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Universidade do Minho

Departamento de Engenharia
Civil

RESISTÊNCIA DOS MATERIAIS I

Apontamentos Teóricos

Graça Vasconcelos

Guimarães, 2014 - Versão 1.1


Apontamentos Teóricos

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Resistência de Materiais I

Índice

Introdução................................................................................................................................... 5
Esforço Axial .............................................................................................................................. 7
1 Introdução ........................................................................................................................... 7
1.1 Hipóteses de cálculo ........................................................................................................... 7
1.2 Cálculo de tensões normais e deformações em compressão/tracção pura ...................... 9
1.3 Deformações em barras sujeitas a uma variação de temperatura uniforme ................... 12
1.4 Dimensionamento de barras sujeitas a esforço axial ....................................................... 12
1.5 Problemas hiperstáticos.................................................................................................... 13
1.5.1 Barras hiperstáticas ........................................................................................................ 13
1.5.2 Barras constituídas por diferentes materiais .................................................................. 14
Exemplos .................................................................................................................................. 17
Momento Flector ...................................................................................................................... 22
2 Introdução ......................................................................................................................... 22
2.1 Flexão pura ....................................................................................................................... 23
2.2 Dimensionamento de secções.......................................................................................... 26
2.3 Forma racional de secções em flexão .............................................................................. 27
2.4 Flexão desviada ................................................................................................................ 29
2.5 Flexão composta ............................................................................................................... 38
2.5.1 Núcleo central ................................................................................................................. 40
2.7 Flexão de peças de secção transversal mista ................................................................. 44
Esforço Transverso .................................................................................................................. 51
3 Introdução ......................................................................................................................... 51
3.1 Esforço rasante ................................................................................................................. 51
3.2 Tensões tangenciais devidas ao esforço transverso ....................................................... 55
3.2.1 Secções rectangulares ................................................................................................... 55
3.2.2 Secções abertas de parede fina ..................................................................................... 56
3.3 Secções fechadas de paredes finas ................................................................................. 63
4 Bibliografia ........................................................................................................................ 69

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Apontamentos Teóricos

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Resistência de Materiais I

Introdução
A Resistência de Materiais tem como objectivo central o estudo do comportamento dos
corpos sólidos deformáveis submetidos à acção das forças exteriores. Esta ciência
possibilita a escolha racional das formas e dimensões de secções de elementos estruturais
de modo a resistirem às solicitações em condições de segurança.
A resistência de Materiais permite: (1) determinar as tensões que se produzem em qualquer
ponto de um corpo ; (2) determinar as deformações resultantes de um estado de tensão.
Comparando as deformações e tensões com os valores máximos admissíveis associados a
cada tipo de material possível comprovar a estabilidade estrutural.
A resistência de Materiais procura fornecer a um engenheiro, técnicas de cálculo de fácil
aplicação e que tenham em conta os seus problemas correntes. Tal objectivo é conseguido
à custa de hipóteses simplificadoras, pelo que os resultados nem sempre são exactos, ainda
que os erros sejam perfeitamente aceitáveis. Estas hipóteses simplificadoras permitem obter
expressões que fornecem em cada caso os valores das tensões e das deformações
A Teoria da Elasticidade visa os mesmos objectivos mas por caminhos matemáticos
rigorosos. No entanto, depara com dificuldades formais, o que torna a sua aplicação prática
por vezes impossível. No entanto, é importante para comparar com os resultados fornecidos
pela Resistência de materiais e avaliar a eficiência das hipóteses simplificadoras. A
Resistência de Materiais é uma ciência que privilegia uma abordagem mais física e menos
matemática dos problemas da mecânica dos sólidos que dizem respeito a peças lineares.

Hipóteses Fundamentais
A resistência de materiais baseia-se em três hipótese fundamentais relativas â constituição
dos materiais: continuidade, homogeneidade e isotropia. Além disso, assenta na hipótese
das deformações infinitesimais (deformações pequenas relativamente às dimensões do
corpo) e na proporcionalidade entre tensões e deformações (comportamento elástico do
material).
Consideram-se matérias contínuos, isto é, preenchido uniformemente por matéria em todos
os pontos materiais contínuos, apesar de os materiais à micro-escala apresentarem
descontinuidades.
Os matérias consideram-se homogéneos, ou seja, as suas propriedades mecânicas são as
mesmas em qualquer ponto de um sólido. No caso de existirem materiais compósitos, deve-

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Apontamentos Teóricos

se poder dividir nos diferentes materiais e estudar a sua interacção. Os materiais assumem-
se isotrópicos porque as suas propriedades não variam com a direcção em torno de um
ponto. Exemplos de materiais isotrópicos são o betão, granito e exemplos de materiais
anisotrópicos são a madeira ou o xisto.
Uma hipótese fundamental em todos os conceitos de resistência de Materiais é o
comportamento elástico e linear dos materiais correspondentes à proporcionalidade entre
tensões e deformações.
Verifica-se que dentro dos limites de serviço (cargas baixas) os materiais apresentam
deformações relativamente pequenas quando comparadas com as dimensões dos corpos
em que se produzem. Em consequência, as equações de equilíbrio aplicadas aos materiais
indeformáveis são aplicadas aos materiais reais. Isto significa que as deformações têm uma
influência desprezável sobre a posição dos pontos de aplicação das cargas ou sobre a
direcção das forças exteriores. No entanto, as deformações apresentam um papel
importante no caso de estruturas hiperstáticas na determinação das reacções hiperstáticas.

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Resistência de Materiais I

Esforço Axial

1 Introdução
As barras consistem no elemento mais simples que permite a modelação de alguns
elementos estruturais de edifícios de construção, tais como pilares e vigas, que se podem
considerar peças lineares. De acordo com a Figura 1, o sólido gerado por uma área A que
se move no espaço de modo que, durante o seu movimento, o centro de gravidade G
descreve uma trajectória AB à qual a área gerada é perpendicular em cada ponto, pode ser
considerado uma peça linear. A principal característica de uma peça linear consiste na
relação entre comprimento e a área da secção transversal que deve ter valores elevados.

Eixo da Barra

Área plana A

A Fibra

Figura 1. Peça linear

1.1 Hipóteses de cálculo


O cálculo das tensões normais em compressão pura assenta em duas hipóteses
fundamentais, nomeadamente a hipótese de Bernoulli e hipótese de Saint-Venant.

A hipótese de Bernoulli diz respeito à lei das secções planas, isto é, uma secção plana de
uma peça linear não deformada mantém-se plana e perpendicular ao eixo após a
deformação. Isto significa que as diferentes secções transversais sofrem apenas translações
e os alongamentos ou encurtamentos das diferentes fibras são iguais, ver Figura 2.

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Apontamentos Teóricos

Figura 2. Lei das secções planas (Princípio de Navier Bernoulli) (Beer et al.2003)

Relativamente à hipótese de Saint-Venant, esta refere que as tensões e deformações em


secções afastadas dos pontos de aplicação das cargas exteriores não dependem da forma
como são aplicadas mas apenas da sua resultante. De acordo com a Figura 3, a distribuição
de tensões é variável na zona de aplicação das cargas mas uniformiza-se a partir de uma
dada distância da extremidade onde as cargas são aplicadas. Na prática esta hipótese
verifica-se desde que a distância da secção em estudo à força concentrada mais próxima
seja superior à maior dimensão da secção transversal da barra. Esta hipótese é muito útil
dado que permite tratar sistemas de forças apenas pela sua resultante.

Figura 3. Hipótese de Saint-Venant; (a) diferentes modos de aplicação da carga; (b) determinação da
zona a partir da qual a distribuição de tensões não depende da forma de aplicação da carga

Nos corpos em que as acções aplicadas provoquem deformações suficientemente


pequenas para poderem ser consideradas infinitesimais e que são constituídos por materiais
com comportamento elástico e linear, a relação entre a intensidade de uma força e os
deslocamentos que ela provoca é linear, isto é, os deslocamentos são proporcionais às
forças que os provocam.
O acréscimo de deslocamento provocado por um acréscimo de força é por isso
independente do valor inicial da força. Como as deformações se consideram infinitesimais, a
geometria da estrutura não se alterou se não infinitesimalmente por acção das forças
aplicadas, pode-se considerar-se que nestas condições o efeito da aplicação de uma força é

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Resistência de Materiais I

independente do facto de já estarem aplicas outras forças à estrutura. Assim, os efeitos da


aplicação de diferentes sistemas de forças podem ser calculados separadamente e
adicionados.

1.2 Cálculo de tensões normais e deformações em compressão/tracção pura


Uma peça linear de eixo rectilíneo fica sujeita apenas a tensões normais de compressão e
tracção simples se essa barra estiver sujeita apenas a esforços axiais se o seu eixo se
mantiver rectilíneo durante a deformação devido a essas forças. De acordo com a lei das
secções planas duas secções paralelas antes da deformação axial mantêm-se planas após
a deformação variando apenas a distância entre elas resultando num encurtamento ou o
alongamento conforme os esforços actuantes são de compressão ou de tracção
respectivamente. Por definição, a extensão normal correspondente a uma variação de
comprimento, l relativa ao comprimento l é dada por :

(1)

Se o material da secção for homogéneo, a tensão normal de uma barra de secção


transversal A sujeita a um esforço axial, N, ao qual está associado a deformação constante,
é uniforme e dada por:

(2)

Considerando que o material apresenta comportamento linear elástico é válida a lei de


Hooke (forma unidimensional), podendo a tensão normal, , ser também calculada através
de:
  E (3)
em que E é o módulo de elasticidade longitudinal do material e  a extensão. Substituindo na
eq. 3 o valor da tensão normal e o valor da extensão obtém-se a seguinte relação:

(4)

Assim, o valor da variação de comprimento de uma barra de secção transversal constante


A, de comprimento L sujeita a um esforço axial N (ver Figura 4a) vem dado por:

(5)

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Apontamentos Teóricos

(a) (b)
Figura 4. Cálculo da variação de comprimento em barras de secção variável

O valor do denominador (EA) consiste módulo de rigidez axial da barra. O valor da rigidez
axial da barra é controlado pelo material (E) e pelas características geométricas da secção.
Quanto maior for a rigidez axial de uma barra menores serão os deslocamentos
experimentados para um dado carregamento.
A eq. 5 é ainda válida para o cálculo da variação de comprimento de barras com condições
distintas das apresentadas, como por exemplo de secção variável por troços, propriedades
mecânicas distintas ou se forem aplicados esforços axiais no interior das barras, ver Figura
4b, tomado a seguinte forma:

∑ (6)

Retomando o conceito de coeficiente de Poisson, , quando uma barra está sujeita a um


esforço axial, sofre um encurtamento na direcção longitudinal e um alongamento transversal
por efeito do coeficiente de Poisson, ver Figura 5a. Pelo contrário, quando uma barra está
sujeita a um esforço de tracção uniaxial, apresenta um alongamento na direcção transversal
e uma diminuição da secção transversal, ver Figura 5b.

(a) (b)
Figura 5 – Deformação de uma barra sujeita a esforço axial; (a) tracção; (b) compressão

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Resistência de Materiais I

Assim, a extensão numa dada direcção transversal, lat, pode ser obtida a partir da extensão
longitudinal, long, através seguinte equação:

 (7)

Considerando o cubo de aresta unitária indicado na Figura 6, sujeito a uma carga de tracção
uniaxial N, pode-se calcular a variação de comprimento da secção transversal, Lx e Ly,
sabendo a variação de comprimento na direcção longitudinal, direcção z:

 
  (8)

Sabendo que a variação de volume de uma barra é dada pela soma dos elementos da
diagonal do tensor das extensões (Capítulo 1), tem-se que:

   (9)

Considerando que o cubo está traccionado, é de admitir fisicamente que não haja
diminuição de volume, sendo possível obter o valor limite para o coeficiente de Poisson:

  (10)



– materiais incompressíveis
materiais altamente compressíveis

Figura 6. Variação de volume de um cubo traccionado de aresta unitária

Na Tabela 1 encontram-se indicados alguns valores do coeficiente de Poisson para


diferentes materiais.

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Apontamentos Teóricos

Tabela 1. Alguns valores do Coeficiente de Poisson


Material Valor de 
Aço 0.3
Pedra 0.2
Betão 0.2
Cortiça 0.0
Borracha 0.5

1.3 Deformação em barras sujeitas a uma variação de temperatura uniforme


As barras isostáticas sujeitas a variações uniformes de temperatura podem deformar-se
livremente sem criação de esforços internos. A variação de comprimento e a correspondente
extensão de uma barra isostática de comprimento L, ver Figura 7, sujeita a uma variação de
temperatura uniforme, T, são calculadas respectivamente através das seguintes
expressões:

(11)

em que  é o coeficiente de dilatação térmica linear do material.

Figura 7. Barra sujeita a variação de temperatura uniforme

A barra aumenta de comprimento para variações de temperatura positiva e diminui de


comprimento para variações negativas de comprimento.

1.4 Dimensionamento de barras sujeitas a esforço axial


Em peças sujeitas à tracção e compressão pura deve-se assegurar que as tensões de
compressão e tracção actuantes, sd, não sejam superiores aos valores resistentes dos
materiais, resistência à tracção e resistência à compressão, rd. Assim deve-se verificar a
seguinte relação:

   (12)

No caso da barra estar comprimida é necessário ter em conta a possibilidade de instabilizar


lateralmente, fenómeno denominado por encurvadura e que será estudado mais tarde.

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Resistência de Materiais I

1.5 Problemas hiperstáticos


1.5.1 Barras hiperstáticas
No caso de as barras estarem impedidas de se deslocarem axialmente, a introdução de uma
variação uniforme de temperatura conduz a esforços internos dado que as variações de
comprimentos são restringidas pelas ligações da barra ao exterior. Na Figura 8 está
representada uma barra bi-encastrada sujeita a uma variação uniforme de temperatura. Se
por exemplo a variação de temperatura for positiva, a barra tem tendência a alongar. Dado
que está restringida, vão aparecer reacções de apoio que induzem na barra um estado de
tensão interno.

Figura 8. Barra bi-encastrada sujeita a uma variação uniforme de temperatura

O cálculo das reacções pode ser feito através do método das forças. De acordo com a
Figura 9 o procedimento geral a seguir consiste na eliminação de uma ligação da estrutura
na qual se calcula a variação de comprimento devido à variação de temperatura, LT.
Numa segunda fase calcula-se a variação de deslocamento da barra devido ao esforço axial
R, correspondente à reacção associado ao apoio direito.

Figura 9. Aplicação do método das forces para o cálculo das reacções de apoio

Assim, o sistema de equações que permite resolver o problema inclui a equação de


equilíbrio de forças (reacção no apoio direito, Rd mais a reacção no apoio esquerdo, Re) e de
compatibilidade de deslocamentos, dado que valor do deslocamento final é nulo, isto é, a
variação de comprimento devido à variação de temperatura é anulado pela variação de
comprimento devido à reacção de apoio.

{ (13)

Substituindo os valores dos deslocamentos no sistema de equações vem:


{ (14)

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Apontamentos Teóricos


{ (15)

1.5.2 Barras constituídas por diferentes materiais


Nas barras de secção constante e constituída por vários materiais com diferentes
propriedades mecânicas, e coeficientes de dilatação térmica linear distintos, ligados
solidariamente continua a ser válida a lei da conservação das secções planas após a
deformação dado que se garante a simetria da barra em relação ao plano da secção. Isto
significa que a extensão é a mesma em toda a secção, ainda que a distribuição de tensões
não seja uniforme, dadas as propriedades mecânicas distintas.
Trata-se de um problema hiperstático na medida em que as deformações dos materiais não
são independentes mas dependem da interacção dos vários materiais. A ligação entre os
dois materiais funciona como impedimento para o deslocamento livre de cada um dos
materiais. O grau de indeterminação estático é igual ao número de materiais que compõem
a secção e podem encaradas como as forças de interacção entre os vários materiais.
A título de exemplo, está indicada Figura 10 uma barra constituída por dois materiais, aço e
betão. Se for aplicada na barra uma variação de temperatura uniforme os materiais tendem
a contrair ou expandir em diferentes proporções uma vez que os coeficientes de dilatação
térmica são distintos. Isto significa que se se considerar a separação dos materiais
(libertação da ligação entre eles), permitindo a variação de comprimento independente de
cada um deles, cada material vai exibir uma variação de comprimento correspondente ao
caso isostático, ver Figura 10b. Neste caso a variação de comprimento para cada material
calcula-se por aplicação da eq. 11, vindo:

(16)

em que B e A são os coeficientes de dilatação térmica do betão e aço respectivamente.


Como o aço tem um coeficiente de dilatação térmica superior ao do betão, apresenta uma
variação de comprimento livre superior à do betão. Se for considerada novamente a ligação
monolítica (barra mista) entre os dois materiais da barra e se esta for submetida a uma
variação de temperatura positiva, cada um dos materiais vai tentar apresentar a variação de
comprimento livre mas é impedido pelo movimento do outro material. O aço tem tendência a
alongar mais e vai ser impedido pelo betão e o betão que tem tendência a alongar menos e
vai também ser obrigado a alongar mais pelo efeito do aço. Deste modo, o aço vai ficar
comprimido e o betão fica traccionado.

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Resistência de Materiais I

(a) (b) (c)


Figura 10. Barra de secção mista sujeita a uma variação de temperatura; (a) barra mista antes da
deformação; (b) variação de comprimento livre dos materiais desligados; (c) deformação final

A resolução do problema parra por considerar o equilíbrio entre os dois materiais e a


compatibilidade de deslocamentos. O esforço de tracção do aço tem de ser igual ao esforço
de compressão no betão, dado que não existem forças exteriores aplicadas na barra, e o
deslocamento dos dois materiais tem de ser igual, dado que os dois materiais estão ligados
monoliticamente:

{ (17)

O deslocamento do betão é igual ao deslocamento livre devido à variação de temperatura


mais o deslocamento devido ao esforço de tracção, NB, enquanto que a variação de
comprimento do aço é igual à variação de comprimento livre devido à temperatura menos a
variação de comprimento devido ao esforço de compressão no aço pelo betão, NA.

{  (18)

Se a barra de secção transversal de secção transversal mista composta apresentada


anteriormente for sujeita a um esforço de compressão ou tracção, a distribuição de tensões
também não vai ser uniforme e vai ser proporcional à rigidez axial de cada um dos materiais.
Se os materiais forem desligados vão apresentar variações de comprimentos inversamente
proporcionais à sua rigidez axial. No entanto, quando ligados vão ter de apresentar o
mesmo deslocamento final que se traduz na equação de compatibilidade de deslocamentos,
ver Figura 11.

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Apontamentos Teóricos

Figura 11. Barra de secção mista sujeita a esforço axial

Assim, o problema hiperstático de uma barra de secção mista sujeita a um esforço axial
resolve-se definindo a condição de equilíbrio e a condição de compatibilidade de
deslocamentos, conduzindo ao seguinte sistema de equações:

{ (19)

{ (20)

{ (21)

{ (22)

Considerando a homegeneização da secção em betão (secção equivalente de betão),


calcula-se o coeficiente de homogeneização do aço em betão com base na relação entre os
módulos de elasticidade dos materiais, vindo:

(23)

Substituindo na eq. 22, vem:

{ (24)

{ ( ) (25)

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Resistência de Materiais I

O cálculo da tensão instalada no aço pode ser calculado directamente dividindo o esforço
axial pela área homogeneizada da secção em betão, ĀB.

 ̅
{ ( ) (26)

Da mesma forma se pode calcular directamente a tensão no aço através da seguinte


dividindo o esforço axial actuante na barra e a secção homogeneizada do betão em aço, ĀA:
 ̅
(27)

Se uma barra estiver simultaneamente sujeita a esforço axial e a uma variação de


comprimento o cálculo das tensões e deformações é efectuado aplicando o princípio da
sobreposição dos efeitos (PSE).

Exemplos
2.1 Calcule o alongamento da barra indicada na Figura 12. E = 200GPa.

Figura 12. Barra se secção variável sujeita a esforço axial

- Calcular o alongamento da barra

∑Ni × li
Δl =
i

Ai × Ei

- N não é constante ao longo da barra


- secção transversal também não é constante

Diagrama de esforço axial

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Apontamentos Teóricos

N1  l1 N 2  l2 N l
l    3 3
A1  E1 A2  E2 A3  E3

400  300  103 100  300  103 200  300  103


   
200  103  600 200  103  600 200  103  200

 1  0.25  1.5  2.5  0.25  2.25mm

2.2 Para a barra indicada na Figura 13 calcule:

a. as tensões instaladas
b. As extensões.

Figura 13. Barra hiperstática de secção variável sujeita a variação de temperatura

Dados:

E  200GPa
  12  10 6 /º C
t  50º C

a. Este problema é hiperstático dado que não é possível calcular as reacções do apoio.

Procedimento:
- desligar a estrutura e aplicar os deslocamentos

18
Resistência de Materiais I

- aplicar a equação da compatibilidade de deslocamentos

Supressão da ligação do lado direito e cálculo da variação de comprimento devido à


variação de temperatura

Aplicação da reacção de apoio que permite efectuara a compatibilização de deslocamento


em c

Cálculo da variação de comprimento devido à variação de temperatura - lt

l t    t  l
 12  10 6  (50)  600

Cálculo da variação de comprimento devido à reacção de apoio - l RC

l RC  
N i  li
i Ai  Ei

Equação de compatibilidade de deslocamentos

l final  0  l t  l RC  0

 R l R l 
lt  l RC  0  12  10 6  (50)  l   C 1  C 2   0
 E  A1 E  A2 

 RC  300 RC  300 
 12  10 6  50  600    0
 200  10  400 200  10  800 
3 3

 0.36  5.625  106  RC  0  RC  64000 N  64kN

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Apontamentos Teóricos

Cálculo das tensões

 AB    160MPa (tracção )
N 64000
AAB 400

N 64000
σ BC = = = 80MPa (tracção )
ABC 800

b. Calculo das extensões

ε AB = εT + ε RC
σ AB
= α × Δt +
E AB

 12  10 6  50   0.0002
160
200  10 3

ε BC = εT + ε RC
σ BC
= α × Δt +
E BC

 12  10 6  50   0.0002
80
200  10 3

2.3 Sabendo que a barra AC da estrutura apresentada na Figura 14 tem uma secção
circular mista aço-betão e que a extensão máxima no betão é de 0.002, calcule:
a. a força máxima F que pode ser aplicada no ponto C.

Figura 14. Estrutura articulada

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Resistência de Materiais I

Dados
Eaço=200GPa
Aaço=2434.73mm2
Ebetão=30GPa
Abetão=17671.46mm2

2
senα =
2
2
cos α =
2

Cálculo do valor máximo da tensão no betão (controlada pela extensão máxima)

N b   b  Ab
 Eb   b  Ab
 0.002Eb  Ab

Definição do sistema de equações à barra mista AC: equilíbrio e compatibilidade de


deslocamentos

N a  Nb  N

la  lb

           Ea  Aa 
    1  N b  N
 Na  l Nb  l  Ea  Aa  Eb  Ab 
E  A  E  A N a  E  A  Nb 
 a a b b  b b       

  Ea  Aa 
 N    1  0.002  Eb  Ab
  Eb  Ab 

 

Cálculo de força na barra AC

N  F  cos   F    2876.8kN
cos  cos 45
N 2034.2

 200 2434.73 
N    1  0.002  30  103  17671.46  2034179.6 N  2034.2kN
 30 17671.46 

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Apontamentos Teóricos

Momento Flector

2 Introdução
Uma peça diz-se sujeita à flexão quando está actuada por um carregamento que introduz na
estrutura a momentos flectores. Se o momento flector for constante, trata-se de um
problema simétrico relativamente a qualquer secção da peça. Ainda que o eixo da peça
deixe de ser rectilíneo, a lei de Navier-Bernoulli é válida pelo que as secções após a
deformação por flexão mantêm-se planas e perpendiculares ao eixo da peça. Se o momento
variar ao longo da peça, perde-se a simetria quer pelo facto do momento flector ser distinto
em duas extremidades quer pelo facto de existir esforço transverso. No entanto, as tensões
geradas na barra por um momento flector não se alteram com a introdução do esforço
transverso constante e alteram-se pouco com a existência de um esforço transverso
variável. Assim, o estudo das tensões devidas à flexão é feito considerando o esforço
transverso nulo. Dependendo do tipo de carregamento podem-se encontrar diferentes tipos
de flexão:
Flexão pura ou circular – este tipo de flexão ocorre quando na peça actua apenas
momento flector, sendo nulos o esforço axial, N, e o esforço transverso, V. A
designação de flexão circular relaciona-se com o facto de a deformada em flexão pura
descrever um arco de circunferência (curvatura constante).
Flexão simples – ocorre este tipo de flexão quando existe simultaneamente momento
flector e esforço transverso, sendo nulos o esforço axial e momento torsor.
Flexão composta – surge quando o momento flector (constante ou variável) é
combinado com esforço axial, sendo nulo o momento torsor. Quando o esforço
transverso também é nulo está-se em presença de flexão composta circular.
Todos estes tipos de flexão podem ainda dividir-se em plana ou desviada conforme a
deformada de flexão se encontra ou não segundo o eixo de simetria de peça
respectivamente.
Na Figura 15 ilustram-se alguns tipos de flexão que podem ocorrer numa viga encastrada,
nomeadamente flexão pura, Mz (Figura 15a), flexão plana composta, Mz, N, (Figura 15b),
flexão desviada, Mz, My (Figura 15c) e flexão desviada composta, Mz, My e N (Figura 15d).

22
Resistência de Materiais I

(a)

(b)

(c)

(d)
Figura 15. Tipos de flexão; (a) flexão pura; (b) flexão composta plana; (c) flexão desviada; (d) flexão
composta desviada

2.1 Flexão pura


De acordo com o mencionado anteriormente, uma barra fica sujeita a flexão pura se o
momento flector é constante (consequentemente o esforço transverso é nulo) e o plano da
deformada estiver contido no plano de solicitação (plano da deformada perpendicular ao
vector momento). A viga indicada na Figura 16, está sujeita a flexão pura na parte central da
viga onde o diagrama de momento flector representado apresenta valor constante.

Figura 16. Viga sujeita a flexão pura na parte central

23
Apontamentos Teóricos

Este tipo de flexão surge quando o eixo de simetria da peça coincide com o eixo de
solicitação.
No estudo da flexão pura admite-se que a lei das secções planas é válida, o que significa
que as secções planas antes da deformação se mantêm planas após a deformação e
perpendiculares ao eixo da peça, ver Figura 17. Numa viga sujeita à acção de um momento
flector positivo as fibras que não sofrem variação de comprimento são designadas de fibras
neutras (apresentam extensão nula), as fibras acima da fibra neutra ficam comprimidas e as
fibras abaixo da fibra neutra ficam traccionadas. As fibras superiores apresentam assim
encurtamentos, enquanto que as fibras inferiores apresentam alongamentos.
Como o momento flector é constante, a curvatura da deformada é constante, isto é, a
deformada é um arco de circunferência.

Figura 17. Ilustração da lei das secções planas na deformação por flexão

Considere-se agora em pormenor um segmento infinitesimal (SS´) de uma viga sujeita a um


momento flector positivo de acordo com o indicado na Figura 18. A secção é simétrica e o
eixo de simetria coincide com o eixo de solicitação.

(a) (b)
Figura 18. (a) Segmento infinitesimal de uma viga em flexão pura; (b) secção da viga

24
Resistência de Materiais I

De acordo com a Figura 18a a variação de comprimento das fibras com ordenada y é dada
por:

(28)

Como a extensão é dada pela razão entre a variação de comprimento pelo comprimento
inicial, a extensão da fibra com ordenada y é calculada a partir de:

(29)

Da eq.29 é possível concluir que a distribuição das extensões é linear ao longo da altura da
secção e depende da ordenada y, ver Figura 19. Dado que se assume comportamento
elástico linear do material, é válida a lei de Hooke e consequentemente a distribuição de
tensões ao longo da secção é também linear (ver Figura 19), sendo possível obter as
tensões a partir de:

(30)

Figura 19. Distribuição de extensões e tensões ao longo altura da secção

Através da definição das equações de equilíbrio ao nível da secção é possível tirar algumas
conclusões importantes. O equilíbrio de forças horizontais estabelece que a resultante de
forças horizontais internas deve ser nulas, dado que não existem esforços axiais a actuar na
secção. Assim é possível definir que:

∫ ∫ ∫ ∫ (31)

O último integral consiste no momento estático da secção relativamente ao eixo neutro, que
ao anular-se indica que o eixo neutro é baricêntrico.
Tomando a equação de equilíbrio de momentos em torno do eixo neutro (eixo z), tem-se:

25
Apontamentos Teóricos

∫ ∫ ∫ (32)

Dado que o momento, o módulo de elasticidade e o momento de inércia são constantes, a


curvatura (1/) também é constante, confirmando que a deformada em flexão pura é um
arco de circunferência. O valor do denominador é a rigidez de flexão (EIz). A rigidez de
flexão relaciona a deformação de flexão (curvatura) com o esforço que a provoca (momento
flector). Quanto maior for a rigidez de flexão menor será a curvatura da secção.
Considerando o equilíbrio de momentos em terno do eixo y, vem:

∫ ∫ ∫ (33)

O último integral representa o produto de inércia da secção relativamente aos eixos da


secção, Izy. A condição é satisfeita dado que o eixo y é um eixo central principal de inércia
(eixo de simetria e baricêntrico) e por isso qualquer eixo perpendicular a passar também
pelo centro de gravidade é eixo central principal de inércia. Esta condição indica que para
que a flexão seja plana basta que os eixos em relação aos quais a secção está a ser
solicitada sejam eixos centrais principais de inércia, não sendo contudo necessário que um
deles seja eixo de simetria da secção transversal.
As tensões normais em flexão plana são calculadas através da seguinte expressão:

 (34)

2.2 Dimensionamento de secções


De acordo com a eq. 34, as tensões normais máximas ocorrem nas fibras da secção mais
afastadas do eixo neutro. Se se tomar o valor da distância da fibra mais afastada ao eixo
neutro o valor máximo da tensão é dado por:

 (35)

O valor do denominador da eq. 35 é designado por módulo de flexão e relaciona


directamente o valor da tensão com momento flector actuante. Esta grandeza depende
apenas da geometria da secção e permite o dimensionamento directo da mesma partindo do
conhecimento da tensão máxima admissível do material e do valor do momento flector
actuante. Se a tensão máxima admissível for o valor resistente do material, rd, o módulo de
flexão vem calculado através da seguinte expressão:

  
(36)

26
Resistência de Materiais I

Esta expressão é particularmente útil no dimensionamento de secções de perfis metálicos,


uma vez que os valores do módulo de flexão se encontram tabelados, havendo
possibilidade de escolher por um processo iterativo o perfil mais adequado.

2.3 Forma racional de secções em flexão


De acordo com a eq. 34 e em função do digrama de tensões ao longo da secção, é evidente
que as tensões são baixas nas proximidades do eixo neutro. Isto significa que a contribuição
da tensão instalada nestes pontos para a resistência ao momento flector é inferior à dos
pontos onde as tensões normais são máximas. Deste modo, é vantajoso que a secção
transversal tenha uma geometria que concentre maior área resistente ao momento flector
nas zonas mais afastadas do eixo neutro. Esta forma pode ser conseguida aumentando a
altura da secção ou dando-lhe formas racionais como a forma em I, ver Figura 20.

Figura 20. Forma racional de secções sujeitas à flexão

Note-se que a altura da secção pode ser impedida por razões construtivas ou devido a
instabilidade lateral. No caso de secções em I, a existência de altas esbeltas pode levar a
problemas de instabilização lateral e poderá haver problemas de resistência ao esforço
transverso.
Considerando os módulos de flexão de uma secção transversal quadrada e em I, verifica-se
que no primeiro caso o módulo de flexão é aproximadamente 0.167Ah, enquanto que a
secção em I apresenta um módulo de flexão de aproximadamente 0.33Ah, em que A é a
área da secção transversal e h a altura da secção. Esta diferença demonstra a maior
eficiência da secção em I para resistir a momentos flectores.

Exemplos
2.1 Uma peça de ferro fundido (E=165MPa) indicada na Figura 21 é solicitada pelo momento
M=3.0kN.m. Determine:
a. as tensões máximas:

27
Apontamentos Teóricos

b. o raio de curvatura:

Figura 21. Secção transversal da viga (dimensões em cm) e esquema estrutural da vida

a. Cálculo das tensões máximas

- cálculo do centro de massa CM

90 × 20 × 50 + 30 × 40 × 20
yg = = 38mm
90 × 20 + 30 × 40

90 × 20 3 30 × 40 3
Iz = + 90 × 20 × (50 38) 2 + + 30 × 40 × 18 2
12 12
= 868000mm4

30 103 103  y  38mm →   131.3MPa


x  y  y  34.562  y → 
 y  22mm →   76.0MPa
Mz
Iz 868000

 x   0.4608 10 3
76.04
165 10
 131.34
3

 x   0.796 10 3
165 103

b. cálculo do raio de curvatura

 3.0 10 6
   2.0947 10 5 mm1
Mz

1
E  Iz 165 10  868000
3

28
Resistência de Materiais I

Raio de curvatura = ρ = 47.74mm

Ou,

= 2.0945 × 10 2  ρ = 47.74mm
1 ε 0.4608 × 10 3

= =
ρ y 22 × 10 3

2.2 Dimensione a barra AD com um perfil da série IPE indicado na Figura 22, sabendo que
a tensão máxima admissível é 235 MPa:

Figura 22. Viga simplesmente apoiada

Para efectuar o dimensionamento da secção é necessário garantir que:

σ ˺σ max = 235MPa

Secção crítica secção onde o momento flector á máximo → M = 300kN.m

Mz Mz Mz
σx = ×y= ˺235MPa → Wz ˻ , Wz – módulo de flexão
Iz Wz σ max

300 × 10 3 × 10 3
Wz ˻ = 1276595.745mm3 = 1276.60cm 3
235

a partir da informação das características dos perfis IPE (tabelas de perfis), é necessário
seleccionar o perfil que apresenta um módulo de flexão superior ao valor obtido. Assim o
perfil que satisfaz esta condição é o perfil IPE400:

IPE 400  Wy  1324.0cm 3  1276.6cm 3  OK

2.4 Flexão desviada

2.4.1 Caso geral


No caso geral de uma secção não simétrica, o eixo de solicitação deixa de coincidir com um
eixo central principal de inércia, pelo que o eixo neutro deixa de ser conhecido. Neste caso o
plano da deformada não coincide com o plano de solicitação e por a secção está sujeita a

29
Apontamentos Teóricos

flexão desviada. Para analisar este caso geral de flexão desviada, considere-se a secção
submetida a um momento flector com uma orientação qualquer indicada na Figura 23.

Figura 23. Secção não simétrica sujeita a flexão desviada

A lei da conservação das secções planas após a deformação permite afirmar que à
semelhança da flexão plana, a tensão num ponto é proporcional à distância desse ponto ao
eixo neutro. Dado que a resultante das forças internas na direcção do eixo neutro da peça
também é nula, a aplicação da eq. 31 mostra que em flexão desviada o eixo neutro também
passa pelo centro de gravidade da secção. A aplicação da equação de equilíbrio de
momentos em torno do eixo neutro estabelece a relação entre o momento e a curvatura:

∫ ∫ (37)

Do mesmo modo, a tensão normal devida ao momento flector M num ponto é dada por:

(38)

em que Mn é a projecção do momento relativamente ao eixo neutro, In é o momento de


inércia relativamente ao eixo neutro e yn é distância do ponto ao eixo neutro. O cálculo da
tensão normal num ponto implica o conhecimento os valores de cada uma destas variáveis.
A orientação do eixo neutro pode obter-se definindo a equação de equilíbrio de momentos
em torno do eixo de solicitação. Sabe-se que a resultante dos momentos em torno do eixo
de solicitação é nula (vector momento é perpendicular ao eixo de solicitação), vindo:

∫ ∫ (39)

O que significa que o eixo neutro e o eixo de solicitação são eixos conjugados relativamente
à elipse central de inércia do ponto onde se intersectam. Dado que o conjugado de um eixo

30
Resistência de Materiais I

principal de inércia é sempre outro eixo principal de inércia, a flexão é plana sempre que o
eixo de solicitação for paralelo a uma dos eixos principais centrais de inércia.
A orientação do eixo neutro pode ser calculada através de:

(40)

Se os eixos x e y forem eixos centrais principais de inércia, a orientação do eixo neutro


obtém-se através de:

(41)

O valor do ângulo entre o momento actuante (sempre perpendicular ao eixo de solicitação) e


o eixo neutro é dado por (ver Figura 24):

(42)

Figura 24. Definição das propriedades geométricas da secção da secção submetida a flexão desviada

O valor do momento de inércia In, da secção relativamente ao eixo neutro é calculado


considerando uma rotação do eixo neutro do ângulo  relativamente ao referencial zy.
Assim, o momento de inércia segundo o eixo neutro que resulta da rotação do ângulo  em
relação a zy vem dado por:

(43)

Se os eixos forem centrais principais de inércia o último termo da eq. 43 anula-se.


O valor da coordenada yn de um ponto relativamente ao eixo neutro é obtida considerando
também a rotação do eixo neutro do ângulo relativamente ao referencial zy, sendo calculada
através de:

31
Apontamentos Teóricos

(44)

As tensões normais máximas ocorrem nos pontos mais afastados do eixo neutro.

2.4.2 Decomposição da flexão desviada em duas flexões planas


Quando uma secção apresenta eixos de simetria ou quando é fácil calcular os eixos centrais
principais de inércia, pode optar-se por decompor a flexão desviada em duas flexões planas
segundo cada um dos eixos centrais principais de inércia. Isto significa que o momento
flector é decomposto em duas componentes segundo dos eixos centrais principais de
inércia, ver Figura 25.

Figura 25. Diagramas de tensões em flexão desviada

A tensão normal num ponto de coordenadas (z,y) é calculada tirando partido do princípio da
sobreposição dos efeitos:

(45)

O valor negativo da primeira parcela significa que para momentos flectores Mz positivos, o
valor da tensão normal é de compressão quando a coordenada y toma valores positivos. Por
outro lado, para valores positivos do momento My, as tensões de compressão ocorrem para
pontos de coordenadas z negativas, não sendo necessário afectar a parcela de sinal
negativo. Note-se que o valor dos momentos (Mz e My) entra sempre na equação com valor
absoluto.
Como anteriormente referido, o eixo neutro consiste no lugar geométrico onde a tensão na
secção tem valor nulo. Assim, a equação do eixo neutro obtém-se igualando o valor da
tensão normal a zero, vindo:

32
Resistência de Materiais I

(46)

Este método é particularmente útil para o cálculo das tensões normais em secção simétricas
em I, T ou U, dado que se conhecem à partida os eixos centrais principais de inércia. Nestas
secções é ainda possível identificar os pontos onde a tensão é máxima, com identificação
dos pontos mais traccionados e mais comprimidos. Nas secções de contorno rectangular os
valores máximos das tensões de tracção e compressão ocorrem nos vértices, que são
também os pontos mais afastados dos eixos neutros relativos às duas flexões planas. No
caso de secções de contorno curvo é necessário calcular previamente a orientação do eixo
para definir os pontos de tensão máxima.
O dimensionamento de secções submetidas à flexão desviada é efectuado garantindo que o
valor da tensão máxima, considerando ambos as parcelas da eq. 47 em valor absoluto, é
inferior ao valor da tensão resistente do matéria:

| | | | | | | | (47)

Exemplos
2.3 Calcule as tensões normais na secção quadrada indicada na Figura 26 submetida a um
momento flector M = 5.0kN.m , tendo em consideração que o eixo de solicitação é vertical.

Figura 26. Secção quadrada sujeita a flexão desviada (medidas em cm).

O cálculo das tensões normais em flexão desviada é efectuado seguindo o método de


cálculo mais geral apresentado.

x   yn
Mn
In

33
Apontamentos Teóricos

- Cálculo da posição do eixo neutro

Iz
tgβ = × tgθ
Iy
6 × 83
Iz = = 256cm 4
12

8 × 63
Iy = = 144cm 4
12

3
θ = artg = 36.87º
4

256 3
tgβ = × = 1.33 → θ = atg (1.33) = 53.06º
144 4

- Cálculo do ângulo que o momento flector faz com o eixo neutro

     53.06  36.87  16.19º  ângulo entre o eixo neutro e o momento flector

- Cálculo do momento de inércia relativamente ao eixo neutro

Para calcular o momento de inércia da secção relativamente ao eixo neutro é necessário


considerar uma mudança de referencial inicial zy para o referencial constituído pelo eixo
neutro e o eixo perpendicular a este. O Momento de inércia relativamente a um eixo de faz
um ângulo  com o eixo z é dado por:

I n  I z  cos 2   I y  sen 2   I zy  sen2 

z e y → eixos centrais principais de inércia

I n  I z  cos 2   I y  sen 2 

I n  256  cos 2 (53.13)  144  sen 2 (53.13)

I n  184.32cm 4

- Cálculo do momento actuante segundo o eixo neutro:

M n  M  cos 

34
Resistência de Materiais I

M n  5.0  cos(16.19)  4.80kN.m

- Cálculo da distância do ponto ao eixo neutro – ordenada yn

 xn   cos  sen   z 
 y    sen 
cos    y 
 n 

 xn  z  cos   y  sen

 yn   z  sen  y  cos 

yn   z  sen  y  cos 

- Cálculo dos valores máximos da tensão

A  ( z, y)   3.0,4.0  yn  3  sen53.06  4  cos53.06

B → ( z, y) → 3.0,4.0 → yn  3  sen53.06  4  cos53.06

4.8  10 6
   4.802  10  125.05MPa
184.32  10 4
A
x

4.8 × 10 6
σ xB = × ( 4.802) × 10 = 125.05MPa
184.32 × 10 4

2.4 Considere o perfil IPE200 solicitado por um momento flector M = 7.0kN.m , indicado na
Figura 27.

a. Determine o diagrama de tensões normais

35
Apontamentos Teóricos

b. Determine a equação do eixo neutro

Características geométricas
Wz = 194cm 3
Wy = 28.5cm 3
Iz = 1943cm 4
Iy = 142cm 4
b = 10cm
h = 20cm

Figura 27. Perfil IPE sujeito a flexão desviada.


Decomposição do momento actuante.

a. Cálculo das tensões normais

Dado que o perfil é simétrico, os eixos zy são eixos centrais principais de inércia. Assim, o
momento M pode decompor-se nos momentos Mz e My segundo cada um dos eixos centrais
principais de inércia.

- Decomposição do momento flector nas direcções principais de inércia

M z  M  cos  7  cos 25  6.34kN.m

M y  M  sen  7  sen25  2.96kN.m

As tensões normais calculam-se com base na expressão:

x  - y z 0 y z


Mz My 6.34 2.96
Iz Iy 194 10 6
142 10 6

- Tensões normais devido a Mz


 y   x   32.68MPa

h 6.34
194  10 6
x - y→
Mz 2
 y  h    32.68MPa

Iz
x
2

- Tensões normais devido a My



 z  2   x  103.86MPa
b
y  z  z → 
My 2.96
142  10 6  z   b →   103.86MPa

Iy
x
2

36
Resistência de Materiais I

- Calculo das tensões máximas nos vértices do perfil

σ A = 32.68 + 103.86 = 71.18MPa

σ B = 32.68 103.86 = 136.54MPa

σ C = 32.68 103.86 = 71.18MPa

σ D = 32.68 + 103.86 = 136.54MPa

b. equação do eixo neutro

A orientação do eixo neutro obtém-se igualando a expressão que define a tensão normal a
zero:

x  - y z 0 y z 0


Mz My 6.34 2.96
Iz Iy 194 10 6
142 10 6

= 3.262 × y + 20.845 × z = 0

Alternativamente:

 cos 
M    y  z   0
sen
 Iz Iy 

y  tg 25  z  6.381  z    81.09º
Iz
Iy

37
Apontamentos Teóricos

2.5 Flexão composta

Uma secção está sujeita a flexão composta se actuarem simultaneamente momentos


flectores e esforço axial. Se for aplicado um esforço axial e um momento flector em torno de
um eixo central principal de inércia a secção fica sujeita a flexão composta plana. Se for
aplicado um momento com uma orientação qualquer e um esforço axial, a secção fica
submetida a flexão composta desviada. Na Figura 28, está representado um caso de flexão
composta desviada (N, Mz, My). A flexão composta desviada ou composta plana pode ser
representada por um esforço axial excêntrico relativamente a cada um dos eixos da secção.
Na Figura 28b, apresenta-se um pormenor das excentricidades ez e ey do esforço axial
relativamente aos eixos centrais principais de inércia y e z respectivamente. Assim, podem-
se dar três cenários: (1) Esforço axial puro, N (ez=0 e ey=0); (2) flexão composta plana, N
(ez≠0 e ey=0 ou ez=0 e ey≠0); (3) flexão composta desviada, N(ez≠0 ey≠0). O ponto de
aplicação da carga axial designa-se de centro de pressões.

(a) (b)
Figura 28. Representação da flexão desviada; (a) como resultado de N, Mz e My ou de Um esforço
axial N, aplicado com excentricidades ez e ey; (b) pormenor das excentricidades do esforço axial

38
Resistência de Materiais I

Assim os momentos flectores associados a um esforço axial excêntrico são representados


por:

(48)

A expressão geral para o cálculo da tensão normal considerando que os momentos flectores
estão referidos aos eixos centrais principais de inércia tensão normal é:

(49)

A equação do eixo neutro obtém-se igualando a tensão normal a zero. Verifica-se que o eixo
neutro em flexão composta deixa de ser baricêntrico. No caso de se ter flexão composta
plana, o eixo neutro é paralelo a um dos eixos centrais principais de inércia. Em flexão
desviada composta o eixo neutro é uma recta oblíqua que não passa no centro de
gravidade.
A eq. 49 pode reescrever-se pondo em evidência a primeira parcela, obtendo-se:

(50)

Tendo em conta que os raios de giração iz e iy são dados por:

√ (51)

e substituindo na eq. 50, obtém-se a seguinte equação:

( ) (52)

A obtenção da equação do eixo neutro define-se igualando a tensão normal a zero


conduzindo à seguinte expressão:

( ) (53)

39
Apontamentos Teóricos

Isto significa que o eixo neutro pode-se definir através dos pontos onde ele intersecta os

eixos centrais principais de inércia da secção ( )e

2.5.1 Núcleo central

Como anteriormente se referiu, em flexão composta o eixo neutro não passa pelo centro de
gravidade da secção, dado que no centro de gravidade está instalada a tensão normal
associada ao esforço axial puro. A posição do eixo neutro está directamente associado com
as excentricidades do esforço axial. Se as excentricidades são nulas o eixo neutro está no
infinito dado que a secção apresenta uma distribuição de tensões constante (esforço axial
puro). Além disso, quando as excentricidades são pequenas, as tensões normais são do
mesmo sinal (tracção ou compressão). À medida que as excentricidades aumentam, o eixo
neutro tem tendência a aproximar-se da secção conduzindo a uma maior variação das
tensões normais ao longo da secção. Dependendo do valor das excentricidades o eixo
neutro intersecta ou não a secção transversal da peça.
Na Figura 29 encontra-se ilustrada a distribuição de tensões em função da posição de uma
carga axial N de tracção aplicada na secção conduzindo a flexão composta plana. Assim,
quando a carga está aplicada no centro de gravidade, o diagrama de tensões é uniforme.
Quando a força está aplicada nas proximidades do centro de gravidade, a distribuição de
tensões é variável mas continuam a ser de tracção. Para a posição 3, o diagrama de
tensões anula-se na fibra superior mas é de tracção. Finalmente, quando a carga é paliçada
na posição 4(N4), o diagrama de tensões apresenta mudança do sinal das tensões normal
aparecendo tensões de compressão.

Figura 29. Distribuição de tensões ao longo da altura de uma secção para diferentes pontos de
aplicação da carga axial

A região da secção onde uma carga axial de tracção ou compressão pode estar aplicada
sem que haja alteração do sinal das tensões designa-se de núcleo central. Assim, a posição
3 corresponde a um ponto do contorno do núcleo central, conduzindo a que o eixo neutro

40
Resistência de Materiais I

seja tangente ao perímetro da secção. Na posição 4, a excentricidade da carga resulta na


intersecção do eixo neutro com a secção.
O núcleo central tem particular importância no caso de materiais com diferente resistência à
tracção e compressão, como é o caso da maioria dos materiais aplicados na engenharia
civil, tais como o betão, pedra ou solos.
Os limites do núcleo central podem ser determinados com base na aplicação da eq. 53,
através do cálculo do centro de pressões (ponto de aplicação do esforço axial)
correspondente a um eixo neutro tangente ao contorno da secção num determinado ponto,
procedimento muito útil para secções de contorno curvo. Este centro de pressões
corresponde a um vértice do núcleo central no caso de secções de contorno poligonal. No
caso de secções de contorno poligonal, o núcleo central pode determinar-se
alternativamente considerando que a carga axial está aplicada num vértice do contorno da
secção, ao qual correspondente um eixo neutro que é um lado do núcleo central. De facto,
se a carga axial for aplicada em diferentes pontos de um lado do perímetro da secção
poligonal obtêm-se eixos neutros que passam pelo centro de pressões, que é um vértice do
núcleo central. Note-se que reciprocamente, se a carga axial for aplicada no centro de
pressões obtém-se directamente o eixo neutro correspondente a um lado do perímetro da
secção poligonal.
Na Figura 30a encontra-se esquematizado o núcleo central de uma secção poligonal. Assim,
se a carga axial se considerar aplicada num vértice do polígono envolvente do polígono (por
exemplo P1) obtém-se um eixo neutro que é um lado do núcleo central (recta p1). O núcleo
central tem o mesmo número de lados e o mesmo número de vértices do polígono convexo
envolvente da secção transversal. Na Figura 30a, é também evidente que a cada vértice do
polígono envolvente da secção correspondente um lado do núcleo central e a cada lado do
envolvente convexo corresponde um vértice do núcleo central. Na Figura 30b esquematiza-
se o núcleo central para uma secção de contorno curvilíneo.

(a) (b)
Figura 30. Determinação do núcleo central; (a) secção poligonal; (b) secção de contorno curvo.

41
Apontamentos Teóricos

Exemplos

2.5 Considere a sapata indicada na Figura 31 sujeita a um esforço normal de compressão,


N, e a um momento flector My.
a. Calcule o eixo neutro da secção
b. Determine o diagrama de tensões normais

N = 1000kN
M y = 1000kN.m
A = 3.0m
B = 2.0m
B × A 3 2 × 33
Iy = =
12 12

Figura 31. Sapata sujeita a flexão composta

a. Cálculo do eixo neutro

Dado que a sapata está submetida a um esforço axial e a um momento flector My a actuar
em torno de um eixo de simetria, esta está submetida à flexão composta plana. A expressão
geral que permite calcular as tensões normais ao longo do comprimento da sapata é a
seguinte:

x    x0
N My
A Iy

A equação do eixo neutro obtém-se igualando a zero o valor da tensão normal, dado que é o
lugar geométrico dos pontos de tensão normal nula:

 1000 1000
x    x  0  166.67  222.22  x  0 x  0.75m
3 2 2  33
12

b. Diagrama de tensões normais

 x  166.67  222.22  x

42
Resistência de Materiais I

2.5 Demonstre que o núcleo central de um rectângulo de base b e altura h indicado na


Figura 32 é um losango com a geometria representada na figura ao lado.

- A cada lado do polígono convexo da secção corresponde um vértice do núcleo central

ey ez
1+ 2 × y+ ×z = 0
iz iy 2

Figura 32. Núcleo central de uma secção rectangular

Equação da recta P1 (lado superior)

h h 2× y
y= →y =0→ +1 = 0
2 2 h

ey ez
Equação geral do eixo neutro →1+ 2 × y+ ×z = 0
iz iy 2

1 y0
2
h

43
Apontamentos Teóricos

b  h3
b  h3
iz 2   12  
h2
b  h 12  b  h 12
Iz
A
1

ey 2
iz 2 h

ey    
2 h2 h
h 12 6

Equação da recta P2 (lado esquerdo)

2 z 2  b2 1 b
z →z 0→ 1  0   ez   
b b 2 ez
2 2 b b iy 2 12 b 6

h  b3
h  b3
ey 2   12  
Iy b2
A b  h 12  b  h 12

2.6 Flexão de peças de secção transversal mista

Os elementos estruturais de estruturas de engenharia civil são frequentemente constituídos


por materiais com propriedades mecânicas distintas. Exemplos de secções mistas são
secções de vigas de madeira reforçadas com chapas de aço, secções de betão armado,
secções de betão reforçadas com materiais compósitos, lajes mistas aço-betão ou betão-
madeira. As secções mistas foram já tratadas quando submetidas a um esforço axial e
serão agora abordadas no caso de serem submetidas a flexão.
Em secções mistas a lei da conservação das secções planas após a deformação por flexão
continua válida. A extensão num ponto é portanto proporcional à sua distância ao eixo
neutro e inversamente proporcional à curvatura da secção. Assim, considerando o caso de
uma secção mista constituída por dois materiais, ver Figura 33, com comportamento elástico
e linear, verifica-se que:

{ (54)

sendo E1 e E2 os módulos de elasticidade dos Materiais 1 e 2 respectivamente.

44
Resistência de Materiais I

Figura 33. Secção mista constituída por dois materiais sujeita à flexão

A definição do equilíbrio de forças de translação de uma secção mista sujeita a flexão


implica que:

∫ ∫ ∫ (55)

o que significa que o eixo neutro passa pelo centro de gravidade da secção ponderada com
os módulos de elasticidade dos materiais que constituem a peça.
Considerando o equilíbrio de momentos em torno do eixo neutro obtém-se a seguinte
expressão:

∫ ∫ ∫ (56)

Ou seja, a curvatura da secção é relacionável com o momento e a rigidez de flexão da


secção ponderada, Ip, da seguinte modo:

(57)

Em que o denominador representa a rigidez de flexão ponderada da secção, Ip, com os dois
materiais relativamente ao eixo neutro.
O cálculo das tensões normais em cada um dos materiais é feito através das seguintes
expressões:

{ (58)

No cálculo de tensões normais de secções mistas sujeitas a esforço axial puro, introduziu-se
o conceito de homogeneização da secção. Se por exemplo uma secção é constituída por
dois materiais é possível homogeneizar a secção em material 1 ou em material 2, isto é,
obtém-se uma secção equivalente em material 1 ou em material 2. O coeficiente que

45
Apontamentos Teóricos

permite efectuar a homogeneização da secção é o parâmetro m que estabelece a relação


entre os módulos de elasticidade dos dois materiais:

{ (59)

Assim, a curvatura de uma secção mista pode ser calculada com base na secção secção
homogeneizada em material 1 (E2>E1), ver Figura 34, através da consideração do momento
de inércia da secção homogeneizada em material 1 através de:

(60)

Em que ∫ ∫ ou

̅ (61)

�s valores de I1 e I2 são os momentos de inércia das secções dos materiais 1 e 2


relativamente ao eixo neutro. A homogeneização da secção traduz-se na multiplicação da
área A2 pelo coeficiente de homogeneização m, mantendo-se a mesma altura, ou seja,
mantêm-se as distâncias ao eixo neutro e multiplicam-se as distância paralelas ao eixo
neutro por m. Deste modo, a secção homogeneizada pode considerar-se constituída apenas
por material 1.

Figura 34. Secção homogeneizada em material 1 (m>1).

As tensões normais em cada um dos materiais são obtidas através de:

̅
{ (61)
̅

46
Resistência de Materiais I

Através da Figura 35, verifica-se que como anteriormente referido, o diagrama das
extensões é linear e continuo, enquanto que o diagrama das tensões é linear mas
descontinuo, dado que as tensões no material 2 são multiplicadas pelo valor do coeficiente
de homogeneização, que neste caso foi considerado superior a 1.

Figura 35. Distribuição das extensões e tensões na secção mista

Exemplos

2.7 A viga de madeira indicada na Figura 36 foi reforçada com uma chapa de aço de 1cm.
Calcule o momento resistente da secção mista madeira-aço.

Propriedades mecânicas dos materiais

Emadeira = 10GPa
Eaço = 200GPa
σ madeira = 20MPa
σ aço = 235MPa

Figura 36. Secção mista madeira-aço.


(dimensões em cm)

Considera-se a secção homogeneizada em madeira. O coeficiente de homogeneização é:

E aço 200
m= = = 20
E madeira 10

47
Apontamentos Teóricos

- cálculo do eixo neutro

20 10 11  20 10 1 0.5


yg   5.75cm
20 10  20 10 1

- cálculo do momento de inércia de secção homogeneizada

Im  Im  m Ia

10  203 10  13 
  10  20  (11  5.75) 2  20    10  1  (5.75  0.5) 2  
12  12 

 12179.167  5529.167  17708.333cm 4

- cálculo do momento resistente


O cálculo do momento resistente é efectuado considerando dois cenários de rotura da
secção: rotura controlada pela madeira ou rotura controlada pelo aço. Assim, o momento
resistente correspondente a cada um dos materiais obtém-se considerando os valores
máximos para um dos materiais:

 madeira   100   152.5  20  M r  23.224kN.m  23224039.34 N .mm


Mr Mr
Im 17708.333  10 4

 aço   57.5  20 ˺235 → Mr ˻866.578kN.m  866577851.1N .mm


Mr
17708.333  10 4

O momento resistente da secção é de 23.2kN.m dado que é o menor valor de momento


resistente. A rotura da secção dá-se pela madeira.

48
Resistência de Materiais I

2.8 Considere a secção de betão armado indicada na Figura 37 sujeita a flexão simples. A
viga é armada com 3 varões de 20mm. Calcule as tensões instaladas nos materiais para um
momento flector de 75kN.m.

Dados
M = 75kN.m
d = 0.66m
b = 0.30m

Es  200GPa
30/20 = 9.42cm 2

Ec  30GPa

Figura 37. Secção de betão armado

Na resolução do exercício considera-se a secção homogeneizada em betão:

200
m= = 6.67
30

- cálculo da posição do eixo neutro


O momento estático de secção homogeneizada em relação ao eixo neutro é igual a zero
(eixo neutro é baricêntrico).

b  x   m  As  (d  x)  0
x
2
0.3   6.67  9.42  10 4  (0.66  x)  0
x2
2

0.15  x 2  0.00414687  0.006283  x  0

x = 0.1467m

- cálculo do momento de inércia de secção homogeneizada

b  x3
Iz   m  As  d 2
3

 0.3   6.67  9.42  10 4  0.51332  197117cm 2


0.1467 3
3

- cálculo das tensões instaladas nos materiais

M
σb = × y max
Ib

49
Apontamentos Teóricos

75 × 10 3 × 10 3
= × 0.1467 = 5.581MPa
197117.36 × 10 4
M
σ a = m × × ya
Ia

75 × 10 6 × 6.67
= × 0.5133 = 130.266MPa
197117.36 × 10 4

50
Resistência de Materiais I

Esforço Transverso

3 Introdução
Nos dois capítulos anteriores foi tratado o cálculo das tensões normais que resultam da
aplicação de uma dada secção de esforços axiais e momentos flectores. Apesar de a teoria
de flexão ser baseada no caso da flexão pura (M=const., V=0), na maioria dos casos os
elementos estruturais estão sujeitos a flexão simples (M variável e V≠0).
No caso da existência de esforço transverso numa secção, o equilíbrio de forças implica a
existência de tensões tangenciais, cuja resultante será o valor do esforço transverso
segundo os eixos centrais principais de inércia da secção:


{ (63)

3.1 Esforço rasante


Considere-se uma viga de secção transversal constante, simplesmente apoiada indicada na
Figura 38a, sujeita à flexão simples. Considere-se ainda um troço infinitesimal da vida de
comprimento dz entre as secções s e s’. Por simplificação, considere-se que a secção
transversal da viga é uma secção em T.

(a) (b)
Figura 38. Viga sujeita à flexão simples; (a) troço infinitesimal; (b) esforços na secção S e S’

51
Apontamentos Teóricos

Na Figura 38b, indicam-se os esforços genéricos existentes em cada uma das secções S e
S’ da viga sujeita à flexão simples.
Considere-se o seccionamento da secção em T por um plano paralelo ao eixo da peça, o
qual separa a secção em duas partes I e II, de acordo com o indicado na Figura 39.

Figura 39. Distribuição de tensões nas secções S e S´ e equilíbrio de translação na direcção do eixo
da peça

O equilíbrio de translação na direcção z da parte I da secção permite definir a resultante de


forças na direcção z no corpo I. Como nas secções S e S’ actuam momentos flectores
distintos a resultante das forças internas no corpo I na secção S e S´ é distinta. A resultante
das forças na direcção do eixo da peça na secção S é dada por:

∫ ∫ (64)

A resultante das forças paralelas ao eixo da peça na secção S’ é dada por:

∫ ∫ ∫ (65)

O equilíbrio de translação permite concluir que existe um esforço rasante dR dado por:

∫ (66)

Em que Sz representa o momento estático da área AI relativamente ao eixo neutro z.


Substituindo o valor da variação do momento entre as secções S e S’ dMz por Vdx, uma vez
que derivada do momento em ordem a z é igual ao esforço transverso (dM/dx=V), vem:

(67)

Se se considerasse o equilíbrio da parte superior da secção chegar-se-ia à mesma força


mas de sinal contrário. Note-se que o momento estático da parte II relativamente ao eixo
neutro que passa no centro de gravidade tem de ser igual e de sinal contrário ao momento
estático da parte I relativamente ao mesmo eixo dado que o momento estático de uma
secção relativamente a um eixo que passe pelo centro de gravidade tem de ser nulo.

52
Resistência de Materiais I

Verifica-se através da eq. 67 que o esforço rasante é máximo onde o momento estático
também é máximo (em valor absoluto), o que ocorre ao nível do eixo neutro. O momento
estático máximo corresponde ao momento estático de meia secção. O esforço rasante por
unidade de comprimento vem dado por:

[kN/m] (68)

A existência do esforço rasante torna-se fisicamente evidente no exemplo da Figura 40 onde


se representa viga simplesmente com a secção transversal e dividida em duas metades. Na
Figura 40a as duas metades estão ligadas solidariamente, o que significa que os pontos
comuns têm a mesma deformação. Na Figura 40b considera-se que as duas metades
estão desligadas (atrito nulo) podendo por isso apresentar deslocamentos relativos. A
deformada exibida por cada uma das vigas é substancialmente diferente dado que a rigidez
de flexão também é consideravelmente diferente. Se cada metade da viga tiver uma altura
h, a viga com as metades solidárias apresenta uma rigidez à flexão 4 vezes superior. Além
disso, verifica-se que as fibras traccionadas das fibras inferiores da parte superior deslizam
sobre as fibras comprimidas da parte inferior sendo diferente o comprimento de ambas as
partes.

(a) (b)
Figura 40. Deformação de uma viga simplesmente apoiada se secção composta; (a) duas metades
solidárias; (b) duas metades desligadas sem atrito

O esforço rasante é também fisicamente visível nas ligações entre peças sujeitas à flexão
simples com parafusos ou pregos. Para que as peças se mantenham a trabalhar
solidariamente é necessário que os ligadores estejam sujeitos ao esforço rasante que se
desenvolve na interface entre os dois materiais.
A tensão média na superfície de corte é calculada através de:

53
Apontamentos Teóricos

[kN/m2] (69)

As tensões rasantes são sempre normais ao contorno da secção assumindo uma


distribuição qualquer. Pelo princípio da reciprocidade das tensões tangenciais, as tensões
de corte ao longo da superfície rasante são iguais em cada ponto às tensões tangenciais no
plano da secção, ver Figura 41.

Figura 41. Ilustração do princípio da reciprocidade de tensões tangenciais

Exemplo

3.1 Considere a secção de uma viga de madeira indicada na Figura 42 que consiste na
união de três barrote de madeira de 100 mm de comprimento e 20mm de espessura através
de pregos, sendo o seu espaçamento de 25mm. A viga está sujeita a um esforço transverso
constante de 500N. Calcule o esforço rasante em cada prego.

Figura 42. Secção de madeira ligada através de parafusos

Cálculo das propriedades geométricas


20 1003 100  203 
Iz   2   20 10  60 2   16200000mm4
12  12 
I z  16.20  106 mm4

- Cálculo do esforço rasante por unidade de comprimento

54
Resistência de Materiais I

dR V y  S z

dx Iz

S z  100  2.0  5.0  1.0  120cm 3  120 106 m3  120000mm3

dR 500 ×120000
= = 3.704 N / m = 3704 N / mm
dx 16.2 ×10 6

Considerando o espaçamento de 25mm entre os parafusos, o esforço rasante total entre


parafusos é:

s = 25mm → dR = 3.704 N / m × 0.025 = 92.6 N / prego

3.2 Tensões tangenciais devidas ao esforço transverso

3.2.1 Secções rectangulares

Em secções rectangulares de largura b muito inferior à altura h (secção delgada) em flexão


plana considera-se a hipótese simplificativa da distribuição da tensão tangencial constante
ao longo da largura e paralela às faces laterais da peça, ver Figura 43.

Figura 43. Distribuição de tensões numa secção rectangular (b<<h)

A expressão que permite calcular o valor da tensão ao longo da altura da secção é dada
por:

[ ]

(70)

Verifica-se que a tensão tangencial tem distribuição parabólica ao longo da altura da secção
e apresenta o valor máximo a meia altura dado que é ao nível do eixo neutro que é máximo
o momento estático. Assim, o valor máximo da tensão tangencial a meia altura da secção
obtém-se igualando y a zero:

55
Apontamentos Teóricos

(71)

No caso de se ter flexão desviada será necessário decompor em duas flexões planas:

{ (72)

O erro cometido na consideração da distribuição de tensões constante na largura da secção


depende da geometria da secção e em particular no que respeita à relação entre a largura e
altura, já que aplicação da teoria da elasticidade indica que a distribuição de tensões na
largura não é constante mas parabólica. Na Tabela 2 indica-se os valores da relação entre a
tensão tangencial máxima e média ao longo da largura. Observa-se que para valores
pequenos de b a distribuição é praticamente constante. No entanto para valores elevados de
b verifica-se que o erro pode ser elevado.

Tabela 2. Valores da relação entre a tensão tangencial máxima e média na largura da secção

3.2.2 Secções abertas de parede fina

Em construção civil é frequente encontrar elementos estruturais com secções transversais


de parede delgada, como por exemplo as secções de perfis metálicos (perfis I, U, T), as
quais apresentam troços rectilíneos ou curvos em que a espessura é muito inferior ao
quando comparada com as dimensões da secção transversal. Comprimento.
Como anteriormente se referiu para secções rectangulares as tensões tangenciais podem
considerar-se constantes na largura da secção com boa aproximação se a espessura for
muito inferior à altura. Esta condição é garantida em secções de parede delgada, pelo que a
a tensão tangencial se pode obter dividindo o esforço rasante pela espessura da secção.
Assim. considerando uma secção de parede delgada qualquer, ver Figura 44, a tensão
tangencial obtém-se através de:

[kN/m2] (73)

Sendo os eixos z e y os eixos centrais principais de inércia. Para calcular a tensão


tangencial em B, secciona-se a secção por um plano perpendicular à linha média, podendo

56
Resistência de Materiais I

o momento estático calcular-se como se a área da parede delgada estivesse concentrada


ao longo da linha média.

Figura 44. Tensão tangencial numa secção de parede fina

Se s for a coordenada ao longo da linha média, o momento estático é genericamente obtido


através de :

∫ ∫ (74)

Considera-se agora a secção em U da Figura 45a.

(a) (b)
Figura 45. Definição do diagrama de tensões tangenciais; (a) linha média e referencial local; (b) forma
do diagrama e fluxo de tensões tangenciais

O cálculo das tensões tangenciais faz-se ao longo da linha média considerando o referencial
local s. Os eixos z e y são eixos centrais principais de inércia dado que z é eixo de simetria
e o eixo y por ser perpendicular a z é também eixo central principal de inércia.

57
Apontamentos Teóricos

Tensões tangenciais no Troço AB

Vy  S z s1  0 →  A  0
V S z V s1  e h V h 
 AB          s1 →  V  hb
Iz e  s1  b →  B 
 2 I
I e I e 2 I 2

Verifica-se que a expressão geral da tensão tangencial é um polinómio do primeiro grau


dado que é o grau da expressão que define o momento estático do troço AB relativamente
ao eixo neutro, ver Figura 45b.

Tensões tangenciais no Troço BD

V  h s 
 BC   e  b   a  s   
2 
h
Ia  2 2

h V a h s
 eb   s  
V
Ia 2 Ia  2 2

V ×b×h e V V × s2
= × + ×s×h
2× I a 2× I 2× I

Neste caso a expressão geral da tensão tangencial é um polinómio do segundo grau grau
dado que é o grau da expressão que define o momento estático do troço BD relativamente
ao eixo neutro. Os valores da tensão tangencial em B, C e D obtêm-se substituindo a
coordenada local s2 por:

 V b h e
s 2  0 →  B  2  I  a

 V b h e h2 V  h2 V  b  h e
→ s 2  →  C         h2
h V V
 2 I a 2 I 2 8 I 2 I a 8 I

2
V bh e V  s 2 V h V b h e
s 2  h →  D    h  
2

 2 I a 2 I 2 I 2 I a

O valor máximo da tensão tangencial ocorre ao nível do eixo neutro (momento estático de
meia secção), o que significa que o valor máximo da tensão tangencial corresponde à
tensão tangencial em C, ver Figura 45b.
Os diagramas de tensões tangenciais são traçados neste caso do lado exterior da secção
por convenção e dado que o fluxo das tensões tangenciais tem um único sentido. O sentido
do fluxo das tensões tangenciais pode ser definido a partir do sentido do esforço de
escorregamento. Considere-se o caso da Figura 46, de uma viga em consola sujeita a uma
carga concentrada na extremidade. O momento flector é negativo ao longo de toda a viga e
o esforço transverso é constante e positivo ao longo da viga, o que significa que a aba

58
Resistência de Materiais I

supridor vai estar traccionada e existe um acréscimo de momento flector entre a secção S2 e
S1 e consequentemente um acréscimo da força de tracção, ver Figura 46. Se se considerar
o troço infinitesimal S1S2, e o equilíbrio de forças nas abas é possível determinar o sentido
do fluxo do esforço rasante e pelo princípio da reciprocidade das tensões tangenciais o
sentido do fluxo das tensões no plano da secção.

Figura 46. Determinação do sentido do fluxo das tensões tangenciais

O cálculo das forças resultantes do diagrama de tensões tangenciais obtém-se através da


seguinte expressão:

∫ (75)

As resultantes dos diagramas triangulares são dadas por (ver Figura 47):

∫ ∫ ∫

∫ [ ]

59
Apontamentos Teóricos

Figura 47. Forças resultantes do diagrama de tensões tangenciais

A resultante do diagrama parabólico é dada por:

∫ ∫ ∫

Considerando que a inércia da secção em U é dada por:

a  h3 b  e3 h
I  2  be  2
2

12 12 2

Se se desprezar a inércia dos banzos relativamente ao eixo baricentrico destes, o momento


de inércia vem dado por:

a  h3
I  be
h2
12 2

60
Resistência de Materiais I

Logo, o valor da força resultante do diagrama de tensões tangenciais na alma vem


dado por:

O que significa que a resultante do diagrama de tensões tangencial na alma é


aproximadamente igual ao esforço transverso. Este resultante seria de esperar dado que as
Forças F1 e F3 são horizontais e anulam-se.

Exemplo
3.2 Determine o digrama de tensões tangenciais da secção sujeita a uma esforço transverso
descendente 60kN indicada na Figura 48.

Figura 48. Geometria da secção

- Características geométricas

A = 2 × 0.6 ×10 + 30 × 0.6 = 30cm 2

30 × 0.6 3 0.6 × 0.33


Iz = 2
+ 30 × 0.6 × 2 + 2 × + 0.6 × 10 × (5 2) 2 = 280.54cm 4
12 12

Como a secção é simétrica e o esforço transverso está aplicado segundo um eixo de


simetria, o valor da tensão tangencial é nula ao nível do eixo de simetria. Nos lados
paralelos ao esforço transverso o fluxo das tensões tangenciais tem o mesmo sentido do
esforço transverso.
O cálculo das tensões tangenciais é efectuado considerando a linha média e o referencial
local ao longo da linha média:
V  Sz
   med 
Iz  t

61
Apontamentos Teóricos

Troço AB – lado paralelo ao esforço transverso

 ( s)   S z  0.3565  S z
60
280.54  0.6

S z ( s)  0.6  s   8    0.3  s  16  s  - função do 2º grau


 s
 2

s  0 → Sz  0 →  0

s  8 → S z  19.2cm 3 →   68.4MPa - valor máximo ao nível do eixo neutro

s  10 → S z  18cm 3 →   6.41kN / cm 2  64.17MPa

Troço BC – lado perpendicular ao esforço transverso

S z s   S z  S z s 
AB

 18  0.6  s   2  18  1.2  s - função do 1º grau

s  0 → Sz  18  0 →   64.17MPa

s  2 → Sz  18  1.2  19.2cm3 →   68.4MPa

s  10 → S  18  18  0cm3 →   0 (ok, eixo de simetria)

O diagrama de tensões tangenciais obtém-se por simetria relativamente ao eixo y. Note-se


que os diagramas no troço ABC estão traçados no lado exterior e on troço CDE estão
traçados pelo interior dado que o sentidos dos fluxos em cada um dos troços é simétrico.

62
Resistência de Materiais I

3.3 Secções fechadas de paredes finas

Se a linha média da parede da secção for uma linha fechada, ver Figura 49, o
seccionamento da secção por um qualquer plano paralelo ao eixo da peça tem de cortar a
secção em dois pontos de forma a que esta esteja dividida em duas partes distintas. O
esforço de escorregamento é então referido às duas superfícies de corte e a tensão
tangencial não pode ser calculada se não existir uma relação entre os esforços rasantes.
Esta relação pode ser estabelecida no caso de uma secção simétrica fechada. No caso de
uma secção não simétrica estamos em presença de uma secção hiperstática em termos de
cálculo das tensões tangenciais.

Figura 49. Secção de parede delgada fechada

A resolução do problema hiperstático é efectuada com base no método das forças, que
consiste na supressão da ligação interna da secção na direcção longitudinal de modo a
transformar a secção fechada numa secção aberta (isostática) e a consideração um esforço
rasante (incógnita hipertstática) que assegura o não empenamento da secção real,
resultante da abertura da secção, ver Figura 50b. A abertura da secção conduz ao
empenamento da secção, a qual apresenta um deslizamento longitudinal de d. Para
compatibilizar os deslocamentos (inexistência real de empenamento), é necessário aplicar
na secção de corte um esforço rasante f que conduza um deslocamento longitudinal de d’
que anule o deslocamento inicial d.

63
Apontamentos Teóricos

(a)

(b)
Figura 50. Abertura da Secção fechada e aplicação de um esforço rasante que anula o deslocamento
devido ao empenamento da secção

A tensão real em cada ponto da linha média é calculada aplicando o princípio da


sobreposição dos efeitos. Assim, o sistema de equações que permite a resolução do
problema é constituído pela equação de equilíbrio e de compatibilidade de deslocamentos:

{ (76)

O deslocamento relativo entre dois pontos da linha média afastados de uma distância
infinitesimal dx é dd’ =  ds, sendo  a distorção provocada pelo empenamento. Assim, o
deslocamento relativo na secção isostática calcula-se integrando a distorção provocada pelo
esforço transverso Vy ao longo da linha média da parede:

∮ ∮ ∮ (77)

Do mesmo modo o deslizamento relativo devido ao esforço rasante constante f é calculado


por:

64
Resistência de Materiais I

∮ ∮ ∮ (78)

O valor da incógnita hiperstática calcula-se através da eq. de compatibilidade de


deslocamentos:


∮ ∮ (79)

O valor da tensão tangencial em cada ponto calcula-se a partir da sobreposição dos efeitos,
vindo:


(80)

Note-se que os integrais de linha utilizados para o cálculo do esforço rasante f referem-se
apenas à linha média fechada, não sendo contabilizados troços isostáticos, como por
exemplo consolas de secções em caixão.

Exemplo
Determine a distribuição de tensões da secção tubular fechada indicada na Figura 51.
Considere por simplificação que o valor de Vy (10227.2kN) é numericamente igual ao
momento de inércia em relação ao eixo z, Iz.

Figura 51. Secção tubular fechada sujeita a um esforço transverso descendente (dimensões em cm)

Como a secção é simétrica e o esforço transverso está aplicado segundo um eixo de


simetria, esta secção é isostática dado que a tensão é conhecida em dois pontos: os pontos
de intersecção do eixo com a linha média fechada. A partir do conhecimento da tensão
nestes dois pontos seria necessário calcular as tensões 0 em metade da (secção em U). As
tensões finais são iguais às tensões isostáticas.

65
Apontamentos Teóricos

No entanto, vai resolver-se este exercício como se a secção fosse hiperstática. Para tal
segue-se o procedimento acima referido que de modo resumido é constituído pelas
seguintes passos:

1. cortar a secção → secção isostática


2. arbitrar um sentido para 0
3. cálculo das tensões tangenciais na estrutura isostática
4. cálculo da incógnita hiperstática:

  s ds
f    integral curvilíneo estendido linha média fechada
 es 
0

ds

5. determinação das tensões finais na estrutura → PSE

 s    0 s  
es 
f

Cálculo das tensões isostáticas

V  S Sz
0  
Ie e

A coordenada local a bem como o fluxo considerado na secção isostática indicam-se na


Figura abaixo.

Troço C A

S z s   2  s   19  38  s
 38  s
0   19  s

s  0  0  0
2

s  38 → S z  2204 →  0  1102kN / cm 2

Troço AG

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Resistência de Materiais I

S z s   2204  2  s    19  
 s
 2
s  0  S z  2204    1102kN / cm 2
s  19 → S z  2565 →   1282.5
s  58  S z  2204  1102 kN / cm 2

Troço GE

S z (s)  2204  2  s 19  2204  38  s  linear


s  0  S z  2204    1102kN / cm 2
s  38 → S z  0 →   0

Troço EC

S z ( s)  2s   s 2  parabólico
s

s  0  Sz  0  0  0
2

s  19  S z  361   0  180.5kN / cm 2
s  38 → S z  0 →   0

Distribuição de tensões tangenciais isostáticas (tensões em kN/cm2).

Cálculo da incógnita hiperstática → esforço rasante ao longo da geratriz da secção

f 
   ds
e
0

ds

 0  ds  área total do diagrama dos 0


58
= 2 × 1102 × + 1102 × 38 = 105792 (as áreas parabólicas anulam-se mutuamente)
2

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Apontamentos Teóricos

    ds   38  2  58  2  96
ds 1 1
e 2 2

1   551kN / cm 2
f
e

Por comodidade representa-se os diagramas das tensões apenas na linha média(tensões


em kN/cm2).

Aplicação do princípio da sobreposição dos efeitos

 0   
 0  ds
 0 
 105792    551
e
1
2  96
0
e ds

O diagrama de tensões final encontra-se indicado na Figura abaixo (tensões em kN/cm2).

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Resistência de Materiais I

4 Bibliografia

Beer, F.P.; Johnston, E.R.; DeWolf, J.T. (2003) “Mecânica dos Materiais.” McGraw-Hill.

Dias da Silva, V. (2004) “Mecânica e Resistência dos Materiais”, 3ª Edição,


ZUARI - Edição de Livros Técnicos 476pp. ISBN 972-98155-1-8.

Freitas, M. Sebenta de Resistência de Materiais, Faculdade de Engenharaia do


Porto.

Gere, J.M.; Timoshenko, S.P. (2002) “Mechanics of Materials.” Nelson Thornes Ltd
(ISBN: 0748766758).

Hearn E.J. (1991) “Mechanics of Materials”, 2nd edition, Pergamon Press.

Juvandes, L (2002). “Apontamentos de apoio às disciplinas de Resistência de Materiais


I e II” Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto.

Moura Branco, C. (1985) “Mecânica dos Materiais, Fundação Calouste Gulbenkian.

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Apontamentos Teóricos

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