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coleção

arte fissil

MARIE-JosE MONDZAIN

Imagem
icone, economia
As fontes bizantinas do
imaginário contemporâneo

CODTRAPONTO MUSEU DE ARTE PORIO


1996
Editions du Seuil, économie: les sources
Titulo original: Image, icône,
byzantines de l'imaginaire contemporain
Direitos adquiridos para o Brasil por Contraponto Editora Ltda.

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Coordenação editorial e preparação de originais: Cesar


Revisão técnica: Tadeu Benjamin
Capistrano
Revisão tipográfica: Tereza da Rocha
Capa e projeto gráfico: Aline Paiva e Andréia Resende
Diagramação: Aline Paiva
Coleção dirigida por Tadeu Capistrano
EscOLA DE BELAS ARTES / UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

1 edição: outubro de 2013


Tiragem: 2.000 exemplares

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS
EDITORES DE LIVROS, RJ
M748i
Mondzain, Marie-José, 1944-
Imagem, ícone, economia as
: fontes bizantinas
contemporâneo /
1. ed. Marie-José Mondzain ; do
imaginário
-

Rio de tradução
Janeiro: Contraponto Museu de ArteVera Ribeiro.
320p. : il. ; 21cm :
do Rio, 2013.
(ArteFissil ; 8)
Tradução de:
Image, icône, économie: les
limaginaire contemporain sources
byzantines de
ISBN 978-85-7866-092-5
1, Ciencias sociais. 2.
bizantinos. I. Museu de Arte
nes
Arte doantropologia.
e
3. Arte sacra. 4.
Ico-
Rio (MAR). II.
13-04380, Título. III. Série.
CDD: 306.47
CDU: 316.74:7
reender que se trata, antes, de situar o que, numa
imaginal,sempre decorre, necessariamente, de umafundação do olhar
retirada e da vacuidade. problemática da
Tal é, sem dúvida, o segredo" da
imagem, ou
seja, o que ela se--
creta e o que esconde. Paulo o
enunciou na
formulação do enigma
especular. Que e um enigma: E a
entrega de um sentido em
nalavras, uma fala codificada que subitamente deixa meias
que até então era puro misterio.
a
descobertoo
Assim, enigma opõe-se ao mistério
o
não como sua negaçao, mas como
representação de sua manifesta-
cãocodificada. O icone não estâ no mistério
ma econômico. Nele, o Verbo
teológico, mas no enig-
desposa carne, a voz fecunda o cor
a
po. Quem compreende isso assume a
força do olhar e renuncia a
dizer, ingenuamente, que só acredita no que ve, ou
que só vê o que é
visível. Assim se instaura a primeira ideia do olhar
para o ícone como
primeira ideia doolhar invisível que
provém da própria imagem e é
concedido por ela. Os componentes do ícone convocam o
olhar e
rejeitam a visão, sem, no entanto, quererem enganá-la.

1.2. Imagem artificial ou ícone


Ele imag1nou que as cóp1as permanecem em rigorosa consubstan-
cialidade com os modelos dos quais são apenas cópias, que a
identidade das naturezas e das substâncias se mantém, pura e sim-
plesmente, entre elementos que compartilham tão somente a se-
melhança. Mas, então, como pretende distinguir a imagem e a
copia, se elas já no apresentam nenhuma diferença resultante de
Sua natureza?8

A questão que o iconófilo se formula é a da legitimidade do ícone e


de sua fidelidade à imagem que é seu modelo originário e fundador.
A relação econômica do ícone artificial com a imagem natural é jus-
Lamente a da distribuição e da função da visibilidade, em sua relaço
COm a imagem invisível, que continua a ser a única imagem verdadei-
e verda-
não é saber se o Icone
d, outras palavras, a questão já
Dm

ueiro ou falso, bom ou mau por natureza ou por


detinição, visto que
dele
causa
mesmo, mas de sua primeira.
CIC extrai sua verdade não

Imagem, icone, economia 117


A essência da imagem não é a visibilidade; é sua economia
, e somen
iconicidade. A visibilidade neet
te ela, que é visivel em sua
EIS por que o
pertence
íconenän
àde
finição do fcone, não à da imagem.
coisa senão a economia da imagem, e cabe a ele ser fiel
fiel ao
ao outr
protótin
de toda economia. Então,
como poderá a imagem artificial po
ser seme
Ihante ao Verbo? Pois, se o Verbo de Deus escolheuo visível
el ee a
carne
distribuir a salvação da imagem pela imagem, resta-nose
para es-
temunhas dessa escolha da carne para tornarmos eternamer
rnamente pre-
sente e visível o memorial de nossa redençao.Quem recusa o fco
ne
recusa-se a ressuscitar.
Como deve ser um ícone, se ele visa ao reconhecimento de sua
si-
militude e sua legitimnidade pelo olhar que a lmagem lança sobre ele?

O icone visa à semelhança com seu prototipo, sem a pretensão de


manter com ele a relação de similitude que este mantem com sua pró-
pria substância. Que relação de semelhança será possível entre o icone
ca essência da similitude? E essa a pergunta no interior de toda tékbua
que deverá realizar um ato de mimese puramente formal - já pode.
ríamos dizer intencional e abstrato,
que o uso do termo stokhas-
visto

ma, que significa "objeto da mira", "alvo", nos autoriza a fazê-lo.

a. Economia icônica e relação mimética [mimésis skhésis] -

Deixando o terreno da consubstancialidade, Nicéforo repensa a ca-


tegoria da relação para estabelecer ícone. Muda de
o
registro, pois,
partir do momento em que alguém aborda a questão icônica,
se ressituar na
precisa
ordem econömica,
que é, precisamente, a da gestão da
mudança de registro.
E no
Organon que ele vai buscar seus
non trata das argumentos, poiso Orga
da
definições, da homonímia, da sinonímia e da categora
relação, Aristóteles é o instrumento através do
discurso teológico serão
qual as aporias do
reconduzidas
totalidade a um puro
em sua
problema de
linguagem. Se retomarmos
o tratado das

essências não podem ser relativas Categorus


nele leremos
que as
O4sia ton
pros ti estin"|,.° |"oude
skhésis, Nicéforo lhes dá um Jogando alternadamente com o prOs t ea
CcOm a sentido técnico, totalmente articulado
questão icónica... arte
Assim, o Filho tem uma dupla relaça0: uma
u

118
Marie-José Mondzain
com
Pai. que é pura intimidade essencial, e outra com a humanida
a e é uma relação de identidade relativa, por
submetida às estar
co
dicões visíveis e sensiveis de nOSso mundo. Se o Cristo carnal
ntinua a ser uma imagem do Pal-1ogo, uma imagem natural, no

omento em que ele assume a morpne numana-, também é preciso

que 1uma relação de economia de similitude |homoiosis kat' oikono-


9mianl se dê entre Deus e seu Filho, um efeito de distribuição que tem

por fim o temporal.


mundo

Dizer que Jesus sempre permaneceu como a imagem do Pai pode-


ria ser compreendido da seguinte maneira: Cristo tinha que ser, ne-
cessariamente, o mais beloe mais inteligente possível dos homens,
poupado do sofrimento e da mortalidade, com a imagem natural
conferindo ao visível toda a manifestação distribuída de sua perfei-
ção. Essa era u m a solução sem saída, que conduziria à inutilidade do
sacrifício, uma vez que ele não mais se assemelharia a nós. Por con-
seguinte, o impasse da Redenção destruiria qualquer esperança de
salvação para nossa fraqueza e nossa mortalidade. Portanto, era pre-

imperfeição; ele nos salvaria sendo


CISO que ele partilhasse da nossa

semelhante a nós. Em outras palavras, a imagem natural do Pai con-


cordou em nos imitar. Fez-se semelhante a nós, exceto pelo pecado.
do Pai e e feito a
Assim, Cristo é duas vezes imagem, pois é imagem
do homem. Intendente [oikonomos] da imagem paterna, ele
imagem
mime-
nos ensina a imitar, submetendo-se,
ele mesmo, à imitação. A
for
de um modelo, seja qual
o
ticacristica, portanto, não é imitação homem sao s e u
nem Deus nem o
nvel em que a consideremos, já que
à imagem, Visto
qual a imagem se liga
modelo. A mimese é o ato pelo
se fez carne.
A partir dai, o
que a imagem é o protótipo. A imagem
queserá a carne de nossas imagens?
n o s s a s mãos impertel
o u t r a questão:
poderão
como
imagem de tama
*1evanta

pecado produzir
tas olhar enevoado pelo transitoria
assu-
carne
presente, a de
que, n o
perfeição, ainda mais dar à inspiraçao
d presente para se

pelo Verbo já não está


da melancólica
inspirou
constatação fei-
nossos olhos? Sem dúvida,
essa
isto e, não
aquiropoéticas,

divi-
imagens
parcialmente a tradição das produzidas pela
graça
modelo
milagrosamente
tas pela mão humana do iconógrafo ao
e
fidelidade
l a deu chance à mais alta

Imagem, icone, economia


119
real, já que as imagens eram a marca direta deste, sem diod

sem mácula. Mas os cânones observados pelo iconógrafo iá a distancia e


cam com clareza que a verdadeira soluçao cncontra-se alhur indi-
ordem doutrinal e só pode surgir ao termino de um debate Ede
sentido real da mimética e da graça. A ideia da marca e do vea sobre o
que alguns gostam de
chamar de ndicio, com frequência vestigio,
encont a
ícone. Trata-se, pois, de justificar
cco, é claro, na doutrina do a
Ihança da figura com um original ausente, e nao a submissão
seme-
10 um
modelo real. Substituído pela metáfora da chancela e da
da cera .
cera, o traço
indicial é tão inseparável da história de nossas imagens quanto da
história da mancha e do sangue, pois a imagem está fundamental
mente ligada à questão da auséncia e da morte. Aqui, porém, consi.
deramos o ícone em seus componentes doutrinais, mais que em seu
aspectos miticos ou fantasmaticOs, dos quais Ewa Kuriluk fez um
um
estudo tão completo quanto estimulante.20
Na perspectiva aqui escolhida, e a ideia do grato e da inscricão
iconica que nos retém. Nela, o icone separa-se categoricamente
dos
indícios da tradição aquiropoética, mesmo que a
lendária existência
de imagens não feitas pela mão humana tenha alimentado
largamen-
te a
imaginação iconográfica, e mesmo que o tema da verônica tenha
estreita ligação história das reliquias e com os
com a
mitos fundado-
res da iconicidade. Voltaremos a isto
em outro
ponto.
O ícone relaciona o visível e o invisível sem
fazer concessão ao rea-
lismo, mas sem
desprezar a matéria. Com abriu, graças à rela-
isso se
ção, uma reflexão sobre o sentido de sua
tornar-se
abstração, ea economia pôode
a
principal operadora dessa relação "abstrata que caracte-
riza a
semelhança formal e intencional do ícone com seu modelo.
Trata-se da questão da
homoiosis icônica, ou semelhança formal
que não pode reduzir-se aos componentes
1sto é, do plásticos do homnoioma,
fac-símile, da cópia material. O modelo é chamado de h
postase, pelo que se deve
entender que o Cristo histórico é a manites
tação existencial de Deus
numa unidade sintética que liga misterio
Samente, sem
confundi-las
natureza humana e a
nem
convertê-las, duas naturezas:
natureza divina. Essa unidade tática
apareceu no mundo visível da
carnação, Quando se colocou a história no chamado momento da eu
questão icônica, esse eved
evento já data
120
Marie-José Mondzain
mais de oito séculos, e então
va de se debateu a
natureza de
presença corrente, de sua memoria e seu culto. sua

A questão geral daimagem sempre recai sobre o


a n t o ao ícone artificial, o termo homoiosis
termo eikon
ressurge por toda par-
como conceito geral da
similitude, ao passo que a análise
ersificar, se náo suas especies, a0 menos seus tende a
aspectos. Para
contemplar a especificidade da hon1o1osis e preciso retomar aspoder
defi-
nicões que permitem caracterizar o VOcabulário icônico.
Em sua ma-
turidade, o ícone denominado apeikasma, eikonisma
é
e, por fim,
homoioma, associado a ektypoma, que novamente
designa a cópia e
o éctipo. Só se pode captar ai a neutralidade da coisa inanimada ar-
ticulando de imediato o stochasma: objeto como qual se almeja a
derivação do semelhante [paragoge tou proseoikotos].
Deixemos a palavra com Nicéfor0:

O arquétipo é o principio e o modelo subsistente sob a forma vi-


sivel e é a causa da qual deriva a semelhança. Eis a definição do
Ícone, tal como se poderia formulá-la para todos os ícones artifi-
ciais: o icone é uma réplica do arquétipo, nele se acha impressa a
totalidade da forma visível daquilo de que ele é a marca, e isto,
graças à semelhança. Ele só se distingue de seu modelo pela sim-
ples diferença de essência que deve à sua matéria. [Outra defini-
çao: a imagem artificial é uma imitação do arquétipo, uma cópia,
e ditere então [do modelol pela essência e em seu substrato. [Ou-

realização dotada de forma visível


na
tra detinição:] ele é uma
modelo pela essência
imitação do arquétipo, e difere também do
Cm seu substrato. Com efeito, quando ele em nada difere do
Por conse-
auetip0, não é ícone, mas apenas o arquétipo. tem uma
um
de seres que
8uinte, o icone é uma réplica, uma efígie

Subsistência própria.22
me
modelo, seu registro e
designa o
ato a 0 vocabulário que
em sua
referencia, uma dual
ele implique,
4 p l o , E, ainda que
ambiguidade.
E chamado
dade dutível, está longe de ter a mesma

tormal e não
substrato
mate-

de bypostasis, hypokeimenon, ou seja,prototypon. Em sua economia


rial E também archetypon e forma visível, morphe,
cOne, seja,
eidos, ou

al, Cristo aparece como

Imagem, icone, economia


121
forma sensível, skhéma, figura, character, traço do rosto ou da si
lhueta, typos, imagem como signo ou marca, e, portanto, menos pro-
priamente icônico do que o símbolo.
Como Nicéforo aborda a relação?
Creio não ser despropositado, agora, acrescentar isto a meu dis-
curso, ou seja, que o ícone tem uma relação |skhésis] com o ar-
quétipo, e que é efeito de uma causa. Por essa razão, o ícone
precisa existir entre os relativos [pros til e ser enunciado como tal.
Os relativos, justamente os que existem, dependem de outra coisa
que não eles mesmos e trocam reciprocamente suas relações [an-
tistrephei te skhései pros allela). Por exemplo, o pai é pai do filho
e, inversamente, o filho é filho do pai. O mesmo se dá com a rela-
ção de amizade que liga amigo a amigo, com a que liga a direita
à esquerda e, inversamente, a esquerda à direita. Da mesma for-
ma, o senhor é senhor de um escravo, e vice-versa, e poderíamos
continuar falando de pares similares.24

Nicéforo segue bem de perto o capítulo 7


das Categorias: "Cha-
mam-se relativas as coisas
cujo ser consiste, todo ele, em serem tidas
como dependentes de outra coisa."25
Aristóteles não fala em imagens
nesse ponto, mas nem
por isso deixa de dizer algo que é capital para
nós: que o semelhante é um
relativo, e acrescenta que todos os re
lativos têm seu correlato, como o senhor e o
pros ti pros
escravo ["panta de ta
antistrephonta legetai"]. Maso patriarca, por sua vez,
prossegue:
Assim, po1s, O
arquétipo é arquétipo de um ícone, e o icone e
nagem de um
arquétipo. Quem afirmasse o ícone fora da
não poderia mais afirmar que ele é ícone relação
de algo.2
Mais acima, ele já havia feito
alguns esclarecimentos precisos
Como se, por
exemplo, ao falar de um homem, não mais se
se que seu
icone se parece com disses
icone. Em outras ele, mas que ele se parece com scu
palavras, é como se, invertendo os termosGa
relação, o ícone e o modelo
e
inalterável, e como se fossepudessem manter uma relação identica
possível afirmar que existe nao
homem, mas que há homem do ícone. Com baseap
nas icone do
c

122 Marie-José Mondzain


tais premissas, podemos doravante indagar quem,
a causa do outro e
qual deles e
se o ícone su
anterior ao outro,27

Cecas passagens sao intelramente permeadas pela preocu


eslica que nos
aristotélica
poe em
guarda contra a conversão
c Correlatos. Aristoteles diz claramente que há uma inadequada
ral dos termos da
simultaneida.
relação, mas que alguns relativos têm uma
inferioridade necessaria no
cotejo com seus
correlatos 28 Ele citaa
como exemplo o objeto
da Ciencia, que tem uma anterioridade de
fato em relação à ciencia. E verdade que Nicéforo
insiste na anterio-
ridade do protótipo. Mas, sendo a honoiosis um saber
não
[gnosis], o
modelo pode participar do mesmo tipo de anterioridade que o
obieto da ciencia em si. A noção que Nicétoro se abstém de analisar
com mais rigor é a de causa. Ja no caso da
imagem natural, a relação
do Pai com o Filho, graças à oikonomia, tinha absorvido habilmente
problema da relaçao causal; aqui, da
o n0
campo imagem artificial,
o protótipo torna-se a causa objetiva do ícone. Materialmente, Cris-
to ja nao pode estar na origem de seu icone; formalmente, porém, ele
continua a informar o mundo sensível, na própria medida em que
este mundo tende para ele; oferece-lhe esse espaço vazio [kénon] que
um dia foi o lugar de sua encarnação e que permanece doravante
como o lugar de sua manifestação. Entre o ícone e o protótipo há
uma relação que não é outra senão a que liga a ciencia a seu objeto,
pOis a mimese é uma gnose relativa.
O homoion aristotélico, imediatamente tomado como relativo, de
nicio é delimitado como cópia [homoioma), isto é, como imagem
tabricada lapeikasma kata tekhnen]. E a dimensão do perigraphe
de apo-
Ontorno), no sentido estrito, que Nicéforo também chama
a mimne
a tes tékhn s kata mimesin: realização da arte segundo ele? dua
consiste
POrtanto, diferente da mimese em si. Em que
A visibilidade do
Ccaracterística é ser essencialmente gráfico. lodos
como visada pela cópia na condição de stokhasma.
a l do homoioma inscrevem o corpo de Cristo na matéria
OS aspectos

reterente
Como sua impr Assim, a exigência
aristotélica
à boa
à dos[typos].
boo atr npressão correlatos é respeitada. Não são as essenclas
atrl-
que são correlativo, bem
V a s , mas apenas o
relativo e o

Imagem, icone, economia


123
buídos. Ou seja, neste caso, circunscrito, circunscritível.
ção. O bomoioma é um relativo. cunscri-
Ser a imagem é tender para o modelo, é ser em direção a el
lembra claramente Santo Tomás: "A relaçao, por sua
sua razão
razão essenci omo
não é alguma coisa, mas é para alguma cOIsa [non habet au a l
aliquid, sed ad aliquid."29 ponat
E próprio da homoiosis, que designa a similitude na rela
nica, mediar os termos extremos |mesiteuei tois akrois ico-
que "é a própria hipóstase que podemnos ver no icone
rois], de modo
one daquele
daquele oque
pintado". O ícone mimeitai, isto é, torna presente e visível a
com o Verbo [pros logon], que é ad-verbum,
para parafrasear
relaç
tre Eckhart, que fala do homem e da Mes-
imagem como advérbios. Se .

ícone é mimético, donde "adverbial", as imagens o


anteriores, como
mo
o Cordeiro, não tèm outro estatuto Senao o
pro-verbial". A mi
mese designa, portanto, o homoioma como vazio dirigido.
Escreve
G. Ladner:30

Para os Padres da Igreja bizantinos, a identidade entre a ima-


e os

gem e o
original não existe nem em função da forma material da
imagem, nem com a natureza do original (...). A
nas formal, ideal, identidade é ape-
uma identidade relacional
ou o
pros ti). (segundo a skhésis
E isso que nos
permite falar de semelhança formal,
a homoiosis icônica em sua para traduzir
forma se inclua totalidade, mas desde que o conceito de
pria relação não completamente categoria da relação e que a pro-
na
designe dependencia, mas a
a
Nessa
perspectiva, o iícone
talvez orientação.
ao
processo abstrato. No seja melhor
a
introdução histórica
jetiva, bem próxima da ícone, a forma
tem uma realidade não ob-
Cuidar da forma advertência feita por Mondrian de "não mais
como forma". A
tao
grande quanto a que se
exerce
indiferença à realidade empirica
ficticia que em
relação a uma beleza ideal
na da
faça a
mimese entrar na o
ordem
admitirrepresentação.
da referência,
Por mais difícil eo lco
que ícone
o que isso possa
um quer
ausente. Cristo não representar, naparecer,
er, convem

está no inscrição gráfica, a graçade


Bay
retirar dele. Emícone, o ícone volta-se para
nao
para de
para Cristd que
Cristo,
se
sua
retirada, ele confunde
de o olhar e,
o
124
Marie-José Mondzain
norsua vez, se faz olho e olhar. So podemos
compreender a nature-
7a dessa retirada pensando nela sobo duplo registro
que a constitui.
O primeiro traz a marca da ausência do modelo. A
propriedade ana-
gógica do ícone conduz-nos a um lugar do qual ele é o
itinerário, a
Dista. A expressão "visão icônica" é o olhar do ícone na volta
ininter-
rupta dos encontros face a face. Assim, uma vez que o ícone homoió-
tico tem por função relacionar a forma humana com o Verbo
divino,
ele é uma mimese da própria encarnação. "Quem
recusa a
recusa a encarnação", "Quem recusa a imagem recusa a economia":
imagem
é assim que convém compreender o papel existencial do ícone. Na re-
lação que liga a tékhn à mimese ocorre o mesmo
que na relação que
liga morphê
a ao logos. No terceiro Discurso sobre as
imagens,3 João
Damasceno escreve: "Para cada coisa, aquilo que é segundo a nature-
zavem primeiro, e só depois vemoque é segundo a convenção |thesin]
e segundo a mimese." Assim, a mimese não está mais perto da essência
doque estava a simples cópia material. E seu correlato icônico.
Não há nada de surpreendente em que a noção aristotélica de
mimese se veja aos poucos contaminada pela de kharis, como analisa
E. Kantorowicz.2 Se necessário, essa contaminação mostra ainda
que, em matéria de imitaço, a mimese só visa a atualizar a encarna-
u seja, a propagar ininterruptamente a oikonomia como rela-

ção. Assim se confirma o antigo privilégio da visão sobre a fala, tal


como ainda é lembrado por Teodoro Estudita: "opsis protera
akouer". Kantorowicz cita um número considerável de exemplos,
extraidos da patrologia grega e latina, nos quais os pares physis-mi-
mesis ou natura-imitatio, e depois physis-kharis, ou seja, natura-gra-
ia, designam a relação que vai da teologia à economia e depois, mais
precisamente, de Deus ao homem. Ele assinala que esses pares cor-
respondem de modo muito natural à oposição "possidere aut conse-
qut. Assim, São Jerônimo escreve no Tractatus in librum Psalmo-
u:Quod dii sumus non sumus natura sed gratia.
celebre diferença tem origem no Salmo 82 (81), que nao parou
divindade: "Vós
Teinterpretado quanto à significação de
nossa

SO1Sdeuses, sois todos filhos do Altíssimo."


Vlas haverá realmente uma substituição da imitação pela graça,
intercam-
1 Z Kantorowicz? Esse autor considera que elas são

Imagem, icone, economia 125


biáveis e que a primeira tende a ser abandonada por seu caráter do
masiado antropocentrista. A graça conferiria a Deus apenas o Doda.

conceder possibilidade de uma relaçao contemplati


centrífugo de a
va. Pessoalmente, não creio nisso, pelo menos no que concerne an

texto niceforiano. Ao lê-lo, realmente parece que a homo1osis guarda

em sua densidade sensível todas as propriedades relacionais do ho-


moiamae da mimese. Parece tambem que isso equivaleria a despre.

zar toda a vertente da economia, que garante a perenidade das trocac

entre a matéria sensível e a essencia. Mas, sobretudo, impediria con


ferir-se o justo valor àideia de saber lgnoSis] de que fala Nicéforo.
Talvez sob a influência do modelo aristotélico, a relação permanece
como uma visada especítica não apenas do gesto e do olhar, mas da
inteligência humana, já que nos faz conhecer a hipóstase sem "repre-
sentar" seu objeto, mas respeitando sua anterioridade e sua ativida-
de. O que a graça não faz e que a mimese produz é a contemplação
sensível de uma ausência resplandecente, feita pela mão humana. A
homoiosis tem seu lugar no trabalho humano para saber e para ver.
O icone quis bancar a aposta de que uma imagem feita pela mão do
homem podia renunciar a representaro real e preferir atrair para si
o olhar da verdade. Kandinsky dizia3" que havia pessoas que, partin-
do para Berlim, desembarcavam em Ratisbona, ou seja, julgavam ter
chegado ao porto certo, quando só haviam percorrido metade do
caminho. Nesse sentido, pintores e pensadores ortodoxos talvez se
recusassema desembarcar em Ratisbona. A nosso ver, não o deve-
riam apenas à graça, mas também ao rigor de que se revestiu a dou-
trina mimética por algum tempo. Identificar depressa demais a mi
mese com a
graça deixaria transparecer a vontade ardente, polêmica
e teórica de constituir
o único olhar
possível para a visibilidade ao
invisivel. E essa, em síntese, a perspectiva iconoclasta. Mas não ha
duvida de que as chances de
chegar a Berlim só existem porque
correlato da mimese é a
graça. Dito de outra maneira, é pelo rato
a
relaçao entre a imagem natural e o ícone ser uma operaçao ac eco
nomia
carismática, estabelecida com base no modelo da encarnaça
que sombra icônica se colore,
a a)
por sua vez, e a cópia (homo1om
torna-se mimética. O saber
sobre a hipóstase dada pelo 1co mime
OC
sustentado, por sua vez, pelo conhecimento que a
upo

126 Marie-José Mondzain


nksAssim, ver inmplica ser Visto. O icone
nos
tem

por seu turno, o ollhar de Deus para a


contempla.
carne do
torna
torna-se,

Jescobre apanhado no circuito das


des contempla-
dor que
dor
se

nadoras. A carne
relações informadoras
e transformadora
transtigurada pelo icone
olhar que
se volta para ela. O icone entra em
ação; é
transfigura o

não
eficaz, não o
oobijeto de um fascinio
passivo. Convém
um
operador
entender assim
colato, incessantemente renovado, da
re emoção que estreita e aue
converte à visão do ícone. O problema das imagens
miraculosas não
pode ser evocado aquipor seu
angulo sociológico,
gico. Em termos de mimésis e de psicológico
kharis, é da força efetiva do cor
ou

no icônico como agente transtigurador que se trata. Ele trabalha na


ri dência da manifestatio. Quem o vêse ve.
Quem o vê é visto. O
icone tira do seu estatuto relacional e
especulativo uma força que
explica papel
o
que pode exercer em
Bizäncio, na vida civil, adminis-
trativa e ijurídica. Funcionou como uma
presença etetiva, a presença
de umolhar que garante e nao pode enganar. Nascido
sob o signo da
relacão, rege todos os contratos. Mas a presença do olhar
icônico
não pode ser
qualificada de presença real. Na imagem artificial, é a
pressão da ausência que cria todo
peso da autoridade. O ícone nos o

ensina que a economia dos olhares nunca substitui as


pessoas em
quem esses olhares encontraram a carne sensível. Como
não se trata de representação. O
já dissemos,
que dita a lei no ícone é aquilo cuja
falta ele representa para nós. Ele é a
figura efetiva e eficaz da falta
que modelo divino de toda economia assumiu na
o
"kenose" [keno-
Sis, em seu
aniquilamento.
O ícone talvez não tenha tido
outro modelo senão sua
finalidade, a saber, a experiencia visível de uma verdade da própria
presentifica a marca na carne e
qual ele
a graça no horizonte. Assim, o olhar
que contempla produz a verdade do ícone, a verdade como relação
Existencial. Por
Seu
conseguinte, a forma
inobjetiva e se fixa em
torna-se
vazio, O evidente desinteresse do ícone pelo realismo, assim
COmo pela realização estética à moda
antiga, atesta seu combate
acerbo contra os simulacros da
morphé. O protótipo é interno no
cOraçao deserto do ícone. E. Kitzinger faz uma análise muito chea
de nuances das
influencias estilisticas que foram exercidas no ícone. 4

Admira-se com o fato de que, às vésperas da crise iconoclasta, a ten-

Imagem, icone, economia 127


Assim,
ver
v er implica ser visto. o icone nos
contempla.
n0S.

tem
de eu turno, o olhar de Deus para a carne do contempla-
seu i
por
t o r n a - s e ,

descob
apanhado no circuito das relações informadoras
se
dor, que
formadoras. A carne transfigurada pelo icone transfigura o
ela. O cone entra em açao; é um
que se
volta para operador
olhar q
olhar objeto.de
objeto um fascinio passivo. onvém entender assim
não o
eficaz,
rolato, incessantemente renovado, da emoçao que estreita e que
o relato, incessante

à visão do ícone. O problema das imagens miraculosas não


converteà
pode
ser
evocado aqui por seu ângulo sociológico, psicológico ou
Em termos de mimésis e de kharis, é da força efetiva do cor-
mágico

icônico como agente transtigurador que


se trata. Ele trabalha na
po
evidEncia da manifestatio. Quem o vë se vé. Quemo ve é visto. O
icone tira do seu estatuto relacional e especulativo uma força que
explica o papel que pode exercer em Biz nci0, na vida civil, adminis-
trativa e jurídica. Funcionou como uma presença etetiva, a presença
de um olhar que garante e nao pode enganar. Nascido sob o signo da
relação, rege todos os contratos. Mas a presença do olhar icônico
não pode ser qualificada de presença real. Na imagem artificial, é a
pressão da ausência que cria todo o peso da autoridade. O ícone nos
ensina que a economia dos olhares nunca substitui as pessoas emn
quem esses olhares encontraram a carne sensível. Como já dissemos,
não se trata de representação. O que dita a lei ícone é aquilo cuja
no
falta ele representa para nós. Ele é a efetiva e eficaz da falta
figura
que o modelo divino de toda economia assumiu na "kenose" |keno-
sis, em seu
aniquilamento.
O icone talvez não tenha tido outro modelo senão sua própria
finalidade, a saber, a experiência visível de uma verdade da qual ele
presentifica a marca na carne e a
horizonte. Assim, o olnar
graça no
que
contempla produz a verdade do ícone, a verdade como relaçao
AIStencial, Por
u
conseguinte, a forma torna-se inobjetiva e se fixa emn
vaZio. O evidente
desinteresse do ícone pelo realismo, assi
pela realização estética à
acerbo contra os moda antiga, atesta seu combatc
simulacros da
Coração deserto do ícone. E. morphé. protótipo
O é interno no

nuances das Kitzinger faz uma análise muito cheia


influências estilísticas que foram exercidas no ícone."
Admira-se com o fato de que, as vésperas da crise iconoclasta, a ten-

Imagem, icone, economia 127


dencia que prevalecia fosse a que ele chamou de abstra
que a expansão do realismo helenístico é que deveria ter justifi julgando
a reação iconofóbica. Ora, se acompanharmos nosso raciocínioac stificado
iocínio acer-
ca do pensamento econômico e sua unidade gráfica, doutrinalle po-
Ihtica, veremos que é justamente a abstraçao do icone que est

questão no debate com o iconoclasm0. Alias, e impressionante a


em
meio século antes, Wilhelm Worringer tivesse dado o exemnloque,
arte bizantina para ilustrar a tendencia para a abstração, em contras
da
te com a Einfiühlung [compreensão, empatia|. Quando vão Dar
de talar em iconoclasmo a propósito da abstração?
Já não conviria opor categoricamente a doutrina oriental do ico
ico-
ne à relação com a imagem, tal como a encontramos na arte ociden-

tal. Abre-se aqui uma análise que provaria, ao contrário, que as


s
maiores obras pictóricas da arte ocidental também decorrem, neces
sariamente, num lugar em que nem sempre sao percebidas, de uma
relação existencial com a presença de um vazi0. Deve-se entender
por isso que, em seu vazio secreto, elas permanecem fielmente indife-
rentes à representação, para manter entre seu centro invisível eoes-
pectador uma skhésis, um pros ti, onde se articulam as polaridades
miméticas. Toda grande arte é "kenótica".

b. O traço, vazio e corpo da Virgem [graph


o o -

perigraphe]
O que significa, em seus
princípios e suas consequências, a tigura-
ção de um rosto captado no espaço icônico e constituído por um
encaixamento de formas fechadas? Para iconófilo, a inscrição pic
o
tórica do corpo não é, em
absoluto, uma circunscrição que aprisio
ne e limite esse
corpo. O iconoclasta, por seu turno, declara emano
e bom som
que tal gesto encerra e limita a infinitude divina, o i
clausurável do Verbo.
E
preciso tomar cuidado para não considerar a mo
um peso
encarnaçao
corporal do Verbo que se houvesse enchido de carne Não
se pode encher o
infinito. O Verbo A carna
iluminou
ção, chamada sarkose, a partir dos textos paulinos tambemendesig
uma carne.

nada pelotermo "kenose". esva


Quando o Verbo se fez carne, ee
Z1ou. Esse esvaziamento
da encarnação se encontra, por s u a vez,
na

po

128 Marie-José Mondzain

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