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( J·

( meios naturais e sociais, com as raças humanas. É esta multipli­


cidade de factores que se opõe ao rigor do determinismo e que,
(
fragmentando-o em inúmeras acções e reacções, provoca
( constantes fissuras e desajustamentos: Nesses mundos imaginá­
( rios, dos quais o artista é o geómetra e o historiador, a forma,
(
através do jogo das metamorfoses, passa perpetuamente do reino
da necessidade para o da liberdade.

(
Quadro analítico de A VIDA DAS FORMAS
\
J.
1 Página
1
. l 1 - 0 MUNDO DAS FORMAS ....... . .. .... .... ..... . 11

- Forma, imagem e signo. Dualismo ilusório entre forma e conteúdo.


O conteúdo formal. Os dois métodos da iconografia. A vida das
formas na linguagem e na arte.
- As metamorfoses, princípio de renovação. Os estilos, tentativa de
( estabilidade. O estilo e os estilos. A vida dos estilos como lógica
interna e como investigação experimental. As três lógicas em arqui­
tectura. A lei da primazia técnica.

4
( -- As fases dos estilos. Constância e retomo das características formais.,
Esboço de um mundo: cri�ção de mei�s, de locais psicológicos e de
mitos\ Perspectiva da investigação.

( 1
II - As FORMAS NO EsPAÇO ......................... 33

(
/- O sp ço defini�o pela
· : � form�f
O espaço do �rnamento � as suas
_ , -
vanaçoes. Respeito ou anulaçao do vaz10: a sene ou o labmnto. Os
( híbridos. Movimento do espaço imaginário.
( - A arquitectura e os seus dados. Ilusões criadas pelo espaço esque­
matizado da projecção e do plano. A noção de massa. As propor­
ções. Os efeitos. Relações variáveis da massa interna e da massa
( externa. O reverso do espaço. A escala. A forma da luz. O arqui­
tecto enquanto geómetra, enquanto mecânico, enquanto escultor
(
e enquanto pintor.
(
( 100 101
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)
(
( só poderia enriquecer-se com um capítulo dedicado às mãos_:.� nos bordos, une ao punho os dedos, cuja estrutura oculta ela
( A face humana é sobretudo um composto de órgãos receptores, recobre. O outro lado é um receptáculo. De entre as várias
enquanto a mão é acção, agarra, cria e, por vezes, dir-se-ia funções da vida activa da mão, ela pode estender-se e retesar-se
ou adaptar-se à' fomia- de qualquer objecto. Esses trabalhos
(
mesmo que pensa. Em repouso, não é um instrumento sem
( alma, abandonado sobre uma mesa ou pendendo ao longo do deixaram marcas nas palmas das mãos, nas quais se poç:le ler,
( corpo: o hábito, o instinto e a vontade de agir meditam nela e senão os símbolos lineares das coisas do passado e do futuro, -
não é necessário um grande esforço para se adivinhar o gesto pelo menos os traços e uma espécie de memória da nossa vida
(
que vai executar. esquecida e talvez mesmo alguma herança mais longínqua. De
( Os grandes artistas prestaram uma atenção extrema ao es­ perto, é uma paisagem singular, com os seus montes, á sua
( tudo das mãos. Sentiram nelas a forte virtude, eles, que mais grande depressão central, os seus estreitos vales fluviais, tanto
que qualquer outro ser humano, delas dependem. Rembrandt salpicados de incidentes, de pequenas cadeias e entrelaçados,
(

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,.)
mostra-no-las em toda a diversidade de emoções, de tipos, de como puros e finos como uma escrita. Qualquer figura pode
( idades e de condições - a mão aberta de espanto, levantada, servir para imaginar coisas. Não sei se olhando as mãos é dada
cheia de sombras, em contra-luz de uma testemunha da grande ao Homem a possibilidade de decifrar enigmas, mas gostaria de
Ressurreição de Lázaro, a mão trabalhadora e académica do saber que, pelo menos, ele olha para estas orgulhosas escravas
Dr. Tulp, segurando com uma pinça um feixe de artérias na com admira,ção.
( Veja-se como as mãos vivem a sua liberdade, sem o apelo da
Lição de Anatomia, a mão de Rembrandt a desenhar, a mão
espantosa de São Mateus escrevenç:Io a,Bíblia ditada por um função, sem a sobrecarga de um mistério - em repouso, corrfos
r anjo, as mãos do velho aleijado da Moêda de Cem Florins, dedos ligeiramente encolhidos como se se abandonassem a um
sonho, ou ainda na elegante vivacidade dos gestos puros, dos
duplicadas pelas grandes e ingénuas luvas que lhe pendem da
(
cintura. É certo que alguns mestres as pintaram quase de cor, gestos inúteis: parece então que desenham gratuitamente no ar a
0-� com uma constância sem evolução, o que pode constituir um útil multiplicidade dos possíveis e que, brincando consigo próprias,
(
,\
índice antropométrico para a classificação dos críticos. Con­ se preparam para uma próxima intervenção eficaz. Capazes de
tudo, quantas folhas de esboços há para atestar o esforço de imitar numa parede, com a sua sombra, a silhueta e o comporta­
( mento dos animais, são ainda mais belas quando não imitam
análise, a preocupação em captar o que é único! Todas essas
( mãos não precisam de corpo para demonstrarem toda a intensi­ nada.. Por vezes acontece que, entregues à sua liberdade en­
( dade que nelas vive. quanto o espírito trabalha, se agitam levemente. Agitam o ar
Que qualidade é esta que faz que um órgão mudo e cego com uma impulsão, alongam os seus tendões e fazem estalar as
(
possa comunicar connosco com tanta força persuasiva? É porque articulações ou ainda se entrelaçam com força, de forma a
( se trata de um dos mais originais e diferenciados, como o são as fazerem um bloco compacto, um verdadeiro rochedo de ossos.
( formas superiores de vida. Articulada em charneiras delicadas,o Outras vezes estendem-se e voltam a postar-se uma sobre a outra
punho tem como estrutura inúmeros ossículos. Cinco ramos com uma agilidade de bailarinas, segundo cadências inventadas,
(
ósseos, com o seu sistema de nervos e ligamentos estendem-se com os dedos a criarem grupos de figuras.
( sob a pele, até se alargarem de repente para formar cinco dedos As mãos não são um par de gémeos passivamente idênticos.
( separados, dos quais cada um, articulado em três nós, tem as Também não se distinguem uma da outra como a irmã mais
suas capacidades específicas e o seu espírito próprio. Uma nova e a mais velha, ou como duas donzelas com diferentes
·{
planície arqueada percorrida por veias e artérias, arredondada dotes, uma habituada à bela vida e a outra entorpecida pelo
(

í 108 109
(

(
(

( exercício constante dos trabalhos pesados. Não defendo de ma­ captada pelo génio das metamorfoses no momento em que
neira alguma a dignidade superior da mão direita. Se lhe faltar a Apolo se aproxima: os seus braços tornam-se ramos, as extremi­
(
esquerda, o que a espera é uma solidão difícil e quase estéril. dades são ramadas de folhas agitadas pelos sopros. Parece-me
(
A esquerda, essa mão que designa injustamente o lado mau da ver o Homem antigo absorver o mundo através das mãos,
( existência, a porção sinistra do espaço, aquela em que não se estender os dedos numa rede que capta o imponderável. «As
( devem encontrar os mortos, os inimigos e as aves, também pode minhas mãos», diz o Centauro, «experimentaram rochas, a
ser treinada para desempenhar todas as funções da outra. água, as inúmeras plantas e as mais subtis variações do ar, pois
(
Construída da mesma forma, tem as mesmas capacidades, às que as ensino nas noites cegas e calmas para que possam
( quais renuncia para servir apenas de apoio. Será que ela aperta surpreender os sopros e deles obter signos e augúrios para o meu
( com menos força o tronco da árvores ou o cabo do machado? caminho ... » O Centauro e Dafne, favoritos dos deuses, nas suas
Aperta com menos força o corpo do adversário? Tem menos metamorfoses ou no seu estado físico estável tinham as mesmas
(
peso uma sua pancada? Não é ela que constrói as notas no armas que nós para «experimentarem» o universo, para o senti­
( violino, num contacto directo com as cordas, enquanto a direita, rern, até nessas correntes translúcidas que não têm peso e que a
r manejando o arco, mais não faz que propagar a melodia? Feliz­ visão não capta.
mente que não temos duas mãos direitas. Como seria repartida a Mas, tudo aquilo que tem um peso insensível ou a palpitação
(
diversidade das tarefas? O que há de «canhoto» na mão esquerda quente da vi:fa, tudo o que tem casca, pelagem ou revestimento,:
( é inegavelmente necessário a uma civilização superior; é ela que até mesmo a pedra, seja ela talhada em lascas, arredondada ✓
nos liga ao passado venerável do Homem, quando ele não era pelos cursos de água ou com o grão intacto, tudo isso pode ser
ainda tão hábil e estava ainda longe de poder executar tudo o que colhido na mão, fruto de um experiência que nem a visão nem o
(
lhe apetecesse com os seus dez dedos. Se as coisas fossem espírito podem sozinhos levar a cabo. A posse do mundo exige
(
diferentes, seríamos invadidos por um terrível excesso de virtuo­ uma espécie de olfacto táctil. A visão desliza pela superfície do
( sismo. Poderia desenvolver-se ao extremo a arte dos malabaris­ universo.:A mão sabe que o peso faz parte dos objectos, que
tas - e talvez nada mais. eles são lisos ou rugosos, que não estão colados à terra ou ao
(
Tal como existe, este par tem servido para que o ser humano céu, dos quais parecem fazer parte. A acção da mão define o
r possa realizar os seus objectivos, ajudando-o na sua criação, côncavo do espaço e o convexo das coisas que o ocupam.
( precisando-os, dando-lhes forma e figura. O Homem fez a mão, Superfície, volume, densidade e peso não são fenómenos ópti­
ou seja, foi-a libertando a pouco e pouco do mundo animal, de cos; foi pelos dedos e na palma da mão que o Homem primeiro
(
uma servidão antiga e natural, mas também foi a mão que, em os conheceu. O espaço, mede-o, não com o olhar, mas com a
(
certa medida, fez o Homem. Foi ela que lhe permitiu certos mão e com os passos. Tocar a natureza enche-a de forças
( contactos com o universo, que lhe eram vedados pelos outros misteriosas; de outra forma, ela permaneceria como as lindas
orgãos e partes do corpo. Erguida contra o vento, alargada e paisagens da câmara escura, sem peso, sem profundidade e
(
aberta como uma ramada, a mão estimulava-o para a captura dos quiméricas.
( Temos, assim, que os factos acresciam o saber, com uma
(
fluídos. Ela pemitia a multiplicação das superfícies ' extrema-
mente sensíveis ao conhecimento do ar, das águas. Pollaiuolo, variedade de toque e de desenho, cujas capacidades inventivas
um mestre em que subsiste, com grande elegância, sob uma têm vindo a ser progressivamente esquecidas. Sem as mãos
(
camada muito fina de humanismo, um sentido um pouco ambí­ nunca teria havido geometria, pois que é necessário traços e
( guo e selvagem dos mistérios da Fábula, pintou uma bela Dafne, círculos para se especular sobre as propriedades do espaço

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(
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1.

(
mensurável. Antes de poder reconhecer pirâmides, cones, espi­ «encantar» pela força das imagens ou de fazer nascer formas
( rais nas conchas e nos cristais foi ou não necessário que as desinteressadas. E a ave? O seu canto mais extraordinário nunca
( formas regulares fossem «executadas» pelo Homem, no ar ou é mais que um arabesco sobre o qual nós compomos a nossa
sobre a areia? A mão punha-o perante a evidência de um número sinfonia interior, como o murmúrio da onda ou o vento. Talvez
(
móvel, aumentado ou diminuído conforme os dedos que esti­ um confuso sonho de beleza aja sobre o animal de magníficas
( cava ou encolhia. Durante muito tempo, foi esta a forma de plumagens, talvez que ele tenha uma responsabilidade oculta na
( contar, e foi assim que os Ismaelitas venderam José aos servos beleza que o reveste; talvez mesmo alguns acordos que não
do Faraó, tal como se pode ver no fresco românico de Saint­ captamos e que não têm nome definam uma harmonia superior
(
-Servin, onde é extraordinária a eloquência das mãos. Foi no campo magnético dos instintos. Essas ondas escapam aos
( também através delas que foi modelada a linguagem que, antes nossos sentidos, mas ninguém nos impede de pensar que as suas
( do mais, é vivida por todo o corpo e mimada nas danças. No que correspondências se repercutem com intensidade e profundidade
(
diz respeito aos nossos hábitos correntes, os gestos das mãos nos insectos e nas aves. Essa música está encerrada no indizível.
deram élan à linguagem, contribuiram para articulá-la, para lhe As histórias mais surpreendentes de castores, de formigas e de
separar os elementos, isolá-los de um vasto sincretismo sonoro, abelhas mostram-nos os limites das culturas cujos instrumentos
ritmá-la e mesmo para a colorir de inflexões subtis. Desta activos são as patas, as antenas e as mandíbulas. Ao tomar nas
mímica da palavra, desta permuta entre voz e mãos,. resta suas mãos alguns dos desperdícios do mundo, o Homem pôde
qualquer coisa naquilo a que os antigos chamavam a acção inventar um novo mundo que lhe pertence.
oratória. A diferenciação fisiológica especializou os órgãos e as A partir do momento em que tenta intervir na ordem a que
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( ' 1
funções, que já não colaboram entre si. Falando através da boca, está submetido, quando ataca a natureza compacta com uma
(
fazemos calar as nossas mãos, a tal ponto que em certos lugares ponta aguçada ou um gume, que provocam a sua divisão e que
não parece bem ·exprimir-se simultaneamente com a voz e o '· lhe dão uma forma, a indústria primitiva já traz em si os gérmens
gesto, enquanto outros, pelo contrário, conservaram viva essa do seu desenvolvimento futuro. O homem que habita o abrigo de
( poética dupla - mesmo se os efeitos podem ser, por vezes, rocha e que talha o sílex em pequenos golpes cuidadosos e que
(
mais vulgares, ela é a tradução de uma antiga fase do homem e a fabrica agulhas de osso é mais digno da minha admiração que o
recordação dos seus esforços para inventar métodos inéditos. sábio construtor de· máquinas. Deixa de ser instrumento de
( Não há que escolher entre as duas fórmulas, perante as quais forças desconhecidas para agir com as suas próprias forças. Até
( Fausto hesita: ao começo era o Verbo, mas também era o Gesto, então, mesmo escondido na caverna mais profunda, ele perma­
( pois que Verbo e Gesto, mãos e voz estiveram unidas no mesmo necia à superfície das coisas; mesmo quando quebrava as vérte­
começo. bras de um animal ou o ramo de uma árvore não penetrava, não
(
É contudo, a criação de um universo concreto, distinto da tinha acesso às coisas. O instrumento em si não é menos notável
( natureza, que é o dom máximo da espécie humana. O animal 1
i que o uso que se lhe dá; ele é por si só valor e resultado. Ei-lo,
( sem mãos, mesmo ao mais alto nível da evolução, só consegue 1
1 distinto do resto do universo, inédito. O rebordo de uma frágil
criar uma indústria monótona e não chega a atingir a dimensão concha pode ter um gume tão afiado como a faca de pedra, mas
(
artística. Não pode construir nem o seu mundo mágico nem o esta não foi colhida por acaso numa praia qualquer; pode dizer­
( seu mundo inútil. Esse animal poderia mimar uma religião da -se que ela é a obra de um çleus novo, a obra e o prolongamento
espécie através das danças eróticas ou até mesmo esboçar certos J das suas mãos. Entre a mão e o instrumento começa uma
(
ritos funerários. Com isso, não deixaria de ser incapaz de a mizade que não terá mais fim. A mão comunica-lhe o seu calor
(

( 112 113
(
(

(
viv substância não poderá reproduzir essas visões, pois que a me�ó­
. o e vai-o transformando incessante mente .\ O instrumento ,
( quan do novo, n ão está «feito », é preciso que se estabeleça entre ria ape nas as regista, como a recordação de uma recordaçao.
( e le e o s d e dos que o seguram esse acordo criado por uma posse O que distingue o sonho da realidade é qut:, o homem que sonha
progressiva, por gestos leves e combinados, por hábitos mútuos não conse gue criar uma arte: as suas maos do?11�m. A arte
(
e m esmo por uma certa usura. É então que o instrumento inerte faz-se com as mãos; são elas o instrumento da cnaçao mas, em
( se toma algo com vida. Para isso, ne nhuma matéria é tão boa prime iro lug ar, o órgão do conhecimento._Já o m?strei, no que
( co m o a madeira, com uma vida passada na floresta e que, diz re spe ito ao ho me m comum; de forma ain da mais clara para o
mutilada e trabalhada par a se adaptar às necessidades humanas, artista, se gun do vias especiais. Isto, porque ele reco�eça todas
(
c o n s e rva so b o utra forma a agilidade e a flexibilidade primiti­ as e xperiências primitivas; como o Centauro, expenmenta as
( vas. A dureza da pedra e do ferro, quando trabalhada e maneja­ forças e o s sopros. En quanto o contacto em nós se faz de forma
( da durante muito te mpo, também acaba por aquecer e ceder. passiva, ele procura-o, experimenta-o. �ós conten�� nos
De sta forma se c orrige â lei das séries, cuja tendência é para o co m uma aquisição milenária, um conhecimento automa co
� �
(
idên tico e que se exerce na ferramenta desde as épocas mais talvez já gasto e arrumado e esquecido dentro, de n?, s. Ele tra-lo a
( a ntigas, quando a constância dos tipos de fabrico facilitava a l uz do dia, renova-o a partir do princípio. E mais ou menos a

( amplitude das trocas. O contacto e o uso humanizavam o objecto m e sma coisa que se passa com a criança. Só que o homem
inse nsível e, da série, separ avam o que era mais ou menos adulto acaba com esta experiência e considerando-se homem
único . Que m n ão viveu com os «homens de mão » ignora a força «feito » deixa de facto, de se fazer. É o artista quem prolonga a
dessas re laçõe s ocultas, os resultados positivos dessa camarada­ curio sidade d�s crianças, esten den do tal capacidade, sem limites
( gem, onde há amizade, estima, a comunidade quotidiana do d e idade. Ele toca, tacte ia, toma o peso, mede o espaço, modela
trabalho, o instinto e o orgulho pela posse e, nas regiões mais a fluide z do ar na pre figuração da forma, acaricia a pele de tudo
de senvolvidas, o desejo de experimentação.' Ignoro se há uma e é com a lin guagem do toque que compõe a da visão - um tom
_
ruptura en tre a_ orde m 11!.anual e a 111�a, não estou seguro que nte , um tom frio, um tom pesado, um to?1_ cavo, m1!'a linha
mas, na extre midade do braço, o instrumento não se opõe ao dura uma l inha flexível. Con tudo, o vocabulano falado e menos
h o m e m, n ão é um gancho de ferro apar afusado a um coto; entre rico 'que as impressões da mão, é necessári? m�s que uma
e l e s há o de us dividido em c inco, que percorre a escala de todas lin guagem para traduzir o seu número, a sua d1ve�s1d� de e ª sua
_
(
as gran dezas, a mão do construtor das catedrais, a mão do pintor plenitude . Também deve mos dar alguma extensao a noçao de
( d o s manuscritos. -'._".· valor táctil, tal como Bernar d Berenson a formulou - ela não
E n quanto através de uma das suas facetas o artista representa fornece apenas, num quadro, a ilusão vivida do relevo e do
(
talve z o tipo mais evoluído, em outra continua a ser o homem v olume convidando-nos a esten der as nossas forças musculares
( para mi�ar , com um movimento interior, o m�vimento p�tado
pré-histórico. O mun do é, para ele, fresco e novo; examina-o,
e O que e le suge re de substância, peso e élan. E essa noçao que

1
( g oza dele com sentidos mais apurados que os do homem civili­
zado , já que guar dou o sentimento mágico do desconhecido e, e stá n a orige m de qualque r criação. Adã� �oi moldado � o barro
(
s o bretudo, a poética e a técnica da mão. Qualquer que seja o c o mo uma e státua. Na iconografia roman1ca, peus nao sop�
(
poder re ceptivo e inventivo do espírito, sem o concurso da mão s o bre O glo bo do mundo para o lanç ar no éter. E c..? m a sua mao
_
( e sse p od er n ão pass ará de um tumulto interior. O homem que que e le o leva até lá. E é ainda uma espan�osa mao que Rodin,
( son ha pode albergar visões de paisagens extraordinárias, de para figurar a obra dos seis dias, faz emergir de um b�oc?, onde
fa ce s de uma bele za perfeita, mas sem um suporte e uma ,,
jaze m adormec idas as forças do caos. Que pode s1gmficar a
( 1
1
,
( 114 115

l
!

1
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de Amphion , que 1•
(' ,

-'-"azia
· mexer as pedras com
1
lenda
s ua lira de tal forma que se o canto da �ontanhas, logo que foram talhadas em blocos, em placas, em
( .

c on struir' as muralhas de deslocar, am sozi· nhas para .rrem


(
Tebas ? Sem du i. a, apenas simulacros de homens, pareceram mudar de essência e de
de u m trab alho bem cade a facil
nciad� pel! mu;sica, mas reali idade �substância, como se a forma que lhes era imprimida as pertur­
?
h omen s que se serviam zado por
(
das suas maos, como os re basse até ao mais profundo da sua natureza cega e das suas
(
galeras , cujo ritmo de rem mad ores das partículas elementares . A mesma coisa se passa com os mine­
d arcado e apoiado
ária de flauta. Co nhecemot :�: por uma rais,,extraídos da s ua ganga, ligados uns aos outros, amalgama-
me de quem se dava a esse
(
trab alho: era Zethos, irm � dos�? fundidos, de forma a inserir na série dos metais compostos
a:é
• ao - do tocador de rrr�.:
Talvez ainda
(
veja m os o tempo em que ,inéditos. A mesma coisa com a argila, endurecida ao fogo,
baste uma frase melodica
(
na s c er flores e paisagen para fazer �. brilhando com o esmalte, e com a areia, poeira fluída e obscura
s. M_as, suspenso
físico como sobre a supe s no vaz io do espaço
(
. rf,ic1e do sonho tena , ·.gtíé.a chama solidifica em ar transparente.l A arte começa pela
pai s agens mais consi�tên . · m essas flores e
cia qu , e as image'ns dos so nhos transmutação e continua na metamorfose. íA arte não é o voca­
do no país dos canteiros d ? Nasci­ bulário do homem quando fala com Deus, mas sim a renovação
e mannore e dos
o mi to de Amph . fundidores de bronze, � ·perpétua da criação.( É invenção de matérias, ao mesmo tempo
ion p ode � mpreender-m
(
e se não tivesse
s nunca �n � �
( se nt e que T eba pre­ •. , : ,; ·que -invenção de formas. Constrói para si uma física e uma
talve z, de um mito com � la sua estatuária.
Trata-se,

ensa ono, uma c ,, · · · mineralogia. Enterra as mãos nas entranhas das coisas para lhes
p or um músico. Mas nót, onsolação inve da
• le nhadores modeladores, A- nta dar a forma que quer. É, antes do mais, artesã e alquimista.
p mtores da figura human pewerro s· ,
a e da fiigura. ' da Terra, perm Trabalha com avental de couro como um ferreiro. Tem a palma
(
.
1i gados a, nobre gravida

í
. an ecemos das mãos escuras e cortadas, por tanto lutar com o que é pesado
de - ,o que �os permite lut
não é a voz ar contra ele
, nem o canto, e a mao. e que queima. Elas precedem o homem, essas mãos fortes, nas
r Para alem do mais não é violências e nas astúcias do espírito.
ela a ordenadora
ryúm e ro ela própria, táb�a de números, . , O artista que talha a madeira, bate o metal, molda a argila ou
de cálculo e reguladora de
E ela que to�a o univer cadências? lavra o seu bloco de pedra traz até nós o passado do Homem, um
so, que o sente, se apo ,
(
trans form a · Comb·ma espa dera dele e o passado antigo sem o qual nada seríamos. Não é admirável ver
ntosas aventuras da mate .
che ga p e gar no que e xi ste, , . na. Nao lhe entre nós, vivo, na era mecânica, o sobrevivente te imoso dos
e preciso
e acres ce ntar re
inos novos os re.mos da
trab alh n que na-o e_ xi.ste
(
tempos da primazia manual? Os séculos passaram sem alterarem
ar o
te mpo, contentou-se e � natureza. Durante muito
m evantar troncos toscos a sua vida profunda, sem o fazerem renunciar às suas antigas
(

m es mo ainda com cas ca de árvore, formas de descobrir o mundo e de o inventar. A natureza é,


segurar os telhad
os das casas e
(
dos templos ; durante muít para ele, sempre um receptáculo de segredos e dernaravilhas.
::�
des p e dras para comemorar po amontoou ou levantou gran-
í
os mortos e para honrar os E é ainda com as mãos nuas, essas fracas armas, que ele.tenta
Ao s ervir-se de sucos
ve tru.s l� deuses.
l descobri-los, para os. fazer participar no seu próprio jogo.
(

obj e cto, resp e itava aind a ornar a monotonia do


í
ot:ons a erra. Mas, no Desta forma se recomeça perpetuamente um extraordinário
despiu a árvore da sua ve dia em que passado e se refaz, sem repetições, a descoberta do fogo, do
sti osa p ara � e �xpor
trabalha ndo a superfície ;;::t a carne,
(
até sa e perfeita, mve
machado, da roda, do torno de oleiro. No atelier de um artista
epiderme s uave ntou
· . uma estão em todo o lado os sinais das tentativas, das experiências
(
à v1 sta e ao toque e os .
ve10 �
·!

pe manecer ocultos aparec ' de�tm ados a dos palpites da mão, das memórias seculares de uma raça
e ram à. 1uz, em
(
riosa s. As massas amorfa , combmaçoes miste-
s do mannore, se humana que não esqueceu o privilégio de poder usar as suas
pultadas no caos das
í ._,I

r mãos.
ll6
(
117

. 1

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