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Unidade II

Unidade II
5 SERVIÇO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE

5.1 Perspectiva de análise

Os assistentes sociais são desafiados em tempos de divisas e de cortes no trabalho, quando é difícil
obter meios de sobrevivência. Nesses períodos de crise, é que cresce o desemprego, o subemprego e a
luta para se sobreviver no campo e na cidade.

É neste contexto da globalização mundial sobre a hegemonia do grande capital bancário e do capital
industrial que se testemunha a revolução técnico‑científica, instaurando novos padrões de produzir e
gerir o trabalho, ampliando‑se a população excedente, fazendo crescer a exclusão social, econômica,
política e cultural entre jovens e crianças, tornando‑os alvo da violência institucionalizada, e tornando
a exclusão social contraditoriamente o produto do desenvolvimento do trabalho coletivo. Observa‑se
assim que a pauperização e a exclusão são a outra face do desenvolvimento das forças produtivas do
trabalho social, da ciência e tecnologia e do mercado focalizado.

Com esses novos tempos, temos a confirmação de que a acumulação de capital não é parceira da
equidade, nem da igualdade, e que causa o agravamento das múltiplas expressões da questão social – a
base sócio‑histórica da requisição social da profissão. É possível atestar o crescimento da demanda por
serviços sociais nos locais de trabalho, ocorrendo um aumento no âmbito das políticas sociais.

O trabalho atravessa e conforma o cotidiano do exercício profissional do assistente social, afetando


suas condições e as relações desse trabalho, assim como as condições de vida da população usuária
dos serviços sociais. Para enfrentar estes desafios serão recuperados alguns recursos e forças teóricas e
ético‑politicas, acumulados a partir da década de 1980, focando o processo de trabalho em que se insere
o assistente social – ou seja, a prática do Serviço Social – e as alternativas ético‑politicas que se colocam
hoje ao exercício e à formação profissional crítica e competente.

Para pensar no Serviço Social na contemporaneidade, é necessária muita atenção sobre o mundo
atual, para decifrá‑lo e participar de sua recriação. Isso é preciso para garantir uma sintonia do Serviço
Social com os termos atuais e romper com uma visão endógena e focalista. Deve‑se alargar os horizontes,
olhar os movimentos das classes sociais e do Estado. Por esse motivo, um dos maiores desafios do
assistente social que vive no presente é desenvolver a capacidade de decifrar a realidade e construir
propostas de trabalho criativas, sendo capaz de preservar e efetivar direitos a partir das demandas.
Enfim, ser um profissional propositivo e não apenas executivo.

O assistente social não é apenas um trabalhador burocrático que cumpre horários. Seu exercício
profissional requer muito mais, sendo necessário que esse profissional tenha competências para propor,
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TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

negociar e defender seus projetos e seu campo de trabalho. Porém, toda ação do assistente social
precisa estar embasada, cabendo aos profissionais se apropriarem das possibilidades e desenvolvê‑las,
transformando seus projetos e frentes de trabalho.

Desta forma a conjuntura não condiciona unidirecionalmente as perspectivas profissionais, mais


impõe limites e possibilidades, sempre existentes no campo de ação dos sujeitos, para a apropriação
das possibilidades. Essa compreensão é muito importante para se evitar uma atitude fatalista do
processo histórico.

É preciso também evitar outra perspectiva: o messianismo profissional, uma visão heroica do Serviço
Social que reforça unilateralmente a subjetividade dos sujeitos e a sua vontade política sem confrontá‑la
com as possibilidades e limites da realidade social.

Olhar para fora do Serviço Social é necessário para se romper com uma visão rotineira, que acaba
por impedir que se vislumbrem possibilidades inovadoras para a ação, tendo assim uma visão ilusória
e desfocada da realidade que conduz às ações inócuas. O segundo pressuposto é entender a profissão
hoje como tipo de trabalho na sociedade, pois desde 1980 o Serviço Social vem se afirmando como uma
profissão particular inscrita na divisão social e técnica do trabalho coletivo da sociedade.

As mudanças históricas acabam hoje alterando tanto a divisão do trabalho na sociedade quanto sua
divisão técnica no interior das estruturas produtivas.

Lembrete

Como o Serviço Social se apresenta como uma especialização do


trabalho na sociedade, não foge aos determinantes, exigindo apreender os
processos macroscópicos que atravessam todas as especializações.

O Serviço Social como trabalho supõe o aprendizado da chamada “prática profissional”, que pode
estar ligada pelas relações entre o Estado e a sociedade civil, ou seja, pelas relações entre as classes de
tal sociedade. Aceita‑se que a profissionalização do Serviço Social surge por meio de uma tecnificação
de filantropia, a partir do discurso de alguns pioneiros e de algumas literaturas especializadas, ocorrida
mesmo durante a época da reconceituação. Porém, o Serviço Social torna‑se profissão a partir do
momento em que se atribui a ele uma base técnico‑científica das atividades de ajuda e filantropia.

A Constituição é institucionalização do Serviço Social como profissão na sociedade, dependendo de


uma ação progressiva do Estado na regulamentação da vida social, quando ela passa a administrar e
gerir os conflitos de classe e pressupondo, assim, a relação entre capital e trabalho.

Embora disponha de um Código de Ética e sua regulamentação seja a de um profissional liberal,


o profissional do Serviço Social é um trabalhador especializado que vende a sua força de trabalho,
ocorrendo compra e venda de seu serviço especializado, fazendo assim com que o Serviço Social ingresse
para o universo da mercantilização.
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A reprodução deste trabalho especializado na sociedade atendendo às necessidades sociais tem


o valor de uso de uma utilidade social. Porém, como os assistentes sociais participam também como
trabalhadores assalariados do processo de produção e redistribuição da riqueza social, seu trabalho tem
um efeito na redistribuição da mais‑valia.

5.2 A globalização e sua influência no contexto social

Desde os primórdios, a natureza humana tem passado por inúmeras transformações no que se refere
ao seu desenvolvimento. O que podemos perceber é que essas transformações não são isoladas, estando
agregadas a fatores que cercam o homem, pois devemos lembrar que o ser humano é biopsicossocial6,
e também procuram atender às respostas vislumbradas pelo coletivo; no entanto, algumas vezes essas
respostas não atingem a maioria, atendendo a interesses particulares. A espécie humana vive em
constante transformação, caracterizando‑se por isso como ser não estático, e as mudanças que nela
ocorrem são as contrapartidas das necessidades humanas. Este retorno provoca o desenvolvimento da
espécie e de suas relações em uma forma geral.

É importante ressaltar que quando se fala em desenvolvimento não podemos colocá‑lo como
verdade absoluta a todos, visto que cada um pode entender de maneira diferente o mesmo objeto,
e pode também perceber os resultados de uma forma peculiar. O que se pode afirmar de modo geral
é o fato de que todos os grupos ou grande parte deles agem para suprir e melhorar as condições de
seu dia a dia. Toda transformação é precedida por ideias, pois o homem é um ser teleológico7, sendo
que primeiro nasce a ideia e depois a concretização da ação. Segundo Dupas (2006, p. 29), “as ideias
apresentam anseios humanos e exercem um poder decisivo na história”.

Um aspecto que altera significadamente o cotidiano do homem é a globalização. Ela não pode ser vista
isoladamente ou de forma temporária, mas como um fenômeno acrescido de muitos acontecimentos
e sempre fundamentado no capitalismo; em linhas gerais, os fatores sócio‑históricos influenciam
diretamente a globalização. Há muitos fatores que colaboram para o seu crescente desenvolvimento,
e o mais marcante está sustentado na economia, que por sua vez é refletido na política, na cultura e
principalmente no aspecto social.

Outra característica da globalização é a interação global, marcada pela quebra de fronteiras, unificação
econômica, acentuação das desigualdades, avanço da tecnologia, pesquisas e uma economia pautada
no capitalismo desenfreado e na lógica do lucro. É considerada um fenômeno capitalista e complexo
que começou na época dos descobrimentos e se desenvolveu a partir da Revolução Industrial. Mas o seu
conteúdo não foi notado por muito tempo, e hoje muitos economistas analisam a globalização como
resultado do pós Segunda Guerra e reflexo da consolidação do capitalismo.
6
Relativo aos fatores biológicos, psicológicos e sociais. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.
aspx?pal=biopsicossocial>. Acesso em: 18 set. 2012.

7
“1 Teleologia: Filos. Teoria das causas finais; conjunto de especulações que têm em vista o conhecimento da
finalidade, encarada de modo abstrato, pela consideração dos seres, quanto ao fim a que se destinam. 2 Dir. Estudo
especulativo da causa, da essência, alcance ou fim das normas legais. 3 Biol. Interpretação das estruturas dos seres em
termos de finalidade e utilidade.
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Considera‑se que foi durante o período mercantilista, entre os séculos XV e XVIII, que se deu a
origem da globalização. Foi quando ocorreu a queda dos custos de transporte marítimo e a burocracia
das relações políticas europeias. O grande aumento no fluxo de força de trabalho entre os países e
continentes foi também um dos marcos do período.

Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1941, houve o primeiro indício da globalização das
comunicações: o pacote cultural ideológico dos Estados Unidos incluía várias edições diárias de “O
Repórter Esso”, uma síntese noticiosa de cinco minutos rigidamente cronometrados, a primeira de
caráter global, transmitido em 14 países do continente americano.

Alguns economistas defendem o fato de que os principais beneficiários da globalização são os


grandes países emergentes, com importantes economias de exportação, grande mercado interno e cada
vez maior presença mundial.

Na atual conjuntura, a globalização é a mais pura expansão capitalista e uma ordem mundial
que está mais do que solidificada. Embora ainda seja vista por uma maioria como algo prejudicial,
possui também muitos aspectos positivos. Podemos citar as novas tecnologias – como a internet,
que nos permite uma maior facilidade comunicativa entre os indivíduos de todo o mundo – e a
inclusão de mercadorias, serviços, tecnologias e pessoas, a expansão do mercado, os avanços na
medicina, as pesquisas científicas etc. Tudo isso ocorre de forma globalizada, como o próprio nome
já diz, e de forma simultânea Além disso, essa quebra de fronteiras da economia está intensificando
o comércio internacional.

Contudo, não podemos deixar de destacar que a globalização também acentuou um crescimento
desigual, por procurar atender principalmente aos interesses capitalistas. Os hábitos de consumo de
quase todos os povos do mundo estão sendo profundamente alterados, consequentemente levando o
governo a rever suas políticas econômicas.

Nesse cenário globalizado, os países não podem se limitar ao mercado interno, pois precisam
alavancar seu desenvolvimento econômico. Tal constatação é hoje admitida inclusive na China, que até
pouco tempo atrás foi o maior exemplo de economia fechada no mundo e é hoje campeã de captação
de investimentos estrangeiros, em busca de um mercado de 1 bilhão de consumidores exacerbados e
que, por características peculiares nem sempre elogiáveis, pode lançar produtos com grande poder de
competição no mercado externo.

Tal expansão visa aumentar os mercados e, portanto, os lucros, que é o que move a arena dos
mercados. A guerra é cada vez mais econômica e o campo de batalha é o mercado mundial, altamente
globalizado. A invasão atual muitas vezes se dá instantaneamente, on‑line, pelas redes mundiais de
computadores. Segundo alguns cientistas políticos, a globalização é o movimento sob o qual se constrói
o processo de ampliação da hegemonia econômica, política e cultural ocidental sobre as nações.

As consequências da globalização colocam em segundo plano questões relacionadas ao coletivo.


Não é permitida uma participação consciente do indivíduo no interior das suas sociedades, pois é
visto como consumidor, como lucro certo, e não como cidadão ativo, consciente de seus direitos e
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deveres. Tal perspectiva fere diretamente os direitos da cidadania em um Estado Democrático de Direito,
intensificando a exclusão social de uma maneira geral.

Diante de tudo que foi colocado, resta‑nos uma questão: em um mundo globalizado, no qual se
busca uma unidade sedimentada no mercado, com especificidades que não são consideradas, que se
desregulamenta e não se governa, e principalmente, onde os sujeitos de direito não são reconhecidos
como polos ativos nas decisões, é ainda possível reconstruir e organizar uma cidadania plena e
participativa? Os impactos sociais da globalização econômica no âmbito brasileiro têm como significado:

• a redução de despesas públicas que seriam destinadas a setores como saúde e previdência;

• a flexibilização de direitos trabalhistas;

• o desemprego estrutural e tecnológico;

• o aumento da desigualdade entre aqueles que estão em situação de riqueza e pobreza.

Nos é imposta uma lógica de globalização competitiva; logo, temos uma cidadania competitiva.
Há um excesso de acumulação de riquezas em choque com os excessos de pobreza e miséria, e as
consequências desse contexto dizem respeito à violência generalizada em todas as sociedades humanas.
Mesmo com a criação de mecanismos que permitam a subsistência humana, é visível que quanto mais
se produz e o mercado cresce, mais se gera especulação, tráfico de drogas e armas, produção de morte,
corrupção etc.

O que temos, é a real necessidade de urgentes reformas. Estas deverão ser coerentes e equilibradas
para um desenvolvimento científico e tecnológico favorecedor do desenvolvimento social da humanidade
em geral.

Observação

A educação tem um importante papel nessa tarefa, a de adequar


esta realidade que chamamos de globalização às necessidades humanas,
não anulando o cidadão, mas promovendo‑o e compreendendo sua real
importância diante desse cenário.

Diante do problema da formação da cidadania em um ambiente globalizado, é importante trabalhar


abordagens que não sejam apenas voltadas para as trocas comerciais, já que todas as estruturas das sociedades
são atingidas, configurando‑se novos padrões de comportamento social – o que acaba inevitavelmente
influenciando a formação e participação da cidadania em um Estado Democrático de Direito.

Essa nova arquitetura do Estado‑Nação tem sido muito influenciada e moldada por uma outra
consequência vinda do crescimento tecnológico da modernidade globalizada: a falta completa de
parâmetros conceituais para explicar os acontecimentos vivenciados no presente, pois o significado de
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TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

conceitos clássicos, como liberdade, igualdade, soberania, entre outros, já não é mais algo absoluto ou
estático, por terem sido relativizados em uma época de insegurança e incerteza permanente, visto que
fomos “lançados num vasto mar aberto, sem cartas de navegação e com todas as boias de sinalização
submersas e mal‑visíveis” (BAUMAN, 1994, p.94).

A globalização está associada diretamente à questão do progresso. Mas fica uma pergunta: o que é
exatamente progresso? Dentro de uma visão capitalista, progresso é o mercado gerando produtos para
consumo, não se preocupando com as questões sociais e sim com o lucro. Mas o que é o progresso
quando compromete a cidadania, a identidade e o próprio ser humano?

Devemos lembrar que uma nação justa se faz de estruturas bem solidificadas, nos níveis social e
econômico e nos campos da saúde, educação, segurança, lazer e cidadania, que juntos formam o que
chamamos de dignidade humana.

Embora não se trate de um fenômeno recente, a globalização foi instituída mais fortemente com a
visão capitalista; porém, como profissionais, não podemos perceber este fenômeno sem trabalharmos
na melhora das necessidades humanas de forma geral, de modo a garantir os direitos e promover o
bem‑estar a todos.

5.3 Cidadania e ideologia

Para o estudioso Milton Santos (2006), a cidadania sempre esteve fortemente ligada à noção
de direitos, especialmente os direitos políticos, que permitem ao indivíduo intervir na direção dos
negócios públicos do Estado e participar de modo direto ou indireto na formação do governo e na sua
administração, seja ao votar (direto), seja ao concorrer a cargo público (indireto).

Após um período de vinte anos de ditadura no Brasil, foi instaurada a “Constituição Cidadã”, com a
finalidade de restaurar o Estado Democrático de Direito. Em outubro de 1988 a atual constituição foi
sancionada, representando os direitos humanos e de cidadania.

De acordo com o autor Paulo Martinez (1996), em seu livro Direitos de cidadania: um lugar ao sol,
nos termos da Lei Maior, o princípio da cidadania foi erigido à condição de um dos mais altos valores
da sociedade.

É fato que o homem, ao nascer, já é dotado de direitos fundamentais políticos e sociais, tornando‑o
assim um agente da vida social muito além de mero instrumento de produção e objeto. No decorrer
das relações humanas, o homem foi se transformando em “coisa”, por meio do trabalho assalariado e
da escravidão. Para que se estabelecesse o conceito de aplicação universal, foram superadas profundas
diferenças. Durante a Revolução Francesa, o problema foi resolvido teoricamente com a separação
dos direitos humanos daqueles de cidadania, como aparece expressamente no título do documento
“Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão”, aprovado em 1789. Diante de tal documento,
identifica‑se o conceito atual de que todos os homens são iguais perante a lei, ainda que sejam legítimas
algumas diferenças. Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi estabelecida pela ONU,
porém, a maior dificuldade ainda é a concretização desses direitos, ou seja, converter a teoria em prática.
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Para Covre (2003, p. 32) “cidadania é um processo em constante movimento na sociedade, portanto
não é estática. Ela só pode ser compreendida em seu todo se estiver vinculada aos níveis econômicos,
políticos, sociais e culturais”.

Cidadania é a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso


de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem de
todas as potencialidades da realização humana aberta pela vida social em
cada contexto histórico determinado (COUTINHO, 2005, p. 41).

A burguesia (capitalistas) era e ainda é privilegiada, o que dá abertura para o desequilíbrio social e,
portanto, a desigualdade. Dessa forma, somente usufruiriam de plena cidadania aqueles que possuíssem
fortunas. Já aos menos favorecidos restaria a submissão à sociedade, sendo excluída dela. Aos operários
caberia apenas o próprio corpo como propriedade. Fica muito visível nas ideias de Locke o pensamento
liberal, a exploração e a elitização mediante as relações sociais.

Já Rousseau (apud COVRE, 2003, p. 52) se opôs à Locke no que diz respeito a cidadania, especialmente
por não se referir ao exercício da cidadania restritamente a aspectos políticos e econômicos. Afirma
que o contexto social seria legitimado desde que fosse unânime, considerando que cada indivíduo
deveria abrir mão de seus direitos individuais em favor do coletivo, abdicando da liberdade, porém
fazendo parte do todo social. Rousseau também argumenta sobre a democracia direta e participativa,
afirmando que como soberano, o povo ativo era cidadão e os que exerciam a soberania passiva eram
considerados súditos.

Kant (1727–1804) foi um dos intelectuais que abordou o conceito, localizando o Estado de Direito e
posteriormente a cidadania. Para ele, o desenvolvimento da sociedade estava associado à área jurídica
como legitimadora dos direitos dos cidadãos. Ainda expunha que diante do fato da história não ser
estática, leis também deveriam acompanhar esse movimento, adequando‑se aos tempos e demandas
dos cidadãos.

No século XIX, Karl Marx (1818‑1883) criticou insistentemente o modo de produção capitalista.
Questionou a exploração e a apropriação da classe burguesa em relação a outros grupos sociais. Narrou e
denunciou a exploração dos trabalhadores frente ao capital. A teoria marxista, ainda hoje, contribui para
a compreensão da sociedade burguesa e do modo capitalista. Marx resgatou a necessidade da tomada
de consciência e da organização da classe operária, rompendo com a exploração e formando uma nova
ordem social, na qual todos os indivíduos teriam os mesmos direitos, sendo finalmente reconhecidos
como cidadãos.

Podemos verificar que existem grandes diferenças entre os conceitos de cidadania apresentados
pelos pensadores mencionados, o que clarifica o fato de que cidadania não é estática e acabada, pois
segue o movimento histórico e em constante processo de reconstrução.

Marshal, em sua teoria contemporânea (1967) define cidadania como o conjunto de Leis ordenadas
pelo Estado. Nomeando a cidadania como “tipologia de direitos”, menciona que ela é composta por
gerações de direitos: civis e políticos, de primeira geração; os sociais como os individuais de liberdade,
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TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

igualdade, propriedade, à vida e à segurança. Já os direitos políticos referem‑se a reuniões, encontros


para organizações políticas, bem como as participações políticas e eleitorais. Quanto aos direitos sociais
podemos citar trabalho, saúde, moradia, educação, enfim, acesso aos meios básicos de sobrevivência e
bem‑estar social. Nota‑se então que a cidadania se dá pelo coletivo; contudo, sua efetivação é mediante
os direitos políticos, que formulam as leis. Assim, enfatizamos o que relata Gonçalves (2006, p. 45):

Implica a construção de novas relações e consciências, pois o processo


de cidadania no mundo contemporâneo está relacionado diretamente à
capacidade de desenvolvimento de uma sociedade, que perpassa a defesa
dos direitos, isto conquistado através da emancipação dos sujeitos, refletindo
no progresso democrático.

Entendemos emancipação como tomada de consciência, com sentimento de pertencimento como


sujeito da própria história, ou seja, construindo suas ações e efetivando (ibidem). Desta forma, se
evidencia que não há cidadania sem reivindicações, lutas e espaços de conquistas.

De acordo com a Constituição vinculada aos direitos sociais, a cidadania representa direito à vida,
igualdade, respeito, dignidade, direitos civis e políticos assegurados. Esses são considerados requisitos
básicos para o ser humano.

A redemocratização (Nova República) teve início com a Constituição Cidadã de 1988. Foi eleito
Fernando Collor de Mello, que representaria um recomeço para a democracia no país, mas devido à
falta de governabilidade e à corrupção, sofreu o impedimento. Mobilizações populares surgiram,
principalmente dos jovens das grandes cidades. Para Carvalho (2003, p. 25) “o impedimento foi sem
dúvida uma história cívica importante”. Esse acontecimento deu a sensação de que era possível exercer
algum controle sobre os governantes.

A Constituição de 1988 legitimou o aumento dos direitos sociais; porém, na prática, ainda persistem
as desigualdades.

Embora na lei tenhamos, de um modo geral, definidos direitos e liberdades


extensivos a todos os membros da sociedade brasileira, na prática temos
cidadãos, de primeira, segunda e terceira classes e mesmo não cidadãos,
isto é, indivíduos sem voz, sem espaço e sem nenhum respaldo real nas
instituições vigentes (ibidem, p.146).

Neste contexto podemos salientar as políticas públicas, que são obrigação do Estado. Vale ressaltar também
que por meio da cidadania todo o coletivo se beneficia, ou seja, seu foco principal é o bem‑estar geral.

Não se pode restringir a cidadania apenas às questões de direitos e deveres, mas é preciso explicitar
o real sentido da cidadania e o poder que ela exerce em toda a sociedade.

Marx e Engels (1965, p. 21) ao conceituarem ideologia, partem de indivíduos reais e não de dogmas.
Em uma crítica à ideologia alemã, acusam o sistema Hegeliano de relacionar diretamente a produção
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das ideias, da consciência, à atividade material, como uma linguagem na “vida real”, afirmando que “não
é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”.

Atrás do corpo forte do jovem podem se esconder angústias e sofrimentos não imagináveis. No
entanto, a ideologia da eterna juventude, da idade, da força e da beleza, do vigor e da coragem, do
tempo de gozar e aproveitar a vida, alimentada pela mídia, oculta essa realidade de dor e sofrimento. O
grande mercado aposta no jovem e provoca‑lhe apetite de consumo. Esta leitura ideológica da juventude
encontra sua base psicológica e biológica no fato que, nesse período, o jovem está descobrindo o próprio
corpo e outras implicações.

As décadas de 1970 e 1980 trouxeram profundas modificações nessa ideologia, pois os jovens tiveram
as portas fechadas para a política e pouco a pouco foram domados pelo regime militar. Já na década de
1990 despontou a ideologia do jovem pós‑moderno, com a ideia de que se deve viver o presente, indo
na direção contrária das ideologias anteriores, que exigiam renúncia e luta para a construção de uma
sociedade do futuro.

A ideologia da década de 1990 renunciou à luta social, mas muito se investiu nos estudos, na fé,
na tecnologia e no desenvolvimento. Segundo Libanio (2002, p. 21), ao contrário das décadas de 1960,
1970 e 1980, em que os jovens lutavam politicamente por seus ideais, a década de 1990 é marcada por
uma minoria de jovens interessados e preocupados com mobilizações.

A sociedade contemporânea é marcada pelo ideal do “ter” em detrimento do “ser”. Isso se impregnou
na sociedade, principalmente no sistema educacional, em que há incentivos instrumentais para que se
conquistem oportunidades de empregos, por exemplo. Desta forma, a atuação dos jovens no meio social
é colocada em segundo plano, despindo‑se de reflexões críticas da realidade e permitindo a reprodução
dos problemas existentes.

5.4 Pensando na contemporaneidade

Desde o início dos anos 2000, de modo mais significativo, é evidenciado que a acumulação de
capital não produz a equidade; pelo contrário, gera o aumento do abismo entre as classes socialmente
instituídas, não podendo, portanto ser sinônimo de igualdade. Um dos fatores causados por esta
intensificação das desigualdades é o agravamento das expressões da questão social, base para a
atuação profissional.

Por esse motivo é crescente o número de pessoas que recorrem aos serviços sociais de diferentes
instituições e para diversas finalidades, visto que as necessidades tornam‑se múltiplas aos que se
encontram na situação de excluído.

Os desafios na atuação do assistente social são diversos, pois como discursado trabalha‑se na
perspectiva de justiça social e igualdade não somente entre os pares, mas a todos os cidadãos. No
entanto, para chegar a este grau de compreensão, inúmeros profissionais se mobilizaram, principalmente
a partir da década de 1980, para discutir as fontes teóricas, metodologias e ações da profissão.

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TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

Para melhor compreensão é interessante pensar nestes movimentos como formas de


recursos e forças teóricas e ético‑politicas acumulados a partir daquele momento, abordando
especificamente o processo de trabalho no qual se insere o assistente social – ou seja, a prática
do Serviço Social – e as alternativas ético‑politicas que se colocam ao exercício e à formação
profissional crítica e competente.

Não há como pensar e refletir a profissão de Serviço Social na contemporaneidade sem que o
indivíduo esteja atento às transformações societárias, pois nosso foco de trabalho é o indivíduo que faz
parte da sociedade, que por sua vez está em constante mudança, ou seja, recriação.

Quando enfatizamos a questão da constante qualificação profissional, estamos falando em romper


com a visão endógena, focalista e imediatista, alargando os horizontes; identificar os movimentos das
classes sociais como ação legítima; ser um profissional que vise à efetivação dos direitos ao sujeito social
e que não reproduza os interesses dos detentores de poder.

Uma das maiores dificuldades enfrentadas atualmente pelo assistente social é desenvolver a
capacidade de olhar criticamente para a realidade, pois ela é bastante vasta e particular, podendo mudar
de acordo com quem olha. Em uma visita domiciliar, por exemplo, o profissional não pode se ater
somente às “aparências”, devendo conhecer de fato o cotidiano dos sujeitos de sua ação e se afastar de
percepções não técnicas.

O que se pede a todas as profissões, não excluindo a nossa, é a construção de propostas de trabalho
criativas, possibilitando preservar e efetivar direitos a partir das demandas. Em suma, ser um profissional
propositivo e não apenas executivo, pois esta simples diferenciação faz uma incrível diferença na prática,
favorecendo o sujeito e a profissão em si.

O assistente social não é apenas um trabalhador burocrático, executor e acrítico, cumpridor de


horários e protocolos. É um profissional que deve ter muito claras diversas noções:

• quanto a projetos, deve saber:

— elaborar;

— gerenciar;

— negociar;

— implementar;

— avaliar;

— finalizar.

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• quanto à profissão, deve conhecer:

— Código de Ética Profissional;

— Lei de Regulamentação da Profissão;

— deliberações e resoluções;

— literaturas que promovam a criticidade.

• quanto às legislações, deve conhecer:

— Constituição Federal (ao menos os artigos pertinentes);

— Estatuto da Criança e do Adolescente;

— Estatuto do Idoso;

— Sistema Único da Assistência Social;

— Política Nacional da Assistência Social;

— Lei Orgânica da Assistência Social;

— Lei Orgânica da Saúde;

— Sistema Único da Saúde;

— Política Nacional do Idoso;

— Leis direcionadas às pessoas com deficiência;

— Lei Maria da Penha etc.

Assim, não basta o profissional ter sido um aluno com notas excelentes, pois isso não garante sua
prática com a mesma notoriedade. É de suma importância o período de estágio aos discentes, já que é
neste momento que conseguirá colocar em prática seus estudos e observará como se dá a profissão em
seu cotidiano, sendo necessária a interligação entre teoria e prática. Também espera‑se que o profissional
tenha competências subjetivas como dinamismo e carisma, saiba atender a todos, tenha boa escrita e
use expressões técnicas.

Todos estes requisitos se fazem necessários para que o assistente social tenha subsídios científicos
para sua atuação, reforçando a necessidade de haver a articulação técnica. Portanto, não deve existir a
presença do “achismo”, imediatismo, pensamento comum etc.; seus argumentos devem estar embasados
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TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

e amparados legalmente/literalmente, cabendo aos profissionais se apropriar das possibilidades e com


os sujeitos desenvolvê‑las, transformando seus projetos e frentes de trabalho para atender ao público
de sua ação.

Desta forma, a conjuntura não condiciona unidirecionalmente as perspectivas profissionais, mas


impõe limites e possibilidades, sempre existentes no campo de ação dos sujeitos, para a apropriação
dessas possibilidades. Essa compreensão é muito importante para se evitar uma atitude fatalista do
processo histórico.

Observemos o exemplo:

• Empresa: o assistente social participa do processo de reprodução da força de trabalho e da criação


da riqueza social, fazendo assim parte do trabalho coletivo e produtivo da mais‑valia;

• Estado: o assistente social participa no campo da prestação de serviços, podendo também


participar do processo de redistribuição da mais‑valia, por meio do fundo público. Pode também
atuar na realização de direitos sociais de cidadania e na gestão da ordem pública, contribuindo
para o processo de democratização.

Se indagarmos sobre o papel do Serviço Social no processo de produção e reprodução da vida social,
temos um ponto de partida, a não priorização do mercado ou esfera privilegiada; para a compreensão
da vida social temos também a visão da produção da riqueza, tida na era do capital como “natural”, por
se assemelhar àquelas da natureza, de difícil possibilidade de alteração por parte da ação humana.

Sendo assim, as desigualdades sociais sempre existiram, porém as manifestações extremas de


pauperização podem ser minimizadas por meio de uma melhor distribuição dos produtos do trabalho.

Trabalhando em outra perspectiva, observamos que os homens têm necessidades sociais e privações a
satisfazer, buscando isso por meio do trabalho. Esses objetos que hoje se formam na sociedade burguesa
são produtos e mercadorias do capital. Os homens procuram pela satisfação de suas necessidades,
então trabalham e estabelecem relações entre si. Mas toda reprodução estabelece relações sociais de
indivíduos, grupos e classes sociais, que envolvem poder, sendo relações de lutas e confrontos entre
classes e segmentos sociais.

6 SERVIÇO SOCIAL E INSTRUMENTOS LEGAIS

O debate sobre o trabalho do profissional de Serviço Social exige a retomada da Lei nº 8662/93 que
dispõe sobre a profissão, e em particular dos artigos 4º e 5º.

É necessário aqui diferenciar as competências das atribuições privativas do Serviço Social. Ao nos
referirmos às competências de uma profissão, estamos demarcando ações que podem ser exercidas
por determinado profissional, devido à sua qualificação, mas que não são exclusivas de seu campo de
atuação. Já as atribuições se referem às atividades privativas que são exclusivas de certa profissão, tendo
o poder e a prerrogativa de exercê‑las.
117
Unidade II

Iamamoto (2001) ressalta que para compreender as atribuições privativas do Serviço Social pautadas
na Lei, é necessário elucidar o que são unidade, matéria e área de Serviço Social, conceitos constantes no
artigo 5º, incisos de I a IV. A autora afirma que o que determina a prerrogativa do profissional de Serviço
Social em suas funções é o fato de estas se referirem à unidade, matéria ou área de Serviço Social. Pode‑se
observar, por exemplo, o inciso II do artigo 5º – “planejar, organizar e administrar programas e projetos em
Unidade de Serviço Social” são atividades que podem ser exercidas por qualquer profissional; o que marca
a especificidade do Serviço Social é a referência a uma Unidade de Serviço Social (IAMAMOTO, 2001).

A definição do que são unidade, matéria e área de Serviço Social é uma tarefa da categorial
profissional e não do texto legal, remetendo à determinação do que seria o projeto profissional, já que
o texto legal apenas o representa em termos jurídicos. Em termos etimológicos, unidade se refere a um
conjunto de profissionais ou determinado órgão de uma entidade; matéria alude a certo assunto, objeto
ou substância; e área diz respeito ao campo de atuação, no caso o do assistente social (ibidem).

O exercício profissional e seu projeto profissional são determinados pelas características


sócio‑históricas de cada época, e para pensar o Serviço Social é necessário compreender a construção e
configuração da realidade brasileira. Estes são também constituídos pela atuação dos profissionais, que
os determinam a partir de sua ação individual e coletiva (ibidem).

Pensar o projeto profissional supõe articular essa dupla dimensão: de um lado,


as condições macrossocietárias que estabelecem o terreno sócio‑histórico
em que se exerce a profissão, seus limites e possibilidades; e, de outro lado,
as respostas técnico‑profissionais e ético‑políticas dos agentes profissionais
nesse contexto, que traduzem como esses limites e possibilidades são
analisados, apropriados e projetados pelos assistentes sociais (ibidem. p. 11).

Nosso contexto, marcado pela globalização dos mercados, da produção, e dos bens culturais; pela
centralização da riqueza, do poder, da propriedade por países e grupos sociais; além de uma política
neoliberal, de recuada do Estado, de perdas nas políticas e direitos sociais, determina o aprofundamento
das desigualdades, da pauperização, das misérias sociais, da desregulação do mercado e das relações de
trabalho. Como sujeito social coletivo, a categoria profissional, articulada em seu projeto ético‑político
referente a um projeto societário, deve apresentar respostas ao contexto (ibidem).

Iamamoto (ibidem) avalia que a categoria profissional apresentou resposta crítica ao tradicionalismo
e conservadorismo historicamente vivido no Serviço Social. Observando‑se a produção teórica e a
formação acadêmica, têm‑se avanços significativos nas últimas décadas, bem como na importante
demarcação legal de princípios éticos com a redefinição do Código de Ética do Serviço Social na década
de 1990, pela Resolução CFESS nº 273/93. A autora destaca alguns princípios como:

• o reconhecimento da liberdade como valor ético central, que requer o reconhecimento da


autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais e de seus direitos;

• a defesa intransigente dos direitos humanos contra todo tipo de arbítrio e autoritarismo;

118
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

• a defesa, aprofundamento e consolidação da cidadania e da democracia – da socialização da


participação política e da riqueza produzida.

O Código de Ética de 1993 apresenta normatizações para a relação entre profissionais, com as
instituições e usuários, pautando os direitos e responsabilidades do assistente social no âmbito dos
valores de justiça social e liberdade, já iniciadas no Código de 1986. Determina ainda a democracia
como valor ético‑político central, compreendendo‑a como possibilidade única de vivência da equidade
e liberdade, além de espaço para conquista de direitos sociais e cidadania em uma sociedade burguesa
(CFESS, 1993).

O Código de Ética de 1986 já apresentava avanços ao determinar a não neutralidade do profissional


e ainda outro perfil técnico, que extrapola o âmbito da execução, caracterizando competência técnica,
teórica e política ao profissional (CFESS, 1993).

Juntamente com a lei de regulamentação da profissão, já abordada, e as diretrizes curriculares


propostas pela ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social), o Código de Ética
forma os pilares legais do projeto profissional (IAMAMOTO, 2001).

Conforme já exposto, estes instrumentos legais não dão conta de explicitar e aprofundar o projeto
ético‑político profissional, não sendo nem esta a função que lhes cabe, pois os instrumentos legais
garantem legitimidade ao projeto profissional.

6.1 Instrumentalidade com categoria para a atuação do Serviço Social

É necessário que você, no seu processo de formação acadêmica, compreenda a categoria


instrumentalidade e o que ela representa para o Serviço Social.

O Serviço Social é uma profissão especializada na divisão sociotécnica do trabalho e desenvolve seu
exercício profissional respondendo às demandas colocadas à profissão.

A instrumentalidade, como você já sabe, não é um conjunto de instrumentos técnico‑operativos que


o assistente social utiliza no cotidiano para desenvolver seu exercício profissional. Instrumentalidade é
a capacidade adquirida pelo profissional de Serviço Social durante o processo de atuação de planejar
e estabelecer objetivos com a finalidade de alcançar resultados, utilizando conhecimentos adquiridos:
ético‑políticos, teórico‑metodológicos e técnico‑operativos.

O Serviço Social é fruto do antagonismo e da divisão da classe burguesa e do proletariado. Sua


gênese está inteiramente ligada ao quadro sócio‑histórico desenvolvido com o firmamento do
capitalismo‑monopolista e do agravamento da questão social.

Como forma de abrandar a questão social, foi instituída uma modalidade de atendimento, ou
resposta do Estado, traduzida sob forma de políticas públicas e sociais. Assim se criou o espaço para a
atuação do Serviço Social.

119
Unidade II

Foi necessário um profissional que implementasse essas políticas sociais dentro da divisão sociotécnica
do trabalho. Guerra (2005, p. 18) explica que:

[...] com a complexificação da questão social e como decorrência do tratamento


que o Estado atribui, recortando‑a como questões sociais a serem atendidas
pelas políticas sociais, instituiu‑se um espaço na divisão sociotécnica
do trabalho para um profissional que implementasse as políticas sociais,
contribuindo para a produção e reprodução material e ideológica da força de
trabalho (melhor dizendo, da sua subjetividade como força de trabalho).

A instrumentalidade possibilita ao assistente social a mediação necessária para analisar sua trajetória
sócio‑histórica de funcionalidade, vinculada à classe dominante e ao Estado, e modificar‑se dando
sentido histórico ao seu exercício profissional. Para isso, ele busca a criticidade para romper com a
concepção de instrumento de racionalização de conflitos.

Mediante a apropriação dessa mediação, há uma busca da profissão por inserir‑se como um ramo na divisão
do trabalho. É uma categoria que presta serviços especializados e que adquire condições de preparo técnico e
intelectual por meio da instrumentalidade. Guerra (2005, p. 23) nos elucida sobre essa questão, ao dizer que:

[...] nessa perspectiva pode‑se pensar a instrumentalidade do trabalho do


assistente social como propriedades/capacidades historicamente construídas
e reconstruídas pela profissão, como uma condição sócio‑histórica do
Serviço Social, em três níveis:

1. no que diz respeito à sua funcionalidade ao projeto reformista da


burguesia (reformar conservando);

2. no que se refere à sua peculiaridade operatória, ao aspecto


instrumental‑operativo das respostas profissionais (ou nível de
competência requerido) frente às demandas das classes, donde advém
a legitimidade da profissão;

3. como uma mediação que permite a passagem das análises


macroscópicas, genéricas e de caráter universalista às singularidades
da intervenção profissional, em contextos, conjunturas e espaços
historicamente determinados.

A instrumentalidade pode ser utilizada como mediação. Ela permite ao assistente social compreender
os contextos e as conjunturas sociais, visando à conscientização das massas e às transformações
das relações sociais dos próprios homens. Contribui para desvendar as representações e as relações
capital‑trabalho, rompendo com o processo conservador do exercício profissional e atuação do Serviço
Social tradicional. A instrumentalidade possibilita ao assistente social evitar a dicotomia entre o trabalho
manual e o trabalho intelectual, colabora para que os profissionais não acreditem na falsa ilusão de que,
no exercício profissional, a teoria é uma coisa e a prática, outra.
120
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

Para concluir, observemos que a instrumentalidade do Serviço Social não se limita ao desencadeamento
de ações instrumentais, nem ao exercício de atividades imediatas: ela permite apreender a totalidade
dos processos sociais e atuar sobre eles.

6.1.1 As competências do trabalhador assistente social e suas inserções em espaços


socioinstitucionais

Sem extrair o Serviço Social das condições e relações que lhe conforma –
as relações capitalistas de produção, o que implicaria a sua desistorização
– reconhece‑se que o trabalho profissional ocorre na concretização de
um processo que tem como matéria as diferentes e múltiplas expressões
da questão social. Um processo de trabalho exigente, portanto, de
definição clara de objeto, objetivos, instrumentos e técnicas de atuação,
além de referências teórico‑metodológicas e ético‑políticas, que dão
sustentação aos elementos indicados. Em termos de sua finalidade na
realidade brasileira, encontra‑se em acordo com seu projeto ético‑político
profissional, a defesa, ampliação e consolidação dos direitos sociais, da
democracia e da cidadania, cuja materialidade implica ações concretas,
viabilizadoras do acesso dos sujeitos aos serviços e programas sociais
(COFI/CFESS, 2008, s/p).

Esta citação traz elementos importantes ao pensarmos o trabalho do assistente social. Observa‑se
a necessidade do Serviço Social ter arrolado claramente seu objeto, seus objetivos, instrumentais, bem
como sua referência teórico‑metodológica e ético‑política. Esses elementos ou dão sustentação ao
projeto ético‑político, ou são os meios de materialização deste.

É essencial, a priori, retomar o âmbito da inserção do assistente social na divisão social do trabalho.
A constituição do projeto profissional e a determinação da prática profissional do assistente social
devem passar pela compreensão da inserção deste profissional no mercado de trabalho, em sua divisão
sócio‑técnica, o que compreende o assalariamento deste profissional e a existência de um contrato de
trabalho, delimitando condições concretas de sua realização. Esta análise traz elementos históricos, e
se distancia de reflexões que não compreendem os desafios cotidianos postos ao assistente social e/ou
confundem prática profissional com militância política (IAMAMOTO, 2004).

As condições de execução do trabalho profissional se dão no âmbito da compatibilidade dos


objetivos da instituição, pública ou privada, com aqueles do projeto ético‑político do Serviço Social; os
recursos disponíveis, salário, carga horária, contrato de trabalho, entre outras condições que inferem
sobre a prática profissional e organizam o trabalho. Portanto, as condições objetivas e subjetivas, como
espaço de intervenção, conjuntura histórica, capacitação teórico‑metodológica e escolhas determinam
a prática do Serviço Social (GUERRA, 2005). Deve‑se ainda ter em mente as contradições decorrentes do
surgimento do Serviço Social como resposta às demandas do capital.

Assim, à medida que o Serviço Social afirma seu projeto ético‑político no âmbito da conquista de
autonomia, liberdade, igualdade e direito dos trabalhadores, formam‑se tensões entre a legitimidade
121
Unidade II

de sua existência e suas competências técnicas e o projeto ao qual se propõe. Será que a sociedade
capitalista demandaria a existência de uma profissão que trabalhe contra suas bases fundantes?
Designaria competências e atribuições a uma categoria profissional que teria por objetivo o fim real das
desigualdades sociais?

Sendo a sociedade formada por classes diversas e por projetos societários igualmente diversos,
configura‑se um espaço de embates que permite outros traçados e objetivos para o projeto profissional
e para definição do trabalho profissional. Entretanto, é essencial compreender a contradição entre o que
a categoria profissional hegemonicamente vem propondo para o Serviço Social como prática e o que a
sociedade hegemonicamente demanda do Serviço Social.

O Serviço Social tem como objeto as múltiplas expressões decorrentes da questão social e vivenciadas
no cotidiano, o que podemos compreender como vulnerabilidades. Seu trabalho se desenvolve por meio
de programas, projetos, serviços, benefícios de enfrentamento às diversas vicissitudes da vida social –
seja em virtude de classe, gênero, raça ou geração (mediações da questão social).

Compreendendo o caráter contraditório da dinâmica social e consequentemente do espaço


de intervenção do Serviço Social, torna‑se imprescindível o entendimento de que o trabalho do
profissional pode contribuir para uma perspectiva que transforme a realidade ou que a mantenha. O
simples delimitar de ações com as classes pauperizadas não indica que se está fazendo um trabalho
que contribua efetivamente com estas classes, pois pode se estar reafirmando um trabalho de caráter
assistencialista e moralista que delimita a pobreza como um problema individual e de valores, e a
assistência como um favor.

O atendimento às vulnerabilidades se dá nos mais diversos espaços do setor público e privado,


bem como no terceiro setor. Destacamos como maior campo de atuação do Serviço Social a área da
saúde, embora outros campos também demonstrem expressividade, como a assistência social e o campo
sócio‑jurídico, o universo das empresas, a áreas da educação, habitação e o poder legislativo. Outros
espaços de inserção profissional são as assessorias, consultorias, pesquisas e planejamentos.

A inserção nos espaços públicos municipais, estaduais e federal normalmente se dão por meio de
concursos públicos e regimes estatutários. Já a entrada no setor privado se dá por meio de processos
seletivos. Os regimes de contratação têm se alterado, mesmo no âmbito do Estado, devido à flexibilização
do mundo do trabalho.

Não é possível aqui nos atermos às particularidades de cada um destes espaços institucionais. Iremos
pontuar, como exemplo, o postulado pelo CFESS como as competências para atuação do assistente
social. Este documento apresenta um perfil necessário ao profissional, indicando que ele deve ser
capaz de compreender os determinantes das desigualdades sociais, abrangendo os condicionantes
socioeconômicos, culturais e políticos. Devem ser competências do profissional: a capacidade de
compreender de maneira totalizante os processos de produção e reprodução das relações sociais; a
compreensão da realidade brasileira, em suas particularidades; o entendimento dos significados sociais
da profissão; e a identificação das demandas da sociedade, buscando o enfrentamento da questão
social. (CFESS, 2009). Este perfil deve aglutinar ainda a:
122
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

[...] leitura crítica da realidade e capacidade de identificação das condições


materiais de vida, identificação das respostas existentes no âmbito do
Estado e da sociedade civil, reconhecimento e fortalecimento dos espaços
e formas de luta e organização dos(as) trabalhadores(as) em defesa de
seus direitos, formulação e construção coletiva, em conjunto com os(as)
trabalhadores(as), de estratégias políticas e técnicas para modificação da
realidade e formulação de formas de pressão sobre o Estado, com vistas a
garantir os recursos financeiros, materiais, técnicos e humanos necessários
à garantia e ampliação dos direitos (ibidem, p.17).

Dentre as competências interventivas específicas do profissional na assistência social destacamos:

• intervenção junto a indivíduos, famílias e grupos buscando o acesso destes aos bens, serviços,
equipamentos e direitos, compreendendo o atendimento às necessidades básicas e aumento do
acesso aos direitos sociais;

• potencialização da participação popular, reivindicações e defesas dos direitos nos espaços de


controle social e os demais espaços de participação popular (CFESS, 2009).

Destaca‑se o papel crescente do assistente social nos processos de construção dos conselhos de
saúde, assistência social, tutelares, de direitos (criança e adolescente, idoso, pessoa com deficiência etc.)
(IAMAMOTO, 2001). Ele possui papel importante também na publicização, na divulgação de informações
e na formação, inclusive técnica, no sentido de capacitar a população, em particular seu público usuário,
para a participação nesses espaços.

Deve‑se ressaltar que o papel do assistente social não pode se restringir aos conselhos quando abordamos
a questão da participação. Os trabalhos de base, de fomento da organização e mobilização popular, de
caráter educativo, devem ser essencialmente retomados. A participação popular por si só não delimita uma
perspectiva progressista, pois os espaços de participação são espaços de disputa, o que pode representar, por
exemplo, vícios populistas no trato da coisa pública (IAMAMOTO, 2001). É necessária uma prática que viabilize
e potencialize a gestão de bens e serviços para os usuários, buscando atender a essas demandas e pautando
uma gestão democrática e participativa, num âmbito intersetorial e interdisciplinar (CFESS, 2009).

O profissional deve garantir em seu trabalho a aproximação com o usuário, não se relacionando com
este como vítima, mas como sujeito com potencial transformador (IAMAMOTO, 2004). Deve estar atento
às demandas dos usuários, não pautando ações impositivas, mas mediando o processo de compreensão
das necessidades das classes empobrecidas por meio de um olhar crítico, o que significa trabalhar junto
com a comunidade na reflexão e entendimento de sua realidade.

O Código de Ética profissional pauta a liberdade, a defesa dos direitos humanos e a cidadania, indicando
assim o rumo profissional a ser seguido, devendo ser materializado nas ações cotidianas do assistente social.

Assumir a defesa intransigente dos direitos humanos traz, como


contrapartida, a recusa a todas as formas de autoritarismo e arbítrio. Requer
123
Unidade II

uma condução democrática do trabalho do Serviço Social, reforçando a


democracia na vida social. Afirmar o compromisso com a cidadania exige
a defesa dos direitos sociais tanto em sua expressão legal, preservando e
ampliando conquistas da coletividade já legalizadas, quanto em sua realidade
efetiva. À medida que os direitos se realizam, alteram o modo como as
relações entre os indivíduos sociais se estruturam, contribuindo na criação
de novas formas de sociabilidade, em que o outro passa a ser reconhecido
como sujeito de valores, de interesses, de demandas legítimas, passíveis de
serem negociadas e acordadas. Portanto, colocar os direitos sociais como
foco do trabalho profissional é defendê‑lo tanto em sua normatividade
legal, quanto traduzi‑los praticamente, viabilizando a sua efetivação social
(IAMAMOTO, 2004, p. 78).

O movimento de municipalização da política de assistência social, bem como sua consolidação por
meio do PNAS (2004) que propõe o SUAS, e ainda outros instrumentos legais, NOB/SUAS; NOB/RH;
Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, entre outros, configuram uma verdadeira revolução
no âmbito da política pública de assistência, esta exige do profissional um perfil caracterizadamente de
gestor, formulador e executor de políticas públicas.

Iamamoto (2001, pp. 36‑37) sintetiza este perfil:

O processo de descentralização das políticas sociais públicas – com ênfase


na sua municipalização – requer dos assistentes sociais – como de outros
profissionais – novas funções e competências. Estão sendo requisitos
(sic) e devem dispor de competências para atuar na esfera da formulação
e avaliação de políticas, assim como do planejamento e gestão, inscritos
em equipes interdisciplinares que tensionam a identidade profissional.
Os assistentes sociais ampliam seu espaço ocupacional para atividades
relacionadas à implantação e orientação de conselhos de políticas públicas,
à capacitação de conselheiros, à elaboração de planos de assistência social,
acompanhamento e avaliação de programas e projetos. Tais inserções são
acompanhadas de novas exigências de qualificação, tais como o domínio de
conhecimentos para realizar diagnósticos socioeconômicos de municípios
e para a leitura e análise dos orçamentos públicos identificando recursos
disponíveis para projetar ações; o domínio do processo de planejamento; a
competência no gerenciamento e avaliação de programas e projetos sociais,
a capacidade de negociação, o conhecimento e o know‑how na área de
recursos humanos e relações no trabalho, entre outros.

A política neoliberal traz à tona também outro desafio à profissão, o corte em relação às políticas
sociais sob justificativas orçamentárias. Coloca‑se, então, como desafio ao profissional e às instituições
formativas, a aquisição de conhecimentos e habilidades necessários para negociar orçamentos que
viabilizem a consecução do projeto ético‑político por meio dos serviços, programas, projetos sociais.
(IAMAMOTO, 2001).
124
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

As competências técnicas do assistente social circulam em torno do atendimento individual e


coletivo aos usuários, da formulação de projetos, programas, benefícios e serviços, da gestão de
políticas sociais e outras ações nos setores público e privado – nas mais diversas instituições e
abrangendo distintas áreas.

Compreende‑se a necessidade de destacar aqui o compromisso com o projeto ético‑político da


profissão, portador de ideais como justiça social, democracia e igualdade. O profissional, além de
compreender os processos técnicos pelos quais intervém na realidade, deve essencialmente conseguir
analisar se estes instrumentais e se sua intervenção de maneira geral vêm respondendo a seu projeto
profissional. Para tanto, o aprofundamento teórico e a prática das pesquisas são essenciais.

Para um compromisso com usuário é necessário romper as rotinas


e a burocracia estéreis, potenciar as coletas de informações nos
atendimentos, pensar a reorganização do plano de trabalho tendo
em vista as reais condições de vida dos usuários. Em outros termos,
identificar como a questão social vem forjando a vida material, a
cultura, a sociabilidade, afetando a dignidade da população atendida.
Enfim, é o conhecimento criterioso dos processos sociais e sua vivência
pelos indivíduos sociais que poderá alimentar propostas inovadoras,
capazes de propiciar o reconhecimento e atendimento às efetivas
necessidades sociais dos segmentos subalternizados, alvos das ações
institucionais (IAMAMOTO, 2001, p. 32).

Iamamoto (2002, 2005) corrobora nesse sentido com o entendimento de que entre as atividades
essenciais da prática profissional está a pesquisa, não como um momento separado, mas como atividade
incorporada à prática. A compreensão da questão social e suas expressões no cotidiano do trabalho, nas
relações das famílias, na economia regional etc., devem fazer parte essencial da atuação do assistente
social, pois não há como planejar uma atuação efetiva sem o conhecimento da realidade.

Diante desta constatação, indica‑se que o método do materialismo histórico‑dialético traz recursos
profícuos para análise da realidade, visto que compreende os diversos determinantes dela, a realidade
em sua totalidade, bem como suas singularidades e historicidade. Dá conta de apreender “as relações
entre trabalho, questão social e o Serviço Social” possibilitando a elaboração de “estratégias que
possam contrarrestar a programática neoliberal em favor das necessidades e interesses da coletividade”
(IAMAMOTO, 2004, p. 30). Guerra (2005, p. 23) indica ainda que:

[...] considerando a relativa fragilidade teórica e analítica da profissão,


decorrente da insuficiência de pesquisa e de conhecimento sobre a realidade,
sobre o próprio Serviço Social, sobre as demandas e usuários e sobre as
novas funções assumidas pela profissão, o que aparece é uma certa ausência
de “criatividade” e de instrumentos técnicos para intervir.

Conclui‑se que é primordial na compreensão do trabalho do assistente social e em sua inserção em


qualquer espaço sócio‑institucional o entendimento de que seu objeto de ação é a questão social e suas
125
Unidade II

expressões, delimitadas em suas mediações e particularidades. Os objetivos e instrumentais devem ser


construídos de acordo com a realidade a ser trabalhada, mas devem ter por horizonte certo o projeto
ético‑político profissional. E, essencialmente, o profissional deve ter capacidade teórico‑analítica para
pesquisar a realidade apresentada e determinar ações que efetivamente caminhem para a superação da
desigualdade social e das vulnerabilidades dos usuários, numa perspectiva de ampliação de acessos, de
direitos sociais e de participação popular.

6.2 Trabalho profissional: dilemas para reflexão

Na atuação do profissional, diversos são os questionamentos, dificuldades e dilemas. Serão aqui


destacados alguns deles.

A prática terapêutica no âmbito do Serviço Social gera dúvidas, angústias e embates. As demandas
atendidas no cotidiano profissional são, em geral, “recebidas” na individualidade de cada usuário
atendido, sendo apreendidas ainda com as tristezas, ansiedades e alegrias particularizadas por cada
um. A busca pelo atendimento efetivo destas demandas provoca a procura por diferentes referenciais
teóricos e a criação de instrumentais e técnicas, o que acabou por resultar em algumas práticas, como
as de cunho terapêutico.

O texto “Práticas terapêuticas no âmbito do Serviço Social: subsídios para aprofundamento do


estudo”, elaborado pelo CFESS (COFI) e aprovado pelo Conselho Pleno do CFESS em junho de 2008,
debate as competências profissionais do assistente social, especificando suas delimitações em relação
ao trabalho terapêutico e destacando a história deste debate, fazendo referência aos fatos ocorridos no
âmbito da profissão na década de 1990, marcados pela regulamentação da profissão e pelas reflexões
promovidas pelo conjunto CFESS/CRESS8.

O texto faz parte do contexto de veto às práticas terapêuticas pelo assistente social promovido pelo
CFESS. Essas práticas, segundo pesquisa realizada pelo CFESS, atuam no âmbito da reintegração social,
agindo em favor de famílias e indivíduos em situação de sofrimento e crises referentes à depressão,
estresse, alcoolismo etc. Seus objetivos são: trabalhar a autoestima, promover o autoconhecimento,
auxiliar na superação de problemas, contribuir para a garantia de acesso aos recursos da comunidade
etc. E quem fornece os fundamentos teórico‑metodológicos para isso são as áreas de psicanálise,
antropologia cultural, teoria da comunicação, teoria construtivista, entre outras.

A Resolução nº 569/2010 do CFESS veta o exercício de atividades de cunho terapêutico pelo


profissional de Serviço Social, retomando as determinações do Código de Ética do Serviço Social para
delimitar a irregularidade desta prática. O Código de Ética, bem como as diretrizes curriculares da ABEPSS,
deixam clara a vinculação da prática profissional com um projeto societário regulado na superação da

A gestão do CFESS 1996‑1999 e 1999‑2000 produziu debates sistematizados pela COFI/CFESS e pela Profa. Dra.
8

Marilda Iamamoto que em 2002 originaram a publicação de “As atribuições privativas do assistente social em questão”.
O CRESS 7ª Região produziu debates em 2002 que resultaram em duas publicações, “Serviço Social Clínico e o projeto
ético‑político profissional” e “Atribuições Privativas do assistente social e o ‘Serviço Social Clínico’”. Estas reflexões e suas
sistematizações trazem referências fundamentais, segundo o texto, para a reflexão deste tema.
126
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

exploração de classe, gênero ou etnia. Questiona‑se, portanto, se as práticas terapêuticas e clínicas dão
conta de compreender que as agruras individuais são expressões da questão social.

É importante desenvolver a capacidade de ver, nas demandas individuais, as dimensões


universais e particulares que elas contêm. O desvelamento das condições de vida dos sujeitos
atendidos permite ao assistente social dispor um conjunto de informações que, iluminadas por uma
perspectiva teórica crítica, lhe possibilita apreender e revelar as novas faces e os novos meandros
da questão social que o desafia a cada momento no seu desempenho profissional diário. É da maior
importância traduzir esta reflexão no “tempo miúdo do trabalho cotidiano”, como afirma Yazbek
(apud IAMAMOTO, 2001, pp.27‑28):

[...] pois a questão social está aí presente nas diversas situações que chegam
ao profissional como necessidades e demandas dos usuários dos serviços:
na falta de atendimento às suas necessidades na esfera da saúde, da
habitação, da assistência, nas precárias condições de vida da famílias, na
situação dos moradores de rua, na busca do reconhecimento dos direitos
trabalhistas e previdenciários da parte dos trabalhadores rurais, na violência
doméstica, entre inúmeros outros exemplos. Importa ter clareza que a
análise macroscópica sobre a questão social [...] expressa uma realidade que
se materializa na vida dos sujeitos. Este reconhecimento permite ampliar
as possibilidades de atuação e atribuir dignidade ao trabalho do assistente
social, porque ele não trabalha com fragmentos da vida social, mas com
indivíduos sociais que condensam a vida social.

Iamamoto (2002) destaca ainda a ausência de uma formação para a prática terapêutica no âmbito
do Serviço Social, inclusive nos marcos legais.

O veto às práticas terapêuticas pelo profissional de Serviço Social é alvo


de contestações por profissionais da área, como se verifica, por exemplo,
na mídia virtual. Profissionais se reuniram para apresentar contraposição à
resolução do CFESS por meio de manifestações como abaixo‑assinados. Estes
profissionais argumentam que há assistentes sociais com especializações na
área, e que deve ser garantida sua legitimidade profissional; que defender
a prática terapêutica é defender o pluralismo na profissão; além de que o
Serviço Social já possuiria caráter terapêutico ou que deveria buscar outras
fundamentações para garantir o devido olhar à subjetividade; entre outros
argumentos (COFI/CFESS, 2008).

O perigo a se evitar é a não percepção da individualização de questões de caráter macrossocial


vivenciadas pelos usuários do Serviço Social, como o fato de que a pobreza, a violência doméstica e a
quimiodependência, por exemplo, têm determinantes macrossociais que se particularizam no cotidiano
individual. A existência de classes sociais, a reestruturação do mercado e do caráter dado às políticas do
Estado, a subordinação historicamente vivenciada pelas mulheres e a crise ética são condicionantes de
uma realidade social; abordar estas questões como problemáticas vividas isoladamente pelo usuário x
127
Unidade II

ou pela família y distorce a realidade, causando impacto nas políticas, programas ou projetos que são
criados apenas para dar respostas paliativas.

Não se está aqui negando a individualidade, a subjetividade, as questões de ordem psicológica


presentes nestas problemáticas, ou mesmo o atendimento individual oferecido pelo Serviço Social;
apenas busca‑se situar sua prática.

Observação

É importante destacar que cabe ao profissional de Serviço Social


o acolhimento devido do usuário, compreendendo o estabelecimento
de ambiência acolhedora, bem como o recebimento das demandas,
necessidades e possibilidades do usuário.

Alguns questionamentos podem ser feitos na contribuição desta reflexão: o profissional de Serviço
Social possui formação e/ou competência técnica para trabalhar com abordagens terapêuticas? Caso
o profissional não faça a leitura das questões de ordem macro, algum outro profissional o fará?9 A não
compreensão da questão social e suas mediações possibilitam um entendimento concreto da realidade?
Possibilita a busca de uma prática voltada para a conquista de direitos sociais, autonomia, superação
de situações de exploração e discriminação, objetivos pautados em nosso projeto ético‑político? Esses
questionamentos podem servir para guiar outras dúvidas referentes à prática profissional.

No âmbito das empresas, a atuação do assistente social normalmente se vincula a outras áreas
que não especificamente o Serviço Social, como a de recursos humanos. Por vezes o profissional não
reconhece em sua atuação profissional as competências do assistente social, se identificando com os
cargos que ocupam (como as coordenadorias) e não mais com sua formação profissional – o que indica
falta de reflexão e identidade profissional (IAMAMOTO, 2002).

O universo das empresas coloca o trabalhador numa relação mais direta com a contradição
capital/trabalho, e neste espaço as relações de exploração e o papel de controle social demandado
ao profissional são mais explicitados. Cabe destacar, retomando o pressuposto de que os processos
de trabalho organizam o trabalho do assistente social, que as possibilidades de autonomia dadas ao
profissional são de modo geral menores.

Apesar de hegemonicamente pautar um projeto profissional transformador da realidade social,


o caráter de inexorabilidade apresentado pelo contexto atual pode provocar apatia e descrença nos
profissionais diante de novas propostas, mais democráticas, voltadas para uma perspectiva de direitos.

9
Esta abordagem deve pautar inclusive o atendimento individual, já no processo de acolhida, não se
culpabilizando o sujeito individualmente pela vulnerabilidade apresentada, em que as reflexões a serem realizadas
com este, bem como os encaminhamentos dados, expressam o entendimento da questão social e de suas mediações,
obviamente de maneira pedagógica.
128
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

Pode‑se pensar nas dificuldades que se apresentam quando a proposta é um trabalho de


desenvolvimento comunitário: a baixa adesão da população, as dificuldades e mesmo resistências à
participação e o descrédito em relação ao proposto.

As transformações societárias que aguçam a centralidade da racionalidade capitalista sob todas as


relações, inclusive as das políticas sociais, e a não existência de propostas significativas que contraponham
esta racionalidade impulsionam a descrença e as alternativas ao capitalismo, resultando na renovação
e modernização das práticas conservadoras e as transvestindo‑as com uma nova roupagem, pois
estas parecem as únicas possíveis (GUERRA, 2005). Ao se propor o novo, o alternativo, não podemos
desconhecer as dificuldades que se apresentarão, sob pena de não resistirmos a elas ou retomarmos
práticas antigas apenas revestindo‑as.

A profissionalização do Serviço Social tem como um dos empecilhos para sua efetivação a
predominância do “instinto e da experiência pessoal” no embasamento da prática em detrimento
de um referencial teórico‑metodológico (GUERRA, 2005, p. 23). A falta de aprofundamento teórico
durante a formação profissional e, posteriormente, a não continuidade desta, por meio da formação
contínua, fragilizam o trabalho do assistente social, inclusive no que se refere à sua colocação diante
das demais categorias. É necessário ter clara a importância da qualificação teórica, apesar do trabalho
eminentemente prático do Serviço Social.

Devem ser evitados também o teoricismo, o militantismo e o tecnicismo (IAMAMOTO, 2005).


Embora a fundamentação teórico‑metodológica seja essencial para o exercício profissional, o
descolamento deste embasamento teórico com a realidade provoca um “teoricismo estéril”,
incapaz de possibilitar a análise de contexto que deve fundamentar a prática (IAMAMOTO, 2005).
As particularidades vividas devem ser observadas, analisadas sob o referencial teórico; este será
infértil se permanecer no nível da abstração, não possibilitando o conhecimento do concreto.
Pesquisas e análises sobre as demandas da assistência social, os projetos, programas propostos etc.
devem fazer parte do cotidiano de trabalho.

O militantismo ou politicismo refere‑se às posturas de crítica e engajamento político que não se


sustentam teoricamente nem em termos de competência profissional.

As relações entre engajamento político e profissão foram fontes de inúmeros


equívocos desde o movimento de reconceituação no âmbito do Serviço
Social. Este, como profissão, tem uma necessária dimensão política por estar
imbricado com as relações de poder da sociedade. O Serviço Social dispõe
de um caráter contraditório que não deriva dele próprio, mas do caráter
mesmo das relações sociais que presidem a sociedade capitalista. Nesta
sociedade, o Serviço Social inscreve‑se em um campo minado por interesses
antagônicos, isto é, interesses de classes distintos e em luta na sociedade
(IAMAMOTO, 2005, p. 54).

A atuação que abrange somente aspectos técnicos é insuficiente como prática profissional por ser
descompromissada com seu caráter transformador, além de ser portadora de uma visão pouco crítica
129
Unidade II

da realidade. A prática profissional, portanto, deve abranger os aspectos técnicos, políticos e teóricos
de maneira integrada, objetivando o conhecimento profundo da realidade. Com o objetivo de analisar a
compreensão dos conteúdos estudados, propomos a seguinte questão reflexiva: como o Serviço Social
se situa na reprodução das relações sociais?

É neste contexto que o Serviço Social atua, mas cabe ressaltar que hoje se faz necessário seu
atrelamento com os movimentos sociais, com o projeto ético‑político e profissional, e também com
um novo projeto societário. Desta forma, a principal conquista é a recusa do profissional em colocar‑se
como “agente técnico puramente executivo”, passando a partir de então a pleitear atividades em níveis
de gestão e planejamento das políticas públicas, obtendo assim o status de profissional intelectual e
afastando‑se da subalternidade inculcada na gênese profissional.

Em consonância com Iamamoto (2008) no que tange ao projeto profissional, contata‑se


que sua origem é fruto da organização dos assistentes sociais atrelada à crescente qualificação
teórica e do aprimoramento da sua dimensão política, construído no exercício do debate e
participação política. Parafraseando Netto (2005), o projeto sinaliza um compromisso com a
competência, cuja base só pode ser o aprimoramento intelectual, complementando ainda que
o projeto prioriza uma nova relação sistemática com os usuários dos serviços oferecidos pelos
AS: é o seu componente estrutural o compromisso com a qualidade dos serviços prestados à
população, incluída nesta qualidade a publicização dos recursos institucionais, instrumento
indispensável para a sua democratização e universalização e, sobretudo, para abrir as decisões
institucionais à participação dos usuários.

Torna‑se portanto fundamental a articulação da categoria com outros segmentos profissionais


que compartilhem os mesmos ideais societários, sobretudo aqueles que visem à diminuição das
desigualdades sociais.

Netto também observa que o PEPP traduz uma autoimagem da profissão, em que valores são
elencados e constituem a legitimidade da profissão. O projeto ético‑político profissional delimita e
prioriza funções, demanda prerrogativas ao exercício da profissão e constrói normas para a postura
profissional entre os colegas de trabalho e os usuários de seus serviços.

Desta forma, segundo Iamamoto (2008), o projeto profissional pressupõe uma dupla
dimensão: de um lado as condições macrossocietárias, e, do outro, as respostas sócio‑históricas,
ético‑políticas e técnicas. Assim, evidencia‑se a indissociabilidade de projetos societários
dos profissionais, tendo na historicidade a identidade e força da intervenção profissional.
Evidentemente que as implicações ético‑políticas conformam tais cenários profissionais, uma
vez que o caráter interventivo pressupõe uma reflexão teórica capaz de concretizar os princípios
do atual Código de Ética da profissão.

Simões (2009), em seu livro Curso de Direito do Serviço Social, relata que com a regulamentação
da profissão em 1993, a partir da Lei nº 8.662, o Serviço Social normatiza procedimentos e a natureza
do exercício profissional, sendo‑lhe instituídos deveres e assegurando atribuições privativas, cabendo
destacar as seguintes de atribuição exclusiva:
130
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

• realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria do SS;

• treinar, avaliar e supervisionar diretamente estagiários do SS;

• fiscalizar o exercício profissional por meio dos conselhos regionais e federal.

Salienta‑se aqui que o Código de Ética de 1993 ampliou politicamente a atuação profissional. Os
valores éticos fundamentados no compromisso com o usuário, favorecendo a liberdade, contribuem
para a consolidação da democracia, por meio da construção da cidadania, da ampliação da justiça e da
diminuição da desigualdade social.

Decorrente dos princípios firmados na Constituição de 1988, o Código de Ética normatiza o exercício
profissional de modo a favorecer que as prerrogativas constitucionais alcancem aqueles a quem se
destinam, vindo então a conceber a assistência social como direito subjetivo público.

Cabe destacar, conforme Simões (2009), que o Código de Ética tem em seu pórtico a instituição
de alguns princípios fundamentais de ordem democrática, expressando‑se desta forma no cotidiano
profissional às múltiplas dimensões da assistência social, sobretudo a política, que objetiva
estabelecer princípios como: liberdade, defesa dos direitos humanos, exclusão da arbitrariedade
e do preconceito, equidade, justiça social e o favorecimento do pluralismo político. O autor ainda
acrescenta que o presente código vai além de um instrumento corporativista, estabelecendo
princípios constitucionais.

Em sua estrutura, o Código de Ética retifica o exercício profissional mediado por três tipos de normas:

• orgânicas (competências e poderes);

• éticas (direitos e deveres);

• procedimentais (procedimentos sobre enquadramentos, apuração e penalização).

Portanto, o trabalho do assistente social requer atualmente retomar o debate e aprofundar a


questão da profissão estar situada na divisão do trabalho coletivo, com foco em seu significado como
um processo que reproduz as relações sociais. Por outro lado, depara‑se com a crescente mercantilização
do trabalho do assistente social, a condição de trabalhador assalariado acaba por subordinar o exercício
profissional aos “ditames do trabalho abstrato e os impregna dos dilemas da alienação”, fragilizando a
implementação do projeto profissional.

Assim, o dilema entre causalidade e teleologia determina ao profissional momentos de estrutura e


de ação, tendo a capacidade de articulação, leitura histórica e singularidade do sujeito como quesitos
fundamentais do assistente social na atualidade.

131
Unidade II

6.2.1 O Serviço Social e a prática institucionalizada

As instituições figuram como elementos inseparáveis do Estado, pois ambos consubstanciam


fortes elos que os vinculam, haja vista o aporte consensual que os legitimam. O Estado, em face das
necessidades da sociedade, busca sua organização, controle e regulação por meio das instituições
que representam aparelhos funcionais, cuja pretensão é dar respostas às necessidades sociais de uma
determinada época, seguindo a dinâmica social existente. Nesse contexto, insere‑se a assistência social
como prática institucionalizada e legitimada socialmente.

Assim sendo, é pertinente e extremamente relevante e necessário que o assistente social conheça
o espaço sócio‑ocupacional em que se insere. Conhecer como se configura a instituição, suas normas,
hierarquia e rotinas propiciará ao profissional estabelecer critérios para sua atuação no sentido de
viabilizar direitos sociais.

Lembrete

Lembre‑se, portanto, do caráter antagônico inerente às instituições,


uma vez que elas se constituem instrumentos ou aparelhos de
controle da sociedade. Daí ser imprescindível aguçar o entendimento
nesse âmbito para que o assistente social, munido de conhecimento
teórico‑metodológico, técnico‑operativo e ético‑político, possa contribuir
no processo de superação das demandas dos usuários das instituições
mediante construção de estratégias e táticas criativas e propositivas em
uma perspectiva de direitos.

Em relação à tríade de conhecimento teórico‑metodológico, técnico‑operativo e ético‑político, esta


por si só resolveria a efetivação do exercício profissional na perspectiva de transformação da realidade?
O conhecimento em si, somente ele, pode propiciar mudanças significativas no cotidiano profissional?
Aventurar‑se pela literatura na área do Serviço Social, bem como de ciências como a Sociologia, filosofia,
entre outras, pode contribuir para elucidação dessas questões, além de revelar novos caminhos.

Nesse contexto, o assistente social direciona sua práxis profissional considerando sua relativa
autonomia, pois esse profissional decide os meios como realizar as atividades, os instrumentos
técnico‑operativos e as estratégias a serem implementadas, porém depende do aval das estruturas
ou das instituições em que se insere para execução do seu trabalho. A título de ilustração, quando da
construção de projetos, o assistente social depende da apreciação e deferimento dos níveis decisórios
para a destinação de recursos e materialização dos objetivos e metas lá estabelecidos.

Conforme Iamamoto (2004), o assistente social possui uma relativa autonomia, pois é contratado
por uma classe – a dominante – e atende aos interesses da outra – a classe dominada. Nesse contexto, o
desempenho profissional deve, por um lado, garantir a reprodução de sua força de trabalho e, por outro,
legitimar os interesses da classe oprimida.

132
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

Saiba mais

Assista ao filme O quarto poder. Dir. Costa‑Gravas. EUA, 114 minutos, 1997.

Esse filme narra a trama de um repórter que faz a cobertura de uma notícia
na perspectiva de transformá‑la em um forte evento midiático. É importante
atentar para as questões éticas, as relações de poder e as estratégias de
manipulação dos sentimentos e do tempo, observando a reação das pessoas
em face dos acontecimentos mediante as informações veiculadas pela mídia.
Observe como o foco principal da questão é desviado em função do interesse
do repórter e da rede de televisão para a qual trabalha.

Buscando associar suas observações sobre os efeitos do poder instituído da mídia, compare aspectos
do desenrolar da atuação do profissional no filme com situações semelhantes ao fazer profissional do
assistente social na contemporaneidade.

Em face do exposto, apreende‑se o exercício profissional subordinado a hierarquias institucionais,


apesar de o profissional de Serviço Social atuar nas políticas públicas. Diante disso, segundo Faleiros
(1985), cabe ao assistente social estabelecer formas horizontais de comunicação junto aos usuários dos
seus serviços, mantendo‑os informados sobre a política na qual atua, sua viabilidade ou inviabilidade.
Ao promover essa socialização de informações e conhecimentos, o profissional estimulará as classes
subalternas para que articulem resoluções de seus interesses.

Desse modo, é importante compreender que, no processo de comunicação, há confronto de saberes


diversos, os quais servem a políticas diferentes, cujas relações se fecundam em interesses contraditórios.
A importância da informação mencionada anteriormente implica, nesse contexto, mudança das relações
de força e de saber no sentido de que as classes subalternas se apropriem do conhecimento das políticas
institucionais de forma transparente e articulada, pois é nas relações de força que estão os limites para
a sua mudança, afirma Faleiros (1985).

O assistente social efetiva seu exercício profissional normalmente inserido em instituições públicas,
órgãos com estruturas altamente burocratizadas em que os usuários dos serviços ou políticas públicas
precisam se enquadrar nos seus critérios e normas de atendimento das políticas por elas implementadas
e oferecidas. Esses critérios costumam exigir um arsenal de papéis que podem constituir, normalmente,
um conjunto de medidas burocrático‑administrativas que representam entraves ao exercício profissional.

Concernente a esse aspecto, Iamamoto (2004, p. 21) assevera que:

A atividade burocrática e rotineira [...] reduz o trabalho do assistente social


a mero emprego, como se esse se limitasse ao cumprimento burocrático de
horário, à realização de um leque de tarefas as mais diversas, ao cumprimento
de atividades preestabelecidas.

133
Unidade II

Os usuários apresentam demandas emergenciais e urgentes, que por isso necessitam de respostas
rápidas e imediatas, as quais prescindem de preenchimento e trâmites de formulários e laudos que
causam morosidade no processo.

Decifrar esses entraves institucionais permite ao assistente social desnudar a dinâmica das instituições
no sentido de ampliar e aprofundar seus conhecimentos para se propor estratégias e técnicas favoráveis
ao empoderamento e emancipação das classes subjugadas e alijadas dos bens e serviços sociais. Assim
dribla nessa relação a situação de dependência e de paralisação social a que segmentos da sociedade
estão submetidos.

Ante o exposto, você pode perceber a fulcral relevância em termos de apropriação pelo assistente
social do conhecimento da complexa e ampla rede de problemas sociais existentes, bem como do
papel das instituições no processo de implantação e implementação das políticas públicas. Na atual
conjuntura, você pode perceber também o progressivo, célere e avassalador crescimento dos problemas
sociais. O recrudescimento da miséria e o empobrecimento das camadas de baixo poder aquisitivo têm
nos revelado a magnitude do problema, bem como atos frequentes de corrupção que fazem minar os
recursos e verbas destinados às instituições prestadoras de serviços públicos e/ou privados.

Iamamoto (ibidem, p. 163) afirma que:

Daí resulta um receituário de medidas assentado na crítica dos desvios


institucionais da implementação das políticas de assistência pública. Isto
é, se a assistência fosse tratada de forma “satisfatória” pelo Estado, por
meio de uma gestão racional e eficiente de verbas, poder‑se‑ia dar conta
medianamente da administração da miséria.

Diante disso, além da apropriação do conhecimento, a responsabilidade e o compromisso do


profissional são elementos imprescindíveis no desvendamento do mundo contemporâneo, o qual
representa desafios e entraves de dimensões excepcionais.

Associado a tudo isso, é imprescindível que o assistente social parta da compreensão dos princípios
de seu Código de Ética Profissional, observe‑os de forma a contribuir na construção de propostas
críticas e efetivas de práticas que beneficiem os usuários de seus serviços e prime por transparência na
socialização das informações. Também deve preservar o zelo pela imagem da profissão e da qualidade
de seu trabalho pautado no projeto ético‑político da profissão.

Desse modo, sua práxis profissional estará remetendo à defesa da universalização dos direitos,
ampliando o acesso a eles face ao compromisso explícito voltado aos interesses coletivos dos segmentos
subalternos da sociedade.

Nessa perspectiva de fortalecimento da identidade profissional articulada a um projeto de classe,


as estratégias e as técnicas no desempenho do trabalho profissional devem garantir materialidade aos
interesses dos subalternos e promover a concreticidade de direitos sociais e humanos.

134
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

Face ao exposto, você pode perceber que, no âmbito de atuação do assistente social, não há “receitas”
prontas e acabadas de como agir, o que há é construção permanente que necessita de embasamento
teórico‑metodológico para o uso e desenvolvimento criativo e propositivo de estratégias e técnicas.

Iamamoto (2004, p. 21) acrescenta que:

[...] as alternativas não saem de uma suposta “cartola mágica” do


assistente social; as possibilidades estão dadas na realidade, mas não
são automaticamente transformadas em alternativas profissionais. Cabe
aos profissionais apropriarem‑se dessas possibilidades e, como sujeitos,
desenvolvê‑las transformando‑as em projetos e frentes de trabalho.

As estratégias e as técnicas variam conforme o ambiente institucional, pois em cada espaço


sócio‑ocupacional em que se insere o assistente social possui características e possibilidades de
intervenção peculiares. As políticas sociais públicas (assistência social, previdência, habitação, educação,
saúde, segurança pública, entre outras) constituem‑se espaços que mais empregam assistentes sociais,
os quais podem usar estratégias democráticas previstas em leis específicas, como: os conselhos gestores,
as conferências descentralizadas e participativas e a aplicação transparente de recursos por meio de
fundos.

Contudo, para além dos direitos previstos em lei, o assistente social em sua atuação pode propor a
superação dos excessos da burocracia, objetivando sua minimização no acesso aos serviços e direitos, pois
filas, adiamento de pedidos, falhas na comunicação, ausência de prestação de contas e de explicações
plausíveis emperram o desenvolvimento das pessoas arrefecendo o espírito de luta. O assistente social
nesse contexto pode e deve utilizar sua criatividade para garantir, do planejamento à execução de
políticas públicas, a participação dos usuários nos diversos projetos sociais, mantendo‑os informados
sobre seus direitos.

6.2.2 As estratégias e técnicas profissionais: a relação teoria e prática

O desempenho do exercício profissional requer utilização de estratégias e técnicas subsidiadas pelo


referencial teórico‑metodológico acumulado e aperfeiçoado ao longo da formação acadêmica e da vida
profissional.

Iamamoto (2004, p. 21) afirma que o exercício profissional é mais do que o mero emprego, o qual
coloca o profissional no mero cumprimento de atividades rotineiras e burocráticas. Segundo a autora,
o exercício profissional:

É uma ação de um sujeito profissional que tem competência para propor,


para negociar com a instituição seus projetos, para defender o campo de
trabalho, suas qualificações e funções profissionais. Requer, pois, ir além
das rotinas institucionais e buscar apreender o movimento da realidade
para detectar tendências e possibilidades nela presentes passíveis de serem
impulsionadas pelo profissional.
135
Unidade II

Você pode perceber que o assistente social deve ser capaz de estabelecer objetivos e finalidades
profissionais e, para tal exercício, é fundamental que estabeleça a relação teoria e prática. Uma vez
conectadas essas duas dimensões, elas possibilitarão uma mediação profissional direcionada à
construção de atividades e alternativas de ação que desemboquem na criação de respostas às injunções
demandadas aos assistentes sociais.

A materialização de uma prática profissional que entrelaça teoria e prática conta com as seguintes
dimensões: referencial teórico, que é apresentado ao profissional desde sua vida acadêmica (trata‑se do
conhecimento científico que comporá o arsenal teórico do assistente social, o seu saber profissional);
técnico‑operativa, que compreende o conjunto de instrumentos de trabalho utilizados pelo assistente
social durante seu exercício profissional (esses instrumentos são: reuniões, entrevistas, visitas domiciliares,
laudos, pareceres, relatórios etc.); ético‑política, que determina a opção do profissional pautada em
uma determinada postura ética em sua prática profissional; e investigativa, que resulta na investigação
da realidade e objetiva a compreensão da totalidade dos fatos (também prima por romper com a
imediaticidade dos fenômenos e analisar as demandas postas ao Serviço Social, buscando encaminhar
soluções para os problemas dos usuários de seus serviços).

Essas dimensões, engendradas no arcabouço teórico do Serviço Social, viabilizam um fazer profissional
fundamentado capaz de evidenciar uma visão holística da problemática social apresentada rumo à
transformação impactante na qualidade de vida dos serviços prestados, bem como da população.

Conforme você pode perceber, a teoria não se constitui mera atitude contemplativa. Ao contrário, ela
norteia o pensamento e o intelecto do assistente social no sentido de desvelar o fenômeno aproximando‑se
do real concreto e estabelecendo caminhos diversos na construção de seu objeto de atuação em uma
perspectiva de superação e transformação. A estrutura teórica é o elemento que vai iluminar e subsidiar a
ação profissional, bem como aquela ainda não existente vai permitir elaborar essa prática e o planejamento
e atribuir ao profissional conhecimentos e subsídios para desenvolver práticas embrionárias.

A prática remete à práxis que corresponde às atividades práticas humanas; a teoria vincula‑se ao conjunto
do saber humano apreendido pelos homens. Essas dimensões estão relacionadas e são desenvolvidas nas
relações sociais, retiradas e abstraídas da história humana. A relação teoria e prática constitui‑se um
processo de reflexão complexo e contínuo, podendo passar da teoria para a prática e dessa para a teoria.

Barbosa (1987) assevera que a atividade prática é a base da práxis, mas é preciso que esteja
consubstanciada com a teoria; do contrário, será mera prática e não há possibilidade de transformação
sem teoria. O autor acrescenta que:

A práxis possibilita que toda atividade teórica se reveja, se enriqueça, se


atualize historicamente. A relação entre a teoria e a prática é que a atividade
teórica, coordenada com a atividade prática, realiza a ação transformadora,
transformando a natureza e o homem (BARBOSA, 1987, p. 37).

As dimensões em foco implicam trabalhar o exercício profissional propiciando a viabilidade de


apontar, resgatar, trabalhar e corrigir as deficiências.
136
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

Contudo você deve entender os limites e as possibilidades da atuação do assistente social para que,
munido da imprescindível ferramenta do conhecimento, possa socializar conteúdos, construir análises e
estudos das situações, produzindo respostas às demandas que a realidade lhes propicia.

Vázquez (apud BARBOSA, 1987, p. 38) afirma que:

[...] ao falar‑se da prática como fundamento e finalidade da teoria, deve‑se


entender: a) que não se trata de uma relação direta e imediata, já que uma
teoria pode surgir – e isso é bastante frequente na história da ciência – para
satisfazer direta e imediatamente exigências teóricas, isto é, para resolver
dificuldades ou contradições de outra teoria; b) que, portanto, só em última
instância e como parte de um processo histórico‑social – não através de
segmentos isolados e rigidamente paralelos a outros segmentos da prática –,
a teoria corresponde à necessidade prática e tem sua fonte na prática.

Ante o exposto, você pode perceber que a dinâmica do movimento teoria e prática nos remete a uma
relação cíclica e, portanto, infinita. Ela se dá em um continuum processo de reflexão que eleva o nível de
conhecimento cada vez mais alto. Isso é práxis transformadora, afirma Barbosa (1987), cuja finalidade
é mediata, transcendente.

Nesse ínterim, e como parte do processo histórico‑social, convém resgatar um pouco da trajetória
histórica do Serviço Social no âmbito do avanço das estratégias e técnicas.

Inicialmente, as estratégias e técnicas utilizadas pelo assistente social se materializavam em uma


perspectiva conservadora que fortalecia o projeto dominante ao trazer certo conformismo social,
mediante mera amenização de conflitos.

Somente a partir da década de 1980, com a influência do Marxismo, o Serviço Social renova sua
atuação, pois opta por um projeto profissional com características progressistas e transformadoras na
defesa intransigente dos direitos humanos das classes subalternas.

Nesse contexto de mudança, o novo direcionamento fez com que as estratégias e técnicas profissionais
possuíssem a intenção de reforçar a luta por uma nova ordem societária, isenta de dominação e de
exploração de classe. Essa nova identidade profissional, a qual engloba grande segmento da categoria,
aliada ao projeto das classes oprimidas, repercute no processo de trabalho do assistente social que se
gesta como resposta consciente aos conflitos de classe.

Desse modo, é pertinente que você compreenda que a lógica é outra, ou seja, o caráter assistencialista
e a visão clientelista de outrora são substituídos pela ampliação e luta pela consolidação da cidadania e
dos direitos sociais. O assistente social assume o papel de facilitador, propiciando aos usuários de seus
serviços o acesso à informação, às políticas, aos programas e projetos sociais.

Ao pautar sua prática profissional na perspectiva de empoderamento das classes dominadas e de


estímulo à sua participação, o assistente social redefine e redireciona seu fazer profissional buscando
137
Unidade II

estratégias e técnicas favorecedoras da mediação entre a instituição que o emprega e usuários –


destinatários dos seus serviços.

É importante que você perceba e identifique a diferença entre estratégias e técnicas.

Estratégias: explanação dialogada, realização de debates, trabalhos em grupos visando à


politização/emancipação; planejamento participativo etc. Ações com um fim mais amplo: a
dimensão política que deve contribuir para a reflexão e a efetivação de direitos. Esses constituem
alguns mecanismos utilizados na relação instituição‑profissional‑usuário na incessante busca de
efetivar o projeto ético profissional.

Técnicas: entrevistas, entrevistas domiciliares, aplicação de questionários, jogos interativos, dinâmicas


grupais, utilização recursos musicais, poemas, teatro, fantoches, literatura de cordel, leituras discussões
coletivas de textos, produção de painéis temáticos, apresentação com recursos de multimídia, entre
outros. Essas são algumas das ferramentas que o assistente social utiliza em seu fazer profissional.

Diante do exposto, convém salientar a necessidade de interligar estratégias e técnicas no fazer


profissional, caso contrário, ou seja, caso haja polarização, o risco de o profissional se limitar ao fazer
burocrático e ao imediatismo é iminente. É de extrema relevância que as estratégias e técnicas estejam
embasadas em um arsenal teórico‑metodológico e em consonância com a realidade trabalhada,
considerando os antagonismos aí existentes, a correlação de forças, entre outros fatores impregnados
na dinâmica social.

De posse das informações sobre a prática institucionalizada do Serviço Social, suas evoluções no
campo teórico‑metodológico, técnico‑operativo e ético‑politico, você apreenderá, no próximo item, sobre
um importante aspecto do conhecimento, que é a atitude investigativa e interventiva como categorias
estratégicas no exercício profissional. Esse exercício é articulado à contextualização histórico‑social da
trajetória do Serviço Social no que tange à produção do conhecimento, avanços e desafios profissionais.

6.3 Mercado de trabalho: transformações conjunturais e a inserção do


assistente social

As mudanças nos padrões de produção no pós‑guerra, marcadas pela organização taylorista/fordista,


pela grande expansão do mercado produtivo e de consumo, e pela política keneysiana de incentivo à
economia e às políticas públicas – que buscavam garantir condições para que a classe trabalhadora
consumisse –, resultaram na expansão do mercado de trabalho e na profissionalização do Serviço Social
(IAMAMOTO, 2001).

A posterior desregularização do mercado e as novas formas de produção globalizadas e flexíveis


trouxeram novos contornos ao mercado de trabalho, atingindo também o assistente social. Além
da flexibilização nos tipos de contratos, direitos trabalhistas etc., há a exigência de um profissional
polivalente, que por uma mesma remuneração acaba exercendo mais de uma função, diferente de suas
atribuições específicas (ibidem).

138
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

O profissional de Serviço Social depara‑se, portanto, com alterações em suas relações de trabalho,
em sua inserção e permanência nele, e também nos recursos disponibilizados para sua atuação, já que
esse contexto impacta sobre o mercado, as relações assalariadas e as instituições públicas e privadas
(IAMAMOTO, 2002). Depara‑se ainda com o agravamento da questão social, em que se apresentam
novas ou transmutadas demandas.

Nas empresas é possível observar o crescimento do trabalho do Serviço Social na área de recursos
humanos, gerência de pessoas etc. No âmbito das novas formas de produção, não cabe somente o
controle mecânico do trabalhador, mas também que este incorpore os objetivos da empresa, “vista a
camisa”, demandando ações que “apelem” a esse controle espiritual sob o argumento da qualidade –
e este papel é, por vezes, destinado ao Serviço Social. Sob esta argumentação do trabalhador ser um
“colaborador” da empresa convivem a desregulação dos contratos de trabalho, a diminuição do número
de empregos etc. (IAMAMOTO, 2001).

Diante da retração do desenvolvimento capitalista pós‑guerra, no movimento de recessão,


apresenta‑se um Estado enxuto como solução – as políticas neoliberais. Mas cabe perguntar:
“enxugamento do Estado pra quem?” (ibidem, p. 34). Isso se trata de uma reação ao keynesianismo e à
regulação do mercado pelo Estado em favor do livre comércio, criando condições para o desenvolvimento
da economia sem balancear os aspectos sociais, o que acabou gerando o crescimento da desigualdade
e do desemprego. A política de apoio à economia envolvendo socorros a bancos, por exemplo, retira os
subsídios das políticas sociais, removendo do âmbito do Estado a grande responsabilidade pelos direitos
sociais. Essas políticas se tornam fragmentárias, residuais, focalizadas.

As políticas sociais em um Estado burguês e dependente como o nosso se caracterizam pela


fragmentação, focalização, assistencialismo, autonomização e formalismo, não apresentando conteúdo
político‑econômico substancial nem pretendendo romper com a lógica da desigualdade. O Serviço Social
insere‑se a partir da mediação de instituições públicas ou privadas, sendo condicionado pelo tratamento
desse Estado burguês à questão social.

O Serviço Social tem nas políticas sociais a base de sustentação da sua


profissionalidade, já que a intervenção do Estado nas questões sociais
institui um espaço sócio‑ocupacional na divisão social e técnica do trabalho,
bem como um mercado de trabalho para o assistente social (NETTO, 1992
apud GUERRA, 2005, p. 6).

A categoria profissional tem pautado respostas progressistas a esta retração do Estado. O projeto
hegemônico defendido no âmbito da profissão, fruto obviamente de tensionamentos e disputas, indica
para uma perspectiva universalista e democrática (IAMAMOTO, 2001).

Aposta no avanço da democracia, fundado nos princípios da participação e


do controle popular, da universalização dos direitos, garantindo a gratuidade
no acesso aos serviços e a integralidade das ações voltadas à defesa da
cidadania de todos na perspectiva da equidade (ibidem, p. 29).

139
Unidade II

Este projeto defende a primazia do Estado na consecução de políticas sociais, sendo que apenas por
meio dele é garantida a possibilidade de universalização destas políticas. Ele pauta ainda a participação
democrática e a alteração na gestão da coisa pública, garantindo‑se espaços representativos e
participativos.

A retirada de parte do investimento do Estado no atendimento às demandas sociais resulta em


alterações significativas no mercado de trabalho do assistente social, já que o Estado é seu maior
empregador. Isso provoca ainda uma refilantropização social, uma incorporação desta demanda por
empresas, que enfatizam a qualidade dos serviços, mas o realizam a partir de seus critérios e opções,
negando o caráter universalista preconizado na Constituição de 1988, e que deve ser garantido pelo
Estado (ibidem).

Além das empresas que pautam ações sob o escopo da responsabilidade social, há a inserção do
trabalhador nas instituições do terceiro setor. Estas se apresentam como não constituídas pelo Estado
(primeiro setor), nem pelo empresariado (segundo setor). “É considerado como não governamental,
não lucrativo e voltado ao desenvolvimento social, daria origem a uma ‘esfera pública não estatal’,
constituída por ‘organizações da sociedade civil de interesse público’” (ibidem, p. 34). As organizações do
terceiro setor devem ser objetos de um olhar atento, visto que sob esta assistência se incluem diversas
entidades civis sob diversos registros jurídicos e referentes a vários espectros políticos.

Iamamoto (2005) observa por outro ângulo a atuação do profissional em processos de trabalho
públicos ou privados, abordando o diferencial dos serviços prestados. Para a autora, a atuação de um
profissional em uma empresa difere largamente de sua inserção na esfera estatal. Na esfera privada, há
produção de valor e mais‑valia, o que não ocorre no âmbito das políticas públicas, por mais que estas
possam também contribuir para a reprodução da classe trabalhadora. Para análise e fundamentação de
sua prática, o profissional precisa, portanto, compreender os processos de trabalho dos quais participa.

A universalidade no acesso aos programas e projetos sociais abertos a


todos os cidadãos só é possível no âmbito do Estado. Este, ainda que seja
um Estado de classe, dispõe de uma dimensão pública que expressa a luta
pelos interesses da coletividade. Projetos levados a efeito por organizações
privadas apresentam uma característica básica que os diferencia: não se
movem pelo interesse público e sim pelo interesse privado de certos grupos
e segmentos sociais, reforçando a seletividade no atendimento, segundo
critérios estabelecidos pelos mantenedores e não fruto de uma negociação
coletiva. A decisão quanto ao acesso ou não aos serviços, ao passar da
esfera pública para a esfera privada, deixa de ser um direito resguardado
por lei e passível de ser defendido na justiça. Portanto, ainda que o trabalho
concreto do assistente social seja idêntico – no seu conteúdo útil e formas
de processamento, o sentido e resultados sociais desses trabalhos são
inteiramente distintos, visto que presididos por lógicas diferentes: a do
direito privado e do direito público, alterando‑se, pois, o significado social
do trabalho técnico‑profissional e o seu nível de abrangência (IAMAMOTO,
2001, p. 35).
140
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

Resumo

Buscou‑se aqui determinar que as transformações decorrentes


principalmente dos processos de mudança econômica e no universo da
política estatal transformaram o contexto de inserção do assistente social.
Verificaram‑se mudanças no setor privado, nas políticas públicas e no
terceiro setor.

Estes três setores interagem e recursivamente determinam mudanças


no contexto de atendimento às vulnerabilidades. Nesta conjuntura
apresentam‑se mudanças para o profissional de Serviço Social,
compreendidas de maneira geral em retrocessos no âmbito dos direitos
sociais e nas contradições entre um projeto ético‑político progressista e um
contexto de trabalho de caráter profundamente liberal.

• Mercado de trabalho: transformações conjunturais e a inserção do


assistente social.

• Mudanças econômicas: capitalismo financeiro; reorganização do trabalho.

• Mudanças políticas: ideal neoliberal; apoio às políticas econômicas


em detrimento das garantias sociais.

• Contexto de alto desemprego; fragilização dos vínculos trabalhistas;


perda de direitos sociais; retrocessos nas políticas sociais.

• Políticas sociais: focalistas, fragmentárias, residuais, não apresentam


uma política substancial de enfrentamento das expressões da questão
social.

• O Estado, o setor privado e o terceiro setor apresentam modificação


no trato às vulnerabilidades.

• Estes representam invariavelmente o contexto de inserção


do profissional. Cabe, portanto, o desafio de pautar o projeto
ético‑político num contexto marcadamente neoliberal.

• Compreendendo que a instrumentalidade possibilita responder às


demandas colocadas ao Serviço Social no exercício de sua práxis.
Pois a instrumentalidade é resultado da junção da teleologia e da
causalidade – do desejo, do planejamento, da prospecção do exercício
profissional – com o resultado ou objetivo que o assistente social
objetiva alcançar.
141
Unidade II

Exercícios
Questão 1. Observe a charge abaixo:

Figura 1

A charge retrata o período histórico referente à Revolução Industrial, quando houve intensa
substituição da mão de obra humana pela introdução de novas tecnologias no processo produtivo.
Esse processo de substituição tem sido intensificado durante os estágios de desenvolvimento do
sistema capitalista, sendo que, na idade dos monopólios, essa alteração no processo produtivo tendeu
a se intensificar substancialmente. Tomando como base o desenvolvimento do sistema capitalista na
sociedade contemporânea, analise as assertivas abaixo.

I – O processo de produção capitalista não está restrito às formas encontradas por uma dada
sociedade em relação à produção e consumo, mas também traz condicionantes às formas de estruturar
as relações sociais.

II – Partindo do desenvolvimento do sistema capitalista, em sua fase monopolista, há uma diminuição


da introdução de novas tecnologias junto ao processo produtivo.

III – Na sociedade capitalista madura e consolidada, os antagonismos entre as classes sociais tendem
a ser negados e a ordem da desigualdade passa a ser compreendida como a ordem natural de organização
da sociedade.

IV – A tendência de introduzir novas tecnologias no processo produtivo, notadamente a partir


dos processos de flexibilização da economia, tende a colaborar com o aumento do desemprego e
do subemprego.
142
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

V- A forma de organização econômica adotada por uma dada sociedade não traz condicionantes à
forma como essa sociedade estrutura suas relações sociais.

Assinale a alternativa correta:

Aa) Somente as alternativas I, III, V estão corretas.

B) Somente as alternativas II, III, IV estão corretas.

C) Somente as alternativas I, III, IV estão corretas.

D) Somente as alternativas II, IV, V estão corretas.

E) Somente as alternativas II, III, V estão corretas.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das alternativas

I) Afirmativa correta.

Justificativa: o sistema capitalista, enquanto modo de produção, traz condicionantes às relações


sociais estabelecidas entre os seres humanos. Em tese, partindo da concepção marxista, vê-se que
a organização da vida em sociedade é dada de acordo com a forma como a sociedade se estrutura
que, por sua vez, se estrutura de acordo com os papéis que cada um desempenha. Partindo disso, é
possível inferir que determinados papéis não são dados aos seres humanos segundo seus desejos ou
suas aptidões, mas sim de acordo o espaço que ocupam em relação aos meios de produção. Isso define
as relações sociais que serão assumidas.

II) Afirmativa incorreta.

Justificativa: é incorreto defender que a partir do atual desenvolvimento do sistema capitalista na


idade dos monopólios a introdução de novas tecnologias no processo produtivo é diminuída. Ocorre o
inverso, ou seja, são gradualmente introduzidas novas tecnologias para que assim seja possível dinamizar
o processo produtivo no sentido de ampliar as taxas de lucro e mais valia.

III) Afirmativa correta.

Justificativa: na sociedade capitalista, são constituídas duas classes sociais: a burguesia, que detém
os meios de produção e o proletariado, que detém apenas sua força de trabalho. Essas classes se tornam
antagônicas, porque a detentora dos meios de produção acaba explorando a classe que possui apenas
a força de trabalho. No entanto, esse antagonismo, essa diferenciação que se torna latente durante o
desenvolvimento desse sistema, acaba sendo compreendida como uma diferença natural, ou seja, como
algo que está posto para essa sociedade e que nunca poderá ser mudado.
143
Unidade II

IV) Afirmativa correta.

Justificativa: com a introdução de novas tecnologias no processo produtivo há uma tendência em


economizar trabalho vivo. Por essa razão, cresce o exército industrial de reserva e aumenta também
o número de trabalhadores que afluem para a ocupação laboral com bases em contratos trabalhistas
temporários, com perda da maioria dos direitos sociais.

V) Afirmativa incorreta.

Justificativa: é descabido afirmar que a estrutura característica da forma de produzir de uma


sociedade não influencia as relações sociais assumidas entre as pessoas, visto que as relações sociais
têm uma relação de interdependência com a estrutura dos meios de produção.

Questão 2 (Fafipa 2009 - assistente social, adaptada). Iamamoto (2008) assevera que o serviço
social é uma profissão atravessada por relações de poder e possui um caráter essencialmente político.
Essas características apontadas pela autora são decorrentes dos:

A) Condicionantes histórico–sociais dos contextos em que o profissional se insere e atua e não só das
intenções pessoais do assistente social.

B) Regulamentos institucionais e da metodologia utilizada pelo profissional no seu cotidiano.

C) Processos de luta pessoal de cada profissional enquanto sujeito de seu processo histórico.

D) Condicionantes da formação e exclusivamente da vontade política dos profissionais.

E) Determinantes históricos, ou seja, a posição dos profissionais é irrelevante.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das alternativas

É necessário salientar que toda argumentação teórica da autora compreende o Serviço Social
como influenciado pelos condicionantes histórico-sociais, sendo que tais condicionantes orientam o
posicionamento político dos profissionais.

A) Alternativa correta.

Justificativa: Iamamoto (2008) chama a atenção em suas reflexões para o fato de que o Assistente
Social também estará vivenciando situações trabalhistas, ou seja, ele também será um profissional
que possuirá uma relação de trabalho. Como tal, grande parte de sua prática, de sua atuação, estará
intimamente relacionada a condicionantes histórico-sociais presentes onde o profissional estará lotado
enquanto trabalhador. Muitos desses condicionantes não podem ser controlados pelo profissional.
Portanto, nem toda a prática irá depender da intencionalidade do Assistente Social. Nessa prática estão
144
TEORIAS PARA O SERVIÇO SOCIAL

manifestos componentes políticos e relações de poder que atravessam e condicionam a prática dos
Assistentes Sociais.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: ver justificativa da alternativa A.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: ver justificativa da alternativa A.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: conforme salientado, Iamamoto (2008) destaca a importância da vontade política do


profissional, mas a autora reforça em toda a sua obra a importância dos fatores macro, que estão fora
do controle deste profissional e que tendem a influenciar sobremaneira a sua prática. Portanto, essa
assertiva está incorreta, porque vincula as relações de poder e o caráter político como se eles estivessem
condicionados à vontade política de cada profissional, o que não corresponde às postulações da autora.

E) Alternativa incorreta,

Justificativa: essa alternativa está incorreta pelo termo “irrelevante”. Para Iamamoto (2008), o
esforço individual de cada profissional é importante e, portanto, não pode ser tido como irrelevante.
Apesar disso, o esforço de cada profissional e seu posicionamento frente às questões com as quais atua
vêm balizados por questões sociais, econômicas e políticas que, na maioria das vezes, não podem ser
controladas por ele.

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