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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


36ª Câmara de Direito Privado

Registro: 2022.0000964603

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1040073-77.2018.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é
apelante/apelado EDP SÃO PAULO DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA S/A., é
apelado/apelante AKIFITA BRASIL EMBALAGENS PLASTICAS LTDA.

ACORDAM, em 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de


Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "deram parcial provimento
ao recurso da autora e negaram ao da ré, v.u.", de conformidade com o voto
do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores


WALTER EXNER (Presidente) E PEDRO BACCARAT.

São Paulo, 24 de novembro de 2022.

ARANTES THEODORO
RELATOR
Assinatura Eletrônica

1
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
36ª Câmara de Direito Privado

APELAÇÃO 1040073-77.2018.8.26.0224
APTES/APDOS EDP São Paulo Distribuição de Energia S.A. e Akifita
Brasil Embalagens Plásticas Ltda.
COMARCA Guarulhos 7ª Vara Cível

VOTO Nº 43.860

EMENTA Prestação de serviço.


Fornecimento de eletricidade. Anulação da sentença que não se
justifica. Manipulação do relógio medidor. Fato comprovado por Termo
de Ocorrência de Irregularidade e por perícia do Instituto de
Criminalística. Ausência, contudo, de prova de a irregularidade ter
provocado a redução do consumo medido pelo aparelho, o que tornava
indevida a diferença reclamada pela ré. Consumidora que havia de
responder, no entanto, pelos custos administrativos com vistoria.
Recurso da autora parcialmente provido, desprovido o da ré.

Sentença cujo relatório se adota, integrada por


decisão proferida ao ensejo de embargos de declaração, julgou
parcialmente procedente ação proposta por consumidora de energia elétrica
destinada a ver declarada a inexigibilidade de débito atribuído à diferença de
consumo.

Ambas as partes apelam.

A ré pede a alteração daquele desfecho.

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Assim, ela afirma que o Juiz negou vigência ao


artigo 1.022 do CPC ao não conhecer dos embargos declaratórios opostos à
sentença.

Ao lado disso a recorrente acrescenta que deve


ser permitida “a interrupção do fornecimento de energia elétrica em face ao
inadimplemento da Apelada quanto ao débito decorrente do TOI nº
2018/366189, relativo à recuperação do consumo não registrado em razão
das irregularidades por ela perpetradas e atestadas pelo laudo pericial de
fls. 507/541, complementado às fls. 576/581”.

A autora, de seu turno, pede seja anulada a


sentença ou alterado o resultado lá indicado.

Para tanto ela afirma que a sentença não foi


devidamente fundamentada e que nem lhe foi dada a possibilidade de obter
esclarecimentos do perito judicial, o que impõe anular a sentença.

Ao lado disso a recorrente salienta que ao caso


se aplicava o Código de Defesa do Consumidor e que não foi comprovada a
irregularidade no equipamento de medição, eis que não houve perícia no
relógio retirado, sendo que a diferença no consumo registrado pelo perito
judicial após a troca do aparelho não podia ser considerada degrau de
consumo.

A propósito, a apelante enfatiza que nem a


perícia realizada pelo Instituto de Criminalística havia de ser levada em
conta, eis que quando o expert compareceu ao local o relógio já havia sido
manipulado pelos funcionários da ré, tendo ele apenas relatado o que lhe foi
por eles informado.

A promovente acrescenta que a ré não

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apresentou a certificação do equipamento retirado, nem os protocolos dos


serviços realizados naquele período de refaturamento, sendo que o medidor
não foi enviado para análise no laboratório IPEM.

Por fim, ela impugna o critério utilizado para


apuração das diferenças.

Recursos regularmente processados e


respondidos.

É o relatório.

I Não obstante a certidão de fls. 706 reputa-se


suficiente o valor recolhido a título de preparo, eis que compatível com o fato
de não ter sido acolhido o pedido de declaração de inexigibilidade do débito
de energia elétrica, mas apenas o pedido de manutenção do fornecimento
por se tratar de débito pretérito, desfecho contra o qual a concessionária se
insurge no recurso.

II De pronto se vê que na sentença, integrada por


decisão proferida ao ensejo de embargos declaratórios, o Juiz indicou os
motivos de fato e de direito pelos quais considerou parcialmente procedente
a ação.

De se reconhecer, assim, ter ele dado


cumprimento aos artigos 489 do Código de Processo Civil e 93, inciso IX da
Constituição federal.

Note-se que a particularidade de o litigante

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discordar dos motivos apontados pelo julgador não desqualifica a sentença


sob o aspecto formal, isto é, não basta para se considerá-la desprovida de
fundamentação.

De lembrar, ainda, que como decorre do artigo


1.022 do Código de Processo Civil embargos declaratórios não se prestam a
obter reexame de matéria enfrentada, de modo que se mostra justificado o
não conhecimento daquele recurso.

Tampouco se há de anular a sentença para


mandar o perito complementar seu laudo.

Afinal, as partes apresentaram seus quesitos (fls.


429/431 e 434) e o perito se manifestou sobre eles (fls. 528/537).

A demandada alegou, é verdade, que o “expert”


havia deixado se pronunciar sobre certas indagações que ela apresentou
(fls. 548/555), tendo o perito então prestado os esclarecimentos pertinentes
(fls. 576/581).

A ré insistiu em suas críticas contra a conclusão


do perito (fls. 585/588), mas o Juiz não viu necessidade de à vista delas
colher nova manifestação do expert.

Ora, o inconformismo quanto à conclusão do


perito não macula a sentença.

De fato, pelo regime da lei processual o Juiz é o


destinatário da prova (artigo 371), mostrando-se então relevante que na
espécie o magistrado reputou adequado o laudo, depois acrescido dos
esclarecimentos, à formação de seu convencimento.

Por isso, a particularidade de a demandada

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entender que certos quesitos não foram respondidos como ela almejava não
impõe anular o julgamento para se colher outra manifestação do perito .

III Em 12 de março de 2018, durante inspeção na


unidade consumidora da autora, foi constatada irregularidade no relógio
medidor pelos funcionários da ré que, por esse motivo, comunicaram o fato
à autoridade policial, sendo lavrado Boletim de Ocorrência.

A autora informou ter sido depois notificada a


pagar a importância de R$ 421.930,35, valor correspondente à média de
consumo não faturado no período de 26 de maio de 2016 a 12 de março de
2018, do qual discordou, tendo então pedido fosse declarada a
inexigibilidade do débito.

O Juiz autorizou a produção de prova pericial e ao


final julgou improcedente a ação sob a seguinte motivação:

“2.2. Conquanto não tenha examinado o medidor


original, apreendido pela Polícia Civil do Estado de São Paulo (v. fls. 579),
apurou o expert que, "nos seis meses que antecedem à lavratura do TOI, o
valor médio pago foi de R$21.176,00 e nos seis meses posteriores à
lavratura do TOI o valor médio pago foi de R$23.188,00, significando um
aumento de um aumento de 9,50%" (v. fls. 530). Cuida-se de forte indício de
fraude.

2.3. Na inicial, ademais, a autora não chega a


negar os fatos. Limita-se a apresentar argumentos genéricos, como os de
"que não cometeu qualquer crime" (v. fls. 2), de que "não concorda" com o
demonstrativo de cálculo (v. fls. 3) e de que "o simples fato de ter sido
lavrado um boletim de ocorrência por suposta prática de furto de energia
não significa dizer que a pratica criminosa ocorreu e que foi a Autora quem

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praticou" (v. fls. 16).

2.4. Não sofreu impugnação especificada, em


réplica, a alegação de que o "hardware eletrônico do medidor foi alterado e
que tal irregularidade acarreta menor registro de kWh, Kvah, Kvarh
consumido" (v. fls. 174). A autora também não questiona a assertiva de que
a cobrança diz respeito "ao consumo não registrado durante o período
compreendido entre os dias 02/06/2015 a 12/03/2018" (v. fls. 177).

Há, pois, presunção de veracidade, conforme a


doutrina: "Se o réu levanta na contestação defesa indireta de mérito, tem o
autor o ônus da impugnação específica dessas alegações (art. 341, CPC).
Não o fazendo, há presunção de veracidade".1

2.5. Registre-se que, por causa da irregularidade


em questão, um dos sócios da autora, Sr. Josué Saraiva de Araújo, foi
denunciado, na esfera criminal, pelo Ministério Público do Estado de São
Paulo (processo n. 0009846-24.2018.8.26.0224, da 2.ª Vara Criminal de
Guarulhos). A ação penal não chegou a ter o mérito julgado apenas porque
ele aceitou proposta de suspensão condicional do processo (v. artigo 89 da
Lei n. 9.099/1995).

2.6. Conclui-se que a autora não tem razão, na


medida em que, diante da irregularidade, a ré apenas aplicou a regra
prevista no artigo 130, III, da Resolução Aneel n.º 414/2010:

Art. 130. Comprovado o procedimento irregular,


para proceder à recuperação da receita, a distribuidora deve apurar as
diferenças entre os valores efetivamente faturados e aqueles apurados por
meio de um dos critérios descritos nos incisos a seguir, aplicáveis de forma
sucessiva, sem prejuízo do disposto nos arts. 131 e 170: [...] III utilização da

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média dos 3 (três) maiores valores disponíveis de consumo de energia


elétrica, proporcionalizados em 30 dias, e de demanda de potências ativas e
reativas excedentes, ocorridos em até 12 (doze) ciclos completos de
medição regular, imediatamente anteriores ao início da irregularidade;

2.7. Quanto aos critérios utilizados para o cálculo


do valor a recuperar, registre-se que é irrelevante a opinião do perito judicial
quanto à interpretação das normas constantes do aludido ato normativo, na
medida em que a análise de aspectos jurídicos relacionados à controvérsia
é de competência exclusiva do magistrado.”

Ao ensejo de embargos de declaração opostos


pela promovente ele assim asseverou:

“1. Fls. 605/614: quanto à interrupção no


fornecimento de energia elétrica, tem razão o embargante, uma vez que se
trata de inadimplemento pretérito. RESTABELEÇO, portanto, a tutela de
urgência, haja vista a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça. Em
consequência, altera-se o dispositivo da sentença, apenas para constar que
houve PROCEDÊNCIA PARCIAL, sem outras modificações.

2. Não há que cogitar de "cerceamento de


defesa", diante dos fundamentos constantes da sentença. Nas palavras da
própria embargante, "o juiz pode indeferir diligências inúteis ou meramente
protelatórias" (v. fls. 608). Ora, não se vislumbra utilidade alguma na
complementação do laudo pericial, considerando a natureza da
controvérsia. Ademais, as "ponderações" jurídicas do expert, tal como
consta da sentença, são irrelevantes, porque não lhe cabia opinar sobre a
legalidade ou não dos critérios adotados pela ré.

3. ACOLHO, em parte, portanto, os embargos de

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declaração, apenas para restabelecer a tutela de urgência, a fim de impedir


a interrupção do fornecimento de energia elétrica, se relacionado ao TOI
indicado nos autos.

4. Int.”

Pois bem.

Registre-se, de pronto, que nenhuma dúvida


podia haver quanto ao fato de a relação mantida entre a autora e a
prestadora do serviço estar sob o regime da Lei 8.078/90.

Nada importava, quanto a tal ponto, a notícia de


que a cliente fazia uso da energia elétrica em sua atividade empresarial,
seja porque nem por isso ela deixou de ser destinatária final daquele
serviço, seja porque, de todo modo, o referido diploma legal também tutela o
chamado consumidor por equiparação (artigo).

Isto é, aqueles que não são os destinatários finais


aos quais alude o artigo 2º, mas foram afetados pelas práticas comerciais
abusivas ou contrárias ao regime de proteção contratual (art. 29), assim
como pelos efeitos do fato do produto ou serviço (art. 17).

E caso não era de se negar a existência das


irregularidades no aparelho medidor de consumo.

Com efeito, a manipulação do relógio foi apontada


em Termo de Ocorrência e Inspeção assinado por técnico da concessionária
e pelo proprietário da empresa, tendo constado daquele documento que “o
hardware do medidor eletrônico foi alterado” e que “tal irregularidade
ocasiona o menor registro de kWh, kVAh e kVArh” (fls. 229).

A autora tomou ciência da constatação no próprio

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ato e, segundo anotação lançada naquele documento, foi formalmente


informada sobre a possibilidade de solicitar o envio do relógio a uma perícia
independe, não tendo manifestado interesse nessa medida.

E conforme documentos juntados pela própria


autora ela foi depois notificada da irregularidade e do valor das diferenças
de consumo, bem como expressamente alertada sobre a possibilidade de
interpor recurso administrativo (fls. 76), tanto que assim procedeu (fls. 85).

Logo, não se havia de dizer que a fornecedora


deixou de provar a irregularidade, tampouco que a consumidora fora
impedida de se defender da imputação da concessionária.

Ora, nos termos do artigo 129 da Resolução


ANEEL nº 414/2010 o Termo de Ocorrência lavrado por técnico da
concessionária é documento hábil à comprovação da irregularidade do
relógio medidor.

Inexistia razão, portanto, para se lhe negar


validade ao só argumento de ter sido elaborado pela fornecedora da energia
elétrica e de não ter sido o equipamento submetido à perícia pelo órgão
indicado pela autora, já que ela mesma dispensou essa medida.

Tampouco tinha relevo a falta de certificação


sobre a regularidade do relógio no momento em que foi instalado ou da
indicação de eventuais serviços realizados no período de refaturamento, eis
que em momento posterior foi constatada a fraude.

Assim, ainda que sob a óptica da inversão do


ônus da prova (art. 6º da Lei 8.07/90) não se havia de dizer que a
concessionária deixou de provar a irregularidade encontrada na unidade
consumidora.

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Ademais, a abonar aquela constatação havia


laudo pericial elaborado pelo perito do Instituto de Criminalística, que assim
apontou:

“No exame efetuado no interior do medidor objeto


do exame foi constatado que havia uma instalação composta de dispositivos
que, segundo os técnicos, não se encontravam no medidor original, tais
como: uma placa de circuito impresso dotada de uma antena para captação
de sinais por rádio frequência, uma fonte de retificação de energia que
alimentava o sistema, e um relê, dispositivo que permitia a interrupção das
correntes das três fases para o medidor a partir do momento em que era
acionado por controle remoto.

Tal instalação é utilizada nas ocorrências de


fraude no sistema de medição de energia elétrica onde o acionamento é
feito à distância utilizando um controle remoto igual aos utilizados no
acionamento de portões automáticos.

Não foi possível constatar a eficiência da


instalação para a finalidade a que se destinava em virtude do seu
funcionamento estar desabilitado, todavia, as constatações relatadas,
apresentavam indícios de que a instalação dos dispositivos no interior do
medidor tinha como objetivo fraudar a medição de energia elétrica de tal
forma a possibilitar que a energia obtida não fosse computada nos
consumos reais do imóvel.” (fls. 236/237).

No entanto, só o fato de o aparelho apresentar


comprovados sinais de manipulação não bastava para dizer devidas as
diferenças de consumo reclamadas pela ré.

Realmente, para se reconhecer que a

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irregularidade afetou o registro do consumo mostrava-se imprescindível a


revelação do chamado degrau de consumo, isto é, que o consumo medido
no imóvel se reduziu em certo momento e voltou a subir após a
regularização do medidor.

Na espécie, porém, tal ocorrência não ficou


revelada.

De fato, documentos e informações trazidas pela


própria demandada mostravam que antes da data em que a concessionária
considerou ter ocorrido a manipulação o consumo do imóvel já não era
linear, sendo que em alguns meses o consumo se elevava e em outros se
reduzia e que assim continuou mesmo após a substituição do relógio
medidor.

A demandada acostou documentos que


indicavam o consumo na unidade da autora de janeiro de 2017 a novembro
de 2018 (fls. 180).

Pois com base naquelas informações era possível


verificar que entre janeiro de 2017 e fevereiro de 2018, antes do período em
que a ré considerou ter ocorrido a fraude, os valores das faturas variaram
entre R$ 11.476,19 e R$ 28.425,99 e mesmo considerando que a troca do
medidor ocorrida em 12 de março de 2018, os valores variaram entre R$
15.378,19 e R$ R$ 26.967,65, cabendo consignar que a fatura com
vencimento em agosto de 2018 não podia ser considerada, eis que revelava
o consumo de mais de 30 dias em razão de alteração no roteiro de
marcação (fls. 73/74).

Assim, tratando-se de unidade consumidora que,


segundo os registros da concessionária, não apresentava consumo

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constante, o só fato de ter ocorrido redução do consumo e posterior


elevação era insuficiente para se reconhecer que o problema do relógio
medidor provocou a redução do consumo registrado.

Ante tal contexto é evidente que a demanda não


podia ser julgada favoravelmente à concessionária só a vista da mera
suposição de a irregularidade constatada no relógio ter provocado a redução
do consumo medido pelo aparelho.

Lembre-se, ademais, que cabia à fornecedora dar


a prova daquela ocorrência (artigo 373, inciso II, do CPC).

Assim, forçoso reconhecer que não se


apresentava quadro informativo capaz de validar a exigência das diferenças
apontadas pela ré, constatação que naturalmente torna prejudicada a
discussão sobre o critério adotado para o cálculo do valor cobrado e a
possibilidade de interrupção no fornecimento em caso de não pagamento
das diferenças.

Por outro lado, mostrando-se induvidosa a


manipulação do relógio medidor, a consumidora havia de responder pelo
custo administrativo com a inspeção, isso nos termos do artigo 131 da
Resolução ANEEL nº 414/2010, dispositivo não desautorizado pela Lei
8.078/90.

Importa lembrar que o consumidor é responsável


pela guarda do relógio e nessa condição há de responder tanto pela
despesa com a inspeção in loco como pelos gastos com reparo ou
substituição do equipamento (artigos 131 e 167 ambos da Resolução nº
414/2010), sendo irrelevante, por isso, indagação sobre a autoria da
manipulação.

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Logo, havia de se declarar inocorrente a


obrigação de a autora pagar as diferenças de consumo, mas não o valor
pertinente ao chamado custo administrativo de inspeção (R$ 3.604,36 fls.
84).

A sentença comporta reparo, portanto, para


declarar inocorrente a obrigação de a autora pagar o valor atribuído às
diferenças de consumo, mas não o valor pertinente à substituição do
aparelho.

Ante o decaimento recíproco cada parte passa


agora a responder por metade das custas e pelos honorários do patrono
adverso, que nos termos do artigo 85 § 8º do CPC são arbitrados em R$
3.000,00.

Para o fim indicado dá-se parcial provimento ao


recurso da autora e nega-se ao da ré.
(assinado digitalmente)

ARANTES THEODORO
Relator

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