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O MELHOR AMIGO também não tem nenhum direito

nesta casa – pensava. Um dia ainda


faço um estrago louco. Meu único
A mãe estava na sala, amigo, enxotado desta maneira!
costurando. O menino abriu a porta – Que diabo também, nesta
da rua, meio ressabiado, arriscou casa tudo é proibido! – gritou, lá do
um passo para dentro e mediu quarto, e ficou
cautelosamente a distância.                                esperando a reação da mãe.
Como a mãe não se voltasse – Dez minutos – repetiu ela,
para vê-lo, deu uma corridinha em com firmeza.
direção de seu quarto. – Todo mundo tem cachorro,
– Meu filho? – gritou ela. só eu que não tenho.
– O que é – respondeu, com o – Você não é todo mundo.
ar mais natural que lhe foi possível. – Também, de hoje em diante
– Que é que você está eu não estudo mais, não vou mais
carregando aí? ao colégio, não
Como podia ter visto alguma faço mais nada.
coisa, se nem levantara a cabeça? – Veremos – limitou-se a mãe,
Sentindo-se perdido, tentou ainda de novo distraída com a sua costura.
ganhar tempo. – A senhora é ruim mesmo,
– Eu? Nada… não tem coração!
– Está sim. Você entrou – Sua alma, sua palma.
carregando uma coisa. Conhecia bem a mãe, sabia
Pronto: estava descoberto. que não haveria apelo: tinha dez
Não adiantava negar – o jeito era minutos para brincar com seu novo
procurar comovê-la. Veio amigo, e depois… ao fim de dez
caminhando desconsolado até a minutos, a voz da mãe, inexorável:
sala, mostrou à mãe o que estava – Vamos, chega! Leva esse
carregando: cachorro embora.
– Olha aí, mamãe: é um – Ah, mamãe, deixa! –
filhote… choramingou ainda: – Meu melhor
Seus olhos súplices amigo, não tenho mais
aguardavam a decisão. ninguém nesta vida.
– Um filhote? Onde é que você – E eu? Que bobagem é essa,
arranjou isso? você não tem sua mãe?
– Achei na rua. Tão bonitinho, – Mãe e cachorro não é a
não é, mamãe? mesma coisa.
Sabia que não adiantava: ela – Deixa de conversa: obedece
já chamava o filhote de isso. Insistiu a sua mãe.
ainda: Ele saiu, e seus olhos
– Deve estar com fome, olha prometiam vingança. A mãe chegou
só a carinha que ele faz. a se preocupar: meninos nessa
– Trate de levar embora esse idade, uma injustiça praticada e eles
cachorro agora mesmo! perdem a cabeça, um recalque,
– Ah, mamãe… – já compondo complexos, essa coisa.
uma cara de choro. – Pronto, mamãe!
– Tem dez minutos para botar E exibia-lhe uma nota de vinte
esse bicho na rua. Já disse que não e uma de dez: havia vendido seu
quero animais aqui em casa. Tanta melhor amigo por trinta dinheiros.
coisa para cuidar, Deus me livre de – Eu devia ter pedido
ainda inventar uma amolação cinquenta, tenho certeza que ele
dessas. dava murmurou, pensativo.
O menino tentou enxugar uma
lágrima, não havia lágrima. Voltou
para o quarto, emburrado: A gente
Leia a Crônica de Mário de Andrade. Um velhote movia o torneio batendo
O caso da aranha no bumbo e tirando solfa. Mas o
ganzá era batido por um paizote que
Este primeiro dia de Paraíba tem
não tinha 6 anos, coisa admirável.
que ser consagrado ao caso da
Que precocidade rítmica, puxa! O piá
aranha. Não é nada importante,
cansou, pediu pra uma menina fazer a
porém me preocupou demais e o
parte dele. Essa teria 8 anos certos,
turismo sempre foi manifestação
mas era uma virtuose no ganzá.
egoística e individualista.
Palavra que inda não vi, mesmo nas
Cheguei contente na Paraíba com
nossas habilíssimas orquestrinhas
os amigos, José Américo de Almeida,
maxixeiras do Rio, quem exercesse a
Ademar Vidal, Silvino Olavo me
paraibaninha na firmeza, flexibilidade
abraçando. Ao chegar no quarto pra
e variedade de mover o ganzá. Custei
que meus olhos se lembraram de
sair dali.
olhar pra cima? Bem no canto alto da
Os coqueiros soltos da praia me
parede, uma aranha enorme, mas
puseram em presença da aranha. O
enorme.
passeio estava sublime por fora, mas
Chamei um dos amigos, Antônio
eu estava impaciente, querendo voltar
Bento, pra indagar do tamanho do
pra ver se acabava duma vez com o
perigo. Não havia perigo. Era uma
problema da aranha.
dessas aranhas familiares, não
E fiquei em presença da aranha
mordia ninguém, honesta e
outra feita. Olhei pro lugar dela, não a
trabalhadeira lá ao jeito das aranhas.
vi. Foi-se embora, imaginei. De
Quis me sossegar e de fato a razão
repente vi a aranha mais adiante.
sossegou, mas o resto da minha
Está claro que a inquietação
entidade, sossegou, mas foi nada! Eu
redobrou. De primeiro ela ficara
estava com medo da Aranha. Era
imóvel, sempre no mesmo lugar.
uma aranha enorme.
Agora estava noutro, provando a
Tomei banho, me vesti etc. fui
possibilidade de chegar até meu sono
jantar, voltei pro quarto arear os
sem defesa. Pensei nos jeitos de
dentes, ver no espelho se podia sair
matá-la. Onde ela estava era
pra um passeinho até a praia de
impossível, quarto alto, cheio de
Tambaú, mas fiz tudo isso aranha.
quarto alto, cheio de frinchas e de
Quero dizer: a aranha estava
badulaques, incomodar os outros
qualificando minha vida, me
hóspedes fazer barulho. A aranha deu
inquietava enormemente.
de passear, eu olhando. Se ela
Passeei de um passeio
chegar mais perto, mato mesmo. Não
surpreendente na Lua-cheia. Logo de
chegou. Fez reconhecimento e se
entrada, pra me indicar a
escondeu. Deitei, interrompi a luz e
possibilidade de bom trabalho musical
meu cansaço adormeceu,
por aqui, topei com uns sons dum
organizando a razão.
coco. O que é, o que não é: era uma
Faz pouco abri os olhos. A aranha
crilada gasosa dançando e cantando
estava sobre mim, enorme, lindos
na praia. Gente predestinada pra
olhos, medonha, temível, eu nem
dançar e cantar, isso não tem dúvida.
podia respirar, preso de medo. A
Sem método, sem os ritos
aranha falou:
coreográficos do coco, o pessoalzinho
- Je t’aime.
dançava dos 5 anos aos 13, no mais!

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