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Educação especial e superação do senso comum

Há um texto de Antonio Gramsci cuja importância para a educação especial


ainda não foi devidamente avaliada: trata-se de Introdução ao estudo da filosofia (1).
Nesse escrito, ao tematizar o desenvolvimento da consciência, o filósofo italiano
estabelece uma tese fundamental: todos os homens são filósofos. O objetivo dessa
afirmação é combater o preconceito de que somente certos grupos privilegiados estão
aptos a realizar as atividades intelectuais próprias à filosofia.
Contra tal visão mistificadora, Gramsci afirma: todos podem formar uma
concepção de mundo - contendo ideias sobre a beleza, a verdade, a virtude etc. – capaz
de fornecer diretrizes para a orientação da vida prática. Trata-se, pois, de uma “filosofia
espontânea”, fornecida ao indivíduo pelos grupos humanos nos quais ele se inseriu no
decorrer da sua formação.
Essa “filosofia popular” caracteriza-se por ser “desagregada”, não
conscientizada e mesmo eivada de contradições. Entretanto, é racional e se expressa nas
manifestações mais elementares do intelecto: linguagem, conceitos, noções, relações
sociais, religião, folclore. Por esse motivo, de fato, todos são filósofos. Isso inclui,
evidentemente, as pessoas com necessidades especiais.
Esse “senso comum”, primariamente filosófico, precisa ser trabalhado a fim de
que se eleve, fortaleça sua capacidade crítica e adquira coerência e unidade internas.
Como fazê-lo? Gramsci o explica: “O início da elaboração crítica é a consciência
daquilo que somos realmente, isto é, um ‘conhece-te a ti mesmo’ como produto do
processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços
acolhidos sem análise crítica. Deve-se fazer, inicialmente, essa análise”.
Cabe à educação, portanto, proporcionar esse conhece-te a ti mesmo que supera
as contradições da filosofia espontânea do senso comum. Ela deve possibilitar aos
sujeitos a tomada de consciência do próprio ser enquanto um ser histórico e inspirá-los
a participarem da transformação positiva da sociedade - a construção daquilo que o
filósofo chamou de “gênero humano mundialmente unificado”.
Gramsci, como se sabe, escreveu na prisão sob a censura do fascismo. Se
estivesse livre, teria usado palavras mais claras para se referir à “consciência da
historicidade” concebida por ele como a finalidade do trabalho educativo. Nós podemos
usá-las agora: consciência de classe. Ensinar os conhecimentos necessários à formação
dessa consciência é, em minha opinião, a tarefa precípua da educação especial.

Nota:

(1) Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere, vol. 1. Introdução ao estudo da filosofia; A


filosofia de Benedeto Croce. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2013.

Autor: Demetrio Cherobini

Licenciado em Educação Especial (UFSM)


Bacharel em Ciências Sociais (UFSM)
Mestre e Doutor em Educação (UFSC)
Pós-doutorado em Sociologia (UNICAMP/SP)
Professor da rede municipal de Santa Maria (EMEF Duque de Caxias) e da APAE/SM

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