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Escola de História da Igreja – Patrística - Lucas Régis Lancaster

“DEMONSTRAÇÃO DA PREGAÇÃO APOSTÓLICA”


DE SANTO IRINEU DE LYON

O autor e a obra

➢ O autor: É o mesmo Santo Irineu, bispo de Lyon no final do


século II, cuja obra mais notável, “Contra as heresias”,
estudamos na aula 10.
➢ Análise geral de “Demonstração”: Escrita por Santo Irineu
após “Contra as heresias”, é dirigida a certo Marciano, e uma
obra que detém aspectos de catecismo e apologia. Seu objetivo
é “demonstrar” a pregação recebida dos apóstolos,
especialmente através da releitura cristã do Antigo
Testamento, visando formar o cristão adulto. Nessa obra estão
expressas a segurança da fé em Cristo enquanto culminância
da história da salvação, e a consciência de Irineu de
pertencimento à Igreja Católica, cuja fé prega. Santo Irineu de Lyon, Bispo e Mártir

➢ Data: Escrita provavelmente nos anos 190.


➢ Descoberta: Até o início do século XX só se tinha consciência da existência deste texto em
razão da menção que dele faz Eusébio de Cesareia. Em 1904 foi descoberta uma versão da
“Demonstração” em armênio, rapidamente traduzida para várias línguas.
➢ Importância dessa obra: Se trata de um resumo catequético da obra de polêmica escrita
anteriormente pelo santo. Mas ao contrário do “Contra as Heresias”, a “Demonstração” não é
uma resposta explícita aos desvios gnósticos – apesar de o santo ter pensado neles enquanto
escrevia, como demonstra a introdução e a conclusão do livro -, mas uma exposição suscinta
da fé católica.

Estrutura da obra

➢ Iniciada por uma Introdução de três capítulos (1-3), a obra subdivide-se em duas partes:
o Parte I – A História da Salvação (4-41): Se trata da exposição suscinta da história do
Antigo e do Novo Testamento: Deus e a criação (4-16), a criação e a queda (11-16), de
Caim e Abel a Abraão (17-23), de Abraão até Cristo (24-30) e a realização da salvação
através de Jesus Cristo (31-41).

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o Parte II – A Demonstração propriamente dita (42-97): através dos textos do Antigo


Testamento, Santo Irineu demonstra a realização da salvação por Cristo. Trata da
preexistência e da encarnação do Verbo de Deus (42-52), das profecias sobre Cristo e
seu cumprimento (53-85), e da Igreja enquanto cumprimento das profecias messiânicas
(86-97).
➢ Encarra-se a obra com uma Conclusão (97-100), com advertências sobre como viver a fé em
oposição às heresias e aos incrédulos.

Introdução (1-3)

➢ A obra é iniciada com uma belíssima introdução, na qual Santo Irineu trata dos seguintes temas:
o O objetivo da obra (1): Diz o santo que envia uma série de anotações “sobre pontos
fundamentais do corpo da verdade” para que, com elas em mãos, Marciano tivesse “à
mão as provas das realidades divinas”. Serviria à salvação não apenas de Marciano,
mas também para responder àqueles que professavam falsas doutrinas e para a
edificação de todos os que quiserem conhecer a fé católica.
o O único caminho de salvação (1): Diz Santo Irineu que para os que veem (ou seja,
aqueles que foram agraciados com a fé) só existe uma única estrada, sempre em
ascensão, iluminada pela luz celeste e que conduz ao Reino dos Céus, unindo o homem
a Deus. Para os que não veem, as estradas são muitas, sem iluminação e sempre
descendo. Todas elas conduzem à morte e se afastam de Deus. É necessário, portanto,
caminhar na fé naquele único caminho que salva, evitando se entregar aos prazeres
materiais (guardando as boas obras) e evitando o desvio na reta doutrina (guardando a
fé).
o A necessidade da fé e das obras (2): Santo Irineu lembra o que disse no livro IV de
Contra as Heresias – o homem é um ser composto de corpo e alma, e necessita agir
segundo esses dois componentes. As ocasiões de queda provêm de ambas as partes, de
modo que existem duas santidades: santidade de corpo (continência de toda ação
iníqua) e santidade da alma (conservação intacta da fé, sem nada acrescentar ou tirar).
A piedade é manchada quando violamos os mandamentos, e se rompe se aderimos ao
erro. O santo respondeu de antemão Lutero, dizendo: “A que serve conhecer a verdade
através das palavras, se se profana o corpo e se se realizam ações degradantes”. E
responde de antemão os relativistas modernistas: “Qual vantagem haverá ao conservar
realmente a santidade do corpo se a verdade não está na alma”. As duas, com efeito,

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“devem estar juntas, são aliadas, e combater lado a lado para conduzir o homem à
presença de Deus”. Em outras palavras: salvação pela fé e pelas obras.
o Necessidade de manter a Regra da Fé (3): Devemos manter inalterada a Regra da Fé
e cumprir os mandamentos de Deus. A fé é dada pela verdade, pois se funda sobre a
verdade: nós cremos no que realmente é, e nisso manteremos nossa firme adesão. A fé
sustenta nossa salvação, sendo necessário dar muita atenção para obter uma verdadeira
inteligência da verdade.
o O Batismo (3): Essa fé nos foi comunicada pelo Batismo que (a) nos foi dado para a
remissão dos pecados; (b) em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; (c) que é selo
da vida eterna; (d) o novo nascimento em Deus, de modo que não somos mais filhos de
homens mortais, mas de Deus.

Parte I – A História da Salvação (4-41)

Deus (4-10)

➢ Cremos em Deus (4), princípio e causa de todas as coisas criadas. Ele não deriva de coisa
alguma, e é forçoso admitir que é um só, e que ele criou e pôs em ordem o conjunto dos seres,
e fez existir o que não existia. Deus é (5-6):
o Deus Pai: Incriado, invisível, criador do universo, único Deus.
o Verbo: Sendo racional, Deus tem um Lógos pelo qual criou todos os seres. Por meio
dele foi criado o universo. Ele apareceu aos profetas e fez-se homem, visível e tangível,
para destruir a morte, para manifestar a vida e restabelecer a comunhão entre Deus e o
homem. O Filho é o conhecimento do Pai.
o Espírito Santo: Deus é Espírito. Assim como o Verbo cria e consolida tudo o que
existe, o Espírito Santo ordena e dá forma às diversas potências. Por seu poder os
profetas profetizaram, os Padres foram instruídos, e os justos foram guiados no caminho
da justiça, e, no fim dos tempos, foi difundido de um modo novo sobre a humanidade.
➢ O Batismo em nome da Trindade (7): O Batismo, “nosso novo nascimento”, é feito em nome
destes três artigos de fé: nos concede renascer a Deus por meio de seu Filho no Espírito Santo.
➢ Deus e o homem (8): Deus é Deus de todos, dos judeus, dos gentios e dos crentes, porém, com
diferentes graus: dos fiéis, é Pai; dos judeus, é Senhor; dos gentios, é criador. Mas a todos
julgará, ninguém escapará do seu juízo e aqueles que se negarem a crer em sua bondade
experimentarão seu poder.

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➢ Os Anjos e o papel dos seres no cosmo (9-10): Existem sete céus, nos quais residem
inumeráveis potências, anjos e arcanjos, que rendem culto ao Deus onipotente: “Esse Deus,
então, é glorificado pelo seu Verbo, que é o Filho eterno, e pelo Espírito Santo, que é a
Sabedoria do Pai do universo. As suas potências, isto é, desse Verbo e dessa Sabedoria,
chamadas também Querubins e Serafins, glorificam a Deus com cantos incessantes, e todo o
aparato celeste tributa glória a Deus, Pai do universo. Ele, com o Verbo, fez existir o mundo
inteiro e, desse modo, são incluídos os anjos; ao mundo inteiro foram fixadas leis, para que
cada qual fique no seu lugar e não saia do limite estabelecido por Deus, cada qual cumprindo
a obra que lhe foi confiada.”
➢ Na parte II, no capítulo 47, Santo Irineu faz algumas reflexões a respeito da Trindade que é
conveniente situar aqui: diz ele que “O Pai é Senhor, e o Filho é Senhor, Deus o Pai e Deus o
Filho, porque aquele que é nascido de Deus é Deus”. Mas no que consiste a diferença do Pai
e do Filho? Não é na essência, pois “segundo a essência do seu ser e de seu poder, aparece
um só Deus”, mas contemporaneamente, “na administração da economia da nossa redenção,
Deus aparece como Pai e como Filho”, Pai criando, Filho redimindo. E o Filho recebe do Pai
o trono de “um reino eterno e óleo da unção, que é o Espírito Santo”.

A criação do homem e a queda (11-16)

➢ Criação do Homem: Deus criou o homem tomando da terra o que existia de mais puro e mais
fino, imprimindo nele seu próprio perfil, de modo que levasse a imagem divina, e soprou sobre
ele o hábito vital para que fosse semelhante a Deus, no corpo e na alma (11).
➢ Homem, senhor da criação: Ele foi criado por Deus, livre e autônomo para dominar todos os
seres da terra. Este mundo foi preparado e dado ao homem como seu território com todos os
bens que continha (11).
➢ O Jardim do Éden: Para que o homem se desenvolvesse e nutrisse com gozo e alegria, Deus
colocou-lhe no melhor lugar deste mundo. Para lá o Verbo frequentemente ia e se entretinha
com o homem, prefigurando o que aconteceria no futuro, isto é, “que seria seu concidadão e
conversaria com ele, e habitaria com os homens, ensinando sua justiça” (12).
➢ Adão e Eva: Deus criou uma companheira que correspondesse ao homem (13), e este primeiro
casal era puro, sem a imagem ou ideia gerados na alma pelo mal. Viviam na integridade,
conservando seu estado natural de pureza e ordem, sem pensar coisas ignóbeis (14).
➢ A primeira lei: Mas para evitar que o homem cultivasse pensamentos de soberba e se exaltasse,
como se não tivesse um Senhor, Deus impôs uma lei e certos limites, de modo que se os

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cumprissem, Deus estaria sempre com eles, e se não, morreriam, sendo destinados a dissolver-
se naquela terra da qual foram tirados (15).
➢ O demônio e a queda: Satanás (ou seja, rebelde) era ciumento do homem e invejoso dos muitos
favores cumulados por Deus, arruinou-se a si próprio e fez do homem um pecador, induzindo-
o a transgredir o preceito de Deus. Ouvindo-o, o homem pecou, e foi expulso do jardim e da
sua presença, enquanto a serpente, que havia sido o disfarce do diabo, foi amaldiçoada –
maldição que atingiu o próprio animal e o anjo nele escondido (16).

De Caim e Abel a Abraão (17-23)

➢ Estado do homem após a queda: Expulsos do jardim, Adão e Eva fizeram experiências de
muitas tribulações físicas e espirituais, e viveram neste mundo na tristeza, na fadiga e nos
lamentos (17).
➢ Caim e Abel: O diabo arquitetou uma nova empresa com relação aos irmos. Caim, imbuído do
seu espírito, tornou-se fratricida e matou Abel. Deus se encolerizou, amaldiçoou Caim e, desde
então, todos os seus descendentes foram semelhantes a seu progenitor. Deus fez com que Adão
tivesse outro filho, Sete (17).
➢ Significado da morte de Abel: “Abel morreu assassinado pelo irmão, vindo, assim, a
significar que, dali para diante, alguns seriam perseguidos, atormentados e mortos, enquanto
os malvados matariam e perseguiriam os justos” (17).
➢ O mundo pré-diluviano: Nas gerações que sucederam a Adão e Eva, pouquíssimos traços de
justiça sobreviveram entre os homens. Surgiram uniões ilegítimas e todo gênero de
adivinhações e idolatria. O mal se expandiu até transbordar, e a justiça diminuiu até quase
desaparecer (18).
➢ O dilúvio: Na décima geração de Adão, somente Noé foi encontrado justo. A ele Deus salvou
do dilúvio, com sua esposa, seus três filhos e as mulheres de seus filhos, assim como com um
casal de cada animal na arca que por ordem de Deus Noé construíra. Dos três filhos de Noé,
Sem, Cam e Jafé, descende a humanidade (19).
➢ As bençãos e maldições de Noé: Dos três filhos de Noé, dois foram abençoados e um
amaldiçoado. Este último foi Cam, cuja descendência estaria condenada a ser escrava das de
seus irmãos. Quanto a Sem, recebeu a primeira benção, que se desenvolveu em Abraão, seu
descendente, e aos seus filhos. Por fim, Jafé foi beneficiado com a benção sobre Sem, uma vez
que por Cristo, filho de Abraão, as demais nações foram incorporadas à linhagem de Abraão e

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passaram a gozar de sua benção. “Que Deus dilate Jafé”, disse Noé, sendo que “dilatar”
significa o chamado dentre as nações, a saber, a Igreja (20-21).
➢ A aliança universal: Após o dilúvio, Deus estabeleceu um pacto com o mundo inteiro, em
especial com os animais e com os homens, em virtude do qual não mais haveria dilúvio. O arco
seria o sinal perpétuo dessa aliança. Ademais, mudou a comida dos homens, ordenando que
comessem carne, pois antes só comiam grãos e frutos. Pela benção de Deus, o gênero humano
se multiplicou e se propagou a partir da posteridade desses três filhos de Noé (22).
➢ A Torre de Babel: As gerações seguintes, porém, em novo ato de soberba, decidiram edificar
uma torre que alcance os céus. A fim de que a obra não progredisse, Deus dividiu suas línguas,
de modo que não mais se entendessem. E daí em diante três raças humanas se apropriaram da
terra. Uma delas era amaldiçoada, as demais, abençoadas (23).

De Abraão até Cristo (24-30)

➢ Abraão, Isaac e Jacó: Abraão procurava Deus e Deus se manifestou a ele, dando-se a conhecer
por meio de seu Verbo, ordenando-lhe que partisse com sua mulher para a terra para ele
preparada. Abandonou a Mesopotâmia e partiu para a Judeia. Deus promete que sua
descendência seria numerosa como as estrelas, e instituiu a circuncisão como sinal de aliança.
Da estéril Sara nasceu Isaac, e desde nasceu Jacó, e a benção inicial a Sem passou a Abraão, e
desde a Isaac, e deste a Jacó (24).
➢ O êxodo: No tempo de Jacó a família imigrou para o Egito, e lá seus descendentes foram
escravizados por 400 anos. Libertados por Deus sob Moisés após as dez pragas, a saída do povo
eleito (a Páscoa), prefigurou a paixão de Cristo, pela imolação do cordeiro. Partindo o Mar
Vermelho, Deus conduziu o povo pelo deserto (25).
➢ O Decálogo: Deus deu ao povo por meio de Moisés o Decálogo gravado em pedra. E por ordem
de Deus, Moisés construiu o tabernáculo, figura da Igreja e representação profética das
realidades futuras. Deus instituiu Aarão e seus filhos sacerdotes (26).
➢ A exploração da terra prometida: Chegando ao local escolhido por Deus, Moisés escolheu
Josué (outro nome para Jesus) e Caleb, junto de outros emissários, para explorarem a terra.
Como à exceção de Josué e Caleb, todos os demais emissários desaconselharam o povo a entrar,
e este concordou, Deus os fez que errassem quarenta anos no deserto, de modo que nenhum
dos que saíram do Egito entrassem na terra prometida (27).

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➢ O Deuteronômio: Transcorridos os quarenta anos, o povo chegou às cercanias do Jordão. Deus


impôs ao povo uma nova lei, acrescentando-a àquela que foi estabelecida anteriormente.
Moisés morreu no monte Nebo, antes de entrar na terra prometida (28-29).
➢ De Josué a Salomão: Josué liderou o povo para tomar a terra prometida, venceu e aniquilou os
povos que lá habitavam, repartiu-a entre o povo. Em Jerusalém reinaram Davi e seu filho
Salomão, que construiu o templo (29).
➢ Os profetas: Em Jerusalém foram enviados os profetas, por meio do Espírito Santo, como
arautos da revelação de Cristo. Anunciaram a vinda de Cristo, filho, segundo a carne, de Davi
e, segundo o espírito, de Deus (30).

A Redenção (31-41)

➢ O envio do Verbo: Descendo do Céu, o Verbo uniu o homem a Deus e nos deu a
incorruptibilidade que, por nossas próprias forças, não alcançaríamos (31).
➢ A obediência do Verbo e Adão: Fomos vinculados à morte pela desobediência de Adão, e do
mesmo modo, pela obediência de quem se fez homem por nós, foram rompidas as cadeias da
morte (32).
➢ Assumiu a carne, tomou o lugar de Adão e recapitulou toda a humanidade: Como reinava
a morte sobre a carne, era preciso que ela fosse abolida por meio da carne. O Verbo, então se
fez carne. Tomou uma corporeidade idêntica à da primeira criatura para lutar em favor dos
progenitores e vencer em Adão aquele que em Adão nos feriu. Era necessário que ele assumisse
uma carne como a de Adão, para refazer, como foi feito no início, o homem à imagem e
semelhança de Deus (31-32).
➢ O papel da Virgem: Como, por uma virgem desobediente, o homem foi ferido, por uma virgem
obediente, o homem foi ressuscitado. Do mesmo modo como Adão foi recapitulado por Cristo
(a fim de que o que é mortal fosse submerso na imortalidade), Eva o foi em Maria (33).
➢ Na Cruz, ele mostrou que é o Verbo de Deus: “Todas as coisas, de fato, são governadas e
administradas pelo Verbo de Deus. Nessas dimensões, foi crucificado o Filho de Deus já
impresso sobre o universo em forma de cruz; fazendo-se visível, manifestou a universalidade
de sua cruz, demostrando claramente, na forma visível, a sua atividade consistente na
iluminação da altura, ou seja, os meandros da terra, na extensão do Oriente ao Ocidente, no
governo como um comandante da região do Oeste e da amplitude do Sul, e no chamado ao
conhecimento do Pai de todos os homens dispersos” (34).

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➢ Cristo cumpriu a promessa a Abraão: Nascendo de uma Virgem, da estirpe de Abraão,


convertendo em luminárias do mundo os que nele acreditam, e justificando os gentios com
Abraão por meio da mesma fé, Cristo cumpriu o que foi prometido a Abraão (35).
➢ A salvação e a santificação operadas por Cristo: Com a finalidade de nos restituir a vida, o
Verbo se fez carne através da Virgem, a fim de desatar a morte e vivificar o homem. Com a
aparição de sua luz desapareceram as trevas da prisão. Eles santificou o nosso nascimento e,
destruída a morte, desligou aqueles mesmos laços que nos tinham prendido (37-38).
➢ Nos deixou a Igreja: “Os discípulos e testemunhas de suas boas obras, de seu ensinamento,
de sua paixão, de sua morte, de sua ressurreição, da ascensão ao céu depois da ressurreição
corporal, ou seja, os apóstolos, com o poder do Espírito Santo enviados por ele por toda a
terra, convocaram os gentios, ensinando aos homens o caminho da vida, para afastá-los dos
ídolos, da fornicação e da avareza, purificando as suas almas e seus corpos com o batismo na
água e no Espírito Santo, distribuindo e subministrando aos crentes esse Espírito Santo que
haviam recebido do Senhor. Assim, instituíram e fundaram a Igreja” (41).

Parte II – A Demonstração (42-97)

➢ Como diz São Justino na sua I Apologia, inicia Santo Irineu (41) dizendo que tudo o que se
realizou em Cristo e na Igreja já fora profetizado muito antes que acontecesse, para que “pelo
fato de terem sido profetizados muito tempo antes, conhecêssemos que era Deus que, desde o
princípio, havia preanunciado a nossa salvação”.

A preexistência do Verbo de Deus (42-52)

➢ Santo Irineu demonstra, com acontecimentos e passagens do Antigo Testamento, que o Filho
de Deus, Jesus Cristo, existia antes do mundo com o Pai e junto do Pai, e que antes mesmo de
seu nascimento, o Pai o fez visível aos homens e lhe submeteu tudo, fazendo-o Salvador
daqueles que nele creem (52):
o Acontecimentos do Antigo Testamento: Santo Irineu situa as teofanias, ou seja, as
manifestações de Deus no Antigo Testamento, ao Verbo de Deus, ao Filho. Foi Cristo
que apareceu com dois anjos a Abraão, comendo e bebendo com ele, recebendo o poder
de punir os habitantes de Sodoma, razão pela qual diz Irineu que “Abraão viu o que
aconteceria no futuro, ou seja, o Filho de Deus sob aparência humana conversar com
os homens, comer com eles, e depois exercer o ofício de julgar recebido do Pai” (44).

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Foi também o Filho que Jacó viu no cimo da escada, ou seja, “no lenho fixado no céu
à terra”, e é por isso que “o lenho dos que creem nele sobre ao céu, porque a sua paixão
é nossa ascensão” (45). Foi também com o Filho que Moisés falou na sarça ardente,
quem libertou o povo do Egito, deu de beber da rocha, fez morrer os incrédulos no
deserto e às criancinhas deu a terra prometida (46).
o Passagens do Antigo Testamento: Existem também algumas passagens do Antigo
Testamento, extraídas por Irineu das palavras de Davi e Isaías, que demonstram que
antes da Encarnação, o Pai travava colóquios com o Filho (48-51) como “Tu és o meu
Filho amado, eu hoje te gerei” (Sl 2,7-8).

As profecias sobre Cristo e seu cumprimento (53-85)

➢ Recorrer às profecias veterotestamentárias é um caminho comum entre os Padres da Igreja,


uma vez que elas anunciaram Cristo antes de sua Encarnação.
➢ No capítulo 67 ele explica o porquê de muitas vezes o Espírito Santo narrar nos profetas como
acontecimentos passados o que aconteceria no futuro: “Isso acontece, porque, em Deus, o que
está estabelecido, determinado e destinado a existir já é considerado como existente, e o
Espírito se expressa tendo em conta o tempo em que se realiza a profecia”.
➢ São as seguintes as profecias identificadas pelo santo no Antigo Testamento:
o Profecias em relação ao seu nascimento: Nasceria de uma Virgem (53), descendente
de Judá (57), de Jessé (59) e de Davi (64), em Belém (63). Que uma estrela, a de Jacó,
aparecia no céu quando nascesse (59), como efetivamente se deu, guiando os magos até
a manjedoura.
o Profecias em relação a quem Ele seria: Seria verdadeiramente homem (53), que seria
Deus e Homem (60), que seria chamado “Deus-conosco” e “Cristo” (53-54), que seria
aquele que auxiliou o Pai na criação do mundo, razão pela qual seria chamado
“Conselheiro Admirável” (55).
o Profecias em relação à redenção: Nos lavaria com seu sangue (57) e que nos daria a
alegria eterna (57), assim como o fogo eterno aos que nele não cressem (56). Seu reino
seria eterno (56). Ele receberia “o poder sobre seus ombros”, que Santo Irineu considera
uma alusão “à cruz, à qual teve os braços pregados, quando foi crucificado” (56).
o Profecias sobre a vida pública de Cristo: Foi profetizada a entrada de Cristo em
Jerusalém em um jumento (65), e que ele curaria todo tipo de enfermidade (66-67).

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o Profecias sobre a paixão: Foi profetizado que ele seria odiado, desprezado, torturado,
crucificado e morto (66). Que os poderosos da terra se uniriam contra ele (74), que seria
oferecido como um presente (77), que suas ovelhas iriam se dispersar (76), que sua
aparência não seria mais de homem, que seria homem de dores, que carregaria nossos
sofrimentos, que seria trespassado pelas nossas transgressões, que o castigo que se
abateria sobre ele nos daria a paz e que por suas feridas seríamos curados (68). Ademais,
foi profetizado que ele oferecia a face aos que o esbofeteavam, e aceitaria as injúrias e
escarros (68), deixando-se conduzir como cordeiro ao matadouro (69). Sendo justo,
seria condenado (72). Repartiriam sua túnica (80), seria vendido por 30 moedas (81), e
lhe dariam fel para comer e vinagre para beber (82).
o Redenção e ressurreição: Sua sepultura seria nossa paz (72) e, uma vez ressuscitado
(73), permaneceria imortal (72). Que se lembraria dos mortos e desceria aos infernos
para salvá-los (78). Ressuscitado, subiria aos céus (83-84), e aguardaria, à direita do
Pai, o Juízo (85).
o Profecias sobre os cristãos: Santo Irineu interpreta alegoricamente a passagem de
Isaías a respeito da “pacificação universal”: todos os animais, de todas as espécies,
viveriam em concórdia sob seu reino. Com efeito, seria uma análise simbólica do que
ocorreria com os fiéis após a conversão: “reunidos em um só nome, alçados pela graça
de Deus, hão de adquirir os costumes dos justos, mudando a sua natureza selvagem e
feroz. Assim radicais são as mudanças que a fé em Cristo, Filho de Deus, opera
naqueles que nele creem” (61).

A Igreja e o Homem Novo (86-97)

➢ Nos últimos capítulos da II Parte, Santo Irineu continua a Demonstração a partir das profecias
veterotestamentárias, mas para tratar da Igreja e do Homem Novo redimido por Cristo. Mais
interessante do apontamento que faz do cumprimento das profecias na Igreja são as
considerações a respeito da vida cristã:
o As missões apostólicas (86): “Enviados pelo Senhor, pregaram pelo mundo inteiro que
o Filho de Deus veio para sofrer a Paixão, ele que a suportou para destruir a morte e
vivificar o corpo, e que, cessando a hostilidade contra Deus, isto é, as iniquidades,
teremos obtido a sua paz, cumprindo o que é do seu agrado.” Esse anúncio do
Evangelho por toda a terra fora previsto pelos profetas.

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o A Lei e o novo homem: Não é pela prolixa Lei de Moisés que o gênero humano é salvo,
mas pela “concisão da fé da caridade” (87). Deus não mais nos conduz sob a Lei de
Moisés, pois ela foi cumprida em Cristo, mas quer “que caminhemos livres na novidade
dada pela fé no Filho de Deus”, que traz a caridade, que é “a plenitude da lei” (89).
Nossa vocação vem “da novidade do Espírito e não da caducidade da letra”. Fomos
regenerados como um novo povo, fruto de uma nova aliança, não uma aliança exterior,
mas interior: “porei minhas leis no fundo de seu ser e a escreverei em seu coração.
Então serei seu Deus e eles serão o meu povo” (90). Mas e a Lei do Decálogo? Continua
em vigor? Sim, mas não mais como Pedagogo externo: “eis que nós falamos com o
Pai e estamos face a face com ele nos tornando crianças sem malícia, e fortes em toda
justiça e honestidade”. Como cometerá adultério quem não cobiça a mulher alheia?
Quem desejará o bem alheio se não tem interesse a não ser pelas coisas do céu? De que
servirá o “olho por olho” para quem não tem inimigos? (96). O que aconteceu, com
efeito, é que o que antes era muitas prescrições exteriores que devíamos cumprir tornou-
se parte do nosso ser: renascidos pela graça, temos agora ela inscrita em nossos
corações.
o A Igreja aberta às nações: No Antigo Testamento, Deus falava a um só povo. Porém,
ele fez com que do velho “deserto” (as nações gentias, para as quais o Verbo não havia
falado) brotassem “rios abundantes, ou seja, disseminou o Espírito Santo sobre a terra”
(89). Previu Oseias que “Chamarei meu povo àquele que não é meu povo e amada
àquela que não é amada. E acontecerá que, no lugar onde lhes foi dito: vós não sois
meu povo, lá serão chamados filhos do Deus vivo”. Com efeito, dissera João Batista
que de pedras Deus poderia suscitar filhos de Abraão, e de fato o fez, gerando um novo
povo, filho de Abraão pela fé: a Igreja. E agora a Sinagoga não dá mais frutos, enquanto
a Igreja (as nações antes abandonadas) frutifica em uma multidão de filhos (93-94). Em
suma, Deus deixou aqueles que desprezaram o Filho de Deus e escolheram Barrabás e
passou sua herança aos gentios, “àqueles que não eram cidadãos de Deus e não
conheciam quem é Deus. Ora, graças a esse chamado, foi-nos dada a vida, e Deus
restaurou em nós a fé de Abraão nele, e não devemos voltar atrás, quero dizer, à
legislação precedente. Nós, de fato, acolhemos o Senhor da Lei, o Filho de Deus e,
mediante a fé nele, aprendemos a “amar a Deus com todo o coração e o próximo como
a nós mesmos” (95).

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Conclusão (98-100)

➢ Após a exposição, Santo Irineu encerra dizendo: “Esta é, meu querido amigo, a pregação da
verdade e a imagem de nossa salvação: assim é o caminho da vida que os profetas anunciaram,
o que Cristo instituiu, que os apóstolos consignaram e que a Igreja transmite a seus filhos por
toda a terra. Deve ser custodiada e com vontade decidida para agradar a Deus com as boas
obras e com um modo sadio de pensar” (98).
➢ Conclui exortando-o a fugir dos desvios dos hereges (99) e a manter-se firme em relação “aos
três artigos do nosso selo”, ou seja, do Batismo: o Pai, o Filho e o Espírito Santo (100).

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