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SINOPSE

Mae é uma universitária cujo sonho é trabalhar na maior empresa de tecnologia do mundo, O Círculo. A
organização foi fundada por Eamon Bailey o seu principal produto é o SeeChange, uma pequena câmera
que permite aos usuários compartilharem detalhes de suas vidas com o mundo. Mae vê sua vida mudar
completamente quando é contratada pela empresa e sua função passa a ser documentar sua vida em
tempo integral. O que ela não imaginava, no entanto, é que toda essa exposição teria um preço, não só
para ela, mas também para aqueles ao seu redor.
CRÍTICA

Vivemos tempos de dependência tecnológica exacerbada. A ultravalorização do meio virtual em


detrimento da experienciação do real. Os questionamentos sobre os limites desses avanços e suas
implicações éticas estão no cerne de muitos dos debates mais acalorados do momento. O Círculo é
baseado no livro homônimo de Dave Eggers. O cineasta James Ponsoldt se vê às voltas com uma infinidade
de tópicos controversos relacionados ao futuro da relação entre sociedade e tecnologia. Ele narra a
jornada de Mae Holland (Emma Watson), uma jovem recém-formada. Através da amiga Annie (Karen
Gillan), ela consegue emprego no setor de atendimento ao consumidor de uma das mais poderosas
empresas de tecnologia do mundo: The Circle. À medida que começa a exercer um papel mais significativo
na corporação, a empolgação inicial da garota dá lugar a novos e conflitantes sentimentos.

Ponsoldt concebe a ambientação do Círculo sob moldes bastante familiares. Seguindo os padrões – desde
o design arquitetônico futurista do campus até os conceitos e métodos de trabalho – das mais populares
empresas reais do setor. Como o Google ou a Apple. O mesmo ocorre com a caracterização de Eamon
Bailey, fundador e líder carismático da companhia. Vivido por Tom Hanks, ator hollywoodiano que talvez
mais simbolize tal qualidade: carisma. Ele surge como uma mistura de diversos gurus tecnológicos
conhecidos. Inicialmente, Mae se apresenta como um corpo estranho nesse sistema. Atordoada pela
velocidade do bombardeamento de informações ao qual é submetida. A personagem parece, assim,
assumir o papel da heroína pura e de princípios bem definidos. Ligada às suas raízes e às relações
humanas. Visita regularmente os pais (Glenne Headly e Bill Paxton). Faz passeios de caiaque. E mantém a
proximidade com o amigo de infância/pretendente Mercer (Ellar Coltrane).
Essas características da personalidade de Mae são estabelecidas apenas superficialmente. A transição do
cotidiano trivial da garota para o do Círculo é apressada. Porém, a dinâmica imposta por Ponsoldt funciona
num primeiro momento. Como na sequência da entrevista de admissão. Não demora muito, porém, para
que o cineasta se mostre indeciso sobre o tom que deve imprimir à obra. A mudança de percepção da
protagonista, e também do público, deveria ocorrer na cena em que os colegas de Mae a indagam sobre
sua baixa interação social no trabalho. Ela é “um mistério”. Não participa das atividades nos finais de
semana. Não atualiza o perfil na rede social da empresa. E acumula mais de oito mil e-mails de convites
não respondidos. Por isso, acaba sabotada pela concepção extremamente caricatural da mesma. Ponsoldt
esbarra numa veia paródia. Não se sente intencional, mas transforma o desconforto da personagem em
algo cômico.

Essa encenação envolve o longa numa atmosfera artificial. Até poderia funcionar como crítica aos valores
efêmeros, às aparências e interações sintéticas do universo virtual. Mas, devido aos excessos, apenas o
afasta da urgência da realidade. Questões relevantes sobre privacidade, banalização da imagem, liberdade
de escolha e tantas outras são levantadas. Porém, sem serem devidamente aprofundadas ou mesmo
utilizadas em favor das possibilidades narrativas que se apresentam. A indefinição de Ponsoldt faz com
que, por exemplo, a potencial força dos dramas pessoais de Mae se esvaia. Seja através de conflitos mal
explorados como a doença do pai. Ou a turbulência na amizade com Annie. O possível romance com
Mercer. Ou a relação com Ty Lafitte (John Boyega, desperdiçado). Ele é um dos criadores do Círculo e foi
afastado do comando. Um personagem extremamente problemático que sintetiza as principais
inconsistências do filme.
Ty está desconfiado em relação às verdadeiras intenções de Bailey com suas novas criações. Como, por
exemplo, as câmeras de vigilância camufladas. Tais elementos configuram uma atraente oportunidade de
enveredar pelo thriller corporativo. Porém, isso é algo que nunca é concretizado. A instauração do
suspense e de um sentimento de paranoia convincente é quase nula. E até mesmo a habilidade para o
desenvolvimento de personagens. Isso estava presente em trabalhos anteriores, como O Maravilhoso
Agora (2013) e O Fim da Turnê (2015). Aqui, se mostra enfraquecida. A mudança radical de postura é o
ponto mais crítico da construção falha da trajetória da protagonista. Após um acidente de caiaque, ela se
transforma numa espécie de garota propaganda do Círculo. Um fantoche manipulado por Bailey. De modo
abrupto, como se sofresse uma lavagem cerebral. Mae passa a expor sua vida integralmente num tipo de
reality show, se tornando uma celebridade mundial.
Essa embriaguez causada pela popularidade, que soa inverossímil mesmo com o esforço de Emma Watson,
ao menos poderia servir como uma tentativa válida de subverter expectativas caso fosse sustentada, o que
não ocorre. Ponsoldt opta pelo caminho mais previsível, o da redenção de Mae, embalado por seu registro
convencional, sem paixão e esteticamente pasteurizado. Tal previsibilidade tem seu ápice na sequência
envolvendo uma perseguição automobilística, cuja resolução, supostamente impactante, pode ser
antevista com extrema facilidade, afinal, na lógica do longa, é necessário um novo evento trágico para
gerar a retomada de consciência da protagonista. Assim, O Círculo resulta frágil e muito distante de
oferecer a incisividade pretendida, deixando pelo caminho praticamente todo o potencial questionador,
filosófico e até mesmo de entretenimento de sua premissa.
As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.

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