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AGENTES DA FE Neat een a ag A RO Oh DANIELA BUONO CALAINHO wll) INTRODUGAO Polémica ¢ controvertida, a Inquisiga6 tem side campode studios cada vez mais freqlientado nos dltimos anos pelos his- = teriadores de diversos paises, ora voltados. para a Inquisigio Papal, de origem medieval, ora para as Inquisigdes iberie demon strando-sc, assim, a riqueza das fontes inquisitoriais¢ de complera trajet6ria daquela instituigao. Surgida na Baixa Idade Média com 0 objetivo de comba: ter desvios heterodoxes considenidos “heréticos" ~ e que nio ‘aro éSpressavam movimentos de camponeses oprimidos pela exploragao Feudal — a Inquisigio articulou-se como modelo das _inauiigbes’ episcopais. Foi aos Bispos, primeiramente, que Roma concedeu padres inquisitoriais, certamente com @ aval dlos principes curopeus, inguietos com a desordem que as“here- sas’ podria provocarina estrutura social da época, Mas ainda os sécttlos [3 14, a Inquisigdo adq suboriinada ao Papa e delegida aos Dominicanos, foi de suma importincia na devassa dos citaros na Idade Média tardia.’ Foi | HAMILTON, ternard. The medieval Ingudiiom, London: Eaviand Amok, 1981. p,21-22, 21 Fanaa também nessa época que a religiosidade popular, a tum 56 tempo /paghc crist2, comegot a ser perseguida sab 0 rétulo de“Teitiga- ria’, e [4 no século 14, apareceria 0 Mania eos Inquistdores, de ‘Nicolau Eymerich, notdrio guia de inquisigao que iria marcar as argilig6es do Santo Oficio nos século seguintes. Mas se a Inquisigio &,no-senso comum, associada A intole- riincia da Idade Média, foi sobretudo nos Tempos Modernos que conheceu 0 apogen. De um lide, vemos ressurgit tradicional Inquisicio papal, atenta ndo #6 aesdesvios dacultura como «aso e-Giowano Bruno e outros, mas também aos desvios da cultura popular suspeites de bruxaria ou, prineipalmente, de contamina {20 pelas Reformas Protestantes vitoriosits no século 162 De outro fade, vemos erigit-se a Inquisigto tbérica, na Espanha a partir de 1478 € ern Portugal apds 1536, voltada prio ritariamente para a perseguigl0 aos cristos-niovos, jtrdeus con= vertidos a fora do catolicismo, e durante séculos suspeitos de apostasia pelo aparelho inquisitorial” Tratou-se, nese aso, ce ‘uma Inquisigio régia — suberdinada-aes monareas ~ iniportan- tissitia na Espanba pars a unificagio politica nacional, Perry ‘Andetson, sonsiderando a Inquisigao jbética camo uma “inves «ao singular na Europa’, entendia-a'como 2 Endewsmen conceio de cules de Calo Gianburg qua define somo mais de discursos, formas ds conscidnis, erengas « hibitos telicionadas a determinado grupo historcamente determina CLGINZBURG, Cato. quae rermes a cotiliano eases ‘& um mleite penegoido pels Inqusido. Sin Paulo: Ci dis Tetras 1987 15-33. Tad Cho complete cstudo de RETHENCOURT, Fancica, Histiia is ingides Portugal pana Illa shou: Temas Bebe 1935, No Hlucidro as ptr. terns € fses que emt Por ange Foe teacanon efoje mularmentese joni do Viterbo, pes- fos signin sero db Fe que proses (Lio, 1865, ¢ 2 age ‘Unica Instituto unitéria “espanhol” 1 Peninsula, um clbarado, -apureo ideoligico que compensana a divisio edispersio adminis trata do Estado, A despeito do predaminio de “judaizantes” entre os.réus dos Tribunais espanhol« portugués, o Santo Offsio dedicou-se a perseguigio de outros hereges, inclusive 08 que, transgredinilo a moral oficial em certas eireunstancias, foram considerades sus- peitos de heresiat bigumes, feiticeiros, todomitas, blasfemos, Juteranos, solicitantes, ‘A s@20 inquisitorial na Peninsula ibérica ennas suas eol6nias fora essential ao projeto disciplinador e moralizante preconizado pela Contra-teforma e pelo Concifio de Trento (1525). A cruzada tridentina visava, antes de tudo, fortalecer a catolicismo frente a0 avango protestante, reafirmando dogmas, sacramentes, im pondo rigida disciplina cclesidstica e.xeforgando a autoridiade episcopal Para tanto, era fundamental a depuracto das moralidades popula- 168 € a extirpagio das heresias, evangelizando a5 massas e reorde- ando a sociedale em diregio a0s valores genuinamente cristios.’ ‘© sentido missiondrie da colonizayo no Nava Mundo -lcu-nos © Pe, Ant&nio Vieira, perfeitamente integrado ao espi- nito de ‘Trento, considerando que os portugueses, para além de sua obrigagio de ter f@, tinkam o dever de a propagar: ‘Depurar a religiosidade popular na Coldnsia,meselada aos ta ‘50s indigenss,africanos e judaicos, bem como as “transgressoes” de ‘order morale sexval, foi a missio a que se impuseram iniciatmente 4 PERRY, Anderson. Linhogins do Esa absolurina. S40 Palo: Brasiliense, 1985, p65. Trad, 5. MULLET, Michael. Comtn-refrmn, Lisboa: Grads, 108K p14. "Trad. (© HOONAERT, Eduardo; AZZI, Riolando. Histria da Igreja 20 Brasil Petropolis: Vores, p82. Gro mev. 23 10s jesuitas depoic os visitadoresepiscopais e inquisitorial” vibili- zagio da nova pastoral pressupunha, pois, a sistemnitica éntimidagte dos fidis, eo Santo Oficio processaria 2 todos que, “por palivras ou ‘obras’ se apartassems de modelo religioeo idealizado por Trento Afirmou Ronaldo Vainfas que ‘A todos sem exces, cabia portanto intimidar, ameagar cst ar fol oque pensiram os sguidoreste Trento) no ultramnar por fugues Atendendo a tantas larmiriase apelas,jno primeiro sécu Fes nosvos bisposenviaracn Visits dares a rastear peeados de todo ea punisloscom orgor dafelectsidstica, No tardaria, ainda, para ule © jf célebre Santo Oc lishoets enviase, também dle, 0 seu proprio Visitador, acrescentanile& intimidagio jesaftca, 0 pinico dla fogucie inquisitorial ‘A tendénciaatual dt historiografia sobre a Inquisiao ibéri- «a € de constante renovagio. | vai longe 0 tempo em que esses sstudosprivlegiavam o mero relato indignado da aplicagao de seus métodos punitivos, a contubilidade dos réus sentenciados a arde- rem nas fogueiras dos espetaculares Autos-de-fé. A problematiza- ‘elo histérica que vem sofrenilo 0 “terrivel Tribunal” enseja questoes bem mais complexas, trabalhadas por virios historiadores espa- 7 CL YAINPAS, Ronaldo. Tiipica ds prendos: moral, vouulidade © Inquisigio no Brasil, Rio Janene: Camps, 1999. Especialmenteo ‘apinole: A Contra-reforma e © alénv'mar; Cf. também SOUZA, [Laura de Melo ¢, Oinboe terre de Sana Crue: fetigarin eligi sidadls popular no Brasil Colonial: Sio Paolo: Cia, das Letra, 1986, Especialmentea parte IFRique2as.eimpicdades:a sina da Coldala BBENNASSAR, Hartelomé. Maes de la meni inuistoriak: méo dos desu plagogin del mind, In: ALCALA Angel (Org). lnqusin ‘expik mensaida inurl Barcelona: Ave 19. p17. 9 YAINEAS, Ronakde, Tropico des pecados: moral, sexualidade € Tquisga0 no Brasil. Ria de Janeiro: Campus, 1989. p. 38. 24 hols, portugests e até brasleitossasaber: o papéldo Santo Oficio na formagio do Estado Moderno; 0 estuco dis estruturas geogr fieas, econdmicas administrativasdos Tribunals; anilise quanti tativa esocialigics dos processidos: a conduta dosidus diante dos Inquisidorese © quadro buroeritica de aparelho inquisivoria.” Por muito tempo a Inquisigfo foi objeto de silencio, ¢ 4 real envergadura de sua ago no Brasil manteve.se gestrita a0 -onhecimento de poucos estudiosas, ausente de livros didaticos de importantes obras da historiografia brasileita sobré 0 perio- lo colonial. Bxcegdo é a obra de Anita Novinsky, Cristaos-noves nna Bahia ~ 1624/1654 (1972), sobre a inquisigao movida naque- ‘a capitania em 1646, especialmente voltada para a devassa dos ceristl0s-noyos, Outra excegio digna de nota & 0 trabatho de ‘Sonia Siqueira, Inquisicao portuguesa e sociedad colonial (1978), ‘versando basicamente sobre 0s aspectos institucionais do Santo ‘Oficio no Reino e na Colonia entre os séculos 16.e 18.Citemos, ainda, José Gonealves Salvador que, no seu livre Critaos-novos, jestitas e Inquisigao (1969), estudou a agao inquisitorial nas ‘Capitanias do Sul do Brasil entre 1530 © 1680, ‘Nos anos 1980 ¢ 1990, novos estucos revelarama riqueza das Fontes inquisitoriais para um methor conhecimento de nosso passa- do colonial, lestacandosse os viros trabalhos de Luiz Mott sobre a perseguicao das sodomitas € ainda 0 seu ora Eepciaco, uma sata ‘africana no Brasil (1993), estudo da vida-de uma ex-eserava visiond= ria nas Minas do século 18, presa pelo Santo Oficio; os livres de Laura de Mello e Souza, O Diabo a Terra de Santi Cruz (19863, 10 ESCANDELL, Bartolomé. Li Thquisiekin como dispositive de con trol social y Ia pervivéncia actual del modelo inquisitorial. ALEALA, Angel (Org) Inguiicise espa y nenaldad rio. Barcelona: Atel, 1984p. 538, mts de Ronaldo Vaingas, Tripico dos pecados (1988) ¢ A heresia do; indios (1995), tratando respectivamente das priticas migico-religiosas, da ‘morale sexualidade e da problemética da mesticagem eultural na Coldnias a tee cle Dontoramento de Lana Lage da Gama Lima, O ‘avesso da confissio (1991), examinando 0 clero colonial através do delito inquisitorial da solicita;io; o livro de Lina Gorenstein, He- étcosimpuros (1995), sobte os cristaos-novos no Rio de Janeiro em inicios do século 18, e ainda Urn herege wai ao Paratso (1997) tke Plinio Freire Gomes, que analisou 0 processo de Pedro de Rates Heneqitin, condehado pelo Santo Offco em meaddos de século 18, ‘Alguinas dissertagbes de Mestrado indicaram também enornte inte- esse pelo tema, como por exempla a de Ronald Ramineli, Tempo de visita (1990), onde se analisa a primeira visitacao inquisitorial a0 Brasil, ¢ ainds a de Angela Maia, A sombre do medo — cristos- selhos cristtos:noves 1as eapitanias do agiicer, publicada em 199) Alguns historiadores espanhois apontaram a necessidade ‘€a importincia de se aprofundaro estudlo dos homens que fize- ram a Inquisigio." Dentro dessa nova perspectiva, propomo- nos a desenvolver a estudo de uina categoria de fansionérias do Santo Oficio portugués que aitiow no Brasil no_ period colonial de modo permanente, j& que aqui nado se criow nenhum “Tribunal. Erany eles os Familiares, oficiais leigos alo apareiho inquisitorial de todo o mundo ibérico no Antigo Regime que, desfrutando de intimeros privilégios, exerciam variadas fungoe espionavam suspeitos, delatavam, prendliam. 1) CONTRERAS, jaime, La infaestrutura social de ky Inguisicion: omissirios y familiares, Int ALCALA, Angel (Org). Inguiscin ‘spafiola y mentalad ingusiortl, Barcelona: Axil, 1984. p. 127; LOZANO, less Bravo. Testamientos ele fuiliaes dl Santo Or In: VILLANUEVA, J.P. (Org). La muisiidiy spate uevos hharizantes, Madrid Siglo XXI, 1980, p. 28 rg Aaparicto publica desses agentes era solene, acompanha- ‘yam 5 rus nas cerimOnias dos Antos-de-Té. Meticulossmente Fegulamentades © preparados, proporcionande impressionan Impacto visual e psicoldgico na populacao avida pelo espeticulo, 4 procissio dos Autos cra a exibigao por excelencia do poderio: esmagador do Santo Offcio. Nela destacavam-se os Famniliares {tajados com toda’a pompa. A frente da procissi0, os trades dominicanos, empunhando 0 estandarte inquisitorial; depois os tes por ordem de gravidase das culpas, ladeados pelos Fathiliares, seguids das estituas dos ausentes que seriam quei tadas, ¢ por fim uma tropa de Familiares a cavalo, precedendo 68 altos dignitirios inguisitoriais o préprio Inquisidor ‘Nas suas origens mais remotas,a referencia aox Familiares aparece na Inquisigio medieval em carta dé Inacéncio LV aos Inquisidores de Florenga em 1282, aludinds-se a esses funciond- ids como integrantes e dependentes do Santo Oficio,” Na Inquisigdo espanhola, os Familiares apareceram desde eedoy diante da nccessidade de se contar con ausiliares laicos apazes dle participar diretamente de diligencias ¢ prisées Esses Nis “coldados” inquisitorias eram chamados “Tamnibiates” por Pertencer familia dos inquisidores: préximos, fnimos, portan to, de todos 0: negécios do Santo Oficio.” O térmo Femiliar também aparece nas Ordenacoes Afon: sinas para designar antigo oficial, executor, meirinho ou alcs 12 SARAIVA, Antonio José. Inguiticlo © erisnos-nows, Lisl stampa, 1985:p, 101-112, ae 15: SIQUEIRA, Sota A Inguiaiao portuguesa e w socedaide cotinil ‘Sto Palo: Ata, 1978, p, 172. t M_ BENNASSAR, Bartolomé (Org). daquisciin equnotr poder pol tica y control social, Barcelona: Grialbo, 1984 p 86-4 15 NOVINSKY, Anila. A Igreja no Brasil Colonial: agentes ds Inguisigao. mais ce Miser Paulista, KIL, p23, 1984, 2 ee no Bluctdrio das palayras, terms e frases gure em» Portal rantiganaente se usercen i hoje regutarnente se ignoram, do Frei Viterbo, € designado por comensal em casa religiosa, donato, conffade, pessoa externa, mas ailada aos mosteitos.” Nowe esiude sobre os Familiares que atuaram no Brasil far- sed em dois sentidos gerais: numa perspectiva institucionall telicio- nada ap préprio fancionamento do sparelho. inquisitorial, ¢ numa perspectiva das relagaes entre 6 Sante Oficioe a sociedad colorial. Pretendemos visualizar de perto esses agentes na engrenagem inquii= ‘sitorial portuguesa, delincando seu peril juridico e organizativo; sis- tematizando as exigénclas requeridas pelo Santo Oficio para a habili- acho at cargo.e asatribuigdes. privilégios que Ihes eram concedidos; -verificando.o perfil social dos postulante’, dos que efetivamente con- seguirarn ¢ dos ques vita retads pela Inquisiio. Pretendemos, ainda, quantificar ese: funciondrios, na meifida do possivel, ao longo dos séculos 17, 18 ¢ inicios do 19 nas diversas Capitanias em que ata: ram, tentande avaliar o maior ou menor controls inquisitorial sobre © espago colonial Adotames metodologia andloga & que jaime ‘Contreras usow para estudar os Fanvliares em algune'Tribunais espa: ‘nhdis levantamento de seu numero totale distribuisgo regional; seus: deveres e privilégios no aparelho burocrético inquisitorial seu com ‘portamento pdblico ¢ sua imager be 40 que representavam em termos da exercicio do controle do Santo Oficio & popula. 16 SIQUEIRA, Sinia. A Inguisipte portugueen w sactedade ctaraal, ‘Sto Paulo; Auka, 1978, p. 172. 17 ‘YITPRBO, foaguim de Santa Rora de. Bacco das pokey rr- sas fases gue cm Horta antigamente e usu e hae rege "mente se ignorunn, Lisboa: [&. | Fernandes Lopes), 1885. Nerbete “Ramin 1, p34. : 18 CONTRERAS, Jaime. La infracstratura social de ta Inquisicins comissirios y familiares. tm: ALCALA, Angel (Grp.),Inquiicsht ‘spate y mctabidad tnquizitonial Barcelona: Arie, 1984, p. 128. As fontes bisieas para anise do perfil juridico dos Fami liares foram as de ordem legal, tals como os Regimentos do Santo ‘Oficio,o Regimento dos Familiares, as Ordenagaes régias ¢08 pti- vilegios concedides em forma de alvaris pals Corea portugues entre os séculos 16 © 18, documenta localizada no Instituto Histérico © Geogrifica Brasileiro, Biblioieca Nacional do Rio de Janeiro, Real Gabinete Portugués dle Leitura, Arquivo National da ‘Torre do Tombo « Biblioteca Nackonal ce Lisboa, Para localizar ox ares que atuaram no Brasil, naturais a Colonia ou do Reino, consultamos os Livros cas habilitugbes da Santo Ofico, rio Arquivo Nacional da Torre do Tonibo, em Lisboa, Sdo 25 volumes onde se encontram as referéncias de todos aqueles que postularam algum cargo na Inquisigio portuguesa. No entanto, essa enorme listagern, ‘elaborada em ordem alfibética por fincionirios daguele arquive, nao ultrapassa a letra M, De qualquer moclo, foi percorrende esse rol que levantamos, do século 17 a inicios do. 19, todos os dados pessoas, profssio e 0 nimero do processo de habilitagto dos que adquiriram uma patente de Familiar para atuarem no Brasil e dos que por divetsas razoes nia a obtiveram, Em relagio aos process de habiltagta a0 cargo, a que os Postulantes eram submetices para verificar sua “pureza de sangue’, critétio fundamental & entvads no apatelho inquisitorial, tivemos -eportunidade de analisar 29 aprovades ¢ 15 rejeitados.” Essis fon- 19 Os cerca de 12 mil processor de habilitaybes nas ents Inquisigdes portupiesss (Lisboa, Coimbra « Evora) compoom 0 «artérlo do ‘Conselbo Geral do Sino Oficio, inentarésdos por AntOnio. dliretor do Arquiva Nacional di Totte do Tombs de 1908 4 1948, CE BAIAO, AniOnio; AZEVEDO, Pedro A. de, O arquivo da Torre lo Tombs: saa histéria, eorpos que compoem € organizacio. Lisboa: ANTT/Livros: Horizontes, 1989. Ver ainda FARINHA, ‘Maria do Carma Dias. Os arguivos da Ingaiiga, Lisho. ANT T/Servigos de Publicages¢ Divulgaci, 1990, 19 inquisitarial no Brasil 4 partir os Familias do Santo Oficio no Brasil colonial, tentaremesestudar nto apenas a insti 40 inquisitorial, mas.os atentos a Huridades do cenrio colonial A questo ae Preconceito, tacial também aparece flagrante, uma das © com 4 expansio ultramarina, em tod as suas eoldnias,* Maria Luiza Tweet Cameiro, em seu trabalho sobre 0 pre- woncelt ‘No Basil colonial, expeclalmente em rélacdo ace STitlosnoves, mostra-nos, base cay autores coma Leon Pollakov eAmold Rose, que o preconeta a9 séeulo 15 vincue lavas a divergtacis religioes entre critios¢ infigis. Mas a pare tir de emtdo, com ima européia e 2 colonizacio HS qlestdo racial se agregouao praconceito reli, ios, jusilicadores dos ineresses econdmicon e Politicos das Potincias colonizadoras." Ariold Rose detine Preconceito como Mata Latra Teel, Preconccito-racial no. Bait taos-novos. Sto Palo: Brasiliens, 1983, 24, 2 ‘anette: au nsquiiram opreconcio rai eo 4 sem): Leon Paiste eticn so dinos de neneio:Domfares Aza Paliskor, Joo Likio. de Arereda, Nnies oe Remédios, satis J Sarvs, Anita Nownay, Chale. baaey, Gonsalves ‘Smador ¢Asnol Wienitre, UcOnfunto de stitudes que provocam, didas de diseriminacao® de presen de um pde malic demtficay al passando a ser consicerade como cate Charles Borer foi primero a afitmar que Portugal fo; um pals racista, apoisde na pareza de songue, demonstrando a Wnagao racial no Império col istAOS-navos, neg ios ¢ ciganos, ie Notieabye ME TclCaenctd doftatiar em fora alos ae 0: chamados“tsatutos deli pers desangue” foram incorporados a legilicio portupuesa éstendidos 20 Bra. By Impeinde 0 disctiminadas de acuparerh cargos Pubiicos, ee i PARNER, Mavi Utica Tec, Pecmerte. rac ao. Bras Cokin cx eto noms, Sto Paulos Britons ae P.18-19, oe Ceiel CARNEIRO. Mare lnaa Tuc Pees nei no Braid CHa critics novos. 0 Pula: Brsienes 1833. p. 21, °4 FORER, Chaves Relays rca mehapéin cola Portuguts (1415-1825). Rio de facie: Tempo Beales toon Ha universidadcs, ingressar ent ordens relighosase receber lbs Honorifcos. Tucci Carneiro simetiza que 0 ‘mito da pure. a de sangue” foi um poderoso instrumento de Preservacio de ‘strutura sovial do Antigo Regime por parte da nobreea.e da bur guest mercantile, geranda uma legslagdo amplamente discrimi haloria, justificou indmeras’ medidas de segregacto racial ¢ social.” Acreditames que 0 estudo dos processos de habilitagao a Familiar pode ser uma contribuig3o a mais jira a anise do pre- conceito exstente em Portugal e no Brasil no Antigo Regime. © segundo exo de nosso trabalho reside na andlise da atuagdo propriamente dita do Familiar na sociedade colonial e ‘da ressonincia desses oficiais no corpo social. Garlo Ginzburg, em seu estudo sobre os “andarilhos do bem’, ou “benandanti”~ individuos praticantes de um eulto de Fertiidade na regiio do Friuli, eilia, em Gins.lo séoulo 16 ¢ mea. dos do 17, posteriormente assimilado a feitigaria —, nos chama tengo para 0 fato da documentacao por ele utilizada — alguns rocesios do Santo Oicio ~ onfladas, como muitas vez acarteatestemwinhos frag ‘entirioseindinets, iteadas poe ums mentalidade diversi cine vitavelmente déformante.” Sem diivida, os autos de uny processo inquisitorial sto Fiquibsimos para a abordagem de ura histéria do quotidiana e analisando alguns processos de judaizantes, sodomitas, bigamos, 25 CARNEIRO, Marin Luisa Tucci. Preconceito recial no. Busi Colina: 08 cristtos-nawos. S30 Paul: Brasiliense, 1983, p 2 26, GINZBURG. Carlo. Os andariltos do ben fitigarins « culos ag Fos nos séclos XVI e XVIII. Sto Paulo: Cia, das Letras, 188. 9.7, friticeiros, ete,, captamos por vezes esses agentes em pleno exer- cicio de suas funges no dia-a-dia da Colonia, Mas certos de que © impacto social da existéncia dos Familiares era bem maior do que 0 sugeride pelos processos ordinérios, utiizamos também processos contra Famniliares que extrapolaam suas funcbes ou individuos que se fonjaram titulares do cargo. Procurando nds shamadlas Listas des Autos-de.fé do Tribunal de Lisboa — relagoes ‘de réus penitenciados em Autos piblicos owem sala do Tribunal, ‘que informam sobre dados pessoais, crimce sentenca localiza. das no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, encontramos vibios desses processados entre os séculos 16 ¢ 18.A partir desses longos processos, puclemos avaliar 0 que representavam 05 Familiares:no quotidiano de uma “sociedade inquisitorial”, Sio fontes ricas em detalhes sobte a maneira como os. Familiares eram vistos pela populacis, inspiranda medo e respeito, sendo tum dos pilates mais fortes ¢ éficientes da ago do Santo Oifcio Portugués a0 longo de seus quae trés séculos de existéncia. Muito pertinente foi o comentirio do historiador Pierre Chauu, que num artigo de 1956 para a Revista Annalles, cha- mou atengio para as possibilidades que os arquivos inguisi tiais oferecem para a produgio de uma historia social: Felieimpranicia dos juzes doSint6 Oi. Saas sondagers Penetraani ene medgh eo nerve nos sere is profuindos do inconscieme Seguramente rosa Epc nao poder! kar dace ‘to salons procs vinous para um estos nd do vom Portamento soci ou pura i pcan bal da oxida 27 HENNINGSEN, Gusta: La elocuencia de los mumetos: promessis de las “felaciones de aueas”inquisitoyiles para la nueva historia Social. fn: ALCALA, Angel (Org). Prqusicin espaola y mental ha inguisitoral, Barcelona: Ariel, 1988, p. 207. 33 Capitulo 1 IDEAL DE PUREZA E SOCIEDADE ESTAMENTAL A insensivet eerudelissima sangria que 9 Baio leva, ba que Ihe dt a taqwisigo, pontine fariuinente conn med dla esto sanido cle Portugal ean seu cabeatais os chamuados eis- #os-noves, Nao € iil extancar em Portugel este mau san- gue, quando a mesma Inquisigte 0 vai nutrindo pelo mesmo theio que pretencle querer vedé-lo ov extinge-16 D. Luis da Cunha, Testumento Politica, 174711749. OS HISTORIADORES E OS FAMILIARES Na bibliografia geral sobre a Inquisiczo, encontramos apenas mendes epiwicas aos Familiares, sendo 210s os ensans especticos “sobre tema, tanto paraa Peninsula Ibérica, coma, ssbretuds, para as ‘olbnias.Os estucos mais aprofundados referem-se i Inquisigdo espa- ‘hola, a exemplo do realizado pelo hitoriador francés Bartolomé Bentiassar, que pesquisoy os Familias ligados 20 Tribunal de Cér- caps doba. Ressaltando o enorme prestigio que envolvia o carga no Antigo Regime, @ autor mostrou ainda mudangas expressivas no perfil socio- profssonal dessesagentes a0 longo dos séculos 16 € 17 Jaime Contreras, estudaindo « infra-estrutura social da Inge sigdo espanhola, viu nos Familiares funcionsrios da maior impor- tincia na rdquina inquisitorial, consideran do-0s como intermediid- Fosentre o Tribunal ¢ o réu. Seu papel ndo se westringia a detecar ¢ elatar heresias, mas tambénp a prevocar delagdes mediante pressies ‘pscol6picas ¢ até fsicas sobre 08 postiveis acusadores. Enfeixando emsi todao temor emedo inspiradlo pela Inquisigav, o Familiar ea, pois, “imagem externa do-Santo Oficio"? Destacando ainda o grande status social desses individuos, 6 historiador Henry Kamen relativizou, contudo, sua acko poli Gialesca,afirmando serem a maior parte das dentincias fetiss por ppatentes, amigos ¢ vizinhos dos réus. E também seguiido ‘esse autor, nas primeiras décadas de existéncia da Inquisigao éspanho Ja, a maioria dos Pamiliares era recrutada na nobreza do Reino! ‘Qutro estudo digno de nota foi o realizado por Luis Co- ronas Tejada, que pesquisou a vida de nove Familiares da cidade de. Jacn, no Reino de Castela, em meados do século 17. Provenientes: do mesmo estrato social, todos eram fidalgos e filhos ou parentes de outros Familiares. A trajetoria de dois deles, Alonsa Vélez e Blas de Padilla, mostra sua participagao ativa na vida publica da cida- 1. BENNASSAR, Bartolomé, El poder inquisitorial. In: BENNASSAR, Hartolomé (Gg), Ingsicin epunola: poder politico y control social, Harcelonat Grijalbo, 1984, p. 88-49. Trad. 2. CONTRERAS, J. [a infraestrutura socal de la Inguicin: omit: sariosy famuliares. In: ALCALA, Angel (Org). nguisct expan y-reralidd inyestorial, Barcelona: Ariel, 1988, p, 128-129. 3 KAMEN, a La Bnyuisieiesenola, Barcelona: Grijalva, 1977p, 160. 36 GATE pot ct tc de, embora nao s fig qualquer referéncia quanto a sua atuacio Propriamente dita como agentes sfo Santo Oficio# Em Portugal, o trabatho de José Veiga Torres é uma das poucas referencias espectficas que encontramos sobre os Familiares! © autor mostrou que os agentes, para além de sua fungao repressiva no aparetho inquisitorial, representaram uma ‘perspectiva de promosaio social pata os postulantes ao cargo.’ ‘Quanto 405 Familiares qué atuaram no Brasil, sio raros os sstuddos especificns sobre o Lema, Anita Novinsky mencfona alguns +m meio aos'pracessos contra judaizantes na Bahia do século 17, comparando-os 1 Gestapo da. Alemanha nazista, resaltow seu papel de informantes, investigndores e policiais. E em seu estudlo sobrea Igreja no Brasil colonial, listou cerea de 62 candidatos a0 ‘argo nas Capitanias da Bahia, Pemambucoe Rio de Jancir. 4 THIADA.L.C. Ratio socal dels friars de Santo Ofcio em Jaen & mediados del sighy XVI. In: VILLANUEVA, |B (Org). La Inguisciha espaol, nueva vision, nuevos horixontes, Madi Sigho XXI, 1980. (Os Families aparecem em algun trahathos eras sabre Inqui ‘clo portuguesa, como em RETHENCOURT, Frincisca. Histria as inquisgdes Portugal Expanha cilia, Lsbou Temas ¢ Debates, 1994; MBA, Elvira Cunka de Azevedo. tnquiso de Coimbst no culo XVI:ainsitigan, os homens ea sociedade: Porto: Fundagio Engenhero Amtsnio de Almetds, 1997; COELHO, Ante Borges A Tesuisgdo de Evont dos painsirdios a 1668, Lisbou: Caminko, 1097.2% TORRES, fos Vega: Da represso rigisa para a promogae moral « Inqusgocomio instincia legtimadora ds paomagao social da br- esia mera. Revs Cris de Citncos Savin, 4 out, 1994 NOVINSKY, a ‘Grsraos-novos ma Bult $40 Brulo: Perspectia, 1972: NOVINSKY, A. A igreia ma Bris Colona: agentes da Inquisig3n. Anois do Museu Bait, t. XXXIH, 1984. ‘pi Sonia Siqucira, analisands a Inquisigo: portuguesa © a sociedade colonial, levantou 1372 Faniliaturas expedidas para as texides baiana © pemambucana entre os steulos 16 ¢ 19. Os dados coligidos para essas areas mostram que eram 148 08 Familiares afi atuantes no século 17, namero que:saliou para 1148 no século seguinte ~ notivel aumento de 675%. Siqueira fornece-nos, também, © nome de 18 desses oft Bahia ¢ Pernambuco entre 1605 ¢ 1622." Referéncia importante ¢ o trabalho do toriador Luiz Mott sobrea Inquisigio em Sergipe. Com base nos Livros de juramentoz dos Familiares « Comisstrios do. Santo Oficio,localizadlos no Arquivo Nacional da Torre do‘ Lisboa, Mott arrolou, para o periodo de 1704 a 1780, aqueles que reeeberam a patente no Brasil, A partir desses nudsneras, consta- tou um aumento de Familiaturas expedidas no Rio de Jancito « fem Minas Gerais entre 1755 ¢ 1763, em detrimento da regio ordestina, uma vez que a “febre do oura™ prendia as postulan tes nas areas mineradoras, recebendo eles a Carta na propria Colonia, enao em Lisboa, Segundo Mott, Capitania de Sergipe teve apenas um Comissério ¢ te Familiares,e, lendo os proces- sos die habilitagao destes indlividuos, reconstituiu; com grande riquera de detalhes, sua gencalogia ¢ biografia J4 nos Livros das Ihabilitagies do Sania Oficio, loxalizados no mesmo arquivo por- tugués, Mott levantou o nome de 130 oficiais da Inquisi¢a0 ~ Comissirios ¢ Familiares — atuantes na Bahia, iniciados pela letra A ¢ qué nos foram gemtilmente cedidos. 1 SIQUEIRA, 5.4 aqui Paulos Aca, 1978 p18 9 MOTT, Lain A fnquisiglo dnt Serpe! Araeapis Secore Artés Grafica, 1969. 4. 0 portuguesa ¢ w socselae colonial, Sao 38 lid de pron ce seta © historiador canaclense David Higgs, da Universidade de ‘Toronto, Canad, vit nos Familiares mio apenas funciondrios ou ‘usiliares, mas ainda um tipo de milicia voluntéra e privileging a servigo da Inquisicfo. Constatou ser por volta de 60 as habilitacbes expedidas entre 1770 ¢ 1800 c,no tocante is origens sociaisdos pos- ‘ulantes, 859% dentre os imigcantes portugueses eram negociantes, ‘80 passo que dentré os nascidos no Brasil apenas 1/4 0 eram.” Pde-se afiemats portato, que inexiste uma andlise realmen- te esclarezedora sobre iniportincia co exereicio concreto do paier ddesses Familiares na coléniae sobre o impacto de sua agio na todo social. Como nao houve Tribunal da Inquisigio-no Brasil a existe cia desse fiel compo de oficiais crteriosamente nomeados foi esen- cial para 0 controle ¢ policiamento das consciéncias por parte do Estado portugues, que buscava reafirmar cristindade no Ultremar yasculhando hereges € moldando atitudes: Procuraremos, assim, coligir dasifcare sistematizar as dacios dessa documentaga, com ‘© objetivo de preencher essa lacuna de nossa historiogratia sobre a Inquisigiio no Rrasil ea sociedad colonial REQUISITOS E PRIVILEGIOS INSTITUCIONAIS DO CARGO. © ideal inquisitorial de “Misericordia e Justitia” — famoso ema do Tribunal -, necessitava de uma complexa rede hiersi- ‘quica de ministros c funclonérios, cujas fungoes foram objeto de Jegislacao especifica contida nos Regimentos da Inquisigio por- 1 1665, Dot come e fies Ingo no rt ain doers oon beCumaagi pears | Congo tie sore 09h Sto aa 187 Gopi tuguesa. Estabelecido cm Portugal no ano de 1536, 0 Tribunal ‘do Santo Officio reyeu-se nos primeiros tempos pelas normas-a ‘nquisigao castelhana, mas.apds 16.anos de existincia, redigiv-se ‘6 primeiro Regimento em 1552, vindo depois os de 1570, 1613, 1640 ¢ por fim o de 1774." O cargo de Familiar pertencia& categoria de oficinsfeigos «do aparelho burocratico inquisitorial junto com os Promotores, Procuradores das Partes, Médicos, Cirurgides, ‘Mcirinhos, Aleaidles, Porteiros e Solicitadores, a0 passo que 0 postos para (05 quais se exigia 0 estado eclestéstico eram os de In Deputado, Comissirio, Qualificador e Not (© perfil juridico dos Familiares acompanhou a progeessi- va ofganizagio institucional da Inquisigdo portuguesa, Nos Regimentos de 1552 ¢ 1570 nao se encontra qualquer referéncia especifica a esses agentes, embora os mesmos jd tivessem sido contemplados com varios privilégios na forma de Alvan du- rante a segunda metade do século 16, Mas fol no Regimenito de 1613 que s¢ definiram claramente os pré-requisitos ins nais para a ocupagio dos cargos do Santo Oficio: aude om dos dios ofc para poder ervira0 seth, terd Parisio, ein forma do inqusidor GeralseguandardRexinento que Ihe forondenado, camo ea seus titular dirt irando-se a cada um eles bastante informagQ0 de sua genaalopia'ee modo que no fnste que mio tem raga de muro, fudeu, nem gerte nowamente Somvertia na F6-~e asim de sua vida e costornes = « mesa informagio se tomers das tulheres doe dios ofcas — 0 que se 11. LEPNER, Elias, Sent Faguisina, serra eFnguagem. Rio de Janeiro: ocumentario, 977. p. 112, 12 SIQUETRA, S.A Inpuisgte portuguese a sociaate colonial, Sto Paulo: Atica, 1978. p. 159, 40 Me pwc ald tan fark ne estilo do Santo Oficio com grande rigor ¢resguardo, e pelos ‘mesmas [nquisidores, sebdo na cidade onde resem e po testemunhat por escrito.” A mengao direta aos Familiares é no entanto, pontual ‘as eram, no entanto, os tnieos funciondrios que aio tinkam niimero fixo em cada localdaile, variando segundo as necessi dades. Em 1615, por exemplo, os Inguisidores Francisco Borges de Souaa ¢ Joio Fernandes de Almeicla, do Tribunal de Goa, na India, em carta ao’ Inquisidor Geral de Portugal, postularam a romeagio de mais Familiares“por serem alguns deles falecidos @ que foram prontamente atendidos.” No Regimento de 1640 incluiusse finalmente um Tilo ‘ipetifico para os Famillares, Eran dispensados do estado ectestis- tico« deveriim ter*capacidade conhecidlaefazendasde que pudes- sem viverabastadamente’ Nbo rebiam um salt fo, sim 500 ris por dia de servico. Teriam de ser, como seus pais € avs crise taos-velhas, “limpos de singue’, sem nenfuuma “infirm peblica’ ‘tem ter sido presos ou penitenciaelos pela Inquisicio, Se quisessem casar, 2 futura esposa também deveria comprovar sua pureza de sangue, bem como a de sua familia, A “boa vida ¢ costumes" era fundamental para que fossem capares de arcar com: qualquer “negécio de importincia esegredio” do Santa Oficio, © bom exem plo, a condata iibada, conveniente & seu posto, no os permitin facerem “agrave ou vexaglo alguma a pessoas com o poder de se 13 REGIMENTO do Santo Oficio'de 1618, In: SILVA, José J. de ‘Andrade «. Coleg cronaldgies da lesslade.poriugnci Lisbon: iJ 1684-1640, le 14 BAIAO, Antonid, A Inguiisto de Gor: correspondiéncia dos ingul- Sidores dh Indio, 1569/1630, Coimbra: Im prensa da Universidade, 1930. yap, 339-543, 4 Coil oficio, ou com o pretexto dos priviligios de que gozam’. Deveriam se afastar de pessoas suspeitas, nlo acslar delas “dédivas ou pre- sentes" e também nao deveriamrcomprar "mercadorias ou manti~ mmentos por preyo mienor do ordinario, nem pedir emprestado 8 *gentede nagio” ou comtrair dividas “que possam causar queixas ¢ iminuir aautoridade que a suas pessoas. olfcio édevida” Suas fimgdes no aparelho inquisitorial portugues 3e rest mi a denunciar ao Santo Oficio criminosos pertencentes a seu foro, a. exemplo dos judaizantes ede outros hereges, como blasle- mos, feiticeiros, sacrilegos, adivinhadores, bigamos, sodomitas, falsas sacerdotes ¢ solicitantes, além das que simulassem ser fun- dda Inquisigao ¢ bs penitensindos que sito estivessem. cumprindo sua penas’" Deveriam ainda acompanhar os presos nos Autos-de-fé, ocasido em que vestiam @ hibito de Familiar, e festejar Sado Pedro. Martir, seu padrociro, assistindo & missa cele~ brada no dia do Santo, Encarregar-se-iam, quando designados, de executar prisdes, mediante mandato do Inquisidar,¢ de substituir funciondrios, como no caso dos Visitadores das Naus in alisemtia.” tilimo Regimento da Inquisiio. de 174, praticamente repetiu o.de 1610 no tocanteans Familiares, © proprio Regiment dos Familiares do Santo Oficio nao passou de um translade do: “Titulo relativo a estes funcionarios contido no Regimento de 1640. O.afi de se obter uma Carta de Familiatura ligava-se, no ‘ais das veres. ao grande status social e aos prividégios conteridos pelocargo,adquiridos ainda no século 16, Em 1562,; Sebastiso dispensou-os de pagarem REGIMENTO do Santo Offeio da Inquisigio dos Reinos de Portugal (1610). Liv tt Exemplar Mimeografado, 16 Boi, Ti, XU. 17 Abid Tie NU Us Tt. XXL A. a Hen orc can fila, alas pesidos, empréstimos, nem em outros lugares encarre os, que pelos Comsethos ou iugares ande forem fangades por qual (quer modo, e maneira que semen sejam constrangidasa que Yao som presos, ner com dish, nem sejam stores, nem curadoresdle pessoa alguna, salvo ce a ‘tori fone fdas: nem aj oficios ‘do Conselbo contea as wostades, nem Ihes tome de aposentadaris ‘mas casas de meeada, adegas, nem cavalherigos, nem quaisquer ‘outra casa em que eles pousarem, posto que sas nvo ejam, antes, thas dtm, efagan dar de aluguel por seu dinhera sea le nb tve- ‘em howverem mister; nem fhe tomem pao, vinko, tou, pha, ‘cevads, lena alin ovo, bests de cela, nem alla, lvoe trou sere as tac hestas a0 gin, porque em tl aso no endo escuso4 rem assim mesmo fhe tomem esa agama do seu sotea sua wont de. Outroesim me apraz que mao sejun constrangides ner obrigtds item servi por mar, em po terra a nen porte..." D, Sebastiao permitiu-thes, ainda, portar armas ofensivas = expaclas, punhais ou adagas = e defensivas, podendo utliai-las, se necessirio, nas prisoes que efetuavam, e também autorizou a que suas mulheres e filhos pudesser “trazer em seus vestidos aquela seda, que por bem de minhas Ordenagoes podem trazet a5 pessoas. que tein cavalas”, Este: mesmo monarca isentou-os, -4m 1566, do pagamento de 100 mil crifzados, que-os povos de -seuis dominios fizeram mis Corte Em 1580, no reinado de D. Henrique, livraram-se de uma -imposigio relativa d aposentadoria« adquirieam foro privativo isto 4,0 diteito de lidarems com uma justia especial, Nas causss-crime que fossem autores ou réus, sviam os Inquisidores seus jules, ssiceto nos crimes de fesa-majestade, co nefando:contra-natura, de 18 TRANSLADO antémico de todos os privilegios concedides pelos” Reis destes Reinos « fenhorios de Portugal aos oficial e familiares ‘do Sunto Oficio da Inqulsigs. Lisboa: BNL, 1787 19 id, B ‘Gopi motins e revollas, de violaglo da cortespondénci seal cde desobre dincia ds ordens dos monarcas, de roubos; de arrambamenitos de ‘casas, igiejas ¢ mosteiros ede incéndios dolosos, E-quanto tiverem “aficios meus, bu pUblico dos povos; ¢ republicas, « delinguirem nies, e-em coisas tocantes 40s ditos seus oficios ¢ cargos”, “conhe. cerdo as justigas seculares'™ Antonio Gomes de Elvas, por exempla, manda citar em 1614 a Sinnao Var, Familiar do Santo Oficio em Lisboa, reclamando uma divida de 5800 ris. O acusido, sabedor de suas pretrogativas, ecorrest aos Inquisidores “para que the passem 0 avlos (} por serem julzes competentes’ ¢nenhum outro jul- {gidor "poste tomar conhecimento da dita causa civil A causa'de Alexandre de'Si Freie e José Viana, te timo Fannliar, também fol duvidosa, Senhor de engenitio e dono de excrayosna Bahia, Alexandre yendera ao dito Familiar em 1713 um tengenho no valor de 27 mil cruzados, Vinte anos depois aida no tinha revebido todo seu dinheito, citando 6 caloteiro no Juiza da Ouvedorin Geraldo Civil. Jase Viana recorrera para que-as autos foxsem para a Conservadoria dos Familiaresdo Santo Oficio, o que de fato ocorteu.” Em 1634, © Conselho Geral da Inquisigio deter- ino que esse privilégio de foro privativo fosse estendide aos filhos dos Familiares, ainda que, em

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