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Maria do Rosário de C Travassos
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Paulo Roberto Ceccarelli
1 Autora:
Psicóloga. Mestranda em Psicanálise Teoria e Clinica (Universidade Federal do Pará (UFPA).
Especialista em Teoria Psicanalítica (FIBRA/PA).
2 Autor:
Psicólogo; Psicanalista; Doutor em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Universidade de
Paris VII; Pós-doutor por Paris VII; Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia
Fundamental; Sócio do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais; Membro fundador da Rede Internacional
em Psicopatologia Transcultural; Professor Adjunto III da PUC-MG. Professor credenciado a dirigir
pesquisas, e docente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia/UFPA; Pesquisador do CNPq.
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O termo “toxicomania” foi forjado pela ciência no sec. XIX, como uma doença
do corpo, de base bioquímica, que fragmenta o corpo. À Psicanálise cuja ética é a do
desejo, enfatiza a relação particular do sujeito com a droga, sem o sentido identificatório
que segrega os “drogados”, colocando-os a margem. Por ser um fenômeno complexo
que envolve diversos fatores como o biológico, o psicológico e sócio-cultural,
procuramos discutir sobre a conduta adictiva como suporte psíquico.
Levantamos a hipótese de que a adicção segue uma trajetória pulsional, cujo
transbordamento pode conduzir o sujeito à chamada “conduta adictiva”. Ceccarelli
enuncia (2011 p 70/71), que “o objeto da adicção é, em certa medida, contingente, pois
se apresenta como um substituto daquilo a que o bebê, nas suas primeiras trocas afetivas
com o mundo, pôde agarrar-se para sobreviver psiquicamente”, tomando este “outro”
qualquer forma tal como: droga, jogo, trabalho, sexualidade entre outros. O infantil
sempre presente no adulto reaparecerá de forma ameaçadora, reflete também como “o
comportamento adictivo responde a organização psíquica à qual o sujeito encontra-se
assujeitado”. Estabelecemos quatro tópicos que entrelaçam esta discussão, a saber:
O feminino e as drogas
insuportável da intensidade das pulsões que emanam do interior do próprio ser, supondo
a existência de substâncias “na química de nossos próprios corpos que apresentam
efeitos semelhantes” como no quadro patológico da mania “na qual uma condição
semelhante à intoxicação surge sem a administração de qualquer droga intoxicante”
(Ibid p 97). Verifica-se assim, que o desamparo decorre tanto do meio externo como
interno ao próprio sujeito, e é o excesso de excitações internas que produzem o
recalque, levando a cisão do sujeito.
Em contraponto a idéia de Freud, Lacan afirma que a droga permite romper o
casamento com o falo, que se pode interpretar como um gozo sem falo. Encontramos
em Pacheco (2007) uma leitura sobre o postulado de Lacan. No seu entendimento, se há
“rompimento”, é por que o casamento estava instituído antes e deixa conseqüências
marcantes na mulher, visto ser esta “não-toda” casada com o falo.
Nas toxicomanias de suplemento, a droga pode ser usada pela mulher como
prótese narcísica, para sustentar uma imagem de ideal de eu. Nas toxicomanias de
suplência a droga destina-se a recobrir o vazio deixado pelo lugar que supunha ocupar
para o outro, da perda do amor, do abandono, da identificação com alguma coisa
ausente, como tentativa de anular a dor, mesmo que seja pela via da morte. Enquanto na
toxicomania de suplência é preciso reconstruir um pai, na toxicomania de suplemento
trata-se de reconhecê-lo para resgatar sua função. (COSTA, 2005). A droga, portanto,
exerce uma função na vida psíquica – a de ocupar o lugar do objeto idealizado para
evitar o desprazer. Vamos ao caso clínico.
Caso clínico
pela mãe numa caixa de sapatos” ao mesmo tempo em que circunscreve o objeto de sua
identificação: “sou viciada em drogas” e me endereça a pergunta: “por que minha mãe
não me quis?”.
A questão de Alice nos remeteu à Freud (1914), quanto ao lugar que o bebe
ocupa no narcisismo dos pais, antes mesmo de sua chegada, criando uma representação
psíquica do corpo do filho, objeto de fantasias e projeções a realizar seus desejos. O
abandono de Alice dá indícios do desejo de seus pais.
Ao adentrar no simbólico o bebe se nutre do inconsciente materno. O corpo de
sensações, despedaçado a principio, só se unifica quando o mesmo pode captar o desejo
da mãe ou quem a represente, que precisa reconhecer em si próprio um corpo erógeno,
com suas possibilidades e limitações particulares, ordenando-se assim a experiência
fundamental das identificações. Da fala de Alice emerge fragilidades narcísicas, que nos
faz pensar nos relatos de suas primeiras trocas afetivas, do registro do não desejo
materno, identificando-se com o lugar do vazio. Os significantes pré-verbais, por não
terem sido simbolizados, não foram recalcados, manifestando-se na forma de eclosões
psicossomáticas, que em alguns sujeitos, e nos polissomáticos, “a imagem do corpo
pouco organizada reflete na realidade, no corpo, o imaginário materno” como afirma
Ceccarelli (2011 p 6).
Um corpo despedaçado é como se apresenta em Alice: pulmão imaturo, para
respirar precisava utilizar um cateter nasal, anoréxica, recusava comida. Devastada pela
AIDS e pelos vermes e um imenso vazio psíquico, em posição de suplência, tenta
preencher a falta como pode e pelas trocas que faz: seu corpo por dinheiro ou por drogas
e álcool. O mal-estar de Alice parecia de difícil saída. Parecia nos mostrar ser um falo
magro, desmerecido.
A adicção influencia o destino psicossocial do sujeito, que neste caso, assim se
apresenta ao mundo: como drogada, puta e traficante. A função materna não foi capaz
de apresentá-la ao Nome-do-Pai, e sem lei, entra para o tráfico, criando situações
perigosas no laço social. Não matou os filhos como Medeia ao ser abandonada por
Jasão, para excluir o que os unia - três, informa a principio, mas os abandonou aos
cuidados do pai - cada filho, um pai, ressaltando que o amor materno não sustenta a
reverência a pura lei do desejo e a vinculação fálica da feminilidade atrelada à
maternidade.
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Considerações finais
na construção de sua psicossexualidade, que para Freud “tem nas mulheres uma
importância muito maior do que a que pode ter para os homens” (1931 p 238), por
representar a primeira fase da vida sexual da mulher. Para suprir a falta, o sujeito
procura um objeto narcísico externo - a droga, para ocupar o lugar do objeto idealizado
e assim, anular a dor da perda do amor, do abandono, da identificação com algo ausente,
mesmo que seja pela via da morte. Por se tratar de uma relação pré-edípica, só o sujeito
conta, a droga responde a onipotência infantil de satisfação imediata de suas pulsões
cujas conseqüências são sentidas pelo adulto.
As pesquisas sobre as condutas adictivas muito tem contribuído para a
compreensão da economia psíquica nestas psicopatologias, embora Freud já tenha
postulado a intoxicação química como possibilidade de atenuar o desamparo pelo
afastamento da “pressão da realidade e encontrar refúgio num mundo próprio” desde
1930 (p 96). Cabe a psicanálise, inserida na cultura, instrumentalizar-se para atender as
demandas impostas pelas novas dinâmicas pulsionais dos sujeitos, como as novas
formas de apreensão do corpo, caixa de ressonância dos conflitos psíquicos.
Bibliografia:
VOLICH, R. M. Entre o trauma e os ideais. In Viver Mente & Cérebro, páginas 18-36
Junho de 2005.
Data: 29/07/2012.