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SOB NOVA DIREÇÃO

Cheguei dois dias atrás em São Paulo. Viria de carro, mas tive de optar pela via aérea devido
aos bloqueios nas estradas. Hoje me encontro na Finlândia, a trabalho. Com pouco mais de
cinco milhões de habitantes, baixa densidade populacional, economia pujante e ótimos índices
sociais, a Suomi, como se autodenomina, tem muito a nos ensinar, sobretudo sua intolerância
com corrupção e sua preocupação com o futuro.

Lembrei de um finlandês que encontrava nas convenções anuais de uma empresa alemã. Bebia
como gente grande ... Calvo, tinha o lábio superior avançado. Ou o queixo recuado, como
queiram. Poderia ser parente do Homer Simpson, ainda que não fosse rude, grosseiro ou
incompetente.

Me furtei de escrever sobre política durante o período eleitoral, seja porque não gosto, seja
porque o acirramento que assistimos certamente provocaria desgastes. Discuti o tema em
grupos fechados, com algum cuidado, que ainda assim não evitou alguns estragos. Não estamos
habituados a discutir sem destruir pontes e a mútua adjetivação foi deplorável. Chamar os
conservadores de vomitáveis, para tomar um exemplo, foi uma das coisas mais tristes que vi até
hoje. Proveniente de uma gente que se diz democrática ...

Cá deste canto do mundo, debaixo de temperaturas próximas de zero neste início de novembro,
vejo que as coisas ainda não estão normalizadas. Qual a razão maior? Urnas não auditáveis, o
que por si só parece um absurdo, enfiado goela abaixo dos brasileiros, e a soltura de um sujeito
condenado em três instâncias.

Em que idade mergulharemos agora? Na era da demagogia barata que mantem o povo na
miséria, como massa de manobra, ou daremos um salto? O presidente eleito é, no meu
entendimento, um atraso. Rancoroso, com legitimidade contestada, tem um discurso mofado, na
base da cervejinha com picanha, coisa de encantador de burros, a prometer um igualitarismo
utópico.

Enquanto viajava de Amsterdã para Helsinque vi na revista de bordo da KLM que a frota desta
companhia estatal holandesa possui sessenta aeronaves Embraer, orgulho nacional, que
participa de um grupo muito seleto de fabricantes no mundo. É um Brasil que deu certo, que nos
convida a deixar o passado para trás, por mais redundante que a frase pareça. Já não basta de
incensarmos a pobreza?

Li há pouco que a Noruega anunciou que retomará a destinação de fundos para a preservação
da natureza ... Oh! E os tontos celebram! Que cuidem de seus fiordes e nos esqueçam. É duro
escutar de brasileiros que agora a “Amazônia está salva”. Que um estrangeiro diga isto, vá lá,
mas brasileiros? Que narrativa de lesa pátria! Que alma de escravos!

Muito rapidamente o famigerado “orçamento secreto” foi rebatizado num passe de mágica como
“emendas parlamentares”. As redações estão contaminadas e já se escuta o réquiem do que se
conhecia como jornalismo. Conheço um profissional da área que votou no ex-presidente porque
seu partido destina mais verbas para picaretagens travestidas de jornalismo, como as dele.

E as universidades públicas, esculhambadas, ineficientes, sem as respostas para as


necessidades do país? Contribuem para o crescimento distópico, para a cizânia num país que
nem mesmo o futebol será capaz de unir.

Em tempo: o título deste texto ironiza as expectativas de alguns. Lembra aquelas faixas
penduradas na fachada de estabelecimentos decadentes. Sempre que vejo tais dísticos imagino
a próxima debacle. Precisamos de coesão. O Brasil precisa ser refundado.

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O que têm feito os ecologistas de plantão diante dos maciços fornecimentos de modernos
equipamentos militares para a Ucrânia? Estariam entre os que defendem a provocação da
OTAN, acercando-se da Rússia?

As guerras são chagas abertas na humanidade, que o tempo mal cicatriza. Numa das salas do
Museu Nacional da Finlândia li a frase “Guerra. Guerra. Guerra. A História tem sido contada
através das guerras. Bactéria, vírus, fome, ratos, pestes e desgosto – mesmo durante a guerra,
os piores inimigos da vida humana são menores que soldados”.

Recomendo que assistam o filme “Im Westen nicht neues”, disponível numa destas plataformas
famosas de streaming. É saudável que de vez em quando nos reciclemos, vendo as guerras
como de fato são: uma extravasão de loucura.

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Assistindo um documentário sobre a tentativa de assassinato de João Paulo II, no dia de Fátima,
fiquei sabendo que Ali Mehmet Agca, autor dos disparos, ligado ao movimento terrorista Lobos
Cinzentos, tentava escapulir quando uma freira o deteve, passando-lhe a perna ou nele
esbarrando. Será verdade?

Quanto à Finlândia, deixarei o país como um admirador de seu povo. Calmos, discretos, mas
simpáticos quando instados, os finlandeses não são parentes de Homer Simpson. É mais
provável esbarrar em Homers no Brasil, terra macunaímica em que compramos o bilhete para o
futuro, mas o trem nos devolve ao passado.

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