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Tribuna
Geral
Perigo sobre duas rodas
Motociclistas são 52% dos mortos nos
acidentes de trânsito em Ribeirão Preto
Adalberto Luque
Em 1983, Os Paralamas
do Sucesso cantavam a res-
peito. “Conselho de seu pai:
‘motocicleta é perigoso Vi-
tal’”. Um dos primeiros su-
cessos do grupo mostrava
que, já naquela época, a vida
sobre duas rodas não era
propriamente tranquila. E
foi nessa época, há 40 anos,
que o funcionário público
Alberto Tadashi Wada, de 59
anos, começou a pilotar uma
motocicleta.
Wada, todavia, desen-
volveu sua forma de dirigir,
sempre na defensiva e atento.
Isso garantiu que ele passas-
se, nestes 40 anos, longe de
graves acidentes. Mas a partir
de julho de 2021 isso come-
çou a mudar. Ele sofreu uma
queda na rua Javari, próximo
ao SBT, Zona Oeste da cida-
de. “O buraco está lá até hoje.
Quando fui fazer uma curva,
fiz aberta, mas havia pedris-
cos e areia por conta do bura-
co. Escorreguei e caí”, lembra.
Ele passou um bom tem-
po se recuperando de he-
matomas e ferimentos. Em
agosto de 2022, seguia pela
avenida Governador Lucas
Nogueira Garcês, Zona Oes-
te, e sofreu novo acidente, se-
gundo ele, por conta de uma
obra [da Secretaria de Água
e Esgoto de Ribeirão Preto
– Saerp – que enviou nota a
respeito, veja nesta página].
“Um veículo seguia na minha
frente, brecou e jogou o car-
ro para a direita por causa da
obra. Passei pela valeta aber-
ta, onde havia pedras e areia.
Escorreguei e caí. Fiquei três
dias afastado [do trabalho].
Depois saí de férias e voltei
no dia 12 de setembro. No dia
13 outro acidente”, lembra.
Desta vez Wada foi li-
teralmente atropelado por
uma capivara. Ele seguia do
acesso da rotatória da Uni-
versidade de São Paulo (USP)
para a avenida Bandeirantes
quando uma capivara entrou
em sua frente. Ele não viu o
animal, que atravessou a via
correndo. Foi derrubado. Um
motorista que o socorreu foi
quem viu que era uma capi-
vara. “Devido aos acidentes,
Segundo OMS, acidentes de trânsito consomem até 3% do PIB
Nota da Saerp
A Saerp, citada em
um dos acidentes
relatados, encaminhou
nota: “A Saerp informa
que foi realizado
serviço de ligação de
água e esgoto no local,
incluindo o reparo
da via e reposição
asfáltica. Ainda, a
Secretaria não foi
notificada a respeito
desse acidente,”
porém não informa a
data do reparo da via e
reposição asfáltica.
cmyk
não vou mais ao trabalho de
moto, o que fiz por mais ou
menos uns 20 anos, diaria-
mente”, lamenta o funcioná-
rio público.
Estatísticas
Felizmente Wada não está
nas estatísticas do Infosiga,
sistema de monitoramento de
acidentes de trânsito do Go-
verno do Estado de São Paulo
que aponta um resultado as-
sustador para quem se loco-
move ou ganha a vida sobre
uma motocicleta. De janeiro
de 2020 até setembro de 2021
foram registradas 244 mortes
no trânsito de Ribeirão Preto.
Os motociclistas representam
52% dos mortos: 126 vítimas
de acidentes fatais. Depois
aparecem 47 pedestres, 32
motoristas ou ocupantes de
automóveis, 27 ciclistas, dois
caminhoneiros e 10 não es-
pecificados.
Só no ano de 2022, 32
motociclistas perderam a
vida em acidentes na cidade.
O número é extremamente
preocupante. Até o dia 30 de
setembro, 89 pessoas haviam
perdido a vida no trânsito de
Ribeirão Preto. Em todo o
ano de 2021 foram 83 pessoas
mortas no trânsito.
A grande maioria dos ca-
sos foi de colisões entre ve-
ículos. Os atropelamentos
aparecem em seguida. As
quedas ou choques contra
obstáculos, surgem depois,
percentualmente empatados.
De acordo com o Infosiga,
nos três anos pesquisados,
51,23% dos motociclistas ou
garupas morreram no pró-
prio local do acidente. Ou-
tros 46,31% morreram no
hospital e 2,46% morreram
enquanto eram transporta-
dos em viaturas de resgate.
Mais homens e jovens
A pesquisa também de-
monstra que a maioria dos
motociclistas mortos é de ho-
mens: 79,51%. Esse número é
ainda maior se analisado so-
mente as mortes de motociclis-
tas em 2022: 83,15%. As mu-
lheres representam 20,49%
do registro de mortes da pes-
quisa e 16,85% só em 2022.
A faixa etária que mais
ALFREDO RISK
Após três acidentes em pouco mais de um ano, o funcionário público Alberto Wada deixou de usar a
moto para ir ao trabalho
Só neste ano, 32 motociclistas
perderam a vida em Ribeirão Preto
apresenta mortes entre moto-
ciclistas é dos 18 aos 24 anos.
Somente neste ano foram
oito mortos. Somadas as fai-
xas mais jovens, até 34 anos,
o total sobe para 17 mortos.
As noites de sábado e do-
mingo, das 18h01 às 00h00,
concentram a maioria dos
casos envolvendo morte de
motociclistas.
Trânsito violento, custo
altíssimo
De forma global, o trân-
sito em Ribeirão Preto apre-
senta uma evolução preocu-
pante. Entre janeiro de 2021
e setembro de 2022 foram re-
gistrados 7.274 acidentes sem
mortes na cidade. No entan-
to, 6.122 pessoas tiveram al-
gum tipo de ferimento, leve,
moderado ou grave.
O Infosiga não indica
quantos socorros tenham
sido feitos, mas cada saída
de uma unidade de resgate
da base tem um custo. E, de
forma mais abrangente, essa
conta é por demais amarga.
Relatório de Status Global
em Segurança Viária da Or-
ganização Mundial da Saúde
(OMS) aponta que os aciden-
tes de trânsito podem custar
cerca de 3% do Produto In-
terno Bruto (PIB) de países
de baixa ou média renda,
como o Brasil.
De acordo com o Con-
selho Federal de Medicina,
entre 2009 e 2018, o Sistema
Único de Saúde (SUS) gastou
quase R$ 3 bilhões apenas
com acidentes de trânsito. A
Escola Nacional de Seguros,
DOMINGO E SEGUNDA-FEIRA, 23 E 24 DE OUTUBRO DE 2022 • GERAL • A3
uma instituição de ensino e
pesquisa, calculou em 2017
a economia que seria gerada
pela não interrupção do tra-
balho das vítimas se o aci-
dente houvesse sido evitado,
contabiliza um total de R$
199 bilhões perdidos com
acidentes de trânsito.
O entregador de lanches
e alimentos por aplicativo,
Vitor dos Santos Correia da
Silva, de 21 anos, está viven-
do o problema do custo cau-
sado no acidente. No sábado
(15 de outubro) ele seguia
com sua moto pela rua Java-
ri, Zona Norte, quando, no
cruzamento com a rua Luís
Cropanese Spadaro Júnior,
um outro motociclista não
respeitou a preferência e cru-
zou sua frente.
Silva vinha pela via e não
conseguiu frear a tempo. Para
piorar, a colisão envolveu
três motos. “Duas vinham
no sentido correto. Mas o
senhor entrou na Javari sem
respeitar o pare. Eu peguei ele
em cheio, no meio da moto.
Aí veio outra moto atrás e ba-
teu em mim, não conseguiu
frear”, disse.
O jovem foi jogado longe
da moto. Terá um prejuízo
de R$ 5 mil para arrumar o
veículo. Mas o problema está
só começando. Teve que ser
socorrido com diversas esco-
riações. Está tomando medi-
camentos e não tem a moto
para trabalhar. “Parado em
casa não ganho. E não tenho
moto para trabalhar”, lamen-
ta, sem saber quando sua
vida poderá voltar ao normal.
MARTHA LUQUE
COMEMORAÇÃO
O aniversário de 100 anos da Orquestra
Sinfônica de Ribeirão Preto (OSRP) será
marcado com dois eventos especiais
realizados na sexta-feira, dia 28. Página B1
ALFREDO RISK
“Na moto, o para-choque
é o motociclista”
O especialista Anderson Manzoli ressalta que motociclista morre
mais porque moto é menos segura
Anderson Manzoli é engenheiro
civil com mestrado no Departa-
mento de Transportes da Univer-
sidade de São Paulo (USP) - São
Carlos e especialista em trânsi-
to. Ele avaliou a situação:
“Quando falamos de acidentes
de trânsito, existem três pilares
envolvidos”. Segundo ele, o
primeiro pilar é a infraestrutu-
ra e vai desde a qualidade do
pavimento, a sinalização, toda a
parte de recursos que são res-
ponsabilidade dos órgãos públi-
cos. “O segundo pilar é o próprio
veículo. Um veículo mais seguro,
o que tem um freio melhor, o
que tem condições de garantir
mais segurança ao usuário. Uma
moto é menos segura que um
carro. E, por último, temos o pi-
lar que é o próprio motorista ou
motociclista. A maioria desses
acidentes são ocasionados por
falha do próprio motorista ou do
próprio motociclista”, aponta.
O especialista aponta que existe
falha de infraestrutura. Existe
local em que a sinalização é
ineficiente ou até está errada.
Tem locais em que o pavimento
não contempla a segurança que
deveria garantir, com buracos e
outros problemas na via.
“A pessoa às vezes sai de casa,
está tudo bem e a hora em que
liga seu veículo, se transforma em
outro ser. Deixa de ver as regras
de trânsito como uma obrigatorie-
dade, como algo que faz parte do
respeito entre as pessoas e vê ali
só um ponto de passagem. Não
vê pessoas. Um caminhão, por
exemplo, não vê um motorista ou
um motociclista a seu lado. Vê
como algo que está atrapalhan-
do sua chegada ao destino”, diz.
ALFREDO RISK
MAX GALLÃO MESQUITA
Manzoli ressalta que o motoci-
clista morre mais, porque a moto
é menos segura. “Além disso
os motociclistas se arriscam
mais. Vemos mais motociclis-
tas desrespeitando o Código
de Trânsito Brasileiro do que
os motoristas. Mesmo porque
a motocicleta dá essa falsa
sensação de liberdade a mais.
Só que o carro tem a proteção
da lata em volta. A moto não. O
para-choque é o próprio motoci-
clista”, explica.
“A maioria das mortes é de
motociclistas e estamos
experimentando um aumento
de veículos transitando. Nosso
transporte público é muito ruim.
Se tivéssemos um bom sistema,
boa parte dessas pessoas esta-
riam mais seguras utilizando o
transporte público. O motorista,
vendo espaços públicos apenas
como locais de passagem, sem
a sensação de pertencimento a
esse espaço público, começam
os problemas de intolerância.
Um carro passa minha frente
e já me estresso, quero dar o
troco, xingo. Uma pessoa que
demora para sair quando o se-
máforo fica verde - na verdade a
pessoa está errada em demorar,
existe um tempo de ação e rea-
ção - já se torna um motivo de
briga ou discussão”, avalia.
Segundo ele, o aumento no
número de mortes não é só
relacionado ao aumentando
o número de veículos. “Mas
também porque o jeito como as
pessoas estão se relacionando
é mais violento e isso é um
facilitador para que os acidentes
aconteçam em maior intensida-
de”, finaliza.