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Manifest Psychic Disorders in Patients With Chemical Dependence: Review of Narratives
Manifest Psychic Disorders in Patients With Chemical Dependence: Review of Narratives
1Professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco e Coordenadora do Núcleo JUREMA: Feminismos, Agroecologia e Ruralidades
2Mestrando no Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ) e
integrante do Núcleo JUREMA: Feminismos, Agroecologia e Ruralidades
3Mestranda no Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ) e
Received: 05 Oct 2022, Abstract — The construction of experiences in which rural women are the
Received in revised form: 20 Oct 2022, protagonists comprises conflicting processes, since the patriarchal culture
denies them this place and reiterates violent practices of invisibility and
Accepted: 27 Oct 2022,
devaluation of their experiences. Access to public policies that make it
Available online: 06 Nov 2022 possible to understand and strengthen rural women as a political subject
©2022 The Author(s). Published by AI promotes other dynamics of social life. Thus, this work presents the
Publication. This is an open access article analysis of the use of agroecological notebooks (CAs), as an innovation in
under the CC BY license the technical advisory actions of the Pró-Semiárido Project (PSA/BA).
(https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/). The CA is a tool that makes it possible to qualify the Technical Assistance
and Rural Extension (ATER) action, which requires a new institutional
Keywords – ATER. Agroecology. Feminism.
culture from organizations and transformations in the lives of rural
Rural women.
women. Its use enables the construction of a process of strengthening
Palavras-chave – ATER. Agroecologia. autonomy and reflection on the importance of productive and reproductive
Feminismo. Mulheres rurais. work and contributes to breaking with inequalities that mark their lives
and reduces their work as mere help.
Resumo — A construção de experiências em que as mulheres rurais sejam
as protagonistas, compreendem processos conflituosos, uma vez que a
cultura patriarcal nega a elas esse lugar e reitera práticas violentas de
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a esfera não mercantil da vida, sendo parte do saber/fazer mercados e cadeias produtivas e de valor, o que permite
que apesar de importante é atribuído ao lugar de “mera uma relação dialógica e tranquila com as inovações
ajuda”, sendo destituídas de serem reconhecidas como propostas pelas assessorias técnicas (Jalil, 2017).
produtoras, seja de conhecimentos, seja do trabalho Destarte, observa-se que geralmente as mulheres
considerado “produtivo”, o que resulta também na rurais são excluídas dos processos de decisão nos
exclusão delas dos processos políticos. agroecossistemas3, como também sobre o uso e manejo
Nesse contexto, a Caderneta Agroecológica2 é um dos recursos naturais e a gestão dos territórios. A
instrumento político-pedagógico e de pesquisa e que participação das mulheres rurais nos espaços políticos e de
possibilita registrar o que foi consumido, trocado, vendido controle social, no campo das políticas ambientais e de
e doado, de parte do que foi produzido pelas mulheres desenvolvimento agrícola, sempre foi pouco reconhecida e
rurais. É uma potente ferramenta de educação popular e de frágil como apontam Cordeiro (2006), Esmeraldo (2013) e
formação política com as mulheres rurais e possibilita de Jalil (2013).
forma simples a reflexão sobre a importância do trabalho Neste sentido, a implementação do uso da
para a Segurança e Soberania Alimentar (SSAN), como Caderneta Agroecológica pelo Programa Pró-Semiárido
guardiãs da sociobiodiversidade, como protagonistas de (PSA) 4 como ação de ATER tanto desvelou quanto
relações de solidariedade e reciprocidade (fundamentais potencializou o protagonismo das mulheres rurais na
para o fortalecimento dos tecidos sociais dos territórios) e construção de suas redes de autonomia e de ressignificação
cuidadoras da vida. Outra dimensão é o uso e incorporação das suas rotinas e dinâmicas de trabalho, uma vez que a
das Cadernetas Agroecológicas nas ações de ATER, o que caderneta representa um instrumento simples de
exige mudanças institucionais e a criação de uma nova mensuração do que as agricultoras familiares produzem e
cultura na assessoria técnica, desde a formação com equipe que, por meio da sistematização dos dados nela anotados,
técnica à incorporação de novos temas e suas relações com se torna uma ferramenta de reconhecimento das suas
o universo da produção: autonomia, gênero, violência, contribuições para a agricultura familiar e os processos de
racismo, geração, economia etc., o que fortalece a transição agroecológicos a frente nos projetos produtivos
perspectiva da transversalidade de gênero nas ações com das organizações de assessoria técnica.
mulheres rurais.
A Caderneta Agroecológica (Fig. 1) traz uma
As mulheres rurais produzem e possuem saberes divisão das atividades a partir de 4 (quatro) colunas:
que se materializam nos processos de transição consumo, doação, troca e venda, o que possibilita
agroecológica, nos seus quintais produtivos, no manejo da compreender de forma visual e prática que a lógica
fauna e flora, no cultivo de espécies vegetais, no cultivo e econômica vai muito além de um processo de
uso de plantas medicinais ou na criação de animais monetarização da vida, incluindo outras relações sociais e
(geralmente os de pequeno porte e de ciclos mais curtos econômicas fundamentais para reprodução da
como as galinhas, cabras e bodes que permitem o vida.
abastecimento cotidiano das famílias). São portadoras de
saberes fundamentais para a preservação dos biomas,
sendo verdadeiras guardiãs da agrobiodiversidade. Outra
característica que se constata é que são mais abertas às
experimentações e novidades, sobretudo no que se refere
ao acesso à novas tecnologias, projetos, inserção em novos
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Na medida em que essas mudanças de concepções agroecologia e como protagonistas dos processos de
e abordagens vão acontecendo, as mulheres agricultoras transição agroecológica. Nesse sentido, os dados coletados
agroecológicas começam a acessar lugares antes nunca no Projeto Os quintais das mulheres e a caderneta
ocupados e avançam em processo de ampliação da agroecológica na Zona da Mata de Minas Gerais e nas
participação política e construção da autonomia. regiões Sudeste, Sul, Amazônia e Nordeste: sistematização
Assim, as CAs, a partir de uma construção da produção das mulheres rurais e um olhar para os
coletiva, que reconhece e valoriza práticas e saberes dessas quintais produtivos do Brasil5, comprovam que a
mulheres, principalmente no que diz respeito às práticas contribuição das mulheres vai além da esfera reprodutiva.
agroecológicas, apresentam uma percepção sobre a Ao se dedicarem aos agroecossistemas, as mulheres têm
formação destes sujeitos por meio de experimentações permitido a existência de uma enorme variedade de
“que tem o potencial de dar visibilidade ao conhecimento sementes (animais e vegetais), beneficiamento de
das mulheres agricultoras agroecológicas como um alimentos, cultivo de plantas medicinais e remédios,
elemento-chave na dinamização do processo de transição garantindo soberania e segurança alimentar e nutricional,
agroecológica” (Jalil et al., 2021, p. 16). saúde e renda para as famílias (Alves et al., 2018. p. 9).
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trocar experiências, relatar o que está no âmbito do fortalecimento dos espaços das mulheres
acontecendo com elas, ouvir umas às outras e agricultoras agroecológicas.
chegarem juntas à solução de problemas, Isto porque, o Projeto articulou as ações do
fomentando um importante processo de extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e
autonomia. Em alguns casos, esse processo da Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais e
estimulou a auto-organização das mulheres em Quilombolas (DPMRQ), trazendo o debate das políticas
regiões onde não havia coletivos de mulheres ou para as mulheres rurais para dentro do governo, e de modo
núcleos de movimentos que oferecessem suporte mais direto fazendo o diálogo com a política de ATER. De
às mulheres” (Jalil et al., 2021, p. 21). modo específico, a DPMRQ tinha a missão de trabalhar
Uma ATER qualificada para o trabalho com com a promoção da autonomia das mulheres e a superação
mulheres é um diferenciador do alcance que as cadernetas da desigualdade de gênero no meio rural. Conforme
agroecológicas podem proporcionar entre as mulheres e as destacado por Santos e Jalil (2017), a principal estratégia
organizações e entre estas e o Estado, na medida que força foi desenvolver e executar políticas específicas para as
uma mudança institucional e em concepções de projetos e mulheres rurais, como também as incidir, nas demais
ações com e para as mulheres rurais. políticas públicas, para garantir os recortes de gênero na
reforma agrária, saúde, educação, nas políticas de crédito,
na assistência técnica e no desenvolvimento territorial.
III. A ATER E OS DESDOBRAMENTOS A PARTIR
DA CADERNETA AGROECOLÓGICA: UM Essa é uma luta que vem de antes e toma força no
INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO E início dos anos 2000 com ações políticas organizadas
QUALIFICAÇÃO como a Marcha das Margaridas e com a articulação dos
movimentos de mulheres rurais e feminista, que culmina
Além da atuação das agricultoras agroecológicas
numa nova agenda política para as mulheres do campo, da
e do trabalho em rede das várias organizações no Brasil, o
floresta e das águas (Santos, 2021). Nesse contexto, além
início com as Cadernetas só foi possível graças à execução
da criação da DPMRQ essa agenda também foi fortalecida
de políticas públicas do Governo Federal, em especial a
pela Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão
ATER para mulheres (Alves, 2018).
Rural (PNATER), que incluiu os princípios da igualdade
Desta forma, ocorreu no período de 2014 a 2015, de gênero, raça, etnia, geração e a promoção da produção
durante o projeto “Mulheres e Agroecologia em Rede”, o sustentável, assim como destaca o Governo Federal
processo de amadurecimento da proposta metodológica (2010).
com a anotação de 141 agricultoras do território do Sertão
Em 2013, a II Conferência Nacional de
do Pajeú/PE, integrantes da Rede de Mulheres Produtoras
Desenvolvimento Rural Sustentável, garantiu que 50% do
do Pajeú e 64 mulheres em 14 municípios da Zona da
público beneficiário fosse de mulheres, 30% de técnicas
Mata de Minas Gerais, acompanhadas pelo CTA/ZM.
mulheres nas equipes das chamadas para ATER e 30% dos
A sistematização dos dados mostrou uma grande recursos voltados para atividades produtivas das mulheres.
diversidade biológica encontrada nos quintais das De acordo com Santos (2021), esse foi outro marco
mulheres, com destaque para hortaliças, plantas importante de fortalecimento da institucionalidade da
medicinais, flores, árvores frutíferas e pequenos animais, agenda feminista e para os avanços das questões das
prioritariamente destinados: 1) à Segurança e Soberania mulheres no âmbito da ATER e do desenvolvimento do
(consumo, doação e troca); 2) Práticas de Cuidados (o uso Estado.
medicinal) e 3) Guardiãs da sociobiodiversidade e
Como reflexo da visão patriarcal nas políticas de
cuidadoras do território (com suas funções ornamentais e
Estado, a ATER tradicional em vez de contribuir para o
de preservação).
desenvolvimento da produção familiar e o protagonismo
Essa experiência foi fundamental para consolidar das mulheres, como as ações nos quitais produtivos
o projeto Os quintais das mulheres e a caderneta acabavam por invisibilizar o protagonismo das agricultoras
agroecológica na Zona da Mata de Minas Gerais e nas porque centrava o trabalho de assessoria na figura do
regiões Sudeste, Sul, Amazônia e Nordeste: sistematização homem, reafirmando os papéis tradicionais atribuídos aos
da produção das mulheres rurais e um olhar para os homens (como chefe e produtor) e às mulheres (como
quintais produtivos do Brasil. Com o objetivo de mostrar a cuidadoras e reprodutoras) (Santos e Jalil, 2017, p. 102).
capacidade produtiva dos quintais, o projeto alinhou esse
debate com a necessidade de fomentar políticas públicas
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sua continuidade diante dos desafios apresentados no Uma coisa é eu perceber e outra coisa é eu saber
percurso de implementação das Cadernetas junto com o como agir. E aí, no PSA a gente tem as Rodas de
PSA. Aprendizagem que ajuda bastante a trabalhar
Buscamos analisar quais os desafios para a esses temas relacionados a gênero que a gente
assessoria técnica no âmbito da experiência do Projeto vai percebendo nas visitas de ATER”.
Pró-Semiárido, e quais inovações foram incorporadas na Se a formação com as equipes para sensibilização
execução que contribuam para uma assessoria voltada para do trabalho com as mulheres é um avanço importante e
o trabalho qualificado com as mulheres rurais. que traz resultados positivos, uma dificuldade em relação a
Nessa perspectiva, a discussão posta através das isso se apresenta a partir da descontinuidade das equipes
entrevistas iluminaram problemáticas como a dificuldade técnicas nos projetos, que acontecem por motivos diversos:
de anotação por parte das mulheres agricultoras adoecimento, má remuneração (que leva a desmotivação),
agroecológicas (muitas com pouco domínio da escrita) o falta de identificação com o trabalho com as mulheres etc.
que já é identificado como um dos principais fatores que Destaca-se que com o processo de precarização da ATER,
levam a subnotificações. Outra questão são os problemas as mulheres técnicas são as que mais foram demitidas das
do acompanhamento pelas equipes de ATER, responsáveis organizações. Somado a essa questão a falta de maior
pela animação do processo de anotação e discussão dos investimento para garantir não apenas mulheres nas
dados. equipes, mas qualificar a equipe técnica de forma
continuada dificulta ainda mais um acompanhamento
Uma das assessoras técnica entrevistadas
técnico que contemplem o trabalho diferenciado com as
mencionou que as anotações das cadernetas que ela
mulheres rurais.
acompanha não chegam a 40% do que é produzido
realmente pelas mulheres. Essa questão é agravada quando Nesse sentido, a necessidade de formação
no território não conta com a presença dos/as Agentes contínua a partir de pedagogias feministas garante que
Comunitários/as Rurais (ACRs)9, tendo em vista a mais mulheres possam se inserir no processo, seja
dependência de outra pessoa, geralmente um familiar, para enquanto equipe técnica, seja enquanto agricultora,
fazerem as anotações. garantindo a transversalidade das ações de gênero que
possibilitará o rompimento com estruturas dicotômicas,
Outro fator identificado nas entrevistas foi a
machistas e patriarcais. Sobre essa lógica, uma das
dificuldade em trabalhar temas relacionados a gênero no
técnicas entrevistadas destaca que:
âmbito rural, devida as fortes expressões do machismo na
cultura local. Ainda é apontado o não reconhecimento por “elas hoje falam forte e dizem: ‘eu não ajudo,
parte dos homens dos trabalhos desenvolvidos pelas aqui eu trabalho também; isso aqui não é só seu
mulheres e a restrição do acesso delas às atividades de é meu’. Já vi mulheres discutindo com os maridos
formação em virtude das proibições dos companheiros, o em relação a isso, de dizer que elas agora
que acarreta desânimo e desistência de participarem dos entendem que a caderneta veio… entendem e tem
grupos de anotações. até marido que ficou meio enciumado […] E teve
até marido que impediu que a mulher
Nesse contexto, reafirmamos que uma assistência
preenchesse a caderneta".
técnica sensível a tais questões é fundamental para o
avanço do trabalho com as agricultoras agroecológicas, Os pontos supramencionados servem para
conforme comenta uma das técnicas entrevistadas: elucidar as perspectivas da ATER e os desafios que
emergem do trabalho no campo. Assim, a importância de
“a formação que a gente teve, desde o início, a
uma assessoria técnica qualificada e comprometida é um
formação de gênero ajudou bastante a gente não
diferencial nesse processo de adaptação e implementação
só a perceber, mas também a trabalhar esses
de uma metodologia como a das cadernetas
temas que a gente ia percebendo no cotidiano.
agroecológicas, como reforça o relato da técnica sobre as
questões de gênero e sua transversalização nos projetos:
9 Os Agentes Comunitários Rurais (ACR) são jovens, homens e
mulheres, das comunidades atendidas pelo Pró-Semiárido, “Em outros projetos vinha essa questão de a
responsáveis por mobilizar os agricultores e agricultoras e por gente trabalhar com mulheres, de fazer o
apoiar na gestão das associações e as entidades de cadastro e 50% do cadastro ser com mulheres
assessoramento técnico contínuo. Eles participam de todas as
ações propostas nos planos de desenvolvimento e investimento [...] aqui na BA, pelo menos, a gente consegue
nas comunidades, figurando como elo entre o Território Rural e o enxergar, pelo menos nesses projetos de
projeto (http://www.sdr.ba.gov.br/noticias/2020-08-04/serie- assistência técnica essa pequena mudança […]
retrata-papel-e-atuacao-dos-agentes-comunitarios-rurais-no-
tanto para contratação de técnicas mulheres, de
semiarido-da).
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agrônomas, de técnica agrícola, como para a às desigualdades de gênero que marcam e estruturam a
questão de o cadastro das famílias dar vida das mulheres rurais.
preferência para as mulheres". Outro fator é que o uso das CAs como parte de
Para a técnica, "a caderneta joga luz na mulher e um processo de ação e formação desta ATER promove o
coloca ela em evidência" e isso representa um reconhecimento das práticas das mulheres agricultoras
diferenciador no seu processo de autoafirmação e agroecológicas enquanto trabalho. Trabalho fundamental
reconhecimento, e reitera que um dos principais desafios é para a sustentabilidade da vida. Trabalho para a garantia da
“animar as mulheres a continuar utilizando, não só pra SAN e a produção para o autocoumo; trabalho como
elas entenderem que não é uma metodologia só pra gente guardiãs da sociobiodiversidade; trabalho como produtoras
pesquisar e ver resultado, é um instrumento que valoriza o de alimentos saudáveis; trabalho de cultivar as terras, as
trabalho delas e reconhece esse trabalho". plantas medicinais; trabalho para o fortalecimento dos
Nesse sentido, uma das ACRs entrevistadas, que tecidos sociais nos territórios, pois são promotoras de
também faz o uso da caderneta, destaca que: relações de troca e doação. Essa abordagem fortalece a
autonomia e empoderamento, reconhece seus saberes e
“a caderneta, depois que você começa a escrever
práticas ancestrais como conhecimento válido, e
é muito bom, porque você quer saber quanto você
comprovam não apenas a importância das cadernetas,
trabalhou. No início a gente aqui juntou as
como também a premissa de que “Sem Feminismo Não Há
mulheres do território, [...] e a gente teve na
Agroecologia”.
época 18 mulheres que disseram que tinham
interesse e depois a gente ficou só com 6 Os aprendizados institucionais apresentados pela
mulheres; [...] porque as mulheres dizem assim: experiência do PSA desvelam questões de extrema
‘ah, não vou conseguir’; Então a gente foi importância para o avanço do trabalho na perspectiva de
acompanhando e aí tinha umas que não eram uma ATER crítica, emancipatória e feminista, que garanta
letradas e isso dificultou muito porque ficava o acesso das mulheres às ações e interesses previstos nessa
muito distante daqui, eu consegui ir e em outras políticas públicas em geral. A teimosia em
acompanhando elas e a gente ficou com elas até fazer com que seus espaços produtivos sejam espaços para
ano passado, mês de janeiro, se não me engano, e a construção de relações sociais justas e igualitárias, com a
depois a pandemia veio muito e a gente com garantia de produção saudável e conservação da
medo, aqui no município ficou com bem muitos sociobiodiversidade, e geradoras de uma economia
casos nessa época [...] Eu sinto que um dos (mercantil e não mercantil) para elas e suas famílias,
desafios pra ter mais mulheres escrevendo e mais determina um novo olhar sobre as práticas das mulheres
mulheres conhecerem a dinâmica das cadernetas rurais, localizadas no lugar de visibilidade e construção de
e se apropriar delas é a leitura, não ter leitura conhecimentos e autonomia, pessoal e financeira.
suficiente pra escrever". A ousadia em serem mulheres agricultoras
Para que o acompanhamento técnico pudesse ser agroecológicas se reafirma com o apoio de uma assessoria
feito de maneira mais efetiva a/o ACR foi essencial. técnica sensível ao trabalhar com gênero e se permitirem
Contudo, a descontinuidade dos seus trabalhos nas também ousar nas metodologias da ATER, para e com as
comunidades e territórios foi uma das principais questões mulheres rurais na Bahia. A caderneta é fruto dessa
levantadas, uma vez que a presença deste sujeito que teimosia e ousadia coletiva. Da teimosia e resistência das
conhece o território e as famílias, facilita o processo mulheres rurais e de uma assessoria técnica que se desafia
metodológico na medida em que vive na comunidade ou cotidianamente.
perto, o que possibilita uma comunicação mais fluida e
simples. REFERÊNCIAS
A análise da sistematização das entrevistas revela [1] Alves, L. M. et al. (2018) Caderneta agroecológica e os
que o uso das cadernetas agroecológicas enquanto quintais: Sistematização da produção das mulheres
ferramenta nas ações da ATER é, de fato, fundamental, rurais no Brasil. Minas Gerais: Centro de Tecnologias
pois contribui para uma ampla análise a partir da Alternativas da Zona da Mata.
perspectiva de gênero, dos limites e desafios da ATER [2] Carrasco, C. (2013) El cuidado como eje vertebrador de una
realizada para e com as mulheres rurais, como sendo uma nueva economía. Cuadernos de Relaciones Laborales.
Madrid, vol. 31, n. 1, pp. 39-56.
assessoria transformadora e que seja percebida como uma
[3] Cordeiro, R. (2006) Agricultura familiar e gênero:
ação política e técnica que contribua para o enfrentamento
práticas, movimentos e políticas públicas. Recife: Ed.
Universitária da UFPE.
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