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yp Entre o LATIM eo PORTUGUES Apos a fragmentagao do Latim, as diferentes linguas faladas pela massa popular foram ganhando status de lingua nacional em cada regiao. E claro que muita coisa aconteceu até chegar a esse ponto. Com a lingua portuguesa nao foi diferente. Que tal conhecer um pouco mais sobre esse periodo entre o latim e 0 portugués? por Edmar Cialdine * Loreen A @ edigao anterior falamos um pouco da hist6ria da lingua latina como uma forma de introduzir 0 que antecedeu seu nascimento. Mencionamos a expansio romana no continente europeu e, agora, ressaltaremos a regido da peninsula Térica, no extremo oeste da Europa. Claro que do século III a.C., quando se iniciou a conquista romana, ao surgimento do Portugués, por volta do século X11, muita coisa aconteceu ~ inclusive, quando os romanos dominaram a regido, ela ja estava habitada por outros povos, alguns de origem incerta. A PENINSULA PRE-ROMANICA Pouco se sabe sobre os povos que viviam na regido antes da chegada dos romanos, os registros so escassos. Os primeiros a habitar a regiao foram os iberos, cuja origem nao era indo- ceuropeia. Deles restaram algumas inscrigdes nio decifradas. Alguns pesquisadores acreditam que 0s bascos, que vivem no nordeste da Espanha, sio descendentes desses primeiros habitantes. Dentre os iberos, jteressante destacar os lusitanos, cujo nome originou Lusitania (nome da provincia romana) e palavras como “Iuso” ou “{usitano” para fazer referencia a Portugal. Eles formaram a base etnoldgica dos portugueses € viviam inicialmente entre os rios Douro ¢ Tejo. Eram numerosos dentre os povos pré-romanicos ¢, sob a lideranga de Viriato, resistiram & entrada dos romanos. Possuiam uma sociedade muito guerreira (mesmo as mulheres recebiam treinamento bélico) e sua lingua possufa raizes celtas. Falando sobre os celtas, esse povo, durante 0 século VII a.C., veio do leste, provavelmente da Alemanha, e se instalou na regio da peninsula. La nao s6 coexistiram com os iberos, como algumas tribos se mesclaram, o que deu origem aos celtiberos. Alguns nomes de lugares na peninsula Ibérica remetem a sua origem celta: Braga, Evora, Coimbra (em Portugal) e Galicia (na Espanha). Com o tempo, outros povos foram criando pequenas colénias na regido: gregos e cartaginenses. No entanto, culturalmente falando, a influéncia destes dois dltimos foi minima se comparada com a dos demais. CHEGAM OS ROMANOS (Os romanos chegaram & regio por volta de 218 a.C., durante a Segunda Guerra Piinica. Li chegando, enfrentaram focos de resistencia. ‘Apenas por volta de 19 a. C. a regio foi apaziguada. Com excegio do nordeste, onde vivem os bascos, a peninsula adotou a lingua latina e passou por um répido processo de romanizacao e, posteriormente, por um processo de cristianizagao. Esses processos foram mais acentuados no sul da ‘cutearota recs | LINGUA PORTUGUESA | 15 evi peninsula que no norte. Durante esse periodo, a regido foi dividida em trés provincias das quais a Lusitdnia, em parte, coincide com o territério portugues. Pelas caracteristicas dos povos que viviam lé antes dos romanos, o latim falado na regiio possuta particularidades que © diferenciavam do latim das demais regides - isso fez com que © espanhol e 0 portugués fossem duas Iinguas estruturalmente a préximas, Um exemplo disso podemos ter nas palavras “comer” (portugues) e “comer” (espanhol) originadas de “comedere” (latim). Entretanto, teremos “manger” (francés) e “mangiare” (italiano) a partir de “manducare”. Vale ressaltar que, no geral, as palavras Portuguesas e espanholas sio arcaismos provenientes do la classico, enquanto que as palavras francesas e italianas geralmente sao formas mais populares do latim tardio. Viriato O pouco que se sabe sobre Viriato nao nos fornece informagées precisas. Alguns pesquisadores 0 colocam ‘como um guerreiro de origem nobre, outros como um Pastor que conseguiu unir diferentes tribos (iberos, celtas e celtiberos) contra os romanos. Tanto em Portugal (na cidade de Viseu) como na Espanha (em Zamorra), ha monumentos em sua homenagem (foto acima). Nesta ultima, inclusive, ha a inscrigao “Terror romanorum"” (terror dos romanos) na base da estatua. Por muitas vezes, com sua tatica semelhante as guerrilhas de hoje, Viriato forgou os romanos a entrar em acordos de paz. Apenas foi derrotado quando um de seus companheiro foi subornado e o matou enquanto dormia. CamGes rendeu homenagens a ele em sua obra “Os Lusiadas": “Este que vés, pastor ja foi de gado/ Viriato sabemos que se chama/ Destro na langa mais que no cajado/ Injuriada tem de Roma a fama, /Vencedor invencibil, afamado/ Nao tem co'ele, nem ter puderam/ O primor que com Pirro ja tiveram."(Canto VIII) ‘CAEM OS ROMANOS... ‘Com a queda de Roma ea Invasao Barbara, a eninsula Ibérics é praticamente toda tomada pelos povos germanicos em 409 d.C. No! trés séculos seguintes, porém, a regio sofreu poucas influéncias linguisticas. Na verdade, os suevos (e, em seguida, os visigodos) se apoderaram das instituicdes romanas, chegando até mesmo a se converterem ao Cristianismo ~ religido oficial do Império Roman em seus anos finais. O reino dos suevos ficava ao norte de Portugal ¢ noroeste da Espanha. Com isso, toda a regido norte de Portugal foi influenciada por esse povo germanico. Quase duzentos anos depois, os suevos foram dominad pelo reino barbaro vizinho, dos visigodos, e estes permaneceram @ frente da peninsula até a chegada dos mulcumanos. Do ponto de vista linguistico, a cultura germanica pouco influencis na formacao das linguas da regiao. Isso ocorreu, provavelmente, pordi a cultura romana-crista era muito forte. Na maioria das vezes, houve apenas o acréscimo de léxicos lig @ guerra e a vida cotidiana. Algun: exemplos de palavras de origem germanica sio guerra, branco, gan roubar, Adolfo, Fernando. O ISLA NA IBERIA Com 0 objetivo de divulgar a doutrina de Maomé, mulgumanos de origem arabe conquistaram to: o norte da Africa para, em seguids subir em diregéo a peninsula Ibéri Em menos de dez anos, com exc de uma pequena faixa ao norte, t regido da peninsula foi dominada. Os cristaos das regides conquist fugiram para o norte ou permani sob jugo dos rabes. Destes, muitos se converteram (chamados LINGUAS NEOLATINAS : virias Kinguas A titulo de ilustragio, abaixo o artigo 1° da Declaragdo Universal dos Direitos Humanos em neolatinas. Note as semelhancas ¢ diferengas entre elas: earner Hi altri Latim: Omnes homines liberi eqviqve dignitate _e di coscienza e devono agire gli uni verso B atqve ivribvs nacsvntvr. Ratione conscientaqve in spirito di fratellanza. sence . eee Leonés: Tolos seres humanos nacen llibres y . a iguales en dinidé y dreltos y, dotaos comu tin de Aragonés: Toz os sers umanos naxen libres y__razon y conciencia, débense comportare los uno iguals en dinnida y dreitos. Adotatos de razén y colos outros dientru d'un espiritu de fraternida. conzenzia, deben comportar-sen fraternalmén unos isson li con atros, Ps Occitano: Totes los éssers umans naisson liures ce egals en dignitat e en dreches. Sén dotats de Asturiano: Tolos seres humanos nacen libres _rason e de consciéncia e se devon comportar los y iguales en dignida y drechos y, pola mor de unes amb los autres dins un esperit de fraternitat. la razén y la conciencia de so, han comportase hermaniblemente los unos colos otros. Picardo: Tos lés-omes vinét & monde libes ét égils po cou quést d’ led dignité et d' leds dredits. Auvernés: Ta la proussouna neisson lieura moé Led re°zon at led consyince elzi fe°t on d'vwér di Parira pa dinessa mai dret. Son charjada de razou _'kidiire inte di zéle come des frés. moé de cousiensa mai Ihu fau arji entremei Iha bei neime de freiressa. Portugués: Todos os seres humanos nascem 7 livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados Corsa: Nascinu tutti l'omi libari é pari didignit’ ge razio e de consciéncia, devem agir uns para com @ di diritti Pussedinu a raghjoni &a cuscenza li 95 gutros em espirito de fraternidade. tocca ad agiscia tra elli di modu fraternu. Provengal: Téuti lis uman naisson libre. Soun _Espanhok: Todos os seres humanos nacen libres gay pera digneta eli dre. An tOuti uno resoun € ¢ iguales en dignidad y derechos y, dotados como ung counscignci. Se dévon teni freirenau lis un ‘mé estan de razén y conciencia, deben comportarse fraternalmente los unos con los otros. is autre. Con ea a Romanche: Tuots umans naschan libers ed _ Catalio: Tots els éssers humans neixen Iliures eg uals in dignita e drets. Els sun dotats cun intellet i iguals en dignitat i en drets. Sén dotats de raé i de consciéncia, i els cal mantenir-se entre ells amb esperit de fraternitat. e conscienza e dessan agir tanter per in uin spiert da fraternit Romeno: Toate fiintele umane se nasc libere si egale in demnitate si in drepturi. Ele sunt inzestrate cu ratiune si constiinta gi trebuie si se comporte unele fata de altele in spirit de fraternitate. Francés: Tous les étres humains naissent libres, et égaux en dignité et en droits. Ils sont doués de raison et de conscience et doivent agir les uns envers les autres dans un esprit de fraternité. Friulano: Ducj i oms a nassin libars e compagns come dignitat e derits. A an sintiment e cussience € bisugne che si tratin un culaltri come fradis. Sardo: Totu sos ésseres umanos naschint liberos ¢ eguales in dinnidade ¢ in deretos. Issos tenent sa resone ¢ sa cusséntzia e depent operare s'unu cun Galego: Tédolos seres humanos nacen libres s‘Ateru cun ispiritu de fraternidade. ¢ iguais en dignidade e dereitos e, dotados como estan de razén e conciencia, débense comportar fraternalmente uns cos outros. Valenciano: Tos lés-omes vinét-st-4 monde libes, &t so-I'minme pid po cou qu’énn’ést d'leu dignité at d'leus dredts. I n'sont nin fot rézon ét-2- Italiano: Tutti gli esseri umani nascono liberi ed _ ont-i led consyince po zils, cou qu’élzés deat miner eguali in dignita e diritti. Essi sono dotati di ragione _a s'kid@re onk’ po I'éte tot come des frés. NOTAS {LApeninsula bériea comporta, além de Portugal e Espana, um teritilobritdnico (Gioratad), uma pequena 1m pequeno pais, Andorra. Na regio se folam viraslinguas oficlals¢ ourastantas iminortirias: portuguds, castelhano, ‘atallo, Ings, galego, basco, aan, rmirands,astrlano-leonts, aragonts, Tomanl, valenciano, andar ete. A peninsula fol chamada pelos romanos de Hsp 2 MIDE BOK IRIATO 3 0 povo ceta, de orgem indo-europea, & ‘muito conhecido por sua cutturaexstente as lihasbritdncas, Indusive suas inguas. ‘Um fime interessante com caracteristias cuturals cca €Coragio Valente, do dete ator Mel Gibson. De igual ‘mado, has histérias em quadrinhs do Dersonagem fancts "Asterix, o Gauls". {As Gueras Pinas foram uma sequéncla Ge tls guerras venddas por Roma ‘contra Cartage pelo controle do mar Mediterinio. A primeira, em 264 a.., ‘ocorreu pelo controle da Sica; a segunda, ‘em 218 a. por causa da peninsula Trea; a tercelra, em 149 2.C,servia ‘apenas de pretexto para a destrugio de (artago pelos romanos. $5 ata dessa época a palavra que daria ‘origem ao nome de Portugal. Houve uma cidade chamada Cale (por volta de 417 .) ssa palavra, de provivelorigem celta, fala referncia 8 deusa mie © signfcava “abrigo”. Priximo a essa ‘dade, havia um porto, o “Portus Cale" {porto de Cle) que deu origem a0 nome {do condado de Portucale e dao reno ‘de Portugal. Hoje a regio € chamada de Ribera e faz pate do centro histérico da cidade do Porto, sendo também patriménio mundial da Unesco. {6 Por muito tempo (711-1692), a peninsula tbérica fl residéncia de ‘mulgumanos, deus ecistdos. Houve ‘momentos iugares em que ess2 convivéncia fl paca. 0 iésco espanhol registrou esses tts grupos: cstlanos (cistios), mozdrabes (mocérabes), eles (ists onvertios ois), mores (ulgumanes), morisos (mulgumanos ‘onveridos ao critanisma), mudéjares (rmugumanos que viiam em terri ‘stio),Judlos \udeus),conversos (udeus ‘convertios a0 cistianismo), marranos ‘Gudeus e mugumanos convetidos a0 Gistanismo, mas ainda martinham suas pritiaselgsas. ra um termo Peoratho), Mutas dessaspalavas ossuem equlvalente em portuguts. de muladies) ¢ varios, no entanto, permaneceram fidis ao cristianismo ¢ pagavam impostos para terem permissio para seus ritos ~ esses foram chamados de mogfrabes, Ainda que vivessem a maneira dos ‘irabes, os mogdrabes (de “musta’'rab, “arabizado”) exam cristios € descendentes dos visigodos. Utilizavam 0 rabe em situagdes formals, ja que essa era a lingua oficial e de cultura, contudo no dia a dia era o latim vulgar ibérico que usavam, Na verdade, eram virios dialetos provenientes do latim tardio (pés-queda de Roma) com algumas influencias érabes. Importante dizer que, durante esse perfodo, houve um grande desenvolvimento cultural e cientifico. A medicina, a matemitica teve uum significativo avango. Textos hi muito esquecidos de filésofos gregos foram traduzidos e estudados devido passagem dos arabes por regides de influéncia grega. ‘A principal influencia linguistica dos mouros e dos mogarabes é percebida no Iéxico, com varias palavras iniciadas por “al-” como Algebra, almirante, élcool, algodao. Em algumas, 0 “I” se perdeu: agticar, azul, arroz. Isso se explica pelo fato de que os drabes que invadiram a regido eram de origem berbere (um povo que vivia no norte da Africa). A lingua berbere nao possuia artigo ~ 0 que levava os berberes a confundir o artigo érabe “al” com 0 inicio da palavra. Como 1B | conan ese | LINGUA PORTUGUESA consequéncia, essas palavras chegaram até nds com 0 artigo aglutinado. A QUERRA DA RECONQUIS- TA E 0 GALEGO-PORTU- aut Nio tardou muito para que 05 cristiios do norte iniciassem uma guerra com 0 objetivo de reaver as terras perdidas ao sul. £ a ‘chamada Guerra da Reconquista. Esse perfodo, de 800 a 1492, foi cessencial para a formacéo das Mnguas nacionais existentes na peninsula. A Reconquista partiu do norte e contou com ajuda de nobres de varias regides, dentre eles, Henrique de Borgonha, que recebeu de Afonso VI, rei da regiao norte da peninsula Ibéri 0 condado de Portucale. Seu filho, Afonso Henriques, declarou 0 condado um reino livre ¢ iniciou a expansio territorial em direcao ao sul, regiio mogérabe. Assim, em 1249, enquanto o reino de Portugal se consolidava, o resto da peninsula lutava para expulsar os mouros. Um fato de grande importincia para nés é que, em seus primeiros anos, a lingua falada no condado portucalense j& ndo podia mais ser considerada latim, mas um romango, isto é, uma lingua intermediaria entre | o latim e uma lingua moderna neolatina. O romango em questao & hoje, chamado de galego- portugués, o antepassado da lingua portuguesa eda lingua galega. A medida que o territério reconquistado foi aumentando, 86 0 galego e o portugues, como as demais linguas neolatinas, foram se formando, A pergunta agora seria: como 0 galego e 0 portugues se separaram? A questao é simples se pensarmos da seguinte forma: & medida que 0 reino portugues conquistava as terras do sul, a lingua falada na regido ¢, também, onde hoje seria a Galicia, na Espanha, sofria influéncia dos falares mogirabes. Com o deslocamento do centro administrativo da cidade de Guimaraes, ao norte, para Lisboa, ao sul, essas diferencas foram se acentuando ao ponto de jé nao poderem ser consideradas a mesma lingua. Na verdade, essa separagdo é controversa entre os estudiosos. Muitos livros apontam o nascimento da lingua portuguesa no século XII com 0 poema trovadoresco “Cantiga da Ribeirinha” (1198); no entanto, outras obras utilizam o termo galego-portugués para a lingua usada até 0 século XIV. O fato é que, durante esse periodo inicial, a lingua utilizada pelo povo estava em um intenso processo de transformacao, ainda que culturalmente ligada as suas “raizes galegas. Ainda hoje o norte e sul de Portugal possuem variades linguisticas. POR FIM, MAS SEM FINALIZAR. Desse momento em diante, restava a Portugal apenas langar-se ao mar. Foi o periodo das grandes navegagées. E, a medida que se conquistava 0 além-mar, a lingua portuguesa atingia praticamente todos os continentes e, da mesma forma que ocorreu com a lingua latina outrora, comecou a passar por processos de diferenciacao que, ainda hoje, estéo em plena atividade, Aonde isso levard nao ha como sabermos - mas podemos detalhar um pouco mais esses processos... na préxima edigéo. 1a ¢ professor da Universidade a aplcada pela Universicade Pesaulsa om Lan leo do Eun Viemos mesmo do barro? ia de o homem ter vindo do barro ultrapassa os versiculos da Bibl nanifesta nas origens lit is de suas agtes mais sutis. »» por Pamison José de Sa* GA cnnucrae frets | LINGUA PORTUGUESA cc ‘0 suor do rosto comerds 0 teu pao, até que tornes a terra, pois dela Soste formado; porque tu és rie a0 6 tornards”. Esse versiculo da Biblia encontrado no capitulo 3 do Genesis J& deve ter sido lido ou discutido por alguém, principalmente no que tange 4 parte final. Mas nio ¢ apenas nas entrelinhas do texto que o versiculo Suscita reflexdes, e sim também na estrutura de algumas das palavras que © compéem e também em alguns de seus derivados. O vers{culo acima foi proferido 4 Adio por Deus, quando soube do pecado cometido pelo primeiro homem. Para comegar, o nome Adio vem do hebraico Adamah e significa terra, barro, ou seja, faz referéncia direta a0 homem construido do barro. Homem, por sua ver, ¢ origindrio do latim humus formado pelo radical hum.,e significa que habita a terra, em oposi¢ao aos deuses. Humus deriva do proto-indo-europeu *d*g'mmo (terra), termo anticinético, ou seja, ‘com uma proniincia que se altera quando enfraquecida. Dai surgiu a forma nominativa gumé'e a genitiva gumang’s, que serviram de base etimolégica para a forma latina, Do radical latino, outras palavras foram criadas e talvez tenham sido despercebidas quanto a etimologia que possuem ¢, & claro, com sua relagio com 0 significado original. Vale a pena, para comecar, lembrar 0 sentido da palavra hiimus, que faz parte do léxico do portugues e se refere a parte superior do solo caracterizada pela presenga de grande quantidade de matérias de origem organica, predominantemente vegetal, decompostas ou em decomposicio. Do vocdbulo humus, surgiu humilis, forma adjetiva que representa aquele que velo do barro. Assim, gracas & forma humilis foi possivel construir humilde, ou seja, caracterfstica de quem é simples, que permanece na terra e no se levanta diante de outros, ou seja, nio se ergue. Com esse mesmo pensamento, chega-se & humildade, conceituada no Diciondrio Houaiss como uma virtude caracterizada pela convicgdo das proprias limitagbes. Com um sentido negativo, na Lingua Portuguesa, de humilis criou-se 0 derivado humilhar, ou seja, rebaixar-se, cair por terra. LEIS DA TERRA NA TERRA DA LEI Volta ¢ meia os meios de comunicagao divulgam casos de homicidios, ou seja, agdes que acabam com a vida o homem. A palavra homicidio ¢ formada de humus (barro) + caidés (agao daquele que mata), Muitas vezes justificados por motivos banais, esse tipo de violéncia geralmente leva a uma investigagao ‘posterior com a finalidade de atender aos recursos da Justica na averiguacio da exata causa de morte. Satisfeito o periodo de vigilia, 0 corpo ¢ inumado. A etimologia desse termo advém da insergao do prefixo in (para dentro) + humus (barro) + are (ufixo de verbo de ago). Assim, ele representa a ago de colocar 0 corpo do falecido no barro, na terra, referindo-se, portanto, ao ato de sepultar. Comega o periodo de investigacao €.as autoridades policiais, a depender da necessidade, podem solicitar a exumagio do corpo. Com a estrutura ex (para fora) + humus (barro) + are (agao) + ionis (substantivo), 0 termo designa 0 ato contrario 4 inumacio, ou seja, a retirada do corpo da terra, © desenterro. Aos falecidos, geralmente sio rendidas homenagens, principalmente quando se tratam de pessoas ilustres Covecinero Prine | LINGUA PORTUGUESA | 45, “O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivente”. Genesis 126 em que é lembrado seu aniversario de falecimento. © termo homenagem é mencionado no Dicionério ‘Webster de 1913 originalmente como o ato de um ‘ocupante feudal que se declarou, de joelhos, como servo do Senhor. Portanto, o termo é usado para denotar reverente submissio ou respeito. A palavra vem do provencal antigo omenatge, que significa vassalo, homem de armas que deve sua fidelidade ao suserano. Além disso, é possivel ligar a sua etimologia ao provengal ome (homem), que permite com que outros autores associem sua origem 20 latim *hominaticus, formado, por sua vez, do adjetivo hamanus, que caracteriza homo (homer), © que remete, novamente, a humus (barro, terra). A homenagem esta ligada, de uma maneira simpléria ou redutiva, 4 reveréncia que, em certos casos, vai além da flexao de joelhos. Na Quimica, hé um dcido resultante da decomposicio de matéria orginica, particularmente de plantas mortas, usadas em lamas de verfraio em i le tintas de impressio e como fertilizante rts hianca‘Ocenene€fxmado Gefumas + Dassen fafa suites ken lexical: ico (sufixo de proveniéncia). Humanismo Humanitismo ‘Com o radical homos, uma série de derivacées jé Humanista Humanizacao esté dicionarizada, sem deixar, obviamente, de manter Humanistica ae a relacio com o significado primitive: Humanitariano Humanizador Hominacio | Hominizacao Humanitério Humanizante Hominal | Hominizado Humanitarismo Humanizar Hominalidade Hominiat Humanitarista Humanizavel Hominiano Hominoide Humanitaristico Humanoide Hominicola Hominoideo!Hominofdeo ini Homiziacéo, Homiziado | otto sontttionzaso” MUDANGA DE PERSONALIDADE Hominido Homiziao ean m t RnB ‘onsiderando a visio de Tomds de Aquino, a | —Hominismo | Homizievo | ~««RUManidade representa principios essenciais do | Hominista | q | homem, tanto formais quanto materisis A cl oe r Hominivoro | Homizio ‘agrega a hombridade, vocabulo origindrio do espanhol 6 | caracret re | LINGUA PORTUGUESA EE see defendem essa ideia, mas humor vem de dmor (um dos quatro liquidos responsdveis pela saiide e pelos movimentos do corpo), tendo também uma variante iniciada por h encontrada no francés antigo (himor) © em construgées semelhantes usadas em outros idiomas, dentre eles o portugues. Quando ocorre a movimentagio de gado ou outros animais para novas pastagens, muitas vezes bastante distantes, de acordo com a alteracao na temporada, tem-se um proceso de migragio chamado transumancia. Em francés e em inglés, 0 vocdbulo é transhumance, formado pelo proceso de derivagao prefixal trans (através, do outro lado) + human + humus (barto, terra, solo). Nesse ambiente de migra¢ao, ha animais que sofrem maus tratos causados por pessoas desumanas. Aids, desumano advém da estrutura des (nao) + humanus (relativo a0 homem) a partir de humus, ou seja, trata-se de uma pessoa cruel, atroz. Além de desumano, também perdem o has construgées prefixadas, algumas originérias do como as seguintes: Desumanagao_ Desumanit Desumanado _Desumanizante_ Desumanador Desumanizar Desumanizavel Desumanar | Desumano __Desumandvel | __Desumanizado Desumanidade | Desumanizacéo | howbredad bredad, no sentido de qualidade de ser homem. Tra®** 0 trabalho com etimologia, como se vé, produz a-se, aqui, de uma derivagao do espanhol hombre "resultados surpreendentes e, na maioria das vezes, | rem), que, por sua vez, advém, assim como seus 2472 inimaginaveis, No caso da origem da palavra homem || atos, do termo latino. e outros derivados do barro, isso nao é diferente. £ {Quando se fala numa caracteristica ou po? & pertinente, entao, concordar com a professora Maria |) sdimento préprio de pessoa bondosa, sem afte Tereza de Camargo Biderman (1936 - 2008), quando J) a0 ¢ sem malicia, vem & tona a palavra bonomiat""'dizia que a palavra é um toque da linguagem humana 1 fF do francés bonhomie, que significa amizade al2ap!? e sio varios os Angulos sobre os quais essa complexa F) ovida de interesse. Esse vocabulo possui uma cys fy matéria pode ser analisada. A etimologia é um desses rugao composta por bon (bom) + homme Chroma)” angulos, uma vez que, especificamente na Lingua Fim) e, a essas alturas, nio é dificil perceber a ori}. Portuguesa, as palavras eas estruturas subjacentes a ela ptatina do substantive. saptGt. 90a matrz no latim,o que oferece um atrativo maior PZ Fhondosas nunca sio tristes, io dotados de ** Para estudé-la, conhecer as culturas que a formam, de um notével bom humor. Mas humor 2 enfim...confirmar que lingua, qualquer que se, tem waoe Fae coisa a ver com humus? Alguns autores sua riqueza e essa deve ser continuamente preservada. a professor de Ungua Portugues, mesive em Lnguitica(UFPE) edoutorando em Letras (UFPE). Contato: {milsonjsa@hotmall.com CGrnecineta Pio | LINGUA PORTUGUESA | 47

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