mesmo a ignorância de não querer se inteirar em relação ao problema de Saulo.
Uma problemática que não é só dele, mas de toda uma sociedade que que é vítima
de atitudes racistas e fascistas, sofrendo com opressões socioeconômicas e
inúmeras formas de preconceito.
Saulo e seus colegas da escola Major Altair Andrade se organizam de forma
pacífica para protestar contra inúmeros problemas existentes no contexto escolar
que estão inseridos por conta de uma má gestão do diretor racista aliado a políticos
corruptos. Eles negociam com as armas que possuem: telefones celulares,
manifestos, termos de compromisso a serem assinados pela diretoria. Inspirado
pelos Panteras Negras, Saulo decide ficar na escola até que a justiça seja feita.  O
filme convida os espectadores a compartilhar a luta dos alunos contra políticos e
diretores opressores, pois ele relata a realidade da maioria dos estudantes.
O conceito de Marx e Engels sobre a luta de classes retrata fielmente toda
trama do filme, onde os alunos conscientes dos seus direitos lutam por justiça, mas
são violentamente calados por um processo de opressão exercido por um sistema
burguês, que só enxerga o próprio umbigo e se beneficia de todo processo, sem se
preocupar com as classes menos favorecidas aumentando assim a desigualdade
social.
A história de toda a sociedade até aqui é a história de lutas de classes.
[Homem] livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, burgueses de
corporação e oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram, em
constante oposição uns aos outros, travaram uma luta ininterrupta, ora
oculta ora aberta, uma luta que de cada vez acabou por uma
reconfiguração revolucionária de toda sociedade ou pelo declínio comum
das classes de luta […] A moderna sociedade burguesa, saída do declínio
da sociedade feudal, não aboliu as oposições de classes. Apenas pôs
novas classes, novas condições de opressão, novas configurações de luta,
no lugar das antigas. A nossa época, a época da burguesia, distingue-se,
contudo, por ter simplificado as oposições de classes. A sociedade toda
cinde-se, cada vez mais, em dois campos inimigos, em duas grandes
classes que diretamente se enfrentam: burguesia e proletariado (MARX &
ENGELS, 1988; 66-67)

Saulo acredita em uma educação transformadora e emancipadora, que o


ambiente escolar deve ser minimamente frequentável, com ensino, bibliotecas e
alimentação de qualidade, que a escola é um espaço de diálogo e produção de
conhecimento, mesmo sendo um garoto periférico suas referências apresentadas e
incentivadas por uma professora negra o fizeram enxergar para além dos muros da
escola, agregando a comunidade em sua luta, através da sua voz. “Ai daqueles e
daquelas, entre nós, que pararem com a sua capacidade de sonhar, de inventar a
sua coragem de denunciar e de anunciar. ” (FREIRE, 1982).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 DURKHEIM, Émile. A Educação, sua natureza e seu papel. In:


______. Educação e Sociologia. São Paulo: Edipro, 2016.

 FREIRE, Paulo. Educação: o sonho possível. In: BRANDÃO, Carlos


Rodrigues (org.). O educador: vida e morte. Rio de Janeiro: Graal, 1982.

 GRAMSCI, A. A organização da Escola e da Cultura. In.:______. Os


intelectuais e a organização da cultura. Tradução de Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.

 LOMBARDI, J. C. Educação, ensino e formação em Marx e Engels. In:


SAVIANI, Demerval; LOMBARDI, José Claudinei (Org.) Marxismo e
educação: debates contemporâneos. Campinas/SP: Autores Associados:
HISTEDBR, 2005, p.1-38.

 MARX, Karl; ENGELS,Friedrich. Manifesto do partido comunista.


Petrópolis: Vozes, 1988. 66-67.

 NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins; NOGUEIRA, Maria Alice. A sociologia


da educação de Pierre Bourdieu: limites e contribuições. Educação &
Sociedade, ano XXIII, n. 78, 2002. 

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