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LITERATURA PORTUGUESA E

BRASILEIRA I
CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD
Literatura Portuguesa e Brasileira I – Prof.ª Dra. Ana Claudia da Silva
Prof. Ms. Renato Alessandro dos Santos
Prof. Ricardo Boone Wotckoski
Profª. Dra. Susana Ramos Ventura

Meu nome é Ana Cláudia da Silva. Sou doutora em Estudos


Literários pela UNESP/Araraquara (2010). Sou mestre em
Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, pela
Universidade de São Paulo, especialista em Fundamentos
Teóricos e Críticos da Literatura, pela Unesp/Araraquara. Fui
docente do Centro Universitário Claretiano de 2000 a 2005 e
coordenadora dos cursos de Letras (presencial e a distância) até
2004.
e-mail: anaclsv@uol.com.br.

Meu nome é Renato Alessandro dos Santos. Sou graduado em


Letras (Unesp, 1997); tenho mestrado em Estudos Literários
(Unesp, 2002) e sou doutorando em Estudos Literários (Unesp).
Possuo experiência como professor no Ensino Superior (presen-
cial) e como coordenador dos cursos de Letras Português-Inglês
(a distância), de Letras Português-Inglês (presencial) e dos cur-
sos de Pós-Graduação lato sensu Ensino de Português, Literatu-
ra e Redação e do curso Ensino de Inglês e Literatura Inglesa e
Norte-Americana, todos cursos do Centro Universitário Clare-
tiano (Ceuclar), de Batatais, onde trabalhei de 1998 a 2012. Sou
autor de "Mercado de pulgas: uma tertúlia na internet" (2011)
e coautor de "Crônico: crônicas brasileiras ilustradas" (2011), de "Desafios e perspectivas
das ciências humanas na atuação e na formação docente" (2012) e de "Literatura futebol
clube" (2012). Sou editor do site Tertúlia (www.tertuliaonline.com.br)
e-mail: realess72@gmail.com

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Olá pessoal! Meu nome é Ricardo Boone Wotckoski. Sou natu-
ral de Vitória-ES. Graduado em Teologia e Letras com pós-
graduação em Metodologia do Ensino da Língua Inglesa, em
Docência do Ensino Superior nas Modalidades a Distância e
Presencial e em Planejamento, Implementação e Gestão da
Educação a Distância (UFF-RJ). Sou também mestrando em Lin-
guagens da Religião pelo programa de Pós-Graduação em Ciên-
cias da Religião da Universidade Metodista de São Paulo.
No Centro Universitário Claretiano, atuo como supervisor de
tutoria, professor e tutor nos cursos de graduação a distância.
Sou também autor das disciplinas Literatura e Religião, Literatura Inglesa e co-autor de
Literatura Portuguesa e Brasileira: do Trovadorismo ao Arcadismo. Coordeno os cursos
de extensão a distância Bíblia: estudando e vivenciando a Palavra de Deus; Introdução à
Literatura Apocalíptica, e Literatura, Religião e Cultura Ocidental.
e-mail: rwotckoski@gmail.com

Meu nome é Susana Ramos Ventura. Sou mestre (2001) e


doutora (2006) em Estudos Comparados de Literaturas de
Língua Portuguesa, pela Universidade de São Paulo. Fui docente
do Senac (Santos), da Universidade Metropolitana de Santos e
professora substituta na cadeira de Estudos Comparados de
Literaturas de Língua Portuguesa II e IV na Usp. Gosto muito de
pesquisa e realizei, entre 2002 e 2006, três estágios em
diferentes institutos de pesquisa em Portugal.
e-mail: ventura@bignet.com.br.

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Claretiano - Centro Universitário
Ana Cláudia da Silva
Renato Alessandro dos Santos
Ricardo Boone Wotckoski
Susana Ramos Ventura

LITERATURA PORTUGUESA E
BRASILEIRA I
Caderno de Referência de Conteúdo

Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Claretiana, 2012 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013

869 L755l

Literatura portuguesa e brasileira I / Ana Cláudia da Silva ... [et al.] – Batatais,
SP : Claretiano, 2013.
216 p.

ISBN: 978-85-67425-88-7

1. Literatura Portuguesa. 2. Literatura Brasileira. 3. Contexto Histórico. 4. Textos


Literários. 5. Leitura Crística. 6. Principais autores. 7. Trovadorismo. 8. Humanismo.
9. Classicismo. I. Silva, Ana Cláudia da. II. Santos, Renato Alessandro dos. III.
Wotckoski, Ricardo Boone. IV. Ventura, Susana Ramos. V. Literatura portuguesa e
Brasileira I.

CDD 869

Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional


Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

Preparação Revisão
Aline de Fátima Guedes Cecília Beatriz Alves Teixeira
Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo CDD 658.151
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Martins
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Luis Henrique de Souza Projeto gráfico, diagramação e capa
Patrícia Alves Veronez Montera Eduardo de Oliveira Azevedo
Rita Cristina Bartolomeu Joice Cristina Micai
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Simone Rodrigues de Oliveira Luis Antônio Guimarães Toloi
Raphael Fantacini de Oliveira
Bibliotecária Tamires Botta Murakami de Souza
Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Wagner Segato dos Santos

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web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do
autor e da Ação Educacional Claretiana.

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SUMÁRIO
CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 11
2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO........................................................................... 12
3 E-REFERÊNCIAS ................................................................................................. 31
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 31

Unidade 1 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 33
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 33
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 34
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 34
5 COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA.................................. 35
6 ATUALIZAÇÕES DA LÍNGUA PORTUGUESA...................................................... 45
7 SISTEMA LITERÁRIO.......................................................................................... 47
8 O MACROSSISTEMA DAS LITERATURAS DE LÍNGUA PORTUGUESA.............. 49
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 50
10 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 51
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 52
12 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 52

Unidade 2 – AS ORIGENS DA LITERATURA EM LÍNGUA PORTUGUESA


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 55
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 55
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 55
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 56
5 A FORMAÇÃO DE PORTUGAL........................................................................... 57
6 DUAS GRANDES DINASTIAS ............................................................................. 59
7 INFLUÊNCIAS CULTURAIS................................................................................. 67
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 69
9 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 70
10 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 70
11 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 71

Unidade 3 – TROVADORISMO EM PORTUGAL: POESIA E PROSA


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 73
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 73
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 74
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 75
5 TROVADORISMO EM PORTUGAL..................................................................... 76
6 POESIA TROVADORESCA.................................................................................. 79
7 PROSA TROVADORESCA................................................................................... 94
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 104
9 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 107
10 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 109
11 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 109

Unidade 4 – O HUMANISMO EM PORTUGAL E A OBRA DE GIL VICENTE


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 111
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 111
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 112
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 113
5 HUMANISMO EM PORTUGAL.......................................................................... 113
6 PROSA HISTORIOGRÁFICA................................................................................ 116
7 PROSA DOUTRINÁRIA....................................................................................... 123
8 POESIA PALACIANA........................................................................................... 125
9 TEATRO DE GIL VICENTE................................................................................... 130
10 T RILOGIA DAS BARCAS..................................................................................... 136
11 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 144
12 C ONSIDERAÇÕES............................................................................................... 145
13 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 145
14 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 146

Unidade 5 – O CLASSICISMO EM PORTUGAL E A OBRA DE CAMÕES


1 OBJETIVOS......................................................................................................... 147
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 148
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 148
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 149
5 O CONTEXTO CULTURAL, POLÍTICO E SOCIAL................................................ 150
6 SÁ DE MIRANDA, ANTÔNIO FERREIRA E BERNADIM RIBEIRO...................... 152
7 LUÍS VAZ DE CAMÕES....................................................................................... 155
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 179
9 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 181
10 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 182
11 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 182
Unidade 6 – LITERATURA INFORMATIVA SOBRE O BRASIL
1 OBJETIVOS......................................................................................................... 183
2 CONTEÚDOS...................................................................................................... 183
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE................................................ 184
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................ 185
5 LITERATURA DE INFORMAÇÃO........................................................................ 186
6 A CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA............................................................... 191
7 A PRIMEIRA HISTÓRIA DO BRASIL: HISTÓRIA DA PROVÍNCIA SANTA
CRUZ A QUE VULGARMENTE CHAMAMOS BRASIL (1576), DE
PERO DE MAGALHÃES GÂNDAVO.................................................................... 197
8 TRATADO DESCRITIVO DO BRASIL (1587), DE GABRIEL SOARES DE SOUSA.......203
9 A LITERATURA DOS JESUÍTAS........................................................................... 206
10 DIÁLOGO DAS GRANDEZAS DO BRASIL (1618), DE AMBRÓSIO BRANDÃO........209
11 Q UESTÕES AUTOAVALIATIVAS......................................................................... 211
12 CONSIDERAÇÕES............................................................................................... 214
13 E-REFERÊNCIAS................................................................................................. 215
14 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 216
Claretiano - Centro Universitário
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC
Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Pressupostos teóricos do estudo integrado das literaturas em língua portuguesa.
Produções literárias em língua portuguesa e sua recepção, desde as origens em
Portugal (Trovadorismo, Humanismo, Classicismo) até a literatura informativa so-
bre o Brasil. Leitura crítica e análise de textos literários significativos do período.
Barroco e Arcadismo: características, principais autores e obras de maior desta-
que. Contexto histórico dos períodos literários.
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
Seja bem-vindo!
Vamos iniciar o estudo de Literatura Portuguesa e Brasileira
I, disponibilizada para você em ambiente virtual (Educação a Dis-
tância).
Nessas unidades, você terá a oportunidade de refletir sobre
as origens e as primeiras manifestações literárias em Língua Por-
tuguesa tanto em território português quanto em brasileiro, com
destaque para os autores e obras de maior valor histórico e literá-
rio, levando em conta seu contexto histórico-social, sua estética e
temática.
Iniciaremos nosso estudo pela formação do Estado portu-
guês e o processo evolutivo que originou nossa língua.
12 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Na sequência, voltaremos nossa atenção para as primeiras ma-


nifestações literárias em Portugal na poesia, na prosa e no drama.
Prosseguiremos em nossa investigação abordando as ma-
nifestações literárias do período de consolidação da língua e de-
finição do território português, transitando da Idade Média para
a Moderna com suas novas tendências e temáticas influenciadas
pelo Humanismo e Renascimento.
Por fim, estudaremos as primeiras produções escritas produ-
zidas pelos europeus, especialmente portugueses, que chegaram
ao Brasil no início do século 16.
Além do conteúdo disponível neste caderno, você contará
com a bibliografia sugerida e com leituras adicionais disponíveis
no ambiente virtual no decorrer do desenvolvimento do conteúdo.
Sigamos, pois, em frente, na abordagem e na reflexão desse
conjunto de informações e atividades, por meio do qual espera-
mos permitir a produção do conhecimento a respeito da Literatura
Portuguesa e Brasileira em suas origens e primeiras manifestações.

2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO

Abordagem Geral
Ricardo Boone Wotckoski
Neste tópico, apresenta-se uma visão geral do que será es-
tudado. Aqui, você entrará em contato com os assuntos principais
deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de
aprofundar essas questões no estudo de cada unidade. Desse
modo, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento
básico necessário a partir do qual você possa construir um refe-
rencial teórico com base sólida – científica e cultural – para que, no
futuro exercício de sua profissão, você a exerça com competência
cognitiva, ética e responsabilidade social.
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

Nosso estudo das Literaturas em Língua Portuguesa se baseia


numa proposta integradora, e não separada por nacionalidade.
Essa proposta de estudo integrado se fundamenta em aspec-
tos relevantes como a concomitância na língua.
A origem da Língua Portuguesa remonta o período de do-
minação romana sobre a Europa. O latim vulgar introduzido nas
regiões da Itália, Espanha, Portugal, França, Romênia e Moldávia
pelos romanos após um processo de evolução acabou por verter-
-se nas línguas italiana, sarda, espanhola, portuguesa, francesa,
catalã, provençal e romena.
Assim, durante o movimento de Reconquista da Península
Ibérica contra os mouros, ao mesmo tempo em que o território
português foi sendo delineado, a primeira vertente da Língua Por-
tuguesa, o galego-português, foi se estabelecendo.
Entre os séculos 13 e 14, o galego-português passou por
uma transformação considerável, o que deu início à segunda fase
de formação da Língua Portuguesa. Já o século 15 serviu de ponto
de transição entre o português arcaico, posterior ao galego-portu-
guês, e o português moderno.
Na época das Grandes Navegações do século 16, a Língua
Portuguesa acabou absorvida pelos países colonizados por Portu-
gal, resultando na formação de uma comunidade de países cuja lín-
gua oficial é a portuguesa. São eles: Brasil, Angola, Moçambique,
Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Timor-Lorosae.
Além da língua, portanto, os países colonizados por Portugal
têm em comum a sua história como nações que se estabeleceram
a partir da ocupação estrangeira com finalidades expansionistas e
exploratórias.
Num primeiro momento, portanto, a vida cultural desses pa-
íses tem na metrópole sua referência, situação que perdura até a
tomada de consciência e a busca de sua própria identidade pelo
colonizado. Nesse contexto, a literatura tem valor e função rele-

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14 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

vantes ao participar, com sua produção artística, do processo de


construção da nacionalidade de uma nação.
No entanto, não se pode negar os pontos de aproximação
das nações de mesma língua e a necessidade de preservação, num
mundo globalizado, daquilo que é comum, como falantes da Lín-
gua Portuguesa.
A proposta de estudo integrado das Literaturas em Língua
Portuguesa, portanto, está alicerçada em razões não só de nature-
za científico-culturais, mas também políticas, que dizem respeito
à afirmação e à preservação da identidade e da cultura dos países
integrantes da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
A pluralidade de culturas integradoras da Comunidade de
Países de Língua Portuguesa abre espaço para o estudo de suas
culturas, numa perspectiva diferente daquela proposta pela rela-
ção metrópole-colônia.
Na abordagem integrada das Literaturas em Língua Portu-
guesa, é preciso considerar, ainda, a atualização que a língua expe-
rimenta em cada nação, assumindo particularidades, e mais, uma
identidade própria.
Além disso, no processo de formação da literatura, deve-se
distinguir manifestação literária e literatura. Esta se estrutura num
sistema intelectualmente organizado que permite a sua identifica-
ção num conjunto de obras de determinada fase.
Neste contexto, a abordagem literária se dá na perspectiva
de suas circunstâncias históricas, sociais e culturais, que influen-
ciam seus escritores e instalam uma tradição literária.
Podemos falar ainda num macrossistema das Literaturas de
Língua Portuguesa, uma vez que a miscigenação cultural entre colô-
nias promovida pela metrópole delineou a formação dessas nações.
Assim, torna-se possível a identificação de formas, modelos
e temas que se converteram em herança compartilhada entre os
diferentes países de Língua Portuguesa.
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

Portanto, diferentes articulações permitem a investigação


de similaridades entre si, permitindo seu estudo integrado, apesar
das particularidades nacionais.
Vejamos, então, as origens dessa literatura em suas primei-
ras manifestações ainda em plena Idade Média.
As primeiras manifestações literárias em Portugal coincidem
com o movimento de Reconquista da Península Ibérica e a forma-
ção do Estado português, que, por sua vez, está vinculado à Dinas-
tia de Borgonha.
Portugal, por volta do ano 1000, correspondia a uma faixa de
terra mais ao norte da Península Ibérica: o Condado Portucalense,
parte do domínio de D. Afonso VI, rei de Leão e Castela,administrado
pelo conde francês Henrique de Borgonha.
Em 1140, D. Afonso Henriques, filho do conde Henrique,
consegue a independência do condado e continua a política de
expulsão dos árabes do território ibérico ao sul do Condado Por-
tucalense.
Com o título de Afonso I, D. Henriques foi proclamado pri-
meiro rei de Portugal, dando início à Dinastia de Borgonha, que
reinará em Portugal até 1383 sob o governo do reis D. Afonso I
(1143-1185), D. Sancho I (1185-1211), D. Afonso II (1211-1223), D.
Sancho II (1223-1248), D. Afonso III (1248-1279), D. Dinis (1279-
1325), D. Afonso IV (1325-1357), D. Pedro I (1357-1367), D. Fer-
nando I (1367-1383).
É importante destacar que durante a permanência da Dinastia
de Borgonha no poder, seus monarcas se preocuparam, num pri-
meiro momento, com a definição do território português e, na se-
quência, com a estruturação social, política e educacional da nação.
A Dinastia de Borgonha termina com o reinado de D. Fernan-
do I. Sua esposa, D. Leonor Teles, tenta unir Portugal ao reino de
Castela, o que provoca um movimento popular apoiado pela bur-
guesia e pela nobreza que proclama D. João, irmão de D. Fernando

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16 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

e filho bastardo de D. Pedro I com Inês de Castro, rei. Com isso,


tem-se início a Dinastia de Avis, que reinará Portugal até 1578 na
pessoa dos reis: D. João I (1385-1433), D. Duarte (1433-1438), D.
Afonso V (1438-1481), D. João II (1481-1495), D. Manuel I (1495-
1521), D. João III (15211557), D. Sebastião (1557-1578).
É no contexto de tais monarquias, suas realizações e alguns
acontecimentos marcantes que as primeiras manifestações literá-
rias de Portugal floresceram.
A configuração de Portugal como nação direcionou e marcou
profundamente a produção literária em seu território. E as Dinas-
tias de Borgonha e de Avis são relevantes nesse sentido, tanto por
desencadear processos históricos que serviram de tema para a lite-
ratura, como por dela participar muitas vezes como protagonistas.
É o caso, por exemplo, de D. Pedro e Inês de Castro, que serão
temas recorrentes na literatura portuguesa. D. João II, D. Manuel
I e D. João III serão responsáveis pelo desenvolvimento marítimo
de Portugal, que será tema de Camões e que permitirá a chegada
dos portugueses ao Brasil em 1500 e a produção da Literatura de
Informação sobre o Brasil. D. Sebastião, último rei da Dinastia de
Avis, suscitará o cultivo de sua memória na literatura portuguesa
até a modernidade através do sebastianismo.
Por outro lado, sob a Dinastia de Borgonha, a cultura me-
dieval portuguesa recebeu considerável influência francesa. É em
seu lirismo provençal e em suas canções de gesta que as primeiras
obras em verso e em prosa do Trovadorismo se inspiraram.
Num primeiro momento, entre os séculos 12 e 14, prevalece
a poesia de natureza trovadoresca. Os trovadores, como ficaram
conhecidos os poetas do Trovadorismo, compunham seus versos
para serem cantados ou declamados acompanhados de música e
de dança. Daí o nome que recebeu essa produção literária medie-
val: cantiga.
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

As cantigas desses trovadores eram de natureza lírica e sa-


tírica. Na lírica, produziram as cantigas de amor e as cantigas de
amigo. Já as cantigas satíricas se dividiam em cantigas de escárnio
e cantigas de maldizer.
Nas cantigas de amor, o trovador expressa o amor idealiza-
do de um eu lírico por uma dama inacessível da sociedade, apro-
ximando sua confissão amorosa da devoção e obediência que os
vassalos destinavam aos seus senhores feudais.
As cantigas de amigo, embora compostas pelos mesmos tro-
vadores do sexo masculino que compunham as cantigas de amor,
expressavam o sentimento de um eu lírico feminino em relação à
ausência de seu amado.
As cantigas de amor tiveram forte influência provençal, en-
quanto nas cantigas de amigo predominava a influência popular
ibérica. Observe, no Quadro 1, a comparação entre esses dois ti-
pos de cantigas.

Quadro 1 Comparação entre cantiga de amor e cantiga de amigo.


CANTIGA DE AMOR CANTIGA DE AMIGO
Influência provençal Influência ibérica
Aristocrática Popular
Eu lírico masculino Eu lírico feminino
Amor cortês Amor físico
Cantiga de mestria e de refrão Paralelismo e refrão

Já nas cantigas satíricas, os trovadores ocupavam-se de zom-


bar figuras representativas da sociedade medieval. Nas cantigas de
escárnio, predominava a zombaria velada num linguajar ambíguo,
ao passo que, nas de maldizer, a sátira dava-se de modo explícito
e em linguagem ofensiva. Observe, no Quadro 2, a comparação
entre esses dois tipos de cantigas.

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18 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Quadro 2 Comparação entre cantiga de escárnio e cantiga de mal-


dizer.
CANTIGA DE ESCÁRNIO CANTIGA DE MALDIZER
Sátira indireta Sátira direta
Ironia Linguagem ofensiva
Ambiguidade Referência explícita

Escritas em galego-português, essas cantigas foram reuni-


das em coletâneas, das quais três chegaram até nós. São elas: O
Cancioneiro da Ajuda, considerado o mais antigo; o Cancioneiro da
Vaticana e o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, que são os mais
completos, contendo cantigas líricas e satíricas que abarcam todo
o período do Trovadorismo.
A prosa trovadoresca contou com a produção de livros de
linhagens (genealogias de nobres), hagiografias (relatos da vida de
santos), cronicões (registros de fatos históricos da época) e, sobre-
tudo do ponto de vista literário, as novelas de cavalaria.
Originárias da França e da Inglaterra, inspiradas nas canções
de gesta, as novelas de cavalaria estavam organizadas em três ci-
clos: carolíngio (feitos heroicos de Carlos Magno), clássico (greco-
-latino) e bretão ou arturiano (história do rei Arthur e os cavaleiros
da Távola Redonda).
Dentre os três ciclos, foi o bretão ou arturiano que se achou
vertido para a Língua Portuguesa, sendo Amadis de Gaula e A De-
manda do Santo Graal as novelas de cavalaria de maior sucesso
entre os portugueses.
Essas novelas de cavalaria cristianizadas serviram a um pro-
pósito religioso e moral ao idealizar a figura do cavaleiro como ho-
mem virtuoso, piedoso e comprometido com a honra e a defesa
da fé.
O segundo período da literatura medieval portuguesa, co-
nhecido como Humanismo, configurou-se pela historiografia e
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

pela prosa doutrinária e religiosa, pela Poesia Palaciana e pelo Te-


atro Popular de Gil Vicente.
Como movimento literário, o Humanismo pode ser descrito
como Escola Literária que aderiu aos ideais de imitação dos clássi-
cos greco-romanos, fruto de seus estudos iniciados durante a Bai-
xa Idade Média na Itália.
Sua difusão em Portugal deu-se no contexto da transição da
Idade Média para o Renascimento e em meio a fatos como: a crise
do Feudalismo, a crise da Igreja oficial e a da Escolástica, início do
Mercantilismo, ascensão da burguesia e do Absolutismo.
Na historiografia, Fernão Lopes foi o seu principal autor, ao
propor em suas crônicas a investigação documental e ao analisar
as contradições sociais e o papel do povo nos fatos registrados.
Já a prosa doutrinária, produzida pela orientação direta dos
monarcas, tinha preocupação didática voltada à formação dos no-
bres para a vida em sociedade e para o combate nas batalhas.
Havia, ainda, a prosa religiosa que tinha em seu cerne a pre-
ocupação em orientar os fiéis na busca pela salvação da alma e em
seu comportamento moral.
O segundo tempo da literatura medieval portuguesa foi mar-
cado ainda pela Poesia Palaciana, que tinha como principal carac-
terística sua desvinculação da música e o emprego de recursos lin-
guísticos na procura de sua forma própria de expressar-se como
arte.
Reunidas no Cancioneiro Geral, as poesias palacianas tinham
na épica, na religião, na sátira e, sobretudo, na lírica amorosa suas
fontes de inspiração temática. Nesta última, destacou-se por ino-
var na forma de tematizar a mulher e na descrição da natureza.
Assim, a mulher ganha feições físicas em contraste à idealização
trovadoresca. Quanto à natureza, é apresentada como lugar de
harmonia e felicidade, antecipando a tendência romântica do sé-
culo 18.

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20 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Na dramaturgia, a figura de maior expressão é Gil Vicente


e seu teatro popular, em que se destaca sua produção de crítica
social por meio de seus personagens representativos da sociedade
medieval.
A transição da Idade Média para a Moderna deu-se sob im-
pacto dos movimentos de renovação intelectual, política, social e
religiosa que afloraram na Europa.
A ascensão da classe burguesa, os movimentos absolutistas,
as invenções tecnológicas, as navegações ultramarinas, os movi-
mentos de reforma religiosa e o crescente experimentalismo, ra-
cionalismo e antropocentrismo foram alguns dos fatores que in-
fluenciaram e ajudaram a configurar a Europa moderna.
No campo das artes, volta-se para a Antiguidade Clássica
como principal fonte de inspiração e humanização da produção
cultural, resgatando temáticas mitológicas e descritivas do cotidia-
no e do corpo humano.
Esse movimento de Renascimento iniciado na Itália no sécu-
lo 15, na literatura, recebeu o nome de Classicismo ou Quinhen-
tismo, preservando, como nas demais artes, o gosto pela imitação
dos clássicos greco-romanos, indicada pela busca da perfeição for-
mal, universalismo, racionalismo, objetividade e equilíbrio.
Em Portugal, o Classicismo tem início com Sá de Miranda
(1481-1558), que, ao voltar da Itália, em 1527, introduziu na po-
esia portuguesa a chamada medida nova, que trazia uma nova
concepção de poesia adornada por formas rígidas e de recursos
rítmicos e métricos bem definidos como o verso decassílabo, o so-
neto, a sextina. E algumas formas de origem grega e latina como a
égloga, a elegia, a ode, a epístola, a epigrama e o epitalâmio.
Com a introdução da medida nova em Portugal, as formas
tradicionais não foram abandonadas por completo, coexistindo
com as novas ainda durante algum tempo.
© Caderno de Referência de Conteúdo 21

Antônio Ferreira (1528-1569) foi quem propôs a sistematiza-


ção da poesia classicista portuguesa. Autor que também se desta-
cou no drama, com a tragédia A Castro, que revisita a história de
D. Pedro e Inês de Castro.
Bernardim Ribeiro destacou-se na prosa com a novela Me-
nina e Moça, cuja trama central recai sobre a relação amorosa de
uma personagem feminina.
Mas é Luís Vaz de Camões (1524/25-1580) o autor de maior
expressão do Classicismo, compondo cartas, peças, poesia lírica e
épica.
Na lírica, Camões escreveu poemas na medida velha e na
medida nova, sendo numa e noutra poeta de criatividade excep-
cional. Camões, na verdade, superou a poesia classicista e tornou-
-se precursor do Barroco.
A medida velha ou redondilha menor (verso de 5 sílabas po-
éticas) e a redondilha maior (verso de 7 sílabas poéticas) recebiam,
de acordo com a sua estrutura, o nome de: trova, cantiga, mote e
glosas ou volta, vilancete.
Já a medida nova, escrita em versos decassílabos, ou seja,
compostos de dez sílabas poéticas, serviu de estrutura para os so-
netos, elegias, oitavas e uma sextina de Camões.
Dentre a produção lírica mais importante de Camões estão
os seus sonetos à moda italiana, em que o poeta geralmente abor-
dava a temática amorosa, definindo o amor como um sentimento
complexo e repleto de paradoxos.
Com seus sonetos, Camões preocupou-se em seguir cinco
princípios inerentes ao Classicismo: imitação dos modelos clássi-
cos, racionalismo, equilíbrio e harmonia, universalidade e o discur-
sivo em que procura conceituar seus temas.

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22 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Além disso, estão presentes em seus sonetos a ideia do fin-


gimento e realidade, a dor e a delicadeza, a dialética das antíteses
e o desconcerto do mundo.
Na poesia épica, Camões foi o autor da epopeia Os Lusíadas,
grandiosa não só por sua extensão em versos, mas também pela
regularidade na métrica e no ritmo, assim como pela temática his-
tórica, louvando os grandes feitos da nação portuguesa.
Nela, em 1102 versos decassílabos de rimas abababcc, Ca-
mões retoma a história da fundação de Portugal e as grandes na-
vegações. Essa epopeia, organizada segundo o modelo clássico,
compreende três partes, como sintetizado a seguir:
Introdução
• Proposição: apresentação do assunto do poema.
• Invocação: pedido de inspiração às musas.
• Dedicatória: a D. Sebastião, rei de Portugal à época.
Narração
• A expedição de Vasco da Gama e a história de Portugal.
Epílogo
• Encerramento do poema com um lamento pela degene-
ração e decadência de Portugal.
A narração é a parte mais longa de Os Lusíadas e contém a
expedição de Vasco da Gama em direção à Índia, acontecimento
importante comercialmente e de grande bravura diante dos desa-
fios naturais que enfrentaram os navegadores portugueses.
Dentre os episódios mais dramáticos narrados no poema
está o amor trágico entre D. Pedro e Inês de Castro, assassinada
com o aval do rei D. Afonso IV, mas coroada, mesmo morta, mais
tarde, quando D. Pedro sobe ao trono português.
Outro episódio singular por seu aspecto de aventura é o do
Gigante Adamastor, que descreve em termos alegóricos a forte
© Caderno de Referência de Conteúdo 23

tempestade por que passou a esquadra de Vasco da Gama já pró-


xima ao Cabo das Tormentas.
Enquanto na Europa, especialmente em Portugal, as Gran-
des Navegações movimentavam uma política expansionista, no
Brasil, começam a surgir os primeiros escritos.
Trata-se de uma literatura de registro, em que viajantes e
missionários documentaram suas impressões a respeito de nossa
terra e de seus habitantes nativos.
Dentre essa produção chamada de Literatura de Informação,
destacam-se: A Carta, de Pero Vaz de Caminha; Diário de Navega-
ção, de Pero Lopes e Sousa; Tratado da Terra do Brasil e A primeira
história do Brasil, de Pero de Magalhães de Gândavo; Narrativa
epistolar e Tratados da terra e da gente do Brasil, de Fernão Car-
dim; Tratado descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa; Di-
álogo das grandezas do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão;
Cartas de missionários jesuítas; Diálogo sobre a conversão dos
gentios, de Manuel da Nóbrega, e História do Brasil, de Vicente do
Salvador.
São, portanto, relatos de bordo de navegantes, divulgação
geográfica e etnológica, crônicas históricas, historiografias e infor-
mações religiosas que compõem essa vasta literatura, cuja riqueza
é mais de valor histórico que literário propriamente dito.
É o padre jesuíta José de Anchieta quem mais se aproxima da
estética literária com sua poesia e dramaturgia de feição religiosa.
Com propósitos catequéticos, seus autos e poesias escritos
em português e tupi seguiram um modelo já conhecido, portanto,
em Portugal.
Assim, chegamos ao final de nossa Abordagem Geral, em
que procuramos oferecer um panorama de como se deu o flores-
cimento das primeiras manifestações literárias em Portugal e no
Brasil.

Claretiano - Centro Universitário


24 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Esperamos que, a partir dessas considerações aqui aponta-


das sobre as literatura portuguesa e brasileira, você se sinta moti-
vado a mergulhar na pesquisa desse tema. E mais que isso, possa
sentir-se despertado para aprofundar seus conhecimentos literá-
rios.

Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados em Literatura Portuguesa e Bra-
sileira I. Veja, a seguir, a definição de seus principais conceitos:
1) Auto: de origem medieval dos mistérios e moralidades e
personagens alegóricos, simples em sua estrutura e lin-
guagem, veio a designar peças breves, de temática reli-
giosa ou laica (MOISÉS, 2004).
2) Bufão: bobo, fanfarrão.
3) Carta régia: carta real enviada diretamente a um indiví-
duo, sem intermediação diplomática.
4) Couvade: restrições e tradições impostas aos homens de
algumas culturas por ocasião da gravidez e do resguardo
de suas esposas.
5) Diacrônico: estudo de determinada língua ao longo do
tempo.
6) Écloga: poesia pastoril dialogada (MICHAELIS, 2012).
7) Elegia: poema de tema triste ou doloroso (INFOPEDIA,
2012).
8) Epopeia: poema narrativo que aborda tema de grande
vulto. Apresenta como protagonista um personagem fa-
moso histórico ou mitológico.
9) Etnografia: estudo descritivo de aspectos sociais ou cul-
turais de um grupo ou povo (INFOPEDIA, 2012).
10) Feudalismo: sistema político, econômico e social medie-
val em que o vassalo recebe e trabalha a terra (feudo) do
© Caderno de Referência de Conteúdo 25

proprietário (senhor feudal) em troca de sua proteção


(INFOPEDIA, 2012).
11) Glosa: composição poética que desenvolve um mote.
12) Godos: de origem germânica, invadiram o Império Ro-
mano dos séculos 3º ao 5º. Os godos do leste ficaram
conhecidos como ostrogodos; os do oeste, como visigo-
dos (MICHAELIS, 2012).
13) Imanente: que é parte integrante da essência de alguém
ou de algo (MICHAELIS, 2012).
14) Mestiçagem: cruzamento de raças ou espécies diferen-
tes (MICHAELIS, 2012).
15) Ode: composição poética lírica de tom alegre e destina-
da ao canto.Provençal: que tem origem na Provença, re-
gião da França (MICHAELIS, 2012).
16) Redondilha: verso de cinco sílabas poéticas (redondilha
menor) ou de sete sílabas poéticas (redondilha maior)
(INFOPEDIA, 2012).
17) Sardo: língua de origem românica falada na Sardenha.
18) Soneto italiano: poema composto de quatorze versos,
divididos em duas estrofes de quatro versos e duas de
três versos, sendo que todos os versos possuem dez síla-
bas poéticas (decassílabos).
19) Substrato linguístico: elementos linguísticos de determi-
nado grupo que se dilui no idioma oficial (colonizador),
introduzindo, neste último, traços da existência primiti-
va daquele.
20) Suserano: senhor feudal de quem dependiam outros
feudos ou a ele estavam subjulgados (INFOPEDIA, 2012).
21) Vassalo: indivíduo que, sob juramento de obediência
irrestrita, serve ao senhor feudal ou suserano (MICHA-
ELIS, 2012).

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais
importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um
Esquema dos Conceitos-chave. O mais aconselhável é que você

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26 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o


seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o
seu conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas
próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-
tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais
complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você
na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de
ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-
-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em
esquemas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu co-
nhecimento de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pe-
dagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendiza-
gem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim,
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem
pontos de ancoragem. 
Tem-se que destacar que "aprendizagem" não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez
que, ao fixar esses conceitos nas suas estruturas cognitivas já exis-
tentes, outros serão também relembrados.
© Caderno de Referência de Conteúdo 27

Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você


o principal agente da construção do próprio conhecimento, por
meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas
e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tor-
nar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhe-
cimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabele-
cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com
o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do
site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapascon-
ceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010).
Como poderá observar, esse Esquema oferece a você, como
dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo. Ao segui-lo, você poderá transitar entre
os principais conceitos e descobrir o caminho para construir o seu
processo de ensino-aprendizagem, em que as primeiras manifes-
tações literárias em Língua Portuguesa se deram numa estrutura
bem explícita em verso, prosa e drama, com características mar-
cantes de cada período.
O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de
aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien-
te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como
àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza-
das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD,
deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio co-
nhecimento.

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28 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

LITERATURA PORTUGUESA E BRASILEIRA

TROVADORISM0
IDADE MÉDIA

POESIA PROSA DRAMA

MISTÉRIOS

MILAGRES
SATÍRICA
NOVELA
LÍRICA

DE
CAVALARIA
HUMANISMO
Galego-Português

POESIA HISTORIOGRAFIA TEATRO

DOUTRINÁRIA
PALACIANA POPULAR

PROSA GIL
CANCIONEIRO
GERAL VICENTE
CLASSICISMO

BERNARDIM RIBEIRO

CAMÕES MENINA E
Língua Portuguesa

ANTÔNIO FERREIRA
MOÇA
LÍRICO

ÉPICO

A CASTRO

DIVULGAÇÃO GEOGRÁFICA E ETNOLÓGICA


POESIA
SOBRE O BRASIL
LITERATURA DE
INFORMAÇÃO

RELATOS DE BORDO DE VIAGENS

JOSÉ DE
ANCHIETA
CRÔNICAS HISTÓRICAS
TEATRO

INFORMAÇÕES
HISTORIOGRAFIA RELIGIOSAS

Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave de Literatura Portuguesa e Brasileira I.


© Caderno de Referência de Conteúdo 29

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser
de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-las com a prática de leitura e de ensino da literatura
pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim,
mediante a resolução de questões pertinentes ao assunto tratado,
você estará se preparando para a avaliação final, que será disser-
tativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar
seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida para a sua
prática profissional.
Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabari-
to, que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões
autoavaliativas de múltipla escolha.

As questões de múltipla escolha são as que têm como respos-


ta apenas uma alternativa correta. Por sua vez, entendem-se por
questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos
matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada,
inalterada. Já as questões abertas dissertativas obtêm por res-
posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado; por isso,
normalmente, não há nada relacionado a elas no item Gabarito.
Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus
colegas de turma.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-

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30 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no


texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos estudados, pois relacionar aquilo que está no campo visual
com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
O estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo convida
você a olhar, de forma mais apurada, a Educação como processo
de emancipação do ser humano. É importante que você se atente
às explicações teóricas, práticas e científicas que estão presentes
nos meios de comunicação, bem como partilhe suas descobertas
com seus colegas, pois, ao compartilhar com outras pessoas aqui-
lo que você observa, permite-se descobrir algo que ainda não se
conhece, aprendendo a ver e a notar o que não havia sido perce-
bido antes. Observar é, portanto, uma capacidade que nos impele
à maturidade.
Você, como aluno do curso de Graduação na modalidade
EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente.
Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor
presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri-
mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades
nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discu-
ta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoau-
las.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
© Caderno de Referência de Conteúdo 31

para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,


pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.

3. E-REFERÊNCIAS
MICHAELIS: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: <http://michaelis.
uol.com.br/>. Acesso em: 24 jan. 2012.
INFOPEDIA: Enciclopédia e Dicionários Porto Editora. Disponível em: <http://www.
infopedia.pt/>. Acesso em: 24 jan. 2012.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2004.

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EAD
Conceitos Fundamentais

1
1. OBJETIVOS
• Identificar-se como ser pertencente à comunidade dos
países de Língua Portuguesa.
• Identificar o conceito de sistema literário.
• Apreender o conceito de macrossistema das literaturas
de Língua Portuguesa.
• Buscar e trocar com os colegas informações sobre os paí-
ses de Língua Portuguesa.

2. CONTEÚDOS
• A comunidade dos países de Língua Portuguesa.
• Atualizações da Língua Portuguesa.
• Sistema literário.
• O macrossistema das literaturas de Língua Portuguesa.
34 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Observe como se deu a formação da Língua Portugue-
sa, suas origens, estágios iniciais e as particularidades de
sua composição em diferentes países em que é a língua
oficial.
2) Perceba que a Língua Portuguesa está presente em ou-
tras partes do mundo, sendo a língua oficial não só de
Portugal e Brasil, mas de outros países da Europa, África
e Ásia.
3) Compreenda que, além da língua, os países em que o
português é a língua oficial possuem outros elementos
de aproximação.
4) Reflita sobre os reflexos das similaridades desses países
sobre a Literatura em Língua Portuguesa.
5) Tenha em mente que cada país, embora possua elemen-
tos comuns que os aproxima, possui particularidades
que atualizam sua língua e sua literatura.
6) Perceba a diferença entre manifestação literária e siste-
ma literário.
7) Avalie a pertinência e a importância do estudo integrado
das Literaturas em Língua Portuguesa.
8) Visite o site <www.cplp.org> e aprofunde seus conheci-
mentos a respeito da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Para introduzir esta nossa viagem pelo universo das Litera-
turas em Língua Portuguesa, é preciso compreender a perspectiva
em que elas serão estudadas.
Nesta oportunidade, optamos por estudá-las de forma inte-
grada e não separadas por nacionalidade, como usualmente se faz
nos cursos de Letras. Na maioria deles, os alunos estudam a Litera-
tura Portuguesa e a Literatura Brasileira, separadamente.
© U1 - Conceitos Fundamentais 35

Ora, por que, então, decidimos integrar essas duas discipli-


nas? Essa decisão tem um pressuposto teórico que implica numa
determinada perspectiva de estudo.
Veremos, em seguida, alguns conceitos que ajudarão você a
entender o motivo da integração das duas disciplinas.
Então, vamos lá!

5. COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTU-


GUESA
Vamos começar nosso estudo apresentando as nações que
fazem parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Antes, porém, voltaremos no tempo para descobrir as ori-
gens da língua falada por esta comunidade.
Vejamos, então.

A formação da Língua Portuguesa


A Língua Portuguesa faz parte das chamadas línguas români-
cas, aquelas que evoluíram a partir do latim vulgar falado em parte
do território de domínio e expansão do Império Romano.
Mas quais são mesmo essas línguas derivadas do latim e
onde surgiram?
No mapa, Figura 1, você tem em destaque os países onde as
línguas românicas se desenvolveram.

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36 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Figura 1 Países da Europa em que se desenvolveram as línguas românicas.

Como você pôde perceber na figura anterior, as línguas ro-


mânicas desenvolveram-se nos territórios que hoje correspondem
à Itália, Espanha, Portugal, França, Romênia e Moldávia. Ali, o la-
tim vulgar, depois de um longo processo de evolução, deu origem
ao italiano, ao sardo, ao espanhol, ao português, ao francês, ao
catalão, ao provençal e ao romeno.
Como já mencionado, a passagem do latim vulgar não foi
algo que aconteceu de uma hora para outra, mas um processo
paulatino. Oliveira (2001, p. 8) assim resume a evolução linguística
do latim para as línguas românicas:
Em virtude de os romanos terem conquistado um vasto território
e terem imposto o Latim sobre os mais diversos povos, essa língua,
com o esfacelamento do poder central, passou a dialetar-se, so-
frendo em cada região as influências dos substratos subjacentes.

Foi o que se deu também na Península Ibérica, Figura 2, por-


ção do continente europeu em que fica o território de Portugal.
© U1 - Conceitos Fundamentais 37

Figura 2 Península Ibérica.

Todavia, os romanos não foram os únicos a participar da for-


mação linguística da região. Com a decadência do Império Roma-
no, outros povos invadiram a Península Ibérica.
Conforme nos informa Oliveira (2001, p. 10-11):
Findo o Império, houve várias invasões bárbaras, destacando-se
os godos e visigodos, da família germânica. Formou-se o grande
Reino Visigótico, compreendendo toda a Península Ibérica e parte
da França. Em 711 d.C., os mouros, habitantes do norte da África
– (Marrocos – Mauritânia), chefiados por Tárik, invadiram a Penín-
sula pelo Sul.

Assim, percebe-se a presença na Península de povos de ori-


gem europeia mais ao norte, de origem africana, sem falar naque-
les ali já instalados de origem romana ou não.
Com o passar do tempo, havia a consciência de que o que
se falava nas diferentes regiões não era mais o latim vulgar, mas o
que ficou conhecido como romance.
Com relação ao romance, Castilho (2012) nos informa que:
O período Romance não é conhecido em detalhes. Tudo o que se
sabe é que o Romance variava geograficamente, e já não podia
mais ser considerado como Latim, dadas as profundas alterações

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38 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

operadas na gramática da língua de Roma, nem era ainda algumas


das línguas românicas que hoje conhecemos. A própria duração do
Romance variou no tempo: na França, ele parece ter sido extinto
em 800, quando surge o primeiro documento em Francês, os Ju-
ramentos de Estrasburgo, de 838. Na Ibéria o "prazo de validade"
do Romance foi mais extenso, e ele deve ter sobrevivido até 1100.

A próxima etapa significativa da evolução linguística da Pe-


nínsula Ibérica deu-se com o movimento de Reconquista, que ob-
jetivava a expulsão dos mouros daquela região.
Segundo Castilho (2012), no território que hoje compreende
Portugal, "várias mudanças fonológicas, morfológicas e sintáticas
ocorreram no Latim Vulgar e no Romance Hispânico, em seu cami-
nho para o Português Arcaico".
A partir do século 11, à medida que os árabes eram empur-
rados para o sul da Península, o território português vai se consti-
tuindo e a Língua Portuguesa, na forma do português arcaico ou
galego-português, vai se firmando.
Castilho (2012) menciona que essa primeira fase da Língua
Portuguesa se estende de 1100 a 1350 e acrescenta:
Os primórdios do Galego-Português coincidem com a criação do
Reino de Portugal. Tanto um fato quanto outro decorrem das cor-
rerias e ações guerreiras promovidas pela Reconquista. Enquanto
o Reino se consolida, o Galego-Português vai ocupando os novos
territórios, deslocando-se do Norte para o Sul. Essa língua românica
foi adotada pelos moçárabes, pelos muçulmanos que tinham per-
manecido na península, e por outros contingentes que desciam do
Norte para ocupar as terras abandonadas pelos árabes.

É em galego-português, por exemplo, que foram redigidos


os primeiros textos literários de Portugal em uma língua que não
seja o latim.
Observe no quadro a seguir, como exemplo, um trecho da
catinga A Ribeirinha, atribuída a Paio Soares de Taveirós.
© U1 - Conceitos Fundamentais 39

Quadro 1 Texto da primeira fase do português arcaico.


VERSÃO EM VERSÃO EM PORTUGUÊS
GALEGO-PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO
No mundo non me sei parelha, No mundo não conheço quem se compare

Mentre me for como me vai, a mim enquanto eu viver como vivo,

Ca já moiro por vós – e ai! pois eu morro por vós – ai!

Mia senhor branca e vermelha, Pálida senhora de face rosada,

Queredes que vos retraia Quereis que eu vos retrate

Quando vos eu vi em saia! Quando eu vos vi sem manto!

Mau dia me levantei, Infeliz o dia em que acordei,

Que vos enton non vi fea! Que então eu vos vi linda!

(Paio Soares de Taveirós)


Fonte: Campedelli; Souza (2001, p. 51).

Como você pode perceber, esse estágio da Língua Portugue-


sa apresenta considerável diferença no vocabulário, na morfologia
e na sintaxe em relação ao português que conhecemos hoje. Algu-
mas palavras, por exemplo, são totalmente desconhecidas a nós
em seu significado. É o caso da primeira palavra da cantiga "hun".
Sobre as composições literárias deste período, voltaremos a
nos referir com mais detalhes na Unidade 3, quando abordaremos
com maior atenção as primeiras manifestações literárias de Portu-
gal em língua vernácula.
Agora, retomando a questão da formação da Língua Portu-
guesa, a sua segunda transformação significativa se dá entre 1350
e 1450.
Sobre o contexto em que se deu a passagem de um estágio
ao outro da formação de nossa língua materna, Castilho (2012)
nos diz que:
O Reino de Portugal consolida-se cada vez mais no sul. Em 1255 D.
Afonso III instala-se em Lisboa, e o centro cultural e político passa a
girar entre Lisboa e Coimbra. Em 1290 funda-se a Universidade de
Lisboa, transferida para Coimbra em 1308. Já no séc. XII, a fronteira
do Reino de Leão e Castela isola a Galícia de Portugal. O isolamento

Claretiano - Centro Universitário


40 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

se acentua no séc. XIV, o Galego-Português sofre alterações lingüís-


ticas, separando-se do Português.

Os textos da segunda fase do português arcaico já apresen-


tam diferença em relação ao galego-português, mas ainda não é o
português moderno. Segundo Saraiva e Lopes (2005), o século 15
foi um período de transição, sendo comum encontrar em textos
desse tempo a convivência de termos arcaicos e modernos.
A evolução da Língua Portuguesa seguiu em ritmo acelerado
principalmente a partir do século 14, sendo que, nos séculos 17 e
18, pouco restava fazer "na estrutura fundamental do idioma, para
atingir a configuração do Português moderno" (SARAIVA; LOPES,
2005, p. 26).
A Língua Portuguesa foi levada de Portugal para suas colô-
nias, na época das grandes navegações iniciadas no século 16 e,
por isso, configura no panorama mundial como língua de algumas
nações fora do continente europeu, formando a chamada Comu-
nidade de Países de Língua Portuguesa.
Vejamos, a seguir, quais são estes países e a importância da
integração dessa comunidade, especialmente no que diz respeito
à literatura, à cultura e à política internacional.

Comunidade de Países de Língua Portuguesa


Como você pôde perceber, a Língua Portuguesa é falada em
vários países. Além de Portugal (Europa) e do Brasil (América do
Sul), ela é também a língua oficial de Angola, Moçambique, Cabo
Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau (países da África) e
também do Timor-Lorosae (antigo Timor Leste, na Ásia). Observe
a Figura 3:
© U1 - Conceitos Fundamentais 41

Figura 3 Países em que a língua oficial é a portuguesa.

Desde 1996, esses países formam a Comunidade dos Países


de Língua Portuguesa (CPLP), com o objetivo de manter a amizade
e a colaboração mútua entre essas nações.
Todos esses países, hoje independentes, têm em comum
não apenas o uso da Língua Portuguesa, como língua oficial, mas
muitas similaridades situacionais – fatores relativos à base históri-
co-social – que os aproximam (ABDALA JUNIOR, 1989), especial-
mente o fato de terem sido colônias de Portugal.
Ora, a ocupação territorial de um país estabelece imediata-
mente um feixe intrincado de relações, em que a vida social, cul-
tural e política ficam condicionadas pela dialética colonizador-co-
lonizado; é o que o crítico literário e professor Alfredo Bosi (2006,
p. 13) chama complexo colonial de vida e pensamento: "A colônia
é, de início, o objeto de uma cultura, o 'outro’ em relação à me-
trópole. [...] A colônia só deixa de o ser quando passa a sujeito da
sua história".
Essa passagem da condição de objeto para a de sujeito de sua
própria história – quer seja feita de modo pacífico, como no Brasil,
quer mobilize a luta armada, como no caso das outras ex-colônias

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42 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

– implica necessariamente tensões e rupturas, bem como a busca


de identidade e valores próprios. A literatura, nesse contexto, tor-
na-se veículo e instrumento para a constituição da nacionalidade.
As confluências históricas entre esses países, entretanto,
não se limitam à situação de serem ex-colônias de Portugal, mas
se fundam, sobretudo, na condição de subdesenvolvimento que
condiciona a produção cultural.
Viu como é interessante conhecermos a história da nossa
língua?
No ensaio Literatura e subdesenvolvimento, Antonio Candi-
do (1989), sociólogo e crítico literário, analisa a relação entre o
subdesenvolvimento e a cultura nos países latino-americanos –
válida também para os países africanos de Língua Portuguesa, se
considerarmos que também estes vivem uma precária condição
de desenvolvimento. Segundo o autor, a consciência possível do
subdesenvolvimento faz que se desenvolvam, ao longo do tempo,
diferentes perspectivas entre os intelectuais da América Latina,
suscitando orientações diversas – se não antagônicas – nas produ-
ções literárias desses países.
A ênfase recai, portanto, sobre a consciência do autor com
relação ao papel da literatura na construção/transformação da his-
tória e da sociedade. Para Candido (1918-), a literatura, além de
manifestação artística, possui estreita relação com a formação da
sociedade.
Para Candido (1989), a dependência cultural é um fato com-
preensível pela própria condição dos povos colonizados que ou
descendem do colonizador, ou estiveram submetidos à sua civili-
zação.
Dada a situação de debilidade cultural e, por conseguinte, a
ausência de público leitor local, para absorver as obras produzidas
nesses países, é compreensível que os escritores dos países colo-
nizados passassem a escrever para um público ideal, europeu, dis-
© U1 - Conceitos Fundamentais 43

tanciando-se assim da sua terra e adotando os modismos e valores


da literatura europeia. A falta de pontos de referência nacionais
– visto que, enquanto colônias, esses países não possuíam ainda
uma identidade nacional – transformava essas obras, embora de
alta qualidade literária, em alienação (CANDIDO, 1989).
Com o tempo, as literaturas desses povos adquiriram certa
autonomia, embora mantivessem a sua origem ligada à literatura
da metrópole (Portugal). Essa autonomia era relativa, pois, muitas
vezes, o rompimento com a metrópole levou os países colonizados
a adotarem outros modelos:
Nos casos dos países de fala espanhola e portuguesa, o processo de
autonomia consistiu, numa boa parte, em transferir a dependência,
de modo que outras literaturas européias não-metropolitanas, so-
bretudo a francesa, foram se tornando modelo a partir do século
XIX, o que aliás ocorreu também nas antigas metrópoles, intensa-
mente afrancesadas (CANDIDO, 1989, p. 151).

Essa transferência de dependência cultural das metrópoles


para outros focos de cultura, no caso das ex-colônias portuguesas,
foi reflexo da perda de autonomia política que Portugal sofreu nos
séculos precedentes (desde o fim do século 16 até o século 18).
Na medida em que Portugal, empobrecido pela empresa dos
descobrimentos, passou para a categoria de nação periférica no
contexto europeu, sua literatura começou a girar em torno de ou-
tros centros culturais: a Espanha (no período Barroco), a Itália (no
Arcadismo) e a França (durante o Iluminismo). "A situação afetou
em cheio as incipientes letras coloniais que, já no limiar do século
XVII, refletiriam correntes de gosto recebidas 'de segunda mão’.
O Brasil reduzia-se à condição de subcolônia" (BOSI, 2006, p. 14),
condição essa que se estendia, igualmente, aos países africanos de
colonização portuguesa.
A dependência cultural, desse modo, apresenta-se como
inevitável e, nesses termos, adquire nova configuração,
[...] tornando-se uma forma de participação e contribuição a um
universo cultural a que pertencemos, que transborda as nações e
os continentes, permitindo a reversibilidade das experiências e a

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44 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

circulação de valores. [...] Somos parte de uma cultura mais ampla,


da qual participamos como variedade cultural. E [...] é uma ilusão
falar em supressão de contatos e influências [entre essas nações].
Mesmo porque, num momento em que a lei do mundo é a inter-
-relação e a integração, as utopias da originalidade isolacionista
não subsistem mais no sentido de atitude patriótica [...] (CANDI-
DO, 1989, p. 152-154).

Candido (1989) aponta, na citação anterior, para o fato de


que a busca de uma literatura e de uma identidade nacionais não
responde mais aos anseios de vida do homem contemporâneo.
Num mundo de globalização, em que a informação circula
livremente entre todos os países, não basta mais, como forma de
resistência política à dominação cultural, firmar-se nos limites de
uma determinada nação. É preciso que nos vejamos não apenas
como brasileiros, mas como membros de uma comunidade maior:
a dos falantes de Língua Portuguesa.
Embora Candido (1989) ressalte a interdependência cultural
como um fator de abertura e não alienação, o processo de globali-
zação crescente tem suscitado a formação de associações culturais
de resistência, conforme observa Abdala Junior (2002, p. 30):
Laços comunitários supranacionais, como resposta a essa nova si-
tuação histórica do capital, que nunca deixou de ser cosmopolita:
à ação das corporações opõem-se as ações dessas formas de agre-
gação, que após um período em que predominavam atitudes de
resistência passam a propor modelos alternativos à globalização
neoliberal.

É dentro desse quadro que se sustenta a proposta dos es-


tudos comparados de Literaturas de Língua Portuguesa. Além das
razões científicas decorrentes das relações culturais, há razões
políticas que dizem respeito à presença da Língua Portuguesa no
mundo globalizado e sua preservação como identidade cultural
(ABDALA JUNIOR, 2002).
Tendo em vista a necessidade de preservação de uma identi-
dade cultural comum aos países de Língua Portuguesa, Abdala Ju-
nior (2003, p. 66) observa que há, na América Latina, uma mestiça-
gem essencial, isto é, uma mistura de valores culturais de origens
© U1 - Conceitos Fundamentais 45

diversas, que possibilita "uma forma plural de nos imaginarmos,


com repertórios de várias culturas".
Essa pluralidade de culturas – no nosso caso, de origens ame-
ríndias, europeias e africanas – permite, segundo o autor, a figura-
ção utópica de uma comunidade cultural ibero-afro-americana, a
partir de um descentramento de perspectiva que nos faz observar
as diferentes culturas de um ponto de vista próprio, descoloniza-
do, e não mais dentro do antigo eixo vetorial metrópole-colônia.
Essa nova perspectiva introduz a solidariedade nos estudos
comparados:
Esse descentramento solicita uma teoria literária descolonizada,
com critérios próprios de valor. Em termos de literatura compara-
da, o mesmo impulso nos leva a enfatizar estudos pelos paralelos
– um conceito mais amplo que o geográfico e que envolve sime-
trias socioculturais. Assim, os países ibéricos situam-se em paralelo
equivalente ao de suas ex-colônias. [...] Vamos promover, pois, o
comparatismo da solidariedade, buscando o que existe de próprio
e de comum em nossas culturas (ABDALA JUNIOR, 2003, p. 67).

O fato de que essas culturas pertençam a uma tradição histó-


rico-cultural comum, que está na base de suas criações artísticas,
autoriza o estudo comparado das literaturas dos países de Língua
Oficial Portuguesa.
Abdala Junior (2003, p. 103) aponta ainda para a existência
de um "macrossistema marcado como um campo comum de con-
tatos entre os sistemas literários nacionais" de Língua Oficial Por-
tuguesa. Mas, para entender o conceito de macrossistema literá-
rio, antes é preciso entender o que é um sistema literário nacional.
O que é para você um sistema literário nacional? Vejamos na
sequência.

6. ATUALIZAÇÕES DA LÍNGUA PORTUGUESA


Agora que você já deu sua opinião do que vem a ser um sistema
literário nacional, vamos ao texto conhecer mais sobre este assunto.

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46 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

A Língua Portuguesa, como sistema abstrato (ou seja, no pa-


pel de um conjunto de possibilidades da Língua Portuguesa), tem
sofrido mudanças ao longo do tempo. Esse sistema materializa-se
por meio de suas variantes (o falar português, o falar brasileiro, o
moçambicano, o angolano etc.), que constituem a base das atua-
lizações da Língua Portuguesa em cada país. Em outras palavras,
um sistema literário nacional se efetiva nas variantes moldadas e
faladas nos diferentes países em que o português se firmou como
língua oficial.
No entanto, essas diferenças não se constituem em uma
nova língua, pois se dão, sobretudo, no campo da fonética e da
fonologia, ou seja, no que diz respeito à pronúncia e ao sotaque.
Isso significa que a Língua Portuguesa que falamos no Brasil,
embora seja a mesma língua utilizada em Portugal, tem particula-
ridades que lhe conferem uma identidade própria; o mesmo acon-
tece com os outros países de Língua Oficial Portuguesa.
Dizemos "língua oficial portuguesa" para não esquecer que
em vários países onde essa é a língua oficial - ou seja, a língua utili-
zada nas escolas, nas transações comerciais e governamentais – há
outras línguas nacionais que ainda são faladas pelas comunidades
locais.
Em Moçambique, por exemplo, subsistem outras línguas, al-
gumas com expressão escrita e outras não, que identificam grupos
culturais dentro do mesmo país, tais como o sena, o changana, o
achirima, o nianja, o maconde, o macua, o xona; em Angola, en-
contramos o kimbundo, o umbundo, o quicongo, o xoquê, o bun-
da, o pahá etc.
Nenhuma delas, porém, por motivos políticos e estratégicos,
teria condição de desenvolver-se de modo tão eficaz e rápido como
a Língua Portuguesa no momento em que esses países se torna-
ram independentes de Portugal; por este motivo, as ex-colônias
africanas optaram por manter a Língua Portuguesa como oficial.
© U1 - Conceitos Fundamentais 47

Agora, voltando à Língua Portuguesa, tanto a língua como as


formações literárias nela concebidas ao longo de sua evolução his-
tórica – cantigas, sonetos e romanceiros, por exemplo – sobrevive-
ram muito fortemente nas colônias portuguesas, uma vez que os
imigrantes destinados a ocuparem as novas terras formavam uma
população majoritariamente rural, em cujo âmbito essas formas
arcaicas subsistem mais.
Temos, na literatura brasileira, vários exemplos da subsistên-
cia das formas literárias medievais; basta lembrar, por exemplo, o
Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, o poema Can-
tiga de amor, de Manuel Bandeira ou os sonetos de Vinícius de
Moraes, para ficarmos em apenas três ilustres exemplares. Mais
adiante, ao longo do curso, você terá a oportunidade de retomar e
aprofundar seus conhecimentos a respeito desses autores e suas
obras mais expressivas.

7. SISTEMA LITERÁRIO
O conceito de sistema literário foi elaborado por Antonio
Candido (2007) como pressuposto para as reflexões sobre os mo-
mentos mais importantes para a formação da nossa literatura.
A princípio, Candido distingue manifestação literária de lite-
ratura propriamente dita. Para ele, só se pode considerar a exis-
tência de uma literatura (como, por exemplo, a brasileira, a ango-
lana, a francesa, a italiana etc.) quando há um "sistema de obras
ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as
notas dominantes duma fase." (CANDIDO, 2007, p. 25).
Para o autor, esses denominadores são de natureza interna
(língua, temas, imagens comuns) e de natureza social e psíquica
que:
[...] se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto or-
gânico da civilização. Entre eles se distinguem: a existência de um
conjunto de produtores literários, mais ou menos conscientes do
seu papel; um conjunto de receptores, formando os diferentes ti-

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48 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

pos de público, sem os quais a obra não vive; um mecanismo trans-


missor, (de modo geral, uma linguagem, traduzida em estilos), que
liga uns a outros (CANDIDO, 2007, p. 25).

Ao conjunto desses elementos, Candido dá o nome de litera-


tura: vista dessa forma, a literatura é concebida como um sistema
– um conjunto de elementos, de natureza concreta ou abstrata,
intelectualmente organizados – pelo qual os desejos mais intensos
do homem tornam-se elementos de contato entre os homens e de
interpretação da realidade que os cerca (CANDIDO, 2007).
Organizada desse modo, a literatura forma uma tradição:
Quando a atividade dos escritores de um dado período se integra
em tal sistema, ocorre um outro elemento decisivo: a formação
da continuidade literária, – espécie de transmissão da tocha en-
tre os corredores, que assegura no tempo o movimento conjunto,
definindo os lineamentos de um todo. É uma tradição, no sentido
completo do termo, isto é, transmissão de algo entre os homens,
e o conjunto de elementos transmitidos, formando padrões que se
impõem ao pensamento ou ao comportamento, e aos quais somos
obrigados a nos referir, para aceitar ou rejeitar. Sem esta tradição
não há literatura como fenômeno de civilização (CANDIDO, 2007,
p. 25-26).

A perspectiva teórica do autor, como se viu, não é a de estu-


dar as obras literárias como objetos de arte autônomos, como na
crítica imanentista, deixando de lado as circunstâncias históricas,
sociais e culturais do momento de sua produção. Sua crítica abor-
da a obra literária como um produto social, ou seja, um elemen-
to integrante de um sistema que, ao influenciar outros escritores,
contribui para a formação de uma tradição.
Há dois tipos de crítica literária, como você estudará mais
tarde:
• crítica imanentista: centrada no texto; fazem parte desse
conjunto as críticas formalista, estruturalista, semiótica,
psicanalítica, genética etc.;
• crítica não imanentista: centrada nas relações do texto com
outros aspectos da cultura, como ocorre nos estudos cultu-
rais, na crítica histórica, na sociológica, na marxista etc.
© U1 - Conceitos Fundamentais 49

Para Candido (2007), portanto, só é possível falar em litera-


tura quando há a conjunção de fatores internos e externos à obra,
formando uma tradição. Há, porém, obras de alto valor literário
que não integram nenhum sistema.
Candido considera-as como manifestações literárias e não
como literatura propriamente dita. É o caso, por exemplo, de Gre-
gório De Matos, escritor baiano do século 17 (período barroco),
cuja obra tem sido hoje muito valorizada.
De acordo com Candido, portanto, a literatura brasileira tem
início no Arcadismo, que é o período em que surgem temas, como
o Indianismo, que influenciarão a literatura do século 19; toda a
produção literária brasileira que antecede a segunda metade do
século 18, para ele, é considerada apenas como manifestação lite-
rária. Essa postura gerou uma célebre polêmica: em 1989, o poeta
Haroldo de Campos lançou O seqüestro do Barroco na formação
da literatura brasileira: o caso Gregório de Matos, em que critica
a postura de Antonio Candido. Você verá mais detalhes dessa dis-
cussão ao estudar o período literário do Barroco no Brasil.

8. O MACROSSISTEMA DAS LITERATURAS DE LÍNGUA


PORTUGUESA
Temos, tanto em Portugal como nas antigas colônias, a for-
mação de sistemas literários nacionais – ou conjuntos de manifes-
tações literárias de cada nação, uma vez que nem todos se cons-
tituíram ainda em sistemas literários, como na Guiné Bissau e no
Timor Lorosae.
Essa circulação deveu-se, em grande parte, ao fato de que
Portugal era uma metrópole com recursos humanos e econômicos
bastante limitados para levar a termo o processo de colonização.
Os portugueses contavam com a mão de obra dos coloniza-
dos para empreender as viagens e os projetos de ocupação territo-
rial. Os navegantes, que iam e vinham de uma colônia para outra,

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50 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

frequentemente miscigenavam-se com as populações locais, apre-


endendo traços culturais que eram, posteriormente, transmitidos
de um local a outro.
A partir disso, Abdala Junior (1989) propõe a configuração
de um macrossistema das literaturas dos países de Língua Oficial
Portuguesa, que permite identificar formas, modelos e temas que
migraram para além das fronteiras geográficas de seus países de
origem, transformando-se numa herança multicultural que tem
sido apropriada e atualizada pelas diferentes literaturas nacionais.
Dessa forma, encontramos diversos pontos de articulação
entre as literaturas do macrossistema, gerando similaridades con-
textuais entre produções literárias de origem distinta.
Essa articulação das Literaturas de Língua Portuguesa, que,
como vimos, vai além de serem todas escritas em nossa língua ver-
nácula, favorece um estudo integrado da literatura produzida no
Brasil, em Portugal e nos países africanos de Língua Oficial Portu-
guesa.
Este é o ponto de partida da viagem que propomos realizar
junto com você.
Preparado?
Sim? Então vamos em frente!

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade, ou seja, da possibilidade do estudo integrado das litera-
turas dos países que constituem a Comunidade de Países de Lín-
gua Portuguesa.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
© U1 - Conceitos Fundamentais 51

dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma
cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Quais foram as etapas mais significativas que compuseram a formação da
Língua Portuguesa?

2) Quais países integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa?

3) Quais características comuns da Comunidade de Países de Língua Portugue-


sa são mais significativas e importantes para o estudo da Literatura?

4) Embora a Língua Portuguesa seja a mesma em todos os países da Comunida-


de de Países de Língua Portuguesa, ela possui particularidades. Como essas
particularidades se manifestam na língua e na literatura?

5) O que distingue sistema e manifestação literária?

6) Quais são os fatores internos e externos que configuram um sistema literá-


rio?

7) Qual a importância para a língua e para a literatura de se articular um estudo


integrado das Literaturas de Língua Portuguesa?

10. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, fizemos uma introdução ao estudo da Lite-
ratura em Língua Portuguesa propondo seu estudo de modo inte-
grado.
Além disso, conhecemos as origens da Língua Portuguesa e
sua evolução, do latim vulgar até sua emancipação como língua
oficial.
Estudamos, nesse sentido, os países que integram a Comuni-
dade dos Países de Língua Portuguesa, sua relação direta com seus
membros e suas particularidades linguística e literária.

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52 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

E por último, abordamos as definições de sistema e manifes-


tação literária e a importância de se promover o estudo integrado
das Literaturas em Língua Portuguesa.
Na próxima unidade, veremos a formação política de Portu-
gal e sua relação com a literatura que ali se desenvolveu.
Até lá!

11. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Países da Europa em que se desenvolveram as língua românicas. Disponível em:
<http://www.klickeducacao.com.br/materia/print/0,5920,POR-21-98-855-,00.html>.
Acesso em: 24 jan. 2012.
Figura 2 Península Ibérica. Disponível em: <http://www.conecteeducacao.com/
escconect/medio/his/HIS07030003.asp>. Acesso em: 30 maio 2011.
Figura 3 Países em que a língua oficial é a portuguesa. Disponível em: <http://www.
geomundo.com.br/sala-dos-professores-20109.htm>. Acesso em: 24 jan. 2012.

Site pesquisado
CASTILHO, A. T. de. Como, onde e quando nasceu a língua portuguesa? Disponível em:
<http://www.museudalinguaportuguesa.org.br/files/mlp/texto_9.pdf>. Acesso em: 24
jan. 2012.

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ABDALA JUNIOR, B. De vôos e ilhas: literatura e comunitarismo. São Paulo: Ateliê, 2003.
______. Fronteiras múltiplas, identidades plurais: um ensaio sobre mestiçagem e
hibridismo cultural. São Paulo: Senac, 2002.
______. Literatura, história e política: literaturas de língua portuguesa no século XX. São
Paulo: Ática, 1989.
BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.
CAMPEDELLI, S. Y.; SOUZA, J. B. Português: literatura, produção de textos & gramática.
São Paulo: Saraiva, 2001.
CANDIDO, A. A educação pela noite & outros ensaios. São Paulo: Ática, 1989.
______. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Ouro
sobre Azul, 2007.
© U1 - Conceitos Fundamentais 53

______. Recortes. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004.


OLIVEIRA, E. F. de. As línguas românicas. Akrópolis, Umuarama, v. 9, n. 1, p. 8-11, jan./
mar., 2001.
SARAIVA A. J.; LOPES, O. História da literatura portuguesa. Porto: Porto Editora, 2005.

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EAD
As Origens da Literatura
em Língua Portuguesa

2
1. OBJETIVOS
• Identificar as origens históricas das literaturas em Língua
Portuguesa.
• Conhecer um pouco da história de Portugal.
• Perceber as relações existentes entre a história e a produ-
ção da literatura.

2. CONTEÚDOS
• A formação de Portugal.
• Duas grandes dinastias.
• Influências culturais.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
56 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

1) Tenha em mente que as fronteiras do território portu-


guês fazem parte do processo de Reconquista da Penín-
sula Ibérica.
2) Observe a posição geográfica e a composição territorial
de Portugal tanto em sua faixa continental como em
seus arquipélagos.
3) Perceba que a posição e o recorte geográficos, bem
como a história política de Portugal têm influência na
composição de sua literatura.
4) Compreenda a importância da Dinastia de Borgonha
para a formação territorial e do espírito de nação de
Portugal.
5) Tenha em mente a origem étnica dos fundadores da na-
ção portuguesa.
6) Atente-se aos conceitos de nação, nacionalidade e na-
cionalização.
7) Observe os principais acontecimentos que marcaram a
história portuguesa sob o governo da Dinastia de Avis.
8) Compreenda a relação entre a história do país e seu re-
flexo na literatura pátria. Perceba as influências internas
e externas que marcaram o início da literatura portugue-
sa.
9) Tenha em mente o cenário cultural que compunha a rea-
lidade portuguesa e Ibérica.
10) Entenda os processos de transformação por que passava
a Europa do século 13 e seus reflexos na literatura.
11) Atente-se para a realidade de Portugal em relação à Eu-
ropa e à Península Ibérica, durante sua formação territo-
rial, política e literária.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Como você estudou na unidade anterior, todos os falantes
de Língua Portuguesa pertencem a uma mesma comunidade, for-
mada por vários países da Europa, América Latina, África e Ásia
que foram objetos da colonização portuguesa.
© U2 - As Origens da Literatura em Língua Portuguesa 57

Além disso, vimos que um sistema literário existe quando


há um conjunto de produtores literários conscientes do seu papel,
um público leitor e um conjunto de obras literárias que formam
uma tradição.
Com base nesse conceito, propõe-se a configuração de um
macrossistema das Literaturas de Língua Portuguesa, integrando
as contribuições culturais, linguísticas e literárias desses países e
permitindo um estudo comparado que promova o diálogo entre
as literaturas produzidas nos países em que o idioma português é
a língua oficial.
A orientação que seguimos aqui é a do estudo diacrônico,
isto é, que segue a evolução histórica a partir do surgimento des-
sas literaturas.
Começamos, então, com uma pergunta: como surgiram as
primeiras manifestações de Literatura em Língua Portuguesa?
É o que veremos a seguir.

5. A FORMAÇÃO DE PORTUGAL
Como você pôde perceber na Unidade 1, as origens das Lite-
raturas em Língua Portuguesa confundem-se com o próprio início
da Língua Portuguesa, que ganhou grande desenvolvimento com
a configuração de Portugal como um território independente dos
demais territórios da Península Ibérica.
Viu, também, que a Península Ibérica é a parte do continente
europeu que abrange Portugal e Espanha.
Assim como o território Europeu sofreu muitas transfor-
mações, antes e após a chegada dos árabes (século 8º), também
Portugal passou por várias mudanças e teve que enfrentar muitas
batalhas, para garantir suas fronteiras.
Atualmente, Portugal compreende uma faixa continental e
outra oceânica formada pelos arquipélagos dos Açores e da Ma-
deira, como você pode observar na Figura 1.

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58 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Figura 1 Mapa dos Distritos e Regiões Autônomas de Portugal.

A parte continental fica a sudoeste da Península Ibérica, fa-


zendo fronteira a norte e a leste com a Espanha, a sul e a oeste
com o Oceano Atlântico (veja Figura 1).
Distante aproximadamente 911 Km da costa de Lisboa, o ar-
quipélago da Madeira compreende uma área aproximada de 794
Km² e compreende as Ilhas da Madeira, Porto Santo, Desertas e
Selvagens. O arquipélago de Açores, distante 1223 Km da costa lis-
boeta e de extensão aproximada de 2247 Km², tem como compo-
sição as ilhas de Santa Maria, São Miguel, Terceira, Graciosa, São
Jorge, Pico, Faial, Flores e Corvo (veja Figura 1).
Mas o que questões geográficas têm a ver com a literatura?
Vejamos como Massaud Moisés (2006, p. 13) apresenta a
influência desse aspecto sobre a produção literária lusitana:
Diante da angústia geográfica, o escritor português opta pela fuga
ou pelo apego à terra, matriz de todas as inquietudes e confidente
de todas as dores, centro de inspiração e nutridora de sonhos e es-
peranças. A fuga dá-se para o mar, o desconhecido, fonte de rique-
zas algumas vezes, de males incríveis e de emoção quase sempre;
ou, transcendendo a estreiteza do solo físico, para o plano metafí-
sico, à procura de visualizar numa dimensão universal e perene a
inquietação particular e egocêntrica.
© U2 - As Origens da Literatura em Língua Portuguesa 59

Além disso, a literatura portuguesa nasce juntamente com


sua ascensão como nação independente, estando as manifesta-
ções daquela envoltas pela atmosfera histórica de Portugal.
Dada a importância desse fato, voltaremos nossa atenção à
formação de Portugal como país independente e às duas dinastias
que governaram o país de sua instituição até o reinado de D. Se-
bastião (1557-1578).
Vamos lá, então!

6. DUAS GRANDES DINASTIAS


A história da ascensão de Portugal como território indepen-
dente está vinculada à Dinastia de Borgonha.
Portugal, por volta do ano 1000, correspondia a uma faixa de
terra mais ao norte da Península Ibérica: o Condado Portucalense.
Observe a Figura 2.

Figura 2 A Península Ibérica no século 21.

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60 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Na época do movimento da Reconquista, organizou-se uma


cruzada contra os invasores do lado sul da Península Ibérica. Den-
tre os cavaleiros desse movimento, destacou-se D. Afonso Henri-
ques de Borgonha, cuja família (de origem francesa) detinha auto-
ridade sobre o território do Condado Portucalense.
D. Afonso Henriques conquistou, em 1140, a independência
do Condado Portucalense (até então território sob o domínio do
rei de Leão e Castela, D. Afonso VI) e deu continuidade às investi-
das contra os mulçumanos instalados ao sul do Condado.

Figura 3 D. Afonso I.

Diz a lenda que, na hora em que perdia a Batalha de Ourique


para os árabes, D. Henriques teria invocado o nome de Cristo e Ele
lhe aparecera em pessoa, orientando-o e fazendo-o vencer a bata-
lha que lhe daria a soberania do território português; esta seria a
origem do gosto pelo místico, pelo fantástico e pela religiosidade
que constituiriam o inconsciente coletivo português, presente tan-
to na cultura, como na literatura e na história do país.
© U2 - As Origens da Literatura em Língua Portuguesa 61

Em 1128, quando Portugal está nascendo como nação, ou-


tros países da Europa estão já no apogeu do seu desenvolvimento;
isso acarretou a Portugal um atraso cultural de pelo menos 300
anos em relação ao restante da Europa.

A Dinastia de Borgonha
D. Afonso Henriques tornou-se o primeiro rei de Portugal,
sob o título de Afonso I, dando início à Dinastia de Borgonha, for-
mada pelos seguintes reis:

Tabela 1 Dinastia de Borgonha.


PERÍODO DATA PRINCIPAIS FATOS
1143-1185 D. Afonso I 1128 D. Afonso I vence a Batalha de S. Mamede.

1143 D. Leão de Castela reconhece o reino de


Portugal e D. Afonso I torna-se seu 1º rei.

1145 Reconquista de Leiria.

1147 Reconquista de Santarém, Lisboa, Almada e


Palmela.

1158 Reconquista de Alcácer do Sal.

1162 Reconquista de Beja.

1165 Reconquista de Évora.

1166 Reconquista de Serpa e Moura.

1179 O Papa Alexandre III reconhece a


Independência do Reino de Portugal.

1184 Os árabes voltam a ocupar o Alentejo.


1185-1211 D. Sancho I 1189 D. Sancho I reconquista Silves e Alvor.

1190 Os mouros tomam novamente Silves e Alvor.

1196 Guerra com Navarra e Aragão.

1202 Peste e fome.


1211-1223 D. Afonso II 1217 Reconquista definitiva de Alcácer do Sal.

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62 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

PERÍODO DATA PRINCIPAIS FATOS


1223-1248 D. Sancho II 1232 Reconquista de Serpa e Moura.

1239 Reconquista de Cacela, Tavira e Alvor.


1248-1279 D. Afonso III 1249 Expulsão definitiva dos mouros do território de
Portugal.

1276 Pedro Hispano torna-se Papa com o nome de


João XXI (único Papa nascido em Portugal)
1279-1325 D. Dinis 1288 O papel é utilizado pela primeira vez em Portugal.

1290 Criação da Universidade de Lisboa.

1297 Definição das fronteiras de Portugal pelo Tratado


de Alcanizes.
1325-1357 D. Afonso IV 1348 A peste negra chega a Portugal.
1357-1367 D. Pedro I 1365 Nova Epidemia de peste negra.
1367-1383 D. Fernando I 1375 D. Fernando publica a Lei das Sesmarias.
Fonte: Cronologias e datas importantes (2011).

A Dinastia de Borgonha, anteriormente descrita pelos seus


reis e pelo período de governo de cada um deles, era de origem
francesa. Até o reinado de Sancho II, os reis preocupavam-se com
a afirmação da nacionalidade e, a partir de D. Afonso III, com a
nacionalização do país.
D. Afonso III ocupa lugar de destaque na bandeira portugue-
sa. Observe na figura a seguir que a bandeira portuguesa é for-
mada por dois escudos sobrepostos: o primeiro, de cor vermelha,
apresenta sete castelos, que representam as sete cidades que D.
Afonso III conquistou dos árabes; o outro, de cor branca, as quinas
(conjunto de cinco escudos) que representam as chagas de Cristo
na cruz.

Figura 4 Bandeira de Portugal.


© U2 - As Origens da Literatura em Língua Portuguesa 63

Você pode estar se perguntando a este ponto: qual a diferen-


ça entre afirmar a nacionalidade e a nacionalização?
Afirmar a nacionalidade significa delinear os contornos da
nação. O conceito de nação implica em um agrupamento políti-
co autônomo, que ocupa território com limites definidos, cujos
membros, ainda que não necessariamente com a mesma origem,
língua, religião ou raça (como fazia crer um conceito mais antigo),
respeitam instituições compartidas (leis, constituição, governo)
(HOUAISS, 2002).
Urgia, então, afirmar a nacionalidade de Portugal perante
outras nações, obtendo assim o seu reconhecimento.
Em seguida, tornou-se necessário nacionalizar o país, isto é,
criar estruturas (sociais, políticas, educacionais etc.) que se identi-
ficassem com a nação.
No governo de D. Dinis, em 1290, por exemplo, foi criada a
primeira universidade portuguesa (Universidade de Lisboa).
Até o surgimento da primeira universidade lusitana, o ensino era
legado à Igreja e desenvolvido nos mosteiros – os de Alcobaça e de
Santa Cruz de Coimbra, por exemplo, tiveram importância capital
na formação da cultura lusitana. A princípio, as escolas eram dedi-
cadas à formação do clero; depois, porém, os filhos dos burgueses
também quiseram se promover pelos estudos. Começaram a surgir
então agrupamentos espontâneos: onde quer que houvesse um
bom mestre, reunia em torno de si os seus discípulos. O crescimen-
to desses grupos de estudos autônomos levou a Igreja a retomar o
controle sobre o sistema educacional, estabelecendo uma licença
para que os mestres pudessem ensinar (licentiadocendi). Esta é a
origem do termo "licenciatura", utilizada até hoje para identificar
as pessoas que têm licença para exercer a atividade docente (SA-
RAIVA, 1998, p. 110).

Com a morte de D. Fernando I, a Dinastia de Borgonha chega


a seu final. Sua segunda esposa, D. Leonor Teles, assume o poder
e, a pedido do rei de Castela e esposo de sua filha, tenta passar o
comando de Portugal à Espanha. Diante deste fato, há um levante
popular apoiado pela burguesia e nobreza portuguesa contra as
pretensões de D. Leonor e do rei de Castela.

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64 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

O trono passa, então, a D. João, irmão de D. Fernando e filho


de D. Pedro I com Inês de Castro, cuja união não fora reconhecida
pela nobreza.
A história de Inês de Castro, que você conhecerá mais tarde,
foi motivo de muitas composições literárias; dentre elas, a narra-
tiva dramática dedicada ao amor entre D. Pedro I e Inês de Castro,
em Os Lusíadas, de Camões (1572).

A Dinastia de Avis
D. João era mestre da Ordem Militar de Avis e, com ele, ini-
ciou-se a Dinastia de Avis, que manteve o poder de 1385 a 1578:

Tabela 2 Dinastia de Avis.


PERÍODO MONARCA DATA PRINCIPAIS FATOS
1385-1433 D. João I 1415 Tomada de Celta e início da expansão colonial.

1419 Redescoberta das Ilhas da Madeira e Porto Santo.

1424 Expedição de Fernando de Castro às Ilhas Canárias.

1427 Descobrimento do Arquipelado dos Açores.


1433-1438 D. Duarte 1434 Gil Eanes dobra o Cabo Bojador.

1436 Afonso Baldaia chega ao Rio do Ouro.


1438-1481 D. Afonso V 1441 Viagem ao Cabo Branco e tráfico dos primeiros
escravos para Portugal.

1444/45 Descobrimento do Arquipélago de Bijagós na Guiné.

1456 Descoberta do arquipélago de Cabo Verde.

1460 Pedro de Cintra chega à Serra Leoa.

1470 Descoberta das ilhas de Fernão do Pó, São Tomé,


Príncipe e Ano Bom.
1481-1495 D. João II 1481 Impressão do primeiro livro em Portugal.

1482 Diego Cão descobre a foz do rio Zaire.

1488 Bartolomeu Dias dobra o cabo da Boa Esperança.

1494 Assinatura do Tratado de Tordesilhas.


© U2 - As Origens da Literatura em Língua Portuguesa 65

PERÍODO MONARCA DATA PRINCIPAIS FATOS


1495-1521 D. Manuel I 1498 Vasco da Gama chega à Índia pelo mar.

1500 Cabral chega ao Brasil.

1501 Pedro Álvares Cabral chega à Índia.

1509 Diogo Lopes de Sequeira chega à Malaca.

1510/11 Faz a primeira expedição oficial portuguesa ao


Pacífico.

1519 A armada de Fernão de Magalhães parte de Sevilha


para a primeira viagem ao redor do mundo.

1521-1557 D. João III 1530 Início da colonização do Brasil.


1557-1578 D. Sebastião 1572 Publicação de "Os Lusíadas" de Luís de Camões.

1578 D, Sebastião desaparece na batalha de Alcácer


Quibir.
Fonte: Cronologias e datas importantes (2011).

Mas qual a importância desses fatos para a literatura?


Bem, em primeiro lugar, temos de considerar que uma obra
literária não é apenas fruto da genialidade de um indivíduo, mas
espelho da sociedade, no seio da qual foi produzida.
Em segundo lugar, esses acontecimentos políticos propor-
cionaram novos direcionamentos à produção artística da época e
seus agentes tornaram-se, muitas vezes, produtores de literatura
ou motivo de várias composições que você irá estudar. Por esses
dois motivos, as duas dinastias – de Borgonha e de Avis – ganham
especial relevo no estudo da literatura.
Vale saber, também, que D. João II, D. Manuel I e D. João III
foram os reis que desenvolveram a marinha portuguesa e lança-
ram Portugal no expansionismo marítimo, que teve seu apogeu
nos séculos 15 e 16 (período de maior desenvolvimento da nação
portuguesa; é a época em que os portugueses chegaram ao Brasil
e a outros territórios africanos).

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66 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Outro nome significativo para a literatura e para a cultura


portuguesa é o do rei D. Sebastião, o último da Dinastia de Avis,
que foi identificado como herói nacional; sua memória foi culti-
vada durante séculos pelos portugueses como sendo ele uma es-
pécie de messias, que viria devolver a Portugal a grandeza obtida
com os descobrimentos (já à época de D. Sebastião, Portugal havia
esgotado seus recursos e, embora tivesse enriquecido muito com
a política extrativista das colônias, havia perdido grande parte da
riqueza obtida).

Figura 5 D. Sebastião, rei de Portugal.

O culto à memória de D. Sebastião deu origem ao Sebastia-


nismo, vertente cultural que se faz presente nas produções lite-
rárias portuguesas até hoje; a literatura contemporânea procura
fazer uma revisão da história do país, não para exaltá-la, como
noutros tempos, mas para buscar os motivos da estagnação por-
tuguesa.
© U2 - As Origens da Literatura em Língua Portuguesa 67

7. INFLUÊNCIAS CULTURAIS
A cultura portuguesa, na Idade Média, era fortemente mar-
cada pela francesa; essa influência tem sua origem na Dinastia de
Borgonha, que, como você já viu, administrava o Condado Portu-
calense sob domínio do rei de Leão e Castela.
Outro fator fundamental para a compreensão da produção
literária medieval é o uso da língua galego-portuguesa, anteces-
sora da Língua Portuguesa. Tanto o castelhano como o galego-
-português nasceram como dialetos da mesma língua neolatina, o
romanço ou romance, que era uma derivação do latim usado pelo
Império Romano, como você teve a oportunidade de estudar na
Unidade 1.
No início da formação de Portugal, a escrita e a leitura era
reservada a uma pequena parcela da população de origem nobre
ou pertencente ao clero.
Com relação ao ensino deste período, Saraiva e Lopes (2005,
p. 37-38) nos informam que:
As mais antigas escolas de que há notícia em território português
são as escolas episcopais ou catedrais, destinadas à preparação do
futuro clero, que funcionavam junto das sés, regidas por um mem-
bro do cabido, o <<mestre escola>>; e as escolas conventuais, des-
tinadas especialmente à instrução dos noviços.

Quem desejasse ascender ao ensino superior, precisava des-


locar-se para outra parte da Europa, que desde o século 12 con-
tava com um forte movimento de implantação de universidades.
Movimento este que só chegará a Portugal em 1290, com a fun-
dação da Universidade de Lisboa, durante o reinado de D. Dinis
(SARAIVA; LOPES, 2005).
Este período representou uma mudança significativa na vida
política, social e cultural da Europa como um todo, servindo de
alicerce para a Renascença que eclodiu no século 16.
Com relação ao momento de transformação pelo qual passa
a Europa, Saraiva e Lopes (2005, p. 38) afirmam que:

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68 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Ao mesmo tempo que o feudalismo declina e as cidades multipli-


cam, desenvolvem-se as universidades, traduzem-se obras desco-
nhecidas de Aristóteles, no meio de agitadas polêmicas, surgem e
alastram-se heresias, quer de origem universitárias, como o Aver-
roísmo latino nascido em Paris, quer de expressão popular, como
a dos Cátaros ou Albigenses, reprimido a ferro e fogo. Através dos
Valdenses e de outros, divulga-se entre os leigos a leitura da Bíblia.
Os Franciscanos e outras ordens adaptam às camadas laicas certas
preocupações doutrinárias, que até então quase só existiam nos
conventos. Na arte, à austeridade maciça e guerreira do estilo ro-
mântico sucede a riqueza, diversidade e elegância do estilo gótico,
possibilitado pelo progresso do artesanato e pela riqueza da bur-
guesia urbana.

A literatura épica e as canções de gesta, características do


feudalismo, dão lugar, no século 13, ao lirismo provençal e às no-
velas de cavalaria.
Com relação ao público a que veio atender essa literatura,
Saraiva e Lopes (2005, p. 39) dizem que:
O florescimento e a propagação do lirismo provençal correspon-
dem ao desenvolvimento da vida da corte, que se concentra em
torno dos reis e dos grandes magnates senhoriais. O nobre adapta-
-se à vida sedentária e mundana, e cria novos interesses. Às can-
ções épicas, relegadas para as populações rurais, sucede nas cortes
o romance cortês em prosa, que da França do Norte irradia para
toda a Europa.

Na Península Ibérica, no entanto, as cantigas épicas e as can-


ções de gesta, que compunham o gosto europeu até então, ultra-
passam o século 13 e mostram certo atraso em relação ao restante
da Europa.
Segundo Saraiva e Lopes (2005), antes da Dinastia de Avis,
não se pode falar numa literatura propriamente portuguesa, mas
sim ibérica, tanto na forma como no conteúdo. Os autores citados
observam ainda que:
Até o século XVIII as relações entre a literatura catelhana e a por-
tuguesa serão tão íntimas, que alguns dos mais notáveis escritores
portugueses, como Gil Vicente, Camões, Sá de Miranda, D. Fran-
cisco Manuel de Melo, ilustram as duas línguas, prolongaram a sua
influência em ambos os lados da fronteira e pertencem por isso a
ambas as literaturas (SARAIVA; LOPES, 2005, p. 40).
© U2 - As Origens da Literatura em Língua Portuguesa 69

As primeiras composições poéticas que circularam em Por-


tugal, portanto, tinham origem Ibérica e não pertenciam ao terri-
tório português especificamente.
Feitas essas considerações históricas e culturais, embarcare-
mos, na próxima unidade, numa viagem pelas Literaturas de Lín-
gua Portuguesa, que têm sua origem em Portugal, na Idade Média.

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Quais foram os estágios pelos quais passou a formação do território geográ-
fico de Portugal?

2) Quais são as fronteiras que delimitam o território português na atualidade?

3) Que reflexos têm sobre a composição literária o recorte e os limites geográ-


ficos de Portugal?

4) Qual a importância de D. Afonso I para a formação do Estado Português?

5) Que relação há entre a cultura francesa e a Dinastia de Borgonha?

6) Que fatos marcaram Portugal durante o reinado da Dinastia de Borgonha?

7) Quais as principais conquistas políticas de Portugal sob o reinado dos Bor-


gonha?

8) Que importância teve a Dinastia de Avis no processo de expansão portu-


guesa?

9) Que importância teve D. Dinis para a vida cultural de Portugal?

10) Que relação há entre a vida cotidiana de um país e sua literatura?

11) Que relação há entre a Península Ibérica e as primeiras manifestações lite-


rárias de Portugal?

12) Quais transformações mais significativas compuseram o cenário europeu do


século 13 e como se refletiram no campo literário?

13) Em que compasso as transformações ocorridas na Europa se fizeram sentir


na Península Ibérica e em Portugal, especificamente?

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70 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

14) Por que, em suas primeiras manifestações, é apropriado falar em literatura


ibérica e não portuguesa?

9. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, fizemos uma breve abordagem do contexto
político, social e cultural da Europa, especialmente da Península
Ibérica, no período inicial do Estado português e de sua literatura.
Abordamos a formação do território português a partir da
Reconquista da Península Ibérica e a importância da Dinastia de
Borgonha para o estabelecimento de Portugal como nação e da
definição de suas fronteiras.
Vimos também, sucintamente, o início da expansão portu-
guesa com a Dinastia de Avis, as transformações políticas, sociais e
culturais que agitaram a Europa no século 13, bem como a realida-
de da Península Ibérica nesse contexto.
Por fim, estudamos o movimento literário inicial de Portugal,
contextualizando-o ao cenário literário da Península Ibérica.
Na próxima unidade, veremos essa primeira vertente dessa
literatura em galego-português que compôs a primeira manifesta-
ção literária corrente em Portugal.

10. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Mapa dos Distritos e Regiões Autônomas de Portugal. Disponível em: <http://
www.acucaromania.com/Concelhos/MapaPortugal.htm>. Acesso em: 24 jan. 2012.
Figura 2 A Península Ibérica no século XI. Disponível em: <http://ftp.infoeuropa.eurocid.
pt/web/multimedia/cds/portugalue2000/pt/portugal_main03.htm>. Acesso em: 24 jan.
2012.
Figura 3 D. Afonso I. Disponível em: <http://reisdeportugal.com/reis.
php?idrei=1&nomerei=D.Afonso I>. Acesso em: 02 maio 2011.
Figura 4 Bandeira de Portugal. Disponível em: <http://www.bragancanet.pt/picote/
portugues/bandeira_portugal.htm>. Acesso em: 24 jan. 2012.
© U2 - As Origens da Literatura em Língua Portuguesa 71

Figura 5 D. Sebastião, rei de Portugal. Disponível em: <http://www.arqnet.pt/dicionario/


sebastiao1rei.html>. Acesso em: 24 jan. 2012.

Site pesquisado
GOUVEIA, E. Cronologias e datas importantes de Portugal. Disponível em: <http://www.
castelodosaprendizes.com/cronologias.htm#A_Formação_do_reino_de_Portugal>.
Acesso em: 5 jun. 2011.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


HOUAISS, A. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. 5. ed. Rio de Janeiro:
Objetiva, v. 1.0, 2002.
MOISÉS, M. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2006.
SARAIVA, J. H. História concisa de Portugal. 19. ed. Lisboa: Europa-América, 1998.
SARAIVA, A. J.; LOPES, O. História da literatura portuguesa. Porto: Porto Editora, 2005.

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EAD
Trovadorismo em Portugal:
Poesia e Prosa

3
1. OBJETIVOS
• Conhecer as principais produções poéticas do Trovadoris-
mo.
• Relacionar a experiência amorosa descrita nas cantigas
com outras expressões do sentimento amoroso existen-
tes na cultura contemporânea.
• Compreender a formação da literatura em prosa do pe-
ríodo e sua relevância literária, histórica e cultural.

2. CONTEÚDOS
• Trovadorismo em Portugal.
• Poesia trovadoresca.
• Prosa trovadoresca.
74 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Tenha em mente que o Trovadorismo é a primeira ma-
nifestação literária portuguesa, escrita em galego-portu-
guês.
2) Observe que essa literatura floresce em plena Idade Mé-
dia, no contexto de uma sociedade que está paulatina-
mente se deslocando do Feudalismo para o Absolutismo.
3) Compreenda que o Trovadorismo é a primeira manifes-
tação literária portuguesa e, por isso, guarda uma im-
portância histórica, social e cultural.
4) Perceba que a formação do Estado português se dá num
contexto marcadamente religioso, em que a Reconquis-
ta do território ibérico tem feição não só política, mas
representa também o reestabelecimento do cristianis-
mo na região.
5) Atente-se para o fato de que a poesia trovadoresca é a
primeira expressão de natureza secular que se firma na
sociedade portuguesa medieval.
6) Observe que essa poesia tinha como característica seu
vínculo com a dança, o canto e os instrumentos de cor-
da, que as acompanhavam.
7) Perceba a diferença entre trovador, jogral, segrel e me-
nestrel.
8) Compreenda que a poesia trovadoresca manifestava-se
numa vertente lírico-amorosa e em outra de viés satíri-
co.
9) Atente-se às principais características e diferenças entre
as cantigas de amor e as cantigas de amigo.
10) Perceba as sutilezas que distinguem as cantigas de es-
cárnio e as cantigas de maldizer.
11) Entenda o processo pelo qual passou as canções de ges-
ta para darem origem às novelas de cavalaria.
12) Observe a temática adotada pelos principais ciclos de no-
velas de cavalaria que circularam pela Europa medieval.
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 75

13) Atente-se para o Ciclo Bretão ou Arturiano como expres-


são da prosa trovadoresca que vingou em Portugal.
14) Perceba as duas novelas de cavalaria de maior expressão
em Portugal.
15) Atente-se ao processo de cristianização por que passou
a versão do Ciclo Bretão que se firmou em Portugal.
16) Relacione a cristianização das novelas de cavalaria às ne-
cessidades sociais e religiosas do período medieval.
17) Compreenda que as novelas de cavalaria não tiveram
origem em Portugal, mas são vertidas de sua versão
francesa.
18) Observe que, além das novelas de cavalaria, circularam
entre os portugueses do período composições em prosa
como os livros de linhagens, hagiografias e cronicões.
19) Tenha em mente as especificidades e importância para
o estudo literário de cada uma das manifestações literá-
rias desta unidade.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, você conheceu um pouco da história de
Portugal na Idade Média, período em que se situam as origens das
Literaturas em Língua Portuguesa.
Nesta terceira unidade, inicia-se o nosso percurso pela histó-
ria das Literaturas de Língua Portuguesa propriamente ditas.
Antes de iniciar a sua leitura, convém lembrar que o desen-
volvimento da literatura não se dá de forma estanque, mas dentro
de um processo.
A divisão da história literária em períodos tem uma função
meramente didática, pois ajuda você a perceber que as produções
de um determinado período têm uma unidade de forma e de con-
teúdo e situam-se no espaço e no tempo com características pró-
prias.

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76 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Todo movimento literário explica-se pelas suas raízes nos


movimentos anteriores e anuncia o movimento seguinte – cada
período é sempre uma resposta a um movimento anterior.
As datas que indicam o início e o fim de um determinado
período literário são sempre aproximações inspiradas em fatos li-
terários ou culturais significativos para a história da literatura.
Como todo desenvolvimento se dá dentro de um processo,
é evidente que produções com as características de um dado pe-
ríodo já começaram a aparecer antes da sua data de início, e con-
tinuaram a ser escritas por algum tempo após a data do seu térmi-
no. As datas, entretanto, são marcos que oficializam a passagem
de uma época para outra.
Começaremos nosso estudo pelo Trovadorismo, primeira ex-
pressão literária de Portugal.
Sigamos em frente!

5. TROVADORISMO EM PORTUGAL
As primeiras manifestações literárias em Língua Portuguesa
coincidem com a formação do Estado português e com a expulsão
dos árabes da Península Ibérica.
Na poesia, são as cantigas em verso produzidas entre os sé-
culos 12 e 14, que tinham como seus autores nobres trovadores,
que marcam o início da poesia lusitana.
Mas o que caracteriza um trovador? Em que ele se distingue
de um poeta?
Com relação à figura do trovador, Massaud Moisés (2004b,
p. 454) esclarece que:
Designava, na lírica trovadoresca, o poeta que compunha a letra e
a melodia das cantigas e também as executava, acompanhado de
instrumento musical. Pertencia, as mais das vezes, à aristocracia ou
era fidalgo decaído: é precisamente a condição de nobre que lhe
explica a múltipla capacidade, pois ao talento individual acrescen-
tava o estudo das regras da Retórica, da Poética e da Música.
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 77

Além do trovador havia, ainda, as figuras do jogral, segrel e


do menestrel. Talvez você conheça o termo "menestrel", que foi
empregado por Milton Nascimento e Fernando Brant, numa com-
posição de 1983, feita em homenagem ao político e democrata
Teotônio Vilela (1917-1983).
Confira, a seguir, a letra em que os autores comparam a ação
do político à dos menestréis (os termos em itálico sugerem a com-
paração):
Quem é esse viajante
Quem é esse menestrel
Que espalha esperança
E transforma sal em mel?
Quem é esse saltimbanco
Falando em rebelião
Como quem fala de amores
Para a moça do portão?
Quem é esse que penetra
No fundo do pantanal
Como quem vai manhãzinha
Buscar fruta no quintal?
Quem é esse que conhece
Alagoas e Gerais
E fala a língua do povo
Como ninguém fala mais?
Quem é esse?
De quem essa ira santa
Essa saúde civil
Que tocando a ferida
Redescobre o Brasil?
Quem é esse peregrino
Que caminha sem parar?
Quem é esse meu poeta
Que ninguém pode calar?
Quem é esse?

De volta à literatura portuguesa medieval, enquanto o me-


nestrel apenas declamava as composições de outros, o jogral e o

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78 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

segrel, semelhante ao trovador, também as compunham. Todavia,


o segrel, diferente do trovador, recebia por suas cantigas. Já o jo-
gral divergia destes por não pertencer à nobreza (MOISÉS, 2004b).
Vejamos isso de forma esquematizada.

Quadro 1 Comparação entre trovador, segrel, jogral e menestrel.


TROVADOR SEGREL JOGRAL MENESTREL
Nobre ou clérigo, Nobre, recebia De classe social Também de
compunha e pela composição popular, recebia classe social
declamava de suas cantigas. por suas cantigas popular, o
suas próprias menestrel
cantigas. declamava e
tocava cantigas
de autoria de
terceiros.

As cantigas trovadorescas, portanto, eram compostas para


serem cantadas com acompanhamento musical e dança.
Massaud Moisés (2004b) chama a nossa atenção para o fato
de que hoje temos apenas uma ideia parcial do que eram as canti-
gas trovadorescas, tendo em vista:
O lirismo medieval associar-se intimamente com a música: a poesia
era cantada, ou entoada, e instrumentada. Letra e pauta musical
andavam juntas, de molde a formar um corpo único e indissolúvel
(MOISÉS, 2004b, p. 19).

O acompanhamento musical era feito com instrumentos de


corda, sopro e percussão disponíveis na época, tais como: violão,
alaúde, flauta, adufe e pandeiro (MOISÉS, 2004).
Preservadas em três coletâneas chamadas de Cancioneiros,
essas cantigas trovadorescas reúnem composições não só do ter-
ritório português, mas de autores de diferentes regiões da Penín-
sula Ibérica.
A coletânea mais antiga de cantigas trovadorescas em gale-
go-português data do século 13 e recebeu o nome de Cancioneiro
da Ajuda.
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 79

Embora incompleto, por não conter um número significativo


e importante de cantigas, o Cancioneiro da Ajuda é valioso por:
[...] seu manuscrito pertencer à própria época da maioria dos poe-
tas seus colaboradores, e é um documento valioso, pela grafia, pela
decoração e sobretudo pelas iluminuras, que testemunham o cará-
ter cantado e instrumental (SARAIVA; LOPES, 2005, p. 46).

Este cancioneiro, portanto, é uma testemunha, dentre ou-


tras coisas, da língua usada na escrita da época e dos adornos mu-
sicais e de dança a que as cantigas eram envoltas.
A segunda coleção de cantigas trovadorescas, compilada en-
tre os séculos 14 ou 15, pertence à Biblioteca do Vaticano. É tam-
bém deste período o Cancioneiro da Biblioteca Nacional.
Sobre essas duas últimas coletâneas, Saraiva e Lopes (2005,
p. 46) acentuam que:
[...] abarcam um espaço de tempo maior, isto é, não só os poetas
contemporâneos de D. Afonso III e anteriores, mas ainda os con-
temporâneos de D. Dinis e de seus filhos; abrangem, por outro
lado, todos os gêneros de composições, e não só as cantigas de
amor. Destes dois, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional é o mais
completo, pois inclui quase todo o material recolhido no Cancionei-
ro da Vaticana e muito outro.

Temos, assim, uma vasta coleção de cantigas preservadas


nessas três coletâneas que chegaram até nós e que oferecem um
panorama da literatura em verso da Península Ibérica, especial-
mente Portugal, durante a Idade Média.
Vejamos, agora, em especial a poesia trovadoresca e suas
especificidades.

6. POESIA TROVADORESCA
Já mencionamos que a literatura trovadoresca foi a primei-
ra manifestação literária portuguesa e coincide com o estabeleci-
mento da independência de Portugal e tem como fundo os bata-
lhas de Reconquista da Península Ibérica, dominada pelos árabes.

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80 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Sua propagação se dá, portanto, nos séculos 12, 13 e 14, em


português arcaico, mais precisamente em galego-português.
Geralmente, os autores delimitam como marco inicial do
Trovadorismo os anos de 1189 ou 1198, com a Cantiga da Ribeiri-
nha ou Cantiga de Guarvaia, atribuída a Paio Soares de Taveirós.
Todavia, essa tese não goza de unanimidade. Saraiva e Lopes
(2005), por exemplo, atribuem a João Soares de Paiva a composi-
ção da primeira cantiga trovadoresca portuguesa, o que situaria o
início do Trovadorismo no começo do século 12. Rodrigues Lapa
e G. Tavani; por outro lado, defendem 1196 como o ano de publi-
cação da mais antiga cantiga: Ora faz ost’ o senhor de Navarra, de
autoria de Soares de Paiva (LAPA; TAVANI apud SARAIVA; LOPES,
2005).
Já o término da escola trovadoresca é geralmente datada em
1418, quando Fernão Lopes foi nomeado guarda-mor da Torre do
Tombo, atribuição que consistia em administrar e conservar o ar-
quivo real.
Como vimos anteriormente, o marco inicial do Trovadorismo
possui um caráter mais didático do que cronológico, variando de
autor para autor, dependendo da cantiga considerada como ini-
ciante do movimento trovadoresco.
Também é matéria de controvérsia a origem da poesia tro-
vadoresca, coexistindo quatro possibilidades de inspiração para os
trovadores em galego-português.
Massaud Moisés (2006, p. 19) apresenta-nos uma síntese
dessas possibilidades:
Admite-se quatro fundamentais teses para explicá-la: a tese ará-
bica, que considera a cultura arábica como sua velha raiz; a tese
folclórica, que a julga criada pelo povo; a tese médio-latinista, se-
gundo a qual essa poesia ter-se-ia originado da literatura latina pro-
duzida durante a Idade Média; a tese litúrgica considera-a fruto da
poesia litúrgico-cristã elaborada na mesma época.
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 81

Para Saraiva e Lopes (2005), diante do trânsito de trovado-


res de diferentes lugares naquele período, é adequado pensar na
influência dessas diferentes possibilidades na formação da poesia
trovadoresca que se consolidou em galego-português.
Sabe-se, no entanto, que a moda de se fazer poesia para ser
cantada tem sua origem na Provença, sul da França, e influenciou,
sobretudo, as composições trovadorescas de caráter lírico.
Os trovadores medievais compuseram suas cantigas adotan-
do dois tipos de natureza lírico-amorosa e dois de natureza satíri-
ca.
Massaud Moisés (2006, p. 19) afirma que a principal mudan-
ça na passagem do lirismo provençal (francês) para a Península
Ibérica seria o "recrudescimento do aspecto platonizante da con-
fidência amorosa".
O que isso significa?
Que, no Trovadorismo português, houve um surgimento
mais intenso (recrudescimento) do aspecto platônico na confidên-
cia amorosa, isto é, na confissão de amor do poeta.
Vejamos a seguir essas modalidades, suas principais influên-
cias, características e autores.

As cantigas lírico-amorosas
As cantigas lírico-amorosas manifestavam-se principalmente
em dois tipos: cantiga de amor e cantiga de amigo.

Cantiga de Amor
As cantigas de amor manifestavam o lamento de um eu lírico
masculino diante da impossibilidade de seu amor ser correspondi-
do pela mulher amada.
Esse tipo de cantiga revela nítida influência provençal tanto
no vocabulário quanto na forma de sua composição.

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82 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

A temática amorosa é trabalhada bem ao estilo do amor cor-


tês provençal, pois:
Não se trata agora de uma experiência sentimental a dois, mas de
uma aspiração, sem correspondência, a um objeto inatingível, de
um estado de tensão que, para permanecer, nunca pode chegar
ao fim do desejo. Manter este estado de tensão considera-se ser
o ideal do verdadeiro amador e do verdadeiro poeta, como se o
movesse o amor do amor, mais do que o amor a uma mulher. E não
só a esta dirigem os poetas as suas implorações queixas ou graças,
mas o próprio Amor personificado, figura de retórica muito comum
entre os trovadores provençais e por eles transmitida aos galego-
-portugueses (SARAIVA; LOPES, 2005, p. 52).

Dessa forma, o trovador expressava uma idealização da mu-


lher, sendo a relação do eu lírico e da amada apresentada em ter-
mos de vassalagem, ou seja, próximo ao modo de relacionamento
entre um senhor e seu vassalo.
Com relação a esse aspecto da cantiga de amor, Saraiva e
Lopes (2005, p. 52) ponderam que:
O trovador imaginava a dama como um suserano a quem <ser-
via> numa atitude submissa de vassalo, confiando o seu destino
ao <<bon sen>> da <<senhor>> [...] Todo um código de obrigações
preceituava o <<serviço>> do amador, que, por exemplo, devia
guardar segredo sobre a identidade da dama, coibindo toda a ex-
pressão pública da paixão (o autodomínio, ou <<mesura>>, era a
sua qualidade suprema), e que não podia ausentar-se sem sua au-
torização. O apaixonado deveria passar provações e fases compa-
ráveis aos ritos de iniciação nos graus da cavalaria, antes de chegar
a drudo, amante espiritual da midons, ou dama.

Seguindo um rígido código ético herdado do modelo proven-


çal, o trovador deveria seguir as regras do amor cortês, prestando
à amada uma vassalagem de modo cuidadoso na apresentação de
seus sentimentos, ocultando o nome da amada, numa vassalagem
ciente da impossibilidade da correspondência de seus sentimen-
tos e de seu destino indefinido como sofredor masoquista desse
amor (MOISÉS, 2006).
Com relação à forma e aos recursos com que o trovador ex-
pressa essa confissão amorosa do eu lírico, Massaud Moisés (2006,
p. 21) observa que:
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 83

Vai num crescente até a última estrofe (a estrofe era chamada na


lírica trovadoresca de cobra; podia ainda receber o nome de co-
bla ou de talho). Visto uma idéia obsessiva estar empolgando o
trovador, a confissão gira em torno dum mesmo núcleo, para cuja
expressão o enamorado não acha palavras muito variadas, tão in-
tenso e maciço é o sofrimento que o tortura. Ao contrário, a corren-
te emocional, movimentando-se num círculo vicioso, acaba por se
repetir monotonamente, apenas mudando o grau do lamento, que
aumenta em avalanche até o fim. O estribilho ou refrão, com que
o trovador pode rematar cada estrofe, diz bem dessa angustiante
idéia fixa para a qual ele não encontra expressão diversa.

A cantiga que possui estribilho se chama "refrão". Aquela


que omite o refrão se chama "Cantiga de Maestria", pois, diferente
da primeira, possui estrofes de elaboração complexa, que dispen-
sa o recurso do estribilho, comum em cantigas de origem popular
(MOISÉS, 2006).
A lírica trovadoresca fazia uso também de uma espécie de
enjambement, em que a estrofe termina no meio do verso e seu
complemento nos versos seguintes, sendo os versos assim ligados
servindo de fim de uma estrofe e começo da seguinte (SARAIVA;
LOPES, 2005).
Veja a seguir um exemplo de cantiga de amor e observe na
construção de seus versos os recursos anteriormente menciona-
dos:

Quadro 2 Cantiga Hun tal home, de D. Dinis.


VERSÃO EM VERSÃO EM PORTUGUÊS
GALEGO-PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO
Hun tal home sei eu, bem talhada  Conheço certo homem, ai formosa,
Que por vós tem a sa morte chegada; Que por vossa causa vê chegada a sua morte;
Vedes quen é e seed’en nembrada; Vede quem é e lembrai-vos disso;
Eu, mia dona. Eu, minha senhora.

Hun tal home sei eu que preto sente Conheço certo homem, que perto sente
De si morte chegada certamente; De si a morte chegada certamente;
Vedes quem é e venha-vos en mente; Vede quem é e tende-o em mente;
Eu, mia dona. Eu, minha senhora.

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84 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

VERSÃO EM VERSÃO EM PORTUGUÊS


GALEGO-PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO
Hun tal home sei eu, aquest’oide: Conheço certo homem, escutai isto:
Que por vós morr’ e vo-lo en partide, Que por vós morre e vós desejais que ele parta;
Vedes quem é e non xe vos obride; Vede quem é e não vos esqueçais dele;
Eu, mia dona. Eu, minha senhora.

D. Dinis
Fonte: Campedelli (2000, p. 149).

Perceba que o exemplo citado é uma cantiga de refrão, em


que se repete o mesmo verso ao final de cada estrofe (cobra).
Faz-se presente também o paralelismo pelo uso de repetições de
ideias similares nas três estrofes.
Com relação ao efeito destes recursos nesta cantiga de amor,
Massaud Moisés (2004b, p. 23) observa que:
[...] o sentimento do poeta evolui como um lamento ininterrupto e
crescente, cujo ponto máximo se localiza no refrão da última cobra
[estrofe]. E como o seu torturante sofrimento amoroso (a coita de
amor) se tornou obsessivo, pois que fruto duma causa única e per-
sistente (a indiferença ou a inacessibilidade da bem-amada), para
expressá-lo o trovador somente encontra as mesmas ou equivalen-
tes, palavras.

Perpassa por toda a cantiga a ideia de submissão total ao


amor não correspondido, transitando entre o platônico e o carnal,
reduzido a uma situação limite que a cada estrofe conduz à morte.
Na verdade, essas atitudes refletem no plano amoroso as
relações sociais entre os suseranos e os vassalos, típicas do Feu-
dalismo.
Além da cantiga de refrão, era comum também a composi-
ção de cantigas de mestria, em que não há repetições e cada verso
é diferente dos demais.
Vejamos a seguir a outra expressão lírica da poesia trovado-
resca, a cantiga de amigo.
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 85

Cantiga de amigo
Também de natureza lírica, a cantiga de amigo difere da can-
tiga de amor pelo fato de o trovador expressar os sentimentos de
um eu lírico do sexo feminino, que chora e lamenta a ausência de
seu amado.
Apesar de expressarem o sentimento de um eu lírico femini-
no, as cantigas de amigo eram compostas por trovadores do sexo
masculino – a presença da mulher como produtora de literatura só
se dará séculos mais tarde.
Massaud Moisés (2006, p. 22) descreve o conteúdo corren-
te, nas cantigas de amigo, nos seguintes termos:
No geral, quem ergue a voz é a própria mulher, dirigindo-se em con-
fissão à mãe, às amigas, aos pássaros, aos arvoredos, às fontes, aos
riachos. O conteúdo da confissão é sempre formado duma paixão
intransitiva ou incompreendida, mas a que ela se entrega de corpo
e alma. Ao passo que a cantiga de amor é idealista, a de amigo é
realista, traduzindo um sentimento espontâneo, natural e primitivo
por parte da mulher, e um sentimento donjuanesco e egoísta por
parte do homem.

Além disso, as cantigas de amigo revelam outras caracterís-


ticas distintivas das cantigas de amor. De caráter mais narrativo e
descritivo, possui arranjo rítmico e de versificação próprio.
Saraiva e Lopes (2005) nos adverte para o fato de que, em-
bora em seu início a cantiga de amigo observasse uma forma fixa
de rítmica e de uso do recurso paralelístico, esta se diversificou no
que se refere aos temas e ambientação cultural e social em que
chegou a circular pela Península Ibérica.
O mesmo autor identifica ainda três estratos culturais e so-
ciais a que as cantigas de amigo fazem referência: rural, doméstico
e da corte.
Observe,no Quadro 3, os traços característicos às cantigas de
cada um desses círculos sociais.

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86 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Quadro 3 Cantigas de característica rural, doméstica e cortês.


RURAL DOMÉSTICO CORTÊS
Tem como personagem Deixa-nos ver a moça a O seu tema é o amor
principal a moça que vai fiar o sirgo em casa, a cortês, tal como o
à fonte, onde se encontra discutir com a mãe e com trovador fidalgo o
com o namorado; que as amigas: o rapaz a pedir imaginaria sentido pelo
vai lavar ao rio a roupa autorização à mãe da lado da mulher. Seja para
ou os cabelos; que na moça para a namorar. a lisonjear apresentando-a
romaria espera o amigo, como muito consciente
ou oferece promessas aos de ser fremosa, louçãa ou
santos pelo seu regresso velida, seja para se jactar
daquelas que se finam de
saudades por ele.
Fonte: Saraiva; Lopes(2005, p. 59-60).

Moisés (2004b), por sua vez, aponta também diferentes no-


mes para essas cantigas, conforme o espaço ou as circunstâncias
da composição:
1) cantiga de romaria: a moça está numa procissão religio-
sa e aí canta suas dores de amor;
2) serranilha: o ambiente é a serra, as colinas;
3) pastorela: trata da confissão amorosa de uma pastora;
4) cantiga marinha ou barcarola: o ambiente é litorâneo,
ou a moça encaminha-se para o mar;
5) bailada ou bailia: a moça convida as amigas a dançarem
com ela, felicitando notícias do amado ou a chegada
dele;
6) alba ou alvorada: o poema surpreende os amantes ao
amanhecer.
As cantigas de amigo, diferentemente das cantigas de amor,
têm influência da poesia popular e não da poesia provençal (da
corte da França).
Vejamos como exemplo de cantiga de amigo, no Quadro 4,
os versos atribuídos a Martim Codax:
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 87

Quadro 4 Cantiga Ondas do mar de Vigo, de Martim Codax.


VERSÃO EM VERSÃO EM PORTUGUÊS
GALEGO-PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO
Ondas do mar de Vigo, Ondas do mar de Vigo,
Se vistes meu amigo! Se vires meu namorado!
E ai Deus, se verrá cedo! Por Deus, (digam) se virá cedo!

Ondas do mar levado, Ondas do mar revolto,


Se vistes meu amado! Se vires meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo! Por Deus, (digam) se virá cedo!

Se vistes meu amigo, Se vires meu namorado,


O por que eu sospiro! Aquele por quem eu suspiro!
E ai Deus, se verrá cedo! Por Deus, (digam) se virá cedo!

Se vistes meu amado Se vires meu amado,


Por que hei gran cuidado! Por quem tenho grande temor!
E ai Deus, se verrá cedo! Por Deus, (digam) se virá cedo!

Martim Codax
Fonte: Campedelli (2000, p. 150).

Observe que, nas cantigas de amigo, é comum o trovador


usar um recurso comum da lírica trovadoresca – especialmente
nas cantigas de amigo: é o leixa-pren.
O leixa-pren significa, ao pé da letra, "deixa-prende". Com
este recurso, o poeta retoma versos anteriores para compor versos
novos.
Tome, por exemplo, a cantiga "Ondas no mar de Vigo", de
Martim Codax, que transcrevemos anteriormente. Numere os ver-
sos e as estrofes dessa cantiga. Pronto?
Então, observe a explicação a seguir.
Esta cantiga é composta de quatro estrofes: a primeira e a se-
gunda são semelhantes entre si, assim como a terceira e a quarta.
Observe novamente a cantiga, agora com seus versos nume-
rados:

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88 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

(1) Ondas do mar de Vigo,


(2) se vistes meu amigo!
(3) e ai Deus, se verrá cedo!

(4) Ondas do mar levado,


(5) vistes meu amado!
(6) e ai Deus, se verrá cedo!

(7) Se vistes meu amigo,


(8) O por que eu sospiro!
(9) e ai Deus, se verrá cedo!

(10) Se vistes meu amado


(11) Por que hei gran cuidado!
(12) e ai Deus, se verrá cedo!

Na segunda estrofe (versos 4, 5 e 6), o trovador retoma a


primeira. Os versos 4 e 5 retomam os versos 1 e 2 e alteram um
dos termos, substituindo-o por uma palavra de significado seme-
lhante.
O mesmo processo se dá com os versos das estrofes 3 e 4.
Na quarta estrofe (versos 10, 11 e 12), o trovador retoma a ter-
ceira. Os versos 10 e 11 retomam os versos 7 e 8 e alteram um
dos termos, substituindo-o por uma palavra de sentido similar ou
paralelo.
Percebeu a semelhança? Pois isso é o leixa-pren: o poeta
"pega" uma parte do verso e a repete, depois "deixa" um dos ter-
mos do verso anterior e completa o novo verso com um termo
similar (paralelo).
Todas as estrofes terminam com um refrão: "e ai Deus, se
verrá cedo!".
Esquematizando a cantiga, temos:
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 89

1) o verso 1 é paralelo ao verso 4;


2) o verso 2 é paralelo ao verso 5;
3) os versos 3 e 6 são o refrão;
4) o verso 7 e o verso 10 são paralelos;
5) os versos 8 e 11 também são paralelos.
Por guardarem traços da cultura popular ibérica, podemos
dizer que essas cantigas são mais "portuguesas" que as de amor,
isto é, traduzem mais a realidade do povo português que as de-
mais, construídas com base no modelo provençal.
Saraiva e Lopes (2005, p. 61), ao dissertar sobre a evolução
por que passou a cantiga de amigo, comentam que:
Sucessivos jograis e poetas, sucessivas épocas e meios sociais adap-
taram e variaram, pois, a poesia folclórica. As formas versificatórias
mais simples coincidem grosso modo com os temas rurais e primi-
tivos; e as mais complexas incorporam tradições e reelaborações
de retórica e poética cortês já letradas. A cantiga feminina nasceu
na comunidade rural, como complemento do bailado e do canto
colectivo dos ritos primaveris, próprios das civilizações agrícolas em
que a mulher goza de maior importância social.

Essas cantigas, por conseguinte, transparecem maior espon-


taneidade do que as de amor. Pois, nas cantigas de amigo, o eu
lírico é feminino e explicita seus sentimentos ao "amigo".
Para concluir, observe a seguir um quadro comparativo das
cantigas lírico-amorosas.

Quadro 5 Principais diferenças entre as cantigas de amor e as can-


tigas de amigo.
CANTIGAS DE AMOR CANTIGAS DE AMIGO
Eu lírico masculino Eu lírico feminino
Confissão amorosa por uma dama Lamento por causa da ausência do
inacessível amado
Predomínio do idealismo Predomínio do realismo
Origem cortês Origem popular: rural ou urbana
Influência provençal predominante Influência peninsular predominante

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90 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Vejamos a seguir outra manifestação poética trovadoresca,


as cantigas satíricas.

As cantigas satíricas
Os trovadores medievais também investiram em cantigas
que, diferentes daquelas de natureza lírica, se ocupavam com a sá-
tira, cuja finalidade era zombar de figuras ilustres ou caricaturadas
da sociedade medieval.
Massaud Moisés (2006, p. 23) oferece-nos um panorama do
ambiente em que figuravam essas cantigas de natureza satírica:
Não raro escritas pelos mesmos trovadores que compunham poe-
sia lírico-amorosa, expressavam, como é fácil depreender, o modo
de sentir e de viver próprio de ambientes dissolutos, e acabaram
por ser canções de vida boêmia e escorraçada, que encontrava nos
meios frascários e tabernários seu lugar ideal.

Saraiva e Lopes (2005) acrescentam que essas cantigas nos


mostram um quadro da sociedade em que viveram esses trovado-
res e o meio em que certos jograis de má fama apresentavam as
cantigas satíricas. Acrescentam ainda que:
O jogral e a sua companheira tinham um estatuto social de margi-
nais. Eram <<artistas>> da boémia, e por isso mesmo permitiam-
-se-lhes liberdades de costumes e de fala vedadas no mundo re-
gularmente constituído. Isto explica que os vícios mais íntimos, as
aventuras mais pícaras destes heróis truanescos surjam associados
escandalosamente: as andanças e percalços de uma bailarina ver-
sátil, os sapatos dourados de um fidalgo pretensioso, a voz de um
cantor enrouquecida pelo abuso do álcool, etc., não faltando mes-
mo uma abadessa elogiada ou satirizada por um segrel quanto à
sua experiência sexual (SARAIVA; LOPES, 2005, p. 65).

Essas cantigas de vertente marginal podem ser separadas


em dois tipos: as cantigas de escárnio e as cantigas de maldizer.
Vejamos, na sequência, suas principais características.
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 91

Cantigas de Escárnio
Neste tipo de cantiga, o trovador fazia sua sátira de modo in-
direto, velado, pelo uso da ironia e do sarcasmo, numa linguagem
predominantemente ambígua.
Observe, no Quadro 6, um exemplo típico de cantiga de escár-
nio, atribuída ao trovador galego-português Pêro Garcia Burgalês:

Quadro 6 Exemplo de cantiga de escárnio.


VERSÃO EM PORTUGUÊS VERSÃO EM PORTUGUÊS
ARCAICO CONTEMPORÂNEO
Rui Queimado morreu con amor Rui queimado morreu com amor
en seus cantares, par Sancta Maria, em seus cantares, por Santa Maria,
por ua dona que gran ben queria, por uma senhora a quem amava
e, por se meter por mais trovador, e por julgar-se melhor trovador,
porque lh’ela non quis [o] ben fazer, porque ela não lhe quis bem-fazer
fêz-s’el en seus cantares morrer, fez-se ele em seus cantares morrer
ressurgiu depois ao tercer dia! mas ressurgiu depois ao terceiro dia!

Esto fez El por ua as senhor Isto ele fez por uma das senhoras
que quer gran ben, e mais vos en diria: A quem quer muito bem, e diria mais:
porque cuida que faz i maestria, Porque julga que o faz com maestria,
e nos cantares que fêz a sabor E nos cantares que fez com gosto
de morrer i e desi d’ar viver; De ai morrer e depois reviver;
esto faz el que x’o pode fazer, Fez o que só ele poderia fazer,
mas outr’omem per ren non [n] o O que, todavia, outro homem não
faria(MOISÉS, 2004b, p. 33-34). poderia (tradução nossa)
Fonte: Moisés (2004b, p. 33-34).

Nesta cantiga de escárnio, o trovador satiriza a forma dos


trovadores da época de Rui Queimado (trovador que viveu em fins
do século 13 e início do século 14) construírem suas cantigas de
amor. Numa linguagem ambígua e de maneira indireta, o trovador
ridiculariza a construção da cantiga em que o poeta está sempre à
beira da morte, que o golpeia, na verdade, como poeta (MOISÉS,
2004b, p. 34).
Vejamos a seguir a outra modalidade de cantiga satírica, a
cantiga de maldizer.

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92 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Cantigas de Maldizer
Diferentemente das cantigas de escárnio, nas cantigas de
maldizer, o trovador fazia uso de linguagem direta, ofensiva e par-
ticularizante.
Vejamos, como exemplo, a cantiga a seguir, atribuída a João
Garcia de Guilhade:

Quadro 7 Exemplo de cantiga de maldizer.


VERSÃO EM PORTUGUÊS VERSÃO EM PORTUGUÊS
ARCAICO CONTEMPORÂNEO
Ai dona fea! fostes-vos queixar Ai! dona feia! Fostes vos queixar
porque vos nunca louv’ en meu trobar Porque nunca vos louvei em meu trovar
ora quero fazer un cantar Mas, agora quero fazer um cantar
en que vos loarei toda via; Em que vos louvarei, todavia;
e vedes como vos quero loar: E vide como vos quero louvar:
dona fea, velha e sandia! Dona feia, velha e louca!

Ai dona fea! se Deus me perdon! Ai! dona feia! que Deus me perdoe!
e pois havedes tan gran coraçon Pois vós tendes tão bom coração
que vos eu loe en esta razon, Que eu vos louvarei por esta razão,
vos quero já loar toda via; Eu vos louvarei, todavia;
e vedes qual será a loaçon: E veja qual será a louvação:
dona fea, velha e sandia! Dona feia, velha e louca!

Dona fea, nunca vos eu loei Dona feia, eu nunca vos louvei
en meu trobar, pero muito trobei; Em meu trovar, mas muito já trovei;
mais ora já un bon cantar farei Entretanto, farei agora um bom cantar
en que vos loarei toda via; Em que vos louvarei todavia;
e direi-vos coo vos loarei: E vos direi como louvarei:
dona fea, velha e sandia! Dona feia, velha e louca!
Fonte: Campedelli (2000, p. 157).

Dirigida diretamente à Dona fea, o trovador satiriza a pessoa


a quem dirige sua trova com linguagem ofensiva e de baixo calão
a pretensão desta mulher de ser merecedora da atenção do poeta
por meio de uma cantiga de amor.
Veja, no Quadro 8, uma síntese das principais características
que assinalam as diferenças entre as cantigas de escárnio e as can-
tigas de maldizer:
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 93

Quadro 8 Principais diferenças entre as cantigas de escárnio e as


cantigas de maldizer.
CANTIGAS DE ESCÁRNIO CANTIGAS DE MALDIZER
Sátira indireta Sátira direta
Sarcasmo Agressividade
Ironia Ofensiva
Linguagem ambígua Linguagem direta

Apesar das diferenças apontadas anteriormente, Moisés


(2004) lembra que nem sempre é possível classificar as cantigas
satíricas como especificamente de escárnio ou de maldizer, pois
é comum encontramos cantigas em que os trovadores misturam
procedimentos dos dois tipos de composições.
Os temas prediletos dos poetas satíricos no Trovadorismo
eram:
1) a difamação de outros trovadores (como em "Rui quei-
mado morreu com amor", de Pêro Garcia Burgalês);
2) a feiúra ou o comportamento leviano das mulheres
(como em "Ai dona fea! foste-vos queixar", de João Gar-
cia Guilhade);
3) o falso moralismo dos aristocratas (como em "Hun infan-
çonme-á convidado", de João Garcia Guilhade);
4) a covardia dos soldados (demonstrada em "Don foão
que eu sei", de João Garcia Guilhade).
Os trovadores de maior relevância, segundo Massaud Moi-
sés (2006), foram:
1) João Soares de Paiva.
2) Paio Soares de Taiverós.
3) D. Dinis.
4) João Garcia de Guilhade.
5) Martim Codax.
6) Afonso Sanches.
7) João Zorro.
8) Aires Nunes.

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94 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

9) Aires Corpancho.
10) Nuno Fernandes Torneol.
11) Bernardo Bonaval.
12) Paio Gomes Charinho.
Embora distante no tempo, a poesia trovadoresca permane-
ce atual no que diz respeito à sua sensibilidade.
Massaud Moisés (2006, n.p.) argumenta a favor dessa atua-
lidade da poesia trovadoresca e nos convida à leitura atenta desta
literatura para que possamos perceber sua beleza e importância. E
acrescenta que ali localizamos:
[...] a fonte primeira de onde promana muito daquilo que constitui
o patrimônio lírico em Língua Portuguesa. Acabará compreenden-
do não ser para menos que certos poetas, brasileiros e portugue-
ses (como, por exemplo, Manuel Bandeira e Afonso Duarte), lá se
abeberaram: estes poetas, para exprimir determinada e voluntária
consangüinidade lírica, subjacente em certos estados de alma co-
muns mas provocados por motivos diversos, não tiveram que voltar
à origem, no encalço das formas adequadas de expressão. É que,
para algumas situações e sentimentos amorosos, os trovadores en-
contraram palavras que ainda continuam a vibrar, por sua flagrante
limpidez e precisão, compondo imagens duma beleza achada es-
pontaneamente, quase sem dar por isso, antes fruto do instinto, ou
da intuição, que da artesania. Aí o seu valor até hoje.

As composições poéticas do Trovadorismo, portanto, deixam


seus traços até hoje nas Literaturas de Língua Portuguesa.
Feitas essas considerações, vejamos a seguir a literatura por-
tuguesa em prosa.
Observemos, então, como se deu sua manifestação em solo
ibérico medieval.

7. PROSA TROVADORESCA
Muito embora se ouça mais falar nas composições poéticas
desse período, houve importantes contribuições também na pro-
sa.
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 95

No Trovadorismo, o gênero épico é representado por quatro


tipos de textos:
1) as novelas de cavalaria;
2) os livros de linhagens, nos quais se descrevia a genealo-
gia das famílias nobres;
3) as hagiografias (relatos de vida dos santos);
4) os cronicões, nos quais eram registrados os aconteci-
mentos históricos (crônica histórica) da época.
Vejamos a seguir essas composições em prosa em suas prin-
cipais características e valor literário.

As novelas de cavalaria
De origem francesa e inglesa, as novelas de cavalaria flores-
ceram como adaptações para a prosa das canções de gesta fran-
cesas.
Com relação à ambientação e à forma dessas canções, Mas-
saud Moisés (2004a, p. 64) diz que eram:
Poemas épicos medievais franceses, escritos desde a segunda me-
tade do século XI até o século XIII, cuja ação transcorria especial-
mente no tempo de Carlos Magno (séc. VIII) [...] Organizavam-se
em estrofes ou laisses, com número variável de linhas: embora
predominassem as combinações métricas de quinze versos, por ve-
zes se encontravam estrofes compostas de centenas de segmentos
encadeados.

Com extensão irregular, essas canções eram declamadas por


jograis, acompanhados por instrumentos de corda.
Com o passar do tempo, as canções de gesta assumiram for-
ma prosaica e de cantadas passaram a ser lidas, dando origem às
novelas de cavalaria.
Massaud Moisés (2006) afirma que a entrada dessas novelas
em Portugal se deu no século 13, circulando entre os fidalgos e
nobres da corte de D. Afonso III.
As novelas de cavalaria foram organizadas em três ciclos, de
acordo com a sua temática:

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96 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

• ciclo carolíngio - gira em torno dos feitos heroicos de Car-


los Magno, imperador francês do século 1º (747 – 814),
que conquistou grande parte do mundo conhecido na
época;
• ciclo clássico - sobre temas greco-latinos;
• ciclo bretão (inglês), também chamado arturiano - trata
das famosas histórias do Rei Artur e dos Cavaleiros da Tá-
vola Redonda.
Destes três ciclos que circulavam pela Europa na Idade Mé-
dia, apenas as novelas do ciclo bretão, em sua vertente francesa,
acharam-se traduzidas para a Língua Portuguesa. São quatro as
novelas desse ciclo que se tem informação de terem sua versão
na língua lusa:
1) Amadis de Gaula.
2) História de Merlim.
3) José de Arimatéia.
4) A Demanda do Santo Graal.
Amadis de Gaula e A Demanda do Santo Graal foram as no-
velas de cavalaria de maior popularidade entre os portugueses.
A versão em português da História de Merlim se perdeu, res-
tando apenas sua tradução para o espanhol com base na portu-
guesa (MOISÉS, 2006).
José de Arimatéia, por outro lado, encontra-se preservada
numa cópia do século 16, atribuída a Manuel Álvares.
Vejamos a seguir a síntese apresentada por Massaud Moisés
(2006, p. 27) da novela de cavalaria José de Arimatéia:
Novela mística, tem começo numa visão celestial de José de Arima-
téia e no recebimento dum pequeno livro (A Demanda do Santo
Graal). José parte para Jerusalém; convive com Cristo, acompanha-
-lhe o martírio da Cruz, e recolhe-lhe o sangue no Santo Vaso. Deus
ordena-lhe que o esconda. Tendo-o feito, morre em Sarras. O relato
termina com a morte de Lancelote: seu filho, Galaaz, irá em busca
do Santo Graal.
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 97

A Demanda do Santo Graal, portanto, surge como terceira


parte de uma trilogia (MOISÉS, 2006). De origem Celta, essa nove-
la recebeu feição cristã na Idade Média.
Vejamos a descrição que Massaud Moisés (2006, p. 27) nos
apresenta desse processo de cristianização desta novela de cava-
laria:
A lenda, de remotas origens célticas, foi inicialmente cantada em
verso, tendo Perceval como herói. À volta de 1220, em França, por
influxo clerical, opera-se a proficação da lenda, da autoria presun-
tiva de Gautier Map, e então Galaaz substitui Perceval. A lenda, até
então de cunho nitidamente pagão, cristianizou-se, passando seus
principais símbolos (o Vaso, a Espada, o Escudo, etc.) a assumir va-
lor místico. Com isso, em vez de aventuras marcadas por um rea-
lismo profano, tem-se a presença da ascese, traduzida no desprezo
do corpo e no culto da vida espiritual, e exercida como processo
de experimentação das forças físicas e morais de cada cavaleiro no
sentido da Eucaristia, fim último anelado por todos.

De origem obscura, o graal foi identificado na tradição cristã


como o cálice que Jesus Cristo teria usado na sua última refeição
com os apóstolos, no qual o discípulo José de Arimatéia teria re-
colhido o sangue e a água que brotaram do lado de Cristo na cruz.
Apesar disso, no texto d’A demanda ele não é descrito como um
cálice.
Vejamos a síntese de A Demanda de Santo Graal conforme
nos apresenta Massaud Moisés (2006, p. 28):
Em torno da "távola redonda", em Camaalot, reino do Rei Artur,
reúnem-se dezenas de cavaleiros. É véspera de Pentecostes. Chega
uma donzela à Corte e procura por Lancelote do Lago. Saem am-
bos e vão a uma igreja, onde Lancelote arma Galaaz cavaleiro e
regressa com Boorz e Camaalot. Um escudeiro anuncia o encontro
de maravilhosa espada fincada numa pedra de mármore boiando
n’água. Lancelote e os outros tentam arrancá-la debalde. Nisto Ga-
laaz chega sem se fazer anunciar e ocupa a seeda perigosa (=cadei-
ra perigosa) que estava reservada para o cavaleiro "escolhido": das
150 cadeiras, apenas faltava preencher uma, destinada a Tristão.
Galaaz vai ao rio e arranca a espada do pedrão. A seguir, entregam-
-se ao torneio. Surge Tristão para ocupar o último assento vazio. E,
meio ao repasto, os cavaleiros são alvoroçados e extasiados com a
aérea aparição do Graal (=cálice), cuja luminosidade sobrenatural
os transfigura e alimenta, posto que só por um breve momento.

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98 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Galvão sugere que todos saiam à demanda (= à procura) do San-


to Graal. No dia seguinte, após ouvirem missa, partem todos, cada
qual por seu lado. Daí para a frente, a narração se entrelaça, emara-
nha, a fim de acompanhar as desencontradas aventuras dos cava-
leiros do Rei Artur, até que, ao cabo, por perecimento ou exaustão,
ficam reduzidos a um pequeno número. E Galaaz, em Serras, na
plenitude do ofício religioso, tem o privilégio exclusivo de receber a
presença do Santo Vaso, símbolo da Eucaristia, e, portanto, da con-
sagração de uma vida inteira dedicada ao culto das virtudes morais,
espirituais e físicas.

De todo modo, além do veio religioso, A Demanda do Santo


Graal (1988) também pode ser considerada uma narrativa dos fei-
tos de guerra desses cavaleiros.
Ao final, a graça de encontrar o graal seria dada apenas
àqueles que, depois de vencer incontáveis batalhas contra seres
fantásticos e contra toda espécie de mal, guardassem o coração
puro.
Ora, essa valorização da castidade e da virtude dos cavalei-
ros indica um processo de cristianização dessa novela de cavalaria,
a fim de que os relatos ajudassem a preservar os valores da fé cris-
tã; originalmente, essas novelas valorizavam os feitos heroicos dos
cavaleiros, nem sempre santos, e também suas conquistas amo-
rosas.
A respeito dessa valorização das virtudes cristãs, Massaud
Moisés (2006, p. 29) pontua que tais novelas cristianizadas serviam
bem ao propósito de resgatar a cavalaria em declínio por causa de
seu desvirtuamento. Especialmente, A Demanda do Santo Graal:
[...] colabora intimamente com o processo restaurador da Cavalaria
andante: caracteriza-se por ser uma novela mística, em que se con-
tém uma especial noção de herói antifeudal, qualificado por seu
estoicismo inquebrantável e sua total ânsia de perfeição. Novela a
serviço do movimento renovador do espírito cavaleiresco, em que o
herói também está a serviço, não mais do senhor feudal mas de sua
salvação sobrenatural, uma brisa de teologismo varre-a de ponta a
ponta, o que não impede, porém, a existência de circunstâncias jac-
tos líricos e eróticos, nem algumas gotas de fantástico ou mágico,
em que o real e o imaginário se cruzam de modo surpreendente.
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 99

A figura do cavaleiro virtuoso que, abrindo mão de seu bem-


-estar e felicidade se dedica à luta em prol da bondade, continua
vívida até hoje em suas versões modernas do cinema americano,
por exemplo.
Portanto, o tema do graal continua presente na cultura con-
temporânea, como se pode observar no filme Indiana Jones e a
última cruzada (SPIELBERG, 1989), Figura 1, no qual o herói repro-
duz algumas das qualidades exigidas de um cavaleiro medieval.
Esse tema também tem seu lugar garantido em obras com
interpretação diversa do seu significado, como no best-seller O Có-
digo Da Vinci (BROWN, 2004), que tem atraído a atenção de um
número incontável de leitores e gerado grandes discussões.

Figura 1 Indiana Jones e a Última Fonte: adaptado de Chamada, 2012.


Cruzada. Figura 2 O Código Da Vinci.

Amadis de Gaula
De autoria incerta, é considerada uma das mais importantes
novelas de cavalaria da Península Ibérica.
Vejamos as considerações de Massaud Moisés (2006, p. 47)
a respeito de sua natureza literária:

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100 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Reeditada várias vezes e continuada ao longo do século XVI, for-


mando o ciclo dos Amadises, em 12 livros, filia-se ao longínquo
trovadorismo amoroso. Amadis é um perfeito cavaleiro-amante e
sentimental, vivendo em plena atmosfera do "serviço" cortês, ca-
racterizado pela dedicação constante e obsessiva à bem-amada, a
fim de lhe conseguir os favores. Esse traço francamente medieval
é equilibrado com freqüente tendência sensualista. Dessa forma,
ao platonismo amoroso se junta "um grande e mortal desejo" que
incendeia o par de namorados: Amadis e Oriana.

Nesse sentido, Amadis antecipa o herói moderno, servindo


de passagem da mentalidade medieval para a renascentista (MOI-
SÉS, 2006).
Vejamos, na sequência, um trecho do capítulo 20 de Amadis
de Gaula, em que se pranteia a morte do herói:
[...]
Oriana se esforçou um pouco mais, e tinha os olhos postos na ja-
nela onde falara com Amadis, no tempo que ali primeiro chegou, e
disse com voz mui fraca, como aquela que as forças havia perdidas:
– Ai, janela, que coita é para mim aquela formosa fala que em ti foi
feita; eu sei bem que não durarás tanto que em ti outros dois falem
tão verdadeira e desenganada fala!
Outrossim disse:
– Ai, meu amigo, flor de todos os cavaleiros, quantos perderam so-
corro e defesa com a vossa morte, e que coita e dor a todos eles
será, mas a mim muito maior e mai amarga, como aquela que, mui-
to mais que sua, vossa era! Que assim como em vós era todo meu
gozo e minha alegria, assim vós faltando, é tornado no contrário
de graves e incomportáveis tormentos; o meu ânimo assaz será fa-
tigado, até que a morte, que eu tanto desejo, me venha, a qual,
sendo causa que a minha alma com a vossa se junte, de mui maior
descanso que a atribulada vida me será ocasião.
Mabília, com semblante sanhudo, disse:
– Como, senhora! Pensais vós que, se eu estas novas acreditasse,
que teria esforço para consolar alguém? Não é assim pequeno nem
leviano o amor que a meu primo tenho; antes, assim Deus me sal-
ve, se com razão o pudesse crer, nem a vós nem a quantos neste
mundo bem o querem daria vantagem naquilo que por sua morte
se devia mostrar e fazer; assim que o fazeis não vos tem prol, e
poderia muito dano trazer, pois que com isso mui asinha se poderia
descobrir o que tão encoberto temos.
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 101

Oriana, ouvindo isto, disse-lhe:


– Disso já pouco cuidado tenho, que agora, tarde ou cedo, não
pode tardar de ser a todos manifesto, ainda que eu pugne por o
encobrir; que quem viver não deseja, nenhum perigo pode temer,
mesmo se viesse.
Nisto que ouvis estiveram todo aquele dia, dizendo a Donzela de
Dinamarca a todos como Oriana não se ousava afastar de Mabília,
para que se não matasse, tão grande coita era a sua; mas vinda
a noite, com mais fadiga a passaram, que Oriana esmorecia mui-
tas vezes, tanto que nunca à alva pensaram que chegasse, tanto
era o pensamento e a coita que no coração tinha. Pois no outro
dia, na hora em que iam pôr os mantéis ao Rei, entrou Brandoívas
pela porta do palácio, levando Grindalaia pela mão, como aquela
a quem afeição tinha, que muito prazer aos que o conheciam deu,
porque grande espaço de tempo havia passado que dele nenhu-
mas novas soubessem; e ambos ajoelharam ante el Rei. El Rei, que
o muito prezava, disse assim:
– Brandoívas, sede mui bem vindo; como tardastes tanto, que mui-
to vos temos desejado?
A esta razão que el Rei lhe dizia, respondeu e disse:
– Senhor, fui metido em tão grande prisão que dela não poderia
sair de nenhum a guisa, senão pelo mui bom cavaleiro Amadis de
Gaula, que, pela sua cortesia, me tirou a mim e a esta dona e a ou-
tros muitos, fazendo tanto em armas qual nenhum outro fazer pu-
dera; e tê-lo-ia morto pelo maior engano que se nunca viu o traidor
Arcalaus; mas foi socorrido por duas donzelas que não o deveriam
amar pouco.
El Rei, quando isto ouviu, levantou-se logo da mesa e disse:
– Amigo, pela fé que a Deus deveis e a mim, dizei-me se é vivo
Amadis.
[...]
Então contou a el Rei quanto lhes acontecera com Arcalaus, que
nada faltou, como já o ouvistes antes disto. El Rei e todos os de sua
casa quando o ouviram, ficaram tão alegres que mais não podiam
ficar [...].
Grindalaia foi à câmara de Oriana e disse-lhes todas as boas novas
que trazia. Elas lhe fizeram muita honra, e não quiseram que em
outra parte comesse senão à sua mesa, para poder saber mais por
extenso aquilo que tão grande alegria aos seus corações, que tão
tristes haviam estado, lhes dava; mas quando Grindalaia lhes con-
tava por onde Amadis havia entrado na prisão, e como matara os
carcereiros e a tirara a ela donde tão coitada estava, e a batalha que

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102 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

com Arcalaus tivera, e tudo o resto que se tinha passado, grande


piedade fazia ter as suas amigos. Assim como ouvis estavam no seu
comer, tornada a sua grande tristeza em muita alegria. [...]
Assim como ouvis estava el Rei Lisuarte e toda a sua corte muito
alegres e com desejo de ver Amadis, que tão grande sobressalto
lhes tinham dado aquelas más novas que lhes dele haviam dito;
dos quais deixará a história de falar, e contará de D. Galaor, que há
muito que dele não se contou nem se fez memória (GAULA, 2012).

A popularidade dessa novela atingiu seu auge entre os sécu-


los 14 e 15, adentrando, portanto, o segundo tempo da literatura
portuguesa medieval, no período do Humanismo, do qual tratare-
mos em pormenores na próxima unidade.
Vejamos, agora, para encerrar esta unidade, as três outras
manifestações em prosa do período trovadoresco: os livros de li-
nhagem, as hagiografias e os cronicões.

Livros de linhagens ou nobiliários, hagiografias e cronicões


Além das novelas de cavalaria, a época medieval contou com
um conjunto de obras, de menor valor literário, que ficaram co-
nhecidos como linhagens, hagiografias e cronicões.
Os cronicões, relatos breves de fatos históricos, são impor-
tantes por seu testemunho do nascimento da historiografia portu-
guesa, embora de pouca expressão literária.
Saraiva e Lopes (2005, p. 82) identificam cinco documentos
do século 14 como representativos da atividade historiográfica
portuguesa medieval. São eles:
1) A Crónica Geral de Espanha, em galego-português, que é
uma tradução de textos castelhanos.
2) A Crónica Galego-Portuguesa de España y Portugal (c.
1342), cujas fontes são principalmente portuguesas, e
da qual se conservou um fragmento da IV Crónica Breve
de Santa Cruz.
3) Três Livros das Linhagens, sendo os dois últimos da ini-
ciativa de D. Pedro, conde de Barcelos.
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 103

4) A primeira versão da Crónica Geral de 1344, atribuída


ao mesmo conde, de que só se conhece a versão caste-
lhana.
5) A segunda versão da Crónica Geral de 1344, redigida em
1400.
As hagiografias, geralmente escritas em latim, narravam em
prosa ou verso uma versão lendária da vida de santos.
Em Portugal, as hagiografias alcançaram forte influência cul-
tural, traduzindo-se em diversas coleções.
Por fim, os Livros de Linhagens ou Nobiliários eram relações
de nomes, especialmente, nobres e fidalgos, com o fim de regis-
trar as relações de parentesco.
São quatro os livros de linhagens a que se tem conhecimento.
Massaud Moisés (2006, p. 30) os descreve nos seguintes ter-
mos:
Os dois primeiros, dos começos do século XIII, contêm meras listas
de nomes formando árvores genealógicas. O terceiro e o quarto
foram mandados organizar pelo mesmo D. Pedro, Conde de Bar-
celos, e revelam veleidades literárias: nas referências às ligações
genealógicas se intercalam, com realismo, colorido e naturalidade,
narrativas breves mas de especial interesse, como a da Batalha do
Salado, no Livro III. No Livro IV, acentuam-se as preocupações no-
velescas, com a inclusão duma tentativa (a primeira) de erguer uma
história completa de Portugal, iniciada em Adão e Eva e terminada
nos reis portugueses da Reconquista. Apresentando mais interesse
histórico-literário que estético, aqui a História e a Cavalaria se mes-
clam, preparando o advento de Fernão Lopes, com quem se abre a
época seguinte.

Com relação à obra de Fernão Lopes como cronista real, de-


dicaremos espaço na próxima unidade.
Concluímos, assim, nossa viagem pela literatura trovadores-
ca em suas principais vertentes portuguesas no período medieval.

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104 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) As primeiras manifestações literárias em Língua Portuguesa se deram:
a) Em galego-português durante a retirada do Império Romano do condado
Portucalense.
b) Em português arcaico em pleno processo de formação do condado Por-
tucalense e chegada dos árabes ao norte de Portugal.
c) Em galego-português, já em plena Idade Moderna, com a formação do
Reino Aragão e Catalão.
d) Em galego-português, coincidem com a formação do Estado português e
com a expulsão dos árabes da Península Ibérica.
e) Em português arcaico, durante o reinado de D. Dinis e a expulsão dos
espanhóis do território português.
2) O trovador, na literatura trovadoresca, destacava-se como:
a) Poeta de ascendência nobre, que elaborava letra e melodia das cantigas.
b) Executava suas cantigas acompanhado de instrumentos musicais.
c) Pertencia, geralmente, à aristocracia ou era fidalgo decaído.
d) Ao seu talento individual, somava-se o estudo das regras da Retórica, da
Poética e da Música.
e) Todas as alternativas anteriores estão corretas.
3) Com relação às figuras do segrel, jogral e menestrel, é correto afirmar que:
a) O segrel era de origem popular e recebia pela composição de suas can-
tigas.
b) O jogral era de origem nobre e recebia por suas cantigas.
c) O menestrel, de origem popular, recitava e tocava cantigas de autoria de
outros poetas.
d) O segrel era de origem nobre e não recebia por suas composições.
e) O menestrel, de origem nobre ou clérigo, compunha e declamava suas
próprias cantigas.
4) Com relação às coletâneas ou cancioneiros de cantigas trovadorescas me-
dievais de que temos conhecimento, é correto afirmar que:
a) Colecionam cantigas trovadorescas, não só do território português, mas
de autores de diferentes regiões da Península Ibérica.
b) A coletânea mais antiga de cantigas trovadorescas em galego-português,
data do século 14 e recebeu o nome de Cancioneiro da Vaticana.
c) O Cancioneiro da Ajuda é o mais valioso por ser o mais completo e cata-
logar a totalidade das cantigas trovadorescas medievais.
d) O Cancioneiro da Biblioteca Nacional, embora incompleto, é uma teste-
munha importante por conter cantigas de trovadores do mesmo período
de sua compilação.
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 105

e) O Cancioneiro da Ajuda, embora seja o mais recente dos cancioneiros, só


contém cantigas de trovadores do condado Portucalense.
5) Com relação ao marco inicial do Trovadorismo em Portugal, é correto afir-
mar que:
a) Geralmente, os autores delimitam como marco inicial do Trovadorismo
os anos de 1189 ou 1198, com a Cantiga da Ribeirinha ou Cantiga de
Guarvaia, atribuída a Paio Soares de Taveirós.
b) Não há concordância entre os autores sobre o marco inicial do Trovado-
rismo em Portugal.
c) O marco inicial do Trovadorismo português possui um caráter mais didá-
tico do que cronológico, podendo variar dependendo do ponto de vista
com que se analisa a cantiga tida como referência como marco.
d) Para alguns autores, João Soares de Paiva é o autor da cantiga inicial do
Trovadorismo português, antecipando o início do Trovadorismo em Por-
tugal para os primeiros anos do século 12.
e) Todas as alternativas anteriores são corretas.
6) A provável origem da poesia trovadoresca apoia-se em quatro possibilida-
des. Quais são? Qual a melhor opção de resposta à questão da origem dessa
poesia?

7) Quais são as principais características das cantigas de amor? E das cantigas


de amigo? Que características principais as diferenciam?

8) O que era a vassalagem e como se aplicava às cantigas de amor?

9) Com relação às cantigas de amor, é correto afirmar que:


a) O trovador seguia um rígido código herdado do modelo provençal de
amor cortês.
b) O trovador expressa os sentimentos de um eu lírico feminino, que chora
e lamenta a ausência de seu amado.
c) Inovaram ao admitir em seu núcleo artístico a figura de trovadoras.
d) Comum em círculos populares, revelam traços mais realistas e menos
platônicos.
e) Diferentemente das cantigas de amigo, possuem forte influência popular.
10) Quais os círculos sociais principais a que as cantigas de amigo estão vincu-
ladas?
11) Que nomes são atribuídos às cantigas de amigo? Que circunstâncias defi-
nem essa nomenclatura?
12) O que é leixa-pren? Como é aplicado à lírica trovadoresca?
13) Por que as cantigas de amigo tendem a apresentarem maior espontaneida-
de que as cantigas de amor?
14) Defina cantigas satíricas.

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106 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

15) Que características são próprias e distintivas das cantigas de escárnio e can-
tigas de maldizer?

16) Quais ambientes eram próprios das cantigas satíricas?

17) Por que nem sempre é possível classificar uma cantiga especificamente
como de escárnio ou de maldizer?

18) Quais eram os temas prediletos das cantigas satíricas?

19) Quais foram os nomes de trovadores de maior relevo em Língua Portuguesa?

20) Em que consiste a importância e a atualidade da poesia trovadoresca?

21) Quais foram as principais manifestações da prosa trovadoresca medieval em


Portugal?

22) O que foram as novelas de cavalaria?

23) Quais ciclos de novelas de cavalaria foram expressivos na Europa Medieval e


qual deles teve especial receptividade em Portugal?

24) Dentre as novelas de cavalaria do ciclo Bretão, quais tiveram versão em Lín-
gua Portuguesa?

25) Quais novelas de cavalaria do ciclo Bretão desfrutaram de maior populari-


dade em Portugal?

26) Qual a origem de A Demanda do Santo Graal?

27) Em que circunstâncias A Demanda do Santo Graal recebeu feição cristã?

28) Que versão de A Demanda de Santo Graal ganhou prestígio em Portugal


durante a Idade Medieval?

29) Que aspectos de A Demanda do Santo Graal serviram aos propósitos religio-
sos da Igreja Medieval e quais se mostram ainda hoje atuais?

30) Além das novelas de cavalaria, que outras manifestações em prosa marca-
ram o período trovadoresco em Portugal? Qual a sua importância naquele
período e nos dias atuais?

Gabarito
1) d.

2) e.
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 107

3) c.

4) a.

5) e.

9) a.

9. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, estudamos a primeira manifestação literária
em verso e prosa que floresceu em Portugal ainda durante a Idade
Média e que coincide com a formação de seu Estado e com a ex-
pulsão dos árabes da Península Ibérica.
Obras de poetas trovadores de linhagem nobre, as cantigas,
como ficaram conhecidos os poemas desse período, eram musica-
das e cantadas ao som de instrumentos de corda.
As cantigas de natureza lírico-amorosas eram de dois tipos:
cantigas de amor e cantigas de amigo. De origem provençal, as
cantigas de amor expressavam o amor impossível de se concretizar
de um eu lírico masculino pela mulher amada, geralmente uma
dama casada ou de estrato social elevado. As cantigas de amigo,
por outro lado, de origem popular e de traço espontâneo, expres-
sam o lamento de um eu lírico feminino que chora a ausência de
seu amado, que partiu para lutar na cavalaria ou a deixou por ou-
tra mulher.
Os mesmos trovadores ocuparam-se ainda com as cantigas
satíricas de escárnio e de maldizer. Próximas do cotidiano e dos
costumes da época, revelando menor preocupação com as con-
venções sociais, essas cantigas são importantes testemunhas da
sociedade desse período.
Cantadas em locais boêmios, as cantigas satíricas eram escri-
tas em linguagem considerada vulgar e zombavam de personalida-
des conhecidas. Revelavam vícios e escândalos dos próprios jograis
trovadorescos e criticavam burgueses, fidalgos, nobres e clérigos.

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108 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Nas cantigas de escárnio, em linguagem ambígua, faziam sua


crítica de modo velado sem revelar o nome da pessoa ridiculariza-
da. Já as cantigas de maldizer faziam uso de linguagem direta, sem
camuflar o destinatário de sua sátira.
É importante ressaltar, no entanto, que a distinção entre as
cantigas de escárnio e as cantigas de maldizer nem sempre é tão
evidente, por vezes, sendo difícil distinguir determinar a que tipo
de cantiga satírica determinada cantiga melhor se enquadra.
Na prosa, predominaram em Portugal as novelas de cavalaria
de vertente francesa. Originárias das Canções de Gesta (poemas
de tema guerreiro), as novelas de cavalaria difundiram-se na Eu-
ropa em três ciclos, de acordo com o assunto a que se dedicavam.
O Ciclo Bretão ou Arturiano, que tinha como personagens centrais
o lendário Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, foi o que
sobreviveu no país, sendo que, deste ciclo, A Demanda do Santo
Graal e Amadis de Gaula foram as novelas de maior repercussão.
Cristianizadas para favorecer o espírito cristão e promover a
figura do cavaleiro virtuoso, as novelas do Ciclo Bretão, em espe-
cial, exploram a idealização do que seria o perfeito cavaleiro em
suas virtudes espirituais, castidade, honradez e coragem.
Além das novelas de cavalaria, frutificou entre os portugue-
ses textos em prosa de menor expressão literária conhecidos com
livros de linhagens ou nobiliários, hagiografias e cronicões, mas
importantes por revelarem traços linguísticos e conter as primei-
ras tentativas de se registrar a história de Portugal. Os livros de
linhagens continham árvores genealógicas de nobres, preocupa-
dos em determinar os laços de parentescos. As hagiografias tra-
ziam relatos e lendas, geralmente em latim, a respeito da vida de
santos. Por fim, os cronicões abordavam relatos romanceados de
fatos históricos e sociais da nação.
Agora que você estudou a primeira manifestação literária de
Portugal, na próxima unidade, iremos nos deter em estudar a lite-
© U3 - Trovadorismo em Portugal: Poesia e Prosa 109

ratura do período seguinte ao Trovadorismo, que ficou conhecido


como Humanismo.
Até lá!

10. E-REFERÊNCIAS

Listas de figuras
Figura 1 Indiana Jones e a A Última Cruzada. Disponível em: <http://www.cineplayers.
com/filme.php?id=566>. Acesso em: 24 jan. 2012.
Figura 2 O Código Da Vinci. Disponível em: <http://www.chamada.com.br/mensagens/
codigo_da_vinci_2.html>. Acesso em: 24 jan. 2012.

Sites pesquisados
Amadis de Gaula. Disponível em: <http://www.fcsh.unl.pt/docentes/gvideiralopes/
index_ficheiros/amadisT.pdf> Acesso em: 24 jan. 2012.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BROW, D. O Código da Vinci. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.
CAMPEDELLI, S. Y. Literatura: história e texto 1. São Paulo: Saraiva, 2000.
INDIANA JONES E A ÚLTIMA CRUZADA. Direção de Steven Spielberg, EUA: 1989. DVD
(127 min.), color.
MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2004a.
______. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2006.
______. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2004b.
SARAIVA, A. J.; LOPES, O. História da literatura portuguesa. Porto: Porto Editora, 2005.

Claretiano - Centro Universitário


Claretiano - Centro Universitário
EAD
O Humanismo em Portugal
e a Obra de Gil
Vicente
4
1. OBJETIVOS
• Conhecer as principais produções literárias do Humanismo.
• Discutir questões pertinentes à produção historiográfica.
• Definir o teatro vicentino.
• Analisar a obra Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente.

2. CONTEÚDOS
• Humanismo em Portugal.
• Prosa Historiográfica
• Prosa Doutrinária
• Prosa religiosa
• Poesia Palaciana.
• Teatro de Gil Vicente.
• Trilogia das Barcas.
112 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Tenha em mente que o Humanismo compreende o se-
gundo tempo da literatura medieval e, de certa, forma
funciona como ponto de transição entre a mentalidade
medieval e a renascentista.
2) Entenda que a historiografia de Fernão Lopes constitui-
-se em progresso na maneira de se escrever a história
oficial.
3) Atente-se também para as características que permitem
classificar as crônicas historiográficas na categoria de li-
teratura.
4) Observe as principais fontes de inspiração e contribui-
ções de Fernão Lopes para a prosa literária posterior.
5) Compreenda a importância histórica e literária da prosa
doutrinária e religiosa.
6) Perceba as semelhanças e diferenças entre a poesia tro-
vadoresca e a palaciana.
7) Analise as contribuições da poesia palaciana para a lite-
ratura em verso em sua consolidação como expressão
linguística.
8) Entenda a contribuição de Garcia de Rezende para pre-
servação da história literária portuguesa.
9) Perceba a importância de Gil Vicente para o teatro por-
tuguês e universal.
10) Compreenda o valor histórico e literário do teatro vicen-
tino.
11) Observe o papel social da produção teatral de Gil de Vi-
cente.
12) Analise a harmonização entre religião e crítica na obra
de Gil Vicente.
13) Aprofunde seus conhecimentos a respeito da produção
teatral de Gil Vicente.
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 113

14) Perceba a unidade existente nas peças que compõem a


Trilogia das Barcas.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, finalmente adentramos o universo das
Literaturas de Língua Portuguesa propriamente ditas. Vimos como
se deu o seu início e fizemos uma leitura de algumas cantigas tro-
vadorescas e tomamos contato com as novelas de cavalaria, bem
como ficamos sabendo de outras formas de prosa recorrentes no
período do Trovadorismo.
Você pôde perceber os diferentes tipos de composição poé-
tica da época medieval portuguesa: as cantigas líricas – de amor e
de amigo –, cuja temática gira em torno do sentimento amoroso,
e as cantigas satíricas – de escárnio e de maldizer –, que os poetas
compunham para troçarem uns dos outros e também para ridicu-
larizarem algumas pessoas importantes da sociedade.
Você teve, também, a oportunidade de conhecer um pouco
da produção em prosa do Trovadorismo.
Nesta unidade, continuaremos a nos debruçar sobre essa
produção em prosa, especificamente sobre a prosa de Fernão Lo-
pes (1380-1460), mas deter-nos-emos mais no teatro de Gil Vicen-
te (1465-1537), que é, sem dúvida, o principal escritor do período.
Preparado (a)?
Então, vamos em frente!

5. HUMANISMO EM PORTUGAL
O período ao qual nos referimos agora, e que denominamos
Humanismo, inicia-se em 1428, quando D. Duarte, ainda no rei-
nado de seu pai, D. João I, nomeia o historiador e escritor Fernão
Lopes para a função de Guarda-Mor da Torre do Tombo, e termina

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114 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

em 1527, quando Sá de Miranda traz a Portugal as primeiras pro-


duções do Classicismo europeu.
Na Europa, a Guerra dos Cem Anos (1337-1453), disputa
pelo trono da França, devassa a França e a Inglaterra.
Também nessa época surge a peste negra, doença infecto-
contagiosa que dizima grande parte da Europa entre 1347 e 1350.
Nesse período, as rivalidades entre o clero da França e o da
Itália provocam o Grande Cisma do Ocidente, que culmina com a
eleição, em 1378, de dois Papas: Urbano VI (apoiado pela Ingla-
terra, Portugal e parte da Alemanha) e Clemente VII (apoiado pela
França, Castela, Aragão e Escócia).
Figura notória desse período é a francesa de 19 anos Joana
D'Arc (1412-1431), que em 1429 leva os exércitos franceses a li-
bertarem a cidade de Orléans, sitiada pelos ingleses; presa e ven-
dida aos ingleses, é martirizada e morta em 1431, como tentativa
inglesa de apagar a chama nacionalista francesa. Este fato históri-
co é retratado no filme Joana D'Arc, de Luc Besson (1999), e que
sugerimos que você o assista para ambientar-se com a época em
que foi produzida a literatura que estamos estudando.
Ainda no campo religioso teve início, no século 16, na Alema-
nha, a Reforma Protestante, liderada por Martinho Lutero (1483-
1546). Para que você se familiarize com o movimento reformista
do século 16, sugerimos que você assista a outro filme: Lutero, de
Eric Till (2003).
E em Portugal? O que está a acontecer neste período tão
conturbado para a Europa?
Nessa época, Portugal está em pleno fortalecimento da ex-
pansão ultramarina, "mostrando ser possível ao Homem, pelo seu
esforço, coragem e saber, o domínio sobre a natureza e o desco-
nhecido" (MALEVAL, 1992, p. 100).
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 115

Trata-se de uma época em que o antropocentrismo entra em


choque com as ideias teocêntricas medievais, as quais procuram
justificar o poder dos senhores feudais.
Para que se compreenda por que a nomeação de Fernão Lo-
pes constitui-se em marco literário, é preciso entender que a Torre
do Tombo era na época – e continua sendo até hoje – o arquivo
nacional de Portugal. Era ali que se guardavam os documentos ofi-
ciais do reino, e Fernão Lopes foi, por assim dizer, o seu primeiro
diretor.
Em 1434, o já então rei D. Duarte encarrega-o de "poer em
caronica as estórias dos antigos reis que em Portugal forom e isso
mesmo os grandes feitos e altos do mui virtuoso e de grandes vir-
tudes el-rei meu senhor e padre" (PAIS, 2004, p. 61). Com isso,
Fernão Lopes torna-se o primeiro cronista oficial do reino.
Após Fernão Lopes, outros cronistas surgem, como Gomes
Eanes de Azurara (1410-1473) e Rui de Pina (c. 1440-1522).
É um período em que predomina a prosa doutrinária, de
caráter utilitário, escrita pelos cronistas oficiais e também pelos
príncipes da Dinastia de Avis.
Há ainda alguns frutos da prosa mística conventual e, so-
mente no final do período, desponta o melhor da arte literária
desse período: o Cancioneiro Geral (1516), compilado por Garcia
de Resende (1470-1536), e o teatro de Gil Vicente.
O desinteresse pela poesia, nesse período, justifica-se pelo
fato de que a Dinastia de Avis forma-se com o apoio da burguesia
mercantilista, cujos interesses estavam voltados para a expansão
comercial e não para a atividade dos jograis, o que os teria deses-
timulado. A ascensão da burguesia provoca uma crise na ordem
feudal anteriormente estabelecida.
Com o fortalecimento do comércio, ocorre o crescimento
das cidades e, com isso, surge a necessidade de novas formas so-
ciais e jurídicas que dessem conta das transformações que ocor-

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116 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

riam na sociedade. A solução encontrada é a centralização do


poder na Corte, que passa a ser um importante foco gerador de
cultura, rivalizando com os mosteiros de Alcobaça e de Santa Cruz
de Coimbra na produção de manuscritos, aproximando assim a
cultura laica da cultura clerical.
A literatura cortesã, dirigida a um público cada vez mais habituado
à leitura, individual ou coletiva, tem por cultores plebeus enobreci-
dos pelo estudo, fidalgos, príncipes e reis, estes já se abeirando do
mecenato. E afasta-se mais e mais da cultura jogralesca, que agora
se manifesta de forma restrita, em romances breves e contos tra-
dicionais, de veiculação predominantemente oral e limitada a um
público rude e pobre, o que torna cada vez menor o número de
seus cultores (MALEVAL, 1992, p. 101).

É um período de desestruturação do feudalismo e de sur-


gimento do sentimento nacional. Ocorrem em Portugal várias
insurreições camponesas ou urbanas, das classes populares (as-
salariados, artesãos, camponeses) contra as classes privilegiadas
(nobres, burgueses, comerciantes e proprietários em geral), com
reivindicação de direitos políticos ou liberdades civis.
Comecemos, então, nosso estudo das principais manifesta-
ções literárias do Humanismo em prosa, versos e no teatro.
É o que veremos a seguir, começando pelas crônicas histo-
riográficas, em que se destaca Fernão Lopes.
Vejamos, então!

6. PROSA HISTORIOGRÁFICA
Considerado o pai da historiografia portuguesa, Fernão Lo-
pes registrou em suas crônicas a vida de seus reis, a revolução de
Avis e a expansão marítima. Pode-se dizer que inovou ao conside-
rar em seus relatos, não só os atos de reis, nobres e cavaleiros, mas
também a participação popular nos acontecimentos históricos.
Vejamos como Massaud Moisés (2006, p. 33) apresenta a con-
cepção de história com que Fernão Lopes escreve suas crônicas:
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 117

Sua concepção de História é regiocêntrica, quer dizer, gira em torno


de reis, a cuja ação se deveriam os principais acontecimentos his-
tóricos; e é política: num caso e noutro, Fernão Lopes enquadra-
-se nitidamente nas estruturas culturais da Idade Média, Todavia,
alguns pormenores fazem dele um homem avançado para o tem-
po; quando não, atestam uma inteligência lúcida, independente,
atenta nas contradições internas que a sociedade coeva entrava a
manifestar.

Além da participação popular nos rumos da história, Fer-


não Lopes inova, também, ao considerar a influência das causas
econômicas e psicológicas nos acontecimentos históricos a que se
propõe a registrar em suas crônicas.
Outro aspecto inovador de Fernão Lopes diz respeito às fon-
tes utilizadas em seus escritos, em que o autor dá prioridade à
documentação escrita em lugar da oralidade.
Vejamos o que nos informa Massaud Moisés (2006, p. 33) a
respeito:
O documento escrito é a base em que se apoia para erguer retra-
tos de reis e fidalgos, situações de intensa vibração dramática, e os
enredos de incessante dinamismo. Como isso não bastasse, proce-
de à análise e imparcialidade, no encalço de reconstituir a verdade
histórica e fazer justiça na interpretação dos acontecimentos e das
personagens que nelas se envolvem.

No entanto, sua importância não se limita ao campo do rela-


to histórico, mas também literário.
Vejamos como Massaud Moisés (2006, p. 34) apresenta as
qualidades literárias perceptíveis nas crônicas de Fernão Lopes:
Dotado dum estilo maleável, coloquial, primitivo, saborosamente
palpitante e vivo, não escondia o gosto acentuado pelo arcaísmo,
talvez em decorrência de sua origem plebeia e seu amor ao povo,
à "arraia-miúda". Com tais recursos estilísticos, nem sempre es-
pontâneos e fáceis como podem perceber à primeira vista, soube
imprimir às suas crônicas um movimento que transcende o mero
plano descritivo e narrativo em que se comprazia a historiografia
anterior.

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118 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Usava a simultaneidade como recurso para narrar fatos con-


comitantes em espaços diferentes, criando o entrelaçamento de
cenas e surpresas (SARAIVA; LOPES, 2005).
Massaud Moisés (2006, p. 34) acrescenta que:
Fernão Lopes possui incomum sentido plástico da realidade, evi-
dente no fato de procurar sempre oferecer ao leitor um instantâ-
neo "vivo", "atual", dos acontecimentos. Visualista por excelência,
o cronista penetra no interior da narrativa, "vê"-lhe o mais fundo
e alcança com peculiar maestria fazer que o leitor também "veja":
com isso, o passado mais remoto transforma-se em presente. Os
retratos psicológicos das personagens, a cerrada cronologia, o hábil
manuseio dos diálogos, constituem outras soluções estruturais que
trouxe da novela e caldeou com seu próprio pendor literário.

Fernão Lopes soube, portanto, adaptar com inteligência e


elegância os recursos apreendidos das novelas de cavalaria conhe-
cidas do período trovadoresco.
A crônica historiográfica de Fernão Lopes tem características
específicas, como a seguir descritas:
1) regiocêntrica: é centrada na figura do Rei, que é apre-
sentado como um herói novelesco;
2) descreve as ações políticas e o estado psicológico da rea-
leza;
3) "cinematográfica": descreve as cenas como se as esti-
vesse vendo;
4) humanista: trata o Rei como um homem e não apenas
como autoridade máxima da corte;
5) influência das novelas de cavalaria no estilo: naturalida-
de e vigor na narrativa, quase espontânea, somados ao
ritmo novelesco de andamento das cenas, dinamizadas
com o emprego do diálogo;
6) tentativa de manter-se fiel à verdade histórica.
Da atividade historiográfica de Fernão Lopes, apenas três
crônicas foram preservadas:
• Crônica d'El-Rei D. Pedro.
• Crônica d'El-Rei D. Fernando.
• Crônica d'El-Rei D. João (até 1411).
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 119

Vejamos a seguir algumas informações importantes relacio-


nadas às três crônicas atribuídas a Fernão Lopes.

Crônica d'El-Rei D. Pedro


A crônica começa pela descrição de suas preferências parti-
culares e sua obsessão pela justiça.
O cronista reserva boa parte do texto à vingança e coroa-
ção de sua amada Inês de Castro, nobre galega por quem o então
príncipe D. Pedro se apaixonara, despertando insatisfação na corte
portuguesa. Diante disso, seu pai, o rei D. Afonso IV a expulsou de
Portugal. Com a morte da esposa legítima de D. Pedro, D. Constan-
ça, Inês de Castro regressa a Portugal e passa a viver maritalmente
com o príncipe. Persuadido por seus conselheiros do perigo polí-
tico que D. Inês de Castro representava ao reino de Portugal, D.
Afonso IV mandou executá-la.
Ao subir ao trono, depois da morte de seu pai, D. Pedro tra-
tou de vingar-se dos executores de D. Inês de Castro, o que não
aplacou sua ira e saudade.
O trecho a seguir descreve uma das noites em que D. Pedro
sai do palácio no intuito de aplacar seu sofrimento:
Parai mentes se foi bom sabor: jazia el-Rei em Lisboa uma noite na
cama, e não lhe vinha sono para dormir. E fez levantar os moços, e
quantos dormiam no paço; e mandou chamar João Mateus e Lou-
renço Palos, que trouxessem os trombas de prata. E fez acender
tochas, e meteu-se pela vila em dança com os outros.
As gentes, que dormiam, saíam às janelas, a ver que festa era aque-
la, ou por que se fazia; e quando viram daquela guisa el-Rei, toma-
ram prazer de o ver assim ledo. E andou el-rei assim gram parte
da noite, e tornou-se ao paço em dança, e pediu vinho e fruta, e
lançou-se a dormir...
E não curando mais falar de tais jogos: ordenou el-Rei de fazer con-
de e armar cavaleiro João Alfonso Telo, irmão de Martim Afonso
Telo, e fez-lhe a mor honra, em sua festa, que até aquele tempo
fora visto que rei nenhum fizesse a semelhante pessoa; pois el-
-Rei mandou lavrar seiscentas arrobas de cera, de que fizeram cin-
co mil círios e tochas; e vieram do termo de Lisboa, onde el-Rei

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120 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

então estava, cinco mil homens das vintenas para terem os ditos
círios. E quando o conde houve de velar suas armas, no mostei-
ro de S. Domingos dessa cidade, ordenou el-Rei que desde aquele
mosteiro até os seus paços, que é assaz grande espaço, estives-
sem quedos aqueles homens todos, cada um com seu círio aceso,
que davam todos mui grande lume; e el-Rei, com muitos fidalgos
e cavaleiros, andava por entre eles, dançando e tomando sabor.
E assim despenderam gram parte da noite.
Em outro dia, estavam mui grandes tendas armadas no Ros-
sio, acerca daquele mosteiro, em que havia grandes montes
de pão cozido, e assaz de tinas cheias de vinho, e logo pres-
tes por que bebessem. E fora estavam ao fogo vacas inteiras
em espetos a assar, e quantos comer queriam daquela vian-
da, tinham-na muito prestes e a nenhum não era vedada.
E assim estiveram sempre, enquanto durou a festa, na qual foram
armados outros cavaleiros, cujos nomes não curamos dizer (MOI-
SÉS, 2004, p. 48).

Esse trecho da Crônica d'El-Rei D. Pedro é ilustrativo das ca-


racterísticas próprias das Crônicas de Fernão Lopes, já menciona-
das nesta unidade.
Na sequência, trataremos da Crônica d'El-Rei D. Fernando,
filho de D. Pedro e D. Constância, primeiro sucessor de D. Pedro ao
trono português.

Crônica d'El-Rei D. Fernando


Em ordem cronológica, Fernão Lopes narra os principais fa-
tos da vida e do reinado de D. Fernando.
Uma parte considerável da crônica dedica-se à analise nega-
tiva das três guerras promovidas contra Castela, na política exter-
na, e, na vida pessoal, seu matrimônio com D. Leonor Teles. Por
outro lado, percebe-se no texto elogios à administração do reino,
no que diz respeito à política interna.
Vejamos a apresentação que Mongelli et. al. (1992, p. 120)
nos fazem dessa crônica:
O seu Prólogo estabelece o costumeiro retrato do soberano, elogia-
do pelo porte formoso e altaneiro, pelas qualidades de cavaleiro,
mas, em contrapartida, já aí se indicia a sua volubilidade de mance-
bo "ledo e namorado, amador de mulheres e achegador a elas". E
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 121

os seus 178 capítulos revelam aspectos de fundamental importân-


cia para o entendimento da Revolução de 1383-1385, assunto da
crônica subseqüente.

Dessa forma, a Crônica d'El-Rei D. Fernando prepara o leitor


para o ponto máximo da narrativa, que se dá na primeira parte da
crônica seguinte, dedicada à D. João I, filho de D. Pedro e Inês de
Castro, iniciador da Dinastia de Avis.

Crônica d'El-Rei D. João


Considerada a crônica medieval portuguesa de maior relevo
pelos fatos narrados e por seus traços literários, A Crônica d'El-Rei D.
João dedica-se num primeiro momento aos fatos que se passaram
desde a morte de D. Fernando até a coroação de D. João I. Na se-
quência, a crônica dedica-se ao reinado de D. João até 1411, quando
se dá a assinatura do tratado de paz com o reino de Castela.
O trecho a seguir corresponde ao momento da revolta popu-
lar em que D. João executa o amante de D. Leonor Teles, viúva de
D. Fernando:
Então se despediu da Rainha, e tomou o Conde pela mão e saíram
ambos da câmara a uma grande casa que era diante,e os do Mestre
todos com ele, e Rui Pereira e Lourenço Martins mais acerca. E che-
gando-se o Mestre com o Conde acerca de uma fresta, sentiram os
seus que o Mestre lhe começava de falar passo, e estiveram todos
quedos. E as palavras foram entre eles tão poucas e tão baixo ditas,
que nenhum por então entendeu que jendas eras; porém afirmam
que foram desta guisa.
—Conde, eu me maravilho muito de vós serdes homem a que eu
bem queria, e trabalhardes vós de minha desonra e morte.
— Eu, senhor! disse ele, quem vos tal cousa disse, mentiu vos mui
grande mentira.
O Mestre que mais vontade tinha de o matar que de estar com ele
em razões, tirou logo um cutelo comprido, e enviou-lhe um golpe à
cabeça; porém não foi a ferida tamanha que de la morrera, se mais
não houvera. Os outros que estavam de arredor,quando viram isto,
lançaram logo as espadas fora pera lhe dar, e ele movendo pera se
colher à câmara da Rainha com aquela ferida, e Rui Pereira que era
mais acerca, meteu um estoque de armas per ele de que logo caiu
em terra morto.

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122 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Os outros quiseram-lhe dar mais feridas, e o Mestre disseque es-


tivessem quedos, e nenhum foi ousado de lhe mais dar;e mandou
logo Fernando Álvares e Lourenço Martins que fossem cerrar as
portas que não entrasse nenhum e dissessem ao seu Pajem que
fosse à pressa pela vila brandando que matavam o Mestre, e eles
fizeram-no assim.
E era o Mestre quando matou o Conde, em idade de vinte e cinco
anos e andava em vinte e seis; e foi morto seis dias de dezembro,
era já escrita de quatrocentos e vinte e um (MOISÉS, 2004, p. 51-
52).

Uma terceira parte da crônica, iniciada ainda por Fernão Lo-


pes foi concluída por Gomes Eanes de Azurara, seu sucesso como
guarda-mor da Torre do Tombo.
Azurara deu continuidade ao trabalho literário de Fernão Lo-
pes investindo na pesquisa, todavia, acabou por valer-se mais de
relatos orais e não de documentação escrita.
A respeito de sua atuação como cronista real, Massaud Moi-
sés (2006, p. 35) diz que:
Literariamente menos dotado que Fernão Lopes, teve ainda a pre-
judicá-lo o fato de relatar acontecimentos mais ou menos contem-
porâneos, socorrendo-se apenas de testemunhos orais, embora os
submetesse a escrupuloso exame. Azurara vele sobretudo como
iniciador da historiografia da expansão ultramarina, com a crônica
acerca da tomada de Ceuta (1572).

Além da continuação à Crônica d'El-Rei D. João (3ª parte –


em que se narra a tomada de Ceuta), iniciada por Fernão Lopes,
são atribuídas a Azurara as seguintes obras (MOISÉS, 2006):
1) Crônica do Infante D. Henrique.
2) Crônica de D. Pedro de Meneses.
3) Crônica de D. Duarte de Meneses.
4) Crônica dos Feitos de Guiné.
5) Crônica de D. Fernando, Conde de Vila-Real.
Sucedeu Azurara como cronista-mor Vasco Fernandes de Lu-
cena, de quem nada se achou escrito. Seu sucessor na Torre do
Tempo, Rui de Pina, escreveu as crônicas:
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 123

1) Sancho I.
2) Afonso II.
3) Sancho II.
4) Afonso III.
5) D. Dinis.
6) Afonso IV.
7) D. Duarte.
8) Afonso V.
9) D. João II.
Todavia, nem todas as crônicas que escreveu parecem ser
originais. Segundo Massaud Moisés (2006, p. 35),
As seis primeiras seriam a refundição duma obra contemporânea
cujos originais só muito recentemente foram descobertos (na Bi-
blioteca Púbica do Porto e na casa do Cadaval), ou, ainda, calcadas
nas crônicas perdidas de Fernão Lopes. É possível, igualmente, que
se apoiasse em Azurara para fazer a história de D. Duarte e parte da
de Afonso V. De sua autoria exclusiva restariam a última parte da
Crônica de Afonso V e a Crônica de D. João II.

De influência nitidamente clássica, embora menos original,


as crônicas de Rui de Pina têm seu valor pelos relatos sobre os fa-
tos e a vida social do reino de Portugal (MOISÉS, 2006).
Feitas estas considerações a respeito da historiografia portu-
guesa medieval, na sequência, abordaremos outra manifestação
em prosa do segundo tempo da literatura medieval: a prosa dou-
trinária.
Sigamos!

7. PROSA DOUTRINÁRIA
A prosa doutrinária e moralista encontra seu ápice no sécu-
lo 15, sob a monarquia da Dinastia de Avis. Escrita em sua maior
parte por monarcas, esse tipo de prosa tinha como principal preo-
cupação a formação dos nobres e fidalgos, preparando-os para o
convívio em sociedade e para as batalhas.

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124 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Dentre as obras desta natureza, que circularam neste perío-


do, Massaud Moisés (2006) destaca as seguintes:
1) Livro de Montaria, de D. João I, que ensinava os fidalgos
a caça ao porco montês.
2) Leal Conselho e Livro da Ensinança de Bem Cavalgar
Toda Sela, de D. Duarte. A primeira faz uma releitura de
diversas obras de natureza filosófica e teológica. A se-
gunda é uma apologia à vida ao ar livre e das virtudes.
3) O Livro da Virtuosa Benfeitoria, de D. Pedro, filho de D.
João e Inês de Castro. Adaptação do De Beneficiis, de
Sênica, destinada à educação dos nobres nas virtudes e
moralidades.
4) Livro de Falcoaria, de Pêro Menino, manual para o trata-
mento de doenças dos falcões.
Além das obras de instrução didática, circularam ainda, nes-
te período, obras de feição religiosa.
Vejamos como Massaud Moisés (2006, p. 36) as descreve:
Surgiram obras de devoção e misticismo, de elogio da vida contem-
plativa, virtuosa e solitária, como, por exemplo, o Boosco Deleitoso,
com forte influência de Petrarca nos primeiros capítulos, em que
se narra a peregrinação da alma em busca da salvação; o Horto do
Esposo, obra dum monge português anônimo, em que ao encômio
da vida mística se misturam histórias para distrair, inspiradas em
temas greco-latinos e medievais.

Vejamos, na sequência, um trecho do Prólogo do Orto do


Esposo, em que o autor apresenta as razões e objetivos de sua
composição:
Aqui se começa o livro que se chama Orto do Esposo, o qual com-
pôs à honra e louvor de nosso Senhor Jesu Cristo, flor mui preciosa
e fruito mui doce de tôdalas almas devotas, e da benta Virgem das
virgens, Maria, rosa singular e estremada da celestial deleitaçom e
de toda a corte da cidade de Jerusalém, que é ena glória do paraíso.
Eu, mui pecador e nom digno de todo bem, escrevi este livro pêra
proveito e espiritual deleitaçom de tôdolos simpleses, fiees de Jesu
Cristo, e especialmente pera prazer e consolaçom da alma de ti, mi-
nha irmã e companheira da casa divinal e humanal, que me rogaste
muitas vezes que te fezesse em linguagem um livro dos fectos an-
tigos e das façanhas dos nobres barões e das cousas maravilhosas
do mundo e das propriedades das animálias... (SPINA, s.d., p. 71).
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 125

Obra, de natureza religiosa, traz em suas instruções exemplos


retirados da Bíblia, servindo também como modelo de interpreta-
ção da Bíblia. Por ter sido escrita em um mosteiro na passagem do
século 14 para o 15, não mais em latim, mas em português, mostra
a influência dos novos tempos sobre seu autor.
O Boosco Deleitoso, também de fins do século 14 e início do
século 15, demonstra o caminho a ser percorrido por todos aque-
les que desejam a salvação eterna de sua alma.
A seguir, vejamos um trecho desta obra retirado de seu pri-
meiro capítulo, em que o autor descreve as virtudes necessárias
no presente (que ele chama de paraíso da alma) para se alcançar
a salvação:
Êste paraíso espiritual da alma é a casa da boa consciência, em
que é tanta abundança de paz, que a abastença obedece e serve
à castidade, e a devoçom se acosta à oração; e ali folga a humil-
dade em no temor de Deus, e a pureza há folgança em o amor do
Senhor Deus. Ali há limpeza do coraçom com a paz de Jesu Cristo
per alegria, e a fé pura folga em na verdade. Ali a justiça despõe e
ordena tôdas as cousas brandamente, e a temperança as tempera
concordadamente. Ali a sabedoria ensina e a fortaleza afirma e a
abstinência dessca tôda sujidade de pecado e a esperança coforta
e a humildade e a paciência reinam. Ca ali é o reino de Deus e o
paraíso, u é o ajuntamento das virtudes; e porém a alma do homem
virtuoso é em paraíso espiritual nesta vida presente.
Abastança: fartura; acosta: apoia-se; ca: porque; u: onde (SPINA,
s.d., p. 75-76).

Feitas estas considerações, voltaremos, a seguir, nossa aten-


ção para a poesia palaciana, tendência que prevaleceu nesse se-
gundo tempo da literatura portuguesa medieval.
Vejamos!

8. POESIA PALACIANA
Nesse período, a produção poética separa a letra da música
e ganha, com isso, novos recursos estilísticos; ainda assim, não é

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126 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

de grande relevo para o Humanismo, como foi a prosa doutrinária,


voltada para a educação dos fidalgos e escrita por reis e aristocratas.
Em 1516, Garcia de Resende reúne vários poemas, na obra
Cancioneiro Geral. A sua poesia já não apresenta continuidade
com a poesia tradicional.
Vejamos o comentário de Massaud Moisés (2006, p. 37) com
relação à ruptura da poesia do segundo tempo da literatura me-
dieval com a de feição trovadoresca:
A poesia torna-se autônoma, realizada apenas com palavras, despi-
das do aparato musical, que a tornava dependente ou, ao menos,
lhe coartava o vôo. O ritmo, agora, é alcançado com os próprios
recursos da palavra disposta em versos, estrofes, etc., e não com a
pauta musical. A poesia adquire ritmo próprio, torna-se "moderna"
[...].

A Poesia Palaciana, portanto, busca na disposição das pala-


vras seu ritmo e métrica.
Massaud Moisés (2006, p. 38) nos apresenta os principais
recursos empregados para se alcançar os efeitos poéticos:
a esparsa, composta de uma única estrofe de 8 a 16 versos, origi-
nária da Provença, destinava-se especialmente a comunicar senti-
mentos de tristeza e melancolia;
a trova, composta de duas ou mais estrofes;
o vilancete, formado de um mote (=motivo) composto de 2 ou 3
versos, seguido de voltas ou glosas, isto é, estrofes em que o poeta
retomava e desenvolvia as idéias contidas no mote;
a cantiga, formada dum mote de 4 ou 5 versos e de uma glosa de
8 ou 10 versos.
Vale a pena lembrar ainda que o Cancioneiro Geral difundiu o em-
prego do verso redondilho (dividido em redondilho menor, com 5
sílabas, e redondilho maior, com 7 sílabas) [...].

Quando à temática, o Cancioneiro Geral apresenta poesias


de natureza épica, religiosa e satírica. No entanto, sua maior con-
tribuição está na poesia lírica, em que a mulher ganha feições
físicas em declínio da idealização dos trovadores. Além disso, a
natureza tende a ser descrita como lugar de amparo diante do so-
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 127

frimento amoroso, uma espécie de antecipação do Romantismo


(MOISÉS, 2006).
Dentre os autores que tiveram suas poesias catalogadas no
Cancioneiro Geral, destacam-se dois: o próprio compilador, Garcia
de Resende e João Roiz de Castelo Branco.
Vejamos a seguir, um trecho do poema Trovas à Morte de
Dona Inês de Castro, em que Resende retoma o episódio da rela-
ção amorosa entre D. Pedro e Inês de Castro:
Senhoras, s' algum senhor
Vos quiser bem ou servir
Quem tomar tal servidor
Eu lhe quero descobrir
O galardão do amor.
Por Sua Mercê saber
O que deve de fazer,
Vej'o que fez esta dama,
Que de si vos dará fama,
S' estas trovas quereis ler.

Fala de D. Inês:

- Qual será o coração


Tão cru e sem piedade
Que lhe não cause paixão
Uma tam grã crueldade?
Triste de mim, inocente,
Que por ter muito fervente
Lealdade, fé, amor,
O príncipe, meu senhor,
Me mataram cruelmente!

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128 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

A minha desaventura
Não contente d' acabar-me,
Por me dar maior tristura
Me foi pôr em tant' altura
Para d'alto derribar-me;
Que, se me matara alguém
Antes de ter tanto bem,
Em tais chamas não ardera,
Pai, filhos, não conhecera,
nem me chorara ninguém.

Eu era moça, menina,


Por nome dona Inês
de Castro, e de tal doutrina
e virtude, que era dina
de meu mal ser ao revés.
Vivia sem me lembrar
Que paixão podia dar
Nem dá-la ninguém a mim:
Foi-me o príncipe olhar,
por seu nojo e minha fim!

[...]

Fim

Dous cavaleiros irosos,


Que tais palavras lh'ouviram,
Mui crus e não piedosos,
Perversos, desamorosos,
Contra mim rijo se viram; com
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 129

as espadas na mão,
m' atravessam o coração,
A confissão me tolheram.
Este é o galardão
Que meus amores me deram!(MOISÉS, 2004, p. 61-62).

A temática dramática do poema se constrói no emprego do


redondilho maior (versos de sete sílabas poéticas), constituindo-se
como máxima do amor trágico, que será retomado posteriormen-
te por autores como Camões e Antônio Ferreira (MOISÉS, 2004).
Vejamos na sequência Cantiga Sua Partindo-se, de João Roiz
de Castelo Branco:
Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,


tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
tão fora d'esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém (MOISÉS, 2004, p. 67).

Vejamos, no Quadro 1, a seguir a escansão da primeira estro-


fe da cantiga, que exemplifica a construção em redondilhos maior
do poema. Lembre-se de que na separação das sílabas poéticas,
considera-se apenas as sílabas tônicas da última palavra. Por isso,
no primeiro e no terceiro verso, as palavras tristes e vistes, termi-
nam em tris- e vis-, suas sílabas tônicas respectivamente.

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130 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Quadro 1 Separação das sílabas poéticas da estrofe.


SE NHO RA PAR TEM TÃO TRIS
MEUS O OLHOS POR VÓS MEU BEM
QUE NUN CA TÃO TRIS TES VIS
OU TROS NE NHUNS POR NIN GUÉM
1 2 3 4 5 6 7

Observe que, em versos redondilhos maior, forma simples


e sucinta, o sentimento amoroso sem constrói ritmado nas rimas
e repetições. A amada já não é a dama inatingível, mas concreta,
personalizada em seus sentimentos (MOISÉS, 2004).
O Cancioneiro Geral apresenta influência do poeta italiano
Petrarca – o amor ligado a um objeto inacessível, deliciando-se o
eu lírico no sofrimento e na autocontemplação: contraditório, ele
delicia-se com o próprio sofrer. Suas composições eram feitas para
os serões e divertimento da corte.
Há também no Cancioneiro alguns poemas satíricos em que
os poetas criticam a corte (luxo excessivo intrigas e espírito mer-
cantil).
Garcia de Resende, que era funcionário da corte de D. João
II, deixou também uma Miscelânea (reunião de escritos sobre di-
versos temas), que apresenta consciência da grandeza histórica da
época, uma atitude muito confiante.
Interessante, não é mesmo, a paulatina evolução das formas
literárias? Agora, vejamos o drama em Portugal, em especial algu-
mas características peculiares à obra de Gil Vicente.

9. TEATRO DE GIL VICENTE


Gil Vicente (nascido em 1465 ou 1466 e morto entre 1536 e
1540) desponta como o primeiro grande nome do teatro em Por-
tugal. Sua obra de natureza tem origem na França.
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 131

Vejamos como Massaud Moisés (2006, p. 40) nos apresenta


caracteriza esse teatro cujo início retrocede ao século 12:
Iniciara-se com os mistérios e milagres, que consistiam na repre-
sentação de breves quadros religiosos alusivos a cenas bíblicas
e encenados em datas festivas, sobretudo no Natal e na Páscoa.
Inicialmente falados em Latim, mais adiante adotaram o Francês.
O local da encenação era o interior das igrejas, o próprio altar, de
onde se transferiu para o claustro, e ao fim para o adro. No começo,
era reduzido o texto e escasso o tempo de representação, mas três
séculos depois, o número de figurantes ascendia a centenas, o tex-
to a milhares de versos, e a encenação podia levar dias.

Sua versão profana ganhou espaços públicos abertos e recep-


tividade na Península Ibérica. Em Portugal, Gil Vicente o introduziu
por meio da influência espanhola de Juan del Encina (1468-1529).
Gil Vicente inaugurou sua carreira teatral, em 1502, com o
Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação, escrito em catelhano,
declamado por ocasião do nascimento de D. João III.
O teatro medieval português resumiu-se aos nomos, arre-
medilhos e entremezes. Você sabe o que são essas composições
dramáticas?
• Momos: eram organizados para as grandes festas reais e ex-
traíam seus temas das novelas de cavalaria; a encenação era
feita com máscaras e praticamente sem o uso de textos.
• Arremedilhos: representações simples que combinavam de-
clamação e mímica para tornar mais interessante e persuasiva
as histórias contadas, pelos jograis, a um público formado por
nobres ou aldeões.
• Entremezes: o entremez era uma encenação de jograis ou bu-
fões que era realizada entre um e outro prato, nos banquetes
medievais (MALEVAL, 1992).

Essas formas dramáticas constituíam o teatro profano, em


oposição a outras formas criadas pelo teatro religioso, dominante
na época, de acordo com sua temática: milagres ou mistérios.
Afonso X havia proibido representações na corte, exceto as
devotas, que eram prolongamentos da liturgia do Natal, da Qua-
resma e da Páscoa. Os autos vicentinos foram, assim, uma novida-
de na corte.

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132 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

A biografia de Gil Vicente é enigmática. Sabe-se com certeza


que organizou espetáculos para a corte entre 1502 e 1536 e que há
versos seus no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.
O sucesso das obras vicentinas, até os dias atuais, vem do
talento do autor em criar situações e personagens, que são a es-
sência da representação teatral. Suas personagens, em geral, não
discursam, mas exprimem-se em ditos que traduzem formas de
comportamento (SARAIVA, 1999).
Gil Vicente criou formas teatrais diversas, a maior parte ba-
seada na imitação da vida ao redor, que resultavam em:
• paródia: nem sempre crítica, cômica, de vários tipos so-
ciais, em geral estereotipados (a alcoviteira, o judeu, o ci-
gano, o frade folião, o escudeiro, a moça vilã etc.);
• didatismo religioso: destinado à transmissão de valores
religiosos, inspirado especialmente na Bíblia. São perso-
nagens: os pastores, os profetas, os anjos, Nossa Senhora,
a alma, o diabo etc.
Em suas personagens não há conflitos íntimos ou caracte-
res individuais, apenas tipos sociais (o judeu, o escudeiro etc.) ou
psicológicos (a mulher brava ou mansa, o velho namorador etc.).
As situações apresentam um flagrante da vida real, em que várias
personagens contracenam em torno de uma situação (SARAIVA,
1999).
Massaud Moisés (2006, p. 43), ao comentar o caráter espon-
tâneo e rudimentar do teatro vicentino, ressalta que:
O grande mérito de Gil Vicente reside no fato de ser, antes de tudo,
um poeta, e poeta dramático. Seu talento cênico vem-lhe a seguir,
pois naquela fase da história do teatro não se poderiam entender as
coisas de modo diverso. Como poeta, seu valor manifesta-se numa
fluência e elasticidade expressivas que abarcam todos os matizes,
líricos, satíricos, mitológicos, alegóricos, religiosos, sem perder sua
específica fisionomia. O verso brota-lhe simples e contínuo numa
cadência natural e espontânea, seja nas cantigas que intercala na
ação das peças, seja na própria fala das personagens.
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 133

Das 46 peças que são atribuídas a Gil Vicente, 44 são satíri-


cas, em que critica por meio de personagens caricatos a sociedade
de seu tempo.
Massaud Moisés (2006, p. 44) avalia o conjunto das obras de
Gil Vicente nos seguintes termos:
Quer o teatro de costumes (Inês Pereira), quer o religioso alegórico
(Trilogia das Barcas: da Glória do Inferno, do Purgatório), atestam
um dramaturgo compromissado, que coloca sua poesia e seus pre-
dicados a serviço dum espetáculo mais exigente e, por conseguin-
te, de uma causa: respirando a atmosfera renascentista e dando
expansão às virtudes pessoais, Gil Vicente faz de suas peças uma
arma de combate, de acusação, de moralidade.

Moisés Massaud (2006) nos propõe uma divisão das peças


vicentinas que leva em conta sua temática tradicional (religiosa) e
de atualidade (satírica).
Nesta perspectiva, dentre as peças de natureza religiosa atri-
buídas a Gil Vicente, o autor destaca:
1) Auto da Fé (1510).
2) Auto da Alma (1518).
3) Auto Pastoril Castelhano e Auto Pastoril Português
(1523).
4) D. Duardos (1522).
5) Auto de Amadis de Gaula (1533).
Dentre as satíricas:
1) Farsa de Inês Pereira (1523).
2) Quem tem farelos ou Farsa do Escudeiro (1515).
3) Trilogia das Barcas (1517-1518).
Com relação à classificação anterior, Massaud Moisés (2006,
p. 42) chama nossa atenção, no entanto, para o fato de que não se
trata de algo rígido, pois "além de haver pontos de contacto entre
elas, há peças de caráter misto, intermediário, de oscilante classi-
ficação, como, por exemplo, o Auto dos Quatro Tempos (1511)."

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134 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Vejamos, na sequência, um trecho da Farsa de Inês Pereira,


moça doméstica, que decide casar-se e, desprezando um preten-
dente rico e tolo (Pêro Marques), prefere a um escudeiro malan-
dro (Brás da Mata):
A figuras são as seguintes: Inês Pereira; sua Mãe; Lianor Vaz; Pêro
Marques; dous Judeus (um chamado Latão, outro Vidal); um Escu-
deiro com um seu Moço; um Ermitão; Luzia e Fernando.
Finge-se que Inês Pereira, filha de uma mulher de baixa sorte, mui-
to fantasiosa, está lavrando em casa, e sua mãe é a ouvir missa, e
ela canta esta cantiga:

Canta Inês:

Quien con veros pena y muere


Que hará quando no os viere?

(Falando)

Inês
Renego deste lavrar
E do primeiro que o usou;
Ó diabo que o eu dou,
Que tão mau é d'aturar.
Oh Jesus! que enfadamento,
E que raiva, e que tormento,
Que cegueira, e que canseira!
Eu hei de buscar maneira
D'algum outro aviamento.
Coitada, assi hei de estar
Encerrada nesta casa
Como panela sem asa,
Que sempre está num lugar?
E assi hão-de ser logrados
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 135

Dous dias amargurados,


Que eu possa durar viva?
E assim hei de estar cativa
Em poder de desfiados?
Antes o darei ao Diabo
Que lavrar mais nem pontada.
Já tenho a vida cansada
De fazer sempre dum cabo.
Todas folgam, e eu não,
Todas vêm e todas vão
Onde querem, senão eu.
Hui! e que pecado é o meu,
Ou que dor de coração?
Esta vida mais que morta.
Sam eu coruja ou corujo,
Ou sam algum caramujo
Que não sai senão à porta?
E quando me dão algum dia
Licença, como a bugia,
Que possa estar à janela,
É já mais que a Madalena
Quando achou a aleluia.

Vem a Mãe, e não na achando lavrando, diz:

Mãe
Logo eu adivinhei
Lá na missa onde eu estava,
Como a minha Inês lavrava
A tarefa que lhe eu dei...
Acaba esse travesseiro!

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136 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Hui! Nasceu-te algum unheiro?


Ou cuidas que é dia santo?

Inês — Praza a Deos que algum quebranto?


Me tire do cativeiro.
Mãe — Toda tu estás aquela!
Choram-te os filhos por pão?
Inês — Prouvesse a Deus! Que já é razão
De eu não estar tão singela.
Mãe — Olha de ali o mau pesar...
Como queres tu casar
Com fama de preguiçosa?
Inês — Mas eu, mãe, sam aguçosa
E vós dais-vos de vagar.
Mãe — Ora espera assi, vejamos.
Inês — Quem já visse esse prazer!
[...] (VICENTE, 2011a).

No final, o escudeiro acaba indo combater na África, onde


morre, e Inês acaba casando-se com Pêro Marques.
A seguir, voltaremos nossa atenção à Trilogia das Barcas.
Vamos lá!

10. TRILOGIA DAS BARCAS


A chamada Trilogia das Barcas é um conjunto de três peças
escritas por Gil Vicente e encenadas entre 1516 e 1519: Auto da
Barca do Inferno, Auto do Purgatório e Auto da Barca da Glória.
Essas peças têm um tema em comum: o julgamento das al-
mas após a morte. Trataremos aqui, mais especificamente, da pri-
meira peça, o Auto da Barca do Inferno.
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 137

Publicado em 1517, este auto foi escrito em forma de cor-


déis (folhetos) e reapareceu na Compilaçam, em 1562, obra na
qual Luís Vicente, filho do autor, reuniu todas as obras do pai.
Sua primeira encenação foi feita nos aposentos reais, em
presença da Rainha D. Maria de Castela (que se encontrava grave-
mente enferma), do Rei D. Manuel I e de sua irmã D. Leonor (HIGA,
1997, p. 100).
As dezoito personagens do auto se dividem entre dois gru-
pos: as personagens alegóricas e as humanas.
Do primeiro grupo fazem parte o Anjo e o Diabo, alegorias
do Bem e do Mal, que conduzem as almas, respectivamente, para
o céu ou para o inferno. Há ainda, neste grupo, o Companheiro do
Diabo, espécie de auxiliar dele.
No segundo grupo, temos personagens-tipos, isto é, que não
apresentam características individuais (nem mesmo quando têm
nomes próprios, como é o caso de Brísida Vaz) e não evoluem du-
rante a peça, mas representam, antes, um grupo ou classe social,
cuja identificação acontece devido aos adereços que carregam e
à linguagem (PAIS, 2004). Deste grupo, fazem parte o Fidalgo, o
Onzeneiro, o Parvo, o Sapateiro, o Frade e a sua namorada, Brísida
Vaz (alcoviteira), o Judeu, o Corregedor, o Procurador, o Enforcado
e os Quatro Cavaleiros.
As personagens chegam à margem que representa o Purga-
tório e apresentam-se ao Anjo e ao Diabo; este, a mais vivaz das
personagens, julga-as pelos seus atos em vida, pelas boas ou más
ações, e encaminha-as para a Barca do Inferno ou para a Barca da
Glória.
Vejamos a seguir o trecho inicial do Auto da Barca do Infer-
no, em que o primeiro a chegar à margem rio é um fidalgo:

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138 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Vem o Fidalgo e, chegando ao batel infernal, diz:

FIDALGO - Esta barca onde vai ora,


queassi está apercebida?
DIABO - Vai pera a ilha perdida,
ehá-de partir logo ess'ora.
FIDALGO - Pera lá vai a senhora?
DIABO - Senhor, a vosso serviço.
FIDALGO - Parece-me isso cortiço...
DIABO - Porque a vedes lá de fora.
FIDALGO - Porém, a que terra passais?
DIABO - Pera o inferno, senhor.
FIDALGO - Terra é bem sem-sabor.
DIABO - Quê?... E também cá zombais?
FIDALGO - E passageiros achais
pera tal habitação?
DIABO - Vejo-vos eu em feição
pera ir ao nosso cais...
FIDALGO - Parece-te a ti assi!...
DIABO - Em que esperas ter guarida?
FIDALGO - Que leixo na outra vida
quem reze sempre por mi.
DIABO - Quem reze sempre por ti?!..
Hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi!...
E tu viveste a teu prazer,
cuidando cá guarecer
por que rezam lá por ti?!...
Embarca - ou embarcai...
que haveis de ir à derradeira!
Mandai meter a cadeira,
que assi passou vosso pai.
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 139

FIDALGO - Quê? Quê? Quê? Assi lhe vai?!


DIABO - Vai ou vem! Embarcai prestes!
Segundo lá escolhestes,
assi cá vos contentai.
Pois que já a morte passastes,
haveis de passar o rio.
FIDALGO - Não há aqui outro navio?
DIABO - Não, senhor, que este fretastes,
e primeiro que expirastes
me destes logo sinal.
FIDALGO - Que sinal foi esse tal?
DIABO - Do que vós vos contentastes.
FIDALGO - A estoutra barca me vou.
Hou da barca! Para onde is?
Ah, barqueiros! Não me ouvis?
Respondei-me! Houlá! Hou!...
(Pardeus, aviado estou!
Cant'a isto é já pior...)
Ouejericocins, salvanor!
Cuidam cá que são eu grou?
ANJO - Que quereis?
FIDALGO - Que me digais,
pois parti tão sem aviso,
se a barca do Paraíso
é esta em que navegais.
ANJO - Esta é; que demandais?
FIDALGO - Que me leixeis embarcar.
Sou fidalgo de solar,
é bem que me recolhais.
ANJO - Não se embarca tirania
neste batel divinal.

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140 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

FIDALGO - Não sei porque haveis por mal


que entre a minha senhoria...
ANJO - Pera vossa fantesia
mui estreita é esta barca.
FIDALGO - Pera senhor de tal marca
nom há aqui mais cortesia?
Venha a prancha e atavio!
Levai-me desta ribeira!
ANJO - Não vindes vós de maneira
pera entrar neste navio.
Essoutro vai mais vazio:
a cadeira entrará
e o rabo caberá
e todo vosso senhorio.
Ireis lá mais espaçoso,
vós e vossa senhoria,
cuidando na tirania
do pobre povo queixoso.
E porque, de generoso,
desprezastes os pequenos,
achar-vos-eis tanto menos
quanto mais fostes fumoso.
DIABO - À barca, à barca, senhores!
Oh! que maré tão de prata!
Um ventozinho que mata
e valentes remadores!

Diz, cantando:
Vós me veniredes a la mano,
ala mano me veniredes.
FIDALGO - Ao Inferno, todavia!
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 141

Inferno há i pera mi?


Oh triste! Enquanto vivi
não cuidei que o i havia:
Tive que era fantesia!
Folgava ser adorado,
confiei em meu estado
e não vi que me perdia.
Venha essa prancha! Veremos
esta barca de tristura.
DIABO - Embarque vossa doçura,
que cá nos entenderemos...
Tomarês um par de remos,
veremos como remais,
e, chegando ao nosso cais,
todos bem vos serviremos.
FIDALGO - Esperar-me-ês vós aqui,
tornarei à outra vida
ver minha dama querida
que se quer matar por mi.
Dia, Que se quer matar por ti?!...
FIDALGO - Isto bem certo o sei eu.
DIABO - Ó namorado sandeu,
o maior que nunca vi!...
FIDALGO - Como pod'rá isso ser,
que m'escrevia mil dias?
DIABO - Quantas mentiras que lias,
e tu... morto de prazer!...
FIDALGO - Pera que é escarnecer,
quemnom havia mais no bem?
DIABO - Assi vivas tu, amém,
como te tinha querer!

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142 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

FIDALGO - Isto quanto ao que eu conheço...


DIABO - Pois estando tu expirando,
se estava ela requebrando
com outro de menos preço.
FIDALGO - Dá-me licença, te peço,
que vá ver minha mulher.
DIABO - E ela, por não te ver,
despenhar-se-á dum cabeço!
Quanto ela hoje rezou,
antre seus gritos e gritas,
foi dar graças infinitas
a quem a desassombrou.
FIDALGO - Cant'a ela, bem chorou!
DIABO - Nom há i choro de alegria?..
FIDALGO - E as lástimas que dezia?
DIABO - Sua mãe lhas ensinou...
Entrai, meu senhor, entrai:
Ei la prancha! Ponde o pé...
FIDALGO - Entremos, pois que assi é.
DIABO - Ora, senhor, descansai,
passeai e suspirai.
Em tanto virá mais gente.
FIDALGO - Ó barca, como és ardente!
Maldito quem em ti vai!
[...] (VICENTE, 2011b).

Trata-se de uma crítica que envolve vários segmentos da so-


ciedade, da qual se salvam apenas o Parvo e os Quatro Cavaleiros
de Cristo. E:
Embora o assunto seja de motivação religiosa, estas peças repre-
sentam uma espécie de "soma" ou súmula das concepções de Gil
Vicente sobre a sociedade do seu tempo, sendo o seu propósito a
crítica social.
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 143

Gil Vicente dá-nos um vasto quadro da sociedade do seu tempo,


uma sociedade parasitária, em que cada um procurava, por meio
dos mais variados expedientes, enganar o próximo, numa espécie
de universal "arte de roubar", de explorar, de mentir, de tiranizar,
de fingir. São particularmente criticados pelo Anjo e pelo Diabo os
que oprimem e tiranizam o povo [...].
Mas não só os "grandes" deste mundo exploram o povo: - também
alguns mesteirais [artífices] [...], ou usurários [...], ou aqueles que
vivem de expedientes [prestam serviços] [...].
Igualmente criticados são os hipócritas, cuja vida e comportamen-
to não passam de mentira [...]; e os magistrados corruptos (PAIS,
2004, p. 81-82, grifos nossos).

Gil Vicente demonstra, neste auto, uma aceitação das ver-


dades da fé, embora critique comportamentos, como o arrependi-
mento tardio ou o excesso de missas para dirimir os pecados.
Para Pais (2004, p. 83), "não se poderá, com rigor, falar de
cômico nestas peças, em que se traça um quadro sombrio e trágico
da sociedade e dos comportamentos humanos".
Entretanto, a peça traz, sim, elementos do trato cômico, tais
como a ironia e o sarcasmo, que remetem à crítica social.
Para aprofundar seus conhecimentos a respeito da obra
teatral de Gil Vicente, é importante que você complemente os
apontamentos aqui apresentados com a leitura de sua obra. Uma
possibilidade é ler o Auto da Barca do Inferno. Para facilitar sua
compreensão, utilize uma edição que traga notas explicativas e
vocabulário. Na Biblioteca Digital do MEC (acessível no endereço
www.dominiopublico.gov.br), por exemplo, você tem acesso gra-
tuito uma edição digitalizada desse e de outros Autos Vicentino,
como: o Auto da alma, Auto da feira, Auto da índia, Auto de Mofi-
na Mendes, Farsa de Inês Pereira e a Farsa do Velho da Horta.
Feitas estas considerações, encerramos com esta unidade
nossa abordagem com relação à literatura portuguesa medieval.
Em nossa próxima unidade, estudaremos o Classicismo português,
em plena era moderna influenciada pelo Renascimento Cultural.

Claretiano - Centro Universitário


144 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Qual foi a importância de Fernão Lopes para a historiografia portuguesa?

2) Que aspectos de suas crônicas permitem situá-las como literatura?

3) Que aspectos das novelas de cavalaria contribuíram para a literariedade das


crônicas de Fernão Lopes?

4) Quais fatos históricos importantes são retratados nas crônicas de Fernão


Lopes?

5) Quais foram as contribuições de Gomes Eanes de Azurara para a historiogra-


fia portuguesa?

6) Que aspectos das crônicas de Rui de Pina atribuem valor a sua obra?

7) Qual a principal finalidade atribuída à prosa doutrinária medieval?

8) Que aspectos da prosa religiosa desse período valorizam seu aspecto lite-
rário?

9) Quais aspectos formais e temáticos distinguem as cantigas trovadorescas da


poesia palaciana?

10) Que recursos passaram a fazer parte da produção poética para estabelecer
a rima e o ritmo antes propiciados pela música e dança na poesia trovado-
resca?

11) Qual a função que o mote desempenha na poesia palaciana?

12) Qual a importância de Gil Vicente para a dramaturgia portuguesa?

13) Que aspectos do teatro vicentino contribuíram para o seu sucesso?

14) Que temáticas são constantes no teatro vicentino?

15) Como são construídas as personagens do teatro vicentino?

16) Em que consiste a unidade da Trilogia das Barcas, de Gil Vicente?

17) Que temática está em questão na Trilogia das Barcas?

18) Como Gil Vicente constrói o elenco de personagens da Trilogia das Barcas?
© U4 - O Humanismo em Portugal e a Obra de Gil Vicente 145

19) Como fé e crítica social se harmonizam no Auto da Barca do Inferno?

20) Qual o ter do enredo que se desenrola na Trilogia das Barcas?

12. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, abordamos a literatura portuguesa do se-
gundo medieval, em sua feição humanista. Começando pela prosa,
destacamos a sua produção historiográfica, destacando a atuação
de Fernão Lopes e sua importância para a historiografia portugue-
sa.
Na sequência, contemplamos a prosa doutrinária e religiosa,
destacando sua função e especificidades.
Na poesia, abordamos a Poesia Palaciana, sua dissociação da
música e suas contribuições em termos de recursos literários.
Por fim, abordamos o teatro de Gil Vicente e suas contribui-
ções à dramaturgia portuguesa e suas especificidades, com aten-
ção especial à Trilogia das Barcas, que ratifica a capacidade criativa
vicentina com crítico social, sem perder de vista a religiosidade a
que seu teatro está associado.
Na próxima unidade, voltaremos nossa atenção para a litera-
tura portuguesa moderna em sua primeira escola: o Classicismo.
Até lá!

13. E-REFERÊNCIAS

Sites pesquisados
VICENTE, G. Farsa ou Auto de Inês Pereira. Disponível em: <http://www.dominiopublico.
gov.br/download/texto/ua00115a.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2011a.
______. Auto da Barca do Inferno. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/bv000107.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2011b.

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146 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


HIGA, Mário Auriemma. Notas do Auto da Barca do Inferno. In: VICENTE, Gil. Auto da
barca do inferno. São Paulo: Klick Editora e O Estado de S. Paulo, 1997. (Coleção Ler é
aprender; n. 8).
JOANA D´ARC. Direção de Luc Besson. EUA: Columbia Pictures, Sony Pictures
Entertainment distribuidora, 1999. 1 DVD. (155 minutos): Ntsc. son, color, gênero:
drama, legendado para Português, Inglês e Espanhol.
LUTERO. Direção de Eric Till. Alemanha: NFP Teleart, Eikon Film, Thrivent Financial
for Lutherans, 2003, 1 DVD. (112 minutos): Ntsc. Son, color, gênero: biografia, drama,
história, legendado em Português, Inglês e Espanhol.
MALEVAL, M. do A. T. Humanismo. In: MOISÉS, Massaud (Org.). A literatura portuguesa
em perspectiva: trovadorismo – humanismo. São Paulo: Atlas, v. 1, 1992.
MOISÉS, M. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2006.
_________. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2004.
MONGELLI, L. M. de M. et al. A literatura portuguesa em perspectiva. São Paulo: Atlas,
1992.
PAIS, A. P. História da literatura em Portugal: uma perspectiva didáctica. Porto: Areal
Editores, v. 1, 2004.
SARAIVA; A. J.; LOPES, O. História da literatura portuguesa. Porto: Porto Editora, 2005.
SARAIVA, António José. Iniciação à literatura portuguesa. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999.
SPINA, S. Presença da literatura portuguesa: era medieval. São Paulo/Rio de Janeiro:
Difel, s. d.
EAD
O Classicismo em Portugal
e a Obra de Camões

1. OBJETIVOS
• Relacionar o Classicismo ao Renascimento Cultural
• Identificar as características principais do Classicismo em
Portugal.
• Conhecer os principais poetas classicistas portugueses e
sua contribuição literária.
• Conhecer e analisar os poemas escritos na medida velha
e na medida nova.
• Reconhecer os traços essenciais da lírica camoniana.
• Aprofundar a leitura de Os Lusíadas, de Camões.
• Refletir e demonstrar a presença da mitologia na obra li-
terária de Camões.
148 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

2. CONTEÚDOS
• Contexto histórico e social do Classicismo na Europa e em
Portugal.
• Sá de Miranda, Antônio Ferreira e Bernadim Ribeiro.
• Luís Vaz de Camões.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Observe o contexto político, social e religioso vivenciado
neste período pela Europa e Portugal.
2) Tenha em mente a relação entre Classicismo e Renasci-
mento.
3) Perceba as origens do Classicismo e sua proposta literá-
ria.
4) Compreenda a contribuição de Sá de Miranda para a in-
trodução do Classicismo em Portugal.
5) Atente-se ao conceito de poesia presente na medida
nova.
6) Observe a densidade poética de Sá de Miranda.
7) Perceba a relevância de Antônio Ferreira como poeta
português.
8) Entenda a relevância da prosa de Bernardim Ribeiro em
sua produção literária.
9) Observe os dados bibliográficos de Luís Vaz de Camões
e sua importância para o entendimento de sua obra li-
terária.
10) Atente-se às particularidades das vertentes teatrais de
Camões.
11) Compare a produção lírica e épica de Camões, observan-
do suas particularidades na forma e no conteúdo.
12) Distinga as composições líricas de Camões na medida
velha e na medida nova.
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 149

13) Compreenda a relevância da lírica de Camões em medi-


da velha.
14) Observe com atenção às especificidades da lírica camo-
niana na medida nova.
15) Atente-se às principais características do soneto camo-
niano.
16) Observe com atenção as particularidades da temática
dos sonetos de Camões.
17) Perceba a estrutura formal da épica camoniana.
18) Relacione a épica camoniana à da antiguidade clássica,
observando suas semelhanças e diferenças na forma e
no conteúdo.
19) Perceba a relevância de Os Lusíadas como obra literária
e sua relação com a história de Portugal.
20) Atente-se ao modelo clássico observado por Camões na
composição de Os Lusíadas.
21) Perceba a distribuição do conteúdo épico em cada sub-
divisão de Os Lusíadas.
22) Entenda a relevância de Os Lusíadas como obra literária
de alcance universal.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, você conheceu mais algumas produ-
ções da Literatura em Língua Portuguesa, produzidas no contexto
cultural do Humanismo. Dentre elas, destacamos a historiografia
de Fernão Lopes e a obra dramática de Gil Vicente.
Agora, para dar sequência à sua viagem, adentraremos às
águas caudalosas do Classicismo, cuja figura predominante na li-
teratura portuguesa é Luís Vaz de Camões.
Todo estudante de literatura já ouviu falar de Camões. Den-
tre os autores que escrevem em língua portuguesa, sua obra é uma
das mais traduzidas e conhecidas no mundo todo. Quem nunca la-
mentou as penas do amor com os seguintes versos:

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150 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Amor é fogo que arde sem se ver


É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer (CAMÕES apud MOISÉS,2004, p. 85-86).

Pois é, todo mundo conhece estes versos, que até musicados


já foram, na célebre canção "Monte Castelo", de Renato Russo!
Antes, porém, vamos contextualizar o Classicismo e a obra
de Camões com algumas considerações a respeito do momento
cultural, político e social vivenciado pela Europa e, especialmente,
Portugal.
Preparado?
Vamos lá!

5. O CONTEXTO CULTURAL, POLÍTICO E SOCIAL


As últimas décadas da Idade Média se deram sob a ascensão
do Humanismo, movimento intelectual de natureza antropocêntri-
ca, em que a cultura passa a dissociar-se da religião e desenvolver
uma feição laica, culminando na Renascença, marcada por trans-
formações no âmbito político e social como:
1) Ascensão da burguesia.
2) Absolutismo da monarquia.
3) Invenções tecnológicas (bússola, papel, imprensa, carto-
grafia etc).
4) Novas descobertas marítimas.
5) Reforma Protestante.
6) Experimentalismo e racionalismo.
Em linhas gerais, no que se refere às artes, o Renascimento,
inspirado na Antiguidade Clássica, propôs o aperfeiçoamento da
perspectiva na descrição do mundo físico. Além dos temas religio-
sos, a mitologia, o corpo humano e as cenas do cotidiano ganham
espaço artístico.
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 151

Nesse contexto é que se difunde, no âmbito literário, o Clas-


sicismo ou Quinhentismo. Conforme afirma Massaud Moisés
(2006, p. 50):
Foi no ímpeto revolucionário da Renascença, e como desenvolvi-
mento natural do Humanismo, que o Classicismo se difundiu am-
plamente, por corresponder, no plano literário, ao geral e efêmero
complexo de superioridade histórica. Ao teocentrismo medieval
opõe-se uma concepção antropocêntrica do mundo, em que o "ho-
mem é a medida de todas as coisas", no redivivo dizer de Protá-
goras. Ao teologismo de antes contrapõem-se o paganismo, fruto
duma sensação de pleno gozo da existência, provocada pela vitória
do homem sobre a natureza e seus "assombramentos": não mais
a volúpia de ascender para as alturas, mas sim de estender o olhar
até os confins da Terra. O saber concreto, "científico" e objetivo,
tende a valorizar-se em detrimento do abstrato; notável avanço
opera-se no campo científico experimental; a mitologia grego-la-
tina, esvaziada de significado religioso ou ético, passa a funcionar
apenas como símbolo ou ornamento.

O Classicismo corresponde na literatura, portanto, ao que o


Renascimento significou no âmbito intelectual e nas outras artes
em geral, procurando imprimir na literatura traços como:
1) Perfeição na forma.
2) Universalismo.
3) Racionalismo.
4) Objetividade e equilíbrio.
Em Portugal, sob o reinado de D. João III (1521-1557), a edu-
cação passa por reformas de influência renascentistas, valorizan-
do-se o estudo das línguas clássicas (hebraico, grego e latim), ma-
temática, lógica e da filosofia.
Na literatura, foi Sá de Miranda, quem introduziu o Classicis-
mo em Portugal ao regressar da Itália em 1527, onde permanecera
por seis anos. O movimento Classicista, em Portugal, perdura até a
morte Camões, que coincide com a dominação espanhola de Por-
tugal em 1580 (MOISÉS, 2006).
Convivem, durante muito tempo, as formas já existentes e as
novas introduzidas pelo Renascimento como o soneto e a epopeia.

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152 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Além de Camões, são seus antecessores e representantes da


poesia classicista portuguesa autores como Sá de Miranda, já refe-
renciado, Antônio Ferreira e Bernardim Ribeiro.
Vejamos, na sequência algumas de suas contribuições e
principais características literárias.

6. SÁ DE MIRANDA, ANTÔNIO FERREIRA E BERNA-


DIM RIBEIRO
Embora considerados menores que Camões na estética, es-
tes poetas não deixam de ser representativos do período, contri-
buindo para a história literária portuguesa.
Sá de Miranda (1481-1558), como já mencionado, introduziu
o Classicismo em Portugal. Em oposição à chamada medida velha
(versos redondilhos maior e menor), trouxe o verso decassílabo, o
soneto, e a sextina. Além destas, algumas outras de origem grega
e latina. É caso, por exemplo, da égloga, elegia, ode, epístola, epi-
grama e o epitalâmio (SARAIVA; LOPES, 2005).
A medida nova, mais que uma coleção de formas, tinha em
sua essência um conceito diferente de poesia.
Vejamos como Saraiva e Lopes (2005, p. 244) nos apresenta
essa questão:
O <<poeta>> quer distinguir-se do <<trovador>>, pretende ser mais
que um simples artífice do verso. Arroga-se a vocação e o destino
de revelar o mundo íntimo do amor e de apontar o caminho glorio-
so por onde devem seguir, não os homens vulgares, mas os grandes
do mundo. A poesia tem para os poetas humanistas uma função
doutrinária e edificante. [...] a poesia lírica só por si comporta os
assuntos mais diversos além do amor: elogios de heróis, conselhos
epistolares sobre o bem público, ensinamentos morais, políticos,
religiosos e filosóficos.

Vejamos a seguir, como exemplo da composição poética de


Sá de Miranda, o soneto O Sol é grande, considerado, ao lado da
égloga Basto, uma de suas melhores composições:
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 153

O sol é grande: caem coa calma as aves,


Do tempo em tal sazão, que sói ser fria.
Esta água que de alto cai acordar-me'ia,
Do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas todas vãs, todas mudaves,
Qual é tal coração qu' em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
Incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
Vi tantas águas, vi tanta verdura,
As aves todas cantavam d'amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mistura,
Também mudando-m'eu fiz doutras cores.
E tudo o mais renova: isto é sem cura! (MIRANDA apud MOISÉS,
2004, p. 109-110).

Observe que o poeta é denso e dramático em sua reflexão


respeito do mundo, revelando "uma melancolia tensa, seriíssima,
de quem perscruta nas profundezas da alma humana suas recôn-
didas inquietações, e afoga em desalento qualquer gosto de amar
e de viver" (MOISÉS, 2004, p. 110).
Mas Sá de Miranda também compôs poesia na medida velha
(redondilha maior), como em Trova, transcrito a seguir:
Comigo me desavim,
sou posto em todo perigo;
não posso viver comigo
nem posso fugir de mim.
Com dor, da gente fugia,
antes que esta assi crescesse;
agora já fugiria
de mim, se de mim pudesse.
Que meio espero ou que fim
do vão trabalho que sigo,
pois que trago a mim comigo,
tamanho imigo de mim? (MIRANDA apud MOISÉS, 2004, p. 109).

Embora escrito no modelo medieval, Trova é considerado


um dos primeiros poemas da literatura portuguesa a abordar o
tema do homem dividido, que se intensificará mais adiante no
Barroco. Percebe-se, também, em seus versos uma análise da per-
sonalidade humana dominado pela perda de identidade, reflexão

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154 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

que, segundo Saraiva e Lopes (2005), é permanente na obra de Sá


de Miranda.
Antônio Ferreira (1528-1569), além de sistematizar a forma
nova, ganhou relevo com A Castro (1587), tragédia em que retoma
a história de Inês de Castro e D. Pedro I.
O conjunto de sua obra foi publicada num único volume cha-
mado Poemas Lusitanos.
Já Bernardim Ribeiro, cujos dados biográficos são desconhe-
cidos, destacou-se com a novela Menina e Moça. Diferentemente
das novelas de cavalaria, esta tem como centro uma personagem
feminina e sua relação com o amor. O que, para Massaud Moisés
(2006, n. p.) confere a esta obra qualidade, pois:
O ficcionista, além de conhecer de perto a psicologia feminina, sou-
be fixá-la com rara fidelidade, sobretudo quando se tem em vista
o convencionalismo clássico, que reduzia a mulher a padrões fixos
e ideais. Aqui a mulher parece viva, real e de carne e osso, o que
constitui outro mérito da novela: é digno de nota o caráter huma-
no e social das relações e dos sentimentos das personagens; não
mais o mítico, o sobrenatural, como nas novelas de cavalaria, mas
o terreno.

Vejamos um trecho do capítulo inicial de Menina e Moça:


Menina e moça me levaram de casa de minha mãe para muito lon-
ge. Que causa fosse então daquela minha levada, era ainda peque-
na, não a soube. Agora não é ponho outra, senão que parece que
já então havia de ser o que depois foi. Vivi ali tanto tempo quanto
foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente
fui naquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se
mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo
tempo se buscava. Grande desanventura foi a que me fez ser triste
ou, por aventura, a que me fez ser leda. Depois que eu vi tantas
cousas trocadas por outras, e o prazer feito mágoa maior, a
tanta tristeza cheguei que mais me pesava do bem que tive, que
do mal que tinha. Escolhi para meu contentamento (se em tristezas
e cuidados [há] algum) vir-me vivera este monte onde o lugar e a
mingua da conversação da gente fosse como já para
meu cuidado cumpria, porque grande erro fora, depois de tantos
nojos quantos eu com estes meus olhos vi, aventurar-me ainda a
esperar do mundo o descanso que ele não deu a ninguém. Estando
eu assi sou tão longe de toda a gente e de mima inda mais longe,
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 155

donde não vejo senão serras que se não mudam de um cabo, nun-
ca, e doutra águas do mar que nunca estão quedas, onde cuidava
eu já que esquecia a desaventura porque ela e depois eu, a todo
poder que ambas podemos, não deixamos em mim nada em que
pudesse achar lugar nova mágoa; antes tudo havia muito tempo,
como há, que povoado de tristezas, e com razão. Mas parece que
das desaventuras há mudança para outras desaventuras, que do
bem não a havia para outro bem. E foi assi que por caso estranho
fui levada em parte onde me forem diante meus olhos apresenta-
das em coisas alheias todas as minhas angustias, e o meu sentido
de ouvir não ficou sem sua parte de dor [...] (RIBEIRO, 2011).

Perceba o tom melancólico e triste, centrada no eu, presente


no texto, evocando um existencialismo que se adéqua ao período
humanista e renascentista, cujo homem é o centro.
Feitas essas considerações, a seguir, abordaremos o grande
vulto da literatura portuguesa classicista e de todos os tempos:
Luís Vaz de Camões.
Vamos lá?

7. LUÍS VAZ DE CAMÕES


Luís Vaz de Camões (1524 ou 1525-1580), de naturalidade e
data de nascimento incertas, frequentou a corte portuguesa na ju-
ventude e leu os clássicos greco-romanos e os humanistas italianos.
Teve uma vida intensa, cercada de acontecimentos nem
sempre felizes, como se pode constatar no Quadro 1:

Quadro 1 Principais dados da vida Camões.


DATA FATOS
1524/25 Nasce em local incerto (Lisboa, Alenquer, Coimbra ou Santarém)
1548 Desterro da corte por conta de envolvimentos amorosos ilícitos com
damas da corte
1549 Embarca para Ceuta como soldado, perde o olho direito numa batalha
e regressa à Lisboa
1552 Fere um funcionário real e é preso

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156 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

DATA FATOS
1553 É libertado e embarca para a Índia como soldado
1556 É nomeado provedor-mor em Macau. Acusado de prevaricação, vai
à Goa defender-se, mas naufraga. Quando finalmente chega à Goa, é
preso e solto pouco depois
1563 É preso por endividamento. Posto em liberdade vive na miséria, até
que Diego do Couto o envia de volta à Portugal
1569 Chega em Lisboa
1572 Publica a primeira edição de Os Lusíadas
1580 Morre pobre e abandonado
Fonte: Moisés(2006, n.p.).

O conjunto da obra de Camões abrange:


• Cartas
• Teatro
a) de feição vicentina: Auto de Filodemo e El-ReiSeleuco;
b) de feição clássica: Anfitriões
• Poesia lírica
• Poesia épica
Foi na poesia, no entanto, que Camões se destacou e perma-
nece ainda hoje como autor de alcance universal.

Camões lírico
A produção lírica de Camões é das mais vastas em língua
portuguesa. Ela pode ser dividida em duas partes: os poemas es-
critos na medida velha (redondilhas, na sua maioria, segundo o
modelo herdado aos trovadores) e os poemas escritos na medida
nova (decassílabos, de acordo com as influências do Renascimento
italiano).

A medida velha
Esta vertente da poesia camoniana recebeu o nome de me-
dida velha porque faz uso de modelos formais e temáticos pró-
prios do Trovadorismo, especialmente das cantigas de amigo.
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 157

Camões, no entanto, acrescenta à velha medida com sua ca-


pacidade criadora.
Vejamos como Massaud Moisés (2006, p. 54) nos esclarece
esse ponto:
Ultrapassando as limitações formais das redondilhas insufla-lhes
uma problemática nova [...]. Daí resultam quadros de aliciante be-
leza em torno de cenas da vida diária, protagonizadas, não raro,
por alguma mulher do povo, a quem o poeta conheceria muito de
perto. Quase que apenas compostas para durar o tempo de sua
enunciação murmurante, essas redondilhas deixam no ar uma so-
noridade e uma "atmosfera" que perduram indefinidamente [...].

Vejamos como exemplo da composição em redondilhas de


Camões o poema seguinte:
Mote
Descalça vai pera a fonte
Lianor, pela verdura;
vai fermosa e não segura.
Voltas
Leva na cabeça o pote,
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata,
sainho de chamalote;
traz a vasquinha de cote,
mais branca que a neve pura;
vai fermosa e não segura.
Descobre a touca a garganta,
cabelos de ouro o trançado,
fita de cor de encarnado...
Tão linda que o mundo espanta!
Chove nela graça tanta
que dá graça à fermosura;
vai fermosa, e não segura (CAMÕES apud MOISÉS, 2004, p. 81-82).

Observe ainda o poema seguinte, também em versos redon-


dilhos, mas com mote alheio:
Mote alheio
Perdigão perdeu a pena:
não há mal que não lhe venha.
Voltas
Perdigão, que o pensamento
subiu em alto lugar,

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158 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

perde a pena de voar,


ganha a pena do tormento.
Não tem no ar nem no vento
asas com que se sustenta:
não há mal que lhe não venha.
Quis voar a uma alta torre,
mas achou-se desasado;
e, vendo-se depenado,
de puro penado morre.
Se a queixumes se socorre,
lança no fogo mais lenha:
não há mal que lhe não venha(CAMÕES apud MOISÉS, 2004, p.
82-83).

Antes de seguirmos em frente, vamos relembrar como fun-


ciona a contagem das sílabas poéticas.
Já fizemos menção a esta técnica na unidade passada. Mas
vamos lembrar rapidamente como se faz isso. Esta contagem é ba-
seada em unidades sonoras que nem sempre coincidem com as
sílabas gramaticais. Além disso, a contagem de sílabas poéticas é
feita somente até a última sílaba tônica do verso.
Veja o seguinte exemplo, retirado do primeiro exemplo de
redondilha de Camões, anteriormente citado:

Quadro Contagem de sílabas poéticas. Exemplo 1:


"Descalça vai pera a fonte"
Última sílaba tônica do verso

Des cal ça vai pe ra a fon te

˘
1 2 3 4 5 6 7

Veja, no exemplo anterior, que a sílaba poética número 6 é


composta da reunião de duas sílabas gramaticais diferentes que,
quando pronunciadas, soam como um único som.
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 159

Observe mais um exemplo de separação de sílabas poéticas:

Quadro Contagem de sílabas poéticas. Exemplo 2:


"Ó Senhora, à luz da lua trêmula" (exemplo criado):
Última sílaba tônica do verso

Ó Se nho ra à luz da lu a trê mu la

˘
1 2 3 4 5 6 7 8 9

Note que, no exemplo anterior, temos um verso eneassíla-


bo, isto é, com nove sílabas poéticas. A quarta sílaba contém duas
sílabas gramaticais, que formam um só som (como na segunda sí-
laba do exemplo anterior). Observe também que neste verso nós
desprezamos as duas últimas sílabas gramaticais, porque a última
palavra é proparoxítona; o último acento tônico do verso recai, en-
tão, sobre a sílaba "tre" – e a nossa contagem vai só até ela.
Pois bem. Agora que você já relembrou rapidamente o siste-
ma de metrificação, vamos voltar às considerações sobre os dois
poemas transcritos anteriormente.
Observe que ambos são redondilhas, pois possuem sete síla-
bas poéticas em cada verso. São também vilancetes.
Você sabe o que é um vilancete?
É uma forma literária fixa – isto é, que não sofre alterações,
composta de duas partes: o mote e as glosas, que também são
chamadas de voltas.
O mote (ou moto) é o verso – ou conjunto de versos - que
expressa o motivo do poema. Motivo, em poesia, é o tema ou a
idéia que vai "reger" as estrofes do poema.

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160 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Na época de Camões, os poetas podiam tecer eles mesmos


os seus motes – como é o caso de "Descalça vai pera a fonte" – ou
tomar o mote a outro autor, ou mesmo da sabedoria popular –
como ocorre em "Perdigão perdeu a pena"; neste caso, o poeta
devia indicar que o mote era alheio – isto é, da autoria de outrem.
As voltas (ou glosas), por sua vez, são as estrofes do poema
nas quais o mote vai ser desenvolvido. Elas são compostas de sete
versos e o último deles deve ser uma referência direta ao mote: ou
repetindo um dos seus versos, ou evocando-o de forma adaptada.
Nos dois poemas de Camões apresentados anteriormente, o poeta
repete os versos do mote como fechamento das glosas.
Vejamos este outro poema:
A üa dama que lhe virou o rosto
MOTE
Olhos, não vos mereci
que tenhais tal condição:
tão liberais pera o chão,
tão irosos pera mi.
VOLTAS PRÓPRIAS
Baixos e honestos andais,
por vos negardes a quem
não quer mais que aquele bem
que vós no chão espalhais.
Se pouco vos mereci,
não me estimais mais que o chão,
a quem vós o galardão
dais, e mo negais a mi (CAMÕES, 2011a).

Observe que, aqui, o verso final das voltas (dais, e mo negais


a mi) é uma adaptação do tema do mote.
Preste atenção ao tema desta última cantiga. Não parece fa-
miliar? Ele não evoca algo conhecido? Pois bem; se você lembrou-
-se imediatamente das cantigas de amor, acertou! O tema é me-
dieval, mesmo, buscado aos trovadores – o da dama que nega seu
amor ao poeta, provocando-lhe intenso sofrimento, o qual resulta
num lamento poético.
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 161

Camões, portanto, faz uso do vilancete, cujos modelos não


lhe faltavam no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Ao fazê-
-lo, no entanto, atende a uma das duas faces do Classicismo, espe-
cificamente a medievalizante, sem perder de vistas a renascentista
(MOISÉS, 2004).
Observe, nos vilancetes que você anteriormente transcritos,
que, além do tema, estes poemas tomam emprestado, à produção
poética medieval, a medida dos versos: são redondilhas maiores,
muito usadas nas cantigas de amor e de amigo que você já estudou
na Unidade 3. Como já referido no início deste tópico, esta medida
passou a ser tratada como "medida velha" no período renascen-
tista, em contraste com a nova medida praticada pelos poetas ita-
lianos, contemporâneos de Camões: o verso decassílabo, sobre o
qual veremos na sequência.

A medida nova
A medida nova consistia no emprego de um novo metro.
Essa "moda", como já mencionado no início do tópico seis des-
ta unidade, foi trazida a Portugal pelo poeta Sá de Miranda, que
estivera uma temporada na Itália e, lá, entrara em contato com
a obra de grandes poetas humanistas, como Francesco Petrarca
(1304-1374).
Em sua vertente Renascentista, Camões realiza-se plena-
mente como poeta, superando-a e tornando-se precursor do
Barroco, em suas "inquietantes interrogações de homem culto e
ultra-sensível, vivendo uma quadra de profunda crise na história
da cultura ocidental" (MOISÉS, 2006, p. 55).
Vejamos a seguir alguns sonetos de Camões, que exemplifi-
cam sua produção na medida nova:
1
Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
e a ela só por prémio pretendia.

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162 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Os dias, na esperança de um só dia,


passava, contentando se com vê la;
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assi negada a sua pastora,
como se a não tivera merecida;
Começa de servir outros sete anos,
dizendo:-Mais servira, se não fora
para tão longo amor tão curta a vida!
2
Um mover de olhos, brando e piadoso,
Sem ver de quê; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;
Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Üa pura bondade, manifesto
Indício da alma, limpo e gracioso;
Um escolhido ousar; úa brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento:
Esta foi a celeste fermosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.
3
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois com ele tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
E o vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 163

4
Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.
5
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etério, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te;
Roga a Deus que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
6
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

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164 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

É querer estar preso por vontade;


é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor? (CAMÕES apud MOISÉS,
2004, p. 83-86).

Com a leitura desses sonetos, entramos na mais alta produ-


ção literária de Camões. Alta porque, além de se tratarem de so-
netos – forma literária das mais rígidas –, estes poemas vão muito
além da simplicidade aparente dos vilancetes e de outros poemas
da face medieval da obra camoniana, na medida em que o poeta
traduz para seus versos complexos sistemas filosóficos.
Vejamos a definição de soneto:
[...] pequena composição poética composta de 14 versos, com nú-
mero variável de sílabas, sendo o mais freqüente o decassílabo,
e cujo último verso (dito chave de ouro) concentra em si a idéia
principal do poema ou deve encerrá-lo de maneira a encantar ou
surpreender o leitor [...] (HOUAISS, 2002).

Confira se as informações estão corretas. Selecione cinco ou


seis versos diferentes dos poemas que você acabou de ler e confira
a metrificação. Confira o número de versos: exatamente 14 ver-
sos decassílabos, certo? Se você encontrar algum verso que não
seja decassílabo, peça ajuda ao seu tutor para conferir com você
a metrificação – provavelmente você terá se equivocado. Dizemos
isso com toda segurança porque os sonetos de Camões seguem
o modelo italiano – são feitos em decassílabos: esta é a chamada
medida nova.
Mongelli et. al. (1992) elenca cinco características importan-
tes dos sonetos camonianos. Vamos fazer um esquema delas, no
Quadro 2:
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 165

Quadro 2 Esquema das características dos sonetos camonianos.


Os poetas classicistas imitavam os poetas da Antiguidade Clássica

PRINCÍPIO DA IMITAÇÃO
greco-latina, seja nas formas, seja nos temas. É essa atitude que
confere ao período o nome de Classicismo, porque se trata de uma
revalorização dos modelos clássicos. Entre os poetas seiscentistas,
imitar não tinha o mesmo valor pejorativo que tem entre nós. Eles
entendiam que, ao imitar um grande poeta, você estaria fazendo uma
grande poesia; seguindo as pegadas dos mestres, estaria seguramente
no bom caminho (não era raro que eles tomassem de empréstimo
trechos de versos ou até mesmo versos inteiros dos poetas da
Antiguidade para comporem seus poemas).
É a primazia da razão sobre o sentimento. Ainda que o tema de
RACIONALISMO

alguns sonetos seja amoroso, o amor é guiado pela Razão e, por isso,
comparece de forma comedida, pensada.

Estas duas qualidades é que deviam vigiar de perto e conter as


HARMONIA
EQUILÍBRIO

emoções arrebatadoras. O homem renascentista prima pela busca do


equilíbrio e por uma vida em harmonia, isto é, em paz.
E

Os ímpetos subjetivos são atenuados para favorecer uma visão objetiva


UNIVERSALIDADE

e universal, que eleva a absolutas categorias como a verdade, o bem e


ABSOLUTO E

o mal.

Nos sonetos da medida nova, ao invés do poeta fixar-se na experiência


CONCEITUAL
DISCURSIVO

– por exemplo, na relação amorosa ou no sofrimento amoroso


CARÁTER

vivenciados, ele vai construir um discurso em que buscará definir o


OU

amor, a dor, a morte, a saudade. Daqui seu pendor filosófico: os poetas


emprestarão à filosofia de Platão e Aristóteles – mais uma recuperação
clássica – elementos para conceituar seus temas.
Fonte: adaptado de Mongelliet. al.(1992, n.p.).

Os sonetos de Camões apresentam uma temática que diz


respeito tanto à vida aventureira e sofrida do poeta, quanto das
tendências de pensamento do seu tempo. Veja alguns dos temas
mais importantes – tal como são apontados por Antônio Medina
Rodrigues (1993):

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166 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

a) Fingimento e realidade. O fingimento, de que aqui se


fala, é o fingimento poético, isto é, a capacidade que a
poesia tem de imitar a realidade – isto é, a vida, a natu-
reza, o homem. Para Platão, esse fingimento era conde-
nável, visto que afastava o homem da realidade. Pense
assim: um amor escrito não é um amor, mas nós o senti-
mos como se fosse real – e isso, para Platão, era uma in-
fluência maléfica, porque afastava o homem da verdade.
Aristóteles, por sua vez, considerava que o fingimento é
a própria natureza da arte e nisso estava, para ele, a sua
beleza: na capacidade que a arte tem de imitar a vida.
Pois bem, em seus sonetos, podemos dizer que Camões
assumia uma perspectiva aristotélica: sua matéria poé-
tica era por vezes retirada da própria vida, de suas expe-
riências, como ele mesmo confessa nos sonetos a seguir.
1
Conversação doméstica afeiçoa,
Ora em forma de boa e sã vontade,
Ora de uma amorosa piedade,
Sem olhar qualidade de pessoa.
Se depois, porventura, vos magoa
Com desamor e pouca lealdade,
Logo vos faz mentira da verdade
O brando Amor, que tudo em si perdoa.
Não são isto que falo conjeturas,
Que o pensamento julga na aparência,
Por fazer delicadas escrituras.
Metida a mão na consciência,
E não falo senão verdades puras
Que me ensinou a viva experiência (CAMÕES, 1999, p. 33).
2
Em prisões baixas fui um tempo atado,
Vergonhoso castigo de meus erros;
Inda agora arrojando levo os ferros,
Que a morte, a meu pesar, tem já quebrado.
Sacrifiquei a vida a meu cuidado,
Que Amor não quer cordeiros nem bezerros;
Vi mágoas, vi misérias, vi desterros.
Parece-me que estava assim ordenado.
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 167

Contentei-me com pouco, conhecendo


Que era o contentamento vergonhoso,
Só por ver que coisa era viver ledo.
Mas minha estrela, que eu já agora entendo,
A Morte cega e o Caso duvidoso
Me fizeram de gostos haver medo (CAMÕES, 1999, p. 47).

No primeiro soneto, o poeta fala da amabilidade da vida do-


méstica, que tudo perdoa. E dá disso um testemunho pessoal, ao
afirmar que não faz versos "por fazer delicadas escrituras", mas
por sabedoria advinda da "viva experiência".
O segundo, por sua vez, traz parte da experiência sofrida do
poeta: metido em encrencas pro conta de amores ilícitos – já que
Amor (referência a Eros, o deus grego do amor) "não quer cordei-
ros nem bezerros", o poeta foi parar na prisão e terminou enfren-
tando o desterro para as longínquas colônias de Portugal na África
(Camões esteve em Moçambique e também em Goa).
b) Dor e delicadeza. Rodrigues (1993) aponta, nos sonetos
de Camões, um tratamento especial dado ao sentimen-
to amoroso, que vem de um gosto apurado e uma fina
sensibilidade, que o fazia tratar a dor amorosa – energia
bruta – com muita delicadeza – isto é o que faziam tam-
bém os poetas italianos, à sua época, e que chamavam
de dolce stil nuovo, ou seja, o doce estilo novo de se can-
tar o amor. A sensibilidade amorosa é apresentada em
todos os seus imprevistos e com toda a emotividade. É o
que você pode observar no soneto "Sete anos de pastor
Jacó servia", em que o poeta tematiza o episódio bíblico
do casamento de Jacó com as duas filhas de Labão (na
bíblia católica, você encontrará esse episódio no livro do
Gênesis, capítulo 29, versículos 1 a 30). O soneto "Um
mover de olhos brando e piedoso", também, fala com
delicadeza da experiência amorosa, guardando em pa-
lavras delicadas a emoção do olhar da mulher amada.
c) Dialética das antíteses. As antíteses são as figuras que
predominam nos sonetos camonianos. Elas consistem
em focalizar o objeto a partir de duas perspectivas opos-
tas.

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168 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Com essa técnica, Camões não pratica um mero jogo verbal, como
vieram a fazer, mais tarde, alguns poetas barrocos. Camões sim-
plesmente exprime as contradições e perplexidades inerentes à
própria vida humana (RODRIGUES, 1993, p. 30).
d) Você pode ver o jogo de antíteses no famoso soneto
"Amor é fogo que arde sem se ver", no qual, além das
antíteses, figuram também paradoxos, como na expres-
são "um contentamento descontente". A diferença en-
tre a antítese e o paradoxo é que na antítese, os termos
contraditórios são justapostos, isto é, colocados lado a
lado; no paradoxo, por sua vez, a contradição fica implí-
cita, fazendo com que os termos contrários – no caso,
contentamento e descontentamento – se fundam numa
única realidade, por isso mesmo chamada de paradoxal.
e) Nesse conhecido e decantado soneto, as antíteses e pa-
radoxos aparecem em todo o seu fulgor, mas elas podem
ser encontradas também em outros versos, em algumas
expressões como "perigosa segurança", do soneto "Bus-
que Amor novas artes, novo engenho" (no seu Caderno
de Referência de Conteúdo).
f) O desconcerto do mundo. Esta ideia, tão cara a Camões,
consiste em averiguar as contradições contínuas da vida
humana. Rodrigues (1993, p. 31) aponta que essa ideia
estava presente na filosofia de Heráclito (540-470 a.C.):
Foi Heráclito quem disse que ninguém pode banhar-se duas vezes
no mesmo rio, por serem suas águas sempre outras e não mais
aquelas em que nos banhávamos. Para este filósofo, [...] nada fica
sendo o que é, tudo muda, ou seja, tudo entra em contradição com
o que era antes. Assim, para Heráclito, o mundo não passaria de
uma eterna guerra de contradições e mudanças. Umas coisas fa-
zem guerra não só às outras, mas a si mesmas.

O mesmo autor salienta ainda que essa proximidade do pen-


samento de Camões e de Heráclito não quer dizer que o poeta
tenha necessariamente lido o filósofo, mas que, de algum modo,
a tradição trouxe até Camões essas ideias, que você pode ver ex-
pressas em toda a sua completeza no soneto "Mudam-se os tem-
pos, mudam-se as vontades", que você encontra também no seu
Caderno de Referência de Conteúdo, no conjunto de sonetos que
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 169

antecede o comentário de Os Lusíadas– ao qual dedicaremos ago-


ra a segunda parte do nosso estudo da obra de Luiz Vaz de Camões.
Feitas estas considerações, veremos na sequência, a produ-
ção épica de Camões.
Sigamos em frente!

Camões épico
A épica camoniana faz-se representar com a epopeia Os Lu-
síadas (1572). Trata-se de uma obra monumental:
• por sua extensão: são 1102 estrofes com oito versos cada,
o que dá um total de 8.816 versos;
• pela regularidade: todos os versos são decassílabos he-
róicos, isto é, têm a mesma métrica e o mesmo ritmo de
leitura e o mesmo esquema de rimas (abababcc);
• pela temática grandiloquente: Camões narra nada menos
que a história de Portugal, desde a sua fundação como
nação até a descoberta do caminho marítimo para as Ín-
dias, que facilitaria o comércio com o Oriente.
Para que você tenha uma noção da distribuição decassílaba
dos versos, veja o esquema a seguir, construído com a primeira
estrofe do poema:

Quadro 3 Esquema da distribuição decassílaba dos versos.

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170 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Rima
Verso
1 As ar mas e os ba rões as si na la dos A
˘
2 Que da o ci den tal prai a Lu si ta na B
˘
3 Por ma res nun ca de na tes na ve ga dos A
˘
4 Pas sa ram ain da a lém da Ta pro ba na B
˘
5 Em pe ri gos e guer ras es fo ça dos A

6 Mais do que pro me ti a a for ça hu ma na B


˘˘
7 E em tre gen te re mo ta e di fi ca ram C
˘ ˘
8 No vo Rei no que tan to Su bli ma ram C

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Última sílaba tônica do verso

Os Lusíadas é um poema épico – ou seja, canta os feitos de


um herói e não de um eu individual (como acontece na lírica). Em-
bora a temática gire em torno da viagem de Vasco da Gama à Índia,
o herói do poema não é esse eminente viajante, mas todo o povo
português: é um herói coletivo que faz a grandeza da obra. Esta
canta os feitos de todo um povo, que é retratado como grande,
forte, conquistador, valoroso, honrado e todos os outros adjetivos
de engrandecimento que você puder imaginar.
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 171

O poema é dividido em 10 cantos, com um número de es-


trofes que varia entre 87 (Canto VII, o menor) e 156 (Canto X, o
mais longo). Essas partes recebem o nome de cantos porque eram
feitas para a voz e não para o papel.
A organização d'Os Lusíadas obedece aos princípios de or-
ganização da epopéia clássica, dividindo-se em três partes, com as
seguintes subdivisões:

Proposição
I. Introdução Invocação
Dedicatória

II. Narração

III. Epílogo

Vejamos a seguir a alocação do conteúdo épico em cada sub-


divisão do poema:

Introdução
Essa parte está contida no primeiro Canto e compreende a
proposição, a invocação e a dedicatória ou oferecimento.
Na Proposição, o poeta define a proposta do seu cantar: lou-
var "As armas e os barões assinalados", isto é, os feitos de guerra (as
armas) e os homens que os fizeram (os barões, palavra antiga usada
para designar os varões) com valentia e grandeza (assinalados).
Na Invocação, os poetas clássicos costumava invocar alguma
deusa, musa inspiradora do canto. Camões invoca as Tágides, que
seriam as ninfas que habitam o Rio Tejo (em Lisboa).
A Dedicatória do poema é oferecida a D. Sebastião, que reina-
va na época em que viveu Camões. Por ter tão valoroso poema a si
dedicado, o Rei concedeu a Camões uma pensão até o fim de seus
dias – pequena e paga sem regularidade, o que deixou um dos maio-
res poetas portugueses morrer em uma miséria constrangedora.

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172 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

É importante ter em mente que D. Sebastião era a grande es-


perança de um Portugal que já experimentava o declínio: era desse
rei que se esperava a elevação da nação ao mesmo patamar de
glória que experimentaram os portugueses por ocasião das gran-
des navegações – nos século 15 e início do 16. Mas Camões não vi-
veu para ver essa profecia tão arrasadoramente descumprida: ele
morreu dois anos antes de D. Sebastião, que desapareceu numa
batalha suicida contra os mouros em Alcácer-Quibir, no Norte da
África (atual Marrocos).

Narração
Esta segunda parte é a maior da epopeia camoniana e inicia-
-se ainda no Canto I. Camões introduz aqui a narrativa da expe-
dição dirigida por Vasco da Gama com destino à Índia. Essa ex-
pedição merece destaque entre as muitas empreendidas pelos
portugueses, pois o comércio com as Índias era vital para a so-
ciedade da época (era do Oriente que se traziam as especiarias,
temperos com os quais o sabor da comida era apurado).
Ocorre que, por essa época, os árabes – ou mouros – haviam
interditado o caminho naturalmente mais fácil de comunicação
entre a Península Ibérica e o Oriente, ou seja, o caminho terrestre.
A dominação árabe impedia esse acesso mais fácil – e por isso, foi
necessário buscar uma outra via de acesso à Índia (ou Índias, como
era então nomeada): pelo mar.
O Gigante Adamastor. Não era uma empreitada fácil, porque,
apesar dos portugueses terem desenvolvido técnicas avançadas
de navegação, havia muitos obstáculos naturais a serem enfren-
tados, como a passagem do Cabo das Tormentas, no extremo sul
do continente africano. Ali, os ventos tornavam quase impossível a
passagem, dificultando a travessia. A expedição de Vasco da Gama
foi a primeira que avançou ali com sucesso, e conseguiu por ali
retornar.
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 173

A passagem do Cabo das Tormentas – que depois de "con-


quistado" passou a chamar-se Cabo da Boa Esperança – foi um feito
tão grande que mereceu, de Camões, o maior destaque. Trata-se
do episódio do Gigante Adamastor, do qual, a seguir, transcreve-se
a parte inicial:
Porém já cinco Sóis eram passados 
Que dali nos partíramos, cortando 
Os mares nunca doutrem navegados, 
Prósperamente os ventos assoprando, 
Quando uma noite estando descuidados, 
Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem que os ares escurece 
Sobre nossas cabeças aparece.
Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo o negro mar, de longe brada
Como se desse em vão nalgum rochedo.
Ó Potestade, disse, sublimada!
Que ameaço divino, ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta? -
Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura,
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a cor terrena e pálida,
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.
Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te, que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo:
Com um tom de voz nos fala horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo:
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.
E disse: — "Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas,
E navegar meus longos mares ousas,

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174 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,


Nunca arados d'estranho ou próprio lenho:
Pois vens ver os segredos escondidos
Da natureza e do úmido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de imortal merecimento,
Ouve os danos de mim, que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento,
Por todo o largo mar e pela terra,
Que ainda hás de sojugar com dura guerra.
Sabe que quantas naus esta viagem 
Que tu fazes, fizerem de atrevidas, 
Inimiga terão esta paragem
Com ventos e tormentas desmedidas.
E da primeira armada que passagem
Fizer por estas ondas insofridas,
Eu farei d'improviso tal castigo,
Que seja mor o dano que o perigo.
Aqui espero tomar, se não me engano, 
De quem me descobriu, suma vingança.
E não se acabará só nisto o dano 
Da vossa pertinace confiança;
Antes em vossas naus vereis cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte.
É do primeiro Ilustre, que a ventura
Com fama alta fizer tocar os Céus,
Serei eterna e nova sepultura,
Por juízos incógnitos de Deus.
Aqui porá da Turca armada dura
Os soberbos e prósperos troféus;
Comigo de seus danos o ameaça
A destruída Quíloa com Mombaça.
Outro também virá de honrada fama,
Liberal, cavaleiro, enamorado,
E consigo trará a formosa dama
Que Amor por grã mercê lhe terá dado.
Triste ventura e negro fado os chama
Neste terreno meu, que duro e irado
Os deixará dum cru naufrágio vivos
Para verem trabalhos excessivos.
Verão morrer com fome os filhos caros,
Em tanto amor gerados e nascidos;
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 175

Verão os Cafres ásperos e avaros


Tirar à linda dama seus vestidos;
Os cristalinos membros e perclaros
A calma, ao frio, ao ar verão despidos,
Depois de ter pisada longamente
Co'os delicados pés a areia ardente.
E verão mais os olhos que escaparem
De tanto mal, de tanta desventura,
Os dois amantes míseros ficarem
Na férvida e implacável espessura.
Ali, depois que as pedras abrandarem
Com lágrimas de dor, de mágoa pura,
Abraçados as almas soltarão
Da formosa e misérrima prisão." -
Mais ia por diante o monstro horrendo
Dizendo nossos fados, quando alçado
Lhe disse eu: — Quem és tu? que esse estupendo
Corpo certo me tem maravilhado.-
A boca e os olhos negros retorcendo,
E dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:
Eu sou aquele oculto e grande Cabo,
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio, e quantos passaram, fui notório.
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontório,
Que para o Pólo Antarctico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.
[...] (CAMÕES, 2012b).

A narração da viagem ocupa a quase totalidade do poema.


Inicia-se no Canto I e se estende até o final do Canto X, quando
tem lugar a terceira parte da epopeia.

Epílogo
Nesta parte final, Camões pede às musas que o deixem, isto
é, que encerrem a fonte de inspiração de seu canto, e o justifica
com uma crítica aos portugueses seus contemporâneos:

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176 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho


Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza (CAMÕES, 2012b, p. 198).

E, na sequência, o poeta critica vivamente a cobiça e o dese-


jo de fama que mobilizam a nação:
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
De uma austera, apagada e vil tristeza (CAMÕES, 2012b, p. 198).

Nestes versos, o poeta já anunciava uma atmosfera de apa-


gamento e tristeza para Portugal – o que de fato aconteceria pou-
co tempo depois. D. Sebastião morrera sem deixar herdeiros, o
que fez com que a Coroa portuguesa passasse para a Espanha, ini-
ciando um longo período de dominação espanhola em território
português.

A estrutura narrativa
Os dez cantos d'Os lusíadas podem ser descritos da seguinte
forma:
1) Canto I. Proposição. Invocação. Dedicatória. Início da
narração (in media res, isto é, no meio dos acontecimen-
tos, em alto mar). No início, a narração é feita em 3ª pes-
soa e o tempo é o do presente da narrativa (que consiste
na viagem de Vasco da Gama). Neste canto, é narrada
a chegada dos portugueses a Quíloa, na costa africana,
e a cilada do piloto mouro, que termina rendido pelos
portugueses.
2) Canto II. Chegam os portugueses a Mombaça (atual Tan-
zânia). Ali surge um novo conflito, do qual os portugue-
ses saem novamente vencedores e chegam triunfalmen-
te a Melinde.
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 177

3) Canto III e parte do Canto IV. Aqui, Vasco da Gama as-


sume a narração em 1ª. pessoa e passa a apresentar ao
rei de Melinde o povo português. O tempo da narrativa
recua para o passado histórico. Vasco da Gama, agora
narrador, faz um recuo até o início da História de Portu-
gal, que tem seu ponto inicial na batalha de D. Afonso
Henriques, o primeiro rei português, em Ourique; em
seguida, Vasco da Gama narra os principais feitos dos
grandes reis e heróis que a história portuguesa conhe-
ceu. É neste canto que se encontra o lírico episódio da
morte de Inês de Castro.
4) Cantos IV e V. Ainda é Vasco da Gama quem narra. O
tempo da narrativa chega, agora, a um passado mais
próximo. Vasco agora conta ao rei de Melinde como fora
o início da expedição: a partida das naus – com o episó-
dio em que o velho do Restelo advertia aos navegantes
o perigo de se lançar ao mar em busca de fama e glórias
passageiras, deixando desprotegida a própria terra; a
passagem pelo Zaire, o episódio do Gigante Adamastor;
a chegada a Sofala (em Moçambique). Com isso, encer-
ra-se a narração de Vasco da Gama.
5) Canto VI. Retorna, neste ponto, o narrador em 3ª. pes-
soa e narra a despedida de Melinde e a retomada da ex-
pedição rumo à Índia.
6) Cantos VII e VIII. Nestes dois cantos, é narrada a che-
gada da expedição portuguesa à Índia, com uma longa
descrição da natureza e da gente que ali eles encontra-
ram. Aqui tem lugar também o relato das negociações
comerciais altamente proveitosas que os portugueses ali
realizaram.
7) Canto IX. Narra-se, aqui, o regresso à pátria, não sem
glórias, as quais incluem um presente dos deuses: a pas-
sagem pela Ilha dos Amores, uma ilha paradisíaca, cheia
de graciosas ninfas que tudo faziam para satisfazer aos
desejos dos audazes navegantes.
8) Canto X. Aqui tem lugar o interessante episódio da Má-
quina do Mundo: a ninfa Tétis conduz Vasco da Gama a
um lugar elevado, de onde ela descortina diante dele a
máquina do mundo, que é uma construção imaginária

Claretiano - Centro Universitário


178 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

que regularia o funcionamento das diferentes esferas da


vida na Terra. Após essa visão, as naus retiram-se da Ilha
dos Amores e partem em retorno a Portugal. Em segui-
da, tem lugar o epílogo.
A presença de seres mitológicos e divindades romanas pa-
gãs percorrem toda a obra. Ela não comparece apenas como um
adorno retórico necessário a uma epopeia que segue os moldes
clássicos. Camões transforma o Olimpo num segundo plano da
narração.
Nele, temos dois deuses que se colocam a favor dos portu-
gueses: Vênus, a deusa da beleza e do amor, os admira não somen-
te porque são belos, mas por ser a nação portuguesa uma gente
amante do Belo; e Marte, o deus da guerra, os favorece em reco-
nhecimento à alta capacidade guerreira dos portugueses.
Contrariamente a Vênus e Marte está outra dupla divina:
Baco, o deus do vinho, é também o deus das terras do Oriente; ele
se coloca contra o avanço das naus portuguesas porque teme que
essa brava gente conquiste o território que lhe pertence; Netuno,
por sua vez, também dificulta a viagem de Vasco da Gama porque
sabe que ele é capaz de conquistar o mar, que é seu domínio ab-
soluto.
As intrigas desses dois deuses criam obstáculos e dificultam
a viagem, ao passo que Vênus e Marte tudo fazem para livrar os
navegantes dos problemas criados no plano divino. Essa ação do
plano mítico é responsável por grande parte dos feitos narrados; é
ela que dá ritmo à narrativa.
A obra de Camões é uma das mais divulgadas internacional-
mente em Língua Portuguesa; a ela referem-se os escritores de
todas as gerações posteriores. Desta forma, o estudo da sua obra
é inesgotável e pode estender-se o quanto se queira, com níveis
diferentes de profundidade.
Compreendeu a importância e grandiosidade da épica de Ca-
mões? Você pode ir além no aprofundamento deste estudo. Para
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 179

tanto, leia na íntegra Os lusíadas. No endereço eletrônico <http://


www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/299.pdf>, você
encontra uma versão digital deste poema épico. Que tal embarcar
nesta viagem lusitana agora.

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Que acontecimentos políticos e sociais do final da Idade Média e início da
Moderna contribuíram para a o florescimento de uma nova mentalidade,
que originou a Renascença?

2) O que foi a Renascença e quais as suas contribuições para o âmbito das artes
em geral?

3) Defina Classicismo.

4) Quem foi o introdutor do Classicismo em Portugal?

5) Qual a importância de Antônio Ferreira para o Classicismo em Portugal?

6) Diferencie medida nova e medida velha.

7) Que conceito de poesia está presente na medida nova?

8) Quais as contribuições de Bernadim Ribeiro a literatura novelística?

9) Quais gêneros literários fazem parte do conjunto da Obra de Camões e em


qual alcançou maior destaque?

10) Em que sentido Camões conseguiu ser inovador em sua lírica escrita em me-
dida velha?

11) Qual a estrutura formal da poesia elaborada sob as orientações da medida


velha?

12) Como se configura a forma proposta pela medida nova introduzida pelo
Classicismo?

13) Como se estruturam os versos e estrofes do soneto italiano?

14) Quais são as características principais dos sonetos camonianos?

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180 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

15) Como se configuram os sonetos camonianos no que se refere à temática?

16) Que aspectos de Os Lusíadas conferem a esta epopeia o rótulo de obra mo-
numental?

17) Que modelos de epopeia inspiraram a Camões na composição de Os Lusía-


das?

18) O que significa dizer que Os Lusíadas é um poema épico?

19) O que distingue um poema lírico de um poema épico?

20) Observe a configuração formal e temática da estrofe a seguir para responder


a questão.
Estavas, linda Inês, posta em sossego,
Dos teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano de alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Montego,
De teus formosos olhos nunca enxuito
Aos montes ensinando e às ervilhas
O nome que no peito escrito tinhas.

21) Com relação a estrofe, é correto afirmar que:


a) Faz parte do poema Épico Os Lusíadas, escrito em decassílabos heroicos,
e retoma a relação amorosa de Inês de Castro e D, Pedro I.
b) Faz parte da Tragédia A Castra, que retoma a história de Inês de Castro
e D. Pedro I, escrita por Antônio Ferreira seguindo o modelo da medida
nova.
c) Soneto, à moda italiana, em que Sá de Miranda introduz a medida nova
em Portugal.
d) Faz parte da novela Menina e Moça, em que Bernardim Ribeiro inova ao
dispor uma personagem feminina como centro do enredo.
e) Todas as afirmações anteriores estão incorretas.

Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
20) A
© U5 - O Classicismo em Portugal e a Obra de Camões 181

9. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, nos dedicamos ao estudo do Classicismo em
Portugal. Vimos que esta escola literária fez parte de um movimen-
to intelectual e cultural que aflorou na Europa a partir da Itália
entre os séculos 15 e 16.
Conhecemos os principais autores do período e sua contri-
buição à literatura portuguesa e universal.
Começando por Sá de Miranda que introduziu em Portugal a
medida nova, cujo sistematizador de sua noção e forma poética foi
Antônio Ferreira, permitindo uma renovação à medida velha, que
ainda permaneceu em prática em paralelo com a nova orientação
poética.
Por fim, voltamos nossa atenção ao maior expoente do Clas-
sicismo português: Luís Vaz de Camões, que soube dar novo fôlego
a poesia medieval por meio de sua criatividade, habilidade, sensi-
bilidade e profundidade.
Por outro lado, Camões também se dedicou a compor poesia
segundo os ditames da medida nova e, assim, representar o Clas-
sicismo em Portugal como nenhum outro poeta contemporâneo
de Portugal.
Na épica, Camões compôs a epopeia Os Lusíadas, em que
louva a história de Portugal segundo o modelo da épica clássica.
Mas, e no Brasil? Já encontramos vestígios de alguma ex-
pressão literária circulando entre os nativos e portugueses que
aqui desembarcaram no século 16?
As primeiras letras em solo Brasileiro será tema de nossa
próxima unidade. Até lá!

Claretiano - Centro Universitário


182 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

10. E-REFERÊNCIAS

Sites pesquisados
CAMÕES, L. V. Jornal de poesia: Luís Vaz de Camões. Disponível em: <http://www.revista.
agulha.nom.br/camoes73.html>. Acesso em: 24 jan. 2012a.
______. Os lusíadas. Disponível em: <http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/
oliteraria/299.pdf>. Acesso em: 24 jan2012b.
RIBEIRO, B. Menina e Moça. Belém: Universidade da Amazônia. Disponívelem:<http://
www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000037.pdf>.Acesso em: 23 jun. 2011.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CAMÕES, L. V. de. 200 sonetos. Porto Alegre: L&PM, 1999.
HOUAISS, Antonio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. 5. ed. Rio de
Janeiro: Objetiva, v. 1.0, 2002.
MOISÉS, M. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2006.
______. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2004.
MONGELLI, L. M. de M. et al. A literatura portuguesa em perspectiva. São Paulo: Atlas,
1992.
RODRIGUES, A. M. Sonetos de Camões: roteiro de leitura. São Paulo: Ática, 1993.
SARAIVA; A. J.; LOPES, O. História da literatura portuguesa. Porto: Porto Editora, 2005.
EAD
Literatura Informativa
Sobre o Brasil

6
1. OBJETIVOS
• Conhecer alguns dos primeiros textos informativos sobre
o Brasil.
• Compreender a Literatura Informativa sobre o Brasil como
mais importante à História do que à Literatura Brasileira.
• Observar e identificar os valores estéticos ligados à litera-
tura informativa quando retomada por escritores, espe-
cialmente do Romantismo e do Modernismo.

2. CONTEÚDOS
• Literatura de informação.
• Carta de Pero Vaz de Caminha.
• A primeira história do Brasil: História da Província Santa
Cruz.
• Tratado descritivo do Brasil.
184 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

• A literatura dos jesuítas.


• Diálogo das grandezas do Brasil.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Tenha em mente que o período literário coberto por essa
unidade cobre o período de chegada dos portugueses ao
Brasil, em plena efervescência das Grandes Navegações
e descobertas marítimas do século 16.
2) Perceba que os autores aqui referenciados são em sua
maioria portugueses e seus textos são importantes por
testemunhar suas descobertas a respeito da nova colô-
nia e seus habitantes nativos.
3) Compreenda que os textos desses autores possuem
mais históricos que literários.
4) Entenda que a literatura de informação são os primeiros
textos aqui escritos e nos dão uma ideia do modo de ver
o mundo e de se expressar dos colonizadores e missio-
nários que aqui aportaram.
5) Observe as principais características da literatura de via-
gem e sua importância para a reconstrução da história
e na inspiração de literatos brasileiros de tempos poste-
riores.
6) Perceba as principais características dos escritos geográ-
ficos e etnológicos.
7) Atente-se para as diferentes feições da crônica histórica
e dos textos historiográficos.
8) Perceba que cada uma dessas modalidades tem suas
particularidades e semelhanças.
9) Entenda que os textos de natureza religiosa fizeram uso
de diferentes gêneros em seu propósito catequético; e
essa preocupação didática os converteu nos textos me-
lhor elaborados do ponto de vista da estética literária.
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 185

10) Tenha em mente que A Carta de Pero Vaz de Caminha


é o texto da Literatura de Informação mais conhecido
de seu período e tem valor inestimável pelo relato da
chegada, inserção e ações dos primeiros europeus a se
estabelecerem no Brasil.
11) Observe que a História da Província Santa Cruz, de Gân-
davo, possui além de informações importantes do coti-
diano dos nativos e portugueses, informações relevantes
com relação ao choque cultural perceptível nos juízos
que seu autor apresenta ao descrever a cultura local.
12) Atente-se para a importância do Tratado Descritivo do
Brasil, de Gabriel Soares de Sousa, pela riqueza de de-
talhes sobre o Brasil colônia do século 16, mostrando-se
rica fonte de informação tanto para a metrópole portu-
guesa da época quanto para a posteridade.
13) Entenda que a literatura jesuíta notabilizou-se por sua
função pedagógica, usando da criatividade na catequese
dos índios, resultando, sobretudo, com José de Anchie-
ta, na melhor literatura em solo brasileiro do período.
14) Perceba que Ambrósio Fernandes destaca-se no século
17 por apresentar um panorama do Brasil colônia de seu
tempo e orientar os recém chegados europeus na am-
bientação com a nova realidade a que estavam se inse-
rindo.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Até a unidade anterior, você acompanhou o desenrolar da Li-
teratura Portuguesa. Agora, passa a conhecer a literatura de nosso
país. No entanto, no período até aqui estudado, do lado de cá do
oceano, ainda é cedo para falar de uma literatura brasileira.
Ela somente receberá essa alcunha, não por acaso, com a
independência do país, em 1822. Como o Romantismo brasileiro
começa em 1836, esse período ficou conhecido como o primeiro
de uma literatura tipicamente nacional, em detrimento da litera-

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186 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

tura colonial feita até então; do Romantismo em diante, instaura-


-se uma literatura cujos temas e cor local passam a pertencer ao
Brasil.
De volta às origens, o período que se estende de 1500 até
1601 recebe muitos nomes, Literatura Informativa, Ufanista, Qui-
nhentismo, e a julgar pela historiografia literária ele é mais impor-
tante à História que à literatura do que à história.
É o que você verá a seguir.
Não é curioso? O período que estudaremos nesta unidade
registrou a presença de viajantes, que, munidos de suas penas,
tomaram notas sobre a terra que se lhes apresentava e, com isso,
mostraram ao europeu suas impressões de viagens, de uma terra
que se abria ao capital estrangeiro repleta de novidades e, espe-
cialmente, de riquezas.
Então, vamos ao encontro desses viajantes. Vejamos o que
eles têm a nos contar em sua Literatura de Informação!

5. LITERATURA DE INFORMAÇÃO
Você pode perceber a importância desta unidade ao depa-
rar-se com a expressão a seguir do professor e crítico literário Al-
fredo Bosi, a respeito de nossas letras. Ele diz:
Os primeiros escritos de nossa vida documentam precisamente a
instauração do processo: são informações que viajantes e missio-
nários europeus colheram sobre a natureza e o homem brasileiro
(2006, p. 13).

Além desse olhar estrangeiro sobre nossa terra e sobre o ho-


mem que aqui vivia, registrado por viajantes e missionários, o que
gostaríamos que você pudesse perceber é tudo o que há de impor-
tante por trás desta expressão de Bosi (2006, p. 13): "Os primeiros
escritos de nossa vida [...]" Veja: não se trata de qualquer escrito.
Trata-se dos primeiros escritos de nossa vida.
Os primeiros! Percebeu a importância?
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 187

A expansão marítima portuguesa tornou possível a chegada


dos portugueses ao Brasil em 22 de abril de 1500. A partir daí, sur-
giram as crônicas de viagens, ou seja, os relatórios de viajantes a
respeito da flora e da fauna do Brasil.
E como eram eles? Esses textos procuraram informar a Euro-
pa, buscando, para tanto, situar a imaginação do cidadão estran-
geiro para o que ele desejava conhecer a respeito do Novo Mundo.
Bosi (2006, p. 13) vai mais longe, ao afirmar que essas "informa-
ções"
(...) não pertencem à categoria do literário, mas à pura crônica his-
tórica e, por isso, há quem as omita por escrúpulo estético (José
Veríssimo, por exemplo, na sua História da literatura brasileira)

Não vá você julgar mal José Veríssimo. Ele foi um grande crí-
tico e historiador literário. Foi amigo de Machado de Assis. E, como
o leitor pôde perceber, foi também impiedoso ao omitir o perío-
do que estamos estudando da visão geral que tinha da literatura
brasileira. Porém, ele está repleto de razão: esteticamente, nossos
primeiros escritos não acrescentam muito à literatura.
Essa discussão torna-se melhor ainda quando damos con-
ta de que nossos primeiros escritos até podem ser desprezados
como objetos literários estéticos, mas é inegável o valor cultural e
histórico que carregam.
Vejamos como Bosi (2006, p. 13) nos apresenta essa questão:
No entanto, a pré-história das nossas letras interessa como reflexo
da visão do mundo e da linguagem que nos legaram os primeiros
observadores do país. É graças a essas tomadas diretas da paisa-
gem, do índio e dos grupos sociais nascentes, que captamos as con-
dições primitivas de uma cultura que só mais tarde poderia contar
com o fenômeno da palavra-arte.

Portanto, o que você deve ter percebido é que essa opinião


prevalece até hoje. Assim, a literatura informativa recebe essa de-
nominação apenas em virtude do que ela nos apresenta como vi-
são dos primórdios de nossa civilização, ou seja, a visão da terra e
do povo indígena que nela vivia.

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188 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Porém, há de se ressaltar, como notou Bosi (2006, p. 13),


o "interesse obliquamente estético da ‘literatura' de informação",
uma vez que, desde o Romantismo, muitos escritores debruçaram-
-se sobre o período em questão. Veja o comentário a seguir:
E não é só como testemunhos do tempo que valem tais documen-
tos: também como sugestões temáticas e formais. Em mais de um
momento a inteligência brasileira, reagindo contra certos processos
agudos de europeização, procurou nas raízes da terra e do nativo
imagens para se afirmar em face do estrangeiro: então, os cronistas
voltaram a ser lidos, e até glosados, tanto por um Alencar român-
tico e saudosista como por um Mário ou um Oswald de Andrade
modernistas (BOSI, 2006, p. 13).

Essas sugestões temáticas e formais envolvem, especialmen-


te, o índio e a prosa e a poesia em que ele, o índio, foi idealizado
e retratado.
De autores românticos, como Gonçalves Dias (1823-1864) e
José de Alencar (1829-1877), com seu ciclo de romances sobre o
índio, até modernistas, como Mário de Andrade (1893-1945) ou
Oswald de Andrade (1890-1954), a literatura brasileira foi resgata-
da em suas origens.
Para melhor exemplificar o que até aqui afirmamos, leia este
poema de Oswald de Andrade, escrito em pleno fervor modernista
da década de 1922. Note como o autor é sarcástico e irônico ao
mesmo tempo.
Pero Vaz Caminha
a descoberta
Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra
os selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam pôr a mão
E depois a tomaram como espantados
primeiro chá
Depois de dançarem
Diogo Dias
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 189

Fez o salto real


as meninas de gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha (ANDRADE apud MORICONI,
2001, p. 79-80).

Esse poema critica a Carta de Pero Vaz de Caminha, paro-


diando alguns trechos trecho bastante conhecidos dela. Veja:
[...]
E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que
terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, to-
pamos alguns sinais de terra, estando da dita Ilha — segundo os
pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas — os quais eram muita
quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam Bo-
telho, e assim mesmo outras a que dão o nome de rabo-de-asno.
E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam
fura buchos
[...] (CAMINHA, 2012a).
Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe
queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como espantados
[...] (CAMINHA, 2012a).
E além do rio andavam muitos deles dançando e folgando, uns
diante os outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem.
Passou-se então para a outra banda do rio Diogo Dias, que fora al-
moxarife de Sacavém, o qual é homem gracioso e de prazer. E levou
consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se a dançar com
eles, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam e andavam
com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem fez ali
muitas voltas ligeiras, andando no chão, e salto real, de que se eles
espantavam e riam e folgavam muito
[...] (CAMINHA, 2012a).
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gen-
tis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas ver-
gonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que,
de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam
[...] (CAMINHA, 2012a).

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190 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Essa paródia é emblemática, pois se refere ao objeto de ori-


gem, a carta, resgatando-a de forma cáustica e crítica. O que o
leitor deve perceber é que Oswald contesta o contato do homem
português com o bom selvagem índio.
Então, talvez você já esteja se perguntando: e quais seriam
as obras que cobrem a literatura do período? Sim. Você tem toda
razão, pois já é hora de colhermos os nomes desses livros.
Portanto, veja os textos de autores portugueses que mere-
cem destaque na história da literatura brasileira:
1) Carta, de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel.
2) Diário de navegação (1530), de Pero Lopes e Sousa.
3) Tratado da terra do Brasil e A primeira história do Brasil:
história da província Santa Cruz a que vulgarmente cha-
mamos Brasil (1576), de Pero de Magalhães de Gândavo.
4) Narrativa epistolar (1583) e Tratados da terra e da gente
do Brasil, de Fernão Cardim.
5) Tratado descritivo do Brasil (1587), de Gabriel Soares de
Sousa.
6) Diálogos das grandezas do Brasil (1618), de Ambrósio
Fernandes Brandão.
7) Cartas, de missionários jesuítas.
8) Diálogo sobre a conversão dos gentios, de Pe. Manuel
da Nóbrega.
Também se destaca Frei Vicente do Salvador, nascido na Ba-
hia, com História do Brasil (1627).
Alguns desses textos são conhecidos (a Carta de Caminha, A
primeira história do Brasil de Gândavo, esta mais conhecida pelo
subtítulo, e até mesmo o Diálogo sobre a conversão dos gentios,
de Manuel da Nóbrega); outros, para a maioria dos brasileiros, são
totalmente obscuros.
Para Benjamin Abdala Júnior e Samira Youssef Campedelli
(1991), autores de Tempos da Literatura Brasileira, cada um des-
ses textos pode ser caracterizado com um destes termos:
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 191

1) relatos de bordo de navegantes;


2) divulgação geográfica e etnológica;
3) crônicas históricas;
4) historiografia;
5) informações religiosas.
Há outras obras referentes ao período que também mere-
cem destaque. Entretanto, elas não foram escritas por viajantes
portugueses ou brasileiros novos e, por isso, deixam de ser abor-
dadas aqui.
Porém, duas delas chamam nossa atenção: Viagens e aven-
turas no Brasil (1557), do alemão Hans Staden (1510-1576), e Via-
gem a terra do Brasil (1578), do francês Jean de Léry (1534-1611).
O primeiro é um relato contando como Staden foi aprisio-
nado por índios canibais da tribo dos tupinambás, em 1554. Já o
segundo, trata-se de um soberbo relatório etnográfico feito sobre
o Brasil.
Voltemos àquele tempo, para ver nosso país no limiar de sua
história. Vamos conhecer a maior parte desses textos, a começar
pela carta que nos apresentou ao mundo.
Lembre-se de que, caso surjam dúvidas, é necessário voltar
ao texto, trocar ideias com os colegas de curso ou procurar seu
tutor que orientará você.

6. A CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA


Você há de se lembrar de uma propaganda dos Correios, vei-
culada na TV durante as comemorações dos 500 anos do Descobri-
mento, que trazia trechos da Carta, narrados por uma voz em off,
enquanto eram mostradas as belezas de nosso país.
Pois bem, ali estava ela. Quinhentos anos depois, nossa cer-
tidão de nascimento, a Carta, ainda é lida. Quando surgiu, "dando
notícia da terra achada", como menciona Bosi (2006, p. 14), fazia

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192 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

parte de um gênero muito comum em Portugal e na Espanha, du-


rante o século 15: a literatura de viagens.
A literatura de viagens fez parte do "clima ideológico da Re-
nascença portuguesa, sobretudo no que se refere à ufania patrió-
tica" (MOISÉS, 2006, p. 63).
A descoberta de novas terras impulsionou esse tipo de lite-
ratura que tinha por finalidade registrar, informar e descrevê-las
aos compatriotas.
Na mesma linha, a Carta de Caminha, datada de 1º de março
de 1500, dava notícia ao rei português D. Manuel I, a respeito da
recém-descoberta do Brasil.
E o que a Carta nos apresenta, como documento histórico?
Para Alfredo Bosi (2006, p. 14), ela revela:
• "espírito observador";
• "ingenuidade";
• "transparente ideologia mercantilista batizada pelo zelo
missionário de uma cristandade ainda medieval".
Essas são as impressões que um leitor atento pode ter ao
deparar-se com a Carta escrita por de Pero Vaz de Caminha (1450-
1500), este que fora escrivão oficial e membro da esquadra de Ca-
bral.
Vejamos, então, alguns excertos desta Carta, que tratam dos
primeiros contatos e impressões do europeu a respeito do índio.
O que você tem a seguir é a linguagem original da Carta,
como Pero Vaz de Caminha a escreveu. Veja como parece outra
língua. É a língua portuguesa há quinhentos anos. Perceba sua
evolução. Algumas palavras mantiveram-se inalteradas; outras são
ilegíveis.
Na coluna a direita, você poderá conferir o que diz a versão
original do texto:
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 193

VERSÃO EM PORTUGUÊS ARCAICO VERSÃO EM PORTUGUÊS


CONTEMPORÂNEO
[...] [...]

e daly oouemos vista dhomee[n]s q[ue] E dali avistamos homens que andavam
andauam pela praya obra de bij ou biij pela praia, uns sete ou oito, segundo
segº os naujos pequenos diseram por disseram os navios pequenos que
chegarem primeiro... / aly lancamos chegaram primeiro.
os batees e esquifes fora evieram logo
todolos capitaães das naaos aesta Então lançamos fora os batéis e esquifes.
naao do capitam moor e aly falaram. E logo vieram todos os capitães das naus
E ocapitam man dou no batel em trra a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram.
njcolaao coelho peraveer aq[ue]Le rrio E o Capitão mandou em terra a Nicolau
e tamto que ele comecou perala dhir Coelho para ver aquele rio. E tanto que
acodirã pela praya homee[n]s quando ele começou a ir-se para lá, acudiram
dous quando três de maneira que pela praia homens aos dois e aos três,
quando obatel chegou aaboca do rrio de maneira que, quando o batel chegou
heram aly xbiij ou xx homee[n]s pardos à boca do rio, já lá estavam dezoito ou
todos nuus sem nhuu[m]a cousa que lhes vinte.
cobrisse suas vergonhas. traziam arcos
nas maãs esuas see tas. vijnham todos Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes
rrijos perao batel e nicolaao co elho lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos
fez sinal que posesem os arcos. e eles os nas mãos, e suas setas. Vinham todos
poseram. aly nom pode deles auer fala rijamente em direção ao batel. E Nicolau
ne[m] ente[n] dimento que aproueitasse Coelho lhes fez sinal que pousassem os
polo mar quebrar na costa. soomente arcos. E eles os depuseram. Mas não
deulhes huu[m] barete vermelho e pôde deles haver fala nem entendimento
huu[m]a carapuça de linho que leuaua que aproveitasse, por o mar quebrar
na cabeça e huu[m] sombreiro preto. na costa. Somente arremessou-lhe
E huu[m] deles lhe deu huu huu[m] um barrete vermelho e uma carapuça
sombreiro de penas daues compridas co de linho que levava na cabeça, e
huu[m]a copezinha pequena de penas um sombreiro preto. E um deles lhe
vermelhas epardas coma de papagayo e arremessou um sombreiro de penas de
outro lhe deu huu[m] rramal grande de ave, compridas, com uma copazinha
comtinhas brancas meudas que querem de penas vermelhas e pardas, como
parecer daljaueira as quaaes peças creo de papagaio. E outro lhe deu um ramal
queo capitam manda avossa alteza e com grande de continhas brancas, miúdas
jsto se volueo aas naaos por seer tarde e que querem parecer de aljôfar, as quais
nom poder deles auer mais fala por aazo peças creio que o Capitão manda a Vossa
do mar. Alteza. E com isto se volveu às naus por
ser tarde e não poder haver deles mais
fala, por causa do mar.

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194 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

[...] [...]

Eseendo aº Lopez nosso piloto em E estando Afonso Lopez, nosso piloto,


huu[m] daqueles naujos pequenos per em um daqueles navios pequenos, foi,
mandado do capitam por seer home[m] por mandado do Capitão, por ser homem
vyuo e dee stro pera jsso meteose loguo vivo e destro para isso, meter-se logo
no esquife asomdar oporto demtro no esquife a sondar o porto dentro. E
e tomou em huu[m]a almaadia dous tomou dois daqueles homens da terra
daqueles homee[n]s da trra mançebos que estavam numa almadia: mancebos e
e de boos cor pos. e huu[m] deles trazia de bons corpos. Um deles trazia um arco,
huu[m] arco e bj ou bij seetas e na praya e seis ou sete setas. E na praia andavam
amdauam mujtos cõ seus arcos e seetas muitos com seus arcos e setas; mas não
e nom lhe aproueitaram. / trouueos os aproveitou. Logo, já de noite, levou-os
logo ja de noute ao capitam omde foram à Capitaina, onde foram recebidos com
rrecebidos com muito pra zer e festa. / muito prazer e festa.
afeiçam deles he seerem pardos maneira
dauerme lhados de boõs rrostros e boos A feição deles é serem pardos, um tanto
narizes bem feitos. / am dam nuus sem avermelhados, de bons rostos e bons
nenhuu[m]a cubertura. Nem estimam n narizes, bem feitos. Andam nus, sem
huu[m]a coussa cobrir nem mostrar suas cobertura alguma. Nem fazem mais caso
vergonhas. E estam açerqua disso com de encobrir ou deixa de encobrir suas
tamta jnocemçia como teem em mostrar vergonhas do que de mostrar a cara.
orrostro. / traziam ambos os beiços de Acerca disso são de grande inocência.
baixo furados e metidos por eles senhos Ambos traziam o beiço de baixo furado
osos doso bramcos de compridam e metido nele um osso verdadeiro, de
dhuu[m]a maão travessa e de grossura comprimento de uma mão travessa, e da
dhuu[m] fuso dalgodam e agudo na põta grossura de um fuso de algodão, agudo
coma furador. mete[m] nos pela parte na ponta como um furador. Metem-nos
de dentro do bei ço e oque lhe fica antre pela parte de dentro do beiço; e a parte
obeiço eos demtes He feito coma rroque que lhes fica entre o beiço e os dentes
denxadrez. e em tal maneira o trazem aly é feita a modo de roque de xadrez. E
emcaxado que lhes nom da paixã nem trazem-no ali encaixado de sorte que não
lhes tor ua afala nem comer nem beber. os magoa, nem lhes põe estorvo no falar,
/ os cabelos seus sam coredios e andauã nem no comer e beber.
trosqujados de trosquya alta mais que
de sobre pemtem deboa gramdura e Os cabelos deles são corredios. E
rrapados ataa per cjma das orelhas. e andavam tosquiados, de tosquia alta
huu[m] deles trazia per baixo da solapa antes do que sobre-pente, de boa
de fonte afonte pera detrás huu[m]a grandeza, rapados todavia por cima das
maneira de cabeleira de penas daue ama orelhas. E um deles trazia por baixo da
rela que seria decompridam dhuu[m] solapa, de fonte a fonte, na parte detrás,
couto. Muy basta e muy çarada que uma espécie de cabeleira, de penas de
lhe cobria otoutuço eas ore lhas. aqual ave amarela, que seria do comprimento
amdaua pegada nos cabelos pena e pena de um coto, mui basta e mui cerrada,
com huu[m]a comfeiçam branda coma que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E
cera e nõ no era. demaneira que amdaua andava pegada aos cabelos, pena por
acabeleira muy rredomda e muy basta pena, com uma confeição branda como,
e muy jgual que nõ fazia mjngoa mais de maneira tal que a cabeleira era mui
lauajem peraa leuantar. redonda e mui basta, e mui igual, e
não fazia míngua mais lavagem para a
levantar.
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 195

/ ocapitam quando eles vieram estaua O Capitão, quando eles vieram, estava
asentado em huu[m]a cadeira e huu[m] sentado em uma cadeira, aos pés uma
a alcatifa aos pees por estrado e bem alcatifa por estrado; e bem vestido,
vestido cõ huu[m] colar douro muy com um colar de ouro, mui grande, ao
grande ao pescoço. e sancho de toar e pescoço. E Sancho de Tovar, e Simão
simam de Miranda enj colaao coelho de Miranda, e Nicolau Coelho, e Aires
e aires corea e nos outros que aquy na Corrêa, e nós outros que aqui na nau
naao cõ ele himos asentados no chaão com ele íamos, sentados no chão, nessa
per esa alcatifa. / acemderam tochas alcatifa. Acenderam-se tochas. E eles
e emtraram e nõ fezeram nhuu[m]a entraram. Mas nem sinal de cortesia
mençam de cortesia nem de falar ao fizeram, nem de falar ao Capitão; nem a
capitam nem anjmguem. pero huu[m] alguém. Todavia um deles fitou o colar
deles pos olho no colar do capitam e do Capitão, e começou a fazer acenos
começou daçenar cõ amaão pera aterra com a mão em direção à terra, e depois
e depois perao colar como que nos dezia para o colar, como se quisesse dizer-nos
que avia em tera ouro e tam bem vio que havia ouro na terra. E também olhou
huu[m] castiçal de prata e asy meesmo para um castiçal de prata e assim mesmo
acenaua peraa tera e entã perao castical acenava para a terra e novamente para
como que avia tam bem prata. [...] o castiçal, como se lá também houvesse
(CAMINHA, 2012b) prata! [...] (CAMINHA, 2012)

Observe que Nicolau Coelho deixa a nau e vai até a praia.


Quando chega a terra firme, quase vinte índios o aguardam. Você
deve ter percebido, não só a inocência desses índios, mas também
sua obediência ("nicolaao co elho lhes fez sinal que posesem os
arcos. e eles os poseram").
Há, na Carta de Caminha, como você pode perceber na leitu-
ra, uma bela descrição do índio brasileiro, que nos permite resga-
tar sua aparência e costumes.

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196 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Figura 1 Primeira página do manuscrito da carta de Pero Vaz de Caminha.

São de passagens como essas que a Carta de Caminha é fei-


ta. Em outros momentos dela, o olhar escroque, trapaceiro, do
português já recai sobre nós como se o Brasil fosse uma mercado-
ria a ser comercializada.
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 197

O que viria pela frente? Nada de preservação, mas extrair da


terra o que ela tinha a oferecer e que rendesse lucros.
Mas continuemos nossa viagem à literatura de informação.
Vejamos a seguir a contribuição de Pero de Magalhães de
Gândovo.

7. A PRIMEIRA HISTÓRIA DO BRASIL: HISTÓRIA DA


PROVÍNCIA SANTA CRUZ A QUE VULGARMENTE CHA-
MAMOS BRASIL (1576), DE PERO DE MAGALHÃES
GÂNDAVO
Gândavo foi professor e, também, amigo de Camões. A obra
apresenta alguns sonetos do maior bardo da língua portuguesa,
escritos, especialmente, para esse livro.
O autor o escreveu apenas porque, passados setenta e seis
anos de descobrimento, ninguém ainda se atrevera a realizar essa
façanha. Coube a Gândavo, portanto, a tarefa de realizar nossa pri-
meira história.
Vejamos como ele mesmo justifica sua empreitada:
A causa principal que me obrigou a lançar mão da presente histo-
ria, e sair com ela a luz, foi por não haver até gora pessoa que a em-
preendesse, havendo já setenta e tantos anos que esta Província
É descoberta. A qual historia creio que mais esteve sepultada em
tanto silencio, pelo pouco caso que os portugueses fizeram sempre
da mesma província, que por faltarem na terra pessoas de enge-
nho, e curiosas que per melhor estilo, e mais copiosamente que eu
a escrevessem (GÂNDAVO, 2012).

Gândavo reconhece a presença de "pessoas de engenho e


curiosas" que poderiam, talvez, melhor do que ele dar cabo da
tarefa, mas o curioso é o autor apontar o silêncio de Portugal em
relação à colônia.
Como se sabe, o governo português não divulgou a nova ter-
ra durante mais de um ano. O rei recebeu notícias da expedição de
Cabral em junho de 1500. Quatro anos depois, proibiu os cartógra-
fos de Portugal de esboçarem o novo território.

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198 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Para Sheila Moura Hue e Ronaldo Menegaz (2004), isso re-


flete um pouco a política de segredo e as muitas dificuldades en-
contradas por Portugal para explorar e para colonizar o país. Veja o
que menciona Gândavo a respeito das possibilidades de bem-estar
e de segurança que o Brasil podia oferecer:
Porém já que os estrangeiros a tem noutra estima, e sabem suas
particularidades melhor e mais de raiz que nós (aos quais lança-
ram já os portugueses fora dela à força d'armas por muitas vezes)
parece cousa decente e necessária terem também os nossos natu-
rais a mesma noticia, especialmente pera que todos aqueles que
nestes Reinos vivem em pobreza não duvidem escolhe-la para seu
emparo: porque a mesma terra é tal, e tão favorável aos que a vão
buscar, que a todos agasalha e ouvida com remédio por pobres e
desamparados que sejam (GÂNDAVO, 2012).

A obra de Gândavo foi publicada em 1576. Ela só viria a ser


republicada no século 19, em 1837. O motivo aparente era o silên-
cio de Portugal a respeito do Brasil, como mencionado anterior-
mente.
De qualquer forma, A primeira história do Brasil não é um
livro de história propriamente dito. Não há a linearidade dos fatos
natural aos livros dessa natureza. Antes, ela deve ser lida como
uma crônica do período, ou seja, um registro de fatos comuns, ou-
tros bizarros, que pertencem ao século 16.
A propósito de acontecimentos bizarros, veja o que relata
Gândavo quando conta a respeito de um "monstro" marinho que
atemorizava os índios em São Vicente:
Do monstro marinho que se matou na Capitania de São Vicente,
ano 1564.
Foi causa tão nova e tão desusada aos olhos humanos a semelhan-
ça daquele fero e espantoso monstro marinho que nesta Provín-
cia se matou no ano de 1564, que ainda que per muitas partes do
mundo se tenha noticia dele, não deixarei todavia de a dar aqui ou-
tra vez de novo, relatando por extenso tudo o que acerca disto pas-
sou; porque na verdade a maior parte dos retratos ou quase todos
em que querem mostrar a semelhança de seu horrendo aspecto,
andam errados, e alem disso, conta-se o sucesso de sua morte por
diferentes maneiras, sendo a verdade uma só a qual é a seguinte:
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 199

Na Capitania de São Vicente sendo já alta noite a horas em que


todos começavam de se entregar ao sono, acertou de sair fora de
casa uma Índia escrava
do capitão; a qual lançando os olhos a uma várzea que está pegada
com o mar, e com a povoação da mesma Capitania, viu andar nela
este monstro, movendo-se de uma parte para outra com passos e
meneios desusados, e dando alguns urros de quando em quando
tão feios, que como pasmada e quase fora de si se veio ao filho do
mesmo capitão, cujo nome era Baltazar Ferreira, e lhe deu conta do
que vira parecendo-lhe que era alguma visão diabólica; mas como
ele fosse não menos sisudo que esforçado, e esta gente da terra
seja digna de pouco credito não lho deu logo muito às suas pala-
vras, e deixando-se estar na cama, a tornou outra vez a mandar
fora dizendo-lhe que se afirmasse bem no que era. E obedecendo a
Índia a seu mandado, foi; e tornou mais espantada; afirmando-lhe
e repetindo-lhe uma vez e outra que andava ali uma cousa tão feia,
que não podia ser se não o demônio.
Então se levantou ele muito depressa e lançou mão a uma espada
que tinha junto de si com a qual botou somente em camisa pela
porta fora, tendo para si (quando muito) que seria algum tigre ou
outro animal da terra conhecido com a vista do qual se desenga-
nasse do que a Índia lhe queria persuadir, e pondo os olhos naquela
parte que ela lhe assinalou viu confusamente o vulto do monstro
ao longo da praia, sem poder divisar o que era, por causa da noi-
te lho impedir, e o monstro tão bem ser cousa não vista e fora do
parecer de todos os outros animais. E cegando-se um pouco mais
a ele, para que melhor se podesse ajudar da vista, foi sentido do
mesmo monstro: o qual em levantando a cabeça, tanto que o viu
começou de caminhar para o mar donde viera (GÂNDAVO, 2012).

Em seguida, Baltazar Ferreira irá enfrentar o monstro com


uma espada.
Nisto conheceu o mancebo que era aquilo cousa do mar e antes que
nele se metesse, acudiu com muita presteza a tomar-lhe a diantei-
ra, e vendo o monstro que ele lhe embargava o caminho, levantou-
-se direito para cima como um homem ficando sobre as barbatanas
do rabo, e estando assim a par com ele, deu-lhe uma estocada pela
barriga, e dando-lha no mesmo instante se desviou para uma parte
com tanta velocidade, que não pôde o monstro levá-lo debaixo de
si: porem não pouco afrontado, porque o grande torno de sangue
que saiu da ferida lhe deu no rosto com tanta força que quase ficou
sem nenhuma vista: e tanto que o monstro se lançou em terra dei-
xa o caminho que levava e assim ferido urrando com a boca aberta
sem nenhum medo, remeteu a ele, e indo para o tragar a unhas, e
a dentes,deu-lhe na cabeça uma cotilada mui grande, com a qual fi-

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200 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

cou já mui débil, e deixando sua vã porfia tornou então a caminhar


outra vez para o mar. Neste tempo acudiram alguns escravos aos
gritos da Índia que estava em vela: e cegando a ele,
o tomaram todos já quase morto e dali o levaram á povoação onde
esteve o dia seguinte á vista de toda a gente da terra.
E com este mancebo se haver mostrado neste caso tão animoso
como se mostrou, e ser tido na terra por muito esforçado saiu to-
davia desta batalha tão sem alento e com a visão deste medonho
animal ficou tão perturbado e suspenso, que perguntando-lhe o
pai, que era o que lhe havia sucedido não lhe pôde responder, e
assim como assombrado sem falar cousa alguma per um grande
espaço. O retrato
deste monstro, é este que no fim do presente capitulo se mostra,
tirado pelo natural (GÂNDAVO, 2012).

Viu como Baltazar Ferreira é intrépido e corajoso? Veja, a


seguir, a descrição curiosa do "monstro":
Era quinze palmos de comprido e semeado de cabelos pelo corpo,
e no focinho tinha umas sedas mui grandes como bigodes.
Os Índios da terra lhe chamam em sua língua Hipupiàra que quer
dizer demônio d'água. Alguns como este se viram já nestas partes,
mas acham-se raramente. E assim tão bem deve de haver outros
muitos monstros de diversos pareceres, que no abismo desse largo
e espantoso mar se escondem, de não menos estranheza e admira-
ção; e tudo se pode crer, por difícil que pareça: porque os segredos
da natureza não foram revelados todos ao homem, para que com
razão possa negar, e ter por impossível as cousas que não viu nem
de que nunca teve noticia (GÂNDAVO, 2012).

Para esses índios, os ipupiaras eram homens marinhos. Esta


palavra, ipupiara, significa "coisa má que anda n'água" (HUE; ME-
NEGAZ, 2004, p. 130). Esses "monstros" não eram raros na costa
brasileira.
Cronistas quinhentistas, como Anchieta, Cardim, Sousa, den-
tre outros, relataram essas aparições do ipupiara. O mais curioso
é que, provavelmente, o "monstro" em questão deveria ser nada
mais que um leão-marinho, animal que é bípede e carnívoro.
Por outro lado, o texto de Gândavo apresenta informações
mais pertinentes à realidade do que à fantasia meramente bizarra.
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 201

Vejamos agora o relato que Gândavo faz dos nativos, confor-


me o capítulo 10 de sua obra:
[...]
Estes Índios são de cor baça, e cabelo corredio; tem o rosto amas-
sado, e algumas feições dele á maneira de Chins. Pela maior parte
são bem dispostos, rijos e de boa estatura; gente mui esforçada, e
que estima pouco morrer, temerária na guerra, e de muito pouco
consideração: são desagradecidos em Grã maneira, e mui desuma-
nos e cruéis, inclinados a pelejar, e vingativos por extremo. Vivem
todos mui descansados sem terem outros pensamentos senão de
comer, beber, e matar gente,e por isso engordam muito, mas com
qualquer desgosto pelo conseguinte tornam a emagrecer, e muitas
vezes pode deles tanto a imaginação que se algum deseja a mor-
te, ou alguém lhe mete em cabeça que há de morrer tal dia ou tal
noite não passa daquele termo que não morra. São mui inconstan-
tes e mudáveis: crêem de ligeiro tudo aquilo que lhes persuadem
por dificultoso e impossível que seja, e com qualquer dissuasão
facilmente o tornam logo a negar. São mui desonestos e dados á
sensualidade, e assim se entregam aos vícios como se neles não
houvera razão de homens: ainda que todavia em seu ajuntamento
os machos e fêmeas têm o devido resguardo, e nisto mostram ter
alguma vergonha (GÂNDAVO, 2012).

Percebeu o olhar do homem europeu sobre o índio e sua


visão de mundo? Observe ainda as suas observações a respeito da
língua falada pelos nativos:
A língua de que usam, toda pela costa, é uma: ainda que em cer-
tos vocábulos difere nalgumas partes; mas não de maneira que se
deixem uns aos outros de entender: e isto até altura de vinte e sete
grãos, que daí por diante há outra gentilidade, de que nós não te-
mos tanta noticia, que falam já outra língua diferente.
Esta de que trato, que é a geral pela costa, é mui branda, e a qual-
quer nação facil de tomar. Alguns vocábulos há nela de que não
usam senão as fêmeas, e outros que não servem senão para os
machos: carece de três letras, convém a saber, não se acha nela F,
nem L, nem R, cousa digna de espanto porque assim não têm Fé,
nem Lei, nem Rei, e desta maneira vivem desordenadamente sem
terem alem disto conta, nem peso, nem medido (GÂNDAVO, 2012).

Percebeu como a análise que o Gândavo faz da língua nativa


logo o remete a fazer um juízo sobre a religião, sistema de justiça
e governo?

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202 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Na sequência o autor pormenoriza cada uma destas ques-


tões. Começa pela questão religiosa:
Não adoram a cousa alguma, nem têm para si que há depois da
morte gloria para os bons e pena para os mãos, e o que sentem
da imortalidade d'alma não é mais que terem para si que seus de-
funtos andam na outra vida feridos, despedaçados, ou de qualquer
maneira que acabaram nesta. E quando algum morre, costumam
enterrá-lo em uma cova assentado sobre os pés com sua rede às
costa que em vida lhe servia de cama. E logo pelos primeiros dias
põem-lhe seus parentes de comer em cima da cova e tão bem al-
guns lho costumam meter dentro quando o enterram, e totalmen-
te cuidam que comem e dormem na rede que tem consigo na mes-
ma cova (GÂNDAVO, 2012).

Por fim, o autor descreve o sistema de governo e justiça dos


índios:
Esta gente não tem entre si nenhum Rei, nem outro gênero de justi-
ça, senão um principal em cada aldêa, que é como capitão, ao qual
obedecem por vontade, e não por força. Quando este morre fica
seu filho no mesmo lugar por sucessão, e não serve doutra cousa
senão de ir com eles á guerra, e aconselha-los como se hão de ha-
ver na peleja; mas não castiga erros nem manda sobre eles cousa
alguma contra suas vontades. E assim a guerra que agora têm uns
contra outros não se levantou na terra por serem diferentes em
Leis nem em costumes, nem por cobiça alguma de interesse: mas
porque antigamente se algum acertava de matar outro, como ainda
agora algumas vezes acontece (como eles sejam vingativos e vivam
como digo absolutamente sem terem Superior algum a que obe-
deçam nem temam) os parentes do morto se conjuravam contra
o matador e sua geração e se perseguiam com tal mortal ódio uns
aos outros que daqui veio dividirem-se em diversos bandos, e fica-
rem inimigos da maneira que agora estão (GÂNDAVO, 2012).

Percebeu como, segundo o testemunho do autor, as tribos


eram formadas naquele tempo? No restante do capítulo, Gândavo
prossegue sua descrição, descrevendo as aldeias e os costumes e
tradições dos indígenas.
Embora tendenciosa na maneira de julgar os nativos, o texto
de Gândavo é uma obra que vale a pena ser lida pelas informações
que nos oferece a respeito do Brasil colonial e sua gente.
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 203

Vejamos a seguir outro autor que também contribuiu para


nosso conhecimento dos primeiros tempos do Brasil colônia: Ga-
briel Soares Sousa. Já ouviu falar dele?
Vejamos, então, sua colaboração para a literatura de infor-
mação sobre o Brasil.

8. TRATADO DESCRITIVO DO BRASIL (1587), DE GA-


BRIEL SOARES DE SOUSA
Gabriel Soares de Sousa era português e morou na Bahia du-
rante dezessete anos, período em que registrou suas observações
a respeito do país.
Conta-nos Bosi (2006) que Sousa viajou até a Espanha a fim
de solicitar uma autorização real que o permitisse abrir uma es-
trada pelo interir mineiro para explorar uma mina de prata, cujo
mapa herdado de seu irmão indicava estar às vertentes do rio São
Francisco. O autor conseguiu sua carta régia, mas a expedição não
aconteceu, uma vez que ele faleceu em 1591.
Segundo Bosi (2006), para a crítica histórica, o Tratado Des-
critivo do Brasil de Gabriel Soares de Sousa é a fonte mais rica de
informações sobre a colônia no século 16 que dispomos.
A obra é dividida em duas partes: "Roteiro Geral com Largas
Informações de Toda a Costa do Brasil" e "Memória e Declaração
das Grandezas da Bahia de Todos os Santos, de sua Fertilidade e
das Outras Partes que Tem" (BOSI, 2006, p. 18).
A primeira faz referências minuciosas à geografia litorânea
brasileira, como você pode ver no trecho a seguir em que o autor
descreve a descoberta e localização do rio Amazonas:
[...]
Como não há coisa que se encubra aos homens que querem come-
ter grandes empresas, não pôde estar encoberto este rio do mar
Doce ou das Amazonas ao capitão Francisco de Orellana que, an-
dando na conquista do Peru em companhia do governador Francis-

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204 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

co Pizarro, e indo por seu mandado com certa gente de cavalo des-
cobrindo a terra, entrou por ela adentro tanto espaço que se achou
perto do nascimento deste rio. E vendo-o caudaloso, fez junto dele
embarcações, segundo o costume daquelas partes, em as quais se
embarcou com a gente que trazia e se veio por esse rio abaixo, em
o qual se houveram de perder por levar grande fúria a correnteza,
e com muito trabalho tornou a tomar porto em povoado, na qual
jornada teve muitos encontros de guerra com o gentio e com um
grande exército de mulheres que com ele pelejaram com arcos e
flexas, de onde o rio tomou o nome das Amazonas. Livrando-se
este capitão deste perigo e dos mais por onde passou, veio tanto
por este rio abaixo até que chegou ao mar; e dele foi ter a uma
ilha que se chama a Margarita, donde se passou à Espanha. Dando
suas informações ao imperador Carlos V, que está em glória, lhe
ordenou uma armada de quatro naus para cometer esta empresa,
em a qual partiu do porto de S. Lucar com sua mulher para ir po-
voar a boca deste rio, e o ir conquistando por ele acima, o que não
houve efeito por na mesma boca deste rio falecer este capitão de
sua doença, de onde sua mulher se tornou com a mesma armada
para a Espanha.
Neste tempo — pouco mais ou menos — andava correndo a costa
do Brasil em uma caravela, como aventureiro, Luís de Melo, filho
do alcaide-mor de Elvas, o qual, querendo passar a Pernambuco,
desgarrou com o tempo e as águas por esta costa abaixo, e vindo
correndo a ribeira, entrou no rio do Maranhão, e neste das Ama-
zonas, de cuja grandeza se contentou muito; e tomou língua do
gentio de cuja fertilidade ficou satisfeito e muito mais das grandes
informações que na ilha da Margarita lhe deram alguns soldados,
que ali achou, que ficaram da companhia do capitão Francisco de
Orellana, os quais facilitaram a Luís de Melo e navegação deste rio,
e que com pouco cabedal e trabalho adquirisse por ele acima mui-
to ouro e prata. Do que movido Luís de Melo, se veio à Espanha, e
alcançou licença de el-rei D. João III de Portugal para armar à sua
custa e cometer esta empresa, para o que se fez prestes na cidade
de Lisboa; e partiu do porto dela com três naus e duas caravelas
com as quais se perdeu nos baixos do Maranhão, com a maior par-
te da gente que levava; e ele com algumas pessoas escaparam nos
batéis e uma caravela em que foi ter às Antilhas. E depois deste
fidalgo ser em Portugal, se passou à Índia, onde acabou valorosos
feitos; e vin-do-se para o Reino muito rico e com tenção de tornar a
cometer esta jornada, acabou no caminho em a nau São Francisco,
que desapareceu sem até hoje se saber novas dele.
[...] (SOUSA, 2012).
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 205

Percebeu as aventuras vividas por estes conquistadores eu-


ropeus, enfrentando a força do rio e até amazonas armadas com
arco e flecha. Cenas dignas de um filme de Hollywood, não é mes-
mo?
Na segunda parte do tratado, o autor dedica-se especial-
mente à fauna e flora da Bahia.
Vejamos um trecho em que o autor descreve a mandioca:
[...]
Até agora se disse da fertilidade da terra da Bahia tocante às árvo-
res de fruto da Espanha, e às outras sementes que se nela dão. E
já se sabe como nesta província frutificam as alheias, saibamos dos
seus mantimentos naturais; e peguemos primeiro da mandioca,
que é o principal mantimento e de mais substância, que em Portu-
gal chamam farinha-de-pau.
Mandioca é uma raiz da feição dos inhames e batatas, e tem a gran-
dura conforme a bondade da terra, e a criação que tem. Há casta
de mandioca cuja rama é delgada e da cor como ramos de sabu-
gueiro, e fofos por dentro; a folha é de feição e da brandura da da
parra, mas tem a cor do verde mais escura; os pés dessas folhas
são compridos e vermelhos, como os das mesmas das parreiras.
Planta-se a mandioca em covas redondas como melões, muito
bem cavadas, e em cada cova se metem três quatro pauzinhos da
rama, de palmo cada um, e não entram pela terra mais que dois
dedos, os quais paus quebram à mão, ou os cortam com faca ao
tempo que os plantam, porque em fresco deitam leite pelo corte,
de onde nascem e se geram as raízes; e fazem-se essas plantadas
mui ordenadas seis palmos de uma cova à outra. Arrebenta a rama
desta mandioca dos nós destes pauzinhos aos três dias até os oito,
segundo a fresquidão do tempo, os quais ramos são muito tenros
e muito cheios de nós, que se fazem ao pé de cada folha, por onde
quebram muito; quando a planta rebenta é por esses nós, e quan-
do os olhos nascem deles são como de parreira. A grandura da raiz
e da rama da mandioca é conforme a terra em que a plantam, e a
criação que tem; mas, ordinariamente, é a rama mais alta que um
homem, e a partes cobre um homem a cavalo; mas há uma casta,
que de natureza dá pequenos ramos, a qual plantam em lugares
sujeitos aos tempos tormentosos, porque a não arranque e quebre
o vento. Há casta de mandioca que, se a deixam criar, dá raízes de
cinco e seis palmos de comprido, e tão grossas como a perna de um
homem; querem-se as roças da mandioca limpas de erva, até que
tenha disposição para criar boa raiz.

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206 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

Há uma casta de mandioca, que se diz manipocamirim, e outra


que chamam manaibuçu, que se quer comesta de ano e meio por
diante; e há outras castas, que chamam taiaçu e manaibaru, que
se querem comestas de um ano por diante, e duram estas raízes
debaixo da terra sem apodrecerem três, quatro anos.
Há outras castas, que se dizem manaitinga e parati, que se come-
çam a comer de oito meses por diante, e se passa de ano apodre-
cem muito; esta mandioca manaitinga e parati se quer plantada em
terras fracas e de areia.
[...] (SOUSA, 2012).

O propósito da obra, também, era o de informar à metrópole


acerca das riquezas que a colônia oferecia: minas de ouro, prata e
esmeralda — para soberba de Portugal.
O autor revela "zelo de naturalista" e demonstra ver "tudo
entre atento e encantado" (BOSI, 2006, p. 18). Quanto à etnogra-
fia, além da informação a respeito da cultura e da religião, traz
informações curiosas: "são de ler as descrições vivas da ‘couvade',
dos suicidas comedores de terra, dos exibicionistas e dos feiticei-
ros chamadores da morte" (BOSI, 2002, p. 18).
Além dos relatos dos viajantes, apareceram crônicas de je-
suítas em forma de cartas, repletas de intenção pedagógica e mo-
ral.
Vejamos a seguir as principais informações religiosas do pe-
ríodo colonial.

9. A LITERATURA DOS JESUÍTAS


Manuel da Nóbrega (1517-1570), Fernão Cardim (1540-
1625) e José de Anchieta (1534-1553) são os nomes mais impor-
tantes, dentre os jesuítas que escreveram essas crônicas.
No Diálogo sobre a conversão do gentio, Nóbrega ressalta
pontos positivos e negativos do índio, a respeito de sua conversão
ao catolicismo.
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 207

O Diálogo foi escrito com o intuito de animar os jesuítas com


a missão de evangelizar os índios, pouco depois da morte do Bispo
Pero Fernandes Sardinha pelos índios caetés.
No texto, dois padres jesuítas dialogam. Seus personagens
representam tipos diferentes de catequizar: um pela pregação e
o outro pelas boas ações, dando exemplo aos nativos de como se
comportar de modo cristão (HANSEN, 2012).
Vejamos o trecho inicial do Diálogo, em que de saída se
apresenta a questão do trabalho de catequese entre os nativos:
1. Porque me dá o tempo lugar pera me alargar, quero falar com
meus Irmãos o que meu spirito sente, e tomarei por interlocutores
ao meu Irmão Gonçalo Alvarez, a quem Deus deu graça e talento
pera ser trombeta de sua palavra na Capitania do Spiritu Sancto, e
com meu Irmão Matheus Nuguera, ferreiro de Jesu Christo, o qual,
posto que com palavra nam prega, fá-lo com obras e com marte-
ladas.
Emtra logo ho Irmão Gonçalo Alvarez, tentado dos negros do Gato
e de todos os outros e, meio desesperado de sua conversão, diga:
2. [Gonçalo Alvarez]: – Por demais hé trabalhar com estes; são tão
bestiais, que não lhes entra no coração cousa de Deus; estão tão in-
carniçados em matar e comer, que nenhuma outra bem-aventuran-
ça sabem desejar; pregar a estes, hé pregar em deserto ha pedras.
Matheus Nugueira: – Se tiveram rei, poderão-se converter, ou se
adoraram alguma cousa; mas, como nam sabem que cousa hé crer
nem adorar, não podem entender ha pregação do Evangelho, pois
ella se funda em fazer crer e adorar a hum soo Deus, e a esse só
servir; e como este gentio nam adora nada, nem cree nada, todo o
que lhe dizeis se fiqua nada.
Gonçalo Alvarez: – O que bem dizeis, quão fora estes estão de se
converterem hum dia 5 [cinco mil] e no outro três mil por huma soo
pregação dos Apóstolos, nem de se comverterem reinos, cidades,
como se fazia no tempo passado por ser gente de juizo.
Matheus Nugueira: – Huma cousa tem estes pior de todas, que
quando vem à minha tenda, com hum anzol que lhes dê, os conver-
terei a todos, e com outros os tornarei a desconverter, por serem
incostantes, e não lhes entrar a verdadeira fee nos coraçõis. Ouvi
eu já hum evangelho a meus Padres, omde Christo dizia: "Não deis
o Sancto aos cãis, nem deiteis as pedras preciosas aos porquos". Se
alguma geração há no mundo, por quem Christo N. S isto diga, deve
ser esta, porque vemos que são cãis em se comerem e matarem, e

Claretiano - Centro Universitário


208 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

são porcos nos vícios e na maneira de se tratarem, e esta deve ser a


rezão porque alguns Padres que do Rreino vierão os vejo resfriados,
porque vinhão cuidando de converter a todo Brasil em huma hora,
e vem-se que não podem converter hum em hum anno por sua
rudeza e bestialidade (NÓBREGA, apud HANSEN, 2012).

Veja que a principal dificuldade atribuída à conversão dos


índios, em que ambos personagens concordam é a inconstância
dos nativos. Além disso, o trabalho não rápido como se deseja,
mas exige paciência visando as gerações futuras, pois nada sabem
sobre o cristianismo ou catolicismo.
Já Fernão Cardim, segundo Bosi (2006. p. 9), "lembra Gânda-
vo e Gabriel Soares pela cópia de informes que sabe recolher nas
capitanias que percorre".
Porém, é Anchieta quem deixa entrever um pouco da inci-
piente literatura do período. Afinal, ele também foi poeta e drama-
turgo. Seus autos servem à edificação do índio e foram escritos em
português e em tupi, enquanto seus poemas revelam uma "visão
do mundo ainda alheia ao Renascimento e, portanto, arredia em
relação aos bens terrenos" (BOSI, 2006, p. 20).
Vejamos como exemplo desta poesia encontrada na obra de
Anchieta, o poema Em Deus, meu Criador:
Não há coisa segura.
Tudo quanto se vê
Se vai passando.
A vida não tem dura.
O bem se vai gastando.
Toda criatura
Passa voando.
......................................
Contente assim, minh'alma,
Do doce amor de Deus
Toda ferida.
O mundo deixa em calma,
Buscando a outra vida,
Na qual deseja ser
Absorvida (ANCHIETA, apud BOSI, 2006, p. 20).
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 209

O que o poema nos apresenta é uma vida despojada de bens.


Assim, no lugar do bem material e transitório ("Tudo quando se
vê/ se vai passando."), o amor a Deus (Contente assim, minh'alma/
do doce amor de Deus/ toda ferida).
Anchieta foi o literato de maior expressão de sua época em
solo brasileiro. No que se refere à estética de sua poesia, Bosi
(2006, p. 19-20) observa que "molda-se na tradição medieval es-
panhola e portuguesa; em metros breves, da "medida velha"."
O autor dedicou-se ainda à produção de autos de mistério
e moralizantes, entre eles se destaca Na Festa de São Lourenço
(1583), que Bosi (2006, p. 23) descreve nos seguintes termos:
Consta de quatro atos e uma dança cantada em procissão final. A
maior parte dos versos está redigida em tupi, e o restante em espa-
nhol e português [...]. Os versos em português, em número de qua-
renta, trazem a fala do Anjo que apresenta as figuras simbólicas do
Amor e Temor, fogos, segundo ele, que o Senhor manda para abra-
sar as almas, como o fogo material abrasara a de São Lourenço [...]

O comentário de Bosi (2006) é ilustrado no trecho seguinte


do auto Na Festa de São Lourenço:
Deixa-vos dele queimar
Como o mártir São Lourenço
E sereis um vivo incenso,
Que sempre haveis de cheirar
Na corte de Deus imenso (ANCHIETA, apud BOSI, 2006, p. 23).

Observe que o auto é predominantemente moralizante, uma


exortação à imitação do santo homenageado em sua fé e conduta.
Outro nome destaque da Literatura de Informação é Ambró-
sio Brandão, de quem nos ocuparemos a seguir.

10. DIÁLOGO DAS GRANDEZAS DO BRASIL (1618), DE


AMBRÓSIO BRANDÃO
No início do século 17, a economia da colônia passou a ter
na cana-de-açúcar seu principal produto. Foi-se o tempo do pau-
-brasil. Assim, a literatura de informação passou a ser esboçada
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210 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

com base nessa tônica, ou seja, "mil e um informes úteis para o


futuro povoador da terra", segundo Bosi (2002, p. 24).
São os Diálogos das grandezas do Brasil, do cristão-novo
português Ambrósio Fernandes Brandão, a obra mais importante
do período. "A obra", menciona Alfredo Bosi, "compõe-se de seis
diálogos entre Brandônio, que faz as vezes do colonizador bem in-
formado, e Alviano, recém-vindo da Metrópole e sequioso de notí-
cias sobre as riquezas da terra". Veja como Brandônio expõe o que
pensa, a respeito das riquezas de nosso país. Trata-se da abertura
da obra:
Brandônio — (...) Pelo que, começando, digo que as riquezas do
Brasil consistem em seis coisas, com as quais seus povoadores se
fazem ricos, que são estas: a primeira a lavoura do açúcar, a segunda
a mercancia, a terceira o pau a que chamam do Brasil, a quarta os
algodões e madeiras, a quinta a lavoura de mantimentos, a sexta e
última a criação de gados. De todas estas coisas o principal nervo e
substância da riqueza da terra é a lavoura dos açúcares (BRANDÃO
apud BOSI, 2006, p. 24).

Você percebeu como a obra de Brandão se estrutura? Era


uma maneira prática de auxiliar o recém-chegado ao país, prepa-
rando-o para o novo estilo de vida que levaria dali em diante. É o
que menciona Bosi (2006, p. 24):
Mas a insistência em descrever a natureza, arrolar os seus bens e
historiar a vida ainda breve da Colônia indica um primeiro passo da
consciência do colono, enquanto homem que já não vive na Me-
trópole e, por isso, deve enfrentar coordenadas naturais diferentes,
que o obrigam a aceitar e, nos casos melhores, a repensar diferen-
tes estilos de vida.

Foi daí em diante que o colono, no Brasil, começou a sentir-


-se em casa. Para ele, a terra (a natureza) precisava ser dominada
o quanto antes.
Os relatos, a partir de então, começam a conter as experiên-
cias vividas pelos colonos. Exemplo desta tendência é a História do
Brasil, de Freio Vicente do Salvador, concluída em 1627 e publica-
da em 1889 (Bosi, 2006).
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 211

Aos poucos, à medida que a geografia brasileira tornava-se


cada vez mais conhecida para ele, o colono também passou a se
reconhecer cada vez mais em seu novo país.

11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Os primeiros escritos informativos sobre o Brasil de que dispomos foram:
a) Registros de viagens em que seus autores procuraram evidenciar a visão
dos nativos sobre sua terra e cultura.
b) Narrativas e poesias que retratavam o Brasil a partir da perspectiva de
seus habitantes primitivos.
c) Registram a impressão de viajantes e religiosos sobre a terra e o índio
brasileiros.
d) Restringe-se a Carta de Pero Vaz de Caminha ao reio português D. Ma-
nuel.
e) Estão arrolados na obra de Camões, especialmente em sua poesia épica.
2) Com relação à importância da Literatura de Informação sobre o Brasil, é cor-
reto afirmar que:
a) Tem grande valor estético devido ao seu alto grau de recursos literários
tanto na prosa como na poesia.
b) Inspiram literatos de todos os tempos pela sugestão temática e formal,
especialmente, relacionadas ao índio brasileiro.
c) Em nada contribui para o estudo da Literatura em Língua Portuguesa.
d) Tem valor apenas para os historiadores preocupados em desvendar a his-
tória de nossa colonização.
e) Apenas os autores do período do Romantismo encontraram nessa litera-
tura inspiração e valor artístico.
3) Dentre os autores de Informação sobre o Brasil que escreveram obras de
cunho religioso estão:
a) Pero Vaz de Camões, Manuel de Nóbrega e José de Anchieta.
b) Manuel de Nóbrega, José de Anchieta e Pero Lopes e Sousa.
c) José de Anchieta, Pero Lopes e Sousa e Pero de Magalhães de Gândavo.
d) Manuel de Nóbrega, José de Anchieta e Frei Vicente do Salvador.
e) Manuel de Nóbrega, José de Anchieta e Fernão Cardim.
4) Levando em consideração a temática e estética da Carta de Pero Vaz de Ca-
minha, pode-se dizer que ela melhor se enquadra na categoria:
a) Relatos de bordo de navegantes.
b) Divulgação geográfica e etnológica.

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212 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

c) Crônicas históricas.
d) Historiografia.
e) Informações religiosas.
5) A principal motivação de Gândavo para escrever a História da Província San-
ta Cruz veio:
a) Da necessidade de informar ao rei de Portugal a respeito da situação da
nova colônia.
b) Da necessidade de providenciar educação religiosa aos índios.
c) Da necessidade de se produzir uma literatura autenticamente brasileira.
d) Da necessidade de prover a colônia de uma obra do gênero.
e) Da necessidade de seduzir a Europa com boas impressões a respeito do
Brasil.
6) A História da Província Santa Cruz tem na sua estrutura uma característica
peculiar, que pode ser assim sintetizada:
a) Os fato ali narrados segue uma linearidade incomum aos livros de Histó-
ria da época.
b) Assemelha-se mais a uma crônica do que a um livro de História.
c) Aborda temas estritamente relevantes ao estudo histórico do período.
d) É a primeira obra em solo brasileiro a apresentar uma estrutura própria
a uma obra historiográfica.
e) Pertence a categoria de livros de caráter didático e catequético do pe-
ríodo.
7) Com relação ao Tratado Descritivo do Brasil de Gabriel Soares de Sousa, é
correto afirmar que:
a) É a fonte mais rica de informações sobre o Brasil colônia no século 16
que dispomos.
b) Pertence ao grupo de escritos da época chamados de relatos de bordo
e de viagem.
c) A obra é dividida em três partes: Roteiro Geral com Largas Informações
de toda a Costa da Bahia e Memória e Declarações das Grandezas dos
Estados da Colônia.
d) O autor revela pouco conhecimento naturalista e apresenta um olhar
descuidado.
e) Todas as alternativas anteriores estão corretas.
8) Os escritos jesuítas do período colonial revelam, sobretudo, uma preocupa-
ção com:
a) Com a catequização dos colonos recém chegados ao Brasil.
b) Com a catequização e educação dos índios.
c) Com a segurança dos colonizadores constantemente atacados por sel-
vagens.
d) Com a péssima condição material tanto dos colonos quanto dos nativos.
e) Todas as alternativas anteriores estão incorretas.
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 213

9) Com relação ao Diálogo sobre a conversão do gentio, é correto afirmar que:


a) Anchieta expressa em versos sua fascinação e entusiasmo com a missão
entre os índios.
b) Fernão Cardim ressalta pontos positivos e negativos do trabalho na co-
lônia.
c) O Diálogo foi escrito com o intuito de animar os jesuítas com a missão de
evangelizar os índios.
d) Fernão Cardim produz uma alegoria representativa de dois tipos predo-
minantes de catequizar: pelo ensino de costumes considerados civiliza-
tórios e pela fundação de escolas.
e) Todas as alternativas anteriores estão corretas.
10) Com relação à produção literária de José de Anchieta é correto afirmar que:
a) Produziu os textos de melhor expressão literária do período.
b) Sua poesia e teatro tinha finalidade catequética.
c) Escreveu poemas segundo a tradição medieval espanhola e portuguesa.
d) Entre suas obras de maior relevo está o auto Na Festa de São Lourenço.
e) Todas as alternativas anteriores estão corretas.
11) Qual a principal contribuição de Ambrósio Brandão para a Literatura de In-
formação sobre o Brasil?

12) Qual a obra mais significativa de Ambrósio Brandão e por quê?

13) Que contribuição Brandão prestou, com sua obra, aos recém chegados ao
país?

14) Você tem dúvidas com relação ao conteúdo estudado? Quais? Anote-as e
encaminhe ao seu tutor a distância.

Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) c

2) b

3) e

4) a

5) d

6) b

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214 © Literatura Portuguesa e Brasileira I

7) a

8) b

9) c

10) e

12. CONSIDERAÇÕES
A literatura informativa do país, portanto, foi marcada pela
presença do português em nossa terra. Como você deve ter nota-
do, nenhum dos autores retratados aqui nasceu no Brasil (exceto
Frei Vicente do Salvador, que nasceu na Bahia). A literatura foi em
sua maior parte ufanista, ou seja, tratou de vangloriar as belezas
do país, buscando, com isso, encantar ou mesmo convencer o eu-
ropeu sobre as possibilidades de enriquecimento no país.
Assim, durante cem anos, a literatura ficou relegada aos co-
mentários estrangeiros a respeito de nosso país. Hoje, passados
mais de quinhentos anos de descobrimento, muitas dessas obras
ainda são desconhecidas pelo brasileiro. O que é de se lamentar.
Afinal, trata-se dos primeiros textos sobre o Brasil.
É relevante ressaltar a importância desse olhar estrangeiro,
pois, dessa forma, somos capazes de perceber como era o Brasil e
como era o povo indígena que aqui vivia, além do deslumbramen-
to ingênuo, inerente aos que escreveram sobre o país.
Agora, caro aluno, completamos a primeira etapa desta nos-
sa viagem pelas literaturas de língua portuguesa. Estudamos os
pressupostos teóricos desse material e, em seguida, as primeiras
manifestações poéticas, no Trovadorismo, depois vimos um pouco
da produção humanista e do Classicismo, com o estudo da obra de
Camões.
Até aqui, como você percebeu, não se tinha notícia sobre
uma literatura produzida no Brasil, mas somente em Portugal. Em
nosso país, como você acabou de ver na Unidade 6, surgiram no
© U6 - Literatura Informativa Sobre o Brasil 215

século 16 os primeiros documentos históricos que deram conta da


existência desta ex-colônia portuguesa, transmitidos para Portu-
gal pelas cartas escritas pelos viajantes - que traduziam, é claro, a
visão do estrangeiro sobre o povo e a natureza que aqui encontra-
ram.
Na sequência desta breve historicização que estamos fa-
zendo, você estudará os períodos barroco e árcade, com grandes
produções que marcaram a história da Literatura em Língua Por-
tuguesa.
Lembre-se de que este é um material de referência, isto é,
ele dá apenas algumas diretrizes para nortear o seu estudo da lite-
ratura. Cabe a você, agora, buscar, na bibliografia que indicamos e
em outras que você descobrirá ao longo da sua formação, outras
informações que permitam o seu aprofundamento no estudo des-
tas literaturas.
Com isso, nosso Caderno de Referência de Conteúdo chega
ao seu final. No entanto, fica o desafio a que você prossiga na pes-
quisa e na reflexão a respeito das temáticas literárias aqui estuda-
das.

13. E-REFERÊNCIAS
Figura 1 Primeira página do manuscrito da carta de Pero Vaz de Caminha. Disponível
em: <http://www.lpm.com.br/livros/Imagens/carta_de_pero_vaz.pdf>. Acesso em: 25
jan. 2012.

Sites pesquisados
CAMINHA, P. V. de. A carta de Pero Vaz de Caminha. Disponível em: <http://www.nead.
unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/413.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2012a.
______. A carta de Pêro Vaz de Caminha: transcrição paleográfica. Disponível em:
<http://antt.dgarq.gov.pt/files/2010/11/Carta-de-P%C3%AAro-Vaz-de-Caminha-
transcri%C3%A7%C3%A3o.pdf> Acesso em: 25 jan. 2012b.
GÂNDAVO, P. de M. História da Província de Santa Cruz. Disponível em: <http://www.
nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/159.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2012.

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HANSEN, J. A. Manuel de Nóbrega. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/


download/texto/me4709.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2012.
SOUSA, G. S. Tratado descritivo do Brasil em 1587. Disponível em: <http://www.
dominiopublico.gov.br/download/texto/me003015.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2012.

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.
HUE, S. M.; MENEGAZ, R. In: GÂNDAVO, P. M. de G. A primeira história do Brasil: história
da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2004.
MOISÉS, M. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2006.
MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores poemas do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

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