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73 | 2005
Número não temático
Edição electrónica
URL: http://journals.openedition.org/rccs/956
DOI: 10.4000/rccs.956
ISSN: 2182-7435
Editora
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
Edição impressa
Data de publição: 1 Dezembro 2005
Paginação: 67-89
ISSN: 0254-1106
Refêrencia eletrónica
Maria Alice Nunes Costa, « Fazer o bem compensa? Uma reflexão sobre a responsabilidade social
empresarial », Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 73 | 2005, colocado online no dia 01 outubro
2012, criado a 30 abril 2019. URL : http://journals.openedition.org/rccs/956 ; DOI : 10.4000/rccs.956
Revista Crítica de Ciências Sociais, 73, Dezembro 2005: 67-89
Este artigo apresenta uma visão panorâmica da actual gestão de negócios, denominada
de responsabilidade social empresarial, desenvolvida a partir dos anos 1990. Nesse
contexto, busca-se compreender as implicações políticas desta forma de solidariedade
social, em que agentes económicos intervêm no espaço público, a partir da promoção
de políticas de bem-estar social para comunidades de baixa renda. Nesse sentido, a
intenção é relectir sobre a responsabilidade social empresarial, não de maneira isolada,
mas a partir de uma expressão que se desenvolve de maneira dinâmica, em interface
com o Estado e a comunidade, na governação da regulação social contemporânea.
Apresentação
Este artigo tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre a solidariedade
empresarial, discutindo a forma como, a partir dos anos 90 do século pas-
sado, alguns empresários vêm se mobilizando para implantar projetos sociais
para comunidades de baixa renda.
De acordo com a fórmula clássica, a função do setor privado é realizar
sua vocação natural: gerar dividendos para investidores e acionistas, contri-
buir para o crescimento econômico, criar empregos e fornecer bens e servi-
ços ao mercado. E não há nada de errado nisso, desde que, na consecução
de suas atividades, as empresas cumpram com as exigências legais de paga-
mento de impostos e benefícios trabalhistas, evitem práticas de corrupção e
suborno, mantenham auditoria transparente e responsável de seus lucros.
Contudo, além de suas atividades naturais de obtenção de lucro, as
empresas têm sido impelidas a fazer mais, a demonstrar que são socialmente
responsáveis. Hoje, elas ultrapassam os muros das fábricas e precisam mos-
1
Este artigo se refere aos resultados parciais da pesquisa de doutoramento realizada pela autora,
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ), sobre o investimento social privado na
saúde, no Brasil contemporâneo. A pesquisa incide nas políticas sociais de saúde implementadas
através de financiamento de empresas privadas auto-intituladas como socialmente responsáveis. Aqui,
o objetivo é apresentar o quadro conceitual e hipóteses de um trabalho empírico em andamento.
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A etimologia do termo filantropia significa “amor ao homem ou à humanidade, pressupondo
uma ação altruísta e desprendida”, relacionado à caridade, uma virtude cristã.
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Vinte anos mais tarde, em 1942, a idéia aparecia num manifesto subscrito por 120
industriais ingleses, onde afirmavam sem rodeios: ‘A responsabilidade dos que diri-
gem a indústria é manter um equilíbrio justo entre os vários interesses do público
como consumidor, dos funcionários e operários como empregados e dos acionistas
como investidores. Além disso, dar a maior contribuição possível ao bem-estar da
nação como um todo’. (Duarte e Dias, 1986: 187)
Apesar das assimetrias no sistema-mundo, surge algo que pode ser cha-
mado de “consciência social” de todos os membros de uma coletividade
nacional vinculados a um substrato de responsabilidade que ia além da
ação individual, até alcançar, a partir do reforço das iniciativas de políticos
e administradores reformistas encarregados da burocracia estatal, uma
orientação para uma política nacional, em que o Estado central proviria à
segurança e proteção dos bens coletivos. É a partir desse consenso que se
passa a exigir que o Estado se ocupe, com fundos públicos, a dar proteção
aos necessitados em geral (De Swaan, 1992: 18-19). Portanto, o Estado-
-Providência sacrificou capitalistas individuais – que deixaram de ter alguns
lucros que tinham antes – em favor, no entanto, de um melhor funciona-
mento da sociedade. O que, no seu conjunto, acabou por fortalecer o
próprio capitalismo.
Com o movimento cultural dos anos 1960, as primeiras gerações do
pós-guerra passaram a criticar o modelo de sociedade criada pelo cresci-
mento econômico dos anos 50 e passaram a imaginar a construção de alter-
nativas comunitárias. A idéia era criar uma sociedade fraterna, criativa e
comunitária. Nos EUA e parte da Europa, uma parcela da sociedade iniciou
uma cobrança efetiva por um comportamento socialmente responsável no
âmbito empresarial.
O repúdio à Guerra do Vietname (1964-1973) deu início a um movimento
de boicote à aquisição dos produtos e das ações na bolsa de valores daque-
las empresas que, de alguma forma, estavam ligadas ao conflito bélico na
Ásia. Diversas instituições passaram a exigir uma postura ética e um novo
tipo de ação empresarial em relação às questões sociais e ambientais.
A partir de meados dos anos 70, as incertezas passam a dar conta do
cenário internacional. A crise do petróleo, aliada a um novo sistema
mundial de cunho competitivo, expresso pelo processo de globalização
econômica, à retração do Estado e à emergência da sociedade civil na luta
pelos direitos humanos e sociais vai impulsionar uma reestruturação no
Fazer o bem compensa? | 3
Portanto, por mais paradoxal que seja, diante da expansão de seu pode-
rio e complexidade, o mercado passou a ter que enfrentar desafios éticos
para as dimensões econômica, ambiental e social dos negócios, necessitando
se articular constantemente com governos e com comunidades. Assim,
inicia-se a ampliação normativa da responsabilidade social empresarial
como uma matriz orientadora estratégica das empresas no mercado alta-
mente competitivo.
A organização não-governamental americana CEPAA (Council on
Economic Priorities Accreditation Agency) e a SAI (Social Accountability
International), fundadas em 1997 com o propósito de criar códigos de con-
dutas para as empresas, elaboraram em 1998 o padrão Social Accountability
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8000 (SA 8000). A SAI reúne stakeholders estratégicos para desenvolver nor-
mas voluntárias baseadas no consenso, acredita organizações qualificadas
para verificar o cumprimento de tais normas e promove a compreensão e a
implementação das mesmas em escala mundial. Este padrão de sistema de
verificação, que consiste nos mesmos critérios da ISO 9000, estabelece estra-
tégias para garantir a qualidade nos negócios, baseando-se em normas dos
direitos humanos internacionais, nos acordos de defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente, nas resoluções da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), bem como em toda legislação do país onde se encontra a
empresa auditada.3 Em Janeiro de 2003, já haviam sido certificadas empresas
em 30 países dos cinco continentes, representando 22 setores de atividades.
Algumas empresas têm adotado códigos de ética que abrangem condutas
de empregados, relações com a comunidade e o ambiente, fornecedores e
prestadores de serviços, atividade política e tecnologia. Essas empresas pas-
saram a ter duas metas dentro de suas estruturas éticas: obter vantagem
competitiva e alcançar legitimidade empresarial. A legitimidade empresarial
provém de metas, de propósitos e de métodos que sejam consistentes com
os da sociedade. Assim, as organizações devem ser sensíveis às expectativas
e aos valores da sociedade.
Existem dois grandes códigos de conduta que as empresas internacionais,
os governos e os sindicatos tem se comprometido a respaldar: a Declaração
Tripartida da OIT e as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais.
A Declaração Tripartida de princípios da OIT sobre as empresas multina-
cionais e a política social é composta por 58 cláusulas e foi adotada pelo
Conselho de Administração da OIT em novembro de 1977. É um conjunto
de recomendações relativas às práticas laborais básicas, fundadas nos prin-
cípios da OIT que abarcam questões sociais como emprego, capacitação,
condições de trabalho e de vida e relações laborais. Em 2000, o Conselho
Ministerial da OCDE adotou consideráveis revisões nas Diretrizes da OCDE
para empresas multinacionais, aprovadas inicialmente em 1976. Essas revi-
sões dizem respeito aos princípios e direitos dos trabalhadores enumerados
pela Declaração da OIT, além da referência quanto às responsabilidades
das empresas multinacionais com relação aos subcontratos e fornecedores
e o respeito aos direitos humanos em geral. Especialmente importante foi
a decisão de ampliar oficialmente a cobertura das Diretrizes para incluir
nelas os operativos mundiais de multinacionais com sede em países que
subscreveram esse documento (30 membros da OCDE mais Argentina,
Brasil e Chile) (CIOLS, 2001).
3
Ver www.cepaa.org.
Fazer o bem compensa? |
No âmbito das Nações Unidas, foi lançado o Pacto Global pelo Secre-
tário Geral, Kofi Annan, no Fórum Mundial Econômico de Davos, em
1999 e em Julho de 2000, em Nova Iorque. É um código de conduta, de
adesão voluntária, para empresas e organizações, cujo objetivo é o de
formar uma “aliança global” em torno da defesa de direitos e princípios
reconhecidos internacionalmente e ratificada pela maioria dos governos.
É uma iniciativa internacional, emoldurada no esforço conjunto de empre-
sas, de agências das Nações Unidas e de agentes da sociedade civil e
laboral. O código abarca nove princípios em três áreas: direitos humanos,
direitos laborais e defesa do ambiente.
No âmbito da União Européia, foi elaborado um documento sobre os
caminhos para promover um quadro europeu para a responsabilidade
social empresarial, que está contido no Livro Verde da Comissão Européia
de 18 de julho de 2001. A definição de responsabilidade social empresarial
é definida logo na parte introdutória:
bility). Esta rede foi criada a partir de um encontro em Miami, Social Ven-
ture Network, em 1997, com o intuito de estabelecer um modelo de res-
ponsabilidade social empresarial para ser seguido na América Latina. Temos
como exemplo o Instituto Ethos no Brasil, criado em 1998, a Acción Empre-
sarial no Chile (1999), Fundemas em El Salvador (2000). Incluem-se ainda
aqui organizações mais antigas, como a Mexican Center for Philanthropy
e a Peru 2021, criada em 1994, além de outras organizações similares que
estão ativas na Argentina, na Colômbia e Panamá.
Essas organizações têm implementado uma ampla rede com ONGs locais
e internacionais, agências governamentais, organizações multilaterais, uni-
versidades, centros de pesquisa, fundações filantrópicas americanas, através
de uma agenda de conferências nacionais e internacionais sobre práticas de
responsabilidade social empresarial na América Latina.
No Brasil, de acordo com informações do Instituto de Pesquisas Econô-
micas Aplicadas (IPEA, 2001), as 500 maiores empresas do país aplicaram
cerca de US$500 milhões em projetos sociais no final dos anos 90. Esta pes-
quisa realizada pelo IPEA em parceria com o BID (Banco Interamericano
de Desenvolvimento) e a Comunidade Solidária de 1998 a 2001, revelou que
cerca de 1.400 empresas injetaram um volume de R$3,5 bilhões em atividades
sociais na região sudeste do país. O valor correspondeu a 30% dos investi-
mentos estimados pelo governo para os estados da região Sudeste no mesmo
ano, sem incluir os gastos da previdência social, e chegou a 1% do PIB do
Sudeste. No Nordeste o investimento equivale a 4% e no Sul a 7% (IPEA,
2001). A mesma pesquisa apontou para o fato de que cresce entre as empre-
sas o entendimento de que uma política de desenvolvimento social exige a
participação empresarial em atividades sociais, desde pequenas doações even-
tuais a pessoas ou instituições até grandes projetos mais estruturados. Essa
pesquisa mostra que o setor privado já pode ser considerado o grande inter-
locutor das políticas públicas do país no tocante às ações sociais.
Das cinco regiões pesquisadas pelo IPEA, a que possuiu mais empresas
investindo em projetos sociais é a Sudeste. Nesta região, 67% disseram
realizar algum tipo de ação junto à comunidade, desde atividades eventuais
até projetos de âmbito nacional – extensivos ou não aos empregados das
empresas e seus familiares.4 Em seguida vêm o Nordeste (55%), Centro-
-Oeste (50%), Norte (49%) e Sul (46%).
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Resta ressaltar que o investimento da região Sudeste está atrelado ao seu processo de industria-
lização. Esta região é o dínamo industrial de todo o país e nela se concentra mais da metade da
produção do país, sendo liderada pelo estado de São Paulo. Suas principais concentrações estão
associadas às aglomerações metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Fazer o bem compensa? |
Desta forma, nossa atenção deve ser redobrada, já que novos dilemas e
desafios são colocados para a produção de políticas sociais, nas quais múl-
tiplas subjetividades coletivas aparecem como responsáveis pela solidarie-
dade social, antes confinada no Estado.
Hoje, observamos que a triangulação da regulação social – entre Estado,
mercado e comunidade – se modificou. No âmbito da solidariedade da
comunidade, a sociedade-providência se formalizou e ultrapassou os limites
do espaço doméstico para alcançar o espaço público. O espaço vazio deixado
pelo Estado (ou o seu acentuado recuo) fez com que a sociedade-providên-
cia avançasse no espaço público, criando linhas paralelas que se entrecruzam
com o Estado-Providência a partir de projetos para o bem-estar coletivo,
como observamos na emergência de organizações não-governamentais ou
associações de solidariedade social (Santos, 1995). E pelo lado das empre-
sas, elas aproveitaram as fissuras deste espaço e passaram a se interconectar
com o Estado-Providência e com essa sociedade-providência, mais formal,
discutindo e promovendo seus próprios paradigmas do que seja a questão
social, através do investimento social privado.
Esta interconexão de ações sociais tem hoje, no Brasil, sido incentivada
pelo próprio Estado. Há que ressaltar que algumas empresas ainda resistem
em envolver-se com entidades governamentais na produção de políticas de
bem-estar e elaboram autonomamente seus projetos. Contudo, diversos
organismos internacionais e agências de fomento econômico têm, no
momento, atuado na direção de sensibilizar as empresas a atuar em parce-
ria com governos e comunidade, até mesmo como exigência de contrapar-
tida para financiamento.
Os benefícios do investimento social privado, para as empresas, não é
controlado ou mensurado com exatidão. O que existe é uma expectativa
empresarial que essas iniciativas se convertam em rentabilidade. As pers-
pectivas empresariais quanto à RSE não são conhecidas antecipadamente,
devido ao próprio contexto de incertezas. É na prática e na relação entre
Fazer o bem compensa? |
. À guisa de conclusão
No atual cenário da regulação social, importa compreendermos a relação
social produzida na rede de relações entre empresa-providência, Estado-
-providência e sociedade-providência, na provisão da solidariedade com o
bem comum. O uso semântico do termo empresa-providência, em analogia
aos outros dois, coloca em jogo a tentativa das empresas de deslocar a
relação cliente-consumidor (própria das empresas) para o espaço de cida-
dania, gerando uma outra relação: a de consumidor-cidadão.
Este conceito de empresa-providência, aqui definido, é o espaço onde se
realiza uma atuação política e pragmática (individual e/ou coletiva de empre-
sas) de reconversão de parte do investimento do capital privado em serviços
de interesse público e de desenvolvimento social para trabalhadores e comu-
nidades, através de doação, filantropia, parceria de capital, práticas de boa
conduta e de responsabilidade social empresarial. Resta ressaltar que essas
ações devem estar alinhadas com os objetivos estratégicos das empresas, de
seus acionistas e do crescimento sustentado do mercado.
A atuação da empresa-providência tem se dado através de redes sociais
e da relação entre o Estado, governos e a comunidade. É desta maneira que
avança nas esferas cultural, social, política e das subjetividades coletivas.
Captura e absorve tanto os princípios de solidariedade do Estado quanto
da comunidade e cria um novo espaço para regular o bem comum. Acredito
que, desta forma, alguns conflitos sociais podem ser absorvidos pelo uni-
verso empresarial através da provisão das demandas sociais e, consequen-
temente, poder-se-á criar uma outra forma de solidariedade societária:
controlada e domesticada.
Contudo, diante do risco político do investimento social privado enfra-
quecer o espaço público na luta pelos direitos de cidadania, este só poderá
ser enfrentado no palco de discussões entre o Estado – que controla,
fiscaliza e protege o bem público –, a comunidade organizada e as empre-
sas. As opções das lideranças políticas nacionais e suas coalizões são aspec-
tos decisivos na definição das políticas sociais a serem implementadas.
Ignorar o peso dessas conduções implica isentar os governantes de turno
da sua responsabilidade pelas decisões tomadas e pelos seus resultados.
Desta forma, o investimento social privado só terá malefícios enquanto
houver um Estado e um governo paralítico e uma comunidade alheia aos
negócios públicos.
| Maria Alice Nunes Costa
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Fazer o bem compensa? |
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A pesquisa de campo foi realizada entre 1997 e 2000 e entre 2002 e 2004, com visitas a coope-
rativas, observação do processo produtivo, entrevistas e questionários com dirigentes, trabalhado-
res e sindicalistas. Teve apoio financeiro da FINEP e CNPq.
| Jacob Carlos Lima
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Segundo Gereffi (1997), antes do NAFTA as empresas maquiladoras não tinham nenhuma rela-
ção com produtores de têxteis ou cadeias varejistas mexicanas.
Novos espaços produtivos e novas-velhas formas de organização do trabalho |
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Para empresas situadas na Região Metropolitana de Fortaleza esse valor caía para 40-45% em
média.
100 | Jacob Carlos Lima
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O setor têxtil e de confecções foi um dos mais beneficiados com investimentos industriais no
estado ainda no período da SUDENE. No final da década de 80 o Ceará já se destacava como pólo
têxtil e de confecções.
Novos espaços produtivos e novas-velhas formas de organização do trabalho | 101
. As cooperativas de calçados
Como resultado das políticas estaduais de atração da cadeia produtiva
couro-calçadista, a partir de 1995-1996 começaram a instalar-se as coope-
rativas de calçados, com a abertura de filiais de indústrias do sul do país no
interior do estado. Entre elas, destacam-se as instaladas nos municípios de
Itapajé, Canindé, Santa Quitéria, Itapipoca, Crateús, Queixeramobim,
Iguatu, municípios situados no sertão central do Ceará, com uma economia
voltada a agricultura de subsistência e criação de pequenos animais, com
produção comercial de castanha de caju e algodão de sequeiro.
As indústrias calçadistas que se instalaram terceirizando a produção em
cooperativas concentraram a produção em grandes unidades fabris, utili-
zando entre 300 a 3.000 trabalhadores cada. As empresas mantinham nas
cidades um galpão próprio, onde funcionavam o almoxarifado, o depósito
e o escritório, ao lado dos prédios das cooperativas.
10 | Jacob Carlos Lima
. o trabalho e o local
Mesmo com as diferenças entre os estados na guerra fiscal, pode-se dizer
da existência de situações comuns que apontam para um “modelo” na
atração de investimentos industriais, que teve no Ceará a política mais ela-
borada: a) renúncia fiscal; b) infra-estrutura industrial com fornecimento
de galpões, energia elétrica, rodovias, modernização de portos e aeroportos;
c) seleção de setores industriais de utilização de trabalho intensivo; d) finan-
ciamento do treinamento de trabalhadores; e) utilização de cooperativas de
trabalho como artifício para redução de custos com a mão-de-obra.
Novos espaços produtivos e novas-velhas formas de organização do trabalho | 10
lização da mão-de-obra. Esse discurso foi repetido pelos media, que destaca-
ram que os ganhos do trabalhador flexível seriam maiores que os do traba-
lhador assalariado, além de mais barato para a empresa. Enfim, o trabalhador
utilizaria melhor seu dinheiro do que o Estado regulador. Assim como seria
o responsável por sua empregabilidade. O discurso governamental funda-
menta-se no atribuído obsoletismo da CLT frente às mudanças na produção
e a necessidade de se eliminarem os entraves burocráticos que só dificultariam
o acesso ao emprego. Tudo em nome da competitividade internacional.
Parte-se do princípio de que os países avançados flexibilizaram suas rela-
ções de trabalho e que o Brasil estaria atrasado nesse processo. Desconsi-
dera-se que a flexibilização nos países centrais é diferenciada, mantendo
ainda forte a presença sindical nas determinações do contrato de trabalho.
No Brasil, ao contrário, desde 1966 podemos falar de relações flexibilizadas.
Quando o regime militar eliminou a indenização por tempo de serviço e a
substituiu pelo FGTS, extinguiu-se qualquer limite às demissões, estando
flexibilizadas as contratações e demissões. Argumenta-se, contudo, que seu
custo é alto pela incorporação de obrigações sociais, logo essas deveriam
ser eliminadas.
No caso das cooperativas, sua organização evidencia a utilização deste
formato como artifício para descaracterizar o trabalho assalariado. Ao se
instalarem em áreas socialmente problemáticas, onde a precariedade das
condições de vida e de trabalho constitui-se em norma e não em exceção,
aparecem em grande medida como “solução possível” à miséria circundante,
à migração para as grandes cidades, enfim, como uma política social num
contexto de busca da competitividade internacional, abaixamento de custos
pelas empresas e grande mobilidade espacial. E nesse encontro que novos
“lugares” são apropriados pelo capital e surgem “novos proletários” sem
direitos, sem salários e com poucas perspectivas.
Uma terceira consideração diz respeito ao caráter contraditório dessas
cooperativas “pragmáticas”, sem autonomia do trabalho, com um trabalha-
dor coletivo “autônomo” que quer ser assalariado. A organização de coope-
rativas em lugares sem tradição organizativa dos trabalhadores não signifi-
cou que estes não reivindicassem seus direitos a partir do momento em que
se constituíram como atores coletivos. A identificação empresa/cooperativa
tirou desta qualquer forma de autonomia e o trabalhador não se reconheceu
enquanto participante, mas como logrado em seus direitos. Tal como o
trabalhador de uma fábrica comum reage à organização do trabalho, sobre
a qual pretensamente decide, para reivindicar direitos.
Falsas cooperativas, portanto? Trabalho assalariado disfarçado? Ou coope-
rativas pragmáticas? Legalmente, parte das cooperativas estava dentro do que
Novos espaços produtivos e novas-velhas formas de organização do trabalho | 10
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