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Unidade II
5 SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE
Os assistentes sociais são desafiados em tempos de divisas e de cortes no trabalho, quando é difícil
obter meios de sobrevivência. Nesses períodos de crise, é que cresce o desemprego, o subemprego e a
luta para se sobreviver no campo e na cidade.
É neste contexto da globalização mundial sobre a hegemonia do grande capital bancário e do capital
industrial que se testemunha a revolução técnico‑científica, instaurando novos padrões de produzir e
gerir o trabalho, ampliando‑se a população excedente, fazendo crescer a exclusão social, econômica,
política e cultural entre jovens e crianças, tornando‑os alvo da violência institucionalizada, e tornando
a exclusão social contraditoriamente o produto do desenvolvimento do trabalho coletivo. Observa‑se
assim que a pauperização e a exclusão são a outra face do desenvolvimento das forças produtivas do
trabalho social, da ciência e tecnologia e do mercado focalizado.
Com esses novos tempos, temos a confirmação de que a acumulação de capital não é parceira da
equidade, nem da igualdade, e que causa o agravamento das múltiplas expressões da questão social – a
base sócio‑histórica da requisição social da profissão. É possível atestar o crescimento da demanda por
serviços sociais nos locais de trabalho, ocorrendo um aumento no âmbito das políticas sociais.
Para pensar no Serviço Social na contemporaneidade, é necessária muita atenção sobre o mundo
atual, para decifrá‑lo e participar de sua recriação. Isso é preciso para garantir uma sintonia do Serviço
Social com os termos atuais e romper com uma visão endógena e focalista. Deve‑se alargar os horizontes,
olhar os movimentos das classes sociais e do Estado. Por esse motivo, um dos maiores desafios do
assistente social que vive no presente é desenvolver a capacidade de decifrar a realidade e construir
propostas de trabalho criativas, sendo capaz de preservar e efetivar direitos a partir das demandas.
Enfim, ser um profissional propositivo e não apenas executivo.
O assistente social não é apenas um trabalhador burocrático que cumpre horários. Seu exercício
profissional requer muito mais, sendo necessário que esse profissional tenha competências para propor,
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TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
negociar e defender seus projetos e seu campo de trabalho. Porém, toda ação do assistente social
precisa estar embasada, cabendo aos profissionais se apropriarem das possibilidades e desenvolvê‑las,
transformando seus projetos e frentes de trabalho.
É preciso também evitar outra perspectiva: o messianismo profissional, uma visão heroica do Serviço
Social que reforça unilateralmente a subjetividade dos sujeitos e a sua vontade política sem confrontá‑la
com as possibilidades e limites da realidade social.
Olhar para fora do Serviço Social é necessário para se romper com uma visão rotineira, que acaba
por impedir que se vislumbrem possibilidades inovadoras para a ação, tendo assim uma visão ilusória
e desfocada da realidade que conduz às ações inócuas. O segundo pressuposto é entender a profissão
hoje como tipo de trabalho na sociedade, pois desde 1980 o Serviço Social vem se afirmando como uma
profissão particular inscrita na divisão social e técnica do trabalho coletivo da sociedade.
As mudanças históricas acabam hoje alterando tanto a divisão do trabalho na sociedade quanto sua
divisão técnica no interior das estruturas produtivas.
Lembrete
O Serviço Social como trabalho supõe o aprendizado da chamada “prática profissional”, que pode
estar ligada pelas relações entre o Estado e a sociedade civil, ou seja, pelas relações entre as classes de
tal sociedade. Aceita‑se que a profissionalização do Serviço Social surge por meio de uma tecnificação
de filantropia, a partir do discurso de alguns pioneiros e de algumas literaturas especializadas, ocorrida
mesmo durante a época da reconceituação. Porém, o Serviço Social torna‑se profissão a partir do
momento em que se atribui a ele uma base técnico‑científica das atividades de ajuda e filantropia.
Desde os primórdios, a natureza humana tem passado por inúmeras transformações no que se refere
ao seu desenvolvimento. O que podemos perceber é que essas transformações não são isoladas, estando
agregadas a fatores que cercam o homem, pois devemos lembrar que o ser humano é biopsicossocial6,
e também procuram atender às respostas vislumbradas pelo coletivo; no entanto, algumas vezes essas
respostas não atingem a maioria, atendendo a interesses particulares. A espécie humana vive em
constante transformação, caracterizando‑se por isso como ser não estático, e as mudanças que nela
ocorrem são as contrapartidas das necessidades humanas. Este retorno provoca o desenvolvimento da
espécie e de suas relações em uma forma geral.
É importante ressaltar que quando se fala em desenvolvimento não podemos colocá‑lo como
verdade absoluta a todos, visto que cada um pode entender de maneira diferente o mesmo objeto,
e pode também perceber os resultados de uma forma peculiar. O que se pode afirmar de modo geral
é o fato de que todos os grupos ou grande parte deles agem para suprir e melhorar as condições de
seu dia a dia. Toda transformação é precedida por ideias, pois o homem é um ser teleológico7, sendo
que primeiro nasce a ideia e depois a concretização da ação. Segundo Dupas (2006, p. 29), “as ideias
apresentam anseios humanos e exercem um poder decisivo na história”.
Um aspecto que altera significadamente o cotidiano do homem é a globalização. Ela não pode ser vista
isoladamente ou de forma temporária, mas como um fenômeno acrescido de muitos acontecimentos
e sempre fundamentado no capitalismo; em linhas gerais, os fatores sócio‑históricos influenciam
diretamente a globalização. Há muitos fatores que colaboram para o seu crescente desenvolvimento,
e o mais marcante está sustentado na economia, que por sua vez é refletido na política, na cultura e
principalmente no aspecto social.
Outra característica da globalização é a interação global, marcada pela quebra de fronteiras, unificação
econômica, acentuação das desigualdades, avanço da tecnologia, pesquisas e uma economia pautada
no capitalismo desenfreado e na lógica do lucro. É considerada um fenômeno capitalista e complexo
que começou na época dos descobrimentos e se desenvolveu a partir da Revolução Industrial. Mas o seu
conteúdo não foi notado por muito tempo, e hoje muitos economistas analisam a globalização como
resultado do pós Segunda Guerra e reflexo da consolidação do capitalismo.
6
Relativo aos fatores biológicos, psicológicos e sociais. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.
aspx?pal=biopsicossocial>. Acesso em: 18 set. 2012.
7
“1 Teleologia: Filos. Teoria das causas finais; conjunto de especulações que têm em vista o conhecimento da
finalidade, encarada de modo abstrato, pela consideração dos seres, quanto ao fim a que se destinam. 2 Dir. Estudo
especulativo da causa, da essência, alcance ou fim das normas legais. 3 Biol. Interpretação das estruturas dos seres em
termos de finalidade e utilidade.
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TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
Considera‑se que foi durante o período mercantilista, entre os séculos XV e XVIII, que se deu a
origem da globalização. Foi quando ocorreu a queda dos custos de transporte marítimo e a burocracia
das relações políticas europeias. O grande aumento no fluxo de força de trabalho entre os países e
continentes foi também um dos marcos do período.
Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1941, houve o primeiro indício da globalização das
comunicações: o pacote cultural ideológico dos Estados Unidos incluía várias edições diárias de “O
Repórter Esso”, uma síntese noticiosa de cinco minutos rigidamente cronometrados, a primeira de
caráter global, transmitido em 14 países do continente americano.
Na atual conjuntura, a globalização é a mais pura expansão capitalista e uma ordem mundial
que está mais do que solidificada. Embora ainda seja vista por uma maioria como algo prejudicial,
possui também muitos aspectos positivos. Podemos citar as novas tecnologias – como a internet,
que nos permite uma maior facilidade comunicativa entre os indivíduos de todo o mundo – e a
inclusão de mercadorias, serviços, tecnologias e pessoas, a expansão do mercado, os avanços na
medicina, as pesquisas científicas etc. Tudo isso ocorre de forma globalizada, como o próprio nome
já diz, e de forma simultânea Além disso, essa quebra de fronteiras da economia está intensificando
o comércio internacional.
Contudo, não podemos deixar de destacar que a globalização também acentuou um crescimento
desigual, por procurar atender principalmente aos interesses capitalistas. Os hábitos de consumo de
quase todos os povos do mundo estão sendo profundamente alterados, consequentemente levando o
governo a rever suas políticas econômicas.
Nesse cenário globalizado, os países não podem se limitar ao mercado interno, pois precisam
alavancar seu desenvolvimento econômico. Tal constatação é hoje admitida inclusive na China, que até
pouco tempo atrás foi o maior exemplo de economia fechada no mundo e é hoje campeã de captação
de investimentos estrangeiros, em busca de um mercado de 1 bilhão de consumidores exacerbados e
que, por características peculiares nem sempre elogiáveis, pode lançar produtos com grande poder de
competição no mercado externo.
Tal expansão visa aumentar os mercados e, portanto, os lucros, que é o que move a arena dos
mercados. A guerra é cada vez mais econômica e o campo de batalha é o mercado mundial, altamente
globalizado. A invasão atual muitas vezes se dá instantaneamente, on‑line, pelas redes mundiais de
computadores. Segundo alguns cientistas políticos, a globalização é o movimento sob o qual se constrói
o processo de ampliação da hegemonia econômica, política e cultural ocidental sobre as nações.
deveres. Tal perspectiva fere diretamente os direitos da cidadania em um Estado Democrático de Direito,
intensificando a exclusão social de uma maneira geral.
Diante de tudo que foi colocado, resta‑nos uma questão: em um mundo globalizado, no qual se
busca uma unidade sedimentada no mercado, com especificidades que não são consideradas, que se
desregulamenta e não se governa, e principalmente, onde os sujeitos de direito não são reconhecidos
como polos ativos nas decisões, é ainda possível reconstruir e organizar uma cidadania plena e
participativa? Os impactos sociais da globalização econômica no âmbito brasileiro têm como significado:
• a redução de despesas públicas que seriam destinadas a setores como saúde e previdência;
Nos é imposta uma lógica de globalização competitiva; logo, temos uma cidadania competitiva.
Há um excesso de acumulação de riquezas em choque com os excessos de pobreza e miséria, e as
consequências desse contexto dizem respeito à violência generalizada em todas as sociedades humanas.
Mesmo com a criação de mecanismos que permitam a subsistência humana, é visível que quanto mais
se produz e o mercado cresce, mais se gera especulação, tráfico de drogas e armas, produção de morte,
corrupção etc.
O que temos, é a real necessidade de urgentes reformas. Estas deverão ser coerentes e equilibradas
para um desenvolvimento científico e tecnológico favorecedor do desenvolvimento social da humanidade
em geral.
Observação
Essa nova arquitetura do Estado‑Nação tem sido muito influenciada e moldada por uma outra
consequência vinda do crescimento tecnológico da modernidade globalizada: a falta completa de
parâmetros conceituais para explicar os acontecimentos vivenciados no presente, pois o significado de
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TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
conceitos clássicos, como liberdade, igualdade, soberania, entre outros, já não é mais algo absoluto ou
estático, por terem sido relativizados em uma época de insegurança e incerteza permanente, visto que
fomos “lançados num vasto mar aberto, sem cartas de navegação e com todas as boias de sinalização
submersas e mal‑visíveis” (BAUMAN, 1994, p.94).
A globalização está associada diretamente à questão do progresso. Mas fica uma pergunta: o que é
exatamente progresso? Dentro de uma visão capitalista, progresso é o mercado gerando produtos para
consumo, não se preocupando com as questões sociais e sim com o lucro. Mas o que é o progresso
quando compromete a cidadania, a identidade e o próprio ser humano?
Devemos lembrar que uma nação justa se faz de estruturas bem solidificadas, nos níveis social e
econômico e nos campos da saúde, educação, segurança, lazer e cidadania, que juntos formam o que
chamamos de dignidade humana.
Embora não se trate de um fenômeno recente, a globalização foi instituída mais fortemente com a
visão capitalista; porém, como profissionais, não podemos perceber este fenômeno sem trabalharmos
na melhora das necessidades humanas de forma geral, de modo a garantir os direitos e promover o
bem‑estar a todos.
Para o estudioso Milton Santos (2006), a cidadania sempre esteve fortemente ligada à noção
de direitos, especialmente os direitos políticos, que permitem ao indivíduo intervir na direção dos
negócios públicos do Estado e participar de modo direto ou indireto na formação do governo e na sua
administração, seja ao votar (direto), seja ao concorrer a cargo público (indireto).
Após um período de vinte anos de ditadura no Brasil, foi instaurada a “Constituição Cidadã”, com a
finalidade de restaurar o Estado Democrático de Direito. Em outubro de 1988 a atual constituição foi
sancionada, representando os direitos humanos e de cidadania.
De acordo com o autor Paulo Martinez (1996), em seu livro Direitos de cidadania: um lugar ao sol,
nos termos da Lei Maior, o princípio da cidadania foi erigido à condição de um dos mais altos valores
da sociedade.
É fato que o homem, ao nascer, já é dotado de direitos fundamentais políticos e sociais, tornando‑o
assim um agente da vida social muito além de mero instrumento de produção e objeto. No decorrer
das relações humanas, o homem foi se transformando em “coisa”, por meio do trabalho assalariado e
da escravidão. Para que se estabelecesse o conceito de aplicação universal, foram superadas profundas
diferenças. Durante a Revolução Francesa, o problema foi resolvido teoricamente com a separação
dos direitos humanos daqueles de cidadania, como aparece expressamente no título do documento
“Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão”, aprovado em 1789. Diante de tal documento,
identifica‑se o conceito atual de que todos os homens são iguais perante a lei, ainda que sejam legítimas
algumas diferenças. Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi estabelecida pela ONU,
porém, a maior dificuldade ainda é a concretização desses direitos, ou seja, converter a teoria em prática.
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Unidade II
Para Covre (2003, p. 32) “cidadania é um processo em constante movimento na sociedade, portanto
não é estática. Ela só pode ser compreendida em seu todo se estiver vinculada aos níveis econômicos,
políticos, sociais e culturais”.
A burguesia (capitalistas) era e ainda é privilegiada, o que dá abertura para o desequilíbrio social e,
portanto, a desigualdade. Dessa forma, somente usufruiriam de plena cidadania aqueles que possuíssem
fortunas. Já aos menos favorecidos restaria a submissão à sociedade, sendo excluída dela. Aos operários
caberia apenas o próprio corpo como propriedade. Fica muito visível nas ideias de Locke o pensamento
liberal, a exploração e a elitização mediante as relações sociais.
Já Rousseau (apud COVRE, 2003, p. 52) se opôs à Locke no que diz respeito a cidadania, especialmente
por não se referir ao exercício da cidadania restritamente a aspectos políticos e econômicos. Afirma
que o contexto social seria legitimado desde que fosse unânime, considerando que cada indivíduo
deveria abrir mão de seus direitos individuais em favor do coletivo, abdicando da liberdade, porém
fazendo parte do todo social. Rousseau também argumenta sobre a democracia direta e participativa,
afirmando que como soberano, o povo ativo era cidadão e os que exerciam a soberania passiva eram
considerados súditos.
Kant (1727–1804) foi um dos intelectuais que abordou o conceito, localizando o Estado de Direito e
posteriormente a cidadania. Para ele, o desenvolvimento da sociedade estava associado à área jurídica
como legitimadora dos direitos dos cidadãos. Ainda expunha que diante do fato da história não ser
estática, leis também deveriam acompanhar esse movimento, adequando‑se aos tempos e demandas
dos cidadãos.
No século XIX, Karl Marx (1818‑1883) criticou insistentemente o modo de produção capitalista.
Questionou a exploração e a apropriação da classe burguesa em relação a outros grupos sociais. Narrou e
denunciou a exploração dos trabalhadores frente ao capital. A teoria marxista, ainda hoje, contribui para
a compreensão da sociedade burguesa e do modo capitalista. Marx resgatou a necessidade da tomada
de consciência e da organização da classe operária, rompendo com a exploração e formando uma nova
ordem social, na qual todos os indivíduos teriam os mesmos direitos, sendo finalmente reconhecidos
como cidadãos.
Podemos verificar que existem grandes diferenças entre os conceitos de cidadania apresentados
pelos pensadores mencionados, o que clarifica o fato de que cidadania não é estática e acabada, pois
segue o movimento histórico e em constante processo de reconstrução.
Marshal, em sua teoria contemporânea (1967) define cidadania como o conjunto de Leis ordenadas
pelo Estado. Nomeando a cidadania como “tipologia de direitos”, menciona que ela é composta por
gerações de direitos: civis e políticos, de primeira geração; os sociais como os individuais de liberdade,
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TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
De acordo com a Constituição vinculada aos direitos sociais, a cidadania representa direito à vida,
igualdade, respeito, dignidade, direitos civis e políticos assegurados. Esses são considerados requisitos
básicos para o ser humano.
A redemocratização (Nova República) teve início com a Constituição Cidadã de 1988. Foi eleito
Fernando Collor de Mello, que representaria um recomeço para a democracia no país, mas devido à
falta de governabilidade e à corrupção, sofreu o impedimento. Mobilizações populares surgiram,
principalmente dos jovens das grandes cidades. Para Carvalho (2003, p. 25) “o impedimento foi sem
dúvida uma história cívica importante”. Esse acontecimento deu a sensação de que era possível exercer
algum controle sobre os governantes.
A Constituição de 1988 legitimou o aumento dos direitos sociais; porém, na prática, ainda persistem
as desigualdades.
Neste contexto podemos salientar as políticas públicas, que são obrigação do Estado. Vale ressaltar também
que por meio da cidadania todo o coletivo se beneficia, ou seja, seu foco principal é o bem‑estar geral.
Não se pode restringir a cidadania apenas às questões de direitos e deveres, mas é preciso explicitar
o real sentido da cidadania e o poder que ela exerce em toda a sociedade.
Marx e Engels (1965, p. 21) ao conceituarem ideologia, partem de indivíduos reais e não de dogmas.
Em uma crítica à ideologia alemã, acusam o sistema Hegeliano de relacionar diretamente a produção
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Unidade II
das ideias, da consciência, à atividade material, como uma linguagem na “vida real”, afirmando que “não
é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”.
Atrás do corpo forte do jovem podem se esconder angústias e sofrimentos não imagináveis. No
entanto, a ideologia da eterna juventude, da idade, da força e da beleza, do vigor e da coragem, do
tempo de gozar e aproveitar a vida, alimentada pela mídia, oculta essa realidade de dor e sofrimento. O
grande mercado aposta no jovem e provoca‑lhe apetite de consumo. Esta leitura ideológica da juventude
encontra sua base psicológica e biológica no fato que, nesse período, o jovem está descobrindo o próprio
corpo e outras implicações.
As décadas de 1970 e 1980 trouxeram profundas modificações nessa ideologia, pois os jovens tiveram
as portas fechadas para a política e pouco a pouco foram domados pelo regime militar. Já na década de
1990 despontou a ideologia do jovem pós‑moderno, com a ideia de que se deve viver o presente, indo
na direção contrária das ideologias anteriores, que exigiam renúncia e luta para a construção de uma
sociedade do futuro.
A ideologia da década de 1990 renunciou à luta social, mas muito se investiu nos estudos, na fé,
na tecnologia e no desenvolvimento. Segundo Libanio (2002, p. 21), ao contrário das décadas de 1960,
1970 e 1980, em que os jovens lutavam politicamente por seus ideais, a década de 1990 é marcada por
uma minoria de jovens interessados e preocupados com mobilizações.
A sociedade contemporânea é marcada pelo ideal do “ter” em detrimento do “ser”. Isso se impregnou
na sociedade, principalmente no sistema educacional, em que há incentivos instrumentais para que se
conquistem oportunidades de empregos, por exemplo. Desta forma, a atuação dos jovens no meio social
é colocada em segundo plano, despindo‑se de reflexões críticas da realidade e permitindo a reprodução
dos problemas existentes.
Desde o início dos anos 2000, de modo mais significativo, é evidenciado que a acumulação de
capital não produz a equidade; pelo contrário, gera o aumento do abismo entre as classes socialmente
instituídas, não podendo, portanto ser sinônimo de igualdade. Um dos fatores causados por esta
intensificação das desigualdades é o agravamento das expressões da questão social, base para a
atuação profissional.
Por esse motivo é crescente o número de pessoas que recorrem aos serviços sociais de diferentes
instituições e para diversas finalidades, visto que as necessidades tornam‑se múltiplas aos que se
encontram na situação de excluído.
Os desafios na atuação do assistente social são diversos, pois como discursado trabalha‑se na
perspectiva de justiça social e igualdade não somente entre os pares, mas a todos os cidadãos. No
entanto, para chegar a este grau de compreensão, inúmeros profissionais se mobilizaram, principalmente
a partir da década de 1980, para discutir as fontes teóricas, metodologias e ações da profissão.
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TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
Não há como pensar e refletir a profissão de Serviço Social na contemporaneidade sem que o
indivíduo esteja atento às transformações societárias, pois nosso foco de trabalho é o indivíduo que faz
parte da sociedade, que por sua vez está em constante mudança, ou seja, recriação.
Uma das maiores dificuldades enfrentadas atualmente pelo assistente social é desenvolver a
capacidade de olhar criticamente para a realidade, pois ela é bastante vasta e particular, podendo mudar
de acordo com quem olha. Em uma visita domiciliar, por exemplo, o profissional não pode se ater
somente às “aparências”, devendo conhecer de fato o cotidiano dos sujeitos de sua ação e se afastar de
percepções não técnicas.
O que se pede a todas as profissões, não excluindo a nossa, é a construção de propostas de trabalho
criativas, possibilitando preservar e efetivar direitos a partir das demandas. Em suma, ser um profissional
propositivo e não apenas executivo, pois esta simples diferenciação faz uma incrível diferença na prática,
favorecendo o sujeito e a profissão em si.
— elaborar;
— gerenciar;
— negociar;
— implementar;
— avaliar;
— finalizar.
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Unidade II
— deliberações e resoluções;
— Estatuto do Idoso;
Assim, não basta o profissional ter sido um aluno com notas excelentes, pois isso não garante sua
prática com a mesma notoriedade. É de suma importância o período de estágio aos discentes, já que é
neste momento que conseguirá colocar em prática seus estudos e observará como se dá a profissão em
seu cotidiano, sendo necessária a interligação entre teoria e prática. Também espera‑se que o profissional
tenha competências subjetivas como dinamismo e carisma, saiba atender a todos, tenha boa escrita e
use expressões técnicas.
Todos estes requisitos se fazem necessários para que o assistente social tenha subsídios científicos
para sua atuação, reforçando a necessidade de haver a articulação técnica. Portanto, não deve existir a
presença do “achismo”, imediatismo, pensamento comum etc.; seus argumentos devem estar embasados
116
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
Observemos o exemplo:
Se indagarmos sobre o papel do Serviço Social no processo de produção e reprodução da vida social,
temos um ponto de partida, a não priorização do mercado ou esfera privilegiada; para a compreensão
da vida social temos também a visão da produção da riqueza, tida na era do capital como “natural”, por
se assemelhar àquelas da natureza, de difícil possibilidade de alteração por parte da ação humana.
Trabalhando em outra perspectiva, observamos que os homens têm necessidades sociais e privações a
satisfazer, buscando isso por meio do trabalho. Esses objetos que hoje se formam na sociedade burguesa
são produtos e mercadorias do capital. Os homens procuram pela satisfação de suas necessidades,
então trabalham e estabelecem relações entre si. Mas toda reprodução estabelece relações sociais de
indivíduos, grupos e classes sociais, que envolvem poder, sendo relações de lutas e confrontos entre
classes e segmentos sociais.
O debate sobre o trabalho do profissional de Serviço Social exige a retomada da Lei nº 8662/93 que
dispõe sobre a profissão, e em particular dos artigos 4º e 5º.
É necessário aqui diferenciar as competências das atribuições privativas do Serviço Social. Ao nos
referirmos às competências de uma profissão, estamos demarcando ações que podem ser exercidas
por determinado profissional, devido à sua qualificação, mas que não são exclusivas de seu campo de
atuação. Já as atribuições se referem às atividades privativas que são exclusivas de certa profissão, tendo
o poder e a prerrogativa de exercê‑las.
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Unidade II
Iamamoto (2001) ressalta que para compreender as atribuições privativas do Serviço Social pautadas
na Lei, é necessário elucidar o que são unidade, matéria e área de Serviço Social, conceitos constantes no
artigo 5º, incisos de I a IV. A autora afirma que o que determina a prerrogativa do profissional de Serviço
Social em suas funções é o fato de estas se referirem à unidade, matéria ou área de Serviço Social. Pode‑se
observar, por exemplo, o inciso II do artigo 5º – “planejar, organizar e administrar programas e projetos em
Unidade de Serviço Social” são atividades que podem ser exercidas por qualquer profissional; o que marca
a especificidade do Serviço Social é a referência a uma Unidade de Serviço Social (IAMAMOTO, 2001).
A definição do que são unidade, matéria e área de Serviço Social é uma tarefa da categorial
profissional e não do texto legal, remetendo à determinação do que seria o projeto profissional, já que
o texto legal apenas o representa em termos jurídicos. Em termos etimológicos, unidade se refere a um
conjunto de profissionais ou determinado órgão de uma entidade; matéria alude a certo assunto, objeto
ou substância; e área diz respeito ao campo de atuação, no caso o do assistente social (ibidem).
Nosso contexto, marcado pela globalização dos mercados, da produção, e dos bens culturais; pela
centralização da riqueza, do poder, da propriedade por países e grupos sociais; além de uma política
neoliberal, de recuada do Estado, de perdas nas políticas e direitos sociais, determina o aprofundamento
das desigualdades, da pauperização, das misérias sociais, da desregulação do mercado e das relações de
trabalho. Como sujeito social coletivo, a categoria profissional, articulada em seu projeto ético‑político
referente a um projeto societário, deve apresentar respostas ao contexto (ibidem).
Iamamoto (ibidem) avalia que a categoria profissional apresentou resposta crítica ao tradicionalismo
e conservadorismo historicamente vivido no Serviço Social. Observando‑se a produção teórica e a
formação acadêmica, têm‑se avanços significativos nas últimas décadas, bem como na importante
demarcação legal de princípios éticos com a redefinição do Código de Ética do Serviço Social na década
de 1990, pela Resolução CFESS nº 273/93. A autora destaca alguns princípios como:
• a defesa intransigente dos direitos humanos contra todo tipo de arbítrio e autoritarismo;
118
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
O Código de Ética de 1993 apresenta normatizações para a relação entre profissionais, com as
instituições e usuários, pautando os direitos e responsabilidades do assistente social no âmbito dos
valores de justiça social e liberdade, já iniciadas no Código de 1986. Determina ainda a democracia
como valor ético‑político central, compreendendo‑a como possibilidade única de vivência da equidade
e liberdade, além de espaço para conquista de direitos sociais e cidadania em uma sociedade burguesa
(CFESS, 1993).
Conforme já exposto, estes instrumentos legais não dão conta de explicitar e aprofundar o projeto
ético‑político profissional, não sendo nem esta a função que lhes cabe, pois os instrumentos legais
garantem legitimidade ao projeto profissional.
O Serviço Social é uma profissão especializada na divisão sociotécnica do trabalho e desenvolve seu
exercício profissional respondendo às demandas colocadas à profissão.
Como forma de abrandar a questão social, foi instituída uma modalidade de atendimento, ou
resposta do Estado, traduzida sob forma de políticas públicas e sociais. Assim se criou o espaço para a
atuação do Serviço Social.
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Unidade II
Foi necessário um profissional que implementasse essas políticas sociais dentro da divisão sociotécnica
do trabalho. Guerra (2005, p. 18) explica que:
A instrumentalidade possibilita ao assistente social a mediação necessária para analisar sua trajetória
sócio‑histórica de funcionalidade, vinculada à classe dominante e ao Estado, e modificar‑se dando
sentido histórico ao seu exercício profissional. Para isso, ele busca a criticidade para romper com a
concepção de instrumento de racionalização de conflitos.
Mediante a apropriação dessa mediação, há uma busca da profissão por inserir‑se como um ramo na divisão
do trabalho. É uma categoria que presta serviços especializados e que adquire condições de preparo técnico e
intelectual por meio da instrumentalidade. Guerra (2005, p. 23) nos elucida sobre essa questão, ao dizer que:
A instrumentalidade pode ser utilizada como mediação. Ela permite ao assistente social compreender
os contextos e as conjunturas sociais, visando à conscientização das massas e às transformações
das relações sociais dos próprios homens. Contribui para desvendar as representações e as relações
capital‑trabalho, rompendo com o processo conservador do exercício profissional e atuação do Serviço
Social tradicional. A instrumentalidade possibilita ao assistente social evitar a dicotomia entre o trabalho
manual e o trabalho intelectual, colabora para que os profissionais não acreditem na falsa ilusão de que,
no exercício profissional, a teoria é uma coisa e a prática, outra.
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TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
Para concluir, observemos que a instrumentalidade do Serviço Social não se limita ao desencadeamento
de ações instrumentais, nem ao exercício de atividades imediatas: ela permite apreender a totalidade
dos processos sociais e atuar sobre eles.
Sem extrair o Serviço Social das condições e relações que lhe conforma –
as relações capitalistas de produção, o que implicaria a sua desistorização
– reconhece‑se que o trabalho profissional ocorre na concretização de
um processo que tem como matéria as diferentes e múltiplas expressões
da questão social. Um processo de trabalho exigente, portanto, de
definição clara de objeto, objetivos, instrumentos e técnicas de atuação,
além de referências teórico‑metodológicas e ético‑políticas, que dão
sustentação aos elementos indicados. Em termos de sua finalidade na
realidade brasileira, encontra‑se em acordo com seu projeto ético‑político
profissional, a defesa, ampliação e consolidação dos direitos sociais, da
democracia e da cidadania, cuja materialidade implica ações concretas,
viabilizadoras do acesso dos sujeitos aos serviços e programas sociais
(COFI/CFESS, 2008, s/p).
Esta citação traz elementos importantes ao pensarmos o trabalho do assistente social. Observa‑se
a necessidade do Serviço Social ter arrolado claramente seu objeto, seus objetivos, instrumentais, bem
como sua referência teórico‑metodológica e ético‑política. Esses elementos ou dão sustentação ao
projeto ético‑político, ou são os meios de materialização deste.
É essencial, a priori, retomar o âmbito da inserção do assistente social na divisão social do trabalho.
A constituição do projeto profissional e a determinação da prática profissional do assistente social
devem passar pela compreensão da inserção deste profissional no mercado de trabalho, em sua divisão
sócio‑técnica, o que compreende o assalariamento deste profissional e a existência de um contrato de
trabalho, delimitando condições concretas de sua realização. Esta análise traz elementos históricos, e
se distancia de reflexões que não compreendem os desafios cotidianos postos ao assistente social e/ou
confundem prática profissional com militância política (IAMAMOTO, 2004).
Assim, à medida que o Serviço Social afirma seu projeto ético‑político no âmbito da conquista de
autonomia, liberdade, igualdade e direito dos trabalhadores, formam‑se tensões entre a legitimidade
121
Unidade II
de sua existência e suas competências técnicas e o projeto ao qual se propõe. Será que a sociedade
capitalista demandaria a existência de uma profissão que trabalhe contra suas bases fundantes?
Designaria competências e atribuições a uma categoria profissional que teria por objetivo o fim real das
desigualdades sociais?
Sendo a sociedade formada por classes diversas e por projetos societários igualmente diversos,
configura‑se um espaço de embates que permite outros traçados e objetivos para o projeto profissional
e para definição do trabalho profissional. Entretanto, é essencial compreender a contradição entre o que
a categoria profissional hegemonicamente vem propondo para o Serviço Social como prática e o que a
sociedade hegemonicamente demanda do Serviço Social.
O Serviço Social tem como objeto as múltiplas expressões decorrentes da questão social e vivenciadas
no cotidiano, o que podemos compreender como vulnerabilidades. Seu trabalho se desenvolve por meio
de programas, projetos, serviços, benefícios de enfrentamento às diversas vicissitudes da vida social –
seja em virtude de classe, gênero, raça ou geração (mediações da questão social).
A inserção nos espaços públicos municipais, estaduais e federal normalmente se dão por meio de
concursos públicos e regimes estatutários. Já a entrada no setor privado se dá por meio de processos
seletivos. Os regimes de contratação têm se alterado, mesmo no âmbito do Estado, devido à flexibilização
do mundo do trabalho.
Não é possível aqui nos atermos às particularidades de cada um destes espaços institucionais. Iremos
pontuar, como exemplo, o postulado pelo CFESS como as competências para atuação do assistente
social. Este documento apresenta um perfil necessário ao profissional, indicando que ele deve ser
capaz de compreender os determinantes das desigualdades sociais, abrangendo os condicionantes
socioeconômicos, culturais e políticos. Devem ser competências do profissional: a capacidade de
compreender de maneira totalizante os processos de produção e reprodução das relações sociais; a
compreensão da realidade brasileira, em suas particularidades; o entendimento dos significados sociais
da profissão; e a identificação das demandas da sociedade, buscando o enfrentamento da questão
social. (CFESS, 2009). Este perfil deve aglutinar ainda a:
122
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
• intervenção junto a indivíduos, famílias e grupos buscando o acesso destes aos bens, serviços,
equipamentos e direitos, compreendendo o atendimento às necessidades básicas e aumento do
acesso aos direitos sociais;
Destaca‑se o papel crescente do assistente social nos processos de construção dos conselhos de
saúde, assistência social, tutelares, de direitos (criança e adolescente, idoso, pessoa com deficiência etc.)
(IAMAMOTO, 2001). Ele possui papel importante também na publicização, na divulgação de informações
e na formação, inclusive técnica, no sentido de capacitar a população, em particular seu público usuário,
para a participação nesses espaços.
Deve‑se ressaltar que o papel do assistente social não pode se restringir aos conselhos quando abordamos
a questão da participação. Os trabalhos de base, de fomento da organização e mobilização popular, de
caráter educativo, devem ser essencialmente retomados. A participação popular por si só não delimita uma
perspectiva progressista, pois os espaços de participação são espaços de disputa, o que pode representar, por
exemplo, vícios populistas no trato da coisa pública (IAMAMOTO, 2001). É necessária uma prática que viabilize
e potencialize a gestão de bens e serviços para os usuários, buscando atender a essas demandas e pautando
uma gestão democrática e participativa, num âmbito intersetorial e interdisciplinar (CFESS, 2009).
O profissional deve garantir em seu trabalho a aproximação com o usuário, não se relacionando com
este como vítima, mas como sujeito com potencial transformador (IAMAMOTO, 2004). Deve estar atento
às demandas dos usuários, não pautando ações impositivas, mas mediando o processo de compreensão
das necessidades das classes empobrecidas por meio de um olhar crítico, o que significa trabalhar junto
com a comunidade na reflexão e entendimento de sua realidade.
O Código de Ética profissional pauta a liberdade, a defesa dos direitos humanos e a cidadania, indicando
assim o rumo profissional a ser seguido, devendo ser materializado nas ações cotidianas do assistente social.
O movimento de municipalização da política de assistência social, bem como sua consolidação por
meio do PNAS (2004) que propõe o SUAS, e ainda outros instrumentos legais, NOB/SUAS; NOB/RH;
Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, entre outros, configuram uma verdadeira revolução
no âmbito da política pública de assistência, esta exige do profissional um perfil caracterizadamente de
gestor, formulador e executor de políticas públicas.
A política neoliberal traz à tona também outro desafio à profissão, o corte em relação às políticas
sociais sob justificativas orçamentárias. Coloca‑se, então, como desafio ao profissional e às instituições
formativas, a aquisição de conhecimentos e habilidades necessários para negociar orçamentos que
viabilizem a consecução do projeto ético‑político por meio dos serviços, programas, projetos sociais.
(IAMAMOTO, 2001).
124
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
Iamamoto (2002, 2005) corrobora nesse sentido com o entendimento de que entre as atividades
essenciais da prática profissional está a pesquisa, não como um momento separado, mas como atividade
incorporada à prática. A compreensão da questão social e suas expressões no cotidiano do trabalho, nas
relações das famílias, na economia regional etc., devem fazer parte essencial da atuação do assistente
social, pois não há como planejar uma atuação efetiva sem o conhecimento da realidade.
Diante desta constatação, indica‑se que o método do materialismo histórico‑dialético traz recursos
profícuos para análise da realidade, visto que compreende os diversos determinantes dela, a realidade
em sua totalidade, bem como suas singularidades e historicidade. Dá conta de apreender “as relações
entre trabalho, questão social e o Serviço Social” possibilitando a elaboração de “estratégias que
possam contrarrestar a programática neoliberal em favor das necessidades e interesses da coletividade”
(IAMAMOTO, 2004, p. 30). Guerra (2005, p. 23) indica ainda que:
A prática terapêutica no âmbito do Serviço Social gera dúvidas, angústias e embates. As demandas
atendidas no cotidiano profissional são, em geral, “recebidas” na individualidade de cada usuário
atendido, sendo apreendidas ainda com as tristezas, ansiedades e alegrias particularizadas por cada
um. A busca pelo atendimento efetivo destas demandas provoca a procura por diferentes referenciais
teóricos e a criação de instrumentais e técnicas, o que acabou por resultar em algumas práticas, como
as de cunho terapêutico.
O texto faz parte do contexto de veto às práticas terapêuticas pelo assistente social promovido pelo
CFESS. Essas práticas, segundo pesquisa realizada pelo CFESS, atuam no âmbito da reintegração social,
agindo em favor de famílias e indivíduos em situação de sofrimento e crises referentes à depressão,
estresse, alcoolismo etc. Seus objetivos são: trabalhar a autoestima, promover o autoconhecimento,
auxiliar na superação de problemas, contribuir para a garantia de acesso aos recursos da comunidade
etc. E quem fornece os fundamentos teórico‑metodológicos para isso são as áreas de psicanálise,
antropologia cultural, teoria da comunicação, teoria construtivista, entre outras.
A gestão do CFESS 1996‑1999 e 1999‑2000 produziu debates sistematizados pela COFI/CFESS e pela Profa. Dra.
8
Marilda Iamamoto que em 2002 originaram a publicação de “As atribuições privativas do assistente social em questão”.
O CRESS 7ª Região produziu debates em 2002 que resultaram em duas publicações, “Serviço Social Clínico e o projeto
ético‑político profissional” e “Atribuições Privativas do assistente social e o ‘Serviço Social Clínico’”. Estas reflexões e suas
sistematizações trazem referências fundamentais, segundo o texto, para a reflexão deste tema.
126
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
exploração de classe, gênero ou etnia. Questiona‑se, portanto, se as práticas terapêuticas e clínicas dão
conta de compreender que as agruras individuais são expressões da questão social.
[...] pois a questão social está aí presente nas diversas situações que chegam
ao profissional como necessidades e demandas dos usuários dos serviços:
na falta de atendimento às suas necessidades na esfera da saúde, da
habitação, da assistência, nas precárias condições de vida da famílias, na
situação dos moradores de rua, na busca do reconhecimento dos direitos
trabalhistas e previdenciários da parte dos trabalhadores rurais, na violência
doméstica, entre inúmeros outros exemplos. Importa ter clareza que a
análise macroscópica sobre a questão social [...] expressa uma realidade que
se materializa na vida dos sujeitos. Este reconhecimento permite ampliar
as possibilidades de atuação e atribuir dignidade ao trabalho do assistente
social, porque ele não trabalha com fragmentos da vida social, mas com
indivíduos sociais que condensam a vida social.
Iamamoto (2002) destaca ainda a ausência de uma formação para a prática terapêutica no âmbito
do Serviço Social, inclusive nos marcos legais.
ou pela família y distorce a realidade, causando impacto nas políticas, programas ou projetos que são
criados apenas para dar respostas paliativas.
Observação
Alguns questionamentos podem ser feitos na contribuição desta reflexão: o profissional de Serviço
Social possui formação e/ou competência técnica para trabalhar com abordagens terapêuticas? Caso
o profissional não faça a leitura das questões de ordem macro, algum outro profissional o fará?9 A não
compreensão da questão social e suas mediações possibilitam um entendimento concreto da realidade?
Possibilita a busca de uma prática voltada para a conquista de direitos sociais, autonomia, superação
de situações de exploração e discriminação, objetivos pautados em nosso projeto ético‑político? Esses
questionamentos podem servir para guiar outras dúvidas referentes à prática profissional.
No âmbito das empresas, a atuação do assistente social normalmente se vincula a outras áreas
que não especificamente o Serviço Social, como a de recursos humanos. Por vezes o profissional não
reconhece em sua atuação profissional as competências do assistente social, se identificando com os
cargos que ocupam (como as coordenadorias) e não mais com sua formação profissional – o que indica
falta de reflexão e identidade profissional (IAMAMOTO, 2002).
O universo das empresas coloca o trabalhador numa relação mais direta com a contradição
capital/trabalho, e neste espaço as relações de exploração e o papel de controle social demandado
ao profissional são mais explicitados. Cabe destacar, retomando o pressuposto de que os processos
de trabalho organizam o trabalho do assistente social, que as possibilidades de autonomia dadas ao
profissional são de modo geral menores.
9
Esta abordagem deve pautar inclusive o atendimento individual, já no processo de acolhida, não se
culpabilizando o sujeito individualmente pela vulnerabilidade apresentada, em que as reflexões a serem realizadas
com este, bem como os encaminhamentos dados, expressam o entendimento da questão social e de suas mediações,
obviamente de maneira pedagógica.
128
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
A profissionalização do Serviço Social tem como um dos empecilhos para sua efetivação a
predominância do “instinto e da experiência pessoal” no embasamento da prática em detrimento
de um referencial teórico‑metodológico (GUERRA, 2005, p. 23). A falta de aprofundamento teórico
durante a formação profissional e, posteriormente, a não continuidade desta, por meio da formação
contínua, fragilizam o trabalho do assistente social, inclusive no que se refere à sua colocação diante
das demais categorias. É necessário ter clara a importância da qualificação teórica, apesar do trabalho
eminentemente prático do Serviço Social.
A atuação que abrange somente aspectos técnicos é insuficiente como prática profissional por ser
descompromissada com seu caráter transformador, além de ser portadora de uma visão pouco crítica
129
Unidade II
da realidade. A prática profissional, portanto, deve abranger os aspectos técnicos, políticos e teóricos
de maneira integrada, objetivando o conhecimento profundo da realidade. Com o objetivo de analisar a
compreensão dos conteúdos estudados, propomos a seguinte questão reflexiva: como o Serviço Social
se situa na reprodução das relações sociais?
É neste contexto que o Serviço Social atua, mas cabe ressaltar que hoje se faz necessário seu
atrelamento com os movimentos sociais, com o projeto ético‑político e profissional, e também com
um novo projeto societário. Desta forma, a principal conquista é a recusa do profissional em colocar‑se
como “agente técnico puramente executivo”, passando a partir de então a pleitear atividades em níveis
de gestão e planejamento das políticas públicas, obtendo assim o status de profissional intelectual e
afastando‑se da subalternidade inculcada na gênese profissional.
Netto também observa que o PEPP traduz uma autoimagem da profissão, em que valores são
elencados e constituem a legitimidade da profissão. O projeto ético‑político profissional delimita e
prioriza funções, demanda prerrogativas ao exercício da profissão e constrói normas para a postura
profissional entre os colegas de trabalho e os usuários de seus serviços.
Desta forma, segundo Iamamoto (2008), o projeto profissional pressupõe uma dupla
dimensão: de um lado as condições macrossocietárias, e, do outro, as respostas sócio‑históricas,
ético‑políticas e técnicas. Assim, evidencia‑se a indissociabilidade de projetos societários
dos profissionais, tendo na historicidade a identidade e força da intervenção profissional.
Evidentemente que as implicações ético‑políticas conformam tais cenários profissionais, uma
vez que o caráter interventivo pressupõe uma reflexão teórica capaz de concretizar os princípios
do atual Código de Ética da profissão.
Simões (2009), em seu livro Curso de Direito do Serviço Social, relata que com a regulamentação
da profissão em 1993, a partir da Lei nº 8.662, o Serviço Social normatiza procedimentos e a natureza
do exercício profissional, sendo‑lhe instituídos deveres e assegurando atribuições privativas, cabendo
destacar as seguintes de atribuição exclusiva:
130
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
• realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria do SS;
Salienta‑se aqui que o Código de Ética de 1993 ampliou politicamente a atuação profissional. Os
valores éticos fundamentados no compromisso com o usuário, favorecendo a liberdade, contribuem
para a consolidação da democracia, por meio da construção da cidadania, da ampliação da justiça e da
diminuição da desigualdade social.
Decorrente dos princípios firmados na Constituição de 1988, o Código de Ética normatiza o exercício
profissional de modo a favorecer que as prerrogativas constitucionais alcancem aqueles a quem se
destinam, vindo então a conceber a assistência social como direito subjetivo público.
Cabe destacar, conforme Simões (2009), que o Código de Ética tem em seu pórtico a instituição
de alguns princípios fundamentais de ordem democrática, expressando‑se desta forma no cotidiano
profissional às múltiplas dimensões da assistência social, sobretudo a política, que objetiva
estabelecer princípios como: liberdade, defesa dos direitos humanos, exclusão da arbitrariedade
e do preconceito, equidade, justiça social e o favorecimento do pluralismo político. O autor ainda
acrescenta que o presente código vai além de um instrumento corporativista, estabelecendo
princípios constitucionais.
Em sua estrutura, o Código de Ética retifica o exercício profissional mediado por três tipos de normas:
131
Unidade II
Assim sendo, é pertinente e extremamente relevante e necessário que o assistente social conheça
o espaço sócio‑ocupacional em que se insere. Conhecer como se configura a instituição, suas normas,
hierarquia e rotinas propiciará ao profissional estabelecer critérios para sua atuação no sentido de
viabilizar direitos sociais.
Lembrete
Nesse contexto, o assistente social direciona sua práxis profissional considerando sua relativa
autonomia, pois esse profissional decide os meios como realizar as atividades, os instrumentos
técnico‑operativos e as estratégias a serem implementadas, porém depende do aval das estruturas
ou das instituições em que se insere para execução do seu trabalho. A título de ilustração, quando da
construção de projetos, o assistente social depende da apreciação e deferimento dos níveis decisórios
para a destinação de recursos e materialização dos objetivos e metas lá estabelecidos.
Conforme Iamamoto (2004), o assistente social possui uma relativa autonomia, pois é contratado
por uma classe – a dominante – e atende aos interesses da outra – a classe dominada. Nesse contexto, o
desempenho profissional deve, por um lado, garantir a reprodução de sua força de trabalho e, por outro,
legitimar os interesses da classe oprimida.
132
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
Saiba mais
Assista ao filme O quarto poder. Dir. Costa‑Gravas. EUA, 114 minutos, 1997.
Esse filme narra a trama de um repórter que faz a cobertura de uma notícia
na perspectiva de transformá‑la em um forte evento midiático. É importante
atentar para as questões éticas, as relações de poder e as estratégias de
manipulação dos sentimentos e do tempo, observando a reação das pessoas
em face dos acontecimentos mediante as informações veiculadas pela mídia.
Observe como o foco principal da questão é desviado em função do interesse
do repórter e da rede de televisão para a qual trabalha.
Buscando associar suas observações sobre os efeitos do poder instituído da mídia, compare aspectos
do desenrolar da atuação do profissional no filme com situações semelhantes ao fazer profissional do
assistente social na contemporaneidade.
O assistente social efetiva seu exercício profissional normalmente inserido em instituições públicas,
órgãos com estruturas altamente burocratizadas em que os usuários dos serviços ou políticas públicas
precisam se enquadrar nos seus critérios e normas de atendimento das políticas por elas implementadas
e oferecidas. Esses critérios costumam exigir um arsenal de papéis que podem constituir, normalmente,
um conjunto de medidas burocrático‑administrativas que representam entraves ao exercício profissional.
133
Unidade II
Os usuários apresentam demandas emergenciais e urgentes, que por isso necessitam de respostas
rápidas e imediatas, as quais prescindem de preenchimento e trâmites de formulários e laudos que
causam morosidade no processo.
Decifrar esses entraves institucionais permite ao assistente social desnudar a dinâmica das instituições
no sentido de ampliar e aprofundar seus conhecimentos para se propor estratégias e técnicas favoráveis
ao empoderamento e emancipação das classes subjugadas e alijadas dos bens e serviços sociais. Assim
dribla nessa relação a situação de dependência e de paralisação social a que segmentos da sociedade
estão submetidos.
Ante o exposto, você pode perceber a fulcral relevância em termos de apropriação pelo assistente
social do conhecimento da complexa e ampla rede de problemas sociais existentes, bem como do
papel das instituições no processo de implantação e implementação das políticas públicas. Na atual
conjuntura, você pode perceber também o progressivo, célere e avassalador crescimento dos problemas
sociais. O recrudescimento da miséria e o empobrecimento das camadas de baixo poder aquisitivo têm
nos revelado a magnitude do problema, bem como atos frequentes de corrupção que fazem minar os
recursos e verbas destinados às instituições prestadoras de serviços públicos e/ou privados.
Associado a tudo isso, é imprescindível que o assistente social parta da compreensão dos princípios
de seu Código de Ética Profissional, observe‑os de forma a contribuir na construção de propostas
críticas e efetivas de práticas que beneficiem os usuários de seus serviços e prime por transparência na
socialização das informações. Também deve preservar o zelo pela imagem da profissão e da qualidade
de seu trabalho pautado no projeto ético‑político da profissão.
Desse modo, sua práxis profissional estará remetendo à defesa da universalização dos direitos,
ampliando o acesso a eles face ao compromisso explícito voltado aos interesses coletivos dos segmentos
subalternos da sociedade.
134
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
Face ao exposto, você pode perceber que, no âmbito de atuação do assistente social, não há “receitas”
prontas e acabadas de como agir, o que há é construção permanente que necessita de embasamento
teórico‑metodológico para o uso e desenvolvimento criativo e propositivo de estratégias e técnicas.
Contudo, para além dos direitos previstos em lei, o assistente social em sua atuação pode propor a
superação dos excessos da burocracia, objetivando sua minimização no acesso aos serviços e direitos, pois
filas, adiamento de pedidos, falhas na comunicação, ausência de prestação de contas e de explicações
plausíveis emperram o desenvolvimento das pessoas arrefecendo o espírito de luta. O assistente social
nesse contexto pode e deve utilizar sua criatividade para garantir, do planejamento à execução de
políticas públicas, a participação dos usuários nos diversos projetos sociais, mantendo‑os informados
sobre seus direitos.
Iamamoto (2004, p. 21) afirma que o exercício profissional é mais do que o mero emprego, o qual
coloca o profissional no mero cumprimento de atividades rotineiras e burocráticas. Segundo a autora,
o exercício profissional:
Você pode perceber que o assistente social deve ser capaz de estabelecer objetivos e finalidades
profissionais e, para tal exercício, é fundamental que estabeleça a relação teoria e prática. Uma vez
conectadas essas duas dimensões, elas possibilitarão uma mediação profissional direcionada à
construção de atividades e alternativas de ação que desemboquem na criação de respostas às injunções
demandadas aos assistentes sociais.
A materialização de uma prática profissional que entrelaça teoria e prática conta com as seguintes
dimensões: referencial teórico, que é apresentado ao profissional desde sua vida acadêmica (trata‑se do
conhecimento científico que comporá o arsenal teórico do assistente social, o seu saber profissional);
técnico‑operativa, que compreende o conjunto de instrumentos de trabalho utilizados pelo assistente
social durante seu exercício profissional (esses instrumentos são: reuniões, entrevistas, visitas domiciliares,
laudos, pareceres, relatórios etc.); ético‑política, que determina a opção do profissional pautada em
uma determinada postura ética em sua prática profissional; e investigativa, que resulta na investigação
da realidade e objetiva a compreensão da totalidade dos fatos (também prima por romper com a
imediaticidade dos fenômenos e analisar as demandas postas ao Serviço Social, buscando encaminhar
soluções para os problemas dos usuários de seus serviços).
Essas dimensões, engendradas no arcabouço teórico do Serviço Social, viabilizam um fazer profissional
fundamentado capaz de evidenciar uma visão holística da problemática social apresentada rumo à
transformação impactante na qualidade de vida dos serviços prestados, bem como da população.
Conforme você pode perceber, a teoria não se constitui mera atitude contemplativa. Ao contrário, ela
norteia o pensamento e o intelecto do assistente social no sentido de desvelar o fenômeno aproximando‑se
do real concreto e estabelecendo caminhos diversos na construção de seu objeto de atuação em uma
perspectiva de superação e transformação. A estrutura teórica é o elemento que vai iluminar e subsidiar a
ação profissional, bem como aquela ainda não existente vai permitir elaborar essa prática e o planejamento
e atribuir ao profissional conhecimentos e subsídios para desenvolver práticas embrionárias.
A prática remete à práxis que corresponde às atividades práticas humanas; a teoria vincula‑se ao conjunto
do saber humano apreendido pelos homens. Essas dimensões estão relacionadas e são desenvolvidas nas
relações sociais, retiradas e abstraídas da história humana. A relação teoria e prática constitui‑se um
processo de reflexão complexo e contínuo, podendo passar da teoria para a prática e dessa para a teoria.
Barbosa (1987) assevera que a atividade prática é a base da práxis, mas é preciso que esteja
consubstanciada com a teoria; do contrário, será mera prática e não há possibilidade de transformação
sem teoria. O autor acrescenta que:
Contudo você deve entender os limites e as possibilidades da atuação do assistente social para que,
munido da imprescindível ferramenta do conhecimento, possa socializar conteúdos, construir análises e
estudos das situações, produzindo respostas às demandas que a realidade lhes propicia.
Ante o exposto, você pode perceber que a dinâmica do movimento teoria e prática nos remete a uma
relação cíclica e, portanto, infinita. Ela se dá em um continuum processo de reflexão que eleva o nível de
conhecimento cada vez mais alto. Isso é práxis transformadora, afirma Barbosa (1987), cuja finalidade
é mediata, transcendente.
Nesse ínterim, e como parte do processo histórico‑social, convém resgatar um pouco da trajetória
histórica do Serviço Social no âmbito do avanço das estratégias e técnicas.
Somente a partir da década de 1980, com a influência do Marxismo, o Serviço Social renova sua
atuação, pois opta por um projeto profissional com características progressistas e transformadoras na
defesa intransigente dos direitos humanos das classes subalternas.
Nesse contexto de mudança, o novo direcionamento fez com que as estratégias e técnicas profissionais
possuíssem a intenção de reforçar a luta por uma nova ordem societária, isenta de dominação e de
exploração de classe. Essa nova identidade profissional, a qual engloba grande segmento da categoria,
aliada ao projeto das classes oprimidas, repercute no processo de trabalho do assistente social que se
gesta como resposta consciente aos conflitos de classe.
Desse modo, é pertinente que você compreenda que a lógica é outra, ou seja, o caráter assistencialista
e a visão clientelista de outrora são substituídos pela ampliação e luta pela consolidação da cidadania e
dos direitos sociais. O assistente social assume o papel de facilitador, propiciando aos usuários de seus
serviços o acesso à informação, às políticas, aos programas e projetos sociais.
De posse das informações sobre a prática institucionalizada do Serviço Social, suas evoluções no
campo teórico‑metodológico, técnico‑operativo e ético‑politico, você apreenderá, no próximo item, sobre
um importante aspecto do conhecimento, que é a atitude investigativa e interventiva como categorias
estratégicas no exercício profissional. Esse exercício é articulado à contextualização histórico‑social da
trajetória do Serviço Social no que tange à produção do conhecimento, avanços e desafios profissionais.
138
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
O profissional de Serviço Social depara‑se, portanto, com alterações em suas relações de trabalho,
em sua inserção e permanência nele, e também nos recursos disponibilizados para sua atuação, já que
esse contexto impacta sobre o mercado, as relações assalariadas e as instituições públicas e privadas
(IAMAMOTO, 2002). Depara‑se ainda com o agravamento da questão social, em que se apresentam
novas ou transmutadas demandas.
Nas empresas é possível observar o crescimento do trabalho do Serviço Social na área de recursos
humanos, gerência de pessoas etc. No âmbito das novas formas de produção, não cabe somente o
controle mecânico do trabalhador, mas também que este incorpore os objetivos da empresa, “vista a
camisa”, demandando ações que “apelem” a esse controle espiritual sob o argumento da qualidade –
e este papel é, por vezes, destinado ao Serviço Social. Sob esta argumentação do trabalhador ser um
“colaborador” da empresa convivem a desregulação dos contratos de trabalho, a diminuição do número
de empregos etc. (IAMAMOTO, 2001).
A categoria profissional tem pautado respostas progressistas a esta retração do Estado. O projeto
hegemônico defendido no âmbito da profissão, fruto obviamente de tensionamentos e disputas, indica
para uma perspectiva universalista e democrática (IAMAMOTO, 2001).
139
Unidade II
Este projeto defende a primazia do Estado na consecução de políticas sociais, sendo que apenas por
meio dele é garantida a possibilidade de universalização destas políticas. Ele pauta ainda a participação
democrática e a alteração na gestão da coisa pública, garantindo‑se espaços representativos e
participativos.
Além das empresas que pautam ações sob o escopo da responsabilidade social, há a inserção do
trabalhador nas instituições do terceiro setor. Estas se apresentam como não constituídas pelo Estado
(primeiro setor), nem pelo empresariado (segundo setor). “É considerado como não governamental,
não lucrativo e voltado ao desenvolvimento social, daria origem a uma ‘esfera pública não estatal’,
constituída por ‘organizações da sociedade civil de interesse público’” (ibidem, p. 34). As organizações do
terceiro setor devem ser objetos de um olhar atento, visto que sob esta assistência se incluem diversas
entidades civis sob diversos registros jurídicos e referentes a vários espectros políticos.
Iamamoto (2005) observa por outro ângulo a atuação do profissional em processos de trabalho
públicos ou privados, abordando o diferencial dos serviços prestados. Para a autora, a atuação de um
profissional em uma empresa difere largamente de sua inserção na esfera estatal. Na esfera privada, há
produção de valor e mais‑valia, o que não ocorre no âmbito das políticas públicas, por mais que estas
possam também contribuir para a reprodução da classe trabalhadora. Para análise e fundamentação de
sua prática, o profissional precisa, portanto, compreender os processos de trabalho dos quais participa.
Resumo
Exercícios
Questão 1. Observe a charge abaixo:
Figura 1
A charge retrata o período histórico referente à Revolução Industrial, quando houve intensa
substituição da mão de obra humana pela introdução de novas tecnologias no processo produtivo.
Esse processo de substituição tem sido intensificado durante os estágios de desenvolvimento do
sistema capitalista, sendo que, na idade dos monopólios, essa alteração no processo produtivo tendeu
a se intensificar substancialmente. Tomando como base o desenvolvimento do sistema capitalista na
sociedade contemporânea, analise as assertivas abaixo.
I – O processo de produção capitalista não está restrito às formas encontradas por uma dada
sociedade em relação à produção e consumo, mas também traz condicionantes às formas de estruturar
as relações sociais.
III – Na sociedade capitalista madura e consolidada, os antagonismos entre as classes sociais tendem
a ser negados e a ordem da desigualdade passa a ser compreendida como a ordem natural de organização
da sociedade.
V- A forma de organização econômica adotada por uma dada sociedade não traz condicionantes à
forma como essa sociedade estrutura suas relações sociais.
I) Afirmativa correta.
Justificativa: na sociedade capitalista, são constituídas duas classes sociais: a burguesia, que detém
os meios de produção e o proletariado, que detém apenas sua força de trabalho. Essas classes se tornam
antagônicas, porque a detentora dos meios de produção acaba explorando a classe que possui apenas
a força de trabalho. No entanto, esse antagonismo, essa diferenciação que se torna latente durante o
desenvolvimento desse sistema, acaba sendo compreendida como uma diferença natural, ou seja, como
algo que está posto para essa sociedade e que nunca poderá ser mudado.
143
Unidade II
V) Afirmativa incorreta.
Questão 2 (Fafipa 2009 - assistente social, adaptada). Iamamoto (2008) assevera que o serviço
social é uma profissão atravessada por relações de poder e possui um caráter essencialmente político.
Essas características apontadas pela autora são decorrentes dos:
A) Condicionantes histórico–sociais dos contextos em que o profissional se insere e atua e não só das
intenções pessoais do assistente social.
C) Processos de luta pessoal de cada profissional enquanto sujeito de seu processo histórico.
É necessário salientar que toda argumentação teórica da autora compreende o Serviço Social
como influenciado pelos condicionantes histórico-sociais, sendo que tais condicionantes orientam o
posicionamento político dos profissionais.
A) Alternativa correta.
Justificativa: Iamamoto (2008) chama a atenção em suas reflexões para o fato de que o Assistente
Social também estará vivenciando situações trabalhistas, ou seja, ele também será um profissional
que possuirá uma relação de trabalho. Como tal, grande parte de sua prática, de sua atuação, estará
intimamente relacionada a condicionantes histórico-sociais presentes onde o profissional estará lotado
enquanto trabalhador. Muitos desses condicionantes não podem ser controlados pelo profissional.
Portanto, nem toda a prática irá depender da intencionalidade do Assistente Social. Nessa prática estão
144
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL
manifestos componentes políticos e relações de poder que atravessam e condicionam a prática dos
Assistentes Sociais.
B) Alternativa incorreta.
C) Alternativa incorreta.
D) Alternativa incorreta.
E) Alternativa incorreta,
Justificativa: essa alternativa está incorreta pelo termo “irrelevante”. Para Iamamoto (2008), o
esforço individual de cada profissional é importante e, portanto, não pode ser tido como irrelevante.
Apesar disso, o esforço de cada profissional e seu posicionamento frente às questões com as quais atua
vêm balizados por questões sociais, econômicas e políticas que, na maioria das vezes, não podem ser
controladas por ele.
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