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RESUMOS DE TEORIAS DAS RI I

CARLOTA HOUART – 2016-2017


Debates nas RI

Antes das Grandes Guerras, o Mundo era muito estatocêntrico. Atualmente, há muitos
atores internacionais: OI’s, corporações, sociedade civil, indivíduos, terroristas, etc. Os
atores não são só nacionais, mas transnacionais, e variam em muitas categorias sociais.
Nas RI, os debates têm vindo a evoluir – são 4 grandes debates históricos:
- 1º debate (ontológico) – situa-se no período entre Guerras;
- 2º debate (epistemológico) – situa-se nos anos 50 e 60 e vai-se consolidando até hoje;
- 3º debate (interparadigmático) – começa a consolidar-se nos anos 60, 70 e 80;
- 4º debate (pós-positivista) – surge na década de 90 e ainda hoje está a desenvolver-se.

O debate ontológico dá-se entre o idealismo e o realismo. O idealismo refere-se a


ideias de capacidade de cooperação multilateral; à relevância das OI’s, ao direito
internacional e ao desarmamento; à partilha de valores e de uma segurança colectiva
entre Estados democráticos; à cooperação por oposição à competição. O realismo, por
sua vez, explica de modo racional a luta pelo poder (power politics); a persecução de
interesses máximos; vê os Estados como atores unitários cujo comportamento será
similar, sendo que a cooperação é sempre interessada (balança de poder); põe ênfase na
competição. No realismo clássico, a balança de poder estabelece-se com alianças. Mas
como cada um tem interesses próprios, as alianças não são estáveis nem constantes.

O debate epistemológico dá-se entre o tradicionalismo e o behaviorismo. O primeiro


argumenta em favor da utilidade da História, direito, filosofia como métodos de
conhecimento. A RI é, para ele, uma ciência com base em análises qualitativas, e
trabalha com um método indutivo: do particular para o geral. Obedece a uma tradição
britânica/europeia. O behaviorismo, também denominado positivismo, parte da
utilização de métodos científicos na procura de leis gerais para a explicação dos
acontecimentos (ex: teoria comunicacional e cibernética de Deutsch). Faz uma
abordagem quantitativa e corresponde a uma tradição norte-americana.

O debate interparadigmático é entre o neo-realismo, o neo-liberalismo e o


estruturalismo de orientação marxista. O primeiro procura dar resposta a críticas à
centralidade do Estado e unicidade do mesmo num contexto crescentemente
interdependente. High Politics vs Low Politics; descolonização; influência behaviorista
de Waltz. O segundo representa um retorno à agenda dos pressupostos de cooperação
multilateral; por exemplo: como explicar o final pacífico da Guerra Fria? Colaboração
transnacional? Integração europeia? É uma renovação do idealismo. E o terceiro refere-
se a uma estrutura global onde as RI têm lugar, é uma perspetiva histórica, crítica do
capitalismo, dos mecanismos de dominação e exclusão, das relações de dependência
(neocolonialismo, neo-imperialismo).

O debate pós-positivista parte de visões alternativas que propõem abalar os


fundamentos positivistas e abarcar uma perspectiva mais radical que permita múltiplas
vozes/perspectivas e uma real transformação das relações internacionais em modelos
alternativos. Conta com contributos teóricos da Teoria Crítica, do Construtivismo, do
Feminismo, do Pós-Colonialismo, do Pós-Estruturalismo, etc.

Construtivismo

Surge dentro de um grupo de académicos preocupados com a natureza social das


questões, com a possibilidade e necessidade de explicar a mudança e o pressuposto de
que há que ter sempre em atenção contextos históricos e culturais específicos. (final dos
anos 80, início dos anos 90).

Introduz um novo conceito de segurança: a segurança internacional alia-se à “segurança


humana”. E o que é isto de segurança humana? Não é só uma segurança material.
Para os Construtivistas, as RI são uma “construção social”. Porquê? De que forma?
 Os Estados, as alianças ou as instituições internacionais são exemplos de
fenómenos sociais nas RI; socialmente construídos;
 Assumem formas culturais, históricas e políticas específicas;
 Estas formas são produto da interacção humana num mundo social, de
“entendimentos partilhados”, de interpretações comuns de certas realidades;
 Os fenómenos sociais não existem de forma independente da acção e significado
humanos.
Os temas fundamentais do Construtivismo são: a mudança; as dimensões sociais; e os
processos de interacção. Como assim?
1) A mudança é a ideia de que a construção social sugere diferenças nos contextos
e a inexistência de uma realidade objectiva. Toda a realidade é subjectiva;
2) As dimensões sociais enfatizam normas, regras, linguagens, e como fatores
materiais se combinam na construção de diferentes possibilidades e resultados;
3) Os processos de interacção referem-se às escolhas que os atores fazem quando
interagem uns com os outros, possibilitando diferentes “realidades” históricas,
culturais e políticas.

Nicholas Onuf introduz o termo “Construtivismo” em 1989. Argumenta que os


Estados, muito na linha dos indivíduos, vivem e agem num “mundo que construímos”.
As RI são vistas como uma construção social: o mundo não é pré-determinado, mas sim
construído à medida que os atores interagem entre si; a realidade é socialmente
construída num contexto de interação social. Os Estados são entidades sociais como
nós, indivíduos.

Alexander Wendt contesta o materialismo, entendendo que as interacções são mais


culturais do que materiais, e o racionalismo, cuja função não é só reguladora de
comportamentos, mas também de construção de interesses e de identidades. Admite,
porém, que as forças materiais existem e que os indivíduos são atores com
intencionalidade. Por exemplo, em relação ao materialismo: as armas nucleares são uma
força real que tem impacto nos interesses e acções dos indivíduos. Mas aí também a
realidade é subjetiva: 500 armas nucleares britânicas são menos ameaçadoras para os
EUA do que 5 armas nucleares norte-coreanas. Porquê? Porque o Reino Unido é aliado
dos EUA e, portanto, representa uma ameaça menor (interpretação americana). Para o
Iraque, por exemplo, os EUA podem representar uma ameaça maior. Perspetivas…

Para os Construtivistas, é impossível prever as acções dos Estados pois estes não se
conduzem apenas por motivações racionais. No Construtivismo, existe um debate
agência/estrutura: as teorias neo-realista e neo-liberal concentram-se na estrutura, mas
o construtivismo foca-se nos agentes, enfatizando os processos de interacção social.
No entanto, agente e estrutura são co-constitutivos, nenhum precede o outro. Afastam-
se da questão da antecedência ontológica pois ambos se influenciam e determinam.
Os agentes estão sujeitos às normas da estrutura, mas a estrutura também é influenciada
e moldada pelos agentes.

Qual é a relação entre materialismo e idealismo? As ideias e valores, questões culturais


e identitárias, referenciais para o agente são relevantes na interpretação do mundo “lá
fora”, que só faz sentido quando nos referimos a ele. Palavras-chave são, assim:
mudança, socialização, processos de interacção…

Os principais contributos do Construtivismo para a teorização em RI são, assim:

 Atores e estruturas constituem-se mutuamente;


Até que ponto os atores podem moldar as estruturas? Até que ponto as estruturas
determinam o comportamento dos atores?
Para os realistas, as estruturas (pré-existentes) determinam o comportamento dos atores.
Mas, para os construtivistas, as duas entidades afetam-se mutuamente. Exemplo (de
como os atores influenciam a estrutura): a intervenção dos EUA no Vietname. Os EUA
(vistos como grande potência) intervêm no Vietname e, por isso, reforçam a ideia de
que são uma grande potência – mas reforçam ao mesmo tempo a ideia de que uma
grande potência é definida pelo uso de força militar contra outros. Outro exemplo (de
como a estrutura influencia os atores): a UE define normas implementadas por todos os
seus Estados-membros, normas que se tornam parte da identidade desses Estados e que
talvez estes não implementassem caso não fizessem parte da estrutura que é a UE.

 A anarquia internacional como um conceito subjectivo.


A definição de anarquia internacional é: ausência de qualquer poder superior ao dos
Estados. Para os realistas, isto implica uma permanente competição de poder entre os
Estados (power politics) para serem os mais fortes e, portanto, os mais seguros.
Mas, para os construtivistas, a realidade social não é unicamente definida pelas lutas de
poder; o mundo social é constituído por normas e práticas sociais que influenciam o
comportamento e posição dos Estados e, muitas vezes, os desviam da competição.
Exemplo: o Direito Internacional. Há algumas normas que (embora não vinculativas)
são cumpridas, na maior parte dos casos, pela maior parte dos Estados (veja-se a
integridade territorial), porque estes reconhecem a vantagem de cooperar nessa vertente.
Ou, noutro exemplo, o respeito pelos direitos humanos, porque as normas morais
existentes na maior parte dos países (democráticos/ocidentais) estão tão difundidas que
levam ao seu cumprimento. Conclusão: a anarquia pode ter diferentes significados para
diferentes atores.

 As identidades são subjectivas.


A função da identidade de um Estado é identificar quem esse Estado é, ou seja, quais os
seus interesses e preferências e, assim, o tipo de acções que à partida deverá tomar. As
identidades têm uma função de previsibilidade – ajudar a perceber que tipo de
comportamento um actor X poderá ter, com base nos seus traços identitários.
Os realistas afirmam que cada unidade política no SI tem uma única identidade fixa.
Mas os construtivistas afirmam que cada Estado pode ter diferentes identidades,
dependendo do contexto ou do ator que está a analisá-lo. Ex: os EUA são vistos como
uma democracia defensora da liberdade e da paz pelo seu próprio povo; porém, são
vistos como país invasor e ameaça para a paz noutros países (Vietname, Iraque, etc); são
vistos como rivais pela Rússia, etc. Em contextos diferentes, o Estado espanhol podia
ser visto como autocrático (Espanha franquista) ou democrático (Espanha pós-Franco).

 O poder da prática (normas e práticas sociais).


Para os neo-realistas e institucionalistas neo-liberais, a maior fonte de autoridade e
influência no sistema internacional é o poder material (seja ele militar ou económico).
Mas os construtivistas defendem que, para além do poder material, existe o poder
discursivo (do conhecimento, ideias, cultura, ideologia, linguagem e discurso). Hopf
diz que “o poder das práticas sociais jaz na sua capacidade de reproduzir os significados
intersubjectivos que constituem estruturas sociais e atores sociais”.
Ou seja: as normas e regras do dia-a-dia que um Estado segue têm poder porque ajudam
a construir a sua identidade (perante os seus próprios cidadãos e perante outros
Estados), garantem-lhe uma determinada posição no SI e também constrangem as suas
acções.
Por exemplo: a Suíça manteve-se neutral em vários conflitos; ganhou essa
imagem/rótulo perante os seus cidadãos e perante outros Estados. Porque é que isso
pode constranger as suas acções? Porque, se de repente se tornasse um Estado muito
beligerante, ia romper com a sua própria estrutura e isso podia criar mais resultados.
Outro exemplo: os EUA vêm de diferentes formas o poder nuclear britânico e coreano.
Críticas ao construtivismo: é acusado de estatocentrismo (quando afirmam que existem
múltiplos outros atores sociais, mas fixam-se muito nas críticas e exemplificações dos
Estados). Falam sobre a possibilidade de mudança no SI, mas não explicam como
concretamente é que esta pode ocorrer.

Teoria Crítica

Influências: Marxismo, Gramsci, Escola de Frankfurt.


Principais autores: Robert Cox, Linklater, Ken Booth.

O Marxismo é um ponto de partida importante, pois demonstra um interesse na


mudança (perante a desigualdade do sistema); mas necessita olhar para além da luta de
classes; da crítica da economia à crítica da ideologia e da política (análise do social).
A Escola de Frankfurt surgiu no Instituto de Investigação Social, em 1923, e
caracteriza-se por: a) um desencanto com o autoritarismo vigente na URSS e com o
falhanço em travar o crescimento dos fascismos na Europa ocidental; questiona a ordem
social e política moderna que prevalece (incluindo o positivismo). Tem autores de
referência como: Horkheimer, Adorno, Herbert Marcuse, Erich Fromm, Habermas, etc.

A Teoria Crítica recebe influências do Marxismo, mas procura adaptar a teoria ao


contexto da época. Opõe a teoria tradicional à teoria crítica. A Teoria Tradicional,
antes de mais, separa o objecto do sujeito; vê o mundo como externo ao investigador; a
ciência é positivista. A Teoria Crítica defende que as teorias são parte da vida social e
política; são subjectivas pois dependem sempre do sujeito investigador (segundo Cox).

Existe uma necessidade de emancipação em vez de legitimação da sociedade existente;


a meta da Teoria Crítica é abolir injustiças existentes na sociedade ao questioná-la.
O conhecimento pode ser uma força para moldar a sociedade a favor da emancipação.

Gramsci introduz conceitos importantes como: estrutura e super-estrutura; hegemonia;


sociedade civil. Afirma que a base económica da sociedade (estrutura) ainda é
importante, mas que as bases política, ideológica e cultural (super-estrutura) também o
são, e talvez ainda mais.
Fala da hegemonia como uma situação na qual grupos sociais dominantes asseguram
o seu poder ao garantir que grupos sociais subordinados subscrevem a sua visão
ideológica, dessa forma consentindo efectivamente com o poder social dominante.
Existe assim uma ideia de consentimento (embora ignorante?).

Dinâmica Norte/Sul: o Norte será o dominante e o Sul o dominado. Porquê? Porque o


Norte não dá ao Sul a capacidade de emancipação. (Similar ao Pós-Colonialismo).

A sociedade civil, que para os realistas não tem qualquer poder, para Gramsci tem
enorme relevância. A sociedade civil constitui redes formais e informais, instituições e
práticas culturais que medeiam e servem de intermediárias entre o indivíduo e o Estado.
Considere-se as igrejas, escolas, organizações de cariz social, etc etc.
Mas o consentimento é recriado através de hegemonia nas instituições da sociedade
civil, ou seja, a sociedade civil é vista como uma arena onde movimentos hegemónicos
e contra-hegemónicos competem entre si. É um ator com agência, mas também uma
arena.

A Teoria Crítica é, assim, uma extensão da crítica social ao sistema internacional, mas
também uma reacção ao trabalho realista de Kenneth Waltz (à sua teoria tradicional).

Robert Cox diz: “A teoria é sempre para alguém e com algum propósito”. Defende,
assim, a subjectividade das teorias e, para além disso: rejeita a imutabilidade das
estruturas (acredita na possibilidade de mudança); sublinha a existência de tendências
contra-hegemónicas; defende a emancipação (“freeing people from those constraints
that stop them carrying out what freely they would choose to do”).

 A questão central da Teoria Crítica é que: o Mundo é desigual, injusto,


estruturado em torno de uma ordem neoliberal com um discurso hegemónico
universalizante. O que é novo? Estes problemas ultrapassam o nível estatal; são
problemas globais.

Uma questão: onde e como são produzidas a hegemonia e a contra-hegemonia?


Quais são as dinâmicas da relação entre estrutura (relações económicas) e super-
estrutura (esferas ética e política) dentro de cada contexto histórico específico?
Soluções propostas pela Teoria Crítica:
- a defesa de uma globalização alternativa (contra-hegemónica);
- a criação de uma sociedade civil global para responder à governação global;
- o Fórum Social Mundial é um bom exemplo;
- procura de formas alternativas de organização política baseadas nos cidadãos, não no
Estado – cidadania cosmopolita;
- alterações nas dinâmicas de inclusão e exclusão (ideia de Linklater).

A Teoria Crítica coloca-se à parte da ordem mundial prevalecente; entende a história


como um processo evolutivo; questiona as origens e legitimidade das instituições
sociais políticas; contém uma dimensão normativa, utópica; é progressista e idealista.

Cox afirma ainda que toda a realidade muda e que, à medida que ela se transforma,
velhos conceitos têm de ser ajustados ou rejeitados e novos conceitos devem ser
forjados num diálogo entre o teórico e o mundo real/mundo prático que ele tenta
compreender.
A teoria pode servir 1 de 2 propósitos: ou ser um guia para ajudar a resolver os
problemas impostos por uma determinada perspectiva através da qual se vê a realidade;
ou ter um propósito mais reflexivo, relacionado com a origem da própria teoria. Por
quem é que ela foi criada? Em que contexto (temporal, social, cultural? Para quê? O
primeiro propósito dá origem à problem-solving theory; o segundo à critical theory.

Cox pergunta-se ainda como é que o Marxismo se relaciona com uma teoria de ordem
mundial. Distingue duas vertentes: o materialismo histórico (que funciona com base na
história e procura explicar/promover mudanças nas relações sociais); e o marxismo
estrutural (que ignora a moldura histórica a favor de uma conceptualização mais estática
do modo de produção).
O materialismo histórico é tido como uma fonte muito importante para a Teoria Crítica,
pois corrige o neo-realismo em 4 aspectos principais:
a) Dialética. Tanto o realismo como o materialismo histórico prestam atenção ao
tema dos conflitos. O neo-realismo vê o conflito como inerente à condição humana e
um fator constante que deriva directamente da essência humana que busca
permanentemente o poder. O materialismo histórico vê no conflito o processo de
redefinição contínua da natureza humana e a criação de novos padrões de relações
sociais que mudam as regras do jogo social.
b) ao focar-se no imperialismo, o materialismo histórico acresce uma dimensão
vertical de poder à dimensão horizontal de rivalidade entre os Estados mais poderosos,
que é a perspectiva principal do neo-realismo. Esta dimensão é a de dominação e
subordinação do centro sobre a periferia.
c) o materialismo histórico expande a perspectiva realista através da sua
preocupação com a relação entre Estado e sociedade civil. Os marxistas dividem-se
entre aqueles que vêem o Estado como uma mera expressão dos interesses particulares
da sociedade civil e aqueles que vêem o Estado como uma força autónoma que exprime
uma determinada forma de interesse geral.
d) O materialismo histórico centra-se no processo de produção como um
elemento crítico na explicação da forma histórica particular que assume o complexo
Estado/sociedade. O neo-realismo, em contraste, ignora quase totalmente o processo
produtivo.

Feminismo

Pontos relevantes da perspectiva de J. Ann Tickner:

1 – Tickner argumenta que os estudos convencionais das RI são debates demasiado


substantivos e metodológicos, em vez de se confrontarem directamente com os
acontecimentos que têm lugar à volta do Mundo e procurar compreendê-los na prática.

2 – Tickner salienta que, nos anos 70, o debate sobre as diferenças Norte-Sul,
especialmente sobre a justiça global, não era um dos debates mais populares no campo
das RI (o que é interessante se considerarmos que nos encontrávamos no período de
descolonização ou logo após). Também aponta que, nos anos 80, quando começou a
ensinar, as RI eram maioritariamente populadas por homens. As RI teriam, por
conseguinte, um pendor provavelmente realista e conservador, que necessitava ainda de
contributos futuros como o construtivismo ou a teoria crítica de Cox.
(Estes contributos traduzir-se-iam inclusivamente em factores como a definição de
género, que o construtivismo veio classificar como uma construção social).
3 – Salienta a predominância das perspectivas americanas no estudo das RI e como é
positivo e importante procurar contribuições dos estudos sobre as RI não-ocidentais.

4 – Why should IR scholars incorporate gender in the study of world politics?


Tickner relembra que as questões que colocamos nas nossas pesquisas (e o mesmo é
argumentado por Cox, por exemplo) nunca são neutrais, isto é, dependem de quem está
a colocar as questões e das suas próprias perspectivas ou objectivos ao realizar a
pesquisa. Se a maior parte do campo das RI é ainda populado por homens, então a maior
parte das questões e pesquisas levadas a cabo são conduzidas por homens – os seus
focos de atenção estão condicionados pela masculinidade. A inclusão das mulheres e
das perspectivas feministas nas RI traria toda uma nova dimensão de conhecimento,
pois estaria a construir novo conhecimento, baseado nas vidas das mulheres, como
aponta a autora Sandra Harding. A adição de conhecimento trazido por mulheres ao
conhecimento trazido pelos homens criaria um quadro muito mais realista e completo
do mundo e das realidades globais.
Outro aspecto muito interessante no comentário de Tickner é a sua observação de como
as próprias fundações epistemológicas do conhecimento Ocidental, segundo
argumentam as feministas, não são neutrais face ao género. Termos como
“racionalidade”, “objectividade” e “público” são quase inconscientemente associadas à
masculinidade e, quando comparadas com os termos dicotómicos como “emocional”,
“subjectividade” e “privado”, estas são associadas à feminilidade e são alvo de menor
atenção ou importância.

5 – Tickner afirma que, como os debates mainstream no campo das RI ainda não
incluem muito as perspectivas feministas, certos mal-entendidos que dividem as/os
feministas e os teóricos tradicionais das RI continuam a proliferar. Em debates sobre as
perspectivas feministas, Tickner nota que a maior parte dos participantes são feministas.
Ora, se se tem interesse em eliminar mal-entendidos, é necessário que outras partes
(nomeadamente aquelas que absorvem esses mal-entendidos) estejam envolvidas nos
debates com os/as feministas, para poder desconstruí-los.
O primeiro mal-entendido que Tickner refere é o da própria noção de género. Neste
sentido, não foram as teorias tradicionais de RI que trouxeram contribuições para a
compreensão deste conceito, mas sim teorias progressistas como, nomeadamente, o
construtivismo. O construtivismo defende que o género é uma construção social, tal
como os próprios Estados, atores internacionais, etc, o que cria toda uma nova dimensão
de debate sobre o que é o género e como deve ser encarado nas ciências sociais.
Em relação ao segundo mal-entendido, Tickner refere que tem começado a haver uma
maior contribuição de estudos feministas para as RI porque os acontecimentos do
mundo real (relacionados com violência sexual, tráfico e direitos humanos) têm
chamado a atenção para as perspectivas feministas. Ora, isto comprova que as RI só têm
a ganhar (com novas contribuições, novas perspectivas e novas teorias) ao estudarem a
prática, o mundo real, “o que se passa no terreno”, em vez de se concentrarem apenas
em debates teóricos, substantivos e metodológicos, como Tickner referiu anteriormente.

6 – Finalmente, Tickner compara, de certo modo, a teoria crítica de Cox com as


perspectivas feministas no sentido em que ambas procuram mudar o Mundo. Ao
contrário das teorias mais tradicionais das RI, que procuram apenas analisar a realidade,
estas teorias mais progressistas procuram analisá-la e compreendê-la, sim, mas com um
propósito final de alterá-la e de contribuir para a sua evolução, e aí jaz, na minha
opinião, o principal valor das perspectivas feministas e da sua inclusão nas RI.

Em primeiro lugar, uma boa forma de abordar a questão da importância das


teorias feministas é tentar responder à pergunta que foi colocada à autora J. Ann
Tickner: “Porque deveriam os teóricos das RI incorporar o género no estudo das
políticas mundiais?” (Riffkin-Ronnigan, 2013, p.2). Tickner afirma, como já defendia
Cox, que qualquer sujeito que realize uma pesquisa ou coloque uma questão tem
determinadas opiniões e perspetivas à priori, isto é, tem uma posição que afetará
naturalmente a forma como desenvolve a sua pesquisa ou formula as suas questões. O
sujeito questionador nunca é verdadeiramente imparcial e as perguntas são sempre
subjetivas. No universo das RI, maioritariamente populado por homens nas últimas
décadas, a maioria das questões a que se procurava responder partiam da perspetiva
masculina e diziam respeito às “vidas dos homens”. A esfera de conhecimento que
possuíamos era, portanto, incompleta. Harding defende que, caso acrescentemos à
esfera de conhecimento produzido pelos homens a esfera de conhecimentos feminina,
com as perspetivas das mulheres sobre as vidas das mulheres – e o seu papel no palco
internacional e global –, poderíamos obter um quadro muito mais completo e realista da
sociedade e do Mundo (ibid.).
Em segundo lugar, Tickner relembra como as feministas acusam a própria
epistemologia Ocidental de partir de polarizações de género e, para o evidenciar,
utilizam-se exemplos como: racionalidade vs. emocionalidade; objetividade vs.
subjetividade; esfera pública vs. esfera privada; força vs. fraqueza; etc. A oposição
destes termos também se traduziu numa associação a cada género, correspondendo as
primeiras ao universo masculino e as últimas ao universo feminino. Esta associação
sexual, para além de opor não só os termos como também os géneros, contribui para o
estabelecimento de estereótipos e para a desvalorização do segundo grupo de
substantivos face ao primeiro. No mundo Ocidental em particular, e nas teorias
convencionais, o que se procura são, em geral, fatores como racionalidade e
objetividade. Noutra perspetiva, a emocionalidade e a fraqueza são associadas, criando
estereótipos como a negação das emoções e da sensibilidade masculina ou a ideia de
que as mulheres pertencem à esfera privada (ao lar, à casa). Estes estereótipos afetam,
assim, não só as mulheres mas também os homens, demonstrando que o trabalho de
desconstrução desta polarização/oposição – que as teorias feministas procuram conduzir
nos seus trabalhos – poderia contribuir positivamente não só para um género, mas para
ambos (Riffkin-Ronnigan, 2013, p. 3).

Em terceiro lugar, julgamos importante salientar a forma como as teorias


feministas podem contribuir para a igualdade de direitos e para a maior inclusão de
diferentes grupos sociais oprimidos, não só das mulheres. Considere-se uma série de
categorias de sujeitos historicamente oprimidos (“negros”, “homossexuais”,
“transexuais”, “pobres”, “Sul Global”, entre outras). Tenha-se agora em conta a
principal preocupação das teorias feministas, que é o estudo da desigualdade de
género, e os temas centrais por elas explorados: discriminação; objetificação
(sobretudo de caráter sexual); opressão; patriarcado; estereótipos; estética; etc. Antes
de mais, a desigualdade de género traduz-se fundamentalmente numa desigualdade de
direitos, numa inferiorização de um grupo perante outro. Depois, estes conceitos
nucleares para o estudo das teorias feministas não são, por si só, associáveis a questões
de género: existem múltiplas vertentes de discriminação (sexual, racial, religiosa…), de
objetificação (da mulher escrava vs. a mulher livre, por exemplo), de opressão (sexual,
religiosa, étnica…), do próprio patriarcado (que pode ser entendido como o Ocidente,
discriminatório não só para as mulheres mas para várias outras categorias sociais), dos
estereótipos (que existem perante todos os sujeitos, incluindo os homens), e da estética
(questões de cor de pele, por exemplo, ou de androginia). Assim, as teorias feministas,
que procuram combater estes preconceitos e desigualdades, podem oferecer uma
plataforma para a igualdade e emancipação não só das mulheres, mas de todos os
grupos que se encaixam nestes quadros e que são vítimas destes fenómenos.
Consideramos, assim, que esta é uma das maiores contribuições do feminismo para a
sociedade em geral, e uma das provas mais evidentes de como o feminismo não diz
apenas respeito às mulheres, mas é aplicável a toda a sociedade.

Pós-Colonialismo

O “pós” em teoria pós-colonial não significa o período “após” o colonialismo ter


chegado ao fim, mas sim todo o período histórico após o princípio do colonialismo. É
impossível assinalar uma data precisa mas, se necessário, deve referir-se 1492 – é com a
“descoberta” e subsequente conquista das Américas, e depois com as conquistas
europeias em África e na Ásia, que “diferentes temporalidades e histórias foram
irrevogável e violentamente obrigadas a misturar-se”, ou que colidiram entre si.

A teoria pós-colonial inclui, sim, um nacionalismo anti-colonial e um anti-imperialismo


nas suas várias formas (Mao, Fidel Castro, etc), e as energias críticas, políticas e éticas
que alimentam o pós-colonialismo têm muito a ver com o imperialismo e o Terceiro
Mundismo. Se o mundo como o conhecemos é o produto da ligação violenta e coerciva
de diferentes histórias na mesma temporalidade, então não há identidades “puras”: a
“Europa” ou o “Ocidente” e a África, Ásia ou o “Oriente”, são constituídas
historicamente, cada uma influenciando e definindo a outra. O que acontece no quadro
mais convencional é que a identidade do “resto do Mundo”, do Terceiro Mundo, do
“Oriente”, é-lhe atribuída pelo Ocidente – ou seja, “nós” definimos o que são os
“outros”, em vez de procurarmos conhecer a identidade que os outros atribuem a si
próprios ou que não está dependente dos nossos conhecimentos.

As categorias de sociedade civil, Estado, nação, soberania, indivíduo,


subjectividade, desenvolvimento e por aí fora emergiram na tentativa de compreender
uma determinada porção da História, uma porção respeitante à região do mundo que
conhecemos como Europa (ou, mais abrangente, o Ocidente). Estas categorias não são
necessariamente universais. A teoria pós-colonial procura, em parte, “explorar as
capacidades e limitações de certas categorias sociais e políticas europeias que tentam
conceptualizar a modernidade política”.

Sanjay Seth contesta a “versão” dominante da emergência da sociedade internacional,


que a vê como uma invenção europeia que depois irradiou “para fora”, até incluir todo o
Mundo. Ou seja, a sociedade internacional terá surgido na Europa e daí ter-se-á
expandido para o resto do Globo. Os eventos privilegiados nesta versão são, por
exemplo, a Paz de Vestefália, mas Seth defende que fenómenos como a subjugação das
Américas, a ascensão do comércio de escravos ou a criação das East Índia Companies
britânica e holandesa são eventos que marcaram de forma tão ou mais importante o
desenvolvimento da sociedade internacional. De facto, o comércio de escravos (e o
comércio a ele associado) foram um poderoso combustível para o desenvolvimento do
capitalismo – a mão-de-obra escrava, o Triângulo do Atlântico (Europa, África,
América), financiaram a ascensão do capitalismo.

 Seth defende, assim, que qualquer versão satisfatória e realista da emergência da


sociedade internacional moderna não pode ser a história “de como uma
sociedade internacional que se desenvolveu no Ocidente irradiou daí para fora,
mas sim precisa de explorar as maneiras como a sociedade internacional foi
influenciada e moldada pela interacção entre a Europa e aqueles que
colonizou”.
 John Hobson chama à versão convencional e dominante da emergência da
soberania e do sistema moderno de Estados como “a teoria do Big Bang da
política mundial eurocêntrica”.

Esta teoria assume que a soberania moderna emergiu na Europa e foi depois exportada
para o resto do Mundo. Hobson contesta esta ideia, falando do papel fundamental
desempenhado pelo Oriente e pela “descoberta” do novo Mundo na emergência dos
Estados soberanos modernos. Hobson mostra que não é o Estado soberano que veio
primeiro, e depois foi globalizado, mas sim que a globalização foi uma pré-condição
necessária para a ascensão da soberania; que a globalização que fez a soberania possível
foi uma globalização oriental, centrada nas rotas comerciais do Leste asiático
muçulmano e da China, com o pequeno continente Europeu ligado a elas. Estas ligações
deram à Europa acesso a recursos materiais, tecnológicos e intelectuais que se
mostraram de central importância para a emergência de Estados soberanos na Europa.

O pós-colonialismo refere também o facto do centro e da periferia terem valor diferente


para a sociedade ocidental/convencional, incluindo os indivíduos que deles fazem parte.
Existem duas ideias: a primeira é que pessoas que são nossas contemporâneas mas que
vivem em partes menos desenvolvidas do Mundo são, elas próprias, de alguma forma,
“antigas”, menos civilizadas, menos “modernas” e mais “atrasadas”, ou seja, têm um
valor inferior, menos desenvolvido. A segunda ideia é a de que o conceito de
“indivíduo” corresponde a um tipo de ator social específico, com características
específicas, que pertence ao Ocidente, ao moderno, ao mundo desenvolvido. As pessoas
no resto do Mundo, nos países menos desenvolvidos, são vistas como números,
multidões, não como indivíduos com as características, desejos, direitos típicos do “eu”.

O colonialismo é visto como uma exploração física e económica; estruturas de poder


dominantes que criam desequilíbrios. O imperialismo cultural é visto como uma forma
de expressão colonial: um discurso cultural. A mentalidade colonial está presa às
relações colónia-colonizador. Descolonização e resistência pós-colonial – palavras-
chave.

Há uma oposição entre um Ocidente civilizado, justo, industrializado, racional,


democrático e masculino e um Oriente selvagem, preguiçoso, supersticioso, irracional,
despótico e feminino.

Said fala de um imperialismo cultural. Afirma que podemos reescrever a história. O


“nosso” não é o “deles”: o Ocidente tem falado por todos. As histórias que conta, as
versões dos acontecimentos, os próprios conhecimentos que produz e que expande por
todo o Mundo são versões e conhecimentos ocidentais / convencionais / tradicionais. O
discurso, o conhecimento e o poder são todos gerados no Ocidente.
Said fala também de dimensões de poder. 1) Poder político: o estabelecimento de
estruturas coloniais que governam territórios estrangeiros. 2) Poder intelectual: a
submissão/sujeição do Oriente a estudos de linguistas, historiadores, cientistas, etc. 3)
Poder cultural: uma ortodoxia dominante, cânones de gostos, textos, valores. 4) Poder
moral: ideias sobre quem “nós” e “eles” somos/são, bem como a forma de ser, pensar…

Construtivismo:

1 – O que é o construtivismo – teoria que dá atenção à natureza social das questões. Vê


poderes e influências nas normas sociais, linguagem, discurso, conhecimento, para além
do poder material. Vê a realidade como subjectiva, construída, e os atores internacionais
como construções resultantes de processos de interação social entre indivíduos/sujeitos.

2 – Nomes de referência são Nicholas Onuf ou Alexander Wendt. Onuf defende que os
Estados são seres sociais tal como nós, indivíduos. Eles são socialmente construídos,
com identidades subjectivas que dependem do contexto e do sujeito que as interpretam.
Wendt contesta o materialismo, defendendo que as interacções entre indivíduos são
mais culturais do que materiais. Não nega a existência ou o poder de fatores materiais
(como as armas nucleares) mas afirma que “entendimentos partilhados”, ideologias,
culturas e poderes discursivos são mais influentes (exemplo das 500 armas nucleares
britânicas e 5 armas nucleares norte-coreanas).

3 – Contributos do construtivismo:
1. Agente e estrutura são co-constitutivos, influenciam-se mutuamente.
2. A anarquia internacional é um conceito subjectivo. (Direito Internacional)
3. As identidades são subjectivas. (EUA e as suas várias identidades).
4. As normas e as práticas sociais têm mais poder do que o poder material.
(Realismo vê poder material, militar e económico; construtivistas vêem poder
discursivo)

4 – Críticas ao construtivismo: estatocêntrico e não procura realmente efetuar mudança.

Teoria Crítica:
1 – É uma teoria que surgiu do descontentamento com a realidade – Escola de
Frankfurt, autoritarismos crescentes na URSS, fascismos em ascensão na Europa
(1923). Tem influências do Marxismo, de Gramsci, Cox, Linklater, Horkheimer,
Adorno, Erich Fromm, Herbert Marcuse, Habermas…

2 – A Teoria Crítica procura abolir as injustiças ao promover a mudança no mundo;


pretende alcançar a emancipação da ordem social vigente, em vez da sua legitimação.
Vê o mundo como injusto e procura corrigir essas injustiças questionando e criticando
todas as realidades assumidas como inegáveis, fixas, inalteráveis.

3 – Opõe-se à teoria tradicional. A teoria tradicional separa o sujeito do objecto, vê o


mundo como externo ao investigador (ciências físicas e biológicas). A Teoria Crítica diz
que o objecto é sempre influenciado pelo sujeito; a investigação e as teorias são sempre
subjectivas, pois, como Cox diz: “A teoria é sempre para alguém e com algum
propósito”.

4 – Gramsci introduz conceitos importantes como estrutura e super-estrutura;


hegemonia e sociedade civil.
a) afirma que a estrutura (base económica da sociedade) é relevante para as
interacções sociais e ordem mundial, mas que a super-estrutura (base política,
ideológica, cultural, ética) é ainda mais importante;
b) fala do conceito de hegemonia como uma situação na qual grupos sociais
dominantes asseguram o seu poder ao garantir que grupos sociais dominados
subscrevem a sua visão ideológica, consentindo assim (por ignorância) ao seu poder.
Exemplifica com a dinâmica Norte/Sul, Centro/Periferia.
c) a sociedade civil, que para os realistas não tem qualquer importância, para
Gramsci é muito importante. São redes formais e informais de cidadãos e indivíduos
(instituições, escolas, igrejas, organizações de cariz social, etc) que servem de
intermediárias entre o indivíduo e o Estado. Permitem que tendências contra-
hegemónicas se desenvolvam, mas no fundo tornam-se uma arena onde a hegemonia e a
contra-hegemonia competem entre si. Podem ser um bom local de desenvolvimento de
teorias alternativas.
5 – O que distingue a Teoria Crítica das outras teorias são 2 factores: primeiro, ela
procura realmente promover a mudança no Mundo (ao contrário do construtivismo, por
exemplo), dando exemplos concretos de como o atingir.
a) com a criação de uma globalização alternativa (contra-hegemónica); a criação
de uma sociedade civil global para uma governação global (Fórum Social Mundial); a
procura de formas alternativas de organização política baseadas nos cidadãos e não nos
Estados; ou a transformação das dinâmicas de inclusão e exclusão (Linklater).
Em segundo lugar, a critical theory é diferente de uma problem-solving theory, como
Cox defende, pois as segundas dedicam-se a resolver problemas que identificam na
realidade e a critical theory parte de um debate muito mais reflexivo, sobre a própria
teoria: por quem é que ela é feita, em que contexto, em que tempo, para quê?

Feminismo:

1 – Existem várias teorias feministas, algumas mais realistas, outras construtivistas,


outras mais críticas, algumas pós-colonialistas. No entanto, a principal preocupação do
feminismo é a desigualdade de género. Temas centrais para as teorias feministas são: a
discriminação; a objectificação (sobretudo de cariz sexual); a opressão; o patriarcado; os
estereótipos; a estética; etc.

2 – A inclusão das teorias feministas no estudo das RI pode trazer vários contributos. 3
são os principais:
1 – como Sandra Harding defende (e Tickner explora), o conhecimento depende
sempre do sujeito investigador/questionador. Se, nas RI, a maior parte das pesquisas e
questões têm sido feitas e colocadas por homens, então o foco tem sido a vertente
masculina. Logo, a adição do conhecimento feminino à esfera de conhecimento
masculino pode proporcionar um quadro mais completo e realista da sociedade.
2 – como Tickner defende, termos como “racionalidade”, “objectividade”,
“público” e “forte” são associados ao género masculino, e termos como
“subjectividade”, “emocionalidade”, “privado” e “fraco” são associados ao género
feminino. Esta polarização opõe os géneros, criando estereótipos que são prejudiciais
não só para as mulheres, mas também para os homens.
3 – pela sua própria natureza, o feminismo permite a luta pela emancipação de
diferentes categorias sociais oprimidas: gays, negros, pobres, Sul Global, etc. Se a sua
principal preocupação é a desigualdade de género, esta não é mais do que uma
desigualdade de direitos/inferiorização de um grupo perante outro. E os temas centrais
que trata (discriminação, opressão, objectificação, patriarcado, estereótipos, estética,
etc) são associáveis a diferentes grupos sociais, não só a questões de género.

Pós-Colonialismo:

1 – Pode-se atribuir como data ao pós-colonialismo 1492, descoberta das Américas e, a


partir daí, a subsequente conquista europeia de África e da Ásia;

2 – O pós-colonialismo não é só uma teoria de anti-imperialismo, anti-colonialismo e de


Terceiro Mundismo, pois é no fundo uma teoria que vai contra todos os essencialismos.
Tem fortes tendências anti-imperialistas, sim (em Mao, Fidel Castro…), mas vai para
além disso. Procura uma descentralização das visões históricas, interpretações não fixas
e unitárias da realidade histórica e da realidade da sociedade internacional;

3 – Sanjay Seth defende que, se o mundo como o conhecemos é o produto da ligação


violenta e coerciva entre diferentes histórias numa mesma temporalidade, então não
existem identidades “puras”. A “Europa”, o “Ocidente”, o “Oriente”, são tudo
construções históricas; constituídas historicamente, e influenciam-se e definem-se umas
às outras. O que acontece no quadro mais convencional é que a identidade do “resto do
mundo”, do Oriente, dos outros, é-lhes atribuída pelo Ocidente – o Ocidente define o
conhecimento e as identidades do resto do Globo, sem se preocupar em procurar as
identidades e conhecimentos que os outros geram por si próprios.

4 – Categorias de sociedade civil, Estado, nação, soberania, desenvolvimento, etc,


foram todas criadas na tentativa de explicar conceitos históricos, políticos e ideológicos
específicos, correspondentes à Europa (ou, de modo mais abrangente, ao Ocidente). Por
isso, não são necessariamente universais e não se adaptam de igual modo ao resto.

5 – Seth contesta a versão dominante de que a sociedade internacional surgiu na Europa,


foi aí criada, e daí irradiou para o resto do Mundo. Defende que a Europa, e a sociedade
internacional, foram muito influenciadas por fenómenos não como os que são descritos
tradicionalmente (ex: Paz de Vestefália), mas sim com a exploração dos outros
continentes, com a descoberta das Américas ou com o comércio de escravos. Diz que
estes fenómenos foram fundamentais para o desenvolvimento do capitalismo (Triângulo
do Atlântico, por exemplo) e que, por isso, quando se pergunta como é que a sociedade
internacional surgiu, tem de se ver como ela terá surgido não da Europa e depois daí ter
sido exportada para o resto do Mundo, mas sim como terá resultado da interacção entre
a Europa e aqueles que colonizou.

6 – John Hobson chama a esta versão dominante dos acontecimentos históricos “a teoria
eurocêntrica do Big Bang da política mundial”. Contesta a ideia de que a soberania dos
Estados emergiu primeiro na Europa e daí foi globalizada para o resto do Mundo, e
defende que, na realidade, a globalização veio primeiro, para depois permitir a
emergência da soberania estatal. Fala do Oriente como jogador fundamental neste
quadro, sendo as rotas comerciais muçulmanas, asiáticas e chinesas as responsáveis
pelos contactos iniciais com uma Europa mais pequena e menos relevante, que aí terá
ganho recursos materiais, tecnológicos e intelectuais para se desenvolver e permitir a
ascensão de Estados soberanos.

7 – O pós-colonialismo defende também a distinção entre centro e periferia e como


estes são vistos como tendo valores diferentes. 2 ideias: a de que os indivíduos do resto
do Mundo são menos desenvolvidos do que nós que vivemos aqui; e a de que os
indivíduos nos países menos desenvolvidos não têm direito a uma verdadeira
individualidade; são vistos como números e multidões.

8 – Edward Said fala de imperialismo cultural, de como o poder, o discurso e o


conhecimento são todos gerados no Ocidente. E refere quatro dimensões de poder:
poder político (territórios que controlam/governam colonialmente outros); poder
intelectual (o poder das ideias, do discurso, do conhecimento produzido no Ocidente);
poder cultural (cânones de gostos, textos, valores); e poder moral (a identidade do
“nós”, do “eles”, do eu e do outro, e das respectivas formas de ser e de pensar).

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