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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

JANAINA DE FATIMA SILVA ABDALLA

APRISIONANDO PARA EDUCAR ADOLESCENTES EM CONFLITO


COM A LEI:

MEMÓRIA, PARADOXOS E PERSPECTIVAS

NITERÓI
2013
1

JANAINA DE FATIMA SILVA ABDALLA

APRISIONANDO PARA EDUCAR ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI:

MEMORIA, PARADOXOS E PERSPECTIVAS

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade
Federal Fluminense como requisito parcial
para obtenção do título de Doutor em
Educação.

Orientadora: Professora Drª. Maria de Fátima Costa de Paula

Niterói
2013
2

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

A135 Abdalla, Janaina de Fatima Silva.

Aprisionando para educar adolescentes em conflito com a lei:


memória, paradoxos e perspectivas / Janaina de Fatima Silva Abdalla.
– 2013.

306 f. ; il.

Orientador: Maria de Fátima Costa de Paula.

Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense,


Faculdade de Educação, 2013.

Bibliografia: f. 261-289.

1. Adolescente institucionalizado. 2. Educação. 3.


Socialização. 4. Política pública. I. Paula, Maria de Fátima
Costa de. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de
Educação. III. Título.
CDD 305.235
3
4
5

À minha família
Chão de minha realidade e céu de minhas utopias
Com vocês eu posso tudo
Sem vocês não sou eu
Para Antônio Tadeu, Bruno e Beatriz
Wilson e Barbara
Meus irmãos, sobrinhos e prima
Aos amigos e profissionais de DEGASE
Companheiros de lutas e
Aspirações de novos tempos
Para adolescentes em conflito com lei
6

Agradecimentos

Quantos amigos fizeram parte desta minha jornada no doutorado...


Houve aqueles que se fizeram presentes na ação e na produção deste meu
caminhar, pedras fundamentais, fraternos, acolhedores, incentivadores, críticos,
verdadeiros guias...
À Profª Drª Maria de Fátima Costa de Paula, por ter acreditado que este
caminhar era possível. Sem o seu apoio perderia o rumo. Pela compreensão e sabedoria
com que foi orientado cada passo deste trabalho, pela fundamentação teórica e
comprometimento com o ensino superior ancorados no saber científico e de
responsabilidade social.
À minha família, marido, filhos, pais, irmãos, sobrinhos e prima e com quem
aprendi a dialogar com a vida, pelo amor e incentivo nesta jornada.
Aos professores e pesquisadores do NEPES (Núcleo de Estudos e Pesquisas em
Educação Superior), em especial Andreia, Sharon, Virgínia, Diego, Marcos, Mariza e
Mônica, que se fizeram presentes na contribuição de saberes e nas reflexões para este
estudo. À amizade que fica para além-muros da UFF.
Aos Professores Doutores Luiz Cavalieri Bazílio; Elionaldo Fernandes Julião;
Elenice Maria Cammarosano Onofre e Lia Corrêa de Oliveira Guarino que muito me
honram por participarem desta banca.
Aos profissionais do DEGASE (Departamento Geral de Ações Socioeducativa):
Alexandre Azevedo, Soraia Sampaio, Roberto Bassan, Thereza Christina Nunes,
Christiane Zeitune e Saturnina Silva, à equipe da Escola de Gestão Socioeducativa
Paulo Freire: Andreia Cristina, Bianca Veloso, Marizélia, Érika e Luciana e os
estagiários Lidiane, Edgar e Karen com quem venho partilhando trabalho, lutas,
emoções...
Aos profissionais do CAI BR (Centro de Atendimento Intensivo Belford Roxo),
em especial à Alcione e Alexandre e aos adolescentes, por me permitirem “ver, ler e
escrever” parte de suas trajetórias.
Todos estão nestas páginas e estarão sempre presentes em meu coração em
outras caminhadas... pois fazem parte de minha história.
7

Resumo

Esta tese apresenta e analisa os paradoxos entre as políticas públicas em direitos


humanos na socioeducação e as práticas cotidianas voltadas para os adolescentes em
conflito com a lei. Partimos da análise histórica das instituições educacionais para
adolescentes envolvidos em atos ilícitos. Buscamos desvelar o cotidiano de uma
instituição socioeducativa de privação de liberdade, o Centro de Atendimento Intensivo
de Belford Roxo CAI BR, através dos discursos dos adolescentes internados, foco desta
pesquisa, dos profissionais, que lidam com eles e da mídia sobre essa temática e
analisamos as perspectivas que se anunciam nos planos, projetos e normativas do
Departamento Geral de Ações Socioeducativas – DEGASE, órgão da Secretaria de
Educação do Estado do Rio de Janeiro, responsável pela execução das medidas
socioeducativas de restrição e privação de liberdade. A pesquisa foi realizada por meio
dos seguintes instrumentos metodológicos: a) pesquisa documental histórica das
instituições responsáveis por acolher, assistir e socioeducar adolescentes envolvidos em
atos ilícitos e violência (1920-2010); b) pesquisa de campo no CAI BR através de
observação participante, grupos focais de adolescentes e entrevistas semi-estruturadas
com profissionais que atuam no local; c) análise estatística e documental do DEGASE e
do CAI BR. As análises empreendidas se fizeram a partir do entrecruzamento dos
aportes teóricos advindos, principalmente do pensamento de Michel Foucault, Gilles
Deleuze e Michel de Certeau. Concluímos que as práticas punitivas de sanção e de
socioeducação se articulam com as tensões históricas no cotidiano, gerando dispositivos
disciplinares de encarceramento/controle e, ao mesmo tempo, produzem resistências,
fabricando processos de subjetivação dos adolescentes: “menor/bandido” “adolescente
infrator” ou “adolescente em conflito com a lei/socioeducando”. A (auto)
responsabilização do adolescente pelos atos ilícitos e a intervenção socioeducativa
prevista pelo amparo legal na doutrina da proteção integral ainda, é um desafio para o
Sistema Socioeducativo Estadual. Destaca-se à necessária incompletude institucional e
profissional no fortalecimento da interseção entre educação, saúde, justiça e segurança
pública, assim como a abordagem da educação em direitos humanos como eixo
norteador das políticas para o setor. O trabalho ressalta a importância de investimentos
em estudos/pesquisas e na formação dos educadores e das equipes multidisciplinares
que compõem o Sistema.

Palavras-chave: adolescentes infratores . instituições socioeducativas. politicas publicas


8

ABSTRACT

This thesis presents and analyzes the paradoxes of public policies on human rights in
socio-education and the daily practices focused on teenagers in conflict with the law.
We start from the historical analysis of educational institutions for teenagers involved in
unlawful acts. We seek to reveal the daily life of a socio-educational institution of
detention, the “Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo- CAI BR”, through
the discourses of juvenile detainees, the focus of this research, of the professionals and
the media that are part of the institution. We also analyze the prospects that lie ahead in
the plans, projects and regulations of the “Departamento Geral de Ações
Socioeducativas – DEGASE” (General Department for Socio-Educational Actions), an
agency of the Department of Education of the State of Rio de Janeiro responsible for the
implementation of educational measures of restriction and deprivation of liberty. A
qualitative study was conducted in three parts: a) historical documentary research of the
institutions responsible for receiving, assisting and socio-educating teenagers involved
in unlawful acts and violence (1920-2010); b) field research in CAI BR through
participant observation, groups of adolescents and semi-structured interviews with
professionals who work on site c) statistical analysis and documentary of DEGASE and
CAI BR (2008-2012). The analyzes undertaken were made in the intersection of
theoretical contributions from encounters between Michel Foucault, Gilles Deleuze and
Michael de Certeau, mainly. We conclude that the punitive practices of sanction and
socio-education articulate themselves with the historical tensions observed daily,
generating disciplinary actions of incarceration/control and, at the same time, producing
resistances and creating processes of subjectivity of the teenagers: “under
age/thug”, "teenager offender" or “teenager in conflict with the law/socio-educating".
The (auto)liability of the teenager for unlawful acts and the expected socio-educational
intervention due to the legal support in the doctrine of integral protection is still
incipient and a challenge for the State Socio-Educational System. We highlight the
necessary institutional and professional incompleteness in the strengthening of the
intersection between education, health, justice and public safety. As well as the
approach of the human rights education as a guide for the policy of this area, therefore,
investment in research and training of educators and multidisciplinary teams that make
up the system.

Keywords: teenager offender. social and educational institutions. public policies


9

Résumé

Cette thèse présente et analyse les paradoxes des politiques publiques sur les droits de
l'homme dans socio-éducation et les pratiques quotidiennes pour adolescents en conflit
avec la loi. Nous partons de l'analyse historique des institutions éducatives pour les
adolescents impliqués dans des actes illégaux. Nous cherchons à révéler la vie
quotidienne d'une institution socio-éducative de détention « Centre d’Accueil Intensifs »
Belford Roxo-CAI BR, à travers les discours des adolescents hospitalisés, ces derniers
aux centre de cette recherche, encore des professionnels et des médias qui concernent
l'institution et nous analysons les perspectives qui ont été annoncées dans les plans, les
projets et les règlements du Département général pour le développement socioéducatif-
le DEGASE, soumis à la Secrétariat de l'Éducation de l'État de Rio de Janeiro (Brésil),
celle ci responsable de la mise en œuvre des mesures éducatives de restriction et de
privation de liberté. La recherche, d’inspiration aux méthodes qualitatives, a été réalisée
en trois parties: a) recherche documentaire historique des institutions chargé de recevoir,
soutenir et socio-élever les adolescents impliqués dans des actes illégaux et la violence
(1920-2010) ; b) travail de terrain dans le CAI BR par observation participante, des
groupes de discussion avec les adolescents et des interviews semi-directifs avec des
professionnels qui travaillent sur le site ; c) l'analyse statistique et documentaire
concernant au DEGASE et au CAI BR (2008-2012). Les étudies menées ont été faites
dans l'intersection théorique entre les travaux de Michel Foucault, Gilles Deleuze et de
Michel de Certeau. Nous avons conclu que les pratiques punitives, de sanction et socio-
éducation s'articulent avec les tensions historiques dans le quotidien, générant
dispositifs disciplinaires d’incarcération / contrôle et, au même temps, de production des
résistances en fabricant un processus de subjectivation des adolescents: "mineur /
bandit" , "adolescent délinquant»ou« adolescents en conflit avec la loi / socio-élève ".
L’auto « prise » de responsabilité par les adolescents est une réalité. De plus
l'intervention socio-éducative prévue par la loi ou la doctrine de la protection intégrale
est encore insuffisante et, en conséquence, un défi pour le système socio-éducatif de
l'Etat du Rio de Janeiro. Nous soulignons le caractère institutionnel et professionnel
incomplet pour la solidification nécessaire de l'intersection entre l'éducation, la santé, la
justice et la sécurité publique et encore le traitement de l'éducation aux droits de
l'homme comme une politique d'orientation pour le secteur, par conséquent, les
investissements dans la recherche et la formation des éducateurs et des équipes
multidisciplinaires qui composent le système.

Mots-clés: adolescent délinquant. les institutions sociales et éducatives. politiques


publiques
10

Lista de Figuras

Figura 01 – Quadro Mapa da Morte nas Casas dos Expostos……………………….....44


Figura 02 – Reportagem Singrando……………………………………………...……..64
Figura 03: Reportagem………………………………………………..………………..88
Figuras 04 e 05: Reportagem…………………………………… ………………….….88
Figura 06: Reportagem…………………………………………………………………89
Figura 07: Reportagem………………………………………………………...……….91
Figura 08: Reportagem…………………………………………………………………91
Figura 09: Fluxo DEGASE…………………………………………………….……..108
Figura 10: Fachada e portão de entrada …………………………………………..…..123
Figura 11: Imagem do CAI BR (1 prédio principal, 2- quadra esportiva e 3-unidade de
recepção e internação provisória )…………………………………………….………124
Figura 12: Pátio Interno – térreo prédio principal ……………………………………125
Figura 13: Prédio de Internação Provisória………………………………...…………125
Figura 14: Prédio de Internação Provisória……………………………..………........126
Figura 15: Prédio de Internação Provisória- Pátio interno……………………...…….126
Figura 16: Solário Prédio Internação Provisória……………………………….……..127
Figura 17 Corredor de acesso e alojamento…………………………………………127
Figura 18 : Internação Provisória ……………………………………………………128
Figuras 19, 20 e 21: Foto dos alojamentos superiores……………………………….. 134
Figura 22 e 23: Alojamentos inferiores individuais ou duplos, em reforma ……........135
Figuras24: Rotina do CAI ………………………………............................................ 140
Figura 25: Entrada do Colégio Estadual Jornalista Barbosa Lima Sobrinho………....145
Figura 26: Sala de aula …………………………………………………………….....145
Figura 27: Distribuição de crianças e adolescentes vítimas segundo municípios do
estado do Rio de Janeiro – 2011………………………….…………………………...179
Figura 28: Distribuição dos adolescentes em conflito com a lei segundo municípios do
estado do Rio de Janeiro – 2011…………………………………………………........181
Figura 29: Adolescente tatuagem……………………………………………………..192
Figura 30 : Guerra do tráfico no Rio – Fonte: TV RECORD…………………………215
Figura 31: Guerra Entre Milícia e Tráfico – Fonte: TV RECORD……………...……216
Figura 32: Fluxo da Apreensão dos Adolescentes…………………………….……...232
Figura 33: SGD – Sistema de Garantia de Direitos………………………………...…233
11

Figura 34: Fluxo Ministerial………………………………………………………..…235


Figura 35: Fluxo Judicial………………………………………………………..…….236
Figura 36: Pirâmide de Medidas Socioeducativas……………………………...……..241
Figura 37: Organograma Estrutura Administrativa do DEGASE………….…………243

Lista de Gráficos

Gráfico 01: Crescimento percentual das taxas de homicídio por idade simples BRASIL:
1994/ 2004…………………………………………………….....................................172
Gráfico 02: Comparação entre população total de adolescentes entre 12 e 18 anos e
aqueles em conflito com a lei………………………………………………………....173
Gráfico 03: Adolescentes cumprindo medidas de internação, segundo o sexo e país
………………………………………………………………………………………...173
Gráfico 04: Medidas Socioeducativas ……………………………………….……….174
Gráfico 05:Proporção de crianças e adolescentes vítimas e adolescentes em conflito com
a lei …………………………………………………………………..………….........178
Gráfico 06: Perfil das crianças e adolescentes vítimas no estado do Rio de Janeiro
2011……………………………………………………………………………..…….180
Gráfico 07: Perfil dos adolescentes em conflito com a lei no estado do Rio de Janeiro –
2011……………………………………………………………………………...…....182
Gráfico 08 :Tipo de envolvimento que levou a apreensão dos adolescentes no estado do
Rio de Janeiro – 2011………………...…....................................................................183
Gráfico 09: Detalhamento do envolvimento com drogas – 2011………………….....183

Lista de Tabelas

Tabela 1 – Adolescentes atendidos pelo sistema socioeducativo e a população total e


adolescentes de 12 a 18 anos - por Região e estado do Rio de Janeiro…………….…..93
Tabela 2 – Lotação DEGASE (2006, 2008 e 2010)………………………………...….94
Tabela 3 – Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas no DEGASE.
2010………………………………………………………………………………...…..95
Tabela 4 – Capacidade e lotação DEGASE (2006, 2008 e 2010)……………………..98
Tabela 5 - Lotação e Percentual (2010)……………………………………………..….99
Tabela 6 – Quadro de Pessoal (2006-2008-2010)……………………………….…..100
12

Tabela 7 – População Atendida do CAI BR……………………………….…………123


Tabela 8: Ordenamento dos países por taxa de homicídio na população de 15 a 24 anos
em 2004-2006……………………………………………………….…………...........175
Tabela 9: Taxa de internação………………………………………………………….176
Tabela 10 – CAI BR – Local do ato infracional……………………………………....184
Tabela 11 – CAI BR – Atos Infracionais…………………………………….……….185
Tabela 12 – CAI BR – Escolaridade…………………………………...……………..186
Tabela 13 – CAI BR – Idade……………………………………………...…………..187
13

SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO…………………….............................................................................16
APORTES METODOLÓGICOS………………………………………………........25

PARTE I
MEMÓRIA DA INSTITUIÇÃO E MARCAS NO CORPO
ADOLESCENTE........................................................................................................37

CAPÍTULO 1:
Do menor infrator ao adolescente em conflito com a lei............................................38
A construção social do menor infrator: aprisionando para “regenerar”..........................42
As primeiras instituições especializadas no menor abandonado e delinquente:
“o anormal”....................................................................................................................56
SAM e a FUNABEM: propagadores da lógica da instituição total.................................60
Poder, Estado e menores infratores…………………………………………………….67
O Estatuto da Criança e do Adolescente e o adolescente em conflito com a
lei.....................................................................................................................................68
Das medidas socioeducativas..........................................................................................69
Legalidade da internação como medida socioeducativa no ECA...................................72
Infância, adolescência e práticas de privação de liberdade………………………….…74

CAPÍTULO 2:
ECA e DEGASE – início da política estadual.............................................................78
Sobre a situação das unidades de execução das medidas socioeducativas no Estado do
Rio de Janeiro e os adolescentes: 2006-2010..................................................................93
Dados comparativos 2006 (SEDH) 2008 e 2010 (DEGASE) ........................................94
Capacidade e lotação das unidades socioeducativas – DEGASE....................................96
Princípios pedagógicos das medidas socioeducativas e privação de liberdade
DEGASE.......................................................................................................................100
Sistema socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro: paradoxos entre a socioeducação e
o sistema prisional-2010................................................................................................106
14

A internação provisória ................................................................................................109


Medida de semiliberdade e medida de internação.........................................................111

PARTE II
O DEGASE E O CENTRO DE ATENDIMENTO INTENSIVO DE
BELFORD ROXO.................................................................................. 117

CAPÍTULO 3:
O Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo como instituição de sequestro
e instituição total .........................................................................................................120
O espaço arquitetônico do CAI BR – o panoptismo.....................................................122
Atividades e rotinas institucionais: socioeducação ou “bom adestramento”? ..............129
Educação e socioeducação: punição ou libertação?......................................................141
Educação, escolarização e socioeducação.....................................................................142
A lógica do discurso do encarceramento na produção de subjetividade.......................153
Cartas produzidas no espaço escolar: individualidade como resistência......................154
Subjetividade e resistência: poesia................................................................................160
Equipe de socioeducadores técnicos: olhos e ouvidos do judiciário ou vigias do
corpo?............................................................................................................................162

CAPÍTULO 4:
Adolescentes em conflito com a lei, violência e direitos humanos ..........................168
O quadro de insegurança pública brasileira e os adolescentes .....................................171
Perfil dos adolescente do CAI BR e medida socioeducativa de
internação.......................................................................................................................184
Os adolescentes do CAI BR, quem são?.......................................................................188

CAPÍTULO 5:
Mídia, violência e adolescentes ..................................................................................196
Violência urbana e adolescentes autores de atos infracionais ......................................197
Agência Nacional dos Direitos da Infância-ANDI.......................................................198
15

A mídia fala deles e por eles .........................................................................................200


Mídia e violência no CAI BR e adolescentes em conflito com a lei.............................206
Os adolescentes privados de liberdade e as suas imagens na televisão ........................207
As práticas cotidianas: criatividade, formalidade e marginalidade ..............................212

PARTE III
PERSPECTIVAS: LEGISLAÇÃO, PLANOS E PROJETOS...............221

CAPÍTULO 6:
Plano Estadual de Atendimento Socieducativo do Estado do Rio de Janeiro e Plano
Político Institucional do DEGASE na interface com a legislação .........................222
Socioeducação e segurança pública ..............................................................................224
Diretrizes e princípios socioeducativos – SINASE 2006 e 2012..................................233
Lei SINASE – 2012.......................................................................................................234

CAPÍTULO 7:
O Novo DEGASE e as suas perspectivas ..................................................................238
O DEGASE e o processo de municipalização das medidas em meio aberto ...............238
Da descentralização e (re) estruturação física do DEGASE .........................................244
A visão, a missão e os valores do DEGASE ...............................................................248

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................251
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................261
APÊNDICES ...............................................................................................................290
ANEXOS ......................................................................................................................296
16

Introdução
A violência praticada por jovens e seu envolvimento no uso e tráfico de drogas
têm, gradativamente, se transformado em um grave problema para a sociedade
brasileira, especialmente nos seus centros urbanos. Destaca-se na mídia a violência
cometida por jovens, enquanto poucos são os que divulgam os altos índices de violência
sofrida por crianças e adolescentes e, muitas vezes, sofrida pelos próprios adolescentes
em conflito com a lei ou autores de atos infracionais1. Esse paradoxo entre vítimas e
vitimadores só encontra amparo nas leis que não se materializam nas práticas
cotidianas.
As instituições que, ao longo da história, foram responsáveis por recolher,
assistir e, atualmente, educar – socioeducar crianças e adolescentes envolvidos em atos
ilícitos – sempre foram alvo de denúncias sobre maus-tratos, violência, tortura, que
fazem parte dessa história e mapeiam de forma contundente o cotidiano desses sujeitos.
Contudo, há grupos de intelectuais, gestores e operadores que, preocupados com esses
jovens, reivindicaram e reivindicam maior atenção do poder público para essa parte da
população e produziram, ao longo da história, um grupo de leis e normas reconhecidas
mundialmente como as mais avançadas nas garantias de direitos para as crianças e
jovens do Brasil.
Apesar de a legislação e de o Sistema de Garantia de Direitos compreenderem e
atuarem em prol dos adolescentes infratores como sujeitos de direitos, paradoxalmente,
as diretrizes da doutrina da proteção integral ainda não se efetivaram no interior das
instituições criadas para esse fim – assim como a sociedade que, muitas vezes
potencializada pela mídia, clama por retrocessos legais, como a diminuição da
maioridade penal e o “endurecimento” das sanções/punições aplicadas a esses jovens.
Entretanto, o nível de compreensão e pesquisas acerca do entrelaçamento entre o
processo de construção-produção do adolescente infrator, das instituições
socioeducativas, dos aparatos legais e da mídia, não está acompanhando os múltiplos
dispositivos disciplinares e de controle que essas instituições produzem, acelerando o
ritmo de crescimento da violência. A supremacia com que esta questão tem alcançado
os meios de comunicação nacional e internacional estimulou a realização deste trabalho,
que propõe estabelecer uma reflexão sobre as políticas de execução das medidas
socioeducativas no Estado do Rio de Janeiro no campo da educação – socioeducação,
1
Nomeiam-se adolescentes em conflito com a lei durante a apuração da autoria de atos infracionais e
adolescentes infratores aqueles que, sob determinação judicial, cumprem medida socioeducativa.
17

tendo como objeto de investigação o Departamento Geral de Ações Socioeducativas -


DEGASE. Para tal, foi realizado o resgate da história – memória das instituições que
antecederam o DEGASE – com foco nos paradoxos que constroem práticas e produzem
subjetividades no cotidiano das instituições socioeducativas, no recorte desta pesquisa,
no Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo. Ao final da tese, são abordadas
as metas e projetos do sistema socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro.
Atravessando essas instituições e sujeitos, pretende-se apresentar e analisar o papel da
mídia na abordagem dessa temática.
Este trabalho/pesquisa é fruto de mais de dez anos atuando como pedagoga do
DEGASE e como estudante e pesquisadora nos programas de pós-graduação da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense.
Desde a minha entrada no Sistema Socioeducativo Estadual - DEGASE, as
seguintes inquietações me acompanham: quais os significados na vida dos adolescentes
das contingências impostas pelas relações de disciplina/controle, nas instituições de
privação de liberdade, a partir do seu envolvimento com a violência? Seriam vítimas
e/ou vitimadores? Como se constituíram historicamente essas instituições? Quais os
discursos que atravessam as instituições e constituem os sujeitos adolescentes e
profissionais implicados com a e na violência? A que se propõem as medidas
socioeducativas no campo das políticas e nas práticas cotidianas? Há paradoxos? Quais
as perspectivas que se anunciam para o sistema socioeducativo e para os adolescentes
autores de atos infracionais?
A busca pela formação acadêmica, a pesquisa e o estudo me levaram no ano de
1999 à UERJ, ao curso de Pós-Graduação em Educação com Aplicação da Informática,
pois queria entender um pouco mais o que essas unidades prisionais representavam e,
sobretudo, colocar em cena projetos que melhorasse a situação precária desses jovens,
classificados pela sociedade como infratores. A produção de uma monografia/projeto
institucional “Sala de Aula Virtual”, sob a orientação do Professor Dr. Luiz Cavaliere
Bazílio, repercutiu em parcerias institucionais para a criação de laboratórios de
informática nas unidades socioeducativas.
Os estudos e pesquisas nas áreas interdisciplinares de educação, informática e
comunicação e as possibilidades de “libertação” através dos processos de sociabilidade
virtual levaram-me ao Mestrado de Comunicação Imagem e Informação da UFF.
A realização das primeiras pesquisas empíricas mudou totalmente o enfoque da
dissertação. Percebi que estava no meu trabalho diariamente em contato com um mundo
18

desconhecido para a maioria da população brasileira e que tinha em mãos um material


rico para análise. Verifiquei também o quanto era importante mostrar o cotidiano de
lutas e misérias desses adolescentes, submetidos a toda sorte de humilhação, pois o que
era veiculado pela mídia e construído no imaginário social se encontrava distante da
realidade.
A dissertação “Atos comunicacionais de adolescentes infratores: liberdade
virtual e prisão concreta”, sob a orientação da Profª Dra Marialva Barbosa, levaram–me
a avançar na compreensão e desvelar as relações comunicativas que existem em uma
instituição socioeducativa do DEGASE, o Centro de Atendimento Intensivo de Belford
Roxo - CAI BR. Desvelar o ato comunicativo dos adolescentes aprisionados em sua
dimensão subjetiva, a mediação tecnológica e cultural que atravessa os muros e os
corpos e configura a instituição, os atos de comunicação desses sujeitos, os sentidos que
esses produzem e suas implicações no terreno das práticas sociais – da prisão concreta à
liberdade virtual – foi o foco desta pesquisa. Para tanto, os estudos de Michael Foucault
e Michel de Certeau, além dos autores como Luiz Cavaliere Bazílio, Cancline,
Braldellac, auxiliaram-me na discussão teórica e na compreensão do objeto empírico: a
instituição disciplinar de sequestro, mídia e adolescentes infratores.
Cinco anos depois, em 2008, passo a fazer parte da equipe pedagógica da Escola
de Gestão Socioeducativa Paulo Freire, à época sob a direção do Prof. Dr. Elionaldo
Fernandes Julião, na Divisão de Estudo Pesquisa e Estágio. Lá, passo a ter contato com
as políticas públicas de gestão dos sistemas socioeducativos nos três níveis
governamentais: município, estado e federação. Os estudos e pesquisas nessas áreas e o
processo de formação dos operadores do sistema socioeducativo, aliados a experiências
empíricas e prática, a práxis no/do e com o cotidiano das instituições socioeducativas do
Departamento Geral de Ações Socioeducativas - DEGASE, levaram-me a ampliar as
minhas inquietações e retornar aos bancos acadêmicos do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal Fluminense – Doutorado em Educação.
A formação/pesquisa e atuação profissional são permanentes. Como afirma
Foucault (1957, p. 178):
Uma pesquisa não nasce no momento em que uma prática atinge o seu
próprio limite e encontra o obstáculo absoluto que a põe em questão em seus
princípios e condições de existência? (...) Mas, é preciso distinguir a maneira
como uma pesquisa nasce a partir de uma ciência ou de uma prática, e a
maneira pela qual pesquisa, prática e conhecimento se articulam sobre as
condições efetivas da existência humana. (...) a prática não pode se interrogar
e nascer como prática senão a partir de seus limites negativos e da margem de
sombra que cerca o saber e o domínio das técnicas. Mas, por outro lado, toda
19

prática e toda pesquisa científicas podem ser compreendidas a partir de certa


situação de necessidade, no sentido econômico, social e histórico do termo,
enquanto a pesquisa e a prática psicológicas não podem se compreender
senão a partir das contradições nas quais se encontra tomado o homem, ele
mesmo e enquanto tal. (grifos do autor)

Na sociedade brasileira, as crianças e os adolescentes representam a parcela mais


exposta a violações de direitos, apesar de estarem definidos e defendidos na
Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei
8069/90).
Vivemos um paradoxo entre violência e democracia (CALDEIRA, 2000;
PERALVA, 2000; AZEVEDO M. A., 2005).
Há uma dicotomia entre os movimentos de direitos humanos para a juventude:
as inúmeras conquistas no plano da legislação; a expansão dos direitos de cidadania e da
participação social; as diretrizes socioeducacionais apontando subsídios para novas
políticas, estratégias e ações públicas voltadas para a juventude; os planos de
implementação da educação para todos, fundamentados no Princípio da Inclusão, na
Ética da Diversidade (MEC/SEESP, 2003) e no Programa Nacional de Direitos
Humanos (SEDH/MEC/MJ/UNESCO, 2006); e um sistema paralelo de violência e
exclusão contra o jovem, como atestam as estatísticas sobre a evasão educacional: o
fracasso escolar, a exploração do trabalho juvenil, o abuso e a exploração sexual, a
fome, a tortura, as prisões arbitrárias e o alto índice de homicídio de jovens.
Esse paradoxo faz parte do cotidiano brasileiro e mapeia, de forma contundente,
o cenário nacional. Os jovens envolvidos em situação de violência são descritos ora
como vítimas ora como causadores da violência urbana.
O binômio juventude/delinquência, nos últimos anos, vem ocupando a agenda
pública como um dos seus temas centrais. Segundo Adorno (2003), fala-se com
frequência de crianças e adolescentes como responsáveis pelo crescimento da violência
nas grandes cidades brasileiras, em especial dos crimes violentos como homicídios. Na
mídia impressa e eletrônica, cotidianamente, veiculam-se imagens que mostram
indivíduos, nesses grupos etários, cometendo audaciosas ações, cada vez mais
precocemente, e, principalmente, a devastadora imagem do envolvimento com o uso de
drogas, como o crack.
Trata-se de imagens que destacam preferencialmente crianças e jovens, negros
ou pardos, procedentes dos estratos socioeconômicos mais desfavorecidos da sociedade,
imagens que reforçam associações entre pobreza e crime.
20

Os críticos aos avanços da legislação de proteção integral às crianças e aos


jovens anunciam, também, que as autoridades encarregadas de exercer controle social e
de reprimir a delinquência juvenil tenderiam a tratá-los com muita tolerância,
considerando-os na perspectiva de vítima social. Paradoxalmente, há grupos de suposta
autoridade que agiriam com repressão e violência na violação aos direitos. Nessa
perspectiva, as práticas de encarceramentos e genocídios constituem uma espécie de
paradigma para enfrentar a realidade geral da juventude brasileira envolvida em
situação de violência. Os discursos sobre a segurança urbana e a violência nas grandes
cidades, o binômio juventude/delinquência e o crescente encaminhamento de jovens
para instituições correcionais-socioeducativas, as escolas-prisão, vêm mobilizando
diversos setores da sociedade.
Alguns estudiosos (BAZILIO, 1985,1998; BATISTA, 2002; BRITO, 2000;
KOLKER, 2002; PERALVA, 2000) têm mostrado a passagem da ideologia da
segurança nacional e de seu aparato de tortura à ideologia de segurança urbana com o
direcionamento do arsenal de violência do Estado para o disciplinamento (FOUCAULT,
2000c), controle (DELEUZE, 1996), encarceramento e até extermínio das camadas
mais pauperizadas do país, vistas como perigosas.
Os dispositivos disciplinares que emergem nos discursos e nas ações do Estado
em nome da segurança urbana mostram mecanismos infindáveis e generalizáveis da
sociedade de controle, não mais centrada nas técnicas e no suplício do corpo
(FOUCAULT, 2000c; DELEUZE 1996), mas no controle que atravessa os muros do
hospital, da prisão, da escola, da indústria, da escola-prisão de adolescentes infratores e
se infiltra na vida urbana, produzindo os processos de subjetivação dos sujeitos. O que
vem sendo implantado são novos tipos de sanções, de educação, de tratamento, de
encarceramento e de exclusão.
Essa tem sido a situação de diversos setores da juventude pobre, especialmente
daqueles em conflito com a lei, alvo sistemático da violação de direitos, maus tratos,
assistencialismo excludente e torturas da polícia e das instituições de execução das
medidas socioeducativas2 erguidas no edifício jurídico como instituições penais para a
juventude delinquente e ancoradas no princípio pedagógico da ressocialização:
aprisionar para educar ou reeducar para controlar/disciplinar a violência.

2
ECA TÍTULO III Da Prática de Ato Infracional Capítulo IV “Das Medidas Sócio-Educativas” Art.112 a
128: advertência; obrigação de reparar dano; prestação de serviço à comunidade; liberdade assistida;
semiliberdade e internação.
21

Paradoxalmente, os discursos dos planos, projetos, na legislação apontam para a


gestão e práxis pedagógica nas instituições socioeducativas pautadas nas diretrizes
éticas da socioeducação, abraçando em seus conteúdos uma mudança de paradigma,
reafirmando as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); ampliando o
compromisso e a responsabilidade do Estado e da Sociedade Civil por soluções dentro
dos princípios dos direitos humanos e da doutrina da proteção integral para o sistema
socioeducativo; e assegurando aos adolescentes que infringiram oportunidade de
desenvolvimento e uma autêntica experiência de reconstrução de seu projeto de vida,
que tem como parâmetro os direitos humanos.
O estudo e a pesquisa dessas instituições, dos discursos que atravessam seus
muros, das práticas cotidianas corriqueiras, das técnicas minuciosas e sutis, da
organização do espaço, da reflexão acerca dos objetivos das instituições ditas e
planejadas como promotoras de educação em direitos humanos e socioeducação dos
adolescentes têm, sem dúvida, uma importante contribuição na engrenagem de saber-
poder e resistência-liberdade (FOUCAULT, 2005, p. 6) e na produção de saberes
acadêmicos no campo da política de educação no Brasil.
Assim, este trabalho analisa os paradoxos entre as políticas públicas de educação
em direitos humanos, na socioeducação (COSTA, 2004), as normativas específicas para
o sistema socioeducativo e as práticas voltadas para os adolescentes em conflito com a
lei no DEGASE, mais especificamente no CAI BR. Esses paradoxos se articulam com
tensões históricas no cotidiano, gerando práticas disciplinares de
encarceramento/disciplina/controle e, ao mesmo tempo, produzindo resistências e
fabricando processos de subjetivação dos adolescentes.
Para entrar na paisagem desta pesquisa e apresentar os seus passos, indicamos os
pontos de referência onde se desenrolam essas ações. Assim, esta tese foi dividida em
três partes:
Na primeira parte, “Memória da instituição e marcas no corpo adolescente”,
procuramos desvelar a história das instituições incumbidas de lidar com os chamados
“menores delinquentes”, “menores infratores” e, atualmente, “adolescentes infratores”,
marcadas pelo aprisionamento cuja lógica representa a construção de um modelo de
sociedade moderna no Brasil.
A internação desses “menores”, desde o seu início, constitui uma forma de
apartá-los da sociedade, de “cercá-los” e “enclausurá-los” em locais funcionais,
produzindo um modelo desviante no qual se pressupõe educar, vigiar e disciplinar
22

através do aprisionamento. Desde os primeiros internatos, tais instituições se


caracterizaram como instituições totais (GOFFMAN, 1999) e instituições disciplinares
e/ou de sequestro (FOUCAULT, 2000c).
Apesar dos avanços nas normativas e leis que justificaram essas instituições e
promulgaram um atendimento humanizado desde a criação do Código do Menor, na
década de 1920, até a Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente, nos anos 1990,
percebe-se que a lógica do aprisionamento, da docilização do corpo juvenil e das
práticas punitivas ainda permanece produzindo rituais de verdade (efeitos de verdade)
sobre o adolescente-menor-infrator-delinquente.
Apresentamos um resgate histórico do surgimento do Departamento Geral de
Ações Socioeducativas - DEGASE como resposta às normativas legais e analisamos o
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Na segunda parte, “O Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo e
seus paradoxos: aprisionar para educar ou reeducar para controlar/disciplinar a
violência”, procuramos mostrar uma instituição de internação do DEGASE, que se
configura nas ações socioeducativas, nos dispositivos disciplinares e de controle, a
partir dos discursos que atravessam e estruturam a instituição, o espaço praticado e as
vozes dos internados: adolescentes e profissionais. Focamos os nossos olhares sobre os
discursos dos adolescentes internados e o discurso construído sobre esses atores sociais,
objeto central desta pesquisa. Destacamos os socioeducadores agentes responsáveis por
controlar os dispositivos disciplinares e os socioeducadores, técnicos (psicólogos,
assistentes sociais e pedagogos) intermediários entre esse universo de exclusão e
controle do Poder Judiciário e a sociedade. Apresentamos, também, uma análise sobre o
discurso oficial da instituição e o da mídia a respeito desses sujeitos, destacando o tema
da violência urbana e segurança pública.
O objetivo é apresentar o discurso paradoxal3 construído pelos próprios
adolescentes como definidores de um lugar social e os discursos que outros agentes
formulam a seu respeito: os socioeducadores (agentes de plantões, técnicos e gestores

3
Deleuze estrutura sua teoria do sentido em uma série de paradoxos que estão intimamente ligados. “O
sentido é o exprimível ou o expresso da proposição e o atributo do estado de coisas”. Assim, “o
acontecimento é o próprio sentido” e ele “pertence essencialmente à linguagem” (DELEUZE, 1974, p.
25.) Para Deleuze, sentido e não-sentido têm uma relação específica que não pode ser extraída de uma
relação de exclusão, de verdadeiro-falso (DELEUZE, 1974). Ao elencarmos os discursos como
possibilidade de análise da instituição, deparamo-nos com os paradoxos que constituem a própria
linguagem, dão sentido e estão implícitos no acontecimento.
23

da unidade), que produzem cotidianamente a própria instituição socioeducativa:


punitiva, educativa, protetiva e curativa; assim como o discurso da mídia, que atravessa
a instituição e elabora toda uma argumentação baseada na reprodução do senso comum:
o adolescente infrator como bandido e/ou vítima. Os paradoxos desses discursos criam o
acontecimento, dão sentido à própria instituição, a escola-prisão, e, no desdobramento,
constituem os processos de subjetivação dos adolescentes envolvidos em atos
infracionais.
Como metodologia de pesquisa junto aos adolescentes, optamos por realizar três
grupos focais4 com cinco adolescentes5 cada, realizados na própria unidade, gravados
em áudio e vídeo, com um pesquisador/mediador e um auxiliar de pesquisa para o
registro escrito (observador). A partir dessa metodologia, os adolescentes falam de seu
entendimento sobre a sua situação como adolescentes em conflito com a lei, a
instituição socioeducativa e o lugar que ocupam na sociedade. Nos relatos, descortinam
seus sonhos e suas expectativas de vida, enfocam a questão do consumo, espécie de
ícone do mundo contemporâneo, falam sobre violência, família e educação, entre outros
temas.
Mapeando a realidade pelos discursos, foram realizadas entrevistas individuais
com os quatro coordenadores – socioeducadores agentes de plantões6 –, cinco
socioeduadores técnicos, um diretor adjunto, acrescidas de diálogos constantes entre a
pesquisadora e os adolescentes; a pesquisadora e os socioeducadores; a pesquisadora e
os professores em pesquisa participante das rotinas institucionais, no período de seis
meses, envolvendo o “corpo” da instituição.
O registro em áudio, vídeo e imagem (fotos) foram autorizados pelos trâmites
legais do DEGASE e dos Juizados da Infância e Juventude de Belford Roxo e da capital
da cidade do Rio de Janeiro. Para isso, houve inúmeras reuniões e solicitações de

4
As duas principais técnicas utilizadas para coletar informações qualitativas no âmbito da metodologia
são a observação participante e as entrevistas. Os grupos focais têm elementos de ambas as técnicas,
embora eles mantenham a sua singularidade e distinção como método de pesquisa, e são como uma forma
de ouvir as pessoas e aprender com eles. A amostra do estudo não responde a critérios estatísticos, mas
estruturais, ou seja, a representação de certas relações sociais na vida real (LOPES, 2008).
5
No CAI BR, os adolescentes são distribuídos para o atendimento técnico em cinco equipes
multidisciplinares (constituídas de pedagogo, assistente social e psicólogo) denominadas de “módulos”:
A, B, C, D e E. Solicitamos, para a realização dos grupos focais, a indicação aleatória de três adolescentes
por módulos. A participação no grupo focal foi opcional ao adolescente.
6
No CAIB R, há quatro plantões de agentes socioeducadores que atuam em turnos de 24h de trabalho por
72 horas: plantões A, B, C e D; em cada plantão, há um coordenador que atua com os demais agentes
socioeducadores para “garantir a segurança da unidade”.
24

documentos, entre a pesquisadora e os juízes ou seus representantes, levando cerca de


nove meses para a plena liberação da pesquisa.
Fazendo parte desta tese, dados estatísticos da própria instituição e do DEGASE,
relatórios, projeto pedagógico, entre outros documentos administrativos, foram
analisados para desvelar os gestos e tentar reconstruir a realidade dos adolescentes que
hoje estão sendo, segundo o discurso construído pelos agentes do poder, atendidos pelas
medidas socioeducativas de internação e internação provisória do Estado do Rio de
Janeiro.
Na terceira e última parte da tese “O Sistema Socioeducativo do Estado do Rio
de Janeiro em perspectivas: Plano Estadual de Ações Socioeducativas, Plano
Político Institucional e Plano Estadual de Educação”, apresentamos e analisamos as
perspectivas a partir da legislação brasileira, em especial da Lei do SINASE, para
articulação e efetivação do Sistema de Garantia de Direitos, assim como apresentamos
os planos e projetos do Novo DEGASE7 na consolidação do sistema socioeducativo do
Governo do Estado do Rio de Janeiro.

7
A partir de 2008, há um reordenamento da política de atendimento ao adolescente pelo governo do
Estado do Rio de Janeiro: esse grupo de ações administrativas, normativas e filosóficas passa a ser
denominado de Novo DEGASE.
25

Aportes metodológicos

A pesquisa qualitativa, segundo Minayo,

trabalha com o universo de significados, motivações, aspirações, crenças,


valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variável" (2010, p.22).

A pesquisa realizada para esta tese foi eminentemente qualitativa, sem desprezar
os dados quantitativos para análises estatísticas.
Como o tema seria desenvolvido na articulação entre memória, paradoxos e
perspectivas do Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro, a solução
encontrada foi a de trabalhar com três abordagens que se complementariam: 1) análise
histórica: construção social das instituições socioeducativas; 2) pesquisa de campo
(empírica): compreender e analisar, mediante estudo/pesquisa do/no cotidiano, os
discursos constituidores de um lugar de subjetivação dos adolescentes em conflito com
a lei; e 3) análise bibliográfica e documental: análise de produções bibliográficas
especializadas e de documentos: leis, relatórios, planos, projeto, normas, entre outros.
O recorte metodológico se deu pela experiência anterior que a pesquisadora
havia adquirido ao longo de sua trajetória acadêmica e profissional com o objeto de
estudo8.
A observação está sempre impregnada de teoria. Isto quer dizer que ao
realizar o teste empírico de uma teoria, esta influencia o “fato” a ser
obervado, na medida em que se dá o recorte, definindo as categorias
relevantes e selecionando os aspectos e relações a serem observados. Mas
não só a teoria que está sendo testada impregna a observação, também os
instrumentos utilizados nesse processo (ALVES-MASSOTTI, 2004, p. 112)

Não há pesquisa neutra, os saberes teóricos e práticos e a metodologia escolhida


para a realização de um estudo acadêmico-científico devem ser conduzidos por uma
“atitude crítica” do pesquisador, pois as estratégias para a produção de saberes se
articulam em “verdades, poder e sujeito ético”9.

8
Apresento, na introdução, meu histórico acadêmico e profissional. Atualmente, atuo como Diretora da
Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire ESGSE - DEGASE, responsável pela formação
/capacitação dos profissionais que atuam no DEGASE e os operadores do Sistema Socioeducativo
Estadual.
9
A atitude crítica que Foucault desenvolve na sua investigação é inseparável da filosofia como atividade,
como prática. Designa o exercício contínuo de “saída” das filosofias do sujeito, da neutralidade da
verdade, da legitimidade intrínseca do poder, do pensamento daquilo que antes se pensava, a fim de
pensar diferentemente (CANDIOTTO, 2006).
26

Elionaldo Fernandes Julião (2009) analisa a postura ética do gestor –


pesquisador:
(...) o fato de atuar como gestor público — ao contrário do que comumente se
acredita e espera acontecer – não compromete a análise, nem enviesa o olhar
sobre o estudo, o que me possibilitou compreender toda uma dinâmica
administrativa e política que envolve a gestão pública, viabilizando um olhar
mais amplo e crítico dos fatos sobre a pesquisa, propiciando principalmente
uma leitura “entre linhas” e não superficial sobre os dados coletados. Como
“gestor público-pesquisador” consigo compreender determinados detalhes da
dinâmica da administração pública, muitas vezes invisíveis e/ou
incompreensíveis aos olhos de qualquer cidadão. (2009, pp. 24-25)

Portanto, apurando os olhares pelo saber prático construído anteriormente e


investindo no rigor teórico-metodológico durante o processo de pesquisa, procuramos
desvelar os sentidos simbólicos produzidos pelos discursos na prática cotidiana.

Pesquisa histórica das instituições socioeducativas


A história para Foucault é uma forma de lidarmos com o
presente, de considerarmos todas as possibilidades para a nossa
realidade. Ainda que sua contribuição para o fazer do saber
histórico não seja tão radicalmente inovadora é fundamental
para repensarmos nosso viver como viver historicamente
inscrito (GAUDERETO e SILVA, 2010, p. 78)

Para compreendermos as instituições atuais de privação de liberdade para


adolescentes envolvidos em atos ilícitos, entre 12 anos completos e 21 anos
incompletos, sob medida socioeducativa de internação e/ou em internação provisória,
optamos por estudar a história das instituições responsáveis por acolher, assistir e
socioeducar-educar crianças e adolescentes envolvidos em violência.
Na reconstituição histórica, elencamos autores que utilizaram análises
sociológicas sobre as instituições principalmente, como Rizzini, Bazílio, Londoño,
Pilott; Noguera Filho, Marcílio e Del Priore.
A análise de leis em sua íntegra, feita por pesquisa em arquivos digitais, no
recorte histórico, foi fundamental. Assim destacamos as seguintes Leis:
Código de Menores de 1927
Código de Menores de 1979
Constituição Federal de 1988
Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1996
Lei do SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socieducativo de 2012
27

Foi feita uma análise documental de publicações de jornais (mídia impressa) do


período de 1920 a 1999 na hemeroteca da Biblioteca Nacional de livros raros das
décadas de 30 a 80, disponibilizados à pesquisadora pelo Centro de Documentação e
Memória - CEDOM do DEGASE. Os arquivos históricos do CEDOM-DEGASE foram
organizados pelos historiadores e pesquisadores Aderaldo Pereira dos Santos e Raul
Japiassu.
Analisamos também relatórios, depoimentos e entrevistas gravadas em vídeos
disponibilizados pelo CEDOM- DEGASE.

Pesquisa de Campo (empírica)


O local da pesquisa foi em uma instituição socioeducativa de internação e
internação provisória10 do Departamento Geral de Ações Socioeducativas - DEGASE:
Centro de Atendimento Intensivo Belford Roxo (CAI-Baixada)
Rua Begônias, s/n, Jardim Bom Pastor – Belford Roxo
Justificativas :
• Única unidade de internação e internação provisória que atende adolescentes
do sexo masculino11 por determinação de todos os Juizados da Infância e Juventude do
Estado do Rio de Janeiro. Conta com aproximadamente 150 adolescentes.
• Única unidade criada pelo DEGASE (1998) de internação para a implantação
do primeiro plano institucional do DEGASE - “Projeto Excelência”12. Quando da
inauguração, havia 95% de profissionais concursados13 e inexperientes no trabalho
socioeducativo de internação.

10
Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90: Capítulo IV trata "Das Medidas Sócio-
Educativas", assim dispondo: "Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente
poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III -
prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º
A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a
gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de
trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento
individual e especializado, em local adequado às suas condições.. Atualmente o DEGASE atende a
adolescentes em semiliberdade e internação. O CAI BR atende os adolescentes em medida socioeducativa
de internação e durante a apuração do ato ilícito em internação provisória.
11
Optou-se por unidade do sexo masculino por ser este o de maior número de internos no DEGASE: em
2012, 95% em medidas socioeducativas de internação e internação provisória. E as instituições de
atendimento a meninas diferencia substancialmente no perfil institucional, não sendo possível neste
estudo aprofundar sobre este recorte.
12
RIO DE JANEIRO (Estado). Secretaria de Justiça e Interior do Estado do Rio de Janeiro-
Departamento Geral de Ações Socioeducativas - Projeto Excelência (1993). Cooperação Técnica
UERJ/DEGASE: 1998.
13
O primeiro concurso público para o DEGASE aconteceu em 1994; em 1998 houve uma grande chamada
de profissionais, todos os vide bibliografia.
28

Participantes
1) Adolescentes (Grupo Focal)
Três grupos de adolescentes em medida socioeducativa de internação há mais de
três meses. Grupo aleatório indicado pelos socioeducadores I14 (equipe técnica).
Esta pesquisa realizou entrevistas com:
2) Socioeducadores I (equipe técnica):
• 3 pedagogos, responsáveis pela implementação dos processos de escolarização,
educação para o trabalho e as interfaces: educação formal e instituição socioeducativa,
cabendo ao pedagogo o acompanhamento e registro do cumprimento das medidas dos
adolescentes determinadas pelos Juizados da Infância e Adolescência através de
relatórios técnicos no campo específico da educação – pareceres pedagógicos;
• 1 psicólogo, responsável por acolher o adolescente desde seu ingresso em
qualquer unidade do DEGASE, bem como orientá-lo, assisti-lo e acompanhá-lo no
decorrer do período do cumprimento de sua medida socioeducativa, mantendo o foco na
promoção da Saúde Mental Realizar, atendimento psicológico individual e em grupo
com os adolescentes e as famílias, e efetuando os devidos registros nos respectivos
prontuários (LEI Nº 5933 /2011 - RJ);
• 1 assistente social, responsável por atender e prestar acompanhamento técnico-
social aos adolescentes, familiares e responsáveis durante a internação provisória bem
como durante o cumprimento de medida socioeducativa de internação; e elaborar
pareceres e relatórios sociais para subsidiar o judiciário, projetos de intervenção e de
outra natureza pertinentes ao Serviço Social e de caráter multidisciplinar e
interdisciplinar (LEI Nº 5933/2011 - RJ).
3) Socioeducadores II:
• Coordenadores de plantão - agentes socioeducadores, responsáveis pela
disciplina, controle das atividades dos adolescentes e rotinas institucionais, visando à
segurança da instituição e dos adolescentes.

14
Governo do Estado do Rio de Janeiro , LEI Nº 5933, DE 29 DE MARÇO DE 2011. ALTERA A LEI
Nº 4802, DE 29 DE JUNHO DE 2006, QUE DISPÕE SOBRE A REESTRUTURAÇÃO DO QUADRO
DE PESSOAL DO DEPARTAMENTO GERAL DE AÇÕES SÓCIOEDUCATIVAS – DEGASE, E DÁ
OUTRAS PROVIDÊNCIAS Art. 2° O Quadro Permanente de Pessoal do DEGASE fica alterado e
organizado nas seguintes partes:I - PARTE PERMANENTE - integrada por Grupos Ocupacionais,
divididos em subgrupos compostos por cargos efetivos, organizados em:A) GRUPO OCUPACIONAL I:
1) Subgrupo I – Nível Superior – Categoria Socioeducador I ( incluindo Equipe Técnica : Psicólogos ,
pedagogos e assistentes sociais); 2) Subgrupo II – Nível Médio – Categoria Socioeducador II ( incluindo
os agentes socioeducativos feminino e masculinos )
29

4) Diretor da Unidade:
Gestor da unidade socioeducativa: cargo de confiança, indicado pelo diretor
geral do DEGASE, responde pela administração dos recursos humanos e materiais,
coordenação das diretrizes pedagógicas e normativas da medida socioeducativa aplicada
aos adolescentes sob a tutela do Estado. Este diretor também é responsável pelo
cumprimento da política da ação socioeducativa indicada no PASE - Plano de
Atendimento Socioeducativo do Governo do Estado do Rio de Janeiro (decreto nº
42.715 de 23 de novembro de 2010), no PPI - Projeto Pedagógico Institucional
(DEGASE) e registrado no Projeto Pedagógico de cada unidade.

Observação participante
A observação participante pressupõe que o pesquisador possui um grau de
interação com a instituição, afetando-a com sua presença e sendo por ela afetada.
Buscamos, na observação participante, registrar/descrever como os sujeitos
pesquisados (adolescentes, socioeducadores e gestores) veem suas próprias situações e
como constroem a realidade da instituição de internação (MOREIRA, 2004).
Assim, no período de imersão no campo, cerca de nove meses, acordamos com a
gestão e com os entrevistados:
• Data e local das entrevistas com os socioeducadores I (membros da equipe
técnica) e socieoeducadores II (agentes coordenadores de plantões);
• Dias das semanas para a observação participante a partir das diferentes
atividades que acontecem semanalmente, possibilitando ao pesquisador atuar como
observador participante.
• Datas e local dos Grupos Focais - GF com adolescentes e indicação aleatória
dos adolescentes que participariam dos grupos pelas miniequipes de socioeducadores
técnicos. Detalharemos a seguir essa metodologia e a sua realização junto aos
adolescentes.
• Data e local da entrevista com o gestor. Porém, durante o período de pesquisa o
diretor geral da unidade foi exonerado e, como o novo diretor encontrava-se em período
de adaptação, indicou o diretor adjunto para participar desta pesquisa, uma vez que este
profissional apresentava vasta experiência no CAI BR e atuava no mesmo cargo com o
antigo diretor.
30

Lapassade (1991 apud FINO, 2003) denomina de “observação participante” o


trabalho de campo no seu conjunto, desde a chegada do investigador ao campo da
investigação, quando inicia as negociações que lhe darão acesso a ele, até o momento
em que encerra a pesquisa, depois de uma estada longa.
Antes de iniciarmos e durante a pesquisa de campo, realizamos aprofundamentos
em estudos teóricos sobre as instituições socioeducativas em nível nacional e no
Departamento Geral de Ações Socioeducativas - DEGASE/SEEduc do Governo do
Estado do Rio de Janeiro - RJ; levantamento do perfil nacional e regional dos
adolescentes envolvidos em violência (vítimas e vitimadores), com foco no perfil dos
adolescentes infratores do Rio de Janeiro; e estudos das produções bibliográficas e
midiáticas sobre o DEGASE e CAI BR.
Os aspectos operacionais para a realização da pesquisa interferiram no
cronograma inicial e nos instrumentos a serem construídos para a pesquisa no CAI BR
com os adolescentes internados.
Seguindo os trâmites legais do DEGASE e dos Juizados da Infância e Juventude
de Belford Roxo e da capital da cidade do Rio de Janeiro para autorização da pesquisa,
houve inúmeras reuniões e solicitações de documentos entre a pesquisadora e os Juízes
ou representantes destes, levando cerca de nove meses para a plena liberação da
pesquisa de campo (Anexo1).
Somente foram autorizados registros em áudio e vídeo dos adolescentes no
grupo focal; não houve autorização de acesso aos prontuários e Plano Individual de
Atendimento - PIA dos adolescentes. As imagens dos locais/atividades dos adolescentes
foram autorizadas, bem como as gravações em áudio das entrevistas com os
profissionais. O acesso às produções escritas dos adolescentes também foi viabilizado,
desde que fosse autorizado pelos professores e pedagogos das unidades.
No mais, as observações foram registradas de forma sonora, em um áudio-diário,
e também de forma tradicional, em relatórios de pesquisa, no caderno de campo. Para
essa tarefa, pudemos contar com a colaboração de uma estagiária/pesquisadora de
apoio, cedida pela Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire - ESGSE/Divisão de
Estudo Pesquisa e Estágio. A pesquisa de campo foi realizada no Centro de
Atendimento Intensivo de Belford Roxo - CAI BR.
Enquanto presentes, os pesquisadores/observadores imergiram pessoalmente na
vida dos locais, partilhando as suas experiências.
31

Essa experiência possibilitou-nos, também, estabelecer uma interação com os


sujeitos que conformam a realidade: os adolescentes e os profissionais do CAI BR.
No contexto da pesquisa, no entrelaçamento entre pesquisador/sujeitos
pesquisados/espaço praticado, foi possível construir as análises desta tese.
Devidamente autorizados de realizar a pesquisa de observação, os grupos focais
com adolescente, gravações em áudio e vídeo (imagens) e entrevistas com os
profissionais (gravação em áudio), construímos os instrumentos para as entrevistas com
os profissionais e com os adolescentes (Apêndice 1 e 2).
Portando, as três principais técnicas utilizadas para coletar informações
qualitativas no âmbito da metodologia foram a observação participante, os grupos focais
e as entrevistas.

Grupos Focais - GF de adolescentes


Os grupos focais têm elementos das técnicas de entrevista e de observação
participante; embora eles mantenham a sua singularidade e distinção como método de
pesquisa, são como “uma forma de ouvir as pessoas e aprender com elas” (MORGAN,
1998b, p. 9 aput LOPES, 2008).
Os próprios participantes consideram a experiência mais gratificante e
desafiadora do que as entrevistas individuais.
Como metodologia de pesquisa junto aos adolescentes, optamos por realizar três
grupos focais com cinco adolescentes em cada.
A “amostra” dos adolescentes internados para participação no grupo focal de
estudo não responde a critérios estatísticos, mas estruturais, ou seja, a representação de
certas relações sociais na vida real (LOPES, 2008) da instituição.
No CAI BR, os adolescentes são distribuídos para o atendimento técnico em
cinco equipes multidisciplinares (constituídas de pedagogo, assistente social e
psicólogo) denominadas por “módulos”: A, B, C, D e E. Solicitamos, para a realização
dos grupos focais, a indicação aleatória de três adolescentes por módulos. A
participação no grupo focal foi opcional ao adolescente.
Assim, os GF foram, na própria unidade, gravados em áudio e vídeo, com um
pesquisador/mediador e um auxiliar de pesquisa para o registro escrito (observador). Os
dezesseis adolescentes indicados pelos profissionais técnicos foram distribuídos em três
grupos de discussão que dialogaram sobre a internação, envolvimento em atos
infracionais e violência, em particular, ao receberem estímulos do mediador/pesquisador
32

através de entrevistas não estruturadas, livres de controle institucional para o debate. O


local escolhido foi a Sala de Leitura do CAI BR, sem interferência ou presença de
profissionais da instituição.
Essa técnica distingue-se por suas características próprias, principalmente pelo
processo de interação grupal, que é uma resultante da procura de dados. Em uma
vivência de aproximação, permite que o processo de interação grupal se desenvolva,
favorecendo trocas, descobertas e participações comprometidas. Também proporciona
descontração para os participantes responderem às questões em grupo, em vez de
individualmente.
O GF facilita a formação de ideias novas e originais e a reflexão coletiva e
individual; gera possibilidades contextualizadas pelo próprio grupo de estudo;
oportuniza a interpretação de crenças, valores, conceitos, conflitos, confrontos e pontos
de vista; e, ainda, possibilita entender o estreitamento em relação ao tema, no cotidiano.
Cabe enfatizar que o GF permite ao pesquisador não só examinar as diferentes
análises das pessoas em relação a um tema. Ele também proporciona explorar como os
fatos são articulados, censurados, confrontados e alterados por meio da interação grupal
e, ainda, como isso se relaciona à comunicação de pares e às normas grupais
(MOREIRA. 2004).
Durante os GF, os adolescentes falaram de seu entendimento sobre a sua
situação de adolescentes em conflito com a lei, a instituição socioeducativa e o lugar
que ocupam na sociedade. Nos relatos, descortinam seus sonhos e suas expectativas de
vida, enfocam a questão do consumo, espécie de ícone do mundo contemporâneo, falam
sobre violência, família e educação, entre outros temas.
Os GF foram realizados em dias diferentes no turno da manhã ou à tarde, sempre
no mesmo local, com mediador/pesquisador e o auxiliar de pesquisa, sendo gravados
em áudio-vídeo e fotografados. Ao final do primeiro GF, os adolescentes participantes
manifestaram desejo de assistirem à gravação do vídeo realizada, o que se tornou prática
nos demais grupos e possibilitou novas discussões entre os adolescentes sobre os temas
apresentados durante a gravação. Esse “segundo momento” do GF foi gravado em áudio
e incorporado à pesquisa.
Destacamos alguns temas abordados durante os GF:
• Adolescência - idade, residência, família, escola, trabalho, comunidade,
grupo/amigos, família, consumo, mídia, drogas, autoimagem, transcurso de vida sócio-
afetiva familiar e grupal, namoro, filhos e sonhos;
33

• Experiência infracional - envolvimento em atos infracionais, uso de drogas na


prática de ato infracional, armas, violência, apreensão, polícia, tráfico, menoridade e
maioridade, relacionamento com o grupo infrator (adultos, adolescentes e crianças);
• Vida na instituição - impacto inicial da internação, convívio
adolescente/adolescente; relação com técnicos/agentes/professores/direção, rotina
institucional, espaços institucionais, visita das famílias, atividades de
escolarização/profissionalização/lazer, cuidado de si/autoimagem, sociedade/mídia e
internação, reflexão sobre o ato infracional e a medida socioeducativa, expectativas
futuras pós-internação.
Tabela : Perfil dos adolescentes dos Grupos Focais.

Fonte: ADBALLA, 2013

As entrevistas com os profissionais


A entrevista pode ser considerada como prática discursiva, de forma a entendê-la
como “ação (interação) situada e contextualizada, por meio da qual se produzem
sentidos e se constroem versões da realidade” (PINHEIRO, 2000 p.184).
Utilizamos, neste trabalho, entrevistas semiestruturadas. Essa modalidade
permitiu à pesquisadora maior flexibilidade, na medida em que pode se alterar a ordem
das perguntas e se tem liberdade para fazer intervenções, de acordo com o andamento
da entrevista (BLEGER, 1993). Foram formuladas 20 questões abertas (Anexo 2),
problematizando os seguintes pontos para análise:
34

• Perfil profissional – idade, sexo, escolaridade, formação inicial e na trajetória


profissional, trajetória profissional antes, durante e atualmente no DEGADE/CAI BR,
objetivos e prática profissional, dificuldades e perspectivas profissionais e autoimagem
profissional;
• Análise institucional do CAI BR - histórico da instituição, saber-fazer
profissional, perfil dos adolescentes , perfil das famílias, análise das demais categorias
profissionais do CAI BR, análise das atividades e rotinas, interface CAI BR/DEGASE,
perspectivas institucionais;
Mapeando a realidade pelos discursos, foram realizadas entrevistas individuais
com os quatro coordenadores – socioeducadores agentes de plantões.
No CAI BR, há quatro plantões de agentes socioeducadores que atuam em
turnos de 24 horas de trabalho por 72 horas: plantões A, B, C e D. Em cada plantão, há
um coordenador que atua com os demais agentes socioeducadores para “garantir a
segurança da unidade”. As entrevistas com esses coordenadores foram realizadas em
seus dias de plantão e, nesses mesmos dias, realizamos pesquisa de observação
participante e registrada em diário de campo. Elencamos os seguintes dias da semana
para podermos observar atividades específicas desses dias: sábado (Atividade cultural –
Capoeira e Atividade de profissionalização Atendente de comércio); terça-feira (Curso
de Formação Continuada para os funcionários); quarta-feira (Visita das famílias da
internação provisória); e quinta-feira (Visita das famílias da internação). Foram
observadas as práticas/rotinas de escolarização, profissionalização e atendimento de
equipe multidisciplinar (pedagogos, assistentes sociais e psicólogos) e as dinâmicas
institucionais do cotidiano durante sete meses.
Entrevistamos também cinco socioeducadores I - técnicos (três pedagogos, um
psicólogo e um assistente social) e um diretor adjunto, acrescidas de diálogos
constantes entre a pesquisadora e os adolescentes, socioeducadores,
pesquisadora/professores em pesquisa das rotinas institucionais, no período de seis
meses, envolvendo o “corpo” da instituição.

Análise dos dados


Após as transcrições dos dados das entrevistas e do grupo focal, foram feitas as
avaliações, utilizando-se a técnica de análise qualitativa.
Pinheiro (2000) coloca que é preciso, na análise dos dados, haver uma apreensão
global da entrevista em seus aspectos dinâmicos e interativos e partir, então, para a
35

identificação de temas, que vão emergindo das falas dos entrevistados, de forma que
eles sejam uma primeira organização das falas.
Martins & Bicudo (1989) utilizam a análise qualitativa buscando não os fatos em
si, mas os significados desses fatos para os sujeitos:
A preocupação se dirige para aquilo que os sujeitos da pesquisa vivenciam
como um caso concreto do fenômeno investigado. As descrições e os
agrupamentos dos fenômenos estão diretamente baseados nas descrições dos
sujeitos, e os dados são tratados como manifestações dos fenômenos
estudados (1989, p.30).

Essa forma de análise se constitui de três momentos:


1. Leitura para apreensão global do sentido geral das entrevistas e leitura das
descrições, sendo feitas, em relação ao observador do grupo tomado como um todo,
almejando obter uma visão geral do material analisado (MARTINS & BICUDO 1989);
2. Leitura para encontrar unidades de significados, visando construir os temas e
categorias que mais apareceram: “O material coletado é lido com a finalidade de
encontrar-se aquilo que parece ser o mais significativo nos dados obtidos e de saber-se
quais as partes principais, onde podem ser percebidas diferenças entre os dados”
(ibidem, p. 30);
3. Definição de temas mais importantes; portanto, o levantamento e a análise das
partes significativas delimitadas por temas ou perspectivas de investigação. A síntese
integradora das falas, das unidades de significado, a perspectiva adotada na análise é da
descoberta de como os sujeitos experienciam o fenômeno ou de como o sujeito que
“fala” vê o fenômeno como um todo (ibidem).
O material transcrito foi lido, com a finalidade de se encontrar aquilo que parece
ser o mais significativo dentre as respostas das entrevistas, explorando-se também as
diferenças percebidas entre as falas. As partes significativas foram agrupadas em temas
ou perspectivas de investigação, escolhidas a partir de categorias de análise
concernentes ao referencial teórico, sendo elas: o adolescente; a mídia; a instituição de
internação; inter-relação adolescentes-adolescentes; adolescentes/profissionais; inter-
relação das instituições Sistema de Garantida de Direitos /Segurança Pública/Juizado;
DEGASE/ CAI BR e Escola; família e sociedade .
Fazendo parte desta pesquisa, dados estatísticos da própria instituição e do
DEGASE, relatórios, projeto pedagógico, entre outros documentos administrativos,
foram analisados para desvelar os gestos e tentar reconstruir a realidade dos
adolescentes que hoje estão sendo, segundo o discurso construído pelos agentes do
36

poder, atendidos pelas medidas socioeducativas de internação e internação provisória no


Estado do Rio de Janeiro.
37

PARTE I

Memória da instituição e marcas no corpo adolescente


Em dois capítulos, a primeira parte desta tese procura desvelar a história dos
chamados “menores delinquentes”, “menores infratores” e, atualmente, “adolescentes
infratores”, marcada pelo aprisionamento cuja lógica representa a construção de um
modelo de sociedade moderna no Brasil.
A internação desses “menores”, desde o seu início, constitui uma forma de
apartá-los da sociedade, de “cercá-los” em locais funcionais e pela “clausura”,
produzindo um modelo desviante no qual se pressupõe educar, vigiar e disciplinar
através do aprisionamento.
O capítulo 1 (um) procura mostrar os primeiros internatos que se caracterizaram
como instituições totais (GOFFMAN, 1999) e instituições austeras (Foucault, 2000c).
Apesar dos avanços nas normativas e leis que justificam essas instituições e
promulgam um atendimento humanizado desde a criação do Código do Menor, na
década de 1920, até a Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente, nos anos 1990,
percebe-se que a lógica do aprisionamento, da docilização do corpo juvenil e as práticas
punitivas ainda permanecem produzindo rituais de verdade (efeitos de verdade) sobre o
adolescente-menor-infrator-delinquente.
No capítulo 2 (dois), apresentamos um resgate histórico do surgimento do
Departamento Geral de Ações Socioeducativas - DEGASE como resposta às normativas
legais e analisamos o Estatuto da Criança e do Adolescente. No desdobramento,
apresentamos a história-memória do DEGASE a partir da memória de seus profissionais
e dos registros escritos em seus diferentes planos, desde a sua inauguração em 1993 até
a publicação em 2010 do PASE – Plano de Atendimento Socioeducativo do Estado do
Rio de Janeiro.
38

Capítulo 1 – Do menor infrator ao adolescente em conflito com a lei

Na década de 1920, a legislação em vigor procurava marcar o menor


abandonado e delinquente, colocando uma espécie de signo naqueles que deveriam ser
aprisionados e transferindo crianças, jovens e adolescentes a quem se atribuía o
abandono para a tutela do Estado. Na década de 1990, pensou-se que a criação do
Estatuto da Criança e do Adolescente mudaria a relação da sociedade com aqueles que
são classificados como infratores. Hoje, mais de duas décadas depois, os sistemas
socioeducativos estaduais e suas diferentes unidades de internação para adolescentes
infratores continuam separados da rua por altos muros e arames farpados. A disciplina
institucional, os dispositivos disciplinares de Foucault (2000c) ainda se encontram em
seu alto grau, caracterizando essas instituições como total austera. Maus tratos,
rebeliões, revoltas marcam a vida desses adolescentes considerados em “conflito com a
lei”, perpetuando o estigma de “menores infratores” da década de 20.
Neste capítulo, procuraremos apresentar como a sociedade brasileira produz e
reproduz, através de suas instituições de internação-aprisionamento e do aparato legal, o
processo de subjetivação do adolescente em conflito com a lei, transformando-o em
menor infrator-delinquente.
Apresentaremos a normativas legais desde o primeiro Código de Menor de 1927
e sua reedição em 1979, as tentativas de mudanças institucionais com o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069 1990) e, atualmente, com a Lei do SINASE –
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Lei12. 594 de 18/01/201215). Apesar
dos avanços legais, a rigor, o que domina é a ideia de “instituição total”, tal como define
Goffman (1999): nas unidades, permanece a lógica de aprisionamento e parte-se da
premissa de que a vigilância é a forma mais eficaz de controlar o desvio, objetivando a
disciplina, o controle e a reeducação do corpo adolescente.
A criação, primeiramente, do Serviço de Atendimento ao Menor - SAM e,
depois, da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - FUNABEM como instituições
prisionais para esses adolescentes, que se caracterizam, sobretudo, pelo isolamento,

15
Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), regulamenta a execução das
medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional; e altera as leis nºs 8.069,
de 13 de julho de 1990 (estatuto da criança e do adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998,
de 11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706,
de 14 de setembro de 1993, os decretos-leis nºs 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro
de 1946, e a consolidação das leis do trabalho (clt), aprovada pelo decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de
1943.
39

marca uma trajetória de mais de 50 anos de violência contra os chamados menores


infratores.
A implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente, na década de 1990,
depois de uma ampla discussão com a sociedade, não mudou muito esse cenário.
Rebeliões e maus tratos continuam aparecendo como marcas indeléveis das instituições
destinadas a socializar-educar esses atores sociais.
Na sociedade brasileira, as crianças e os adolescentes representam a parcela mais
exposta a violações de direitos, apesar de estarem definidos e defendidos na
Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Os maus tratos, a exploração do trabalho infantil, o abuso e a exploração sexual,
a fome, o extermínio, a tortura, as prisões arbitrárias, o desaparecimento e o tráfico de
crianças fazem parte do cotidiano brasileiro e mapeiam de forma contundente o cenário
nacional para essa parcela da população, que só encontra amparo em leis as quais não se
materializam na prática.
Um grupo cada vez mais expressivo da população tem se mobilizado para mudar
esse quadro; mas, em relação aos adolescentes em conflito com a lei, a situação é bem
diferente. Os seus direitos não mobilizam nem a opinião pública de maneira geral, nem
a parcela que tradicionalmente se preocupa com os direitos da infância e da
adolescência. Reconhecer no “infrator” um sujeito com direitos, ou seja, um cidadão
parece ser um exercício extremamente difícil.
O nosso olhar, portanto, focará esse grupo excluído das preocupações sociais e
humanas – os adolescentes em conflito com a lei – e, sobretudo, o discurso que sobre
eles constrói a mídia, os discursos autorizados e que reforçam frequentemente a sua
imagem como infratores delinquentes, perigosos e “não recuperáveis”, em suma, uma
ameaça à sociedade.
As instituições de atendimento a adolescentes em conflito com a lei, no Brasil,
sempre tiveram como característica o aprisionamento; em especial, as de atendimento
em regime de internação: SAM – Serviço de Assistência ao Menor, FUNABEM –
Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor, FEBEM – Fundação Estadual de Bem
Estar do Menor e, no caso do Rio de Janeiro, a partir de 1993, as instituições de
privação de liberdade do Departamento Geral de Ações Socioeducativas - DEGASE.
Bazílio (1985) faz uma análise dessas instituições comparando-as às
"instituições totais" definidas por Goffman (1999), cuja característica principal é o
fechamento, constituindo uma barreira real e simbólica às relações sociais com o mundo
40

externo. Assim, essas instituições totais proíbem explicitamente o contato físico dos
aprisionados com o exterior. Portas fechadas, paredes altas, arames farpados fazem
parte do aparato real criado para possibilitar o seu êxito.
No Brasil, essas instituições passaram por mudanças, impostas pelas leis
dirigidas à criança e ao adolescente e pelas pressões da sociedade diante do quadro de
descaso e negligência do Estado. Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei 8069/90) garante ao adolescente que cumpre medida socioeducativa de internação
(art. 122), entre outros, o direito à escolarização, à profissionalização, a ter acesso aos
meios de comunicação e a se corresponder. A Lei do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE), vinte dois anos após a promulgação do ECA, estabelece a
estrutura filosófica, física e humana das instituições de atendimento ao adolescente
infrator, porém está longe de se concretizar no cotidiano.
Para Bazílio (1985), se, por um lado, tais estabelecimentos possuem um
conjunto de normas e modelos oficiais aceitos e divulgados, que lhes conferem imagem
de eficiência e bom desempenho, por outro é o sistema oficioso, paralelo, de regras e
valores, que determina as práticas institucionais.
Os paradoxos existentes entre os discursos e as práticas desafiam-nos a cada
período da história das instituições responsáveis pelo acolhimento-assistência,
recolhimento-punição ou educação-sanção de crianças e adolescentes envolvidos em
atos ilícitos. Seriam as práticas institucionais de encarceramento o verdadeiro fim da
instituição escola-prisão? Então, por que os discursos se refazem a cada período
histórico, clamando por um atendimento dos princípios dos direitos humanos, no
sentido da construção de uma escola-socioeducativa, da presença pedagógica nos
processos de educação-sanção de adolescentes infratores na configuração de uma
escola-socioeducativa? Compreender esses paradoxos, através do desvelar da
história/memória das instituições, é um desafio desta primeira parte da tese.
No Estado do Rio de Janeiro, as unidades de atendimento são mantidas e
administradas pelo Departamento Geral de Ações Socioeducativas, DEGASE, órgão
vinculado à Secretaria de Estado de Educação.
Esse sistema tem sido objeto de sucessivos programas de investimentos para
melhoria progressiva de infraestrutura. Tais programas, com recursos do Ministério da
Justiça, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, do Governo do
Estado do Rio de Janeiro, do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do
Adolescente, da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, de alguns gestores
41

da instituição e sobremaneira de esforços dos operadores do sistema socioeducativo


estadual, resultaram em obras de recuperação e de construção de novas unidades de
acordo com recomendação do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do
Adolescente - CONANDA.
Nos últimos cinco anos, observamos uma nova estrutura técnico-administrativa e
um investimento em recursos humanos, porém o perfil institucional ainda oscila
pendularmente entre o paradigma repressor e o paradigma assistencialista16. A
perspectiva apontada nos documentos oficiais, nos projetos pontuais e na luta cotidiana
de profissionais para uma ação socioeducativa orientada pelas normativas nacionais,
que preveem a responsabilização e a socioeducação do adolescente infrator para o
convívio social nos preceitos de cidadania e a não reincidência em atos ilícitos, ainda
não se configura como política hegemônica no Novo DEGASE.
Todavia, entrevistas realizadas com os órgãos de controle do sistema
socioeducativo estadual e nacional indicam que o DEGASE, dentre os sistemas
estaduais, vem se destacando como referência positiva na implementação dos preceitos
legais.
Não pretendemos realizar uma análise institucional do sistema DEGASE ou
mesmo do sistema socioeducativo estadual e nacional na atualidade, mas desvelar as
práticas e os discursos em uma instituição de socioeducação de adolescentes infratores
que opera aprisionando, punindo e educando. Analisaremos esses discursos a partir de
documentos e falas dos diferentes intérpretes dessa realidade e de sua história
institucional, memória, paradoxos e perspectivas.
Entendemos que as relações de poder, disciplina, controle, resistência, entre
outros dispositivos que atravessam a instituição, também estão presentes na sociedade,
porém não se espera uma visão-representação geral de todo o sistema socieducativo
estadual.

16
O conceito de paradigma repressor-punitivo surge a partir da visão do “menor abandonado e
delinquente” e do “menor em situação irregular”, caracterizado no período do Código de Menores (1927e
atualizado em 1979). Segundo o paradigma assistencialista, o adolescente infrator é visto apenas como
vítima social. O paradigma assistencialista, institucionalizante e autoritário de atendimento a crianças e
adolescentes considerados, ainda, como pessoas em situação irregular surgiu durante a Ditadura Militar,
contrapondo-se aos princípios de segurança nacional no atendimento ao “menor infrator” – décadas de 80
e 90. Há uma negação da sanção imposta pela medida socioeducativa. Retornaremos a essa temática na
análise da legislação e das instituições: Serviço de Assistência ao Menor (SAM) e Fundação Nacional de
Assistência do Bem-Estar do Menor (FUNABEM).
42

As opções teóricas por Michel Foucault, Michel de Certeau, Felix Guatarri e


Gilles Deleuze, entre outros, já indicam que a análise cotidiana, microfísica e as
relações subjetivas institucionais devem ser analisadas circunscritas.
[…] com objetos bem demarcados. Por isso, embora às vezes suas afirmações
tenham uma ambição englobante, inclusive pelo tom muitas vezes
provocativo e polêmico que as caracteriza, é importante não perder de vista
que se trata de análises particularizadas, que não podem e não devem ser
aplicadas indistintamente sobre novos objetos, fazendo-lhes assim assumir
uma postura metodológica que lhes daria universalidade. (MACHADO,
2004,p. XXV).

Não podemos negar que as divergências na operacionalização das políticas para


crianças e adolescentes fazem parte da forma como o Estado brasileiro foi se
constituindo ao longo da história (FALEIROS, 1995). Porém, a perspectiva que
elencamos para nossa análise não se centraliza no poder do Estado sobre as instituições,
mas na maneira como os micropoderes, que são exercidos através das práticas sociais,
intervêm sobre os indivíduos, sejam as crianças, os adolescentes e operadores do
sistema, em sua realidade concreta – seus corpos, controlando e produzindo hábitos,
gestos, atitudes e comportamentos.
Assim, a instituição e seus operadores refletem e refratam o poder-saber que a
sociedade brasileira, ao longo de sua história, foi construindo, assim como os processos
de subjetivação/identificação dos adolescentes em conflito com a lei, reproduzindo em
seus discursos os termos “menor”, “menor infrator”, “adolescente em conflito com a
lei” e “adolescente infrator”. Os discursos que incidem e atravessam o sujeito nas
instituições disciplinares/socioeducativas e no corpo da sociedade constituem o próprio
sujeito em seu processo de subjetivação, criando sua identidade institucional e coletiva.
A nomeação desses sujeitos indica as práticas institucionais: os dispositivos
disciplinares, o controle e a docilização do corpo adolescente.
Para compreendermos tais discursos, necessitamos desvelar a história das
instituições socioeducativas no Brasil e, em especial, no Estado do Rio de Janeiro.

A construção social do menor infrator: aprisionando para “regenerar”


As histórias das instituições responsáveis pela privação de liberdade e pelo
aprisionamento de crianças e adolescentes com objetivo de recolher, reprimir e educar
se entrelaçam com a história da assistência, da educação e da segurança no Brasil.
Porém, essa história não se apresenta para todas as crianças. Ela é constituída a partir da
diferenciação dos bem nascidos que teriam a infância garantida e os demais que
43

estariam sujeitos aos aparatos jurídicos-assistenciais, destinados a educá-los ou corrigi-


los.
Assim, alguns eram considerados crianças e jovens, e os “outros” pobres, órfãos,
desvalidos, filhos de escravos recém-libertos seriam considerados os menores:
Em se tratando de legislação, é a criança-menor que protagoniza esta história
– aquela que necessita de assistência e sobre a qual a sociedade precisa
definir o campo das responsabilidades e das ações – a caridade, filantropia,
regulamentações de cunho social ou penal, assistência pública ou privada.
(RIZZINI & PILOTTI, 1995, p. 102)

É sobre esses “outros” que nos debruçaremos, os menores abandonados e


delinquentes.
Elegemos a história das instituições que foram criadas para (re)educar os
menores e delinquentes por compreendermos que, através de um discurso científico-
jurídico e pela determinação de privação de liberdade em internatos (casa de correção,
abrigos ou em prisões), foram estabelecidas a diferenciação, a exclusão e a
construção/produção de um processo de subjetivação social e criminal da infância e da
adolescência pobre no país.
Para esses, a história da construção da nação brasileira na passagem do Império
à República foi cruel. Se na colonização houve a aculturação imposta às crianças
indígenas pelos jesuítas, o período do Império foi caracterizado pela segregação e pela
discriminação racial na adoção dos “enjeitados”, o infanticídio disfarçado pela Roda dos
Expostos17. O início da República foi marcado pela exploração do trabalho de crianças
no mundo fabril (PEREZ & PASSONE, 2010). Nesse período, as instituições de
internação de crianças e adolescentes desvalidos e delinquentes objetivavam disciplinar
o “corpo-semente” da nação moderna e produtiva do Novo Brasil: ordem e progresso.
A criança e o adolescente pobre tornaram-se objetos de intervenção do Estado. O
conhecimento científico produzido, à época, por médicos e juristas foi fortemente
influenciado pelo pensamento científico europeu, tornando-se a base para a construção
da modernidade tardia no Brasil.

17
Roda dos Expostos: “de forma cilíndrica e com uma divisória no meio, esse dispositivo era fixado no
muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior da parte externa, o expositor colocava a criança que
enjeitava, girava a Roda e puxava um cordão com uma sineta para avisar à vigilante - ou Rodeira - que
um bebê acabara de ser abandonado, retirando-se furtivamente do local, sem ser reconhecido”
(MARCILIO, 2006. p 57). “A roda dos expostos foi uma das instituições brasileiras de mais longa vida,
sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa história. Criada na Colônia, perpassou e multiplicou-se
no período imperial, conseguiu manter-se durante a República e só foi extinta definitivamente na década
de 1950! Sendo o Brasil o último país a abolir a chaga da escravidão, foi ele igualmente o último a acabar
com o triste sistema da roda dos enjeitados”(FREITAS, 2004).
44

José Gondra (2004) realizou um estudo minucioso sobre o pensamento de


intelectuais médicos18 da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro durante o período do
final do Império, demonstrando a construção de um “saber científico” sobre a infância e
os processos de institucionalização da criança pobre, no século XIX.
Infelizes, enjeitados, filhos do abandono, da miséria, da prostituição, da
imoralidade, das sombras, da sedução, das fraquezas, do crime, do erro, da
censura e do desprezo da opinião pública. Estas e outras representações da
criança abandonada podem ser encontradas nesse conjunto de teses
apresentadas na FMRJ em meados do século XIX, fabricando uma crença
partilhada acerca das crianças expostas nos "hospícios", lugar em que
deveriam permanecer até que pudessem se manter por conta própria.
(GONDRA, 2004, p. 74)

A criança abandonada no Brasil no período do Império e seu processo de


institucionalização tornam-se objeto do interesse médico, e a roda dos expostos da Santa
Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro passa a funcionar como laboratório no qual
deveriam ser observados, comprovados ou mesmo adaptados os resultados das
pesquisas na área da higiene, na tentativa de melhorar as condições de atendimento e
baixar o índice de mortalidade que, segundo as estatísticas apresentadas, passava dos
80% (GONDRA, 2004).

Figura 01 – Quadro Mapa da Morte nas Casas dos Expostos

Fonte: GONDRA, 2004

O discurso médico-higienista, ao privilegiar a questão da mortalidade infantil,


pauta o debate relativo ao atendimento e à própria criança como sua causa mortis:

Poucas acomodações para o número de crianças recebidas, falta de vigilância


necessária, surtos epidêmicos de oftalmias, desinterias, tubérculos

18
GONDRA, José., Estudo das teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no livro: Artes de
civilizar: medicina, higiene e educação escolar na Corte Imperial. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004.
45

mesentéricos, sarampões e bexigas, contato entre os doentes, aleitamento


coletivo, desprezo às regras de asseio e falta de equipamentos necessários à
realização de algumas atividades clínicas.
Adiciona, como causa, a própria idade: por ser a criança mais frágil, mais
facilmente sucumbia às doenças e morria, além disso o próprio estado com
que as crianças eram lançadas na "roda" (vindas de muito longe, sofrendo
privações de toda a sorte, abalos consideráveis, expostas ao frio da noite ou
ao calor do dia, por vezes depois de demoradas horas nas portas das igrejas
ou nas escadas dos edifícios, ou então já quase a morrer) e, finalmente, a
qualidade das amas. (GONDRA, 2004, p.275)

Tudo isso, combinado, explicava o elevado índice de mortalidade infantil. Ao


traçar o mapa das causas, os médicos apresentam um guia da higiene (GONDRA, 2004)
para a manutenção da infância pobre e abandonada. Esse guia da higiene encontrava-se
em profunda sintonia com os preceitos da fé cristã.
Havendo uma “harmonia” entre a fé e os conhecimentos científicos sobre a
infância, o saber médico-higienista proposto na época era defendido pela fé cristã, pois
essas instituições tinham sua origem e manutenção junto às igrejas e instituições
filantrópicas da corte, pouco discutindo as causas da pobreza, mas os procedimentos a
serem adotados para cuidar dos deserdados, dos infelizes, dos enjeitados. Nesse sentido,
trata-se de uma representação em torno da pobreza que estranha aquilo que identifica
como práticas da barbárie (o abandono e a morte dos enjeitados), naturalizando,
contudo, a própria pobreza.
Uma flexão, observável nesse momento, articula os argumentos médico-
religiosos ao econômico. Com esse deslocamento, o cuidado com a infância passa a ser
representado como investimento, tendo em vista gerar/produzir sujeitos que pudessem
ser integrados produtivamente ao mundo do trabalho. Nesse movimento, a proteção à
infância encontrava outro motor (GONDRA, 2000).
É essa construção da infância pobre-desvalida que necessita de cuidados e
amparos fundamentados na higiene do corpo e do espaço e na forma de cuidar-ensinar-
disciplinar, que propõem as novas estruturas das instituições disciplinares em formato
de internatos: as escolas, os asilos e os cárceres.
A infância desvalida e abandonada que sobrevivesse, quando não encaminhada
para o trabalho oficio para tornar-se produtiva, passava a representar uma ameaça à
sociedade-nação em ascensão, uma sociedade bem-nascida e modernizada.
A ocupação da cidade do Rio de Janeiro, até a passagem do século, constituiu-se
em um campo de reformas urbanas e da atuação dos poderes públicos no sentido de
viabilizar o ordenamento do espaço urbano. Paradigmas de “civilização” e “progresso”,
46

veiculados a partir dos referenciais europeus e norte-americanos, orientavam os setores


das classes dirigentes imperiais que buscavam construir um Estado moderno, distante
do “atraso”, então representado pela suposta desordem das ruas e becos sujos, escuros e
estreitos das cidades coloniais (SCHUELER, 1999).
Programas de intervenção nas habitações populares, políticas de higiene,
saneamento e saúde pública foram medidas implementadas nos centros urbanos. A
população de criança e adolescentes abandonados, vadios, “moleques”, “mendigos” se
acumulava nos becos e no centro da cidade do Rio de Janeiro, denegrindo a imagem de
progresso e modernização do Brasil.
Era preciso diferenciar os desvalidos, os abandonados dos vadios, criminosos e
prostituídos e intervir, higienizar, limpar a cidade. Essa população infantojuvenil foi
alvo das políticas públicas, policiais e jurídicas, no decorrer do século XIX.
Critérios para classificação e intervenção foram estabelecidos para a internação
de crianças e adolescentes pobres: níveis de idade, os “livres e vacinados”, os “vadios
em estado de pobreza e negligência”, os “escravos e mestiços abandonados”, as
meninas órfãs e desvalidas, os “criminosos e vadios”.19
A compreensão sobre o discurso científico (da educação, da medicina e o
jurídico) a respeito da criança e do adolescente pobre pressupõe a organização da
disciplina a ser instaurada a partir do domínio do objeto “menor”, construindo e
organizando um conjunto de métodos, um itálico de proposições consideradas verdades,
um jogo de regras e de definições, de técnicas e instrumentos (FOUCAULT, 1999), pois
era preciso responder às condições com eficácia histórica.
O campo da educação e instrução da criança e do adolescente pobre englobava
um leque de problemas enfrentados pela sociedade naquele tempo. Preocupações com o
fim do regime de trabalho escravo, com o controle social, com as “desordens” e a
criminalidade, com a construção do povo e a formação de cidadãos disciplinados e úteis
à pátria eram enfatizadas. A própria reconstrução da nação brasileira encontrava-se em
questão (SCHUELER, 1999).

19
A bibliografia específica sobre a emergência dos discursos e ações jurídicas preocupados com os
problemas da infância, desde o final do século XIX, já é expressiva. No que se refere aos processos de
diferenciação e embates entre os conceitos criança e menor, ver, entre outros: LONDOÑO, Fernando
Torres. "A origem do conceito menor" e PASSETTI, Edson. "O menor no Brasil Republicano", ambos
em DEL PRIORE, Mary (org.). História das Crianças no Brasil. São Paulo, Ed. Contexto, 2004;
RIZZINI, Irene. O século perdido. Raízes históricas das políticas para a infância no Brasil. Rio de
Janeiro, Ed. Amais Universidade Santa Úrsula, 1997.
47

No campo jurídico, no fim do século XIX, registra-se uma nova categoria de


criança pobre e abandonada:
Crianças e adolescentes pobres das cidades, que por não estarem sob a
autoridade dos seus pais e tutores são chamadas pelos juristas de
abandonadas. Eram, pois, menores abandonados às crianças que povoavam as
ruas do centro das cidades, os mercados, as praças e que por incorrer em
delitos frequentavam o xadrez e a cadeia, neste caso passando a serem
chamadas de menores criminosos. (LONDONO, 2004, p. 135, grifo nosso)

No Brasil Império, em 1830, foi criado o Código Criminal do Império20,


distinguindo as penas a serem determinas pelos juízes a partir do critério legal
(subjetivo) de “discernimento” na ação criminosa. Já na República, tal critério foi
incorporado ao primeiro Código Penal de 1890.
O Código Criminal do Império de 1830 isentou os menores de 14 anos da
imputabilidade pelos atos praticados. Os infratores de idade inferior a 14 anos que
apresentassem discernimento do ato cometido eram recolhidos às chamadas Casas de
Correção, até que completassem 17 anos de idade. Porém, se o juiz não aplicasse o
critério “discernimento” para avaliar e determinar a pena na ação criminosa de crianças
(menores de 14 anos) ou adolescentes (maiores de 14 anos – à época), os mesmos
poderiam ser condenados à prisão perpétua, o que se dava efetivamente no período do
Império (TAVARES, 2004).
Segundo Araújo (2009), na Casa de Correção do Estado do Rio de Janeiro,
apesar de ser inaugurada em 1830, somente em 1860 houve separação dos menores dos
demais prisioneiros, quando da inauguração de prédio anexo:
(...) uma “escola para meninos desvalidos”, onde se ensinavam as “primeiras
letras e ofícios mecânicos”. Tratava-se do embrião do Instituto dos Menores
Artesãos da Casa de Correção criado em 1861 (...) De acordo com o ministro
da Justiça, a princípio eram encaminhados para aquela escola os meninos
presos pela Polícia nas ruas da Corte em “completa vadiação” sem que os
pais ou responsáveis pudessem “corrigi-los”. A medida visava à diminuição
do “número de indivíduos em que o crime devia recrutar bons soldados”.
Com o tempo, pais e mães passaram a procurar a Casa de Correção para
conseguir um “asilo gratuito para os filhos que lhes serviam de verdadeiro
peso”. E assim se concluía o processo de concentração do sistema carcerário
no Rio de Janeiro (...). Existiam na penitenciária em 1º de janeiro de 1861,
109 sentenciados e 423 menores artesãos. (ARAUJO, 2009, pp.312-315).

20
“Se se provar que os menores de quatorze anos, que tiverem cometido crimes obraram com
discernimento, deverão ser recolhidos às casas de correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto
que o recolhimento não exceda à idade de dezessete anos.” CLB. Lei de 16 de dezembro de 1830.
Código Criminal do Império do Brasil. Fls. 144.
48

O primeiro Código Penal da República21, de 11 de outubro de 1890, quando


tratou da responsabilidade criminal, dispôs em seus artigos 27 e 30 que os menores de 9
anos não seriam criminosos, como também os maiores de 9 e menores de 14 que
tivessem agido sem discernimento. Se os de idade entre 9 e 14 anos tivessem praticado
os atos criminosos com discernimento, eram recolhidos a estabelecimentos disciplinares
industriais, pelo tempo que o juiz julgasse conveniente, desde que não excedesse os 17
anos de idade.
O critério do discernimento sempre foi um verdadeiro enigma para os
aplicadores da lei:
[…] a verificação da aptidão para distinguir o bem do mal, o reconhecimento
de possuir a menor relativa lucidez para orientar-se segundo as alternativas
do lícito e do ilícito era das mais difíceis para o juiz, que quase
invariavelmente decidia em favor do menor, proclamando-lhe a ausência de
discernimento (TAVARES, 2004, p 26.).

A ausência do discernimento não implicava a libertação dos menores, e sim o


tipo de instituição-punição a ser determinada pelo juiz.
Conforme a legislação de 189322, o governo brasileiro cria as colônias
correcionais para a “correção pelo trabalho” dos “vadios, vagabundos e capoeiras”. Por
meio do Decreto nº 145 de 1893, são compreendidos nessa classe:
Art.1º Os individuos de qualquer sexo e qualquer idade que, não estando
sujeitos ao poder paterno ou sob a direcção de tutores ou curadores, sem
meios de subsistencia, por fortuna propria, ou profissão, arte, officio,
occupação legal e honesta em que ganhem a vida, vagarem pela cidade na
ociosidade.

Apesar de o Código Penal (1890) apresentar diferenças a respeito dos adultos


criminosos e crianças e adolescentes “não criminosos”, a perspectiva punitiva,
repressora e de aprisionamento estava presente em todas as ações da polícia, do juizado
e da assistência para essa população infantojuvenil classificada de acordo com a sua
origem familiar, portanto sua herança social e genética.

21
DECRETO N. 847 – DE 11 DE OUTUBRO DE 1890 Promulga o Código Penal. Art. 27. Não são
criminosos:§ 1º Os menores de 9 annos completos;§ 2º Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem
sem discernimento; (...) Art. 30. Os maiores de 9 annos e menores de 14, que tiverem obrado com
discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriaes, pelo tempo que ao juiz
parecer, comtanto que o recolhimento não exceda a idade de 17 annos.
22
DECRETO N. 145 DE 11 DE JULHO DE 1893. Autorisa o Governo a fundar uma colonia correccional
no proprio nacional Fazenda da Boa Vista, existente na Parahyba do Sul, ou onde melhor lhe parecer, e dá
outras providencias.
49

Nos fins do século XIX, outra ordem de motivos veio a influir na matéria –
motivos de natureza criminológica e de política criminal, segundo os novos
conhecimentos sobre a gênese da criminalidade e a ideia da defesa social, que impunha
deter os menores na carreira do crime. Daí nasceu o “impulso” que iria transformar
radicalmente a maneira de considerar e tratar a criminalidade infantil e juvenil,
conduzindo-a a um ponto de vista educativo e reformador.
Segundo Foucault (2000c), a natureza do crime, ao longo dos séculos, foi se
modificando, deixando de ser objeto da punição apenas os atos considerados como
crimes, sua definição como infração, sua hierarquia de gravidade, deslocando-se para a
origem do comportamento criminoso:
Sob o nome de crimes e delitos, são julgados corretamente os objetos
jurídicos definidos pelo código. Porem julgam-se também as paixões, os
instintos, as anômalas, as enfermidades, as inadaptações, os efeitos de meio
ambiente ou de hereditariedade. (p. 19)

Assim, as crianças e os jovens envolvidos em delitos passam a ser julgados


mediante as circunstâncias que os levaram e impulsionaram ao ato, não apenas segundo
os elementos circunstanciais do ato.
Com o tempo, o Código de 1890 sofreu uma série de modificações, tanto
alterando a classificação dos delitos e intensidade das penas como trazendo, em 1921,
uma inovação importante, eliminando o critério de discernimento, passando a considerar
o menor de 14 anos irresponsável em termos penais (GOVEIA, 2013).
Somente na década de 20, surge um grupo de leis destinado exclusivamente a
“proteger” a criança e o adolescente (menores): “Leis de Assistência e Proteção a
Menores”.
Para Rizzini (PILOTTI, 1995, p. 246), nos primeiros anos da República, a
assistência aos menores assume a concepção de recolher e educar, destinada a “prevenir
as desordens e recuperar os desviantes”. Esse período seguia a tradição das práticas
caritativas, porém com uma preocupação científica, constituindo-se a partir da criação
de instituições do tipo internato, predominando a pauta repressiva, para a qual a
orfandade e a pobreza justificavam a apreensão do menor.
Em 1923, foi criado no Rio de Janeiro o primeiro Juizado de Menores do Brasil
e da América Latina. O promotor, advogado e professor José Cândido de Albuquerque
Mello Mattos foi o primeiro juiz de menores. Quatro anos depois, em 12 de outubro de
1927, foi sancionado, pelo decreto nº 17.943, o Código de Menores do Brasil,
conhecido também como Código Mello Mattos.
50

O Código não era dirigido a todas as crianças e adolescentes, mas apenas


àquelas consideradas em “situação irregular”, como dispunha o artigo 1º:
O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos
de 18 anos de idade, será submettido pela autoridade competente às medidas
de assistência e proteção contidas neste Código.

A infância tornou-se objeto dos juristas, sendo que nesse período o termo
“menor” foi incorporado ao vocabulário corrente (BULCÃO, 2002; RIZZINI &
PILOTTI, 1995). Para Rizzini e Pilotti (1995), não houve nenhum tipo de
problematização no que se refere à categoria “menor”, a qual incluía as seguintes
classificações: abandonado, delinquente e viciado.
O aparato legal da República diferencia a criança desassistida dos menores
pobres, abandonados, vadios, libertinos e menores delinquentes. O Juiz de Menores23
passa a ter amplos poderes para decidir pelo destino das crianças e adolescentes em
situação de abandono e delinquência, como veremos a seguir, no texto da lei:
DAS CREANÇAS DA PRIMEIRA IDADE

Art. 2º Toda creança de menos de dous annos do idade entregue a criar, ou


em ablactação ou guarda, fóra da casa dos paes ou responsaveis, mediante
salario, torna-se por esse facto objecto da vigilancia da autoridade publica,
com o fim de lhe proteger a vida e a saude.

DOS INFANTES EXPOSTOS


Art. 14. São considerados expostos os infantes até sete annos de idade,
encontrados em estado de abandono, onde quer que seja.

A infância é vista como objeto de intervenção do Estado para garantir a “vida e


saúde” da nação na passagem do Império para a República. A condição das crianças
abandonadas pertencia à proposta da institucionalização, ou seja, de uma condição
reservada a um modelo de inclusão que lhes garantisse regularidade social,
enquadramento familiar e normalização educativa. A análise de tal situação desses
“enjeitados” nos remete aos pestilentos narrados por Foucault em “Os anormais”,
especialmente em se tratando de um modelo que revela uma nova tecnologia de defesa
social que se articula no interior da própria sociedade. É “um modelo de inclusão”, mais
do que de exclusão (FOUCAULT, 2001, p. 55). No caso da prática ou “modelo da
peste”, segundo Foucault, “[...] não se trata de expulsar, trata-se, ao contrário, de
estabelecer, de fixar, de atribuir um lugar, de definir presenças, e presenças controladas.
Não rejeição, mas inclusão” (FOUCAULT, 2001, p. 57).

23
Art. 146. E' creado no Districto Federal um Juizo de Menores, para assistencia, protecção, defesa,
processo e julgamento dos menores abandonados e delinquentes, que tenham menos de 18 annos ( Código
de Menores -1927).
51

Esse modelo da peste, a qual comparamos à Roda dos Expostos, antecipa os


saberes positivos acerca da inclusão institucional como a priori da tecnologia
disciplinar que vai sendo construído, para o modelo de inclusão e internação-
aprisionamento das crianças e jovens da República. Não é um saber que se antecipa a
uma prática, mas um saber formado a partir de um dispositivo que liga o poder e o
saber, cujos efeitos se multiplicam e se nutrem incessantemente na prática disciplinar.
O Código de Menores permitiu, com a progressiva entrada do Estado nesse
campo, o início da formulação de modelos de atendimento, sem que isso significasse a
diminuição da pobreza ou de seus efeitos.
A criança pressupõe proteção e cuidado da família burguesa higienizada, aquela
que não estaria sob a tutela do Estado como “o pai protetor e disciplinador” nos
princípios da saúde e da moral, garantindo um corpo são e uma moral-inteligência
saudável ao futuro da nação. A internação exclusão-inclusão possibilita a construção de
um saber/poder sobre os desvios, sobre as crianças “anormais” – abandonadas e
delinquentes.
A referida lei caracteriza a infância de zero a dois anos a partir do tipo de
proteção, atendimento necessário para a sua sobrevivência: “entregue a criar, ou em
ablactação ou guarda, fora da casa dos pais ou responsáveis”. Assim, as “casas dos
expostos”, as amas e aqueles que recebiam da Corte ou de Instituições Religiosas para
cuidar dos abandonados indicavam os recém-nascidos ilegítimos e abandonados na
Roda dos Expostos.
Os artigos 26, 28, 29 e 30 do Código de Menores (1927) diferenciam a infância
dos menores:
DOS MENORES ABANDONADOS
Art. 26. Consideram-se abandonados os menores de 18 annos:
I. que não tenham habitação certa, nem meios de subsistencia, por serem seus
paes fallecidos, desapparecidos ou desconhecidos ou por não terem tutor ou
pessoa sob cuja guarda vivam;
II. que se encontrem eventualmente sem habitação certa, nem meios de
subsistencia, devido a indigencia, enfermidade, ausencia ou prisão dos paes.
tutor ou pessoa encarregada de sua guarda;
III que tenham pae, mãe ou tutor ou encarregado de sua guarda
reconhecidamente impossibilitado ou incapaz de cumprir os seus deveres
para com o filho ou pupillo ou protegido;
IV que vivam em companhia de pae, mãe, tutor ou pessoa que se entregue a
pratica de actos contrarios á moral e aos bons costumes;
V que se encontrem em estado habitual de vadiagem, mendicidade ou
libertinagem;
VI que frequentem logares de jogo ou de moralidade duvidosa, ou andem na
companhia de gente viciosa ou de má vida;
VII que, devido à crueldade, abuso de autoridade, negligencia ou exploração
dos paes, tutor ou encarregado de sua guarda, sejam:
52

a) victimas de máos tratos physicos habituaes ou castigos immoderados;


b) privados habitualmente dos alimentos ou dos cuidados indispensáveis à
saúde;
c) empregados em occupações prohibidas ou manifestamente contrarias á
moral e aos bons costumes, ou que lhes ponham em risco a vida ou a saude;
d) excitados habitualmente para a gatunice, mendicidade ou libertinagem;
VIII que tenham pae, mãe ou tutor, ou pessoa encarregada de sua guarda,
condenado por sentença irrecorrivel;

Art. 28. São vadios os menores que: (grifo nosso)


a) vivem em casa dos paes ou tutor ou guarda, porém, se mostram
refractarios a receber instruccão ou entregar-se a trabalho sério e util,
vagando habitualmente pelas ruas e Iogradouros publicos;
b) tendo deixado sem causa legitima o domicilio do pae, mãe ou tutor ou
guarda, ou os lugares onde se achavam collocados por aquelle a cuja
autoridade estavam submetidos ou confiados, ou não tendo domicilio nem
alguem por si, são encontrados habitualmente a vagar pelas ruas ou
logradouros publicos, sem que tenham meio de vida regular, ou tirando seus
recursos de occupação immoral ou prohibida.

Art. 29. São mendigos os menores que habitualmente pedem esmola para si
ou para outrem, ainda que este seja seu pae ou sua mãe, ou pedem donativo
sob pretexto de venda ou offerecimento de objectos.

Art. 30. São libertinos os menores que habitualmente: (grifo nosso)


a) na via publica perseguem ou convidam companheiros ou transeuntes para
a pratica de actos obscenos;
b) se entregam á prostituição em seu proprio domicilio, ou vivem em casa de
prostituta, ou frequentam casa de tolerancia, para praticar actos obscenos;
c) forem encontrados em qualquer casa, ou logar não destinado á
prostituição, praticando actos obscenos com outrem;
d) vivem da prostituição de outrem.

O Código de Menores, apesar de ter sido criado com um discurso protecionista,


na prática mantinha o recolhimento-exclusão e, no desdobramento, erigia a construção
de um saber sobre crianças e adolescentes considerados potencialmente criminosos
devido à sua origem social e cultural.
A pobreza, o desemprego, a má distribuição de renda ampliavam, no início da
República, o quadro de desamparo da população. Em uma sociedade recém-saída da
escravidão, aumentava nas ruas das principais cidades – com destaque para a sua
capital, o Rio de Janeiro, então a mais populosa cidade brasileira – o número de
despossuídos. Leis se multiplicavam para produzir a limpeza ética da cidade, que
incluía o sequestro e a expulsão, pela internação, dos pobres e dos miseráveis, crianças
ou jovens.
O primeiro Código de Menores tinha, pois, a característica de possibilitar o
aprisionamento de todos os que pudessem vir a engrossar a parcela populacional urbana
dos chamados indigentes, no caso específico da lei, os menores delinquentes.
53

O saber científico-jurídico que sustentava a doutrina de situação irregular


(COSTA, 1998), nesse primeiro Código de Menores, regulava a situação dos chamados
menores em situação irregular, isto é, os abandonados, aqueles que não tinham pais.
Além disso, estavam também sob o foco dessa lei os moralmente abandonados – se
carentes, sou seja, aqueles cujas famílias não tinham condições financeiras e/ou morais
– e os delinquentes, infratores/inadaptados – aqueles que praticavam contravenções e
atos criminosos –, todos eles agrupados na categoria de menores delinquentes:

DOS MENORES DELINQUENTES


Art. 68. O menor de 14 annos, indigitado autor ou cumplice de facto
qualificado crime ou contravenção, não será submettido a processo penal
de, especie alguma; a autoridade competente tomará sómente as informações
precisas, registrando-as, sobre o facto punivel e seus agentes, o estado
physico, mental e moral do menor, e a situação social, moral e economica
dos paes ou tutor ou pessoa em cujo guarda viva.
§ 1º Si o menor soffrer de qualquer forma de alienação ou deficiencia
mental. Fôr apileptico, surdo-mudo, cego, ou por seu estado de saude
precisar de cuidados especiaes, a autoridade ordenará seja elle submettido no
tratamento apropriado.
§ 2º Si o menor fôr abandonado, pervertido ou estiver em perigo de o ser,
a autoridade competente proverá a sua collocação em asylo casa de educação,
escola de preservação ou confiará a pessoa idonea por todo o tempo
necessario á sua educação comtando que não ultrapasse a idade de 21 annos.
§ 3º Si o menor não for abandonado, nem pervertido, nem estiver em perigo
do o ser, nem precisar de tratamento especial, a autoridade o deixará com os
paes ou tutor ou pessoa sob cuja guarda viva, podendo faze-lo mediante
condições que julgar uteis.
§ 4º São responsaveis, pela reparação civil do damno causado pelo menor, os
paes ou a pessoa a quem incumba legalmente a sua vigilancia, salvo si
provarem que não houve da sua parte culpa ou negligencia. (grifo nosso)

O Código de Menores estabelece o perfil psicossocial para avaliação do menor


delinquente: a) Critério idade – maior de 14 anos e menor de 18 anos; b) Critério saúde
– estado psíquico, mental (alienação, deficiente mental, epilético), saúde física (surdo-
mudo, cego) e moral (pervertido, abandonado moralmente); e c) Critério social –
situação social, moral e econômica dos pais ou responsável legal, destacando o
abandono, a negligência moral e financeira (cuidado e vigilância). Além disso,
estabelece as providências: a) para os menores: cuidados especiais, tratamento
apropriado, colocação em asilos, casa de educação, escola de preservação ou aos
cuidados de outrem até os 21 anos; e b) para a família: I) perda do pátrio poder; II)
avaliação e comprovação de condições econômicas e morais (condições úteis) para
manter o adolescente; e III) comprovação da não negligência ou reparação civil de
danos.
54

O aparato jurídico do Código de Menores faz parte, portanto, da lógica


disciplinar da sociedade brasileira na construção dos modelos de República, no qual a
normatização, sobretudo dos excluídos, era uma espécie de palavra de ordem. Era
necessário, dentro desse quadro de construção de uma ordem burguesa e capitalista,
proteger o restante da sociedade daqueles que eram classificados como criminosos:
menores delinquentes e suas famílias negligentes.
Foucault (2000c, 2004, 2010) demonstrou que as relações de poder/saber,
consideradas como práticas, realizam, simultaneamente, tanto a produção de
conhecimentos específicos sobre o homem, no caso específico sobre a criança e os
jovens abandonados e delinquentes, quanto uma produção técnica deles no interior de
um determinado conjunto de instituições: Estado, família, prisões, escola. É nessa
articulação entre saber e poder, na interseção dessas duas práticas sociais, que se produz
o sujeito “menor”, pois quando se objetivam certos aspectos da criança e do jovem
pobre em um determinado período histórico é que há possibilidade de se organizar uma
manipulação técnica através dos dispositivos disciplinares, na institucionalização e
subjetivação dos “menores delinquentes”. E o contrário também se verifica, pois é
necessário que haja um conjunto de práticas institucionalizadas para a manipulação dos
indivíduos, produzindo e atravessando a instituição, como condição para a sua
objetivação científica.
Assim, no início da República, a população infantojuvenil empobrecida passa a
ser vista como “vítima-delinquente” do pouco ou dos maus cuidados da família, que não
consegue mantê-la, devendo ser “protegida-higienizada” para o bem da Nação.
A introdução das ideias higienistas no panorama nacional por médicos e juristas
era uma tentativa de constituir a saúde (e a educação) como problema nacional,
funcionando como espécie de exorcismo da angústia alimentada por doutrinas
deterministas que, postulando efeitos nocivos da miscigenação racial e do clima,
tornavam infundadas as esperanças de progresso para o Brasil, país de mestiços sob os
trópicos.
Para os novos intérpretes do Brasil, que entram em cena nos anos de 1920 e
1930, as teorias racistas, que, desde o século anterior, constituíam a linguagem pela qual
era formulada a questão nacional, são assim relativizadas por uma nova crença: a de que
saúde e educação eram fatores capazes de operar a “regeneração” da população
brasileira (CARVALHO, 1997).
55

O quadro político e social estava formado. Os dispositivos disciplinares de


ordem e progresso eram exaltados na tentativa de preservar a Nação ainda em processo
de consolidação, contrapondo-se ao determinismo e respaldando-se em novas teorias
científicas que afirmavam o comportamento como resultado do somatório de
características herdadas geneticamente e de hábitos apreendidos no meio social. Era
preciso regenerar as populações brasileiras, por meio da higiene e da educação.
A educação integral – assentada no tripé saúde, moral e trabalho – era uma das
respostas dos setores da intelectualidade brasileira (CARVALHO, 1997) à redefinição
dos mecanismos de disciplina e controle permeando toda a sociedade. Intensificam e se
multiplicam as instituições de internação, já que se acreditava só ser possível a
“regeneração” das crianças e dos adolescentes por meio da educação integral fora de um
ambiente desfavorável, isto é, longe da família. Essas instituições tinham, pois, como
objetivo assegurar a “proteção” para os carentes e abandonados e a vigilância para os
inadaptados e infratores, assim como a cura do delinquente.
O capítulo VII do Código de Menores destaca as providências:
Art. 69 – O menor indigitado autor ou cúmplice do facto qualificado como
crime ou contravenção, que contar mais de 14 annos e menos de 18, será
submettido a processo especial, tomando, ao mesmo tempo, a autoridade
competente as precisas informações, a respeito do estado phisico, mental e
moral delle, e da situação social, moral e econômica dos paes, tutor ou pessoa
incumbida de sua guarda. (MACEDO, 2008, p.21)

Inicialmente, desejava-se que o Estado fornecesse apoio financeiro e que os


internatos fossem fundados pela sociedade civil, oferecendo atendimento dentro das
normas e dos preceitos da ciência (COUTO E MELO, 1998). Tais estabelecimentos
representavam a ênfase estatal ao estudo científico, tendo como objeto a população
infantojuvenil.
Na época, foi criado o Laboratório de Biologia Infantil, no Instituto de
Identificação do Rio de Janeiro, destinado a estudar, sob o ponto de vista médico e
antropológico, os menores abandonados e delinquentes, especialmente para apurar as
causas físicas e mentais da criminalidade infantil. Esses estudos acabaram por alimentar
a ideia de que as famílias eram as únicas responsáveis pelo aumento da criminalidade e
pelo abandono infantil.
Sobre o Laboratório de Biologia Infantil (LBI), Silva (2011) destaca:
A história do Laboratório de Biologia Infantil (LBI), criado em julho de 1935
no Brasil, representa um bom exemplo institucional de convivência das
políticas ambíguas ou dualistas destinadas a cuidar das crianças classificadas
como abandonadas e delinquentes. No intuito de promover o controle da
56

delinquência infantil, podemos observar, no funcionamento do LBI, como as


formas assistenciais se misturavam com ações repressoras.

O Estado brasileiro, na segunda década do século XX, começou a incentivar a


edificação de instituições específicas ou especializadas, no atendimento aos menores
delinquentes: asilos, casas de educação – escolas correcionais e escolas de preservação
mantidas pelos poderes ministeriais.
Para Bazílio, tais estruturas intervencionistas retratavam um conjunto de fatores
das políticas internacionais, como a primeira Guerra Mundial, quando o chamado
esforço de guerra determinou uma crescente intervenção do Estado no comando da
produção bélica; a Grande Depressão de 29, pulverizando as teorias e as práticas
liberais; a propagação dos ideários nazista e fascista, enquanto alternativas viáveis para
a construção de sociedades sobre novas relações sociais distantes das propugnadas pelo
liberalismo (BAZÍLIO, 2006).

As primeiras instituições especializadas no menor abandonado e


delinquente: o anormal
O Instituto Sete de Setembro24, conforme o art. 1º do Decreto 21.518 de 13 de
junho de 1932, era “destinado a recolher em depósito, por ordem do Juiz de Menores,
até que tenham conveniente destino, autorizado pelo mesmo Juiz, os menores
abandonados nos termos da lei”. A lei, a que se refere esse artigo, era o Código de
Menores de 1927, definindo em seu artigo 189 que “subordinado ao Juiz de Menores,
haverá um Abrigo, destinado a receber provisoriamente, até que tenham destino
definido, os menores abandonados e delinquentes”.
Aquele Instituto, anteriormente Abrigo de Menores do Distrito Federal, recebeu
esse nome, através do Decreto 18.923 de 30 de setembro de 1929, visto que, conforme a
prática tem demonstrado, a denominação dada ao estabelecimento, de que trata o artigo
62 do regulamento anexo ao Decreto n. 16.272, de 20 de dezembro de 1923, não
corresponde aos serviços prestados pelo mesmo aos menores ali internados, não
contribuindo para estimular a formação cívica desses; nesse sentido, resolveu-se dar ao
referido estabelecimento a denominação de “Instituto Sete de Setembro” – Abrigo de
Menores (FERNANDES, 1998, p.73).

24
A denominação dada pode representar um elemento de retórica patriótica impingida pelo movimento de
reconciliação da República com o Império. Cf, Schwarcz, 1998
57

Causa certa estranheza que se possa pensar que a mudança de nomeação, sem
que se alterem os fins da instituição, por si só possa trazer melhoria na qualidade do
atendimento oferecido, embora possa representar uma tentativa de demarcar novos
tempos.
Contradizendo o Código de Menores e a própria finalidade da instituição,
estabelecida em seu regulamento, o Abrigo nada tinha de provisório, visto que os
menores abandonados poderiam ficar internados permanentemente no instituto (art.5º).
Cabe aqui destacar que, conforme previa o regulamento, o menor que entrava no
Instituto era alojado primeiramente “num pavilhão de observação, em aposentos de
isolamento”, sendo que, segundo o art. 8º, durante oito dias prorrogáveis até quinze, o
menor ficaria separado de toda a comunidade, sendo assiduamente visitado e
interrogado pelo Juiz de Menores, diretor, médico e professor primário, a fim de se lhe
conhecer, quanto possível, o caráter e as inclinações, o grau de instrução e aptidões e o
mais que convier.
§1º Em caso especial, mediante expressa autorização do Juiz de Menores, em
vista de representação escrita e fundamentada do diretor, o isolamento poderá
exceder de 15 dias.
§ 2º Não será permitido ao internado, durante o tempo da observação, receber
visitas exceto em caso de doença grave, quanto aos pais, tutor ou pessoa em
cuja companhia ou sob cuja guarda viva.
§ 3. Os resultados finais dos exames do médico e do professor serão
reduzidos a um boletim médico-pedagógico, dentro de 48 horas, para ser
remetido ao Juízo de Menores. (...)
Art. 10 Depois de serem convenientemente observados, os menores serão
classificados pelo médico (Decreto 21.518, de 13/06/1932).

Segundo Foucault, os espaços de reclusão foram organizados de forma a


permitir o controle e a vigilância do indivíduo. Para isso, foi preciso que elaborassem
um sistema de classificação dos desvios, de modo que se pudesse observá-los e
caracterizá-los, permitindo que todos fossem inscritos em um registro. Os registros, as
observações são “instrumentos efetivos de formação e acúmulo de saber” (2000 c,
p.46).
A partir de então, o que importa é a distribuição do indivíduo em espaços onde
se possa isolá-lo e ao mesmo tempo hierarquizá-lo. É a junção quase perfeita entre as
práticas jurídicas e médicas, integrantes do projeto normalizador da sociedade. Nessas
instituições de reclusão, em sua origem disciplinares, é que essas práticas exercitam o
saber, lugar da ação social e da produção científica sobre o menor. Isolar para conhecer,
conhecer para intervir (FOUCAULT, 2000c).
58

Essas práticas de observação, registro e documentação constroem e identificam


socialmente o menor delinquente. A instituição produz o menor delinquente:
A observação do delinquente deve remontar não só às circunstâncias, mas às
causas de seu crime; procurá-las na história de sua vida, sob o triplo ponto de
vista da organização, da posição social e da educação, para conhecer e
constatar as inclinações perigosas da primeira, as predisposições nocivas da
segunda e os maus antecedentes da terceira (FOUCAULT, 2000 c, p. 210)

O entrelaçamento entre as instituições jurídico-correcionais e o saber médico se


apresenta, na época, pela interdependência do Laboratório de Biologia Infantil, já
previsto no art. 131 do Código de Menores de 1927 como um serviço auxiliar do
Juizado de Menores para “estudo e assistência aos menores anormais e delinquentes do
Distrito Federal”.
[...] sob o comando de Leonídio Ribeiro. Segundo ele, o Laboratório visava a
facilitar a compreensão das reações anti-sociais e escolher, de modo
científico e seguro, os métodos educativos que melhor convêm a cada caso
concreto,impedindo que se continuasse, empírica e desumanamente, a
agrupar, somente pelas idades e delitos cometidos, sem o menor critério
pedagógico e terapêutico, adolescentes e crianças de, condições físicas,
mentais e morais diversas e contraditórias (RIBEIRO, 1943, p. 15 apud
BAZÍLIO e MULLER, 2006)

A medicina se fortalecia enquanto campo de saber teórico e científico. Por isso,


era preciso que essa estabelecesse claros princípios científicos que viessem a comprovar
a teoria da delinquência vista como doença moral e física.
Assim, a triagem do Laboratório visava individualizar a criança e a classificação
e uniformizar os grupos, permitindo, dessa forma, um controle eficaz. E a medicina, ao
estudar o problema da criança abandonada e delinquente, tinha como pretensão poder
dominá-la e, ao mesmo tempo, produzir um saber sobre ela. Por isso, o sistema de
classificação foi se refinando cada vez mais, tanto no interior quanto no exterior das
instituições, exigindo que dispensassem à criança a assistência necessária a sua
preservação e à constituição de uma sociedade higiênica e civilizada (MACHADO,
1978).
É imprescindível que o público compreenda o problema da prevenção e
tratamento da delinquência infantil, para que ele esteja em condições de
colaborar em programas sadios e construtivos de Higiene Mental, no sentido
de influir no comportamento e na construção sadia da personalidade dos
futuros homens de amanhã (RIBEIRO, 1943, p.12 apud BAZÍLIO e
MULLER, 2006)

É preciso dizer que todo o “cientificismo” que embasava os discursos da época


tinha como objetivo, como disse Schwarcz (1993, p. 41), justificar “uma espécie de
hierarquia natural à comprovação da inferioridade de largos setores da população”,
59

podendo excluir do convívio social tudo que parecesse estranho à norma e que pudesse
romper com a ordem e impedir o progresso.
A Escola XV de Novembro, criada em 1898, “inaugurou a entrada do Estado na
área da educação dos desvalidos, que até então era de responsabilidade da filantropia e
da Igreja” (LEITE, 1998, p.55), e recebeu esse nome em homenagem à nova situação da
Nação, representando “um exemplo de modelo educacional brasileiro”, ou seja, onde se
tentou “desenvolver toda uma pedagogia diferenciada e experimental para a época”
(ibidem). Em 1903, passou a chamar-se Escola Correcional XV de Novembro, cujo
nome vem explicitar a sua finalidade: a correção dos comportamentos inadequados dos
cidadãos dessa República recém-implantada. Em 1910, passou a denominar-se Escola
Premonitória XV de Novembro, como defendia seu antigo diretor Franco Vaz: a única
instituição oficial que a União possui para a educação e assistência de menores
abandonados, órfãos, vadios, etc, e que há alguns anos tem o qualificativo, talvez
desnecessário, mas gramatical e tecnicamente acertado, de premonitória; recebeu, na
sua fundação, em 1903, a denominação de correcional que, como se sabe, é uma
instituição de natureza diversa (1922, p. 137).
Em 1923, volta a chamar-se apenas Escola XV de Novembro, tendo como
finalidade “ministrar educação física, profissional e moral aos menores abandonados e
recolhidos ao estabelecimento, por ordem das autoridades competentes” (Decreto.
16.037), a mesma finalidade estabelecida nos regulamentos anteriores (1903 e 1910).
Embora a Escola tenha passado por diversas denominações e administrações, “nunca
teve o privilégio de ser subordinada à área educacional, demonstração clara de que os
jovens desvalidos não eram objeto de educação mas de repressão, correção e punição
das condutas e comportamentos culturais diferenciados” (LEITE, 1998, p.56).
A Escola João Luiz Alves – assim denominada em homenagem ao ex-Ministro
da Justiça, que regulamentou a assistência e proteção aos menores – destinava-se, nos
termos dos artigos 1º e 2º do Decreto 17.508, de 4 de novembro de 1926, a:
Art 1º E denominada «Escola João Luiz Alves» a escola de reforma creada
no Districto Federal pelo art. 74 do decreto n. 16.272, de 20 de dezembro de
1923, modificado pelo art. 4º da lei n. 4.983 A, de 30 de dezembro de 1925.
Art. 2º Essa escola destina-se a receber, para regenerar pelo trabalho,
educação e instrução, os menores do sexo masculino, de mais de 14 e menos
da 18 anos de idade, que forem julgados pelo juiz de menores, e por este
mandados internar.

Nas palavras pronunciadas por Lemos de Brito, durante a inauguração da Escola,


“esta casa destina-se a recolher os menores delinquentes que a Justiça especial julgar
60

necessário segregar da sociedade até que se curem e se façam elementos úteis” (BRITO,
1959, p.552 apud BAZÍLIO e MULLER, 2006).
Bazílio e Müller (2006) fazem uma análise do período e da construção da
identidade social do “menor” a partir do Código de Menores:
a criança pobre foi travestida em menor, estigmatizando-a. Ao ser
transformada em menor, se tornou um componente da sociedade que não quis
(ou não pode) integrá-la aos valores sociais hierarquicamente estabelecidos –
inclusive aos educacionais; pois o termo menor retira a criança de um meio
social específico e a transfere para as fronteiras da desumanização. Ao deixar
de ser criança, e ao ser tratada como se realmente não o fosse, passou-se a
temer o menor por ser algo desconhecido das relações pessoais e familiares.
Em consequência, entre a sociedade e o menor deveria existir a Lei,
funcionando simultaneamente como uma barreira de punição e proteção.
(2006, pp. 548-5485)

O SAM e a FUNABEM: propagadores da lógica da instituição total

Com a ascensão de Getúlio Vargas, novas ideias surgiram no panorama


nacional, influenciadas pelo crescimento do poder nazista e fascista na Europa. As
ideias higienistas e de eugenia passaram a permear o discurso oficial e as ações voltadas
para a infância. Em 1941, Vargas criou o Serviço de Assistência ao Menor (SAM)25.
O SAM tinha como função agregar o aparato institucional público e filantrópico
já existente, normatizando e estabelecendo diretrizes mais “científicas”. Na verdade, o
SAM foi o grande difusor/propagador da lógica e da instauração do modelo de
instituição total.
Erving Goffman (1999) define como instituições totais aquelas que se
caracterizam pelo fechamento em si mesmas. Em sua teorização, propõe cinco tipo de
instituições dessa natureza. O primeiro seria constituído por aquelas criadas para cuidar
de pessoas consideradas incapazes e inofensivas (casas para velhos, órfãos e
indigentes); o segundo tipo, para os incapazes de cuidar de si mesmos e que são também
uma ameaça à comunidade, embora de maneira não intencional (sanatórios); o terceiro
tipo agrupa aquelas instituições organizadas para proteger a comunidade contra os
perigosos intencionais, não constituindo problema imediato o bem-estar desses sujeitos
(cadeias, presídios, campos de concentração); há ainda as criadas para a execução de
tarefas especiais (produção); e, por último, as instituições de caráter religioso para
pessoas que se refugiam do mundo (conventos).

25
Decreto-Lei n. 3.799 Federal - de 5 de novembro de 1941
61

As instituições totais criadas para menores delinquentes e desvalidos


apresentavam um discurso compatível: a instituição de proteção dos menores e dos
incapazes – os menores desvalidos, os órfãos e abandonados; a instituição para cuidar
dos menores moralmente desassistidos e anormais; e, por último, a instituição para
proteger a sociedade dos menores delinquentes perigosos intencionais, enfim, uma
instituição total para solucionar o problema dos “menores”, excluindo e aprisionando
crianças e adolescentes pobres para o desenvolvimento e progresso da sociedade dos
bem-nascidos.
O aspecto central das instituições totais pode ser descrito como a ruptura das
barreiras que comumente separam as esferas da vida em sociedade, tornando as
atividades diárias obrigatórias e reunidas em um plano racional único, supostamente
planejado para atender aos objetivos oficiais da instituição (GOFFMAN, 1999).
Tais instituições possuem como característica principal o fechamento em si,
constituindo uma barreira simbólica e real às relações sociais com o mundo externo.
Portas fechadas, paredes altas, arames farpados, muros e cercas fazem parte do aparato
criado para possibilitar o seu êxito.
Cabia ao SAM abrigar os menores em caráter provisório e encaminhá-los, após
investigação social e exames médicos e psicopedagógicos, aos estabelecimentos
adequados. O SAM tinha como finalidade estudar as causas do abandono e da
delinquência, bem como a responsabilide pelo tratamento prestado aos menores.
O artigo 2 do Decreto de criação do SAM conta as suas finalidades:
a) sistematizar e orientar os serviços de assistência a menores desvalidos e
delinquentes, internados em estabelecimentos oficiais e particulares;
b) proceder à investigação social e ao exame médico-psicopedagógico dos
menores desvalidos e delinquentes;
c) abrigar os menores, a disposição do Juízo de Menores do Distrito Federal;
d) recolher os menores em estabelecimentos adequados, a fim de ministrar-
lhes educação, instrução e tratamento sômato-psíquico, até o seu
desligamento;
e) estudar as causas do abandono e da delinquência infantil para a orientação
dos poderes públicos;
f) promover a publicação periódica dos resultados de pesquisas, estudos e
estatísticas.

A estrutura administrativa inicial do SAM agregou instituições já existentes, e


criaram-se novas seções e cargos.
Art 3º O S. A. M. será constituído de:
I. Secção de Administração (S. A.);
62

II. Secção de Pesquisas e Tratamento Sômato-psiquico


(S. P. T.);
III. Secção de Triagem e Fiscalização (S. F. T. ) ;
IV. Secção de Pesquisas Sociais e Educacionais (S. S. E.).
Art. 4º Ficam incorporados ao S. A. M. os seguintes órgãos:
a) o Instituto Profissional Quinze de Novembro. Atual Escola Quinze de
Novembro;
b) a Escola João Luiz Alves;
c) o Patronato Agrícola Artur Bernardes; e
d) o Patronato Agrícola Venceslau Braz.
Parágrafo único. Os órgãos acima especificados terão regimentos próprios,
ficando subordinados, técnica e administrativamente, ao S. A. M.

Havia uma disparidade entre o discurso oficial e as práticas cotidianas no


interior da instituição. Violência, corrupção e degradação das crianças e adolescentes no
interior das unidades faziam parte do seu cotidiano.
Espanto-me a promiscuidade em que viviam aqueles seres de todos os
tamanhos, de todas as idades e procedências, vivendo numa ociosidade
deprimente. Comiam e dormiam; uns tantos entregavam-se à pederastia e
outros fumavam maconha; os que podiam incorporavam-se a “gang” para
excursões externas de rapina ou para promoção de rebeliões internas . Nem
um livro, nem uma aula, nem um esporte. O projetor cinematográfico estava
quebrado; não havia bola, nem peteca, nem ginastica e muito menos rádio ou
vitrola. Para distração, os menores ouviam, de quando em quando, gritos dos
enclausurados e viam , diante de si, permanentemente, os muros altos e alvos,
que , encimados por uma rede de arame farpado, circundavam a casa e o
pátio. (NOGUERA FILHO, 1956, pp. 86-87)

Na verdade, o SAM encarnou, durante mais de vinte anos, o modelo correcional-


repressivo. Seus estabelecimentos tinham estrutura e funcionamento análogos aos do
sistema penitenciário e eram mais violentos que as casas de correção da época.
Na década de 1950, com a industrialização, a urbanização e o consequente
agravamento dos problemas sociais, o SAM já não conseguia atender a demanda em
função do aumento do fluxo de menores. Conforme Nogueira Filho, em 1955, o SAM
controlava cerca de quatorze mil menores. Em seu relato sobre as condições de
atendimento das instituições ligadas ao SAM e o quadro social envolvendo crianças e
adolescentes, afirmava:
[...] sem sairmos do campo dos desvalidos - podem arrecadar dinheiro,
manter casas ou pocilgas, alimentar ou subalimentar , explorar ou não,
espancar ou não algumas dezenas de milhares de desamparados. (...) E as
centenas de milhares de maloqueiros, favelados, baderneiros, mendigos,
vadios que entregues indefesa à sorte das intempéries? Que faz o Estado
Brasileiro? (ibidem, p. 348)
63

Em 1956, Paulo Nogueira Filho, ex-diretor do SAM26, traz à tona um relato


contundente e minucioso sobre unidades do SAM, indica a necessidade de desativação
do serviço e a criação do Instituto Nacional de Assistência Social. As condições sub-
humanas e a repressão pura e simples mostravam-se incapazes de solucionar o
agravamento da problemática trazida pelos menores no interior das unidades.
Em seu relato de posse (outubro de 1954) descreve o Instituto Profissional
Quinze de Novembro (IPQN), sede do SAM.
Na verdade conheci um pouco da história daquela casa malfadada. Sabia que
servira a diversas finalidades. Depósito de meninos, depois de meninas e
novamente de menores do sexo masculino, desvalidos e transviados,
pequenos e grandes, vivendo na mais degradante promiscuidade. (...) seus
cubículos ou celas, cada qual com sua latrina aberta , serviram para
consultório de médicos da Secção de Diagnóstico e Tratamento (1956, p.84).

No decorrer de uma década, houve o processo de expansão nacional dos serviços


do SAM e, em 1956, já contava com 300 estabelecimentos particulares articulados com
a instituição, entidades que recebiam uma renda per capita para cada criança ou
adolescente. Essa situação de articulações com entidades privadas não tinha nenhum
embasamento jurídico, ou seja, era realizada sem nenhuma base contratual. No
momento de sua demissão, Nogueira Filho publicou uma extensa lista de denúncias sob
o título “SAM: Sangue, Corrupção e Vergonha”, em que esmiuçou a
exploração dos menores, a corrupção dos funcionários, dos representantes
dos órgãos da justiça e da administração pública do governo, com destaque
para os funcionários do Ministério da Justiça, denominados ‘sub-gangs’ –
funcionários internos, infra-gang –, gestores nos diferentes níveis da estrutura
admirativa do SAM e super-gang – representantes do governo (Ministério da
Justiça e Ministério da Fazenda) (Idem, p. 343).

Essa estrutura administrativa corrupta transformaria o SAM em um “perfeito e


bem acabado pandemônio, num inferno sobre a terra” (NOGUEIRA FILHO, 1956, p.
332).
A descrição dos menores, nomeando-os como desvalidos, transviados, vadios,
submetidos às “rotinas” institucionais em condições desumanas, coisifica jovens e
crianças e, no desdobramento, tais depósitos de menores, verdadeiras sucursais do
inferno, produzem delinquentes, jovens e crianças marcados como perigosos após a
passagem pelo SAM.

26
1954-1955.
64

Figura 02 – Reportagem Singrando

Fonte: CEDOM (Centro de Documentação e Memória do DEGASE)

Uma instituição é uma prática social que se repete e se legitima enquanto se


repete. As instituições implementadas em organizações e estabelecimentos não apenas
realizam – quando realizam – os objetivos oficiais para os quais foram criadas, mas
produzem determinada subjetividade. Sujeitos são fundados no interior das práticas,
sujeitos ao mesmo tempo constituídos no e constituintes do cotidiano institucional. O
pensamento costuma ratificar objetos e sujeitos que só existem enquanto se produzem e
são produzidos dentro de determinadas práticas institucionais.
É interessante perceber como denúncias na forma de condução da instituição
vão, progressivamente, transformando-se em denúncias quanto à própria clientela dos
serviços. Esse “contágio” de estigmas entre “menores, funcionários” e instituições
permanecerá informando discursos institucionais até os dias atuais.
65

Como salientam Irma e Irene Rizzini (2004), a imprensa teve um papel relevante
na construção dessa imagem, pois não só denunciava os abusos contra os menores, mas
também colocava cada vez mais ênfase na periculosidade destes. Às vozes da imprensa,
juntavam-se autoridades públicas, políticos e juristas, que condenavam o órgão e
propunham a criação de uma nova instituição.
Os jornais diários da época iniciaram campanhas denunciando o “famigerado
SAM” e nomeando-o “Universidade do Crime”.
Um grupo de trabalho, formado por pessoas do governo, da sociedade civil, e
por religiosos, foi aos poucos indicando o caminho para o surgimento da FUNABEM
(Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor)27, novo modelo de atendimento à criança
e ao adolescente, que substituiu o SAM, logo após o golpe de 1964.
Com o golpe militar, a “questão do menor” passou a ser tratada com
especificidades, pautada na “Doutrina da Segurança Nacional” que serviu de alicerce
para as ações militares.
Nesse sentido, o Código de Menores de 1927 somente será substituído em 1979,
ao final da Ditadura Militar – Código de Menores – Lei 6.697 de 10/10/79, sendo
novamente elaborado exclusivamente por juristas, em continuidade com uma visão
assistencialista e repressiva, embasado na doutrina jurídica da “situação irregular”. A lei
se dirigia exclusivamente para a categoria indefinida de “menores considerados em
situação irregular”.
O artigo 1º do Código de 1979 estabelecia como objetivo central “prestar a
assistência, proteção e vigilância a menores que se encontravam em situação irregular”.
Na construção histórica do Direito de Crianças e Adolescentes no Brasil, observa-se a
utilização da doutrina jurídica da “situação irregular” nos dois primeiros Códigos
(Mello Matos - 1927 e Alyrio Cavalliere - 1979).
Conforme assinala Xaud (1999), o discurso de “proteção” a esses “irregulares”
misturou em um mesmo espaço físico todos os tipos de menores e, além disso, passou a
tratar como caso de Justiça os abandonados, os vitimizados, os carentes etc.
As unidades de atendimento, na época, FUNABEM, e as correlatas estaduais
Fundação Estadual de Bem-estar de Menores – FEBEM’s funcionavam como depósitos
de crianças e adolescentes encarcerados em nome de uma Política de Bem-Estar do

27
Foi criada a lei nº 4.513/ 1964 para a implantação da Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor –
FUNABEM, responsável pela elaboração e execução da Política Nacional de Bem-Estar do Menor
(PNBEM), em substituição ao antigo SAM.
66

Menor, que tinha como ideologia o controle social e a segurança nacional, discursos que
prevaleciam durante os governos militares.
A visão do adolescente como “delinquente nato”, de “má índole”, modificava-se.
Ele era agora o “menor carente”, privado das condições mínimas de seu pleno
desenvolvimento.
Costa (1998) sinaliza:
Junto com os prédios reformados, a nova lei, a nova missão, as novas
concepções de atendimento, o novo corpo técnico da FUNABEM herdou os
menores, boa parte dos funcionários e, principalmente, a cultura
organizacional do SAM, que, como brasa em fogo sob cinzas, permanecia
ardente e viva sob os escombros da sucursal do inferno (p.19).

De fato, as práticas não foram verdadeiramente transformadas, só o discurso.


A FUNABEM apresentava, em seu discurso, a família como a principal
responsável pelo quadro de abandono dos filhos. Questões sociais, como o desemprego,
a saúde precária e a má distribuição de renda, não eram discutidas. Os jovens eram
diferenciados e rotulados como “menores com conduta antissocial (menores infratores)
e menores carenciados (pobres)”. Para atendimento dos “menores infratores”, adotou-se
o regime fechado (instituições totais), destinado à reeducação dos menores, para
posterior readaptação social. No interior dessas instituições, houve um verdadeiro pacto
entre os novos preceitos interdisciplinares e o setor correcional. A ideologia de
segurança nacional não transformou a realidade vivida antes pelo SAM, muito pelo
contrário.
As equipes interdisciplinares (psicólogos, assistentes sociais, pedagogos,
médicos, entre outros profissionais da saúde ou humanistas) assumiram o novo caminho
de atendimento da adolescência em conflito com a lei.
O momento era de mudanças. Na educação, os cursos universitários tomavam
contornos mais humanistas, possibilitando nova forma de organização do trabalho
técnico: as equipes interdisciplinares.
A FUNABEM sucumbiu à doutrina do encarceramento, repetindo os mesmos
erros do SAM. A diferença é que agora, ao lado da ação desumana e desagregadora no
interior das instituições, havia o discurso humanista. A rigor, o discurso repetido à
exaustão encobria as desumanidades recorrentes nessas unidades prisionais.
Com o processo de redemocratização do Brasil, instalado no início dos anos 80,
começam a surgir movimentos sociais pela infância e juventude (movimento dos
meninos de rua, grupos que passaram a elaborar estudos e pesquisas sobre os direitos da
67

criança e do adolescente, movimento de luta pelos direitos humanos, entre outros). Com
a liberdade de imprensa e o vigor dos movimentos sociais ligados ao tema da infância e
juventude, houve inúmeras denúncias sobre os maus tratos, as rebeliões, incêndios e
condições degradantes dos estabelecimentos da FUNABEM.
Os resultados da FUNABEM/ FEBEM produziram o esfacelamento do modelo
logo após a chamada redemocratização.
Com a promulgação da Constituição denominada “Cidadã”, em 1988, e o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei 8069/90), baseado na doutrina da
“Proteção Integral”, houve uma verdadeira transformação no plano jurídico-legal, para a
infância e a juventude, que se caracterizou por uma nova perspectiva em relação à
formulação e implementação de políticas públicas voltadas para todas as crianças e
adolescentes brasileiros, os quais passaram à condição de sujeitos de direito e a ter
prioridade absoluta, sendo a família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder
público responsabilizados pela efetivação dos direitos fundamentais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente não almejou apenas uma mudança na
gestão do atendimento do adolescente a quem se atribui autoria de ato infracional, mas
também uma mudança jurídico-legal, conceitual e ética para a assistência aos jovens em
conflito com a lei.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) exigiu uma grande reestruturação
do sistema de administração e execução da Justiça voltada para a infância e a juventude.
Na dimensão institucional, foram criados órgãos especializados, tais como: Delegacias
de Proteção à Criança e ao Adolescente, Promotorias, Juizados e Centros de Atenção
Socioeducativos.
Segundo Xaud (1999):

cada um destes órgãos precisou adequar sua estrutura e funcionamento para


promover a cidadania destes novos sujeitos. Esta organização, na área
jurisdicional, incorporou nos Juizados da Infância e Juventude um
funcionamento interdisciplinar, buscando uma abordagem mais dinâmica e
integrada do jovem em conflito com a lei (p.87).

Poder, Estado e Menores Infratores


A criminalidade e a violência são hoje uma das preocupações centrais dos
habitantes das grandes cidades. Nesse contexto, as infrações cometidas por adolescentes
vêm causando alarde, e essa contundência discursiva aparece na mídia como se fossem
somente de responsabilidade dos próprios adolescentes os atos, considerados infrações
penais por eles praticados. No Brasil, não são poucos os que responsabilizam o próprio
68

Estatuto da Criança e do Adolescente pelo envolvimento de adolescentes em atos de


violência.
Para os críticos do Estatuto, a política de “proteção integral” da criança e do
adolescente, imposta pela Constituição de 1988, pela Convenção Internacional dos
Direitos da Criança e pelo Estatuto, criou um ambiente de impunidade que tem
incentivado o ingresso de adolescentes no mundo do crime. Nesse sentido, propugnam
por medidas estatais mais duras em reação à criminalidade, reclamando inclusive a
diminuição da maioridade penal. Um subproduto ainda mais perverso dessa sensação de
impunidade é o extermínio.
Essas críticas, a rigor, escondem as reais motivações socioculturais e
econômicas que impelem os adolescentes para o mundo da criminalidade. Escondem
também o sistema socioeducativo incapaz de “ressocializar” e que apenas amplia o
potencial ofensivo dos adolescentes no momento em que deixam de estar sob a proteção
do sistema, fomentando qualitativa e quantitativamente a criminalidade28.
Para além do discurso da população, veiculado pela mídia, qual é o discurso do
Estado quanto às ações socioeducativas e políticas públicas para a infância e
adolescência no Estado do Rio de Janeiro?

O Estatuto da Criança e do Adolescente e o adolescente em conflito com a


lei
A atualização e o desenvolvimento do atendimento aos adolescentes em conflito
com a lei, particularmente no Brasil, foram feitas, ao longo do século XX, a partir dos
conceitos de “ajuda”, “assistência”, “ressocialização”, perseguindo-se, pois, objetivos
assistencialistas e não uma verdadeira inclusão social desses sujeitos. Tudo sob a égide
daquilo que, a priori, é considerado o “melhor interesse” desse adolescente, ainda que,
na maioria das vezes, o seu real interesse não seja visualizado. Essa intenção, entretanto,
só permanece no discurso oficial e a realidade revela uma face – perversa – do mundo
do adolescente infrator.
O entendimento do que é considerado o “melhor interesse” desse sujeito social
esteve sempre marcado por permanentes contradições dicotômicas: medida versus pena,
educação/assistência versus controle/repressão, vitimação versus delinquência.

28
Quarenta por cento (40%) da população carcerária do sistema penal do Rio de Janeiro - DESIPE é
oriunda do DEGASE, e a reincidência em algumas unidades de internação chega a 50%. Cf. Censo
Penitenciário, 2001 e Pesquisa DEGASE, 2010.
69

Assim, o Estado oscila pendularmente entre duas tendências, apresentadas como


antagônicas: os Modelos de Proteção Administrativa e os Modelos da Penalidade
Judicial (NOGUEIRA NETO, 1998). No Brasil, diante das peculiaridades enfatizadas
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que afirmava ser preciso adotar medidas
socioeducativas, caminhou-se para uma solução eclética. Instaurou-se um tipo de
atendimento que pode ser classificado como judicial-administrativo. Ou seja: o
adolescente infrator continua submetido às sanções legais do Judiciário, de quem recebe
as medidas socioeducativas que deverão ser cumpridas administrativamente em
unidades de internação. Essas unidades, entretanto, estão submetidos ao rígido controle
do Poder Judiciário e dos Conselhos da Criança e do Adolescente.
Das Medidas Socioeducativas
Para o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, no caso do adolescente,
com 12 anos completos e menores de 18 anos, envolvido em atos ilícitos, a
inimputabilidade não quer dizer irresponsabilidade. Isto é, o adolescente, assim como a
criança, não recebe pena, como o adulto, diante da infração cometida; são inimputáveis.
A criança, porém, é considerada também irresponsável, por isso os pais ou seus
substitutos é que devem comparecer com ela perante a autoridade, enquanto se aplicam
a ambos (criança e familiares) medidas chamadas de proteção. Em relação ao
adolescente, entretanto, embora não receba pena (e permaneça inimputável), será sujeito
a medidas socioeducativas, quais sejam: I) advertência; II) obrigação de reparar o dano;
III) prestação de serviços à comunidade; IV) liberdade assistida; V) inserção em regime
de semiliberdade; VI) internação em estabelecimento educacional; VII) além de
qualquer uma das medidas de proteção previstas no art.101, I a VI (ECA, art. 112).
Estão previstas seis medidas socioeducativas, subdivididas em medidas em meio
aberto, medidas restritivas de liberdade e medidas de privação de liberdade:
Medidas em Meio Aberto:
I) Advertência
Segundo o art. 115 do ECA, “a advertência consistirá na admoestação verbal,
que será reduzida a termo e assinada”. Seu propósito é evidente: alertar o adolescente e
seus pais ou responsáveis para os riscos do envolvimento no ato infracional. Essa
medida poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade da infração e
indícios suficientes de autoria (art. 114, § único). Pelo caráter preventivo e pedagógico
de que se reveste, deveria também se estender aos menores de 12 anos.
II) Reparação de Danos
70

Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade


judiciária poderá aplicar a medida prevista no art. 116 do ECA, determinando que o
adolescente restitua o objeto patrimonial, promova o ressarcimento do dano ou, por
outra forma, compense o prejuízo da vítima. Ocorrendo a impossibilidade de fazê-lo, a
medida poderá ser substituída por outra mais adequada; isso se dá para evitar que não
sejam os pais do adolescente os verdadeiros responsáveis pelo seu cumprimento, pois,
em caso contrário, os objetivos de (auto)responsabilização, implícito na sansão da
medida socioeducativa, acabaria fugindo da pessoa do infrator, perdendo seu caráter
educativo.
III) Prestação de Serviços à Comunidade
A medida socioeducativa, prevista no art. 112, III, e disciplinada no art. 117 e
seu § único, do ECA, consiste na prestação de serviços comunitários, por período não
excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros
estabelecimentos congêneres, bem como programas comunitários ou governamentais e
não governamentais.
A medida deve ser gratuita e levada a efeito em estabelecimento de serviços
públicos ou de relevância pública, governamentais ou não, federais, estaduais ou
municipais.
O prazo de tais medidas deve ser proporcional à gravidade do ato praticado,
podendo ser aplicadas em qualquer dia da semana e não devendo prejudicar a
frequência à escola ou a jornada normal de trabalho.
IV)Liberdade Assistida
Essa medida destina-se a acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. O caso
será acompanhado por pessoa capacitada, designada pela autoridade. Deverá ser
nomeado um orientador, a quem incumbirá promover socialmente o adolescente e sua
família, supervisionar a frequência escolar, diligenciar a profissionalização. De acordo
com o disposto no art. 118 do ECA, será adotada sempre que se figurar a medida mais
adequada, para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.
A Liberdade Assistida, fixada pelo ECA, no prazo mínimo de seis meses, com a
possibilidade de ser prorrogada, renovada ou substituída por outra medida (art. 118,
§2º), parte do princípio, segundo o professor José Barroso Filho, “de que em nosso
contexto social, não basta disciplinar e controlar o adolescente”, sendo necessário,
sobretudo, dar-lhe assistência sob vários aspectos, incluindo acompanhamento
psicológico de suporte e orientação pedagógica, encaminhando ao trabalho,
71

profissionalização, saúde, lazer, segurança social do adolescente e promoção social de


sua família.
A ideia dessa medida é manter o adolescente sob os cuidados e
acompanhamento da família, de forma que fique integrado na sociedade com apoio de
seus entes queridos e sobre a supervisão da autoridade judiciária, a quem cabe
determinar o cumprimento e cessação da medida (art. 118, § 2º e 181, § 1º do ECA).
Medida de restrição de liberdade:
I) Semiliberdade
É admissível como início ou como forma de progressão para o meio aberto.
Comporta o exercício de atividades externas, independentemente de autorização
judicial. São obrigatórias a escolarização e a profissionalização. Não comporta prazo
determinado, devendo ser aplicadas as disposições a respeito da internação, no que
couber. Deverá ser revista a cada seis meses (art. 121, § 2º, subsidiariamente).
Tendo como objetivo preservar os vínculos familiares e sociais, o ECA inovou
ao permitir a sua aplicação desde o início do atendimento, possibilitada a realização de
atividades externas, independentemente de autorização judicial (arts. 112, inciso V, e
120, §§1º e 2º do ECA).
Medida privativa de liberdade
I) Internação
É medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios da brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Essa
medida é a mais severa de todas as medidas previstas no ECA, por privar o adolescente
de sua liberdade. Deve ser aplicada somente aos casos mais graves, em caráter
excepcional e com a observância do devido processo legal, conforme prescreve o
ditame constitucional e o ECA.
A internação só será aplicada se não houver outra medida adequada (ECA, art.
122) e terá o caráter de:
• Excepcionalidade, ou seja, só se aplica quando houver comprovada
necessidade;
• Brevidade, ou seja, pelo menor tempo possível;
• Respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;
• Em estabelecimento educacional, levando em conta as necessidades
pedagógicas do adolescente.
72

Lembremos que a medida de privação de liberdade, com as devidas ressalvas,


não é recomendada hoje nem mesmo para o adulto. O importante é, pois, salientar que o
caráter da internação é educacional e, essencialmente, pedagógico. O adolescente,
embora recebendo a mais severa de todas as medidas, que é a privação de liberdade, não
perde seus direitos de pessoa humana, garantidos no art. 5º da Constituição Federal.
Permanece, ao contrário, em situação peculiar de desenvolvimento, diga-se em processo
de formação da personalidade e, portanto, sujeito de direitos.
Assim, somente poderá ser aplicada quando: a) tratar-se de ato infracional
cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; b) por reiteração no
cometimento de outras infrações graves; c) por descumprimento reiterado e
injustificável da medida anteriormente imposta, caso em que não poderá exceder a três
meses.
A medida em tela não comporta prazo determinado e não poderá em nenhuma
hipótese exceder a três anos, devendo ser reavaliada a cada seis meses, mediante
decisão fundamentada. Atingido o limite de três anos, o adolescente deverá ser liberado,
colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida (art. 121, § 4º, do ECA),
em razão da reavaliação semestral da medida, que poderá tanto permitir o reingresso do
adolescente no meio familiar e comunitário ou mantê-lo afastado dele, por mais seis
meses.
A liberação obrigatória do adolescente somente deverá ocorrer quando o mesmo
completar 21 anos de idade, conforme prevê o art. 121, § 5º do ECA.
Mesmo durante a internação provisória, o adolescente deverá ser submetido a
atividades pedagógicas, assim entendidas as de escolarização, profissionalização,
culturais, desportivas e de lazer.

Legalidade da Internação como medida socioeducativa no ECA


A internação como medida socioeducativa está prevista de internação no a Art.
122, parágrafos I e II do ECA:
I) quando se tratar de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou
violência à pessoa;
II) por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
Trata-se, aqui, de medida socioeducativa aplicada ao adolescente em
decorrência de um processo legal em que tenha sido assegurado ao mesmo ampla
73

defesa. Por isso, tal forma de internação só pode ser aplicada pela autoridade judicial,
nos estritos limites estabelecidos na lei.
O inciso I não exige que o ato infracional seja grave: basta que seja cometido
com grave ameaça ou violência à pessoa. Já o inciso II pressupõe o cometimento de
uma infração grave após a prática de pelo menos duas outras infrações graves anteriores
(“duas”, porque a lei fala em “outras infrações graves” e não “outra infração grave”).
Surge, porém, a indagação: quando o ato infracional é considerado grave?
O conceito de gravidade da infração é bastante polêmico: uma corrente sustenta
que o ato infracional grave é aquele a que a lei penal impõe pena de reclusão; outra
sustenta que o ato infracional grave é o praticado com violência contra a pessoa ou
grave ameaça; e outra sustenta que a gravidade deve ser aquilatada em relação ao
próprio agente, havendo posicionamentos intermediários ou ecléticos que combinam
essas posições.
Aos que sustentam que a gravidade da infração não deva ser aprimorada por
critério jurídico, mas levando em conta suas consequências em relação à vítima, à
sociedade e ao próprio adolescente, pode-se responder que, se tal tivesse sido a intenção
do legislador, ele teria omitido a expressão “gravidade da infração” no §1º do art. 112.
Ademais, tal interpretação não explicaria o disposto no § 2º do art. 186, a menos que se
chegasse ao absurdo de entender que ficaria ao livre arbítrio do juiz apreciar a gravidade
da infração em relação ao adolescente, para nomeá-lo ou não defensor. Além disso,
como poderia a autoridade policial (art.174 do ECA) ou Juiz (art. 107, parágrafo único)
apreciar liminarmente a gravidade da infração em relação ao adolescente?
Aos que sustentam que ato grave é aquele que comporta medida de internação,
pode-se indagar quais são os casos que comportam internação, e a resposta quase
sempre aponta o art. 122 do ECA, que prevê tal medida quando houver reiteração no
cometimento de infrações graves. Acaba-se na retória: fato grave é aquele que justifica a
internação e esta é medida cabível quando o fato é grave.
Também não satisfaz a conceituação de fato grave como aquele em que é
empregada violência ou grave ameaça. Pode-se observar que existem muitos crimes
praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, sem que a lei faça menção à
violência física ou “moral”. Outros há, de menor gravidade, em que a lei prevê, ora
como requisito próprio, ora como causa de aumento de pena, a violência ou grave
ameaça.
74

No crime de “matar alguém” (homicídio doloso - art. 121 do CP), por exemplo,
ninguém negaria a violência contra a pessoa, por isso um ato grave.
Um exemplo sobre gravidade ou não gravidade:
No caso do crime da injúria (art.140 §2º do CP.), consiste em violência ou
vias de fato que por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem
aviltantes = Pena detenção, de seis meses a um ano e multa de injúria real
apesar da violência, a lei ainda não capitula a infração como grave, pois,
prevê uma branda pena de detenção. (MENDEZ, 1992, p. 13)

Assim, não há equívoco em buscar o conceito de gravidade da infração no


próprio Direito Penal, de vez que o fato de ser o ato infracional praticado por
adolescente impõe diversidade de tratamento ao agente, mas não muda a natureza do
ato. Tanto assim é que o art. 103 do ECA faz adotar a conceituação do direito penal para
o ato infracional, seja crime, seja contravenção penal. O homicídio doloso será um fato
grave, quer o pratique um adolescente, quer o pratique um adulto.
Segundo Emilio Garcia Menezes (1992), não poderá a infração atual ser
considerada reiteração de outras anteriores se:
- deixou de ser aplicada alguma das medidas previstas no art. 112, II a VI que
pressupõem a prova da autoria e da materialidade – art. 108, parágrafo único.
Exemplo Não há reiteração se for aplicada anteriormente a medida de
advertência , para a qual se exige prova da materialidade, mas não da autoria;
- foi concedida a remissão como forma de exclusão ou de extinção do
processo, pois, nesse caso não chegou a ficar provada a autoria e a
materialidade (eis que para a representação bastam indícios) e a remissão,
além de poder ser concedida sem a comprovação da responsabilidade, não
prevalece para efeito de antecedentes (art.127);
- a internação ocorrida foi apenas provisória, pois, nesse caso também não se
exige prova de autoria e materialidade 9 art.108, parágrafo único). (p. 22)

Assim, as medidas de internação no ECA diferem substancialmente das


impostas pelos Juízes de Menores (Código de Menores - 1927-1979), quando
estabelecem um rigor de apuração e de defesa dos adolescentes pelo respaldo legal.

Infância, adolescência e práticas de privação de liberdade

Desde as origens da história da privação de liberdade, quando as transformações


na esfera produtiva introduziram a mudança no viés capitalista-moderno que estabelecia
o tempo certo da privação de liberdade, nem todos foram sujeitos de direito destas
transformações: crime-pena/tempo/produção.
Paradoxalmente, quem ficou fora do processo produtivo também ficou fora dos
“benefícios” da “revolução democrática”. Na verdade, e aqui aparece o eufemismo que
75

está na base de toda a sequência posterior, a infância-adolescência é marginal e


clandestinamente incorporada ao processo produtivo, ficando, entretanto, fora do
discurso oficial do trabalho. Essas premissas determinavam não que a infância ficasse
isenta das práticas de privação de liberdade, senão que as mesmas se organizassem sob
as formas radicalmente distintas de legitimidade do mundo dos adultos criminosos. O
conceito de infância e de juventude também influenciou na construção legalista da área,
como vimos anteriormente. A reeducação, ao invés do castigo, e as medidas de
segurança, no lugar das penas, constituíram os eufemismos específicos que
legitimaram, na prática, privações de liberdade sem processo, sem garantias e,
sobretudo, sem um tempo definido de duração.
A cultura da internação-proteção e do “sequestro dos conflitos sociais” se
manifestou com toda intensidade na construção do “menor delinquente abandonado”.
Eis aqui a história do “menor” como objeto da compaixão-repressão. Nesse
enfoque, as práticas concretas que dele derivam imperavam e ainda imperam até os
nossos dias.
Nesse ponto, é conveniente fixar um momento na dimensão ético-jurídica dessas
práticas. Se tomarmos como contexto momentos históricos do Brasil, como exemplo e
modelo, essas práticas poderiam ser consideradas como prejudiciais ou ilegítimas,
embora não como ilegais à época. Porém, os “excessos” nas políticas de privação de
liberdade no Brasil, ainda hoje, descansam, paradoxalmente, sobre uma base jurídica
menorista: a doutrina da situação irregular. Podemos citar como exemplo a detenção de
adolescentes em instituições para adultos quando o aparelho jurídico e administrativo
estatal não está devidamente equipado.
Nesse sentido, é imprescindível tomar consciência da ruptura absolutamente
radical que implica, nesse campo, o Estatuto da Criança e do Adolescente. As
experiências de privação de liberdade devem ser reconstruídas, em consequência, sobre
bases de ação e legitimidade, na doutrina da proteção integral.
Em primeiro lugar, é necessário tomar consciência do fato de que a privação
coativa da liberdade deverá ser o resultado de uma infração jurídica grave e
devidamente comprovada, tal qual dispõe o art. 122 do Estatuto. Em segundo lugar,
representa um enorme desafio trabalhar no campo das técnicas de privação de liberdade
no marco jurídico do Estatuto.
É necessário reconhecer que fomos formados em uma cultura correcionalista que
pressupunha a conveniência de processos de ressocialização – ainda que com as
76

melhores intenções – com práticas sociais (não jurídicas, não judiciais) de privação de
liberdade.
O novo caráter jurídico-restritivo da privação de liberdade implica a necessidade
do desenvolvimento de uma nova cultura: uma cultura de tolerância, que não significa
outra coisa que não o duro aprendizado (nosso) de conviver com a diversidade.
Os comportamentos socialmente indesejáveis, mas não antijurídicos, podem e,
em muitos casos, devem ser objetos de políticas específicas: mas isso, sim,
absolutamente despojadas de conteúdos de caráter coercitivo.
O Estatuto, abarcando o melhor da normativa e da doutrina internacional,
consagra o princípio do “incompleto institucional”; ou seja: colocar a instituição
responsável pela privação de liberdade em uma situação mais dependente possível do
mundo real. Entretanto, o princípio do “incompleto institucional” só poderá ser
realizado se implantado, simultaneamente, o princípio do “incompleto profissional”.
Os órgãos deliberativos e gestores do Sistema Socioeducativo, em especial as
instituições executoras das medidas socioeducativas de privação de liberdade, devem
promover a articulação da atuação de diferentes áreas da política social. Nesse papel de
articulador, a incompletude institucional é um princípio fundamental e norteador de
todo o direito da adolescência, que deve permear a prática dos programas
socioeducativos e da rede de serviços. Demanda a efetiva participação dos sistemas e
políticas de educação, saúde, trabalho, previdência social, assistência social, cultura,
esporte, lazer, segurança pública, entre outras, para a efetivação da proteção integral de
que são destinatários todos adolescentes. Portanto, a instituição de privação de liberdade
deverá ser “dependente” dos demais aparelhos sociais e dos profissionais que compõem
a rede de serviços na incompletude profissional, sendo indispensável à articulação das
várias áreas para maior efetividade das ações a participação da sociedade civil.
Nessa perspectiva, rompe-se com o paradigma da completude institucional ou
instituição completa através do qual se aprisionam e excluem os adolescentes em
conflito com a lei, justificando o “bom e necessário atendimento” pela instituição total
(GOFFMAM, 1996).
A medida de privação de liberdade encerra em si mesma uma contradição
profunda, mas não indecifrável ou irresolúvel. O grau de sua eficiência está
dado pelo grau de sua “não necessidade”. Liberar-se da cultura de sua
necessidade e transformá-la num meio contingente e aleatório constitui o
melhor caminho de sua construção-reconstrução. (COSTA, 2004, p. 37)
77

O autor aponta a perspectiva de um trabalho a partir da “utopia positiva”, no


sentido de que a melhor instituição para a privação da liberdade é aquela que não existe
e que a melhor sociedade é aquela que supera a necessidade de sequestrar conflitos
sociais que podem ser resolvidos por outras vias.
Segundo Emilio Garcia Mendez (1992),
despojadas de seus eufemismos, as leis de menores na América Latina
propõem uma correspondência perversa entre a realidade cruel e um direito
absurdamente repressivo. As leis de menores na América Latina eliminam,
negativamente, a distância entre a norma e a realidade. O caráter garantista
único do Estatuto da Criança e do Adolescente inaugura uma brecha positiva
entre direito e realidade, que somente técnicas baseadas em profundas razões
humanitárias e uma política consequente de respeito aos direitos humanos
conseguirão reverter. (p. 15)
78

Capítulo 2 – ECA e o DEGASE – início da política estadual

Na década de 90, as congêneres estaduais da FUNABEM, cada uma a sua


maneira, percorreram caminhos que, no essencial, não diferem muito da trajetória da
antiga instituição.
Na fase final da PNBEM (Política Nacional do Bem-Estar do Menor - Lei
4513/64), ficou claro que o modelo político institucional herdado do regime militar não
poderia escapar à pressão da política externa e da ambiguidade entre o discurso de seus
dirigentes e, no nível operacional, das práticas de violência do modelo correcional-
repressivo. Foi exatamente nesse momento que uma equipe técnica interdisciplinar
instituiu o FONACRIAD (Fórum Nacional de Dirigentes Estaduais de Políticas para a
Criança e o Adolescente).
O FONACRIAD lutou de maneira coerente e digna pelo fim do Código de
Menores e da PNBEM, defendendo o Estatuto da Criança e do Adolescente em todas as
fases de sua vitoriosa tramitação nas duas casas do Congresso Nacional e da sua
posterior sanção pelo presidente da República.
No Estado do Rio de Janeiro, durante a turbulência político-institucional do
Governo Collor, o processo de entrega dos complexos dos bairros de Quintino Bocaiúva
e da Ilha do Governador ao Estado já estava em curso: os funcionários federais foram
transferidos para Brasília ou para instituições federais e os escritórios estaduais estavam
sendo reforçados, ou seja, havia um reordenamento institucional.
Em razão das mudanças constitucionais e do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), teve lugar a redefinição das atribuições dos estados e municípios.
Os abrigos para atendimento de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade
social ficaram ligados aos municípios, cabendo ao Estado a estrutura de atendimento
aos adolescentes em conflito com a lei. Em consequência, foi criado – em janeiro de
199329 – o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE), ligado à então
Secretaria de Estado de Justiça, com o objetivo de promover, coordenar e controlar as
ações pertinentes:

I - à prevenção, à ocorrência da ameaça ou violação dos direitos da criança e


do adolescente;

29
Através do Decreto nº 18.493, de 26 de janeiro de 1993.
79

II - à defesa e garantia dos direitos fundamentais e de proteção integral à


criança e ao adolescente, na forma da Constituição Federal e da legislação
específica;
III - à integração operacional com os órgãos do Judiciário, Ministério
Público, Defensoria Pública, Segurança Pública e Assistência Social, para
efeito do atendimento inicial ao adolescente a quem se atribua ato
infracional;
IV - à execução dos programas de atendimento às medidas socioeducativas
de proteção específica aplicadas em conformidade com o Estatuto da Criança
e do Adolescente.

A criação do DEGASE atendeu ao novo reordenamento das políticas públicas no


país, preconizadas na Constituição de 1988, cujo texto valoriza a descentralização
político-administrativa, atribuindo aos órgãos federais funções normativas e
coordenadoras e aos órgãos estaduais e municipais a coordenação e execução dos
programas de proteção à criança e ao adolescente.
Com isso, foram extintos, no início dos anos 90, os organismos federais de
execução (a FUNABEM e sua sucessora, a Fundação Centro Brasileiro para a Infância e
Adolescência – CBIA), os quais passaram a outras esferas da administração pública.
Na organização e estrutura do DEGASE, incorporaram-se 03 (três) unidades de
Internação30 da extinta FUNABEM, situadas na Ilha do Governador.
Criou-se a Unidade de Recepção Socioeducativa - URSE, planejada com o
objetivo de dar agilidade ao atendimento de crianças e adolescentes, integrando dentro
de um mesmo espaço físico os órgãos da Delegacia de Proteção à Criança e ao
Adolescente, o Juizado da Infância e Juventude, o Ministério Público, a Defensoria e a
recepção do DEGASE (conforme o que está preconizado no artigo 88, inciso V do
ECA).
Na mesma época, foram implantadas unidades socioeducativas denominadas de
Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor - CRIAM (dezesseis unidades
construídas no final dos anos oitenta, distribuídas pela capital e alguns municípios do
Estado), já atendendo ao Plano do Governo Federal de descentralização do atendimento
às crianças e aos adolescentes.
O Estado do Rio de Janeiro foi o primeiro Estado da federação a implantar o
projeto de descentralização, antes mesmo da promulgação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, em razão de ser o único Estado em que a FUNABEM atendia diretamente
às crianças e aos jovens em seus internatos.

30
Instituto Padre Severino, Educandário Santos Dumont e Escola João Luiz Alves.
80

Na época, a crítica central dirigida ao atendimento promovido pela FUNABEM


era de que o sistema de atenção aos menores produzia um isolamento e uma enorme
segregação. O órgão federal assumia a responsabilidade exclusiva pelo destino de
crianças e jovens privados do convívio familiar e comunitário.
A política de descentralização apontava para a necessidade de integração de
recursos (municipais, estaduais e federais), para a participação comunitária e para a ação
conjugada entre os diferentes atores sociais envolvidos com as questões da infância e
juventude. No documento inicial sobre a criação dos CRIAMs, percebe-se o processo de
descentralização refletindo o início do processo de redemocratização do país, com a
intenção de “criar condições para que se manifeste objetivamente a crença de que o
‘menor é problema de todos nós’ – pedindo soluções criativas, inteligentes, políticas e
racionais . (FIA, 1986, pp. 2-3)”. Afirma ainda que

o programa de descentralização tem uma dimensão estratégica: encoraja a


organização e a implantação de projetos táticos – mas a definição de
programas e a concepção operacional surgem de um profundo raciocínio
diagnóstico; e do respeito à composição política e social de cada região –
interpretada por uma ampla participação comunitária, através de organizações
e estruturas rigorosamente democráticas. (FIA, 1986, pp. 2-3)

A concepção do projeto de descentralização do “atendimento ao menor” no Rio


de Janeiro tinha como ideias balizadoras: a proposta de ação conjugada entre diferentes
parceiros; interdisciplinaridade; e estruturação do atendimento em pequenas unidades
semiabertas nos municípios próximos às moradias dos adolescentes e suas famílias.
Com o advento do Estatuto, alteraram-se os sistemas de atendimento dos
chamados “infratores”, passando a existir três sistemas: um para crianças (aquelas que
têm menos de 12 anos de idade), um para adolescentes (aqueles que têm de 12 a 18
anos) e outro para adultos (mais de 18 anos). O sistema para adultos continuou sendo o
penal; o destinado aos adolescentes passou a ser chamado de socioeducativo; e o da
criança é meramente protetor, isto é, uma criança que comete um ato definido como
crime recebe uma medida de proteção, nunca uma medida socioeducativa ou uma
prisão.
No entanto, o atendimento socioeducativo para os adolescentes em conflito com
a lei sempre foi visto a partir de uma visão repressora e prisional. Da mesma forma que
se pune o adulto infrator, a tendência é punir o adolescente infrator, havendo, pois, uma
dicotomia entre o discurso construído em torno da lei e o do sistema operacional de
atendimento.
81

O sistema socioeducativo não ampara o reducionismo hipócrita (prender para


satisfazer a sociedade, para que esta ache que esta sendo resolvido o
problema), nem o falso protecionismo. O sistema socioeducativo pugna pela
recuperação do adolescente que tenha tido um desvio de conduta, que tenha
se envolvido com a infração penal. (Judá Jessé de Bragança Soares, Ex-
Diretor do DEGASE, 2000)

A nova lei, em princípio, poderia significar novas concepções de atendimento.


No entanto, o DEGASE herdou a mesma estrutura organizacional das unidades
pertencentes à FUNABEM/PNBEM: o Complexo da Ilha do Governador, a Escola João
Luiz Alves, o Instituto Padre Severino, responsáveis pela execução de medida
socioeducativa de internação de adolescentes do sexo masculino, e o Educandário
Santos Dumont, para o atendimento a adolescentes do sexo feminino.
O depoimento de quem trabalha nessas unidades de internação é suficientemente
contundente para mostrar que a mudança de siglas e mesmo a instauração de novas leis
não significaram nenhuma modificação no panorama existente. Essas unidades
continuaram sendo lugar da violência, do encarceramento e da negação das liberdades
individuais.
Fui convidado por uma ONG para trabalhar no DEGASE, era contratado.
Quando cheguei na Escola João Luiz Alves, não sabia a quem me dirigir.
Numa sala ficava o pessoal federal, que não sabia para onde iria. Do outro
lado, estavam os do Estado, todos para funções técnicas e do outro os
contratados para manterem a segurança, os agentes. Estes tinham que calar os
adolescentes, mantê-los controlados. (Agente de Disciplina 1)

Apesar da existência do Estatuto da Criança e do Adolescente, o controle


continuava sendo a palavra de ordem das unidades de internação. Era preciso controlar
os internos, não importava a forma. As condições de vida nessas unidades também não
pugnavam pela dignidade.

Fui mandado para a Escola João Luiz Alves, para uma ala com mais de trinta
adolescentes, depois de passar mais de sete horas com eles num espaço
mínimo, sujo e com pouca iluminação, cercado por grades. Um agente se
aproximou de mim e me perguntou o que eu estava fazendo ali, eu disse que
era o meu posto. Então ele disse que ali era terra de ninguém, e que eu
poderia ter sido morto. Era área dos meninos. (Agente de disciplina 2)

Instituíram-se também três outras fórmulas intermediárias de restrição de


liberdade: a Semiliberdade, a Liberdade Assistida e a Prestação de Serviço à
Comunidade31. Os CRIAMS – Centros de Recursos Integrados para Atendimento ao
Menor – ficaram responsáveis pelo controle dessas medidas.

31
A Execução de Medida Socioeducativa por determinação dos Juizados da Infância e Juventude prevista
no Estatuto da Criança e do Adolescente define, no artigo 120, a Semiliberdade: “O regime de semi-
liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto,
82

Em 2009, os CRIAMs passam a ser denominados Centro de Recursos Integrados


de Atendimento ao Adolescente (CRIAAD), buscando romper com a lógica do termo
“menor”. Em março de 2013, existem 17 CRIAADs distribuídos de forma a garantir o
atendimento à capital e parte dos municípios do Estado do Rio de Janeiro32.
Poucos são os registros oficiais da história do DEGASE nestes dezenove anos.
Porém, através dos meios de comunicação e dos relatos orais, aparece uma história que
nada tem de glamorosa: rebeliões, denúncias de maus tratos e o não cumprimento dos
preceitos legais do Estatuto da Criança e do Adolescente, como a escolarização e a
profissionalização.
Em 1994, houve o primeiro concurso público para funcionários do
Departamento. O quantitativo mínimo, longe da necessidade real, foi convocado a
mudar o modelo de atendimento ao adolescente herdado da antiga FUNABEM. Relatos
demonstram a total violação aos direitos preconizados no Estatuto da Criança e do
Adolescente:
Éramos colocados em uma quadra, eu e mais uns dois colegas, com um pau
na mão e mais cem adolescentes sentados no cimento da quadra, só de short,
e falavam: tomam conta destes menores. Eu pensava: pra que eu precisei
estudar Paulo Freire para passar neste concurso? (Agente de Disciplina 3)

Registros escritos também repetem os mesmos sentimentos:

Queremos mais uma vez consignar nossa posição de absoluto repúdio às


práticas hediondas de espancamento, isolamento e encarceramento, de
constrangimento e da aterrorização psíquica contra criança e adolescente, e
reivindicamos o esclarecimento completo dessas denúncias e aplicação das
sanções cabíveis nos casos em que se constatar a veracidade das violações à
legislação. (Carta enviada por um grupo de profissionais da Escola João Luiz
Alves para a diretoria do DEGASE - 1996)

Os dois depoimentos acima mostram que continuava vigorando, no final da


década de 1990, quase dez anos após a promulgação do Estatuto da Criança e do

possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial”. Já em


relação à Liberdade Assistida, diz o Artigo 118: “A liberdade assistida será adotada sempre que se
afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente”. O artigo
117 fala da Prestação de Serviço a Comunidade: “A prestação de serviços comunitários consiste na
realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a
entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas
comunitários ou governamentais”. In: Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº8.069/1990.
32
Os CRIAMs/CRIAAD’s recebiam adolescentes em cumprimento de medida de Semiliberdade ( ECA,
art.120), Liberdade Assistida ( ECA art.118 e art. 119) e Prestação de Serviços à Comunidade (ECA,
art.117) de ambos os sexos, após o devido processo legal. Com a política de municipalização das medidas
em meio aberto, em 2009, os CRIAAD’s passam a atender exclusivamente adolescentes sob determinação
judicial em medida socioeducativa de Semiliberdade.
83

Adolescente, a velha fórmula de lidar com “menores infratores”: maus tratos,


encarceramento, isolamento, incompreensão. O sistema prisional permanecia inalterado,
assim como a visão que a sociedade tinha do menor infrator.
A execução das medidas socioeducativas pela administração pública está sujeita
à supervisão e ao controle judicial, em nível federal e estadual. Esse controle está
previsto no Plano de Proteção e Defesa de Direito da Criança e do Adolescente e no
Programa de Direitos Humanos, assim como no Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Ministério da Justiça assume explicitamente tal entendimento no Plano de
Ação do Departamento da Criança e do Adolescente, vinculado à Secretaria Nacional
dos Direitos Humanos, e reconhece, por sua vez, o Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente - CONANDA, a quem cabe supervisionar o desenvolvimento
do Plano de Ação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Todos esses
mecanismos e instituições corroboram as ações mapeadas nas Diretrizes Gerais para
Atenção Integral à Infância e à Adolescência no Brasil.
O CONANDA, através da Resolução nº 46 de 29 de outubro de 1996, resolveu
que “nas unidades de internação será atendido um número de adolescentes não superior
a quarenta” (art.1º) e tentou conciliar a inviabilidade da municipalização com a proposta
de regionalização. “Em cada Estado da Federação haverá uma distribuição
regionalizada das unidades de internação” (art. 2), tornando-se, pois, uma espécie de
balizador político de novas normas da organização institucional do Estado.
No Rio de Janeiro, a situação do DEGASE, na década de 1990, agravava-se a
cada dia.
O DEGASE nasceu para ser coveiro da FUNABEM, como a FUNABEM nasceu
para ser coveiro do SAM, segundo a brilhante metáfora da escritora Eliane Maciel. A
verdade histórica é que a FUNABEM, de coveiro, acabou convertendo-se em filha do
SAM. Seria o DEGASE, ao invés de coveiro da FUNABEM, o seu filho e, por
conseguinte, o neto do SAM?
O esgotamento técnico e operacional do modelo em vigor levou o sistema
administrativo do DEGASE a uma crise institucional, exigindo uma corajosa
reengenharia institucional.
Em 1997, houve uma grande rebelião na Escola João Luiz Alves, unidade de
internação de adolescentes do sexo masculino. O incêndio então provocado destruiu
grande parte do prédio no qual funcionava a Escola. Os adolescentes que lá estavam
84

internados foram transferidos provisoriamente para a Casa de Custódia Muniz Sodré,


unidade desativada do Complexo Penitenciário de Bangu.
Em 1998, em respeito aos preceitos dos artigos 92 (inciso VI) e 124 (inciso VI)
do ECA, que recomendam o atendimento personalizado e em pequenos grupos – dando
o direito ao adolescente de permanecer internado na mesma localidade ou em unidades
mais próximas ao domicílio de seus pais ou responsáveis –, a Secretaria de Estado de
Justiça do Rio de Janeiro criou um Grupo de Trabalho para elaborar um projeto
denominado Projeto de Excelência, o qual planejou a reestruturação do DEGASE no
sentido de regionalizar o atendimento: “[...] com a instalação de novas unidades e
programas, sem desprezar o potencial existente no Complexo da Ilha do Governador,
compatibilizando a racionalização dos recursos com os princípios do ECA” (Projeto
Excelência, 1998, p. 2).
Sob nova direção, o DEGASE firmou parceria com o governo federal para
liberação de verbas e a operacionalização do projeto. Porém, as verbas não foram
liberadas em sua plenitude, mas, ainda assim, parte do projeto possibilitou avanços no
sistema socioeducativo estadual:

 Reforma da Escola João Luiz Alves, com divisão física em quatro módulos para
atendimento a quarenta adolescentes em cada um, compartilhando os
equipamentos comuns (refeitório, escola, campo de futebol, quadras de esporte,
piscina, teatro e ginásio coberto);

 Reforma da Casa de Custódia Muniz Sodré em Bangu, a partir da qual passou a


ser denominada Educandário Santo Expedito – unidade de internação de
adolescentes do sexo masculino;

 Criação do Centro de Triagem e Recepção - CTR33, em 1997, na Ilha do


Governador, evitando que o adolescente permanecesse por muito tempo na
Delegacia ou no Instituto Padre Severino (unidade de internação provisória
masculina);

 Criação do Centro de Atendimento Intensivo - CAI na Baixada Fluminense, em


1998, com o objetivo de descentralizar a internação de adolescentes do sexo
masculino no Estado e reduzir a superlotação nas unidades de internação na Ilha
do Governador;
33
Em 2009/2010, o CTR passou por grande reforma e foi reinaugurado em agosto de 2010 com o nome de
Centro de Socioeducação Professor Gelso de Carvalho Amaral.
85

 Reativação do Centro Profissionalizante (antigas oficinas da FUNABEM),


anexo à Escola João Luiz Alves, em 1999;

 Criação do Plantão Interinstitucional (PI) no interior da 2ª Vara da Infância e


Juventude da Capital, em 1999, com o objetivo de agilizar os processos dos
adolescentes em conflito com a lei;

 Criação, em 1999, de Polos de Liberdade Assistida na Ilha do Governador e na


Zona Oeste, com o objetivo de melhor distribuir o atendimento da Liberdade
Assistida na capital;

 Implantação de regime regular de ensino nas unidades de internação (Escolas


Estaduais);

 Convênio de parceria técnica com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro


para capacitação dos técnicos, implementação de pesquisas, além de atividades
de consultoria; e

 Realização do primeiro concurso público para servidores estatutários do


DEGASE.
Essa direção não permaneceu por muito tempo. As pressões do Judiciário, a falta
de estrutura administrativa e a morosidade burocrática na liberação de verbas para a
implantação da reestruturação humana e física das unidades, agravadas pela superlotação
e rebeliões constantes, não permitiram tirar do papel os avanços contidos na legislação
em termos de segurança cidadã e dos direitos fundamentais do adolescente em conflito
com a lei.
A Penitenciária Muniz Sodré, onde estão internados 400 menores infratores,
é um cruel campo de concentração, que só difere dos utilizados na 2.ª Guerra
Mundial pelo espaço mais reduzido. A afirmativa parece queixa de algum
interno, mas foi feita pelo ex-diretor do Departamento Geral de Ações
Sociais e Educativas do Estado (DEGASE), Judá Jessé Soares, que pediu
demissão quarta-feira. Não tenho fôlego para essa desumanidade, diz o ex-
diretor . (...) Houve mudança na filosofia do Poder Judiciário, que passou a
internar mais, em vez de aplicar penas alternativas. Ele refere-se ao juiz da 2.ª
Vara de Justiça da Infância e da Juventude, Guaraci de Campos Vianna. Ele
acha que faltam vagas nas instituições, mas o que falta é política para essas
crianças se desenvolverem. (O Estado de São Paulo, 19/05/1998)

O clima de desgaste e tensão permanente nas unidades de internação e entre os


poderes Executivo e Judiciário, tornando os dirigentes políticos desses órgãos
literalmente reféns, em alguns momentos, dos operadores do sistema, mostra a concreta
luta de poder existente. Essa luta impossibilita a implantação de novos planos para
86

melhorar as condições de vida dos adolescentes, personagens que deveriam ser centrais
nesta história, mas não são.
A nova administração do DEGASE deu continuidade ao Plano de Excelência.
O Programa de Cooperação Técnica UERJ e DEGASE, com o apoio do
Ministério da Justiça, através da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e por meio
de convênio com a Secretaria de Estado de Justiça, iniciou novas ações socioeducativas
nas instituições do DEGASE.
Em 1998, foram convocados funcionários concursados, reduzindo o número de
contratados. A UERJ realizou um curso de atualização, envolvendo técnicos e agentes
educacionais.
As unidades sofreram reformas estruturais. Foram estabelecidas parcerias com
as secretarias de Educação e de Trabalho e com Organizações Não Governamentais.
Descentralizou-se o atendimento, e novas unidades e projetos foram inaugurados.
A superlotação das unidades agravava as condições de atendimento aos
adolescentes, a centralidade das unidades de internação e internação provisória, todas
localizadas na cidade do Rio de Janeiro, e inviabilizava um trabalho articulado com as
famílias e as comunidades de origem dos adolescentes. Visando atender as demandas da
baixada fluminense, região metropolitana ao Rio de Janeiro, foi criado, em setembro de
1998, o Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo, para atender os adolescentes
em conflito com a lei em regime de internação da baixada e dos demais municípios do
estado.
As rebeliões e denúncias de um sistema violento intensificaram-se na mídia
impressa e televisiva.
Kathie Njaine e Maria Cecília de Souza Minayo (2002) realizaram uma pesquisa
sobre o discurso da imprensa sobre rebeliões de jovens infratores em regime de privação
de liberdade no DEGASE, no período de 1997-1998 nos jornais de grande circulação: O
Globo, Jornal do Brasil e O Dia.
A pesquisa faz um levantamento dos discursos apresentados pela mídia para
identificar e nomear o adolescente em conflito com a lei e aqueles, por determinação
judicial, considerados adolescentes infratores. Nas reportagens do jornal O dia (12
matérias, seção policial), o termo “menores” aparece 53 vezes (42,4 %) e “meninos”, 32
vezes (25,6 %); em O Globo, o termo “menores infratores” aparece 85 vezes (35,3 %),
muito próximo do termo “menores”, 81 vezes (33,8 %); e no Jornal do Brasil, “menores
infratores” aparece 69 vezes (39,6 %) e “menores”, apenas 27 vezes (15,5 %).
87

Ao se colocar a palavra “menores” como sujeito indefinido das frases, os títulos


enunciam, estrategicamente, a condição de oposição entre esses meninos e os
adolescentes não infratores, assinalando a inferioridade dos primeiros, ao mesmo tempo
em que não os distinguem nem como sujeitos reais.
As autoras destacam que a narrativa jornalística, em particular a de estilo
policialesco, tenta produzir, frente à opinião pública, a construção da imagem-estigma
de crianças e adolescentes como seres (animais) perversos, nocivos à sociedade e
sujeitos sem recuperação ou desumanos, com agressividade incontrolada (ibem, p. 295).

Destacam, ainda, que,


[...] como numa profecia auto-anunciada, na trajetória de sua vida
institucional, a maioria dos adolescentes infratores em instituições de
internamento acaba por assumir o futuro que a sociedade lhe impôs (...)
apenados do sistema penitenciário do Rio de Janeiro (p. 296)

Em 1999, houve a implantação de um ambulatório para tratamento de


dependência química, denominado Nossa Casa.
Nesse mesmo período, foi realizada uma grande pesquisa institucional pela ONG
Universidade Popular da Baixada Fluminense, traçando um perfil do atendimento. A
pesquisa
[...] revela que a falta de um projeto de recuperação abre um flanco para
maus-tratos, aumenta os riscos de motins e reduz as chances desses jovens,
cada vez mais violentos. Do total de 900 menores tutelados pelo estado,
quase 40% deram entrada no sistema por roubo e 37% por tráfico. Os
menores entrevistados pelos pesquisadores relataram sofrer ameaças, maus
tratos e até casos de tortura dentro das instituições do Departamento. (Jornal
do Brasil, 29 de maio de 2000, p. 16)

A reportagem intitulada “Vida Bandida dos Internatos” concilia e anuncia os


maus tratos com o perfil de violência dos adolescentes: “cada vez mais violentos”,
“aumenta os riscos de motins”, “roubo “tráfico”, ressaltando a violência institucional da
qual os adolescentes são vítimas: “os maus-tratos”, “tortura”, cometidos contra eles por
parte dos agentes educacionais.
De um lado, a mídia reforça a imagem do menor infrator como vítima e autor da
violência, rotulando-o com termos do tipo identificando “bandido” e “vida bandida”.
Tudo isso transmite e reforça a ideia de “periculosidade” e o menor infrator como
“perigoso”, sendo essa a sua marca-estigma. As imagens contribuem para essa
construção simbólica e subjetiva:
88

Figura 03: Reportagem

Fonte: CEDOM (Centro de Documentação e Memória do DEGASE)

Figuras 04 e 05: Reportagem

Fonte: CEDOM (Centro de Documentação e Memória do DEGASE)

Nas narrativas dos confrontos entre agentes e adolescentes, observa-se uma


equiparação indevida dos diferentes atores envolvidos na trama, como se todos tivessem
a mesma força, as mesmas armas e as mesmas condições de reação:
89

Figuras 06: Reportagem

“(...) entregar drogas para traficantes não ameaça


ninguém”, opina o coordenador da pesquisa. De acordo
com ele, a maioria dos infratores não é de alta
periculosidade, mas acaba influenciada pelos outros
menores, acusados de homicídio e tráfico. “Lá dentro a
gente só pensa em sair pior”, revela M. - 18 anos. (...) Os
agentes entrevistados alegam que o estresse do plantão de
24 horas, a falta de treinamento e de regras claras
explicam, em parte, os casos de maus-tratos: “A situação é
tensa e acabamos descontando nos garotos”, assume o
agente Z. (Jornal do Brasil, 29 de maio de 2000, p.16)

Fonte: CEDOM (Centro de Documentação e Memória do


DEGASE)

As notícias dos jornais organizam a sociedade e as instituições socioeducativas e


indicam a produção da delinquência.
Parece-nos que o registro impresso no jornal, como espaços discursivos,
práticas das experiências que são recobertas essencialmente por relações de
forças no processo histórico das instituições socioeducativas na interface
mídia- sociedade, se voltam para o sujeito adolescente enquanto formas de
sujeição em “menor-infrator-delinquente”, porém, no centro de
transformação dessas relações de forças, evoca o enfrentamento enquanto
acontecimento histórico para a constituição de processos de um sujeito
ativo. Os adolescentes em conflito com a lei revertem o que lhe “imposto”,
assim como, os sujeitos implicados nas relações de força saber-resistência e
no cuidado de si. (FOUCAULT, 2000c, p320)
Seriam as rebeliões uma forma de resistência?
O sistema socioeducativo possui um saber que lhe é próprio, construído na
sua prática histórica. Assim, em 2001, um grupo de profissionais, gestores
técnicos, criaram a “Escola Socioeducativa” 34 com o objetivo de formar e
atualizar de forma contínua os trabalhadores do DEGASE. Tendo como
projeto de formação “O DEGASE pelo DEGASE”, onde profissionais do
próprio departamento atuavam como instrutores professores, “trocando e
construindo saberes sobre a socioeducação”. (Entrevista com socioeducador
1- 2013)

34
Em 2008, com a publicação do Decreto nº 41.144, de 24 de janeiro, que alterou a estrutura
organizacional do DEGASE e deu outras providências, ela passou a ser denominada “Escola de Gestão
Socioeducativa Paulo Freire - ESGSE”.
90

Durante o Governo de Anthony Garotinho, o DEGASE deixou de ser vinculado


à Secretaria de Justiça para fazer parte da Secretaria de Direitos Humanos e Assuntos
Penitenciários, sendo, portanto, alocado junto com sistema penitenciário dos adultos. A
proposta prisional, até na estrutura organizacional, não diferenciava um departamento
do outro.
Em 2002, a Superintendência de Saúde, ligada à Secretaria de Direitos Humanos
e Sistema Penitenciário, à qual o DEGASE estava vinculado, instalou o Núcleo de
Avaliação Biopsicossocial Anita Heloísa Mantuano “com o objetivo de traçar o perfil
do adolescente em conflito com a lei e, assim, subsidiar programas de educação e saúde
individualizados” (Superintendência de Saúde, 2002, p. 2).
Com o investimento federal no Projeto de Excelência e com a abertura do
sistema pelo grupo de funcionários concursados, houve alguns avanços, como a criação
do CTR (Centro de Triagem e Recepção)35; a reestruturação do Centro
Profissionalizante na Ilha do Governador; a criação de Polo de Liberdade Assistida da
Capital, deslocando para esse novo órgão o atendimento anteriormente realizado pelos
CRIAMs; e a Implantação de Projeto Nossa Casa e do Centro de Tratamento para
Dependentes Químicos.
A parceria com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro repercutiu em
encontros e discussões, restritas, entretanto, ao meio acadêmico e aos personagens do
Poder Judiciário – federal e estadual – e do Poder Executivo e, por vezes, a
organizações não governamentais. Poucos foram os operadores e servidores do
DEGASE que se beneficiaram com essa parceria interinstitucional.
Essas medidas não indicaram mudanças significativas no cotidiano das
instituições socioeducativas de internação e internação provisória, na vida dos
adolescentes, uma vez que os agentes e técnicos, responsáveis diretos pelo contato com
os adolescentes, não foram envolvidos nesses projetos.
Ou seja, aqueles que atuavam junto aos adolescentes internos continuavam
reproduzindo práticas institucionais punitivas-repressoras. A ausência de discussão
crítica e de formação técnica e o sucateamento das instituições, muitas vezes,
justificavam a contenção física ou a aplicação de formas de violência física e simbólica,
tratamentos vexatórios, humilhantes aos adolescentes.

35
O CTR é um centro de internação provisória e triagem para menores encaminhados pela Delegacia
Especial da Criança e do Adolescente e pelo Juizado da Infância e Juventude da Capital.
91

Um grupo de profissionais buscou uma articulação com instituições não


governamentais e acadêmicas para a melhoria do sistema socioeducativo.

Figura 07: Reportagem

Fonte: CEDOM (Centro de Documentação e Memória do DEGASE)

Figura 08: Reportagem

Fonte: CEDOM (Centro de Documentação e Memória do DEGASE)

No período das eleições de 2002/2003, o DEGASE passou por diferentes


gestões, em especial na fase do governo liderada pelo Partido dos Trabalhadores 36.
Durante esse curto período, o DEGASE passou a fazer parte da Secretaria de Direitos
Humanos, separando-se do DESIPE.

36
A vice-governadora Benedita da Silva, do PT, assumiu o Governo do Estado para que o então
Governador Anthony Garotinho pudesse para concorrer à Presidência da República.
92

As denúncias de maus tratos vieram à tona e ganharam, novamente, as


manchetes dos jornais.
Policiais Militares do Grupamento Especial Tático-Móvel (GETAM) fizeram
ontem uma revista no Instituto Padre Severino, na Ilha do Governador, após o
juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude, Guaraci Vianna, conceder, na
noite de segunda-feira, liminar para realização de busca e apreensão no local.
Segundo agentes disciplinares, desde a última rebelião, no domingo, os 172
internos estavam armados com facas e pedaços de madeira e de ferro. Além
de destruir pelo menos cinco pavilhões, os adolescentes impediram a entrada
de funcionários. (O Dia, 19/06/2002)

Os interesses corporativos continuam prevalecendo. Assim, os funcionários, que


atuam na vigilância aos menores e que, ao longo do tempo, acumularam privilégios,
vendo-se ameaçados ante o desmoronamento da estrutura que lhes garantia esses
mesmos privilégios, fomentam as rebeliões, fazendo com que os próprios dirigentes das
instituições se tornem reféns de suas intenções.
A melhor forma para esse corpo de agentes da disciplina conseguir seus intentos
e dissuadir os dirigentes que querem mudar essa situação de violência que se perpetua é
promover e induzir motins e rebeliões em série. Com isso, produzem um quadro
aterrorizador, construindo para a população a imagem de anomalia e desgoverno. O
recurso de promover e induzir motins e rebeliões em série é usado por esses grupos para
dissuadir dirigentes “bem-intencionados” de realizar qualquer mudança. Como
consequência quase natural, a direção deve ser substituída por alguém com maior
“experiência” e, sobretudo, com maior “pulso” (COSTA, 1998).
A razão principal da sucessão das rebeliões e as péssimas condições de
existência nas unidades de internação não aparecem nas notícias que divulgam sem
cessar os motins de adolescentes. Como na notícia do jornal O Dia, de 19 de junho de
2002, o tom que habitualmente prevalece é a periculosidade dos adolescentes, que estão
sempre armados e são apresentados como extremamente perigosos.
A imprensa tende, por outro lado, a assumir uma posição ambígua: ao mesmo
tempo em que denuncia as arbitrariedades cometidas contra os adolescentes, alimenta
junto à população a visão de sua periculosidade, pondo em dúvida a possibilidade de
recuperá-los. Utilizando-se do discurso da polícia e do Poder Judiciário – que muitas
vezes é adversário de uma nova forma de atendimento aos adolescentes em conflito com
lei e do direito da infância e da juventude pautado nos princípios dos direitos humanos –
, legitima esse mesmo discurso.
Ainda em 2002, foi criada uma unidade de internação (15 leitos) para
dependência química, denominada “Recuperando Vidas”.
93

Em 2003, os servidores do DEGASE elaboraram o plano de ação socioeducativo


denominado “Traçando Caminhos”. Na proposta, os eixos e as ações estavam calcados
na descentralização do atendimento socioeducativo; no fortalecimento da necessidade
de um atendimento mais personalizado aos jovens; na valorização da atenção às
famílias; na implantação de unidades menores e regionalizadas; e na aplicação de um
plano político-pedagógico centrado nos direitos humanos.
O projeto não saiu do papel.

Sobre a situação das Unidades de Execução das Medidas Socioeducativas


no Estado do Rio de Janeiro e os adolescentes 2006-2010

No Estado do Rio de Janeiro, o perfil dos adolescentes em cumprimento de


medidas socieducativas no Departamento Geral de Ações Sócioeducativas (DEGASE)
não difere dos dados apresentados pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da
Presidência da República - SEDH/PR sobre os jovens atendidos nos demais sistemas
socioeducativos estaduais. Tal constatação provém de uma política de atendimento
alinhada a diferentes políticas dentro de uma rede integrada de assistência e, sobretudo,
da atuação do Sistema de Garantia de Direitos.
Em levantamento estatístico realizado em 30 de setembro de 2010 (Coordenação
de Segurança e Inteligência - SINT), foram identificados 688 (seissentos e oitenta e
oito) adolescentes em cumprimento de medidas socieducativas no sistema DEGASE.
Esse levantamento indica que 27% (vinte e sete porcento), ou seja, 185 (cento e oitenta
e cinco) adolescentes no DEGASE se encontravam em cumprimento de medidas de
semiliberdade, 31 % (trinta e um porcento) aguardavam a determinação judicial em
internação provisória e 42 % (quarenta e dois porcento) estavam em cumprimento de
medida de internação.

Tabela 1 – Adolescentes atendidos pelo sistema socioeducativo e a população total


de adolescentes de 12 a 18 anos – por região e Estado do Rio de Janeiro

Regiões Adolescentes:SEDH*e População de 12 a 18


DEGASE** anos***
Brasil 16.868 25.030.970
Sudeste 8.896 9.790.356
Rio de Janeiro 688 1.766.054
94

*Dados da SEDH/SPDCA (Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente -


SNPDCA, 2008)
**DEGASE CSINT (Coordenação de Segurança e Inteligência) - 2010
***Censo Demográfico (IBGE, 2000) Caracterização da população - Resultados da amostra
Os dados indicam que o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei é
ínfimo diante da população de jovens no Estado do Rio de Janeiro e dos demais jovens
no sistema socioeducativo nacional.

Dados comparativos 2006 (SEDH), 2008 e 2010 (DEGASE)


Em 2006, a Subsecretaria de Proteção das Crianças e dos Adolescentes da
Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República -
SPDCA/SEDH/PR realizou um “Levantamento Nacional do Atendimento
Socioeducativo do Adolescente em Conflito com a Lei”, produzindo informações sobre
todas as unidades de internação, internação provisória e semiliberdade (unidades de
meio fechado) existentes no país. O referido documento apresentou um mapeamento
nacional da realidade socioeducativa, levando em consideração as variáveis: gênero;
tipo de medida (internação, internação provisória e semiliberdade); capacidade, lotação
e deficit; e quadro de pessoal (socioeducadores, técnicos e administrativos).
Com o objetivo de confrontar os dados do DEGASE (setembro de 2010) com o
primeiro mapeamento realizado em 2008, através da Pesquisa Perfil das Relações
Humanas e Institucionais do Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro -
DEGASE/SEDH (JULIÃO & ABDALLA, 2008), e com o levantamento da SPDCA
(2006), organizamos tabelas detalhadas, com informações comparativas dos
levantamentos de 2006, 2008 e 2010, possibilitando-nos um quadro mais acurado da
estrutura e da evolução recente das medidas socioeducativas no Estado do Rio de
Janeiro. Tal estudo visa contribuir para um planejamento estratégico e orçamentário
dotado de maior racionalidade, com melhor aproveitamento dos recursos públicos, tanto
financeiros quanto humanos.

Tabela 2 – Lotação DEGASE (2006, 2008 e 2010)


Rio de Lotação
Janeiro
2006 1.159
2008 1.107
2010 688
Fonte: ABDALLA, 2010
95

Em 2006, o número total de adolescentes em cumprimento de medidas


socioeducativas em unidades de meio fechado no Rio de Janeiro era de 1.159; em 2008,
1.107; e, em 2010, somente 688 adolescentes. Observa-se um decréscimo de 41% da
população atendida no Estado de 2006 a 2010. As estatísticas anuais demonstram um
processo de desinstitucionalização das medidas socioeducativas no Estado do Rio de
Janeiro nos últimos dois anos, indicando mudanças significativas nas políticas de
execução e de aplicação das medidas pelo judiciário.

Tabela 3 – Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas no


DEGASE, 2010

Total de
DEGASE/ MSE Porcentagem
adolescentes
Internação 288 42%
Internação Provisória 215 31%
Semiliberdade 197 27%
TOTAL 688 100%
Fonte: ABDALLA, 2010
No DEGASE, há 503 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa
de internação e internação provisória. Desses, 94% são do sexo masculino; 72% se
declararam pretos e pardos; 91% possuíam idade entre 16 e 18 anos; e 84 % não tinham
concluído o Ensino Fundamental.
Esses dados preliminares indicam que os adolescentes em conflito com a lei no
Estado do Rio de Janeiro não diferem da realidade dos jovens de classes sociais
empobrecidas no contexto brasileiro, exigindo atenção do Estado, com necessidade
urgente de uma agenda efetiva de políticas públicas e sociais, sobretudo que ampliem as
perspectivas de implementação de atendimento socioeducativo.
Em 2010, havia 42% de adolescentes na internação, seguidos de 31% na
internação provisória e 27% no regime de semiliberdade. Em total restrição de
liberdade, isto é, em internação e internação provisória, havia um total de 73% de
jovens em cumprimento de medida socioeducativa, doravante MSE. O regime de
semiliberdade, em comparação à internação, vem sendo menos aplicado.
Porém, na comparação dos dados entre 2008 e 2010, houve um decréscimo de
7% no quantitativo de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de
internação. Na época (março de 2008), havia 51% em internação, 24% em internação
provisória e 25% em semiliberdade. Identificou-se também um aumento de 2% no
96

quantitativo de adolescentes em cumprimento de medida de semiliberdade. A ausência


de dados sobre as MSE em meio aberto executada pelos municípios do Estado37:
Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade, nos Centros de Referências
Especializados de Assistência Social (CREAS), impossibilita-nos a análise comparativa
do período 2008 e 2010, entre aplicação e execução dessas medidas e as MSE restritivas
de liberdade sob responsabilidade do DEGASE.
Apesar de os dados apresentarem um decréscimo no quantitativo de ambos os
sexos, ainda permanece a média de 95% dos adolescentes do sexo masculino cumprindo
medida em meio fechado. Porém, a análise desses dados indica a necessidade de
aprofundamento de estudos e pesquisas sobre a delinquência feminina e sua reduzida
incidência, se comparada com a masculina. A pesquisa realizada por Rochele Fellini
Fachinetto indica:
É importante ressaltar que, ao contrário do que muitas teorias alegam, em
relação ao papel secundário da menina ou da mulher no ato infracional, a
grande maioria das jovens que cometeram esses delitos o fizeram junto com
amigos, sendo que a cada um cabia uma função distinta. Pode-se verificar
que, nessa divisão, a atuação delas no delito foi central e não secundária, ou
seja, elas não cumpriam apenas a função de “iscas” para atrair as vítimas,
mas participavam ativamente de todo o processo – até mesmo porque muitas
delas possuíam armas para cometer delitos, o que lhes atribuía maior poder.
Desta forma, na maior parte dos casos que envolviam estes tipos de delito, a
participação da jovem não foi secundária, mas ativa durante todo o processo.
(2008, p. 9)

Capacidade e lotação das unidades socioeducativas - DEGASE


O estudo sobre a capacidade das unidades socioeducativas no Estado do Rio de
Janeiro possibilitou-nos rever dados de 2006/2008 e apresentar novas configurações
para análise em 2010.
O Rio de Janeiro possui 04 (quatro) unidades de internação, sendo 02 (duas)
para atendimento de jovens do sexo masculino, 01 (uma) para jovens do sexo
feminino38 e 01 (uma) unidade de internação provisória masculina; além de 01 (um)
Centro de Socioeducação Professor Gelso de Carvalho Amaral, portal de ingresso
destinado ao acolhimento de adolescentes do sexo masculino. Todas essas unidades
apresentam capacidade superior ao previsto no SINASE (40 leitos). Porém, as suas
estruturas físicas são organizadas de maneira a possibilitar atividades de recolhimento
em alojamentos com capacidades variadas, desde individuais até o número máximo de
37
Não há fonte de dados fornecidos pelos municípios para pesquisa dos adolescentes atendidos em
medidas em meio aberto.
38
Que, além da internação, oferece a internação provisória.
97

08 (oito) leitos. Atividades coletivas como escolarização e formação para o trabalho são
realizadas em grupos de 10 (dez) a 15 (quinze) adolescentes em áreas específicas,
fazendo parte do complexo das unidades.
A unidade de internação e internação provisória que atende à proposta do
SINASE é a unidade de internação feminina (CENSE Professor Antônio Carlos Gomes
da Costa) com capacidade para o atendimento de 44 (quarenta e quatro) adolescentes.
As unidades de internação do sexo masculino apresentam um decréscimo de
58% de utilização de sua capacidade no período de 04 anos, significando a diminuição
na determinação de MSE de internação pelos Juizados da Infância e Juventude do
Estado do Rio de Janeiro, o fortalecimento do processo de municipalização das medidas
em meio aberto e o investimento na estrutura de atendimento das medidas restritivas e
privativas de liberdade. Nos anos anteriores (2006 e 2008), essas unidades
apresentavam quadro de excesso de lotação, chegando a ultrapassar a sua capacidade de
atendimento em 51%, evidenciando a precariedade do atendimento.
Atualmente, apenas a unidade de internação provisória masculina (Instituto
Padre Severino) apresenta déficit em sua capacidade de atendimento, apresentando uma
variável de lotação superior a sua capacidade de 12% a 26%, nos últimos anos.
Com relação à distribuição das unidades de internação e internação provisória no
Estado do Rio de Janeiro, com exceção do Centro de Atendimento Intensivo de Belford
Roxo, localizado no Município de Belford Roxo, as demais unidades encontram-se
localizadas na capital, demonstrando a necessidade de investimento do Estado no
processo de regionalização dessas medidas. A localização das unidades de internação e
internação provisória, concentradas na cidade do Rio de Janeiro, impede a efetivação da
garantia de direito à convivência familiar e comunitária dos adolescentes internados e o
princípio da incompletude institucional, devido à distância do local de residência
familiar e à não utilização dos recursos comunitários para a formação de redes externas
as unidades de internação.
Quanto às unidades de execução de medida socioeducativa em regime de
semiliberdade, os Centros de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente
(CRIAAD), todas estão dentro das determinações do SINASE, atendendo a, no máximo,
32 adolescentes.
98

Tabela 4 – Capacidade e Lotação DEGASE (2006, 2008 e 2010)

Internação
Masculino
Ano Capacidade Lotação % de Lotação
2006 406 615 151%
2008 430 648 151%
2010 408 275 67%
Internação
Feminino
Ano Capacidade Lotação % de Lotação
2006 40 0 Não registrado
2008 45 16 36%
2010 22 13 59%
Internação Provisória
Masculino
Ano Capacidade Lotação % de Lotação
2006 202 226 112%
2008 160 179 112%
2010 160 202 126%
Feminino
Ano Capacidade Lotação % de Lotação
2006 0 0 Não registrado
2008 22 17 77%
2010 22 13 59%
Semiliberdade
Masculino
Ano Capacidade Lotação % de Lotação
2006 512 289 56%
2008 512 236 46%
2010 477 185 39%
Nos
Feminino
Ano Capacidade Lotação % de Lotação
2006 32 29 91%
2008 32 11 34%
2010 32 12 38%
Fonte: ABDALLA, 2010
99

Os CRIAADs materializam as diretrizes legais, tanto em sua capacidade de


atendimento de, no máximo, 32 adolescentes, quanto em sua localização, próxima aos
municípios de moradia dos adolescentes atendidos: Rio de Janeiro (nos bairros de Ilha
do Governador, Penha, Bangu, Santa Cruz e Ricardo de Albuquerque); Niterói; São
Gonçalo; Nilópolis; Nova Iguaçu; Duque de Caxias; Volta Redonda; Teresópolis; Nova
Friburgo; Barra Mansa; Macaé; e Campos dos Goytacazes.
No Estado do Rio de Janeiro, desde 2009, os municípios passaram efetivamente
a executar as medidas de meio aberto (Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à
Comunidade), previstas no ECA e no SINASE. Esse processo de municipalização
iniciou em 2007, através do “Projeto de Mobilização para Implementação de Medidas
de Meio Aberto”, com a mobilização dos gestores e representantes de organismos de
garantia de direitos municipais. Atualmente, o DEGASE, através da assessoria às
medidas socioeducativas e ao egresso (AMSEG) e da Escola de Gestão Socioeducativa
Paulo Freire (ESGSE), coordena o Curso de Capacitação dos Profissionais das Medidas
em Meio Aberto – aprovado pela Secretaria Especial de Direitos da Criança e do
Adolescente – de 46 municípios do Estado e realiza acompanhamento técnico dos
Centros de Referências Especializados de Assistência Social CREAS municipais.
Os dados acumulados entre a capacidade de lotação, o quantitativo de
adolescentes em medidas socioeducativas e o investimento no aumento de funcionários,
no DEGASE, indicam a constante busca em adequar-se às diretrizes do SINASE.

Tabela 5 – Lotação e Percentual (2010)

DEGASE/ Total de Capacidade de Percentual de Vagas


MSE adolescentes lotação lotação
Internação 288 430 66,98% 33,02%
Internação 219 182 120,33% -20,33%
Provisória
Semi liberdade 197 509 38,70% 61,30%
TOTAL 688 1121 61,37% 38,63%
Fonte: ABDALLA, 2010
100

Tabela 6 – Quadro de Pessoal (2006-2008-2010)

QUADRO DE PESSOAL

ANO TÉCNICO SOCIOEDUCADOR ADMINISTRATIVO

2006 115 161 86


2008 130 713 57
2010 195 1012 67
Fonte: ABDALLA, 2010

No que diz respeito ao atual quadro de pessoal no Estado do Rio de Janeiro para
a área de execução das medidas socioeducativas, 79% é composto por agentes
socioeducadores; 15%, por técnicos; e 5%, por funcionários administrativos. Em
comparação aos dados divulgados no levantamento de 2006, evidencia-se um
significativo investimento do Estado no seu quadro, com um crescimento de 629% no
número de socioeducadores (agentes de disciplina, agentes educacionais e auxiliares de
disciplina) e 59% na equipe técnica (pedagogos, assistentes sociais e psicólogos).
Porém, em relação à equipe de funcionários administrativos, houve um decréscimo de
28% no seu quadro nos últimos quatro anos. Cabe ressaltar que o DEGASE possui 1472
profissionais39 em seu quadro de pessoal, atendendo diretamente aos 688 adolescentes
em cumprimento de MSE (internação, internação provisória e semiliberdade) e mais 66
adolescentes em suspensão de medida para tratamento de dependência química em
unidade de triagem, perfazendo um total de 754 adolescentes (setembro de 2010). A
média nacional, segundo o SINASE, é de 1,2 funcionários por adolescente em meio
fechado. No Rio de Janeiro, em 2010, o Estado possuía 3,5 funcionários por
adolescente.

Princípios pedagógicos das medidas socioeducativas e privação de liberdade


o caso DEGASE
Desde a criação do Código de Menores (1927-1979) e mesmo com os grandes
avanços apresentados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA,1990), parece
ser senso comum que a solução para a violência e a delinquência juvenil seja a
exclusão social por meio do aprisionamento dos adolescentes em conflito com a lei.

39
195 técnicos; 1012 socioeducadores; 67 administrativos; 65 profissionais da saúde (médicos, dentistas,
farmacêuticos, enfermeiros e técnicos de enfermagem); 48 profissionais da educação; e 85 outros
funcionários (técnicos em segurança no trabalho, motoristas etc).;
101

A origem e as diretrizes das primeiras instituições de atendimento às crianças e


aos adolescentes em situação irregular (Código de Menores – 1927-1979) possuíam
características de instituição total e de escolas-prisão pelo seu alto grau de
complexidade e de segregação familiar e comunitária, além de seu caráter repressivo-
punitivo à infância desvalida e “delinquente”.
Apesar do avanço na legislação brasileira, na prática, ainda podem ser
observadas no país muitas ações consideradas “menoristas”, de cunho estritamente
repressivo-punitivo, perpetuando os dispositivos disciplinares e de instituição total
(FOUCAULT, 2000c; GOFFMAN, 1996).
Assim, as medidas socioeducativas de internação ainda são pensadas como
correlatas a escolas-prisão: um aparelho disciplinar exaustivo em vários sentidos, que
pretende tomar a seu cargo todos os aspectos do indivíduo: seu treinamento físico, sua
aptidão para o trabalho, seu comportamento cotidiano, sua atitude moral, suas
disposições (FOUCAULT, 2000c), emfim, a docilização do corpo juvenil e o controle-
disciplina do delinquente.
A política pública de controle da criminalidade pautada no exercício de controle
desses jovens, muitas vezes, sobrepõe-se, em detrimento da execução de projetos
políticos voltados para o desenvolvimento pleno e fomentador do protagonismo juvenil.
Segundo Costa (2003), os adolescentes em conflito com a lei/adolescentes
infratores privados de liberdade (vitimizadores) são forçados a viver em instituições de
internação, pois se trata de uma medida socioeducativa de responsabilização jurídica.
A consequência da prática do ato infracional (conduta descrita nas leis penais),
por meio da medida socioeducativa, constitui a responsabilização do adolescente, sendo
incontestável que o jovem é responsável frente à legislação especial, o ECA, e
conhecida a natureza das medidas socioeducativas: sancionatória, embora
predominantemente educativa.
A internação – sem eufemismos – é a privação da liberdade, isto é, a suspensão
do direito de ir e vir, porém a suspensão desse direito não se caracteriza pelo enfoque
repressivo clássico que tinha por base a teoria da incapacitação, ou seja, era necessário
tirar o maior número de delinquentes das ruas pelo maior tempo possível: doutrina da
situação irregular. Na perspectiva da Proteção Integral (ECA - 1990), a medida de
internação prevê a garantia de direitos, as condições de atendimento e o impacto dessas
ações sobre o jovem.
Segundo Costa (2006),
102

toda internação é uma forma consciente de segregação, quanto mais completa


for a estrutura de um internato, levando-o a não ter que recorrer a recursos
institucionais e serviços externos, maior a sua capacidade de segregar. E
quanto maior for a capacidade de o internato segregar, maior será a sua
capacidade de exercer violência e arbitrariedade sobre os internos. Por isso,
nenhum serviço que possa ser realizado por outro órgão deve ser exercido
pela instituição responsável pela aplicação das medidas socioeducativas de
internação. (p. 60)

A existência da visão menorista ainda presente no sistema socioeducativo,


perpassando o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico,
político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de
apuração de ato infracional até a execução de medida socioeducativa propostos pela
legislação em vigor, torna invisíveis as políticas materializadas em práticas
institucionais de grupos que lutam cotidianamente pela garantia dos direitos humanos
dos adolescentes infratores.
Segundo Costa (2004), o caminho para uma mudança de paradigma sobre a
criminalização da juventude e a visão distorcida sobre as medidas socioeducativas são a
busca por ações educativas capazes de exercer uma influência edificante sobre a vida do
adolescente em conflito com a lei, criando condições para que ele cumpra duas tarefas
bem peculiares dessa fase de sua vida:
I) construir sua identidade, buscando compreender-se e aceitar-se;
II) construir seu projeto de vida, definindo e trilhando caminhos para assumir um
lugar na sociedade, assumir um papel na dinâmica sociocomunitária em que está
inserido.
Costa é enfático (2004):
Assim como existe educação geral e educação profissional, deve existir
socioeducação no Brasil, cuja missão é preparar os jovens para o convívio
social sem quebrar aquelas regras de convivência consideradas como crime
ou contravenção no Código Penal de Adultos. (p. 71)

Atualmente, as normativas nacionais indicam a perspectiva pedagógico-


educativa como fio condutor de toda ação socioeducativa.
Segundo o SINASE e as diretrizes nacionais em direitos humanos, a
socioeducação como práxis pedagógica propõe objetivos e critérios metodológicos
próprios de um trabalho social reflexivo, crítico e construtivo, mediante processos
educativos orientados à transformação das circunstâncias que limitam a integração
social a uma condição diferenciada de relações interpessoais e, por extensão, à aspiração
por uma maior qualidade de convívio social. Assim, a socioeducação, nas instituições
socioeducativas, realizar-se-á na preparação de adolescentes e jovens para o convívio
103

social, de forma que atuem como cidadãos e futuros profissionais, que não reincidam na
prática de atos infracionais (crimes e contravenções), assegurando-se, ao mesmo tempo,
o respeito aos seus direitos fundamentais e à segurança dos demais cidadãos (COSTA,
2006).
No último quinquênio, o governo estadual e o DEGASE vêm produzindo
inúmeros documentos que indicam uma mudança significativa na política de
atendimento ao adolescente em conflito com a lei no Estado do Rio de Janeiro.
Para o Plano de Atendimento Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro -
PASE/RJ - 2010, a socioeducação diz respeito a educar para o convívio social, no
sentido de criar espaços e condições para que adolescentes e jovens em conflito com a
lei, em razão do cometimento de ato infracional, possam desenvolver as competências
pessoais, relacionais, produtivas e cognitivas que lhes permitam, como pessoas,
cidadãos e futuros profissionais, desempenhar no convívio social sem reincidir na
quebra de normas tipificadas pela Lei Penal como crimes ou contravenções (Artigo 10.
Missão Institucional).
O Projeto Pedagógico Institucional do DEGASE (PPI 2010) prevê os “métodos e
técnicas de atendimento socioeducativo”, de que, entre outros, destacamos: estudo de
caso, plano personalizado de atendimento, educação para valores e protagonismo
juvenil.
Medidas concretas, como o investimento na formação dos profissionais;
reformas nas unidades socioeducativas; construções de unidades descentralizadas;
diminuição do percentual de internação; normatização dos procedimentos e abertura
para a realização de pesquisas acadêmicas nas unidades; convênios com instituições
públicas, privadas e do terceiro setor; e o processo de municipalização das medidas em
meio aberto (ABDALLA, 2010b), são apresentadas e registradas nos documentos
institucionais. Órgãos de controle do sistema, representantes da sociedade civil e do
sistema jurídico e do sistema de garantia de direitos vêm acompanhando essa mudança.
Assim, em seus documentos oficiais, o DEGASE apresenta como diretriz a
socioeducação e destaca como tarefa primordial dos Centros de Socioeducação para
adolescentes em conflito com a lei a proteção integral.
O trabalho socioeducativo é uma resposta às premissas legais do Estatuto da
Criança e do Adolescente e do SINASE (Lei de 2012), bem como às demandas sociais
do mundo atual.
104

A socioeducação decorre de um pressuposto básico: o de que o desenvolvimento


humano deve se dar de forma integral, contemplando as dimensões do ser. A opção por
uma educação que vai além da escolar e profissional está intimamente ligada com uma
nova forma de pensar e abordar o trabalho com o adolescente.
A educação interdimensional no trabalho com os adolescentes em conflito com a
lei, proposta pelo autor Antônio Carlos Gomes da Costa e buscada pelo DEGASE, parte
do pressuposto de que a educação é a comunicação intergeracional do humano,
envolvendo conhecimentos, sentimentos, crenças, valores, atitudes e habilidades na
constante troca entre educador-socioeducador e educando-adolescente infrator.
Apesar de o ECA ter sido promulgado há muitos anos, são recentes as
normativas de sua execução no campo das medidas socioeducativas, repercutindo no
cotidiano das unidades do DEGASE.
As mudanças profundas e aceleradas indicam novos desafios nas políticas de
atendimento ao adolescente, e, segundo Costa (2004), nas relações do mundo adulto
com a infância e adolescência podem demarcar um conjunto de aspectos inter-
relacionais:
 Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos exigíveis com base nas leis.
Não são mais considerados sujeitos de menos valia e meros objetos de
intervenção do Estado, da família e da sociedade;
 Crianças e adolescentes são pessoas em condição peculiar de
desenvolvimento. São detentores de todos os direitos que têm os adultos e que
sejam aplicáveis à sua idade. E, além disso, têm direitos especiais, decorrentes
das peculiaridades naturais do seu processo de desenvolvimento pessoal e social;
 Crianças e adolescentes são prioridade absoluta para a sociedade e o Estado
brasileiros. Têm valor e devem ter primazia de proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias, precedência de atendimento nos serviços públicos e de relevância
pública, preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas,
bem como destinação privilegiada de recursos públicos para sua proteção
integral;
 O adolescente a quem se atribui autoria de ato infracional e o adolescente autor
de ato infracional têm o direto às garantias processuais (antes exclusivas do
mundo adulto), no relacionamento com o Sistema de Administração da
Justiça Juvenil.
105

O não atendimento ou o atendimento irregular dos direitos das crianças e


adolescentes são exigíveis com base na lei e podem levar aos tribunais os responsáveis
por essas transgressões.
Segundo Costa (2004),
só uma sociedade que for capaz de respeitar os “piores”, será capaz de
respeitar a todos. A estruturação de programas de ação social e educativa
dirigida aos adolescentes em conflito com a lei deve levar em conta essa
premissa. Deve, verdadeiramente, criar oportunidades e condições educativas
que favoreçam o desenvolvimento pessoal e social do educando. É vital a
criação de acontecimentos estruturantes que possibilitem a viabilização do
adolescente enquanto pessoa, ajudando-o a desenvolver sua autonomia;
enquanto cidadão, contribuindo para o desenvolvimento da sua solidariedade;
enquanto futuro profissional, potencializando o desenvolvimento de suas
capacidades, competências e habilidades requeridas pelo mundo do trabalho.
(p. 54)

Para Costa (2004), é sob essa óptica e ética que devemos ver, entender, sentir,
agir e interagir com o adolescente em conflito com a lei.
A ação pedagógica para com os adolescentes em conflito com a lei ou autores de
atos infracionais no Sistema Socioeducativo, natureza jurídica, necessita acontecer em
“sua inteireza e complexidade: se esse educando é visto como um ‘marginal’ é porque
ele ficou à margem dos acontecimentos” (Costa, 2004, p. 59) (grifo nosso). Esses
adolescentes, em sua maioria, permaneceram à margem da educação, da saúde, da
profissionalização, da saudável convivência familiar e comunitária, enfim, estamos
falando de um educando que não teve acesso – ou o teve, de forma muito incipiente –
aos serviços básicos de responsabilidade do Estado e da sociedade e estiveram excluídos
do Sistema de Garantia de Direitos.
Para tanto, o atendimento socioeducativo realizado por seus gestores, técnicos e
educadores que atuam nessa área deve apostar em cada adolescente-educando, em seu
potencial a ser desenvolvido dentro dos princípios humanos e solidários. Percebemos,
muitas vezes, que os socieducadores que atuam com esses jovens não se fazem
presentes nas vidas dos adolescentes de maneira positiva.
Antônio Carlos Gomes da Costa, em sua vasta publicação, indica alguns
princípios que devem ser observados na ação socioeducativa com criança e jovens em
situação de risco social e, no caso específico, com adolescentes em conflito com a lei
nas instituições socioeducativas:
 A Pedagogia da Presença gera o exercício de uma influência construtiva,
criativa e solidária do educador sobre a vida do educando, gerando a este a
106

possibilidade de construção da sua própria identidade: autocompreensão e


auto-aceitação;
 A Relação de Ajuda é a operacionalização da Presença Educativa,
utilizada com educandos que se encontram em situações de dificuldade, que
se refletem em sua conduta, onde o educador, com base na sua experiência,
procura ajudá-los, procura orientá-los para que eles encontrem o melhor
caminho para superação dos seus impasses;
 A Resiliência é ferramenta educativa que desenvolve no educando sua
capacidade de usar as situações adversas em favor do seu próprio
crescimento. O educando se torna mais capaz de enfrentar e superar desafios,
crescendo, mediante a adversidade;
 A Educação para Valores propicia ao educando condições para que ele
possa vivenciar, identificar e incorporar valores positivos em sua vida. Na
realidade, é uma ferramenta que permite ao educando assumir uma atitude
básica diante da vida, traduzida numa fonte de atos;
 O Protagonismo Juvenil amplia e qualifica os mecanismos de
participação do educando na ação social e educativa. O educando é percebido
como fonte de iniciativa (ação), liberdade (opção) e compromisso
(responsabilidade), atuando como parte da solução e não apenas do
problema;
 A Cultura da Trabalhabilidade permite ao educando a incorporação de
um novo paradigma de compreensão, sentimento e ação sobre o novo mundo
do trabalho, marcado pela abertura das fronteiras econômicas, pela
globalização e pelas novas tecnologias, com a perspectiva de nele, ingressar,
permanecer e ascender;
 Os Códigos da Modernidade40 representam um conjunto de
competências e habilidades mínimas, não apenas para que o educando
ingresse no mundo do trabalho, mas para que ele possa viver e conviver
numa sociedade moderna. (COSTA, 2004, pp. 59-61)

A partir dos fundamentos teórico-práticos indicados por Costa (2004) para a


ação social e educativa – socioeducativa, junto aos adolescentes privados de liberdade –,
ficamos possibilitados de refletir sobre o trabalho pedagógico dirigido às crianças e aos
adolescentes, independentemente da sua situação social e econômica ou da sua trajetória
biográfica e relacional.
Antônio Carlos Gomes da Costa afirma que “não hesitamos em reafirmar, uma
vez mais: tudo que serve para o trabalho com adolescente é válido também para os
adolescentes em conflito com a lei. Estamos, pois, diante de um ferramental teórico-
prático de cunho universal” (2004, p. 61).

O Sistema Socioeducativo do Rio de Janeiro: paradoxos entre a


socioeducação e sistema prisional

40
Autor: José Bernardo Toro, 1997 – Colômbia. Tradução e adaptação: Prof. Antonio Carlos Gomes da
Costa. Fonte: Site do Modus Faciendi: http://www.modusfaciendi.com.br/: Capacidades e competências
mínimas para participação produtiva no século XXI: 1 - Domínio da Leitura e da escrita; 2 - Capacidade
de fazer cálculos e de resolver problemas; 3 - Capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos
e situações; 4 - Capacidade de compreender e atuar em seu entorno social; 5 - Receber criticamente os
meios de comunicação; 6 - Capacidade para localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada.; 7 -
Capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo..
107

Até 2010, poucos são os registros oficiais da história do DEGASE41. Porém,


através dos meios de comunicação e dos relatos-denúncias, aparece uma história que
nada tem de socioeducativa. A imagem institucional permanece a de “uma prisão para o
menor infrator”.
Para implementar a socioeducação, é fundamental reconhecer no “infrator” um
sujeito com direitos, ou seja, um cidadão, o que parece ser um exercício extremamente
complexo.
Como compreender o paradoxo entre os relatos-denúncias das condições em que
se apresentam as instituições socioeducativas em uma sociedade que se democratiza e
clama pelos direitos humanos? E essa mesma sociedade, paradoxalmente, exige
punições mais severas e um sistema socioeducativo mais rígido (violento!?) para com
os adolescentes infratores?
Segundo Caldeira (2000), “a cidadania brasileira é disjuntiva porque, embora o
Brasil seja uma democracia política e embora os direitos sociais sejam razoavelmente
legitimados, os aspectos civis da cidadania são continuamente violados” (p. 343).
Convivemos perplexos com os avanços da legislação que prevê a proteção
integral da criança e do adolescente, as conquistas nos movimentos de direitos humanos
e grupos que responsabilizam o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8069/90) pelo envolvimento de jovens em atos de violência, justificando que tais
medidas proporcionaram um ambiente de impunidade que tem incentivado o ingresso
dos adolescentes no mundo do crime. Nesse sentido, propugnam por medidas estatais
mais duras em reação à criminalidade, reivindicando inclusive a diminuição da
maioridade penal.
Um subproduto ainda mais perverso desse paradoxo é a existência da violação
de direitos nas instituições em que se pretende o exercício de um processo
socioeducativo, em que se pretende a proteção da vida (VICENTIN, 2004).
Quase sempre as instituições de atendimento aos adolescentes em conflito com a
lei funcionam apenas como espécies de depósitos de “infratores”, ainda que se
apresentem como organizações racionais com determinadas finalidades oficialmente
confessadas e aprovadas. Frequentemente, esses objetivos definidos pela legislação
implicam reforma das instituições na direção de um padrão ideal. Essa contradição entre

41
Departamento Geral de Ações Socioeducativa, responsável pela execução da medida socieducativa de
internação e semiliberdade e pelo acautelamento de adolescentes em conflito com a lei em internação
provisória como de termina o ECA, apresentado no capitulo anterior.
108

o que a instituição realmente faz com os adolescentes em conflito com a lei e aquilo que
oficialmente deveria fazer constitui a face mais perversa de atuação do Estado contra
esses sujeitos excluídos de sua própria existência.
Desde 2007, o DEGASE vem produzindo inúmeros documentos que indicam
uma mudança significativa na política que direciona o atendimento em suas unidades
socioeducativas e no atendimento aos adolescentes. A estrutura física das unidades vem
adquirindo novos contornos estéticos e funcionais; o investimento em recursos humanos
também faz parte dessa política de gestão estatal.
Iniciaremos esta discussão a partir de uma visão geral do Sistema
Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro – DEGASE; para isso, torna-se
fundamental a compreensão do fluxo de atendimento ao adolescente em conflito com a
lei no Rio de Janeiro, desde a sua apreensão até o atendimento de internação no
DEGASE

Figura 09: Fluxo DEGASE

Fonte: Theresa Christina Nunes, DEGASE - 2012


109

Internação Provisória42
A internação provisória e a aplicação de medidas socioeducativas, no Estado
do Rio de Janeiro, estão previstas em sintonia com a legislação em vigor, cabendo ao
DEGASE o atendimento inicial e a triagem, internação provisória e execução das
medidas de semiliberdade e internação. Tal fluxo inicia-se com a apreensão do
adolescente em conflito com a lei por unidade policial em situação de flagrante de ato
infracional e/ou por determinação judicial (mandado de busca e apreensão por
descumprimento de medidas impostas anteriormente e/ou por denúncias previamente
apuradas, indicando cometimento de ato infracional). O adolescente apreendido é
encaminhado à delegacia especializada – Delegacia de Polícia da Criança e do
Adolescente - DPCA. No Estado do Rio de Janeiro, existem apenas duas delegacias
especializadas, uma na cidade do Rio de Janeiro e outra em Niterói. Os demais
municípios do estado não possuem delegacias especializadas, prejudicando as
determinações legais na apreensão e encaminhamento do adolescente em conflito com a
lei.
No caso de indícios de cometimento de ato ilícito grave ou de risco da
comunidade e do adolescente (integridade física e moral), o adolescente é encaminhado
ao DEGASE para os primeiros atendimentos no Centro de Socioeducação Gelso de
Carvalho Amaral (CENSE-GCA), onde geralmente permanece em período inferior a 24
horas, sendo encaminhado para a internação provisória.
As unidades do DEGASE responsáveis por atender aos adolescentes em medidas
de internação provisória são: CENSE Professor Antonio Carlos Gomes da Costa, para
adolescentes do sexo feminino; para adolescentes do sexo masculino, a internação
provisória concentra-se no Centro de Socioeducação Dom Bosco (CENSE DB) e os
anexos das unidades Escola João Luiz Alves (para adolescentes de 12 a 14 anos da
Capital) e Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo inaugurados em 2012
(adolescentes da Baixada Fluminense).
Apesar de a internação provisória não ser, de fato, uma medida socioeducativa, e
sim uma medida processual de natureza cautelar, alguns aspectos referentes a ela
precisam ser esclarecidos.

42
A internação provisória é um procedimento aplicado antes da sentença julgada, quando há indícios
suficientes de autoria e materialidade do ato infracional cometido pelo adolescente ou quando há um
descumprimento de ordem anteriormente aplicada pelo Poder Judiciário. Conforme prevê o artigo 183 do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a internação provisória caracteriza-se pela privação de
liberdade com duração máxima de 45 dias, período em que são realizados os estudos técnicos que
subsidiam a aplicação da medida socioeducativa determinada pelo Poder Judiciário
110

A internação provisória aproxima-se bastante da medida de internação, ainda


que tenha finalidade totalmente diversa: enquanto esta tem caráter sancionatório e
implica o reconhecimento de que o adolescente cometeu um ato ilícito, aquela tem o
escopo de garantir a aplicação da lei e está ligada aos fins do processo judicial. Ambas
as medidas, entretanto, retiram do jovem o direito de ir e vir e, portanto, devem ser
aplicadas em último caso, isto é, somente quando imprescindíveis para se atingir a
finalidade pretendida: a proteção integral.
Considerando-se os prejuízos que a privação de liberdade ocasiona na vida de
um adolescente, ainda mais numa fase em que sequer há juízo de culpabilidade, a
internação provisória é regida pelos mesmos princípios constitucionais da medida
socioeducativa de internação43. Isso significa que os jovens que cumprem a internação
provisória possuem os mesmos direitos daqueles que cumprem uma medida de
internação e que as obrigações dos estabelecimentos para adolescentes internados a
título provisório e definitivo são coincidentes44.

A análise dos percentuais de internação provisória, cerca de 20%, indica que


essa medida por vezes é determinada pelos juizados como forma de “castigo” aos
adolescentes em sua primeira apreensão, pois, após o cumprimento do tempo legal (em
torno de um mês), são entregues a seus familiares sem aplicação de medidas
socioeducativas. Relatos de profissionais do DEGASE explicam essa lógica
“disciplinar-punitiva” da internação provisória:

Eles botam (sic) o adolescente aqui para dar um susto na família e no


moleque. Tem mãe que até agradece. (...) Tem juiz que manda eles para a
internação provisória, às vezes até esquece, a gente tem que mandar um
relatório e avisar que o tempo está passando. (Depoimento de socioeducador,
2012)

Além da internação provisória, o DEGASE é responsável pela execução das


medidas socioeducativas de internação e semiliberdade.

43
Segundo estabelece o artigo 227, da Constituição Federal, “§3º: O direito à proteção especial abrangerá
os seguintes aspectos: V- obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade”.
44
Ver artigos 124 e 94 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.
111

Medida de Semiliberdade45 e Medida de Internação46


Segundo as orientações do ECA, o regime de semiliberdade pode ser
determinado desde o início ou como forma de transição para o meio aberto, pois
possibilita a realização de atividades externas às unidades do DEGASE47,
independentemente de autorização judicial. Não há prazo determinado de duração para
as medidas socioeducativas restritivas e privativas de liberdade: semiliberdade e
internação, respectivamente, cabendo à autoridade judicial avaliar cada caso, salvo o
período máximo de três anos da aplicação da mesma medida.
De acordo com o ECA, a medida de internação só deve ser aplicada mediante a
prática de atos infracionais graves. A internação não poderá ultrapassar três anos; caso o
adolescente permaneça na medida de internação ao final desse período, deverá ser
liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.
Atualmente, o DEGASE dispõe de quatro unidades de internação para
adolescentes autores de ato infracional, todas localizadas na região metropolitana do Rio
de Janeiro. São elas: Escola João Luiz Alves (EJLA), unidade de cumprimento de
medida socioeducativa de internação para adolescentes do sexo masculino, autores de
ato infracional e com idade entre 12 e 15 anos, depois de proferida a determinação
judicial de internação; Educandário Santo Expedito (ESE), unidade de cumprimento de
medida socioeducativa para adolescentes autores de ato infracional, do sexo masculino e
com idade entre 16 e 21 anos incompletos48, depois de proferida a determinação judicial
de internação; Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo (CAI-Baixada),
unidade de cumprimento de medida socioeducativa de internação para adolescentes
autores de ato infracional, do sexo masculino e com idade entre 12 e 21 anos
incompletos, depois de proferida a determinação judicial de internação; CENSE
Professor Antonio Carlos Gomes da Costa, unidade de cumprimento de medida
socioeducativa de internação provisória e internação para adolescentes acusadas/autoras

45
ECA - Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de
transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de
autorização judicial. § 1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que
possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade. § 2º A medida não comporta prazo
determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.
46
ECA - Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de
brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento .
47
No DEGASE, existem 17 unidades de medidas socioeducativas de semiliberdade, os Centros de
Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente ( CRIAAD), localizados em vários municípios do
estado do Rio de Janeiro.
48
Ao completar 21 anos, a medida socioeducativa se extingue. O adolescente é posto em liberdade.
112

de atos infracionais, do sexo feminino, com idade entre 12 e 21 anos incompletos, antes
ou depois de proferida a determinação judicial de internação.
Os documentos pesquisados, produzidos pelo DEGASE, e as unidades de
internação, internação provisória e as de semiliberdade construídas e reformadas ao
longo dos últimos três anos demonstram uma reestruturação do departamento, sendo
apresentado nos discursos oficiais como um Novo DEGASE e com uma nova diretriz:
a socioeducação – educação para a sociedade49.
O trabalho socioeducativo passa a ser visto como uma resposta às premissas
legais do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como às demandas sociais do
mundo atual.
Segundo Costa (2006), a socioeducação decorre de um pressuposto básico de
que o desenvolvimento humano deve se dar de forma integral, contemplando as
múltiplas dimensões do ser. A opção por uma educação que vai além da escolar e
profissional está intimamente ligada a uma nova forma de pensar e abordar o trabalho
com o adolescente.
A unidade educativa deve ser capaz de oferecer um leque, um cardápio, uma
pluralidade de modalidades educativas ao educando, que lhe possibilite
desenvolver sua autonomia (capacidade de decidir segundo suas crenças,
valores, pontos de vista e interesses); sua solidariedade (capacidade de atuar
como solução e não como problema em questões relativas ao bem comum);
sua competência(desenvolvimento de competências pessoais, relacionais,
produtivas e cognitivas). (COSTA, 2006, p. 67)

Os avanços significativos na estrutura administrativa, espacial, e no processo de


planejamento das ações do DEGASE na tentativa de humanizar o sistema
socioeducativo estadual são notórios, porém as técnicas disciplinares e de controle sobre
o corpo do adolescente-delinquente, que se desvelam em ações cotidianas, demonstram
a permanência da visão disciplinar e de docilização do adolescente em conflito com a
lei.
Analisar as instituições de internação, os lugares de aprisionamento, é,
imediatamente, referir-se às complexas relações de saber/poder que atravessam e
traduzem os dispositivos disciplinares ao longo de toda a extensão da sociedade. Mas
em que consistem esses dispositivos disciplinares? Como a sociedade e as instituições
socioeducativas de privação de liberdade constituem os processos de subjetivação do
adolescente em conflito com a lei?

49
O conceito de socioeducação apresentado pelo Novo Degase se inspira nas obras de Antônio Carlos
Gomes da Costa (2004, 2005, 2006 e 2010).
113

A disciplina é uma tecnologia específica do poder, ela é “um tipo de poder, uma
modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de
técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma física ou uma
anatomia do poder, uma tecnologia” (FOUCAULT, 2000c, p. 177).

No entanto, como explicita Foucault (2000c), todo poder corresponde também a


uma resistência, muitas vezes microscópica, surda, velada e não explosiva. As
instituições são, sobretudo, lugares de instauração de forças. O que existe, então, nessa
unidade de internação é uma relação de poder/saber, que subjuga e adestra esses corpos?
Seria constituída historicamente esta imagem/saber das instituições de internação e de
seus internos? E qual seria o papel da mídia na perpetuação dessa imagem?
Os dispositivos disciplinares presentes nas instituições socioeducativas se
materializam nas práticas institucionais, isto é, nas técnicas de distribuição dos
adolescentes através da inserção dos seus corpos em espaços individualizados,
classificatórios, combinatórios: os alojamentos, a escola, o pátio, o refeitório, os lugares
demarcados em horários estabelecidos, sob vigilância constante. O olhar hierárquico
das câmeras de vídeo50 está presente continuamente, para que, ininterrupto, o
adolescente se sinta potencialmente vigiado.
Há o controle do tempo, das atividades, dos corpos, que são aperfeiçoados pelas
sanções normalizadoras: manter-se em filas, mãos para trás, silêncios, perda de objetos
pessoais, corte de cabelos, uniformes, com o objetivo de produzir o máximo de rapidez
e eficiência no processo de “ressocialização” do adolescente-delinquente. E, finalmente,
a disciplina implica um registro contínuo do conhecimento: o exame. Ao mesmo tempo
em que exerce um poder, produz um saber sobre o adolescente-delinquente e seus
desvios. Mais do que isso, com o exame, o adolescente em conflito com a lei passa a ser
o “delinquente”, ao mesmo tempo, efeito e objeto do poder e do saber: “o exame não se
contenta em sancionar um aprendizado; é um de seus fatores permanentes”
(FOUCAULT, 2000c. p. 155).
É neste jogo saber-poder-saber que se estrutura a sociedade disciplinar. Ainda
que na sociedade contemporânea se possa perceber uma sofisticação nas estratégias
disciplinares, como o avanço da mídia e das tecnologias de controle, rompendo os

50
Nas unidades socioeducativas do Novo DEGASE, foram instaladas câmeras de filmagem em locais
estratégicos que transmitem e gravam imagens constantes para setores de segurança do Sistema
Socioeducativo Estadual.
114

muros e atravessando os sujeitos (corpo, mente e alma), as estruturas disciplinares


continuam ativas e atuantes; em particular no caso das instituições socioeducativas, os
diapositivos disciplinares se perpetuam em alto grau.
O poder disciplinar, segundo Foucault (2000c), manifesta-se na estrutura de
parâmetros e limites do pensamento e da prática, sancionando e prescrevendo
comportamentos considerados normais ou desviantes. Foucault busca extrair das
relações de poder, histórica e empiricamente, os seus operadores de dominação.
O autor destaca que, em vez de orientar a pesquisa sobre o poder para o âmbito
do edifício jurídico da soberania, para o âmbito dos aparelhos de estado ou das
ideologias que o acompanham, devem-se privilegiar a análise sob o ponto de vista da
dominação, dos operadores materiais, das formas de sujeição, das conexões e utilizações
dos sistemas locais dessa sujeição, e, enfim, os dispositivos de saber.
Como esse tema da socioeducação vem se configurando no campo da
socioeducação? O que tem motivado os estudos e reflexões sobre disciplina punição
versus educação nas instituições socieducativas? Como os socieducadores enfrentaram
esse debate? Que alternativas formularam para o controle-sanção na execução das
medidas socioeducativas de crianças e jovens? Como isso se articula com o projeto de
formação ou governo moral? Que outros desdobramentos essa questão poderia
promover e provocar?
O século XVIII, para Foucault, pode ser caracterizado como o tempo do fim dos
suplícios físicos, mas também como o tempo de recomposição das formas de controle
disciplinar.
Se a punição não mais se centralizava no suplício do corpo, como técnica de
sofrimento, agora o objeto de punição passou a ser a perda de um bem ou de um direito.
Com isso, a transformação das formas punitivas dos suplícios deu lugar a uma
“suavidade” dos castigos, ocorrendo o deslocamento da punição sobre o corpo,
implicando em um novo regime de poder, em um emaranhado de saberes, técnicas e
discursos científicos, que se formam e se entrelaçam com a prática do poder de punir.
O regime de poder disciplinar produz saberes que estrategicamente vão servir de
mecanismo para moldar o comportamento dos indivíduos. Desse modo, os espaços a
serem construídos são determinados por modelos que possibilitam o vigiar dos
indivíduos para controlá-los e discipliná-los. Foucault (2000c) apresenta a ideia do
Panóptico, em que a relação de poder é de uma sujeição constante do indivíduo:
vigiado, enclausurado e distribuído em espaços uteis.
115

Conforme Foucault (2000c) analisa:


A regra das localizações funcionais vai pouco a pouco, nas instituições
disciplinares, codificar um espaço que a arquitetura deixava geralmente livre
e pronto para vários usos. Lugares determinados se definem para satisfazer
não só a necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas
também de criar um espaço útil. (p.123)

Os procedimentos disciplinares ficam cada vez mais meticulosos: a punição e a


vigilância são mecanismos de poder utilizados para docilizar e adestrar as pessoas para
que essas se adaptem às normas estabelecidas nas instituições, através da tecnologia da
vigilância de poder que incide sobre os corpos dos indivíduos, controlando seus gestos,
suas atividades, sua aprendizagem, sua vida cotidiana.
Nesse sentido, o corpo será submetido a uma forma de poder que irá desarticulá-
lo e corrigi-lo através de uma nova mecânica do poder. As práticas disciplinares
permitem o controle das operações dos corpos e a sujeição constante de suas forças,
impondo-lhes uma relação de docilidade e utilidade.
Para o referido autor:
[...] O poder disciplinar é [...] um poder que, em vez de se apropriar e de
retirar, tem como função maior “adestrar”: ou sem dúvida adestrar para
retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra as forças para
reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo.(...)
“Adestra” as multidões confusas (FOUCAULT, 2000c, p.143).

O poder disciplinar se exerce sobre os corpos individuais por meio de exercícios


especialmente direcionados para a ampliação de suas forças. Esses exercícios tinham
como objetivo o adestramento e a docilização dos corpos. “É dócil um corpo que pode
ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”
(FOUCAULT, 2000c, p.118).
Foucault (2000c) reafirma que nas relações de poder há sempre resistência. O
poder não é somente força negativa, mas também produtiva. Uma vez que o poder está
sempre presente, a resistência também está, uma vez que onde há poder há resistência,
sendo que essa não é uma posição de exterioridade em relação ao poder. A resistência é
o outro do poder, faz parte dele, articula-se com ele de forma intrínseca.
Para Foucault, a palavra-chave da dinâmica das relações de poder é a
resistência. Nesse sentido, há sempre a possibilidade de mudar uma situação, de dentro
dela, já que em nenhum lugar se está livre das amarras do poder. É preciso, então,
construir novas articulações, gestos singulares, falas e práticas cotidianas de resistência.
É desse lugar – ou seja, de dentro – que se pode construir a resistência.
116

Ainda que a mudança não seja efetuada no tempo desejável, há sempre a


possibilidade de sua existência. Ao estarem presos, os adolescentes, os socioeducadores,
as suas famílias – real ou simbolicamente – constroem também práticas de liberdade. E
essa possibilidade de resistência começa nas mudanças possíveis dos adolescentes, dos
socioeducadores e dos gestores, através dos atos de astúcia. Seriam esses atos de astúcia
respostas à vigilância, ao controle, ao poder e à disciplina? A resistência, então, se
operaria em atos, astúcias cotidianas (CERTEAU, 2000).
Esses atos são formas de comunicação intergeracional, caracterizadas como
relacionais, simbólicas e de experiência/luta. A comunicação assim entendida seria a
principal materialização da existência desses sujeitos e o caminho encontrado para não
serem subjugados? São essas linguagens-arte que constroem a subjetividade e as táticas
cotidianas de sobrevivência e libertação? Pequenas liberdades, luta de forças:
Eu acho que isso aí de não ter mais solução é uma palavra muito forte,
porque se eu quero mudar, eu vou mudar. Se eu botar na minha cabeça que
eu vou mudar, eu quero, eu posso e eu vou. Qualquer oportunidade eu iria
agarrar, porque é uma oportunidade, e eu não posso desperdiçar, é uma
oportunidade pra largar o crime de mão (Adolescente internado, Fantástico,
22/07/2012).
117

Parte II

O DEGASE e o Centro de Atendimento Intensivo de Belford


Roxo
A parte dois desta tese é composta por dois capítulos. No primeiro,
procuraremos mostrar uma instituição de internação do DEGASE, como instituição
socioeducativa, de disciplina e de controle, a partir dos discursos que atravessam e
estruturam a instituição, o espaço praticado e as vozes dos internados: adolescentes e
funcionários do Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo (CAI BR).
Funcionando no último município emancipado da Baixada Fluminense, o CAI
Belford Roxo atende a adolescentes encaminhados pelo Juizado de Menores da Baixada
Fluminense e de outras regiões do interior do Estado.
Com capacidade inicial para 80 adolescentes, previu-se, desde a sua fundação,
que essa unidade trabalharia em módulos, com miniequipes compostas de pedagogos,
assistentes sociais e psicólogos. A equipe de saúde foi composta por médico, dentista e
psiquiatra – para atendimento a todos os adolescentes –, assim como por uma equipe de
agentes educacionais e de disciplina, além do pessoal administrativo. Essa infraestrutura
humana deu à unidade contornos diferenciados das já existentes.
Focaremos nosso olhar sobre os adolescentes internados e o discurso construído
sobre esses atores sociais, objeto central desta pesquisa. Destacamos os
socioeducadores, agentes responsáveis por controlar os dispositivos disciplinares, e o
socioeducador técnico, considerado pelos adolescentes como a sua própria voz, sendo,
na maioria das vezes, intermediário entre esse universo de exclusão e controle do Poder
Judiciário e da sociedade. E, finalmente, no segundo capítulo, mostraremos o discurso
oficial da instituição e o da mídia sobre esses sujeitos, destacando o tema violência
urbana e segurança pública.
O objetivo destes dois capítulos é, pois, apresentar o discurso paradoxal51
construído pelos próprios adolescentes como definidores de um lugar social e os

51
Deleuze estrutura sua teoria do sentido em uma série de paradoxos que estão intimamente ligados. “O
sentido é o exprimível ou o expresso da proposição e o atributo do estado de coisas”. Assim, “o
acontecimento é o próprio sentido” e ele “pertence essencialmente à linguagem” (DELEUZE, 1974, p.
25.) Para Deleuze, sentido e não-sentido têm uma relação específica que não pode ser extraída de uma
relação de exclusão, de verdadeiro-falso (DELEUZE, 1974). Ao elencarmos os discursos como
118

discursos que outros agentes formulam a seu respeito: os socioeducadores (agentes de


plantões, técnicos e gestores da unidade), que produzem cotidianamente a própria
instituição socioeducativa: punitiva, educativa, protetiva e curativa; bem como o
discurso da mídia, que atravessa a instituição e elabora toda uma argumentação baseada
na reprodução do senso comum: o adolescente infrator como bandido e/ou vítima. Os
paradoxos desses discursos criam o acontecimento e dão sentido à própria instituição: a
escola-prisão. E, no desdobramento, constituem os processos de subjetivação dos
adolescentes envolvidos em atos infracionais.
Como metodologia de pesquisa junto aos adolescentes, optamos por realizar três
grupos focais52 com cinco adolescentes53 cada, realizados na própria unidade, gravados
em áudio e vídeo, com um pesquisador/mediador e um auxiliar de pesquisa para o
registro escrito (observador). Durante tais momentos, os adolescentes falaram
livremente de seu entendimento sobre a sua situação como adolescentes em conflito
com a lei, a instituição socioeducativa e o lugar que ocupam na sociedade. Nos relatos,
descortinam seus sonhos e suas expectativas de vida e enfocam a questão do consumo,
espécie de ícone do mundo contemporâneo, além de falarem sobre violência, família e
educação, entre outros temas.
Mapeando a realidade pelos discursos, foram realizadas entrevistas individuais
com os quatro coordenadores de plantões54, cinco técnicos, um diretor adjunto,
acrescidas de diálogos constantes entre a pesquisadora e os adolescentes,
pesquisadora/socioeducadores, pesquisadora/professores em pesquisa participante das
rotinas institucionais, no período de seis meses, envolvendo o “corpo” da instituição.
O registro em áudio, vídeo e imagem (fotos) foram autorizados pelos trâmites
legais do DEGASE e dos Juizados da Infância e Juventude de Belford Roxo e da

possibilidade de análise da instituição, deparamo-nos com os paradoxos que constituem a própria


linguagem, dão sentido e estão implícitos no acontecimento.
52
As duas principais técnicas utilizadas para coletar informações qualitativas no âmbito da metodologia
são a observação participante e as entrevistas. Os grupos focais têm elementos de ambas as técnicas,
embora eles mantenham a sua singularidade e distinção como método de pesquisa, e são como “uma
forma de ouvir as pessoas e aprender com ele” (Morgan, 1998b, p. 9, in: LOPES, 2008). Os próprios
participantes encontram a experiência mais gratificante e desafiadora do que as entrevistas individuais.
(...) A amostra do estudo não responde a critérios estatísticos, mas estruturais, ou seja, a representação de
certas relações sociais na vida real (LOPES, 2008).
53
No CAI BR, os adolescentes são distribuídos para o atendimento técnico em cinco equipes
multidisciplinares (constituídas de pedagogo, assistente social e psicólogo) denominadas por “módulos”:
A, B, C, D e E. Solicitamos, para a realização dos grupos focais, a indicação aleatória de dois
adolescentes por módulos. A participação no grupo focal foi opcional ao adolescente.
54
No CAIBR há quatro plantões de agentes socioeducadores que atuam em turnos de 24 horas de trabalho
por 72 horas: plantões A, B, C e D; em cada plantão, há um coordenador que atua com os demais agentes
socioeducadores para “garantir a segurança da unidade”.
119

Capital da cidade do Rio de Janeiro. Para isso, houve inúmeras reuniões e solicitações
de documentos, entre a pesquisadora e os Juízes ou seus representantes, levando cerca
de nove meses para a plena liberação da pesquisa.
Fazendo parte desta pesquisa, dados estatísticos da própria instituição e do
DEGASE, relatórios, projeto pedagógico, entre outros documentos administrativos,
foram analisados para desvelar os gestos e tentar reconstruir a realidade dos
adolescentes que hoje estão sendo, segundo o discurso construído pelos agentes do
poder, atendidos pelas medidas socioeducativas de internação e internação provisória do
Estado do Rio de Janeiro.
Os adolescentes pobres, negros, excluídos da saúde, da educação, são, também,
em princípio, excluídos do consumo. A forma de se tornar participante desta sociedade
é através do submundo do crime, levando-os à escola-prisão, em um círculo vicioso de
vulnerabilidade, violência e exclusão. Porém, a exclusão começa bem antes, como
teremos a oportunidade de observar, lendo os depoimentos que reproduzimos a seguir.
120

Capítulo 3 – O Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo como


instituição de sequestro e instituição total

O Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo (CAI BR) situa-se no


município de Belford Roxo, em um bairro pobre e violento, como tantos outros da
Baixada Fluminense, que ironicamente possui o nome de Bom Pastor; é invisível para
quem passa na rua, percebe-se apenas o muro, mais de cinco metros de altura que
separam a rua daqueles que ficam do lado de dentro.
Inaugurado em 1998, o prédio principal pertencia a um abrigo da Fundação para
a Infância e a Adolescência (FIA), sendo adaptado para receber os adolescentes em
conflito com a lei em regime de internação, isto é, os muros foram aumentados; as
janelas, trocadas por estrutura com cimento armado e grades; entre outras adaptações.
A sua criação na Baixada Fluminense concentrada na capital teve como
objetivos descentralizar a internação de adolescentes do sexo masculino do Estado e
reduzir a superlotação nas unidades de internação da capital, localizadas no complexo
da Ilha do Governador.
Desde então, o CAI BR tornou-se a única unidade do DEGASE a atender
adolescentes do sexo masculino internados, com idades variadas entre 12 anos
completos e 21 anos incompletos, conforme determina a legislação, oriundos da
Baixada Fluminense e de todos os demais municípios do Estado do Rio de Janeiro,
excetuando os adolescentes oriundos da capital do Estado – o Rio de Janeiro55.
Com capacidade inicial de atender a 80 adolescentes, chegou a atender a mais de
200 adolescentes, entre 2003 e 2006.
Em entrevistas sobre a memória do CAI BR, os seus funcionários relatam o
descaso e a violência institucional pela superlotação:
(...) antes a gente não era nada. O DEGASE era o depósito, o DEGASE não
tinha nada, o DEGASE só foi ter alguma coisa depois desse período aí. O
DEGASE não tinha nada, nada!Depois de 2007, porque até então era
tumultuado de moleque aí, trabalhando com o coro comendo, 300
[adolescentes meninos] com 7 funcionários, e trabalhando assim: naquele
paradigma o cara tinha só repressão, não tinha outra forma de trabalhar, eram
300 garotos aí, a gente não tinha uma estrutura, não tinha uma viatura, não
tinha nada. (Diretor adjunto, CAI BR) [adolescentes]

55
Os adolescentes do sexo masculino da capital são atendidos em medidas de internação nas seguintes
unidades: Escola João Luiz Alves (Bairro Ilha do Governador) e Educandário Santo Expedito (Bairro
Bangu).
121

(...) nós já tivemos aqui 90, 60, num módulo fica impossível você trabalhar
do ponto de vista técnico, o agente também, ele (agente socioeducativo de
plantão) com uma relação per capta de muitos adolescentes para atender, a
unidade fica tensa, os conflitos eclodem com mais facilidade e eles também
vão acabar se estressando. (Socioeducador técnico - psicólogo)

A superlotação eleva a violência institucional, atingindo diretamente os adolescentes


por meio de práticas de agressão física e verbal e, ao mesmo tempo, à saúde do trabalhador. O
adoecimento emocional e psíquico é relatado pelos próprios funcionários.
Tem muita gente do plantão que fica doente, meio “doido”, tomam um monte
de remédios e pedem licença, quando a casa tá cheia, a gente já sabe, lá vem
licença. A Drª. (psiquiatra da instituição) atende a gente, pra conversar e um
colega conversa. Sabe? Fala de Deus, dá conselho. A gente muda o sujeito de
posto, mas tem que ter perfil, se não, perde a cabeça... (Socioeducador -
agente de plantão)

Parece-nos que as condições da instituição produzem “efeitos” da violência-disciplina


que atravessam os corpos e atingem as mentes – corpo, não mais esquartejado, mas em
sofrimento56 para produzir “corpos dóceis e úteis”, inclusive daquele que produz e controla a
violência institucional.
Na história das instituições prisionais, Foucault (2000c) caracteriza o século
XVIII não só como o tempo do fim dos suplícios físicos, mas também como o tempo de
recomposição das formas de controle disciplinar.
No entanto, um fato é certo. Em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo
supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro,
exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo
principal da repressão penal.
Foi, portanto, o tempo em que se produziam novos dispositivos disciplinares
com arranjos múltiplos. A disciplina, desse modo, foi sendo paulatinamente dissociada
da ideia de suplício e de outras técnicas de punição consideradas cruéis, porque
castigavam o corpo. Um desses dispositivos foi a criação da figura do infrator,
associada à ideia de pena e punição.
Para Foucault (2000c), a nova ideia de disciplina se encontrava vinculada à
produção dos corpos dóceis, à definição dos recursos para o bom adestramento e ao
panoptismo.

56
Entende-se que o sofrimento psíquico pode se manifestar em articulações entre a singularidade dos
afetos individuais e a coletividade, no caso específico, no espaço social da ação produtiva, isto é, a ação
originária do trabalho em privação de liberdade. Nessa perspectiva, as instituições de internação/ privação
de liberdade reúnem situações adversas que expõem os trabalhadores ao acirramento do sofrimento
psíquico, tais como “relações hierárquicas rígidas, contato cotidiano com a violência, trabalho em espaços
confinados, divisão em turnos e prejuízos à percepção de ressonância simbólica no trabalho” (RUMIN et
alli, 2011).
122

O espaço arquitetônico do CAI BR – o panoptismo

No SINASE (2006 e 2012), considera-se que Unidade é o espaço arquitetônico


que unifica, concentra, integra o atendimento ao adolescente com autonomia técnica e
administrativa, com quadro próprio de pessoal, para o desenvolvimento de um programa
de atendimento e um projeto pedagógico específico. Nesse sentido, cada Unidade terá
até quarenta adolescentes, conforme a resolução nº 46/96 do CONANDA57, sendo
constituída de espaços residenciais denominados de módulos (estruturas físicas que
compõem uma Unidade), com capacidade não superior a quinze adolescentes. No caso
de existir mais de uma Unidade em um mesmo terreno, o atendimento total não poderá
ultrapassar a noventa adolescentes. Nesse conjunto de Unidades, poderá existir um
núcleo comum de administração logística.

No SINASE, para atender a 40 adolescentes em regime de internação, devem ser


previstas equipes mínimas compostas por: 01 diretor; 01 coordenador técnico; 02
assistentes sociais; 02 psicólogos; 01 pedagogo; 01 advogado (defesa técnica) e
socioeducadores.
As atribuições dos socioeducadores deverão considerar o profissional que
desenvolva tanto tarefas relativas à preservação da integridade física e
psicológica dos adolescentes e dos funcionários quanto às atividades
pedagógicas. Este enfoque indica a necessidade da presença de profissionais
para o desenvolvimento de atividades pedagógicas e profissionalizantes
específicas. A relação numérica de socioeducadores deverá considerar a
dinâmica institucional e os diferentes eventos internos. (SINASE, 2006, p.47)

O SINASE (2006) enfatiza que a previsão na relação numérica de um


socioeducador para cada dois ou três adolescentes ou de um socioeducador para cada
cinco adolescentes dependerá do perfil e das necessidades pedagógicas desses (ibidem).

As Unidades também deverão contar com profissionais necessários para o


desenvolvimento de saúde, escolarização, esporte, cultura, lazer, profissionalização e
administração.

Essa composição e a formação desses profissionais demandam recursos e


articulações entre os diferentes sistemas que atuam no atendimento socioeducativo, a
exemplo do SINASE e do Sistema Único da Assistência Social SUAS.

57
A resolução de 29 de outubro de 1996, publicada no DOU Seção 1 de 08/01/97, regulamenta a execução
da medida socioeducativa de internação prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n°
8.069/90.
123

No período de 2010 a 2012, foi construída uma nova edificação junto à quadra
esportiva, nos moldes do SINASE, para atender a adolescentes na recepção inicial e
internação provisória, com capacidade para atender a 25 adolescentes.
A capacidade de atendimento de todo o complexo é de 130 adolescentes em
internação e 20 adolescentes em internação provisória.
Cabe destacar que o CAI BR foi construído anteriormente às determinações do
SINASE, apresentando inadequações a seus parâmetros:
(...) situação esta que impõe um esforço em construções de unidades
socioeducativas, especialmente para superar tais violações de direitos. Em
que pese o esforço da Secretaria de Direitos Humanos nos últimos anos em
apoiar mais de 80 obras nos Estados para a adequação e, sobretudo, a
construção de novas unidades socioeducativas que viessem a minimizar as
condições inadequadas destas e a falta de vagas para suprir a demanda.
(Levantamento Nacional Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em
Conflito com a Lei 2010, Brasília 2012, p.32)

No ano de 2012, passaram pelos muros do CAI BR:

Tabela 7 – População Atendida do CAI BR

População Atendida – 2.116 (acumulada ao ano)


Total de entrada – 459
Média de adolescentes mensal – 128,91

Fonte: CEMSE - Coordenação de Execução das Medidas Socioeducativas – População


Atendida no ano de 2012

Segundo os dados apresentados pelo DEGASE, durante o ano de 2012 não


houve excesso na capacidade de lotação no CAI BR.
Figura 10: Fachada e portão de Entrada

Fonte: ABDALLA, 2013


124

Não há porta de saída. Há apenas uma entrada lateral, por meio de um portão de
ferro. Para entrar no complexo, é necessário se identificar. E, quando a entrada é
permitida, através de autorização prévia da equipe técnica ou da direção, o visitante é
revistado, precisando, algumas vezes, despir-se na presença dos responsáveis pela
segurança do local, os agentes socioeducadores58.
O prédio principal do CAI BR, local da execução de medida socieoeducativa de
internação, abriga e irradia as diretrizes administrativas, socioeducativas e de segurança
para todo o complexo de atendimento ao adolescente: recepção inicial, internação
provisória e internação.
Após ultrapassar os muros do CAI Belford Roxo, deparamo-nos com um grande
terreno com a edificação de dois prédios separados por uma quadra esportiva e
contornados por estacionamentos e espaços vazios.
Figura 11: Imagem do CAI BR (1 - prédio principal, 2 - quadra esportiva e 3 -
unidade de recepção e internação provisória)

58
No CAI Belford Roxo, há procedimentos de rotina institucional na autorização de visita aos
adolescentes através de revistas minuciosas (Plano de Segurança Socioeducativa do Departamento Geral
de Ações Socieducativa, 2012), quando os visitantes são orientados a despir-se para verificação de porte
de objetos proibidos de entrada na instituição. Tal procedimento é relatado por funcionários entrevistados
para “garantir a segurança da instituição”.
125

Fonte: Google Earth (março de 2013)

A estrutura do prédio principal (1) de dois andares situa-se na lateral direita


desse espaço. Para entrar no interior da instituição, há a necessidade de percorrer um
corredor estreito, onde há algumas portas de ferro e no final, à esquerda, um portão que
dá para o pátio interno, de onde não é possível ver a parte externa.
Figura 12: Pátio Interno – térreo prédio principal

Fonte: ABDALLA, 2013

Nesse pátio, distribui-se, em círculo, o acesso às seguintes áreas: alojamentos


superiores (única rampa de acesso), enfermaria, alojamentos inferiores, Colégio
Estadual Jornalista Barbosa Lima Sobrinho (salas de aula, sala dos professores e
direção), refeitório, administração (salas das equipes e direção), sala de atendimentos
técnicos, oficinas pedagógicas (salas de educação para o trabalho, biblioteca,
laboratório de informática, estamparia) e quadra esportiva externa (2).
Figura 13 e 14: Prédio de Internação Provisória
126

Fonte: ABDALLA, 2013

Atravessando a quadra esportiva, encontra-se um prédio (3) inaugurado em 2012


para o atendimento da internação provisória e recepção dos adolescentes. Esse prédio,
com apenas um pavimento, tem a capacidade de atender a 20 adolescentes.
Figura 15: Prédio de Internação Provisória – Pátio interno

Fonte: ABDALLA, 2013

A sua estrutura também se semelha ao prédio principal: entrada com duas salas
para os primeiros atendimentos e triagem, que abrem passagem para um pátio interno
127

coberto, de onde não é mais possível ver a parte externa. Nesse pátio, distribuem-se à
direita e à esquerda os alojamentos, o solário e a sala de jogos. O pátio é polivalente,
pois nesse espaço, onde são servidas as refeições e lanches, acontecem a visita das
famílias e as atividades em grupos de educação, TV e jogos. Todos os espaços
estruturados se remetem para o pátio interno.
Figura 16: Solário Prédio Internação Provisória

Fonte: ABDALLA, 2013


Figura 17: Corredor de acesso aos alojamentos – Prédio Internação

Fonte: ABDALLA, 2013


128

Figura 18: Adolescentes no Alojamento – Prédio Internação Provisória

Fonte: ABDALLA, 2013

A quadra que liga um prédio ao outro serve para separar dois mundos: o da
internação e o de sua “porta de entrada” – a internação provisória.
O espaço praticado pelas rotinas institucionais prevê essa separação de corpos
para a visibilidade constante, o controle do espaço e da atividade.
Já viu a câmera, filmando a gente? La no corredor e na rampa tem
No refeitório também, na visita...É na enfermaria, na quadra também ! Na
escola?, só no corredor , eu acho...
Tem vezis que eu vejo o seu mexendo, acho que vira pra dento do
alojamento
Nos não sabe onde fica a TV pra vê a gente , acho que fica na sala do diretor
(Grupo Focal 3 Adolescentes )

Desse modo, os espaços a serem construídos no CAI BR são determinados por


modelos que possibilitam o “vigiar’ dos indivíduos para controlá-los e discipliná-los: no
“refeitório”, durante as refeições, na “visita” dos familiares, na escola e nos espaços
mais íntimos “do alojamento”.
Foucault (2000c) apresenta a ideia do Panóptico, em que a relação de poder é de
uma sujeição constante do indivíduo: vigiado, enclausurado e distribuído em espaços
úteis.
Para Foucault (2000c),

esse espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde


os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores
movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são
registrados, onde um trabalho ininterrupto de escrita liga o centro e a
periferia, onde o poder é exercido sem divisão, segundo uma figura
hierárquica contínua, onde cada indivíduo é constantemente
localizado, examinado e distribuído. (p. 163)
129

Atividades e rotinas institucionais: socioeducação ou “bom adestramento”?


No que se refere à produção dos corpos dóceis, “as disciplinas” são os métodos
que permitem um controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição
constante de suas forças e lhe impõem uma relação de docilidade-utilidade, obtida por
intermédio de quatro intervenções distintas e intercambiáveis:
a) A arte das distribuições: demonstração da preocupação em estabelecer
regras e critérios para distribuir os indivíduos nos espaços sociais, dentre os
quais destaca-se o princípio da clausura, do quadriculamento, das
localizações funcionais (“cada indivíduo em seu lugar, e em cada lugar um
indivíduo”) e da instabilidade nos lugares;
b) O controle das atividades: aqui, a construção dos horários, a elaboração
temporal dos atos, o estabelecimento da correlação entre gestos e corpos e a
utilização exaustiva do tempo permitirão uma efetiva disciplina no uso do
tempo;
c) A organização das gêneses: no caso, a divisão do tempo, a organização
das tarefas, da mais simples à mais complexa, o estabelecimento de marcos
conclusivos e das séries permitirão um controle maior sobre as atividades,
seu início, desenvolvimento e finalização;
d) A composição das forças: essa exigência é repartida de três maneiras: o
corpo que pode se colocar, prover e articular; o corpo como peça de uma
máquina complexa e multissegmentar e a construção de um sistema preciso
de comando. (FOUCAULT, 2000c p 184)

Em resumo, para Foucault, a disciplina produz, a partir dos corpos que controla,
quatro tipos de individualidade ou, antes, uma individualidade dotada de quatro
características:
É celular (pelo jogo da repartição espacial), é orgânica (pela codificação das
atividades), é genética (pela acumulação do tempo), é combinatória (pela
composição das forças). E, para tanto, utiliza-se de quatro grandes técnicas:
constrói quadros; prescreve manobras; impõe exercícios, enfim, para realizar
a combinação das forças, organiza “táticas”. (2000c, p.150)

O domínio sobre os corpos é apenas uma das táticas da disciplina e, no caso das
instituições socioeducativas, CAI Belford Roxo, a intervenção sobre o corpo
adolescente constitui uma das grandes preocupações, como já vimos. Dos aspectos
apontados por Foucault, destacamos aquilo que ele designou de “recurso para o bom
adestramento” e, mais especificamente, aquilo que nomeou de “sanção normalizadora”
(ibidem, p.162). Para o autor, os mecanismos de sanção supõem pelo menos cinco
aspectos. O primeiro (1) é que, na origem de todos os sistemas disciplinares, funciona
um pequeno mecanismo penal na oficina, na escola ou no exército, atuando como
repressora uma micropenalidade do tempo, da atividade, da maneira de ser, dos
discursos, do corpo e da sexualidade. Para Foucault, toda uma série de processos sutis –
que vão do castigo físico leve a privações ligeiras e pequenas humilhações – é utilizada
a título de punição:
130

Trata-se ao mesmo tempo de tornar penalizáveis as frações mais tênues da


conduta e de dar uma função punitiva aos elementos aparentemente
indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo, que tudo possa
servir para punir a mínima coisa: que cada indivíduo se encontre preso numa
universalidade punível-punidora (2000c, p.160).

Essa é a hipótese que pretendemos apresentar a partir do discurso dos


socieducadores do CAI Belford Roxo sobre a socioeducação. Como os socieducadores
construíram o sistema de punições para as instituições socioeducativas do DEGASE?
Até que ponto ele se aproxima ou se distancia do modelo disciplinar descrito por
Foucault?
Para tanto, é necessário continuar a caracterização do mecanismo de sanção
normalizadora analisado por Foucault.
O segundo (2) aspecto das sanções se refere aos mecanismos de punição. No
caso, era necessário definir previamente o que seria passível de punição: a
inobservância à regra, tudo o que dela se afastava e os desvios que incidissem nessas
variações da regra poderiam ser punidos.
O terceiro (3) aspecto é que o castigo disciplinar deveria ter a função de reduzir
os desvios. Deveria ser essencialmente corretivo, e esse efeito passava pela expiação e
pelo arrependimento, sendo diretamente obtido pela mecânica de um castigo. Castigar é
exercitar.
Um quarto (4) traço do castigo é que, para funcionar, ele deveria estar inscrito
em um esquema de gratificação-sanção, pois era esse o sistema que se tornava operativo
no processo de treinamento e de correção. Para Foucault, esse mecanismo de dois
elementos permitia certo número de operações características da penalidade disciplinar.
Em primeiro lugar, “a qualificação dos comportamentos e dos desempenhos a
partir de dois valores opostos do bem e do mal; em vez da separação do proibido”.
Nesse sentido, “todo o comportamento cai no campo das boas e más notas, dos bons e
maus pontos”, sendo possível, além disso, “estabelecer uma economia traduzida em
números”.
E, pelo jogo dessa quantificação, dessa circulação dos adiantamentos e das
dívidas, graças ao cálculo permanente das notas a mais ou a menos, os aparelhos
disciplinares hierarquizam, em uma relação mútua, os “bons” e os “maus” indivíduos.
Através dessa microeconomia de uma penalidade perpétua, opera-se uma diferenciação
que não é a dos atos, mas a dos próprios indivíduos, de sua natureza, de suas
virtualidades, de seu nível ou valor. A disciplina, ao sancionar os atos com exatidão,
131

avalia os indivíduos “com verdade”; a penalidade que ela põe em execução se integra no
ciclo de conhecimento dos indivíduos (FOUCAULT, 2000c).
A bipolaridade instituída pelo modelo da premiação-sanção, ao lado da
identificação dos “bons” e “maus”, permite legitimar procedimentos de reforço dos
primeiros e de intimidação dos outros, naturalizando, assim, uma tecnologia da punição.
Finalmente, Foucault assinala que esse sistema de classificação/hierarquização
(5) não é fixo, pois os indivíduos pertencentes às últimas classes poderão se deslocar
para as primeiras e vice-versa. Nenhuma das posições adquiridas deve ser considerada
fixa, podendo flutuar em virtude do maior ou menor atendimento às normas e
exigências estabelecidas. Para Foucault, a penalidade hierarquizante apresenta um duplo
efeito: distribuir os adolescentes segundo suas aptidões e exercer sobre eles uma pressão
constante, para que todos se submetam ao mesmo modelo, para que sejam obrigados,
todos juntos, à subordinação, à docilidade, à atenção nos estudos e nos exercícios e à
exata prática dos deveres e de todas as partes da disciplina, “para que todos se
pareçam”.
Em suma, a arte de punir, no regime do poder disciplinar, não visa nem à
expiação, nem mesmo exatamente à repressão. Põe em funcionamento operações bem
distintas: relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um
conjunto, que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço de diferenciação e
princípio de uma regra a seguir. Diferenciar os indivíduos em relação uns aos outros e
em função dessa regra de conjunto; [...] medir em termos quantitativos e hierarquizar
em termos de valor as capacidades, o nível, a “natureza” dos indivíduos; fazer
funcionar, através dessa medida “valorizada”, a coação de uma conformidade a realizar;
enfim, traçar o limite que definirá a fronteira externa do anormal [...]. A penalidade
perpétua que atravessa todos os pontos, e contra todos os pontos, e contra todos os
instantes das instituições disciplinares, diferencia, hierarquiza, homogeneíza, exclui, em
uma palavra, ela normaliza. (FOCAULT, 2000c).
Erving Goffman (1999) define como instituições totais aquelas que se
caracterizam pelo fechamento em si mesmo. Na sua teorização, propõe cinco tipos de
instituições dessa natureza. A primeira seria constituída para cuidar de pessoas
consideradas incapazes e inofensivas (casas para velhos, órfãos e indigentes). Há ainda
locais para os incapazes de cuidar de si mesmos e que são também uma ameaça à
comunidade, embora de maneira não-intencional (sanatórios). Outras instituições totais
podem ser aquelas organizadas para proteger a comunidade contra perigosos
132

intencionais, não constituindo problema imediato o bem-estar dessas pessoas (cadeias,


presídios, campos de concentração). Há ainda aquelas criadas para a execução de tarefas
especiais (produção). E, por último, há as instituições para pessoas que se refugiam do
mundo (conventos).
De modo geral, na sociedade os sujeitos tendem a realizar tarefas cotidianas
como repouso, lazer, estudo e trabalho em diferentes espaços, com diferentes
coparticipantes, sem um plano racional geral. O aspecto central das instituições totais
pode ser descrito como a ruptura dos espaços praticados nas tarefas cotidianas e com
diferentes coadjuvantes que comumente compõem essas esferas da vida (a casa/família,
a escola/professores/alunos/serventes ou o lazer/amigos/cultura, entre outros). Assim
sendo, na instituição total, todos os aspectos da existência cotidiana são realizados no
mesmo local e em grupo, submetidos a uma autoridade, com regras e horários
estabelecidos e impostos para atender aos objetivos da instituição. Não há vivência em
esferas diferentes, com diferentes coparticipantes e livre para a escolha.
Para Bazílio (1995), o indivíduo submetido às práticas de tais instituições tende
a pensar a sociedade (realidade externa) nos moldes de sua vivência intrainstitucional.
As instituições totais reproduzem esquemas totalitários de poder.
Aquilo que para Goffman (1996) é caracterizado como instituições totais,
Foucault (2000c) denomina de instituições disciplinares, cuja principal tarefa é produzir
corpos submissos, dóceis e úteis, codificando comportamentos ou adestrando corpos.
Constituídas fora do aparelho judiciário, no instante em que se instituem no
corpo social processos para repartir os indivíduos, fixando-os e distribuindo-os
espacialmente, classificando-os de forma a tirar deles o máximo de tempo e de forças,
essas instituições são, na verdade, aparelhos para tornar os indivíduos dóceis e úteis.
Esses lugares de aprisionamento mantêm o indivíduo, segundo Foucault, “numa
visilibilidade sem lacuna”, formando em torno dele um aparelho completo de
observação, registro e anotações. Assim, constitui-se sobre esses indivíduos um saber
que se acumula de forma centralizada.
Foucault (2000c) introduz uma análise histórica da questão do poder como
instrumento capaz de explicar a produção dos saberes. Ao realizar sua pesquisa sobre a
história da prisão, focou a problemática dos indivíduos enclausurados, como se
controlavam os seus corpos, como se criava toda uma tecnologia de controle. E essa
tecnologia não era exclusiva da prisão. Foi esse tipo específico de poder, não exercido
por uma determinada instituição ou pessoa, mas por uma rede de dispositivos ou
133

mecanismos, que Foucault chamou de disciplina ou poder disciplinar. Foucault indica


que a disciplina procede em primeiro lugar à distribuição dos indivíduos no espaço.
Quando questionado sobre a análise de figuras que existem às margens da
sociedade, Foucault afirmou que um de seus objetivos é mostrar às pessoas que um bom
número de coisas que faz parte dessa paisagem familiar, considerada universal, é, na
verdade, resultado de alguma mudança histórica muito precisa. Todas as suas análises
vão contra a ideia de necessidades universais de existência humana. Mostra o caráter
arbitrário das instituições e qual é o espaço da liberdade de que ainda dispomos e que
mudanças podemos ainda efetuar (FOUCAULT, 1982).
A vigilância se faz em todas as horas do dia. A disposição física da unidade, na
qual a marca mais significativa são os muros altos impedindo a visibilidade do mundo
exterior, mostra que a disciplina é a palavra de ordem no CAI Belford Roxo.
Como uma prisão, possui também todas as marcas necessárias ao controle
daqueles que estão sob as suas teias. Agentes socieducadores constituem-se como
espécies de vigias do corpo, instrumentos necessários à vigilância contínua.
Os adolescentes, ao ingressarem na instituição, são indicados para integrarem
um módulo (grupos A, B, C, D e E) para o atendimento das miniequipes
multidisciplinares (assistente social, pedagogo e psicólogo), responsáveis pelo
acompanhamento (adolescente e família) e pela elaboração dos relatórios a serem
encaminhados ao Juizado sobre o cumprimento da medida socioeducativa. Recebem os
seus uniformes e os seus números de matrícula, raspam os cabelos e são agrupados nos
alojamentos.
É preciso despir o indivíduo de sua aparência usual. Para isso, deve ser retirado
tudo aquilo que provocaria a sua caracterização pessoal: roupas, pentes, cosméticos,
aparelhos de barba, tudo isso é tirado dele e a ele negado. Goffman (1999) afirma que o
conjunto de bens individuais tem uma relação muito grande com o “eu”. Esse conjunto
dá ao indivíduo uma espécie de controle da maneira como se apresenta diante do outro;
por isso, a necessidade de retirar esses objetos que o ligam ao mundo exterior e à
formação da própria identidade. São espécies de “estojos de identidade” (ibidem, pp.
28-29).
A perda da identidade faz parte também da lógica disciplinar. Ao deixar do lado
de fora dos muros os nomes e ao assumirem um número, deixam de ser sujeitos
individuais, para se tornarem sujeitos de uma nova sujeição. Numerados e
desnomeados, são agrupados. Por força da disciplina, perdem a individualidade e
134

passam a receber, em grupo, o estigma pelo qual são conhecidos na sociedade: menores
infratores. Todos iguais, sem rostos, uniformizados, instalados em um espaço limpo,
higienizado, coletivo.
Figuras 19, 20 e 21: Foto dos Alojamentos Superiores

Fonte: ABDALA, 2013

Ao ser internado, a instituição define um novo status jurídico, social e civil para
o adolescente: infrator, bandido e menor. Assim, a priori, atribui-se um rótulo/estigma
ao adolescente e passa-se a tratá-lo como tal.
135

Os adolescentes são encaminhados para os alojamentos superiores e dois outros


no térreo: anteriormente, enfermaria, alojamento individual e duplo para adolescentes
em risco, estes últimos em obra de melhoria. A esses locais, geralmente só têm acesso
os agentes socioeducadores e a direção.
Figura 22 e 23: Alojamentos inferiores individuais ou duplos – em reforma

Fonte: ABDALLA, 2013

Os alojamentos, principalmente os superiores, utilizados para atividades de


descanso e “recolhimento”, são análogos a celas coletivas, com grades, cadeados, camas
de alvenaria (comarcas) e colchões, onde os adolescentes colocam seus objetos
pessoais: escovas de dente, desodorante, sabonete, toalha, lençol, ventiladores, rádios e
televisores (doados pelos familiares à instituição). Em nossa visita a esse espaço,
observamos obras de manutenção sendo realizadas; os adolescentes estavam com
uniformes limpos59 e havia lençóis em varal improvisado e sobre colchões em bom
estado.
Eles fala que conserta né, falou que consertou o alojamento, vai lá no
alojamento, a infiltração na parede lá tá vazando, lá pro alojamento... Pô, se a
senhora for lá em cima agora a senhora vai ver.. Chove do lado de fora, enche
do lado de dentro. Molha do lado de dentro todinho. Escorre pela parede, as
duas comarcas, não pode dormir60. (Grupo focal 1 - Adolescentes)

59
Quando solicitamos a visita aos alojamentos, houve uma comunicação via rádio e ouvimos os agentes
socioeducadores solicitando que os adolescentes vestissem o uniforme. Não foi entregue aos adolescentes
tal vestimenta, eles permaneceram nos alojamentos. Assim, supomos que estavam de posse dos
uniformes.
60
Comarca – cama de alvenaria.
136

Todos os alojamentos convergem para um corredor. Nesse local, há agentes


socioeducadores de plantão. Durante o dia, quando os adolescentes não estão fazendo as
atividades de escolarização ou profissionalização, recebendo visita, praticando
exercícios na quadra ou alimentando-se nos refeitórios, estão nos alojamentos.
No período noturno, são recolhidos aos alojamentos e trancados. Apesar dos
relatos de obras de manutenção, esses locais estão em péssimas condições de
salubridade, devido a infiltrações. A parte elétrica está comprometida. Há, também,
depredação realizada pelos próprios adolescentes.
Segundo os agentes socioeducadores e os adolescentes, a parte elétrica é
danificada sistematicamente por serem utilizadas a fiação e a corrente elétrica para criar
curtos com objetivo de acender cigarros no período noturno. Quando há indisciplina, os
adolescentes são impedidos de ficarem nos alojamentos e têm que permanecer no
“quadrado”61.
- É... Aquilo dali (quadrado), é que se os caras achar que nós ta errado em
alguma coisa, às vez nós vai pra li, ou vai pra pior...
- Lá embaixo, a triagem...
- Aí nós fica lá no quadrado, sem ventilador, sem televisão, não entra nada de
visita...
- Cheio de mosquito, chega a atravessar até o lençol...
(Grupo focal 2 - Adolescentes)

A descrição que eles mesmos fazem dos alojamentos expõe sem subterfúgios a
forma como são tratados na escola-prisão.
O cotidiano desses adolescentes indica que a sua ligação com o mundo exterior
se faz através dos artefatos comunicacionais. O rádio, a televisão, ao lado das
brincadeiras agressivas entre eles, mostram o universo, muitas vezes desconhecido,
existente nessas prisões-alojamentos.
Tem vezes que a gente, pra acender o cigarro, faz curto, aí pifa a TV ou o
ventilador, aí todo o alojamento paga, e o seu descobre, todo mundo fica sem
sucata, é o maior oprimissão.
A gente vê jornal, pra tê notícia da pista, novela e filme 62. (Grupo Focal 2 -
Adolescentes)

Nos relatos dos adolescentes, percebe-se que o internamento nesse tipo de


instituição que enclausura para disciplinar se dá de modo que passem por um processo
de perda da dimensão de individualidade e de sujeito. Ocorre o que Goffmam (1999)

61
Quadrado – área próxima ao alojamento, espaço livre com grades e banheiro, não há moveis e sua
localização possibilita a vigilância constante dos agentes de disciplina - socioeducativos.
62
Faz curto – causar propositalmente um curto-circuito na rede elétrica causando faíscas; sucata –
alimentos, material para higiene pessoal (barbeador, desodorante, escova de dente ) e cigarros.
137

chamou de mortificação do “eu”. O adolescente depara-se com a perda do seu próprio


nome, passa a ser simplesmente menor. Há ainda a insegurança física diária, sem falar
na perda de sua intimidade, na degradação de sua higienização corporal. Esses
elementos provocam a violação de sua própria identidade e, portanto, de toda linhagem
simbólica do que o significou até então.
- Aqui dentro. A senhora foi lá em cima (alojamento superior), a senhora viu
como nós tava esculachado, viu nossa cara como é que tava? Esculachado pô.
- Por que? Porque aqui é “oprimissão”. Agora vai nas outras cadeia, os menor
não tá igual nós fica aqui.
- A senhora tá notando alguma coisa diferente em nós? (aponta para o rosto)
- Quando a senhora foi lá em cima, a senhora viu nós de um jeito. Agora você
tá vendo aqui de outro. Não notou alguma coisa diferente em nós?
-A senhora olhou pro rosto de todo mundo.
-Viu na foto?
- Então, viu nosso rosto? Agora olha pro nosso rosto agora.
- Lá nós tava tudo diferente.
- Pé do cabelo, sobrancelha. (mostrando o corte de cabelo e as sobrancelhas
bem feitas)
- Mas não é porque eles (agentes de plantões) autorizou não.
- É porque nós fez na marra.
- Nós fez na marra.
- Nós dá nosso jeito.
- Nós dá nosso jeito, nós não é quadrado, nós é redondo. (Grupo Focal 1 –
Adolescentes, grifo nosso)

Um conjunto de bens individuais tem uma relação muito grande com o “eu”. A
pessoa geralmente espera ter certo controle da maneira de apresentar-se diante dos
outros. Para isso, precisa de cosméticos e roupas, instrumentos para usá-los, ou
“concertá-los”, bem como de um local seguro para guardar esses objetos. Em resumo, o
indivíduo precisa de um “estojo de identidade” (GOFFMAM, 1999, p. 28) para controle
de sua aparência pessoal.
O adolescente do CAI BR, ao entrar na instituição total, é despido de sua
aparência usual, bem como dos equipamentos e serviços que os mantêm, vinculados ao
mundo, provocando uma desconfiguração pessoal, uma aniquilação da subjetividade.
Diante de tudo isso, um tipo de resposta defensiva precisa ser construída. Assim,
os adolescentes procuram ressignificar a realidade através de seus próprios atos
comunicacionais, rompendo a barreira colocada entre eles, como indivíduos, e o mundo
lá fora: ouvem música, veem televisão, desenham nas paredes, escrevem e registram em
seus próprios corpos, elementos de sustentação da sua subjetividade: “nós fez na marra.
Nós dá nosso jeito. Nós dá nosso jeito, nós não é quadrado, nós é redondo” (Grupo focal 1 -
Adolescentes).
Os gestores indicam a falta de estrutura para um trabalho socioeducativo
individualizado, previsto em lei:
138

Eles acham que eles têm que botar uma havaiana no pé e a gente acha que
havaiana não é importante. Eles acham que têm que cortar o pé do cabelo e
ficar bonitinho, tem unidades ai que se preocupam com isso, mas com a
gente aqui não, acho que tem que cortar o cabelo normal e deixar pra cortar o
cabelo lá fora, até porque a gente não tem estrutura pra poder cortar o cabelo
de todo mundo bonitinho e quando eles vão cortar o cabelo, eles cortam com
a lâmpada. Caco de lâmpada, eles vão e fazem o pé do cabelo deles, isso a
gente não quer. Como a gente não tem estrutura, não tem uma estrutura ainda
de ter um curso e quem venha aqui, um profissional, que corte o cabelo deles,
tudo certo, mas se não tem isso, tem que cortar o cabelo daquele padrão.
(Diretor adjunto)

A perda do estojo de identidade pode impedir que o adolescente apresente, aos outros,
a imagem usual de si mesmo. Na internação, a imagem que apresenta de si mesmo é
descaracterizada, é substituída e padronizada: o corte do cabelo, a sandália fornecida pela
unidade, o uniforme, entre outros.
A vigilância constante faz parte desse lugar disciplinar. É preciso multiplicar os
olhos para vigiar todas as ações desses sujeitos. A existência, durante as 24 horas do
dia, de agentes de vigilância mostra que a lógica disciplinar não apenas cerceia a
liberdade, como também instaura uma vigilância ininterrupta, que não é somente
exercida pelos agentes socioeducativos de plantões, mas por todos que fazem parte da
instituição. A perda da possibilidade de ir e vir, mesmo intramuros, evidencia que a
estratégia disciplinar tenta instaurar também o controle do corpo.
Uma citação de Foucault (2000c, p233.) fala explicitamente desse olhar que
paira na instituição: “(...) o olho do gênio que tudo sabe acender abarca o conjunto desta
vasta máquina, sem que o mínimo detalhe lhe possa escapar”63.
Trata-se da máquina panóptica a que Foucault faz referência, utilizando-se do
modelo do Panóptico de Bentham para falar da sociedade disciplinar e de seus
instrumentos. O panóptico dissocia o par ver-ser visto, sustentando uma relação de
poder independente daquele que o exerce, um poder que se presentifica como não
localizado, mas que se pauta “numa certa distribuição dos corpos, das superfícies, das
luzes, dos olhares”. Pauta-se também “numa aparelhagem cujos mecanismos internos
produzem a relação na qual se encontram presos os indivíduos”. Foucault ainda
completa: “quanto mais numerosos esses observadores anônimos e passageiros, tanto
mais aumenta para o prisioneiro o risco de ser surpreendido e a consciência inquieta de
ser observado” (2000c, p. 167).
Há uma rotina de atividades a serem cumpridas, criando procedimentos e
posturas de corpo e gestos, assim como diálogos. Os agentes socioeducativos de plantão

63
THEILLRD, J. B. apud FOUCAULT, 2000c, p. 179.
139

são trocados pela manhã. Quando um novo agente assume, os adolescentes são
contados. São chamados por grupos para o café da manhã. Nesse instante, são
“obrigados” a se sentarem com as pernas juntas em fileira no chão do pátio interno. A
chamada é feita pelo número da matrícula. Essa rotina se repete para qualquer atividade
em grupo.
Os adolescentes são obrigados a manter o corpo em posição humilhante e a dar
respostas verbais também humilhantes. Assim, só podem chamar os agentes por
“senhor”. Devem pedir para realizar as menores tarefas, mesmo as mais rotineiras,
como, por exemplo, ir ao banheiro ou acender um cigarro. Nas instituições totais, há
múltiplas formas de mortificação.
Segundo Goffmam, “nas instituições totais esses territórios o eu são violados; a
fronteira que o indivíduo estabelece entre seu ser e o ambiente é invadida e as
encarnações do eu são profanadas” (1999, p. 31).
Todos os horários do dia são rigorosamente preenchidos e controlados em uma
rotina que se repete diariamente. A rotina estabelece horários rígidos para as atividades
escolares, para as refeições e para a prática esportiva. Uma forma de castigo comumente
usada é a interdição aos esportes.
Os adolescentes são divididos em grupos: Escola64, Oficinas pedagógicas65,
Atividades esportivas na quadra e Atividades de iniciação para o trabalho66. As rotinas
na instituição foram criadas pela direção e suas duas equipes gestoras: equipe técnica e
equipe de plantões. Frente a essas equipes, temos a coordenação técnica, a coordenação
das oficinas e as coordenações de plantões. As rotinas institucionais podem ser alteradas
conforme as demandas desse grupo gestor.
As atividades diárias são acompanhadas pelos agentes socioeducativos de
plantão que vigiam todos os deslocamentos dos adolescentes. Esse grupo de
funcionários do plantão é responsável pela segurança disciplinar na Unidade. Para isso,
são autorizados a aplicar sanções aos adolescentes indisciplinados. As
institucionalizadas são a perda da “sucata”67 (cigarros, refrigerantes, biscoitos recebidos
durante as visitas dos familiares) e o isolamento no “quadrado”. Outras, como agressões

64
O Colégio Estadual Barbosa Lima Sobrinho, convênio DEGASE / Secretaria de Educação do Estado do
Rio de Janeiro, atende ao Ensino Fundamental e ao Ensino Médio, no Espaço Centro Pedagógico: salas
de aulas adaptadas no CAI Belford Roxo.
65
Teatro, artes, assistência religiosa, informática, capoeira.
66
Mercado, tingimento de camisas, silk screem,
67
Sucata – termo utilizado pelos funcionários da unidade no CAI BR e em outras unidades do DEGASE.
140

físicas e verbais, são passíveis de sanções funcionais, apesar de ainda aparecerem nos
relatos de adolescentes e socioeducadores (técnicos e agentes).
Todas as rotinas e ações diárias realizadas na instituição são registradas nos
livros de ocorrências dos agentes socioeducadores do plantão, da secretaria técnica e
dos técnicos.
Figura 24: Rotina do CAI

HORÁRIO De Segunda a Sexta fei ra


HORÁRIO SEGUNDA
entre 5 e 6 h Contagem dos a dol es centes no a l oja mento
entre 7 e 8 h Ca fé da Ma nhã

8 às 8:45 ESCOLA ou Ati vi da des de profi s s i ona l i za çã o, ou educa çã o fi s i ca ou a tivi da de peda gógi ca

8:45 às 9:31 ESCOLA ou Ati vi da des de profi s s i ona l i za çã o, ou educa çã o fi s i ca ou a tivi da de peda gógi ca
Intervalo: 9:30 às 9:45 (Escola) ESCOLA ou Ati vi da des de profi s s i ona l i za çã o, ou educa çã o fi s i ca ou a tivi da de peda gógi ca
9:45 às 10:31 ESCOLA ou Ati vi da des de profi s s i ona l i za çã o, ou educa çã o fi s i ca ou a tivi da de peda gógi ca
10:30 às 11:16 ESCOLA ou Ati vi da des de profi s s i ona l i za çã o, ou educa çã o fi s i ca ou a tivi da de peda gógi ca
10:30 às 11:17 ESCOLA ou Ati vi da des de profi s s i ona l i za çã o, ou educa çã o fi s i ca ou a tivi da de peda gógi ca
11:20 Almoço
12 às 13:00 descanso nos alojamentos des ca ns o nos a l oja mentos
13 às 13:45 ESCOLA ou Ati vi da des de profi s s i ona l i za çã o, ou educa çã o fi s i ca ou a tivi da de peda gógi ca
13:45 às 14:30 ESCOLA ou Ati vi da des de profi s s i ona l i za çã o, ou educa çã o fi s i ca ou a tivi da de peda gógi ca
Intervalo: 14:30 às 14:45 (Escola) ESCOLA ou Ati vi da des de profi s s i ona l i za çã o, ou educa çã o fi s i ca ou a tivi da de peda gógi ca
14:45 às 15:30 ESCOLA ou Ati vi da des de profi s s i ona l i za çã o, ou educa çã o fi s i ca ou a tivi da de peda gógi ca
15:30 às 16:15 ESCOLA ou Ati vi da des de profi s s i ona l i za çã o, ou educa çã o fi s i ca ou a tivi da de peda gógi ca
16:15 às 17:00 ESCOLA ou Ati vi da des de profi s s i ona l i za çã o, ou educa çã o fi s i ca ou a tivi da de peda gógi ca
17:00 jantar
17:20 recolher - Alojamento

No entanto, a disciplina instaura também a punição. O corpo, para se tornar


docilizado, deve ser punido. Apesar da aparente interdição, a rotina de castigos
corporais faz parte da lógica das instituições totais.
Sobre a violência institucional e as punições, os adolescentes destacam a figura
dos agentes socioeducadores:
-Os cara (agente socioeducativo de plantão) fica... não acho isso maneiro não.
- Eu falo pro amigo, se me agredir, eu agrido também.
- Eu também agrido.
- Tem essa não, nenhum comédia68 aqui não. Eles tão aí, tá maluco, por
que quando a gente tá lá de fuzil lá não mexe com nós? É em qualquer
lugar e vai ser aqui assim também (*). Não tem nenhum comedia aqui
não. Encostar em qualquer um é certo, mexeu com um, mexeu com todo
mundo.
- Todo mundo.
- Nós tá aí pra ser ajudado. Ajudar e ser ajudado. Fortalecer e ser fortalecido.
Tá maluco. Tem comédia aqui não.

68
“Cara”: agente socioeducativo; “comédia”: pessoa ou pessoas que se comportam fora do esperado.
141

- Juiz fala que como, que nossa mãe não pode encostar em nós, se nossa mãe
encosta em nós eles fala que tá errado, por que eles pode encostar? Como é
que é isso? Nossa família não pode e eles pode. (Grupo Focal 1 –
Adolescentes, grifo nosso)

Essa rede de agressões se estende para os próprios adolescentes, criando-se uma


espécie de código de conduta entre eles. A delação, por exemplo, é uma ação
considerada desprezível e é punida pelos outros membros do grupo através da agressão
física.
Têm adolescentes que precisam ficar no seguro (alojamento individual), por
não obedecerem às regras dos alojamentos, limpeza do alojamento, divisão
da sucata, dívida de cigarro, por serem homossexuais, neste caso, até os
talheres tem que ser diferentes. E principalmente quando desconfiam do X9,
os que “fecha com o plantão”, ai tem que tirar do alojamento. Foi assim,
quando botaram fogo nos colchões, foi cobrança de dívida entre eles. E o
plantão é que paga... (Coordenador de plantão - agente socioeducativo)69

As instituições de internação do sistema DEGASE adquirem certas


especificidades. O CAI Belford Roxo, apesar dos relatos dos adolescentes e
socioeducadores, não é considerada uma unidade violenta. O “clima de calmaria” ou,
como define Foucault, “bom adestramento”70 poderia ser considerado como produto da
inter-relação de práticas coercitivas e persuasivas, que se traduzem pela escolarização e
profissionalização, pela existência de seções de aconselhamento realizadas pelo
atendimento técnico, pelas práticas de controle (como o encarceramento e as punições)
e pela retirada dos suportes de identidade.

Educação e socioeducação: punição ou libertação?


O principio da ação socioeducativa tem seu caráter pedagógico e eminentemente
educacional, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente e o SINASE.
O conceito de socioeducação ou educação social, no entanto, destaca e privilegia
o aprendizado para o convívio social e para o exercício da cidadania. Trata-se de uma
proposta que implica uma nova forma de o indivíduo se relacionar consigo e com o
mundo (Costa 2004b).
Deve-se compreender que educação social é educar para o coletivo, no coletivo,
com o coletivo. É uma tarefa que pressupõe um projeto social compartilhado, em que

69
“Sucata”: objetos e alimentos trazidos pelas famílias para os adolescentes nos dias de visita: biscoitos,
cigarro, refrigerantes; “X9”: delatores; “fecha com o plantão” – pactuam com os socioeducadores.
70
O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e retirar, tem a função maior de
“adestrar” ou adestrar para retirar e se apropriar de forma ainda mais eficaz. (FOCAULT, 2000c)
142

vários atores e instituições concorrem para o desenvolvimento e fortalecimento da


identidade pessoal, cultural e social de cada indivíduo.
A socioeducação como práxis pedagógica propõe uma política e um trabalho
social reflexivo, crítico e construtivo, mediante os processos educativos orientados à
transformação das circunstâncias que limitam a integração social a uma condição
diferenciada de relações interpessoais, e, por extensão, à aspiração por uma maior
qualidade de convívio social.
Cabe assinalar que, de acordo com Antônio Carlos Gomes da Costa (2004a), a
socioeducação se bifurca, por sua vez, em duas grandes modalidades: de caráter
protetivo, voltada para a criança, jovem e adulto em circunstâncias especialmente
difíceis em razão da ameaça ou violação de seus direitos por omissão da família, da
sociedade, do Estado ou até mesmo da sua própria conduta, o que os leva a se envolver
em situações que implicam risco pessoal e social; e outra socioeducativa, voltada
especificamente para o trabalho social e educativo, que tem como destinatários os
adolescentes e jovens em conflito com a lei em razão do cometimento de ato
infracional.
Segundo o autor:
(...) pode-se falar de uma socioeducação de caráter protetivo e outra de
caráter socioeducativa. Essa última voltada para a preparação de adolescentes
e jovens para o convívio social, de forma que atuem como cidadãos e futuros
profissionais, que não reincidam na prática de atos infracionais (crimes e
contravenções), e assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito aos seus
direitos fundamentais e a segurança dos demais cidadãos. (COSTA, 2004a,
p.33)

Ao dar ênfase a essa formação, a socioeducação se torna a tarefa primordial dos


Sistemas Socioeducativos para adolescentes em conflito com a lei. O trabalho
socioeducativo, nesse sentido, é uma resposta às premissas legais do Estatuto da
Criança e do Adolescente, bem como às demandas sociais do mundo atual.

Educação, escolarização e socioeducação


O direito à educação é garantido às crianças (0-11 anos) e aos adolescentes (12-
17 anos) pela Constituição Federal de 1988, arts. 205 a 214, e reforçado pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente - ECA, Lei 8069/90, art. 5771. Portanto, as normas

71
ECA, Artigo 57, “novas experiências e propostas relativas a calendário, seriação, currículo,
metodologia, didática e avaliação com vista à inserção de crianças e adolescentes excluídos do Ensino
Fundamental obrigatório”.
143

programáticas que prestigiam as crianças e os adolescentes, bem como a que estabelece


o princípio da educação foram comtempladas pela legislação infraconstitucional.
A Constituição, assim como a lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (Lei
9394/96), preconiza a formação do cidadão através do processo de escolarização, como
garantia do desenvolvimento da capacidade de aprender e de relacionar-se no meio
social e político, estabelecendo, como princípio, a igualdade de condições para o acesso
e permanência na escola. Portanto, a educação, através da escolarização, é direito
fundamental dos adolescentes entre 12 e 21 anos (incompletos) em conflito com a lei ou
em medidas socioeducativas.
Se o objetivo primordial da Educação é o desenvolvimento da pessoa humana e
o direito subjetivo de toda a criança e adolescente em situação especial de
desenvolvimento, seria de esperar que a educação formal tivesse especial significado no
Sistema Socioeducativo.
Por educação formal aqui compreendida, remetemo-nos ao conceito de Gadotti
(2005):
A educação formal tem objetivos claros e específicos e é representada,
principalmente, pelas escolas e universidades. Ela depende de uma diretriz
educacional centralizada como o currículo, com estruturas hierárquicas e
burocráticas, determinadas em nível nacional, com órgãos fiscalizadores dos
ministérios da educação. A educação não formal é mais difusa, menos
hierárquica e menos burocrática. Os programas de educação não formal não
precisam necessariamente seguir um sistema sequencial e hierárquico de
“progressão”. Podem ter duração variável, e podem, ou não, conceder
certificados de aprendizagem. (GADOTTI, 2005, p123. , grifo nosso)

O adolescente em medida socioeducativa é, acima de tudo, sujeito de direitos,


pessoa em condição peculiar de desenvolvimento e, por fim, prioridade do Estado.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, capítulo IV, das medidas
socioeducativas, seção VII, da Internação, artigo 123, parágrafo único, “durante o
período de internação, inclusive provisório, serão obrigatórias atividades pedagógicas”
e, segundo o artigo 124, “são direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros,
os seguintes: receber escolarização e profissionalização” (grifo nosso).
De acordo com os parâmetros do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE, 2006), o eixo educação, nas unidades socioeducativas, deve
dinamizar as ações pedagógicas, estimular o aprendizado e a troca de informações e
propiciar condições adequadas aos adolescentes para a apropriação e produção do
conhecimento. Na internação provisória, as atividades pedagógicas devem estimular a
144

aproximação do adolescente com a escola e seus familiares, além de desenvolver


metodologia específica ao tempo de permanência na internação provisória72.
Assim, se o adolescente em conflito com a lei se encontra em custódia do Estado
e se ele deve ter condições de acesso à educação, então, que tipo de educação-
escolarização deve ser oferecida aos adolescentes que cumprem medida socioeducativa
de internação e internação provisória no CAI BR?
No DEGASE, todas as unidades de internação e internação provisória possuem
convênios com colégios da Secretaria de Estado de Educação - SEEDUC. A partir de
2008, os colégios passaram a ser coordenados pela Coordenadoria Especial de Unidades
Prisionais e Sócio-Educativas (COESP), diretamente ligada ao Gabinete do Secretário
de Educação, até 2011, quando, pelo Decreto 42.837, extinguiu-se a COESP, passando
as unidades escolares à Diretoria Especial de Unidades Escolares Prisionais e
Socioeducativas (DIESP)73.
Fazendo parte das unidades escolares coordenadas pela DIESP, no CAI BR, a
responsabilidade pelo processo de escolarização é do Colégio Estadual Jornalista
Barbosa Lima Sobrinho74, com direção, professores e estrutura curricular da SEEDUC.
Porém, essa unidade escolar faz parte do complexo institucional do CAI BR, isto é,
espaço físico, administrativo e socioeducativo do DEGASE.
O processo de escolarização dos adolescentes internados no CAI BR, no modelo
institucional do DEGASE, é um fenômeno complexo, pois adquire singularidades
específicas.
Ao pesquisarmos os discursos dos socioeducadores e adolescentes sobre a
escolarização no CAI BR, deparamo-nos com os seguintes questionamentos: quais são
as dimensões que a escolarização assume nesse sistema jurídico de privação de
liberdade, em especial na execução de medida socioeducativa de internação? Quais os
mecanismos de controle e dispositivos disciplinares são utilizados pela instituição para
cumprir as determinações legais e de “direito” do adolescente à escolarização? Como
os adolescentes constroem e interpretam cotidianamente o seu processo de educação-

72
ECA e SINASE – internação provisória não poderá ultrapassar o período de 45 dias.
73
DECRETO Nº 42.837 DE 04 DE FEVEREIRO DE 2011. Diário Oficial do Estado do RJ. 7 de fevereiro
de 2011. Art. 2º - Fica renomeada a Coordenadoria Especial de Unidades Escolares Prisionais e
Socioeducativas para Regional Pedagógico-Administrativa que, na estrutura básica da Secretaria de
Estado de Educação, fica vinculada à Subsecretaria de Gestão de Rede e de Ensino. E cria-se a diretoria
especial de unidades escolares prisionais e socioeducativas – DIESP SEDE: RIO DE JANEIRO Área de
Abrangência: 18 unidades escolares prisionais e socioeducativas.
74
Decreto 29218, publicado no Diário Oficial no dia 17 de setembro de 2001.
145

escolarização na interface interinstitucional CAI BR - Colégio Estadual Jornalista


Barbosa Lima Sobrinho?
O Colégio fica localizado nas dependências do prédio principal, no térreo com
acesso para o pátio interno, são 6 salas de aula, 1 sala de direção e equipe
administrativa, 1 sala de professores e 1 banheiro.
Figura 25: Entrada do Colégio Estadual Jornalista Barbosa Lima Sobrinho

Fonte: Alexandre Nascimento - CAI BR

Figura 26: Sala de Aula

Fonte: Alexandre Nascimento - CAI BR

Segundo o Plano Estadual de Educação (SEEDUC - 2010),


[...] os colégios de medidas socioeducativas buscam assegurar a escolaridade
dos jovens e adolescentes condizente com as demandas e especificidades dos
alunos desses colégios e com as características individuais de cada unidade
146

de internação, internação provisória e internação ao tratamento de uso e


abuso de drogas. No entanto, ainda é necessário elaborar e implementar
matriz curricular apropriada às particularidades e necessidades apresentadas
pelos alunos dos colégios de medidas socioeducativas e pelo funcionamento
diferenciado que esses colégios apresentam. (SEEDUC, PEE, 2010, p118.)

O Plano Estadual de Educação indica a necessidade de uma matriz


curricular; porém, até o final de 2012, os colégios estaduais apresentaram variadas
vertentes educacionais: educação regular com progressão anual; educação de jovens e
adultos em módulos e seriação variadas semestrais, e finalmente, em 2012, foi
importada a matriz curricular do sistema penal, tendo como base as Diretrizes Nacionais
de Educação em Prisões75.
No Projeto Pedagógico do CAI BR, em relação ao Colégio Estadual Jornalista
Barbosa Lima Sobrinho, destaca-se a articulação entre a unidade de internação e o
colégio:
 Manter a integração entre a Escola e a Unidade de atendimento, garantindo
a interface dos diversos seguimentos e atores sociais visando o
desenvolvimento integral do adolescente. (Projeto Pedagógico do CAI BR,
2011, p.52)

Portanto, a escolarização dos adolescentes através do Colégio Jornalista Barbosa


Lima Sobrinho faz parte da medida socioeducativa de internação e internação
provisória.
- É né. Aqui é obrigado a estudar.(grifo nosso)
- E é só aqui.
- Só aqui mesmo.
- É porque é “cadeia” mesmo, mas sei lá (*)... sei lá(*). Cadeia é tudo
diferente, tudo... Sei lá. Na rua nós é mais solto, nós faz o que nós quiser, o
que nós bem entender.
- Sem ninguém ficar vigiando nós 24 horas.
- Aqui nós faz uma atividade, senão que nós vai se atrasar”76.
- Perde sucata também.
- Se não quiser ir pra escola, nós perde sucata77. (Grupo Focal 2 -
Adolescentes)

Segundo o discurso dos adolescentes, no CAI BR, todos são “obrigados” a


estudar, tal fato se comprova pelos dados institucionais, com matrícula no Colégio

75
Segundo a Secretaria de Estado de Educação encontra-se em processo de elaboração o novo Plano
que irá atender às Diretrizes Nacionais de Educação em Prisões, em parceria com o Ministério da Justiça
e a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, criando atividades adequadas a esse ensino
diferenciado e integrando as práticas pedagógicas à rotina das unidades prisionais e socioeducativas de
internação. O novo Plano vai atender às Diretrizes Nacionais de Educação em Prisões.
76
“ atrasar” Ser prejudicado no andamento do processo socioeducativo , não cumprir as normas o que
levaria ao aumento de período de internação
77
“Cadeia” – refere-se a unidade de internação , portanto, o CAI BR; “sucata” objetos e alimentos
trazidos por familiares durante as visitas para os adolescentes internados do CAI BR
147

Estadual de 100% dos adolescentes internados em março de 2013, o que difere essa
unidade de outras unidades socioeducativas do Sistema DEGASE. Isso porque o direito
à escolarização estabelecido pelo ECA, LDB e CF é exceção dentro do próprio sistema.
Os adolescentes compreendem os dispositivos disciplinares, envolvendo o
processo de escolarização: “porque é cadeia mesmo”, “vigiando 24 horas”, “aqui é
obrigado a estudar”; e a sanção normalizadora: “se não quiser ir pra escola, nós perde
sucata” e aqui nós “faz uma atividade, senão nós vai se ‘atrasar’”. (FOUCAULT,
2000c).
Tal discurso apresenta várias faces do processo de escolarização. A interface
medida socioeducativa e escolarização: “aqui nós faz uma atividade, senão nós vai se
‘atrasar’” indica a escolarização como parte do processo socioeducativo, no
comportamento esperado-determinado do adolescente cumprindo a medida de
internação e o registro desse comportamento, a ser relatado pelos olhares dos técnicos
ao Juizado.
No relatório técnico nós colocamos que o adolescente está estudando e
fazendo as atividades profissionais. Às vezes a gente até pede para eles
ficarem um pouco mais para terminar o ano ( série escolar). E aí, a gente
encaminha para uma escola na comunidade que eles irão, para o CRIAAD
ou próxima à residência. A escola é muito importante, muitos deles só voltam
a estudar aqui no CAI BR, a maioria está sem estudar há muito tempo.
Quando o relatório é enviado para o juiz ou quando o adolescente é entregue
à família nós encaminhamos junto a declaração de escolaridade. (Entrevista
com pedagogo)

Portanto, a escolarização representa o período que o adolescente permanecerá na


instituição ou será liberado da medida socioeducativa de internação.
O pedagogo indica a evasão ou o abandono da escola pelos adolescentes
envolvidos em atos ilícitos, comprovado pelo índice de 98% dos adolescentes em
cumprimento de medida de internação no CAI BR, ausentes dos bancos escolares no
período da apreensão.
Compreendemos que a história de exclusão ou evasão dos adolescentes do
universo escolar anteriormente à escolarização no CAI BR se apresenta como uma
experiência negativa:
- Fui expulso da escola! Brigava, né! Botava terror ! Pra dar uma “zuada”.
- Era bom que nós tava aprendendo lá. Depois, a gente desencaminhou...
- Isso aí pra nós foi esquecimento na nossa mente.
- A diretora expulsou , já tava na rua, ia lá pra jogar futebol.l
- Era tipo assim, “brabeira”, a professora gritava com nós. Eu mandava ela
(...) botava pra zuar , ficava zuando né ! (Grupo Focal 1 - Adolescentes)
148

Os adolescentes apresentam relatos da escola, diferenciando os territórios


escolares e vinculando-os a formas de sociabilidades: conflitos e tensões ou prazer e
lazer:
-Pô, eu ia pra escola pra jogar futebol.
-Tinha rádio.
- Era tipo caixa pendurada assim na cabeça.
- Lá também é assim cara, lá onde que eu estudei também.
- A escola, ela dava comida pra nós. É ou não é?
- Dava, dava, dava. Merenda né, merenda?
- É, merenda. Dava merenda pra nós comer.
(Grupo Focal 1 - Adolescentes)

Os espaços escolares de sociabilidade estão fora da sala de aula e são elencados


pelos adolescentes em sua memória escolar: a quadra de futebol, o pátio com rádio e o
refeitório.
Os adolescentes optaram em inscrever-se em outros microterritórios (ADORNO,
1991) e as escolas por onde passaram, através de suas práticas, sutilmente, expulsaram-
nos.
- Eu nem ia, fingia que ia pra escola, ficava na “lan house” jogando e
bebendo! Era “muleque”! Uns “muleque” comprava vinho e big-apple.
(Risos)
- Fugia pra casa. Na hora do recreio, dava a hora do recreio eu ia pra casa.

Chamam a atenção as novas formas de sociabilidade, através de experiências em


outros espaços exteriores à escola: a casa, a rua e a lan-house.
Conforme Adorno (1991b), as práticas escolares,
[...] não raro, se mostram incompatíveis com o universo cultural de crianças e
adolescentes insubmissos. Constituída a escola em espaço sóbrio, destituído
de emoções e de atrações lúdicas, espaço desinteressante e desmotivador, ela
contrasta com um universo cultural no qual os desafios, os confrontos, as
lutas, o mundo tête-à-tête, a vida eminentemente feita de pessoas e não de
abstrações constituem seus traços mais significativos. (p.78)

Para os adolescentes entrevistados, a escola, aos poucos, perdeu a sua


importância e especificidade, transformando-se em uma instituição entre outras. A
inserção em outros microterritórios fez com que a escola deixasse de ser vista como a
única possibilidade de presença no mundo, para além da família (SPÓSITO, 2004).
Segundo Adorno (1991),
de um lado, abandono progressivo de espaços institucionais da ordem moral e
familiar dominante; de outro, inscrição dos sujeitos em microterritórios, solo
no qual constroem o essencial de suas existências. Esse abandono realiza-se
em etapas, à base de ensaios pessoais de êxitos e fracassos, cujas saídas se
manifestam inicialmente pelo afastamento da constelação familiar, pela fuga
e evasão da escola, pela intermitência da atividade ocupacional, pela
alternância entre trabalho e delinquência. (p. 78)
149

É pertinente ressaltar o cuidado com possíveis associações generalizadas, no


sentido de afirmar que as trajetórias escolares dos adolescentes, marcadas por
abandonos dos bancos escolares, tenham determinado as suas inserções ao mundo do
crime. Sabe-se da existência de um número considerável de crianças e adolescentes que
estão fora da instituição escolar e que, no entanto, não enveredaram para os caminhos da
infração. E há também aqueles que estão nos bancos escolares e enveredam para o
mundo do crime. O acesso ocorre em etapas e não depende exclusivamente de sua
saída/expulsão ou abandono escolar, envolvendo diferentes fatores sociais edificados no
interior das densas relações sociais, com atores dos mais distintos espaços institucionais
(ADORNO, 1991).
Indagados sobre a escolarização e o trabalho, responderam:
- Eu tava trabalhando?
- Tava. No tráfico.
- Meu trabalho é esse.
- O trabalho do tráfico é todo mundo fora da lei, ninguém pensa em trabalhar
não. A gente tá ganhando mesmo, a gente tá tranquilo, nós já tá com dinheiro,
pra que nós vai trabalhar pra pegar mais dinheiro?
- Não, estava na escola não.
- Nossa escola é a vida! (Grupo Focal 1 - Adolescentes)

As discussões de Adorno (1991) são um pano de fundo para reflexões acerca do


envolvimento dos adolescentes em atos infracionais, pois não se trata de buscar as
causas da delinquência ou sua evolução, mas indagar como os adolescentes, em suas
práticas com a escola, sugerem o funcionamento de “um duplo mecanismo, que opera
simultaneamente ora em confronto entre si, ora em adequação: ‘desterritorialização e
‘reterritorialização’” (ADORNO, 1991, p78), por exemplo, no microterritório da
delinquência.
Com essa perspectiva, rompe-se com as teses explicativas que remetem a uma
concepção de causalidade linear entre “desorganização familiar”, baixa escolarização,
inserção no mundo do trabalho ou instituições de controle social e entre a realização de
infrações.
Não significa, de imediato e de modo inflexível, a ruptura de todas as conexões
com o universo “normal” (escola/família) e a inserção em linhas de sociabilidade
complementarmente autônomas – a delinquência. Regularmente, esse processo se
constitui em uma sucessão de ações que habilita o acesso de crianças e adolescentes em
microterritórios plenos de aventuras e de fortes emoções: a vida na rua, com os pares da
mesma idade, sem regras... Essa reinscrição em linhas de fuga e de solidariedade
150

paralelas e simultâneas é alcançada pelo progressivo abandono/evasão escolar: “nossa


escola é a vida”.
Esse abandono realiza-se em etapas, à base de ensaios pessoais de êxitos e
fracassos, cujas saídas se manifestam inicialmente pelo afastamento da
constelação familiar, pela fuga e evasão da escola, pela intermitência da
atividade ocupacional, pela alternância entre trabalho e delinquência. Trata-se
de um duplo mecanismo que pode assumir diferentes formas e implicar
diversas derivações para a delinquência. (ADORNO, 1991, p.79)

Vários adolescentes apreendidos em atos ilícitos se encontravam fora dos bancos


escolares, fazendo parte da determinação judicial de privação de liberdade a reinserção
na escola, o que acontece no CAI BR. Não há, também, como contestar qualquer
aspecto da organização disciplinar, isto é, os adolescentes não podem fazer escolhas.
“Outros papéis são criados para eles; eles perdem a autonomia, o poder de decisões e de
liberdade de ações envolvendo a escolarização.” (TEIXEIRA, 2005, p.28 )
A compreensão da “obrigatoriedade de estudar” versus “direito à educação”,
muitas vezes, tem forte aparato jurídico na determinação das medidas socioeducativas,
como indica Teixeira (2005) em seus estudos sobre o processo de escolarização em
unidades de internação em São Paulo, na Fundação Casa.
Na perspectiva de alguns juízes, a medida de internação consiste em oferecer
meios para que o jovem, julgado, sancionado e institucionalizado na
Fundação CASA adquira maturidade de personalidade, consciência e
oportunidades de re-educação para a construção de uma vida honesta e sadia.
A re-educação tem como principal pressuposto o retorno do jovem à escola e
a sua participação em cursos profissionalizantes. Nesse sentido, os juízes
justificam a internação do adolescente, muitas vezes, partindo do pressuposto
que eles terão acesso à escolarização nas Unidades de Internações.
(TEIXEIRA, 2005, .)

A interface controle-disciplina institucional e escolarização também aparece no


discurso dos agentes socioeducadores:
A única maneira de controlar os adolescentes é perdendo a sucata (..) tem
professor que tem medo e não fala ‘pro’ agente que o adolescente está
‘perturbando” a aluna ou pegando coisa proibida, como caneta e lápis. Na
hora da “revista” a gente “pega”, aí a gente registra no livro de ocorrência.
Na hora da visita, a família fica sabendo que não pode entrar a sucata. A
gente avisa “pro” adolescente, mas ele não fala pra família porque ficou sem
sucata. O adolescente diz que o professor viu ele pegando a caneta. Acho que
tem professor que deixa e não fala porque tem medo 78. (Agente
socioeducador - Coordenador de plantão)

Segundo a rotina institucional, os agentes socioeducativos de plantão recebem


uma listagem de adolescentes a serem encaminhados para a escola, contendo o número
dos adolescentes (matrícula de entrada no CAI BR), turma e turno. Essa lista é
151

diariamente preparada pelos agentes socioeducativos de apoio à escola, intermediários


entre escola e unidade socioeducativa. Os agentes socioeducativos de plantão retiram os
adolescentes dos alojamentos e os encaminham para o pátio interno. Nesse local, os
adolescentes permanecem em filas em pé ou sentados no chão para nova chamada
nominal e distribuição nas salas de aula. Durante o período da aula, há de dois a três
agentes socioeducativos de apoio à escola que permanecem no corredor de acesso às
salas de aula. Após a aula, os adolescentes são revistados e encaminhados para os
alojamentos ou refeitório da unidade.
Qualquer alteração de comportamento tem que ser relatado aos agentes de apoio.
Se houver necessidade, em caso de conflito, serão os agentes socioeducativos de apoio à
escola os responsáveis pela imediata interferência ou contenção. São obrigatórios os
registros em livro de ocorrência do plantão, e somente os agentes de plantão poderão
determinar a sanção ao adolescente: “se não quiser ir pra escola, nós perde sucata”.
Paradoxalmente, a escola é vista pelos adolescentes não apenas como um espaço
de disciplina-controle e docilização dos corpos, mas, também, como espaço de
libertação:
- Aqui é muito raro nós sair do alojamento. Aqui, nós fica mais preso do que
solto.
- Nós fica mais solto quando tá no período da escola. Quando tá nas férias
nós só fica preso.
-O certo é o que? Nas férias nós ficar como, ficar suave né? Mas é ao
contrário!
- Engraçado né? E nós tá mais preso do que solto, e fica mais solto pra nós
tá na escola. (Grupo Focal 2 - Adolescentes)

As rotinas institucionais em período de férias escolares privilegia o


aprisionamento dos adolescentes, enquanto o fazer pedagógico escolar, apesar de todos
os dispositivos disciplinares, é destacado como possibilidade de libertação real e
simbólica.
Indagados sobre as escolas regulares em espaço de liberdade e a escola do CAI
BR, os adolescentes falam sobre a relação professor-aluno:
- Lógico que é diferente!
- Essa aqui, (*), é totalmente diferente.
- Aqui pô, tem mais cuidado com nós, ele tem mais prazer de ensinar nós,
porque nós é preso (*). Lá fora já não, (*)!
- Eles tem pena de nós...
- É, tem pena (*).
- A escola já é79! Eles têm pena de nós.
- Aqui eles bota mais, incentiva a gente a estudar, por quê? Porque eles sabe
que aqui ajuda nós a ir embora, relatório, dependendo do relatório ajuda a ir
embora.

79
“Já é” - Confirmação, algo positivo; “batique” - estamparia em camisa
152

- O tratamento dos professores é diferente...


- Tá na escola tá tranquilo, sai da escola fica nervoso.
- É, só fica nervoso, só se estressa.

Os professores, que no discurso dos agentes socioeducativos aparentam ter medo


dos adolescentes por não reproduzirem as rotinas de encarceramento, na visão dos
adolescentes são presença educativa:
A Presença Educativa diz respeito a um relacionamento onde duas pessoas se
revelam uma para a outra. O educador tem que deixar sua vida ser penetrada
pela vida do educando. Isso requer abertura, troca, respeito mútuo,
reciprocidade, ou seja, tem que haver um comércio singelo entre as pessoas.
Na realidade, é uma troca de “pequenos nadas”. E o que são esses “pequenos
nadas?” Um bom dia, um olhar, um toque, uma palavra, um incentivo, um
gesto, um conselho, um sorriso, enfim, são gestos e atitudes que não custam
nada mas que podem modificar inteiramente nosso trabalho sócio-educativo.
(COSTA, 2013, p.4)

Sem ignorar as exigências e necessidades da ordem social, dos processos de


sanção e de responsabilização do adolescente infrator, da disciplina institucional
presente na escolarização/socioeducação, o educador, quer seja professor ou
socioeducador, necessita não aceitar a perspectiva de que sua função venha a ser apenas
adaptar o adolescente/educando à instituição total e de sequestro (GOFFMAM , 1999;
FOUCAULT, 2000c). Ele necessita ir mais longe, “abrir espaços que permitam ao
educando tornar-se fonte de iniciativa, de liberdade e de compromisso consigo mesmo e
com os outros, integrando de forma positiva as manifestações desencontradas do seu
querer-ser” (COSTA, 2013, p.3).
- Os professores ?São tudo legal, tudo maneiro.
- Tem professor que no Natal trouxe até ceia pra gente.
- E trouxe do bolso dele, não é dinheiro da escola não, do bolso dele
Jeferson é mais tranquilão.
- É o Jeferson. Acho que é de português. Não, de matemática, esqueci qual é
a matéria.
- Tem esses cara aí do curso também.
- Os cursos é tranquilão. Nós ó, chega ali, eu tô num curso de batique, me
ensinando vários bagulho que se eu tipo assim, se eu quiser mudar minha
vida, eu vou ganhar mó dinheirão (*). Se eu quiser mudar minha vida, eu
mudo qualquer um também, negócio de pintar blusa...
- Cinegrafia, já fiz cinegrafia.
- (*), batique também é quase a mesma coisa.
- Informática. Eu to fazendo informática.
- Banho, tosa, adestramento, neguin tá reclamando, mercado, e esse bagulho
do mercado eles traz uns biscoitins, deve ser do bolso deles também.
(Grupo Focal 2 - Adolescentes)

Saliba (2006 apud TEIXEIRA) defende a tese de que o conceito de educação


tem sido utilizado como forma de legitimar práticas de vigilância e controle sobre uma
parcela de jovens. Para o autor, socioeducadores, ao defenderem que a internação, a
liberdade assistida e as demais medidas socioeducativas determinadas pelo ECA
153

promovem a cidadania do jovem, a sua autonomia, a sua aquisição de valores e de


condutas socialmente aceitas, elaboram discursos que dissolvem as práticas de
vigilância e controle social sobre o jovem. Nesse sentido, é importante problematizar
sob qual viés a escolarização formal tem sido oferecida: como proposta de acesso ao
conhecimento, construção de cidadania e socialização desses jovens ou como uma
medida punitiva?
Acreditamos que o paradoxo existente na escolarização “punição/disciplina”
versus “libertação/educação” traduz as relações de poder e resistência de Foucault
(2005b):
Onde há poder, há resistência. Não existe, com respeito ao poder, um lugar
da grande recusa - alma de revolta, foco de todas as rebeliões, lei pura do
revolucionário. Mas sim resistência, no plural, que são casos únicos:
possíveis, necessárias, improváveis, espontâneas, selvagens, solitárias,
planejadas, arrastadas, violentas, irreconciliáveis, prontas ao compromisso,
interessadas ou fadadas ao sacrifício. E é certamente a codificação estratégica
desses pontos de resistência que torna possível uma revolução, um pouco à
maneira do Estado que repousa sobre a integração institucional das relações
de poder. (p. 91).

Há, portanto, muitas lacunas, pontos de fuga, resistência e astúcia dos sujeitos
ordinários (CERTEAU, 2000) na escolarização dos adolescentes precisando ser
analisadas e avaliadas no âmbito das políticas públicas e das práticas das cotidianas. O
poder e a liberdade são internos um ao outro. Localizam-se em um plano em que estão
confinados em uma incessante provocação, promovida por uma trama de reformulações
e redefinições contínuas das estratégias que se estabelecem na teia das relações de
poder.
Como pontua Goffman (1999, p.8) em seus estudos sobre as “instituições
totais”, faz-se necessário “tentar conhecer o mundo social do internado [...] na medida
em que esse mundo é subjetivamente vivido por ele”. Conhecer esse mundo requer
aproximações dos educadores/socieducadores preocupados com a inclusão social e com
os sujeitos que dele fazem parte: os adolescentes, os professores, os agentes
socioeducativos e os gestores das políticas públicas para a adolescência.

A lógica do discurso do encarceramento na produção de subjetividade


O processo de constituição do sujeito-adolescente coloca em evidência algumas
questões: em que medida a vida desse sujeito pode ser mais do que aquela que é
proposta pela cultura existente sobre a delinquência e sobre o “adolescente infrator”? E
sobre a estrutura de saber e poder que envolve o diagrama da instituição de internação?
154

Essas questões resultam da conexão entre o questionamento do próprio sujeito por outro
ou por ele mesmo e pela vida.
Quando se analisa a prática de poder, o problema se torna saber o modo como se
dá a interferência no processo de subjetivação.
Essa descrição abstrata do poder e saber disciplinar como interferência torna-se
concreta ao situar historicamente a instituição de internação do adolescente infrator e
sua implementação na produção de subjetividade dos encarcerados.
Foucault (2000c) nos possibilita a compreensão do sistema prisional –
penitenciário – enquanto elemento do corpo social revestido de toda autoridade e
especificidade para falar sobre aquele que se torna “delinquente”. O sujeito que opta
pela via da transgressão criminosa se faz reconhecido pelo registro da delinquência.
Sendo o aprisionamento viabilizador de toda uma sistematização de saberes, acaba
também por nomeá-lo como um de fora de toda a lógica vigente, colocando-o no lugar
da exclusão e da diferença pela ruptura que produz.
A delinquência é tratada por Foucault a partir de uma leitura que a concebe
como lugar produzido social e historicamente.
O autor esclarece que, embora haja uma contradição na própria estruturação das
instituições de internação fundada no discurso humanista, como doutrina de
ressocializar e, assim, devolver para a sociedade um sujeito normal, na verdade essas
produzem, através de seus dispositivos e técnicas disciplinares, a delinquência. E não
poderia ser de outra forma, já que o objetivo último da relação com a diferença
provocada pela delinquência é a manutenção das relações de poder. Daí a necessidade
de separar, recolocando cada um no seu lugar a todo o momento. Interior e exterior têm
que estar bem demarcados.
Aquele que está fora deve ser mantido nessa situação e, sobretudo, contido. É
dessa forma que as instituições de internação dos adolescentes em conflito com a lei
ganham lugar de primazia, na medida em que se instauram como estruturas falantes, as
quais se articulam na própria lógica de funcionamento discursivo, que imprime no
sujeito falado a incorporação da delinquência enquanto subjetivação.

Cartas produzidas no espaço escolar: individualidade como resistência


Deleuze (1996), fazendo a análise dos estudos de Foucault, aponta como uma
terceira dimensão a do sujeito. Esse sujeito não aparece como pessoa ou forma de
155

identidade, mas como subjetivação, no sentido de processo, o si, no sentido de relação


(relação de si).
Diz ele que “trata-se de uma relação de força consigo (ao passo que o poder era
a relação de força com outras forças), trata-se de uma dobra da força” (DELEUZE,
1996, p.116).
Essa dobra da força possibilita a constituição de modos de existência, a invenção
de possibilidades de vida. Ainda que estivesse se referindo à nossa relação com a morte,
podemos fazer uma ilação desse pensamento com o objeto de nosso estudo. A rigor, o
que estamos afirmando é que, através da produção de subjetividades em atos
comunicacionais, esses adolescentes inventam possibilidades de vida, ou seja, de
existência.
Inventando modos de existência, segundo regras que podem resistir ao poder e
se furtar ao saber – nas palavras de Deleuze (1996) –, mesmo com a disciplina/controle
e o saber tentando penetrá-los e tentando apropriar-se deles, os adolescentes constroem
um universo marcado por estratégias de criação e de desvelamento de um lugar
idealizado no mundo.
Foucault chama de “técnicas de si” os procedimentos que existem em toda
sociedade, pressupostos ou prescritos aos indivíduos para fixar sua identidade, mantê-la
ou transformá-la com determinada finalidade, e isso graças à relação de domínio de si
ou do conhecimento de si por si. Destaca que se trata de recolocar o imperativo do
“conhecer-se a si mesmo”, característico de nossa civilização. Diz Foucault (1997, p.
63): “O que fazer de si mesmo? Que trabalho operar sobre si? Como se governar,
exercendo ações, se é o objetivo dessas ações o domínio em que se aplicam, o
instrumento ao qual podem recorrer o sujeito que age?”.
Nas unidades de internação dos adolescentes, constrói-se, pois, um arcabouço
técnico sobre esse sujeito, consolidando e reatualizando um saber. Essa construção
fornece munição para determinar a articulação das relações desse sujeito com o outro.
Esse outro é entendido como os socioeducadores agentes, os socioeducadores técnicos e
os profissionais da educação que produzem esse mesmo saber e o mundo exterior,
representado não apenas pelo governo, através do Legislativo, mas todos que estão do
lado de fora dos muros da escola-prisão.
Porém, a relação desses jovens com o mundo exterior, analisada através dos seus
discursos, mostra que o saber construído sobre eles não destrói a autonomia de sua fala,
expressão de um sentimento que não pode ser aprisionado pelo saber técnico-
156

disciplinar. Em uma carta, o adolescente Tiago80, de 16 anos, interno no CAI Belford


Roxo, afirma:
Não se esqueça de mim, eu estou preso mas não estou morto (...) Tanto que
você me falou, mas eu queria ser um pouco melhor, pensei que roubando eu
ia ganhar. Ganhar eu ganhei, mas perdi o dobro. Isto serviu para mim
colocar a cabeça no lugar. Eu vou sair daqui e vou mostrar que eu sou um
vencedor, que eu posso estar apagado, mas nasci para brilhar (...). (Carta de
Tiago) 81

Nessas palavras, o adolescente traz à tona todo o processo de resistência à morte


de si pela internação, vivenciado no aprisionamento, na docilização do corpo, destacado
por Foucault (2000c) ao caracterizar o poder disciplinar. Esse poder é entendido como
procedimento e relação entre indivíduos, uma ação sobre a ação possível do outro,
visando produzir uma resposta desejada. “Isso serviu para mim colocar a cabeça no
lugar”, diz o adolescente, culpando-se ou, ao menos, delimitando o leque de respostas
possíveis de modo a evitar o imprevisível: “Posso estar apagado, mas nasci para
brilhar”.
Poder, nesta definição, é jogo estratégico de antecipação do comportamento, não
localizável nas instâncias do Estado ou nos agentes de disciplina institucional: poder
como produção de subjetividade desses sujeitos encarcerados, assim como possibilidade
de resistência.
Nesse caso, o alvo do poder não é o adolescente infrator, mas o processo de
constituição desses sujeitos. Ao invés de funcionar como adiamento, por ser repressão e
ideologia, é interferência contínua no processo de subjetivação. Esse processo pode ser
descrito quando se trata de uma sociedade que pensa historicamente a delinquência
infantojuvenil como problematização82 da pertinência desse adolescente nessa cultura
de crenças e valores.
Nesse processo, para se constituir em sua autonomia, o adolescente apreende a
pertinência cultural dos seus modos de pensar e agir e propõe, com interferência de
outros, inventar o mundo e a si mesmo.
O adolescente Tiago continua a carta endereçada aos irmãos e à mãe:
(...) Nesta vida a gente não tem amigo, só para comer o que a gente tem. Eu
peço a vocês que não se preocupem comigo, que eu estou bem. A vida nem
sempre é maravilhosa, a gente tem que tropeçar para levantar. Eu vou mudar.

80
Optamos , nesta parte da pesquisa por utilizar nomes fictícios dos adolescentes .
81
Optou-se por conservar o original tal como foi construído pelos autores, não operando reescrita que
eliminasse os erros de português. O nome dos adolescentes foram alterados para garantia do sigilo
determinados legalmente.
82
A problematização de Foucault centra-se nas formas de compreensão que o sujeito cria acerca de si
próprio.
157

Eu espero que esta carta seja um tipo de ajuda para vocês e pra mim. (...)
George, minha mãe falou que você está com um cavalo, e está muito metido.
Peço muito a Deus por você também, que você nunca vem parar aqui, porque
aqui é um verdadeiro inferno (...) Eu quero pedir a vocês, orem por mim, que
eu estou orando também para todos vocês, um dia a gente vai poder
comemorar juntos (...). (Carta de Tiago)

O adolescente produz um discurso conciliador, determinado pela expectativa


que o outro tem de sua própria imagem. Sem saber precisar que mudança precisa ser
efetivada, que caminho percorrer e se é possível resolver essa expectativa de si,
sentencia: “a gente tem que tropeçar para levantar. Eu vou mudar. Eu espero que esta
carta seja um tipo de ajuda para vocês e para mim”.
No poder disciplinar há uma interferência contínua. Pode-se pensar que o
condicionamento cultural de crenças e valores se dá pela constituição de uma dívida
infinita no interior do indivíduo quando esse pensa o seu ser e se propõe transformá-lo;
infinita, porque é impossível de ser paga e, assim, conduz o indivíduo, na
problematização que faz de si mesmo, a continuamente pensar no que deve ser e fazer.
O adolescente Marcos, de 18 anos, relata:
Vó, tirando a saudade de vocês, a depressão e a angústia, eu consigo levar
tranqüilamente. Vó, me desculpe por eu estar fazendo a senhora sofrer por
um neto que está te decepcionando, mas tudo bem, quando eu sair vou seguir
o melhor caminho pra minha vida. Só aqui dentro é que eu fui perceber o
grande amor que vocês tem por mim.

Como se trata da interferência em um processo de problematização, a relação de


poder pode ser caracterizada tanto pela ordenação do sujeito, quanto pela simplificação
desse questionamento perante outrem. Trata-se de uma estratégia em que o indivíduo
pensa a sua singularização a partir das crenças e valores geradas pela sociedade. Assim,
o adolescente afirma: “me desculpe por eu estar fazendo a senhora sofrer por um neto
que está te decepcionando”. Pressupõe-se, pois, o que a sociedade, aqui representada
pela avó, pensa acerca do que é ser um bom menino, correto, obediente às regras
sociais e institucionais e que ele – adolescente infrator – não se configura como sujeito
histórico racional e normal.
Eu tenho tanto pra falar desde aquele dia que tudo se acabou sem menos eu
entender, me dê uma segunda chance, só você e minha mãe pra fazer eu
mudar. Falta pouco para minha audiência, eu quero sair daqui, eu não sou um
bandido, eu estou na cadeia mas ainda tenho um pouco de amor pra todos.
(Carta de Diego, 17 anos)

Concretamente, trata-se, primeiro, de naturalizar essas crenças em que o sujeito


é determinado pelo lugar social onde está: “eu quero sair daqui, eu não sou um
bandido”. O adolescente nega pertencer ao local e, por consequência, nega a imagem
158

que esse lugar produz para aquele que transgride. Ao mesmo tempo, coloca no outro, no
caso representado pela avó e pela mãe, a possibilidade de mudança: “só você e minha
mãe pra fazer eu mudar”.
Ao simplificar a inquietação da situação em que se encontra, propõe, ao mesmo
tempo, um sentido para a sua vida, evitando a marca do radicalismo. Nesses dois
procedimentos – simplificação e (des)complexificação situação –, aparece também
como problemática presente no discurso a ambiguidade do cuidado de si83.
Certamente, para se constituir como sujeito, há a necessidade de constituição de
si como objeto de cuidado. Inversamente, cada cultura irá designar o que precisa ser
cuidado a partir de um jogo de ameaça com o descuido e, simultaneamente, irá instaurar
alguns indivíduos ou instituições como responsáveis por cuidar dos outros. Promete-se
o bálsamo na condição de curar a ferida e dar legitimidade a alguns que nos conduzirão
pelo resto do caminho.
Por último, o processo de subjetivação supõe a capacidade de o indivíduo não
apenas mudar a si mesmo, mas também intervir no espaço que o produz. As relações de
poder também interferem nesse processo, ao suscitar no indivíduo o sentimento de
impotência. Diego afirma no final da carta: “eu estou na cadeia mas ainda tenho um
pouco de amor para todos”. Trata-se da necessidade de resgate de laços afetivos como
estratégia de resistência.
Foucault procurou entender como o sujeito humano se constitui ao entrar nos
jogos de verdade-saber e nas relações de poder. Ao entrar nas instituições disciplinares,
regidas pelas práticas de disciplinas do tempo e do espaço, o sujeito humano vai se
definindo como indivíduo, ao viver e ao produzir atos de fala.
Na realidade, Foucault (1997) afirmou que nas relações de poder os sujeitos
estão sempre, uns em relação aos outros, em uma situação estratégica. Ao se sobrepor
ao outro, determina-se a rigor a conduta a ser seguida.
Os adolescentes do CAI Belford Roxo se constituem enquanto sujeitos em um
dilema inquietante: ao mesmo tempo em que se esforçam por pertencer ao grupo dos
designados como normais, no sentido de tornarem-se cidadãos e por isso reintegrados à
sociedade, são sobredeterminados por um discurso que mais parece (des)sujeitá-los.
Esse discurso fixa-os, no nível identificatório, como aqueles que produzem atos

83
Cuidado de si (Foucault, 1982), conceito cunhado a partir da hermenêutica do sujeito na compreensão
das práticas de si e na problematização das relações entre o sujeito e os jogos de verdade.
159

desviantes (delinquentes). E é desse lugar que muitas vezes eles passam a se


autonomear.
Nas cartas dos adolescentes, percebemos esta luta de forças:
Priscila, tenho pensado muito na vida e quando eu sair daqui não vou te
esquecer , eu mudei, você vai ver, não sou aquele que todo mundo diz que eu
sou. Eu vou trabalhar. Quero que nossa estória de amor seja muito grande.
Priscila eu sei que você vai na igreja e quando você estiver lá pense sempre
em mim e ore por mim para eu ter bons pensamentos. Isso aqui é o maior
massacre. (Carta de Thales, 19 anos, grifo nosso).

A luta travada no interior do texto que Thales produziu é entre a inclusão nos
padrões considerados aceitáveis e a realização de seus desejos individuais. Assim, ele
mesmo já não se considera “aquele que todo mundo diz que sou”. As estratégias de
inclusão colocam em destaque o fato de que vai trabalhar e a mudança na sorte
demarcada previamente a partir do milagre possibilitado pela oração de alguém, no caso
a namorada, que deveria na igreja “pensar sempre em mim” e “orar por mim”. Dessa
forma, quase milagrosamente, ele passaria a ter também “bons pensamentos”.
Assim, os adolescentes aprisionados se constituem a si mesmos como sujeitos
delinquentes ou como sujeitos não delinquentes, através de certas práticas que são jogos
de verdade, práticas de poder em relação e em face daquele que os declara delinquentes.
O adolescente Thales afirma “não sou aquele que todo mundo diz que eu sou”.
Reconhecendo que o lugar onde está “é o maior massacre", ao mesmo tempo busca
estratégias para nomear-se – “vou trabalhar”, “ter bons pensamentos” – e, em
consequência, constituir-se na relação com o de fora. “(...) quando eu... nossa estória de
amor seja muito grande”.
Assim sendo, o sujeito se constitui de modo ativo, pelas práticas de si, e essas,
entretanto, não são algo que o indivíduo inventa. São esquemas que ele encontra em sua
cultura e que lhe são propostas, sugeridas, impostas pela sociedade e por seu grupo
social. O adolescente infrator se constitui sendo implicado nas relações de poder e na
produção de resistência.
Foucault (1982) reafirma que nas relações de poder há sempre resistência. O
poder não é somente força negativa, mas também produtiva. Uma vez que o poder está
sempre presente, a resistência também está, pois onde há poder há resistência, sendo
que essa não está em uma posição de exterioridade em relação ao poder.
Para ele, a palavra-chave da dinâmica das relações de poder é resistência. Nesse
sentido, há sempre a possibilidade de mudar uma situação, de dentro dela, já que em
nenhum lugar se está livre das amarras do poder. É preciso, então, construir novas
160

articulações, gestos singulares, falas simples e quotidianas. É desse lugar – ou seja, de


dentro – que se pode construir a resistência.
Ainda que a mudança não seja efetuada no tempo desejável, há sempre a
possibilidade de sua existência. Ao estar preso – real ou simbolicamente –, o sujeito
constrói também parâmetros de liberdade. E essa liberdade começa com as mudanças
possíveis.

Subjetividade e resistência: poesia

Estou crescendo pelos becos da favela


Em um berço de maldade regido à luz de vela
A minha mãe é lavadeira e o meu pai é beberão
Pois toda grana que consegue se transforma em diversão
E quanta vezes fui pra cama mais cedo
Enganar a fome e esconder o desespero
Esquecido por parentes e família
Resolvi cair no mundo e fazer a minha própria trilha
Comecei mau sem dinheiro, com fome e sozinho
Sendo chamado de pivete ou de mendiguinho
Assediado por travecos84 embutidos
Em troca de dinheiro, comida e abrigo
Eu não podia mais viver daquele jeito
Eu era pobre mas queria o meu respeito.
Que país interessante, humilde e diferente
Onde os pobres são um lixo
E os ricos presidentes
Que país bem generoso que me deu uma opção
Com direito a ser bandido, traficante e ladrão.
(Edson, 16 anos, grifo nosso)

A letra da música “Torturado pela vida”, criada pelo adolescente Edson, 16 anos,
durante as aulas de teatro no CAI Belford Roxo, mostra, além da miséria a que esses
jovens estão submetidos, a consciência da situação de exclusão em que se encontram.
Nessa letra, podemos visualizar a história de vida do adolescente e suas
estratégias de sobrevivência física e psicológica, a presença do sujeito que fala e é
falado, o cuidado de si, as lutas nas relações de poder e de resistência e, finalmente, a
constituição do sujeito demarcado por esses conflitos internos e externos.
Depois de expor sua situação individual – a mãe trabalhando e o pai bebendo –,
a fome real a que estava submetido, começa a descrever sua estratégia de sobrevivência,
que se configura, desde o primeiro instante, como resistência. Em função do desamparo,
vai para a rua, como tantos outros, e sofre novamente a exclusão: no epíteto que a
sociedade lhe destina se transforma no “pivete”, no “mendiguinho”, no garoto de

84
“travecos”: homossexuais.
161

programa, em troca de comida e de abrigo. A luta pela sobrevivência torna os valores


destacados pela sociedade distantes.
A falta de respeito que a sociedade lhe tinha o coloca no caminho da distinção.
Paradoxalmente, é o mundo do crime que o transforma em sujeito reconhecido.
Aprisionado, não lhe resta nada além de gritar a sua própria história e a sua revolta
contra a sociedade. No refrão final da música, há o ato de resistência de quem não pode
ter voz e de quem está com os passos contidos, mas que cria, em atos comunicacionais
múltiplos, sua fala, remarcando sua própria subjetividade: “Que país interessante,
humilde e diferente/Onde os pobres são um lixo/ E os ricos presidentes/Que país bem
generoso que me deu uma opção/Com direito a ser bandido, traficante e ladrão!” – de
que é possível resistir e que de alguma forma de liberdade podemos lograr, fazendo
surgir novos modos de subjetividade.
O que são as novas possibilidades de resistência? O que as limita? Quais são os
limites do poder sobre a resistência? As possíveis respostas podem ser encontradas nas
noções de poder produtivo e transgressão. Poder é resistência, entendida como
possibilidade de cada sujeito. Não há poder sem resistência. Dizer que uma pessoa
nunca pode estar fora do poder não significa que esteja aprisionada a ele. A resistência é
uma possibilidade, porque as relações de poder não significam estado de completa
dominação. Resta perceber, em atos e falas, como se instauram as estratégias de
resistência; resistência surda e muitas vezes invisível e outras tantas incompreensíveis
para quem gostaria de que a resistência fosse um ato radical.
As relações de poder podem ser encontradas em diferentes níveis, sob diferentes
formas. Essas relações de poder são móveis, cambiantes, voláteis, não são dadas de uma
vez, surgem em sua forma microfísica, composta de diferentes táticas e técnicas
heterogêneas. E é também como táticas e técnicas heterogêneas que as resistências se
materializam.
É preciso notar também que não pode haver relações de poder se não à medida
que os sujeitos tenham, ao menos, certa forma de liberdade (FOUCAULT, 1997).
Mesmo quando a relação de poder está completamente desequilibrada, quando
verdadeiramente se pode dizer que um tem o poder sobre o outro, um poder não pode se
exercer se não à medida que resta a esse último a possibilidade de se rebelar, de fugir ou
de matar o outro.
Nas relações de poder, há, forçosamente, a possibilidade de resistência, expressa,
no caso do sujeito objeto do nosso olhar, sob a forma de violência (morte, rebeliões,
162

fuga) e de artimanhas e táticas, colocadas em prática para que a situação de dominação


se reverta.
No entanto, a resistência também se faz como estratégia de sobrevivência e
como traço distintivo do grupo. É nesse momento que é preciso desvelá-la como ato de
comunicação, seja na palavra construída, seja no corpo marcado.
Foucault fala também de outro sentido em que a resistência se produz. Todo
regime ou estrutura de poder alcança seu limite quando o sujeito dá preferência ao risco
de morte sobre a certeza de ter que subjugar. É o momento em que o poder não pode
produzir nada. Não há poder que possa continuar dominando quando a pessoa se reduz a
ser intimidado pela morte.
Quando as relações de poder confluem na microfísica das relações sociais,
criam-se as condições de consolidar resistências em forma de rebeliões e transgressão.
Foucault (2005) considera o corpo como local de transgressões e fonte de
resistência. Porém, seu projeto mais amplo é problematizar uma interioridade mais
profunda, intocável, que está localizada no corpo e na alma. Quando ele afirma que “a
alma é a prisão do corpo”, o que indica é que a disciplina do corpo opera tanto através
dos efeitos fisicos psicológicos, como através dos aspectos psicológicos, pois os sujeitos
internalizam as diversas formas de controle social.

Equipe de socioeducadores técnicos: olhos e ouvidos do judiciário ou vigias


do corpo?

A equipe de socieoducadores técnicos do CAI Belford Roxo, assim como em


todas as instituições do sistema DEGASE, é constituída por psicólogos, assistentes
sociais, pedagogos e equipe médica. Porém, somente os pedagogos, assistentes socais e
psicólogos realizam os atendimentos aos adolescentes e às famílias e produzem os
relatórios técnicos que serão as bases para a avaliação das medidas socioeducativas pelo
judiciário.
Os profissionais da área de saúde, médicos, enfermeiros e dentistas, formam a
equipe de saúde. Excepcionalmente no CAI Belford Roxo, a psiquiatra da unidade atua
muito proximamente à Equipe técnica.
São formadas miniequipes, os módulos A, B, C, D e E, com psicólogo, assistente
social e pedagogo para o atendimento de grupos de adolescentes. Por ser o CAI BR a
primeira unidade construída pós-inauguração do DEGASE em 1993 e pós-concurso
163

público de 1994, a equipe técnica se constituiu com profissionais inexperientes em


atuarem com adolescentes infratores ou unidades de privação de liberdade,
permanecendo a sua estrutura inicial e até dezembro de 2012.
Na época eu não tive muitas opções, mas das duas que me deram, eu preferi
vir para o CAI, depois tive certamente a oportunidade de sair e acabei sempre
permanecendo no CAI Belford Roxo. Acredito que a formação que se exigia
era só formação profissional, o bacharelado em psicologia. Não houve
nenhum pré-requisito de especialização. Ou formação inicial. (Socioeducador
técnico - Psicólogo)

Assim, à medida que desenvolviam o trabalho aprendiam com ele, o que deu a
essa equipe nuances diferenciadas das demais unidades do sistema DEGASE.
Eu havia feito o concurso há bastante tempo e não tinha mais esperança de
ser chamada. Quando fui escolher o local para ser lotada me perguntaram se
eu tinha carro e dirigia. Confirmei e fui encaminhada para a Baixada
Fluminense. Era uma das primeiras colocadas no concurso e não pude
escolher. No caminho para a instituição me perdi e fui parar dentro de uma
favela. Fui recepcionada por um grupo armado e perguntei onde era o
presídio de adolescentes. Ao chegar na instituição chorei de desespero e disse
que nunca mais iria voltar ali. (Socioeducadora técnica - Pedagoga)

Segundo relatos tanto dos socioeducadores como dos adolescentes, aos


funcionários do sistema DEGASE não são garantidos os direitos de escolha do local de
trabalho, e eles viveram experiências de serem transferidos entre as unidades por
discordância com a direção ou por não pactuarem com sanções aplicadas aos
adolescentes em conflito com lei.

Em 2002, eu estava trabalhando no – Instituto Padre Severino [atual CENSE


Dom Bosco]. Pedi para atender um adolescente logo depois de uma rebelião.
Eles [agentes socioeducadores] não quiseram trazer o adolescente. Eu insisti.
O adolescente estava todo machucado. Eu registrei no relatório para
audiência com o juizado que o adolescente fora espancado. Quando o
relatório foi para digitação e encaminhado para a direção assinar, o meu
relatório foi motivo de chacota entre os funcionários que estavam na direção:
"você é daquelas que passam a mão na cabeça de bandido?". No outro dia fui
transferida para o CAI Belford Roxo, com o argumento de que lá
necessitavam de técnicos. (Socioeducadora - Técnica Assistente Social,
transferida para o CAI Belford Roxo, em 2002)

A ação socioeducativa, nos princípios da presença pedagógica (COSTA, 2004),


exige dos socioeducadores técnicos uma prática junto aos adolescentes, com objetivos
socioeducativos pautados na legislação (ECA e SINASE) e nos direitos humanos, em
princípio, serviços técnicos humanitários.
Você tem aqui hoje no CAI, quatro técnicos de carreira, então numa equipe
com mais de quinze profissionais a rotatividade é muito grande, e ao longo
desses quinze anos, os contratos, você sempre tem uma rotatividade muito
grande de profissionais, então pra você formar profissional, que vai se
formando, vai fazendo uma carreira, e desenvolvendo uma pratica, um
164

trabalho, essa situação de insegurança, de contratos, de não concurso...


Estamos realizando um concurso agora com quase 20 anos depois, 18 anos
depois do nosso concurso, que foi o ultimo concurso pra técnico, então isso
ao meu ver dificultou muito a formação o desenvolvimento das pessoas, a
formação de uma maneira de trabalhar, eu consegui formar uma forma
de trabalhar, desenvolver uma forma de trabalhar e eu acho que é muito
próprio, muito peculiar dentro do sistema, dentro da unidade pelo o que eu
troco nas reuniões é muito peculiar e tem uma dificuldade muito grande de às
vezes perceber que a visão que se tem do trabalho em medida socioeducativa
é uma visão muito burocrática, e muito voltada para o jurídico e não para o
olhar específico que cada área de atuação profissional possui.
(Socioeducador técnico - Psicólogo, grifo nosso)

Assim, o sistema DEGASE e as instituições de internação produzem um saber


intelectual que se realiza na prática. O saber técnico e os intelectuais do sistema
socioeducativo, como afirma Foucault (2005), com seu discurso, suas verdades, fazem
parte do sistema de poder. O discurso é também uma forma de poder. É uma prática que
revela as formas de politização.
O papel do intelectual não é mais o de se colocar “um pouco na frente ou um
pouco de lado” para dizer a muda verdade de todos; é antes o de lutar contra
as formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o
instrumento: na ordem do saber, da “verdade”, da “consciência”, do discurso.
É por isso que a teoria não expressará, não traduzirá, não aplicara uma
prática; ela é uma prática. (FOUCAULT , 2005, p.71)

A contradição entre o que são os objetivos, a função dos


intelectuais/especialistas e o que realmente acontece nas instituições de internação
constitui o contexto básico da atividade diária da equipe técnica.
Cabe aos técnicos realizar a interface entre o sistema administrativo e o Poder
Judiciário, pois é através dos relatórios de acompanhamento do cumprimento da medida
socioeducativa dos adolescentes que se desnudam toda a precariedade e a degradação do
sistema.
Nessa rede de poder é que se instaura o saber técnico. A quem ele se destina?
Quais são as implicações desse saber produzido pelos técnicos na vida dos adolescentes
e no mundo da instituição? É no seu próprio saber-ser?
Portanto, não ficaremos restritos à avaliação das alianças e dos conflitos
políticos existentes dentro do CAI Belford Roxo. Também não focaremos apenas a
maneira como a equipe técnica intervém e se vincula aos adolescentes em conflito com
a lei, às demais equipes e à própria instituição onde trabalha. Interessam, nesta análise,
sobretudo, as implicações aqui apresentadas. Trata-se de clarificar a sociabilidade e os
discursos que instrumentalizam os dispositivos de controle e de disciplina, produzindo e
165

reproduzindo, para além-muros da instituição, a sociedade disciplinar e a sociedade de


controle, assim como os processos de subjetivação do adolescente menor/infrator.
(...) sobrecarregados pela super lotação, então isso tende a burocratizar o
atendimento, você fica muito na questão processual do menino, da medida do
adolescente e não aprofunda as questões que levaram ele ao ato, ao ato
infracional, que é o sintoma da sua história social e familiar, então o
levantamento dessas necessidades, eu acho que sempre ficou muito à quem e
a tendência é você mergulhar o trabalho técnico numa visão burocrática
era muito grande, e eu sempre conflitei muito com isso, eu acho que o
trabalho não é esse, eu acho que você, cada um na sua área tem que buscar
sua especialização, na verdade nós não somos técnicos, nós somos ou
pedagogos, ou assistentes sociais ou psicólogos, técnico não existe, mas as
pessoas se colocam como técnicos mesmo, então é o técnico de medida, que
vai ficar olhando data de relatório, quando vai fazer avaliação, dar
informações processuais, ir falar com a família, faz uma abordagem livre
e não aprofunda o seu olhar específico naquilo que deveria ir de encontro
com as necessidades dos adolescentes, então isso é um conflito muito
grande, eu sinto essa diferença na abordagem, na maneira de encarar o
trabalho e é uma coisa que sempre me angustiou muito e que eu não consigo
trabalhar dessa maneira (Socioeducador técnico - Psicólogo, grifos nossos)

Segundo Foucault (2000c), na sociedade disciplinar cada pessoa a todo o


momento está submetendo o corpo e os gestos de outrem a partir de uma posição prévia
de juiz. Diz ele: “estamos na sociedade do professor-juiz, do médico-juiz, do educador-
juiz, do assistente social-juiz” (FOUCAULT, 2000c, p. 251). Todos esses atores fazem
reinar a universalidade do normativo e cada um, no lugar onde se encontra, aí “submete
o corpo, os gestos, os comportamentos, as condutas, as aptidões, os desempenhos”
(ibidem).
Nesse sentido, podemos identificar também a “equipe técnica-juiz”, que nas
instituições de internação é responsável pela submissão do corpo, dos gestos, dos
comportamentos, das condutas, das aptidões e dos desempenhos dos adolescentes em
conflito com a lei.
Porém, toda a concepção intelectual de pensamento é a sujeição de uma parte da
sociedade, por parte de obediência e dispor de poder de uma classe: “é o técnico da
medida”, tornando-se uma classe dentro do Sistema Socioeducativo na edificação do
Sistema Jurídico.
Qualquer pensamento deve questionar o poder a partir de uma concepção
jurídica (lei). É pensar como lei. O sujeito que obedece. Para Foucault (2005), todo o
poder se define pela obediência; toda a dominação, pelo seu efeito. Desse modo,
Foucault caracteriza a forma que se expressa o poder de obediência. Se dominação é
poder de obediência, como frisa Foucault, então por que ele é facilmente aceito? Porque
166

somente exercendo parte de si mesmo, pois poder é tolerado e produzido nas relações de
saber/poder/resistência .
Porém, onde há poder, há resistência: “é o técnico da medida”, “nós não somos
técnicos” e “é um conflito muito grande”.
A resistência faz parte da relação do poder. Está em seu bojo. Não existem em
separado o local do poder nem o local das resistências. Resistir em Foucault significa
plural. Implica dizer resistências. Nem o maior de todos os totalitaristas irá conseguir
acabar com as resistências. É o interlocutor irredutível.
Enfocaremos, portanto, neste item, as implicações dos técnicos nesse processo
correcional e/ou adaptativo, muitas vezes não explícito, mas que permeia as práticas dos
especialistas. Cabe mencionar, sobretudo, os dilemas éticos que surgem das relações
ambíguas e excludentes próprias da atividade socioeducativa, expressas nos pares ajuda
e castigo, disciplina e libertação.
É complicado atender o adolescente. O tempo todo ele pergunta sobre o
relatório para o Juizado e sobre o seu processo . Então, às vezes eu não sei se
ele está falando a verdade comigo ou se está representando para o juiz. Que
atendimento técnico é esse? (Socioeducador técnico - Psicólogo)

Os técnicos são vistos pelos adolescentes naturalmente como um prolongamento


da instância vigilante: o Juizado. À medida que ganham confiança, fazem confidências
que poderiam, em princípio, prejudicar sua relação com a Justiça. Fazem confidências,
mas têm consciência de que os técnicos são os intermediários entre eles e o Poder
Judiciário. Em função disso, relatam:
Minha técnica é legal, conversa com a gente, é! Tem coisa que é pro juiz, tem
coisa não bota não, ela diz que não bota no relatório pra não me atrasar Ela é
responsa !
Elas são tranquilona, no dia da visita conversa comigo, conversa com a
minha coroa, tranquilona.
Tem técnico que quer atrasar a gente, não atende, já faz um mês que tou aqui
sem atendimento, diz que eu não to pronto!!?? Eu num falo nada, quero ver o
que ele bota no relatório pro juiz.
(Grupo Focal 2 - Adolescentes)

Romper com a barreira entre o que está sendo dito e visto e o que isso representa
para o adolescente e o Juizado no processo socioeducativo requer tempo e confiança
mútua, pois a presença do “juiz” permeia toda a instituição.
Nos relatos sobre a relação socioeducador técnico e adolescente, faz-se presente
a figura do juiz. A fala dos adolescentes/técnicos explicita a máquina disciplinar de
Foucault (2000c).
A gente se envolve, não consigo deixar de ser afetado quando atendo os meus
adolescentes, passo a conhecer cada um, as histórias, o adolescente , às vezes
167

a gente pede progressão, ele sai e depois quando passa um tempo e ele volta é
difícil pra mim, ele está mais forte, mais velho e endurecido, é difícil ...às
vezes a gente acompanha um adolescente complicado que todo mundo quer se
livrar dele, os diretores das unidades , até transferem para outra unidade . Ora,
é nosso trabalho acompanhar este adolescente! Quando ele é transferido, eu
tenho que fazer um relatório, tudo é relatório; mas não dá pra botar tudo né?!
(Socioeducador técnico - Psicólogo, grifos nossos)

É meu trabalho acompanhar, atender o adolescente, falar com a família, ver


como ele está na escola, mandar relatório; eu sempre digo : o adolescente
cumpre a medida, a gente relata e o juiz julga. Depois, fico me perguntando
se tudo não esta misturado aqui no CAI e lá fora? (Socioeducador técnico -
Pedagogo)

Há um poder não localizável, mas que se dissemina e se difunde por todo o


corpo social. No entanto, há também um corpo sobre o qual a vigilância é aplicável e
sobre o qual se constitui um saber; saber que se organiza em torno de normas através
das quais os adolescentes em conflito com a lei são controlados e documentados; formas
de saber-poder, que produzem um saber técnico, sobre esses sujeitos. A instituição,
também, produz o próprio profissional em seus processos de subjetivação e de
construção do saber-poder técnico.
168

Capítulo 4 – Adolescentes em conflito com a lei: violência e direitos


humanos

Há violência quando, em uma situação de interação, um ou vários atores agem


de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias
pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade
moral, em suas posses ou em suas participações simbólicas e culturais (MICHAUD,
1989).
Violência vem do latim violentia que remete a vis (força, vigor, emprego de
força física ou os recursos do corpo para exercer sua força vital). Essa força
torna-se violência quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e
regras que ordenam relações, adquirindo carga negativa ou maléfica. É
portanto a percepção do limite ou da perturbação (e do sofrimento que
provoca) que vai caracterizar o ato como violento, percepção essa que varia
cultural e historicamente (ZALUAR, 1999).

A discussão e problematização da adolescência envolvida em atos ilícitos e a


interface violência e segurança, pela abrangência de diferentes práticas, possibilitam
compreender a necessidade do envolvimento de vários setores na discussão sobre
violência e direitos humanos: saúde, educação, segurança pública, assistência social,
sistema socioeducativo, o que implica ações municipais, estaduais e da federação e, no
desdobramento, a necessária discussão sobre o binômio violência-segurança.
Uma importante referência para a discussão sobre a questão da segurança-
violência é a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (CONSEG), realizada em
2009, a qual definiu, como princípio número três, que a segurança pública deve
ser pautada pela defesa da dignidade da pessoa humana, com valorização e
respeito à vida e à cidadania, assegurando atendimento humanizado a todas
as pessoas, com respeito às diversas identidades religiosas, culturais, étnico-
raciais, geracionais, de gênero, de orientação sexual e as das pessoas com
deficiência. Deve ainda combater a criminalização da pobreza, da juventude,
dos movimentos sociais e seus defensores, valorizando e fortalecendo a
cultura de paz. (p. 80)

Historicamente, segundo Miraglia (2008), a segurança foi desempenhada


sobretudo pelos governos estaduais, mesmo constando no texto da Constituição Federal
Brasileira que é tarefa compartilhada.
É importante considerar a necessidade de ruptura do modelo tradicional de
segurança pública, ainda predominante no Brasil, focado no controle repressivo e
punitivo do crime. Como afirma Wacquant (2003), vivemos em uma sociedade penal,
169

com a presença de um Estado penal muito mais preocupado em reprimir o crime do que
em manter políticas públicas voltadas para a manutenção do bem-estar social.
Outro ponto importante é a compreensão da necessidade do envolvimento de
diferentes áreas na gestão da segurança, que deixa de ser competência exclusiva da
polícia para converter-se em tema transversal do conjunto de políticas públicas (Kahn &
Zanetic, 2009), buscando o enfrentamento das violências a partir do conjunto dessas
políticas públicas e ações sociais. Segundo Miraglia (2008, p. 90), “a interface dos
problemas se reproduz na interface das soluções”, ou seja, as violências são produzidas
por uma multiplicidade de fatores, o que demanda uma multiplicidade de estratégias de
enfrentamento.
Nessa mesma direção, caminham as resoluções da 11ª Conferência Nacional de
Direitos Humanos, realizada em 2008, que define quanto à garantia de direitos
relacionados à violência e à segurança:
Apoiar a criação de mecanismos que atuem na prevenção à violência nas
comunidades e regiões mais precárias do País, por meio de: a) efetivação dos
serviços públicos, como importantes estruturas universais, b) fortalecimento
de programas e projetos de saúde, educação, segurança, cultura e habitação,
entre outros serviços essenciais, c) impedimento da crescente privatização e
precariedade dos serviços fundamentais e recursos humanos, nas políticas
públicas de segurança penitenciária e d) efetivação de políticas públicas de
enfrentamento à violência sexual no sentido de garantir os direitos do
segmento infanto-juvenil. (p. 43)

É indispensável também considerar que as violências afetam fortemente a


qualidade de vida das pessoas e coletividades. Além disso, as violências evidenciam a
necessidade de uma atuação interdisciplinar, multiprofissional, intersetorial e engajada,
visando às necessidades dos cidadãos.
As diretrizes das conferências referidas contribuem para a produção de rupturas
à lógica penal, ao afirmar a segurança pública como direito fundamental, reconhecer a
necessidade de reformas estruturais no modelo organizacional de suas instituições nos
três níveis de governo e ao garantir o acesso aos sistemas de Justiça e de segurança
pública a todos. Para a construção da lógica da segurança social, além das diretrizes,
torna-se fundamental a mobilização de pessoas, grupos e organizações para
problematizar situações de violências naturalizadas, questionar e propor políticas sociais
e reivindicar direitos conquistados. O desafio é o encadeamento de ações conjuntas da
sociedade civil com o Estado.
170

Quando falamos de violência nos remetemos, paradoxalmente, à segurança, isto


é, ao reordeamento jurídico e estatal de combate ao crime, às políticas de segurança
pública e à política criminal na busca do “bem estar social”.
Fernando Galvão (2002) assevera que uma das preocupações da política
criminal é dirigir o legislador à indagação sobre o que fazer com as pessoas que violam
as regras de convivência social. Assim, no combate à criminalidade, a política criminal
representa sempre uma investigação, sempre inacabada, sobre como realizar tal
combate. O autor conceitua política criminal como “o conjunto de princípios e
recomendações que orientam as ações da justiça criminal, seja no momento da
elaboração legislativa, ou da aplicação e execução da disposição normativa”.
Com muita propriedade, João Mestieri (1999) observa a importância da política
criminal, partindo primeiramente da sua conceituação. Para o autor, a política criminal é
a ciência que estuda a forma segundo a qual o Estado deve orientar o sistema de
prevenção e repressão das infrações penais.
Nas lições de Alessandro Baratta (1997), a Criminologia contemporânea, dos
anos 1930 em diante, caracteriza-se por superar as teorias patológicas da criminalidade
de cunho biológico e psicológico que diferenciam os sujeitos “criminosos” dos
indivíduos “normais”. Tais teorias eram próprias do positivismo criminológico,
inspirado na filosofia e psicologia do positivismo naturalista. A crítica de Baratta recai
sobre as escolas positivistas por essas não apresentarem como objeto propriamente o
delito, considerado como conceito jurídico, mas “o homem delinquente, considerado
como um homem diferente e, como tal, clinicamente observável” (ibidem, p. 26).
Os positivistas rechaçaram totalmente a noção clássica de um homem racional
capaz de exercer seu livre arbítrio. Sustentavam que o delinquente se revelava
automaticamente em suas ações e que estava impulsionado por forças sobre as quais ele
mesmo não tinha consciência.
Sob essas perspectivas, observamos que o direito, através de mecanismos de
controle do Estado brasileiro sobre a sociedade, tem exercido a função de organizar e
manter aspectos econômicos e sociais em uma “determinada ordem”. Prevalece a base
material sobre os instrumentos formais de controle social, devendo ser considerada a
relação estreita entre a superioridade de uma determinada camada social e as práticas
jurídicas vigentes de “(...) criminalização de determinadas condutas praticadas por
determinadas pessoas, e os objetivos das penas e outras medidas jurídicas de reação ao
crime” (BATISTA, 2002, p. 23).
171

O sistema penal e o socioeducativo são espaços políticos, por isso manifestações


de poder, que não se restringem aos espaços de contenção de pessoas, abrangendo todo
o aparato institucional que se dedica ao processo de identificação, apreensão e
punição/sanção de indivíduos e é “(...) exercido sobre a grande maioria da população,
que se estende além do alcance meramente repressivo, por ser substancialmente
configurador da vida social” (ZAFFARONI, 1991, p. 23).

O quadro da insegurança pública brasileira e adolescentes


Hoje, o medo da sociedade não é ilusório nem fruto de manipulação midiática. O
quadro nacional de insegurança é extraordinariamente grave, por diferentes razões, entre
as quais devem ser sublinhadas as seguintes: a) a magnitude das taxas de criminalidade
e a intensidade da violência envolvida; b) a exclusão de setores significativos da
sociedade brasileira, que permanecem sem acesso aos benefícios mais elementares
proporcionados pelo Estado Democrático de Direito, como liberdade de expressão e
organização e o direito trivial de ir e vir; c) a degradação institucional a que se tem
vinculado o crescimento da criminalidade: o crime se organiza, isto é, penetra cada vez
mais nas instituições públicas, corrompendo-as, e as práticas policiais continuam
marcadas pelos estigmas de classe, cor e sexo.
Ainda que o problema da violência ou da criminalidade diga respeito a todos, a
vitimização apresenta um elevado grau de concentração entre jovens negros e pobres do
sexo masculino. No ano 2000, no Estado do Rio de Janeiro, 2.816 adolescentes
morreram assassinados (107,6 por cem mil adolescentes – a média brasileira foi de
52,1 em 2000, tendo sido de 30 em 1980). O Estado do Rio de Janeiro só é superado,
nessa contabilidade mórbida, pelo Estado de Pernambuco. Já a cidade do Rio de Janeiro
fica atrás de outras três capitais: Recife, Vitória e São Paulo, nessa ordem.
172

Gráfico 01: Crescimento Percentual das Taxas de Homicídio por Idade


Simples BRASIL: 1994/ 2004

Fonte: Ministério da Saúde

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)


referentes aos anos de 2005 e 2006, o Brasil tinha 24.461.666 adolescentes entre 12 e
18 anos. Desse total, apenas 0,1425% representava a população de adolescentes em
conflito com a lei. Tal porcentagem, em números absolutos, significa 34.870
adolescentes autores de atos infracionais, que se encontravam cumprindo algum tipo
de medida socioeducativa em todo o Brasil.
Os gráficos a seguir mostram parte dos dados obtidos para o monitoramento da
situação de atendimento dos adolescentes em conflito com a lei no Brasil. Os números
foram extraídos do Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo realizado
pela Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Secretaria
Especial de Direitos Humanos, da Presidência da República (SPDCA, SEDH, PR),
junto a gestores estaduais e Varas da Infância e Adolescência, cujo período de coleta foi
de julho a agosto de 2006.
173

Gráfico 02: Comparação entre população total de adolescentes entre 12


e 18 anos e aqueles em conflito com a lei

Fonte: IBGE, 2005/2006

Gráfico 03: Adolescentes Cumprindo Medidas de Internação, segundo o


sexo no País

Fonte: SPDCA / SEDH / PR, 2006


174

Gráfico 04: Medidas Socieducativas

Fonte: SPDCA / SEDH / PR, 2006

Dos 34.870 adolescentes em conflito com a lei, é possível dividi-los conforme o


tipo de regime cumprido, que são os seguintes:
 Meio aberto: totalizam 55% do total ou 19.444 adolescentes. Nesse tipo de
regime, no entanto, é importante enfatizar que são considerados apenas os
números das capitais de cada Estado;
 Meio fechado: totalizam 14.192 adolescentes ou 41% do universo daqueles que
estão em conflito com a lei;
 Regime de semiliberdade: representam 4% dos adolescentes autores de atos
infracionais ou 1.234 pessoas em números absolutos.
Na época, em 2006, o Brasil possuía 10.061 adolescentes do sexo masculino
cumprindo medida de internação, o que representa 96% do total de pessoas nesse tipo
de regime. Já as pessoas do sexo feminino somam apenas 385, ou 4% do total,
cumprindo medidas em meio fechado.
175

Tabela 8: Ordenamento dos países por taxa de homicídio na população de


15 a 24 anos em 2004-2006

Fonte: Mapa da Violência, 2010, p. 87

Em 2010, crianças e adolescentes na faixa de 0 a 18 anos de idade constituíam


um contingente de 59.657.339 pessoas, segundo o Censo Demográfico de 2010.
Representavam 31,3% da população do país. Englobavam, pelas definições da lei,
35.623.594 crianças de 0 a 11 anos de idade – 18,7% do total do país – e 24.033.745
adolescentes na faixa dos 12 aos 18 anos de idade, correspondendo a 12,6% da
população total.
Pesquisa coordenada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República (SDH/PR, 2010) mostra que havia 58.764 adolescentes em cumprimento de
medida socioeducativa no Brasil, sendo 18.107 com restrição de liberdade (internação,
internação provisória e semiliberdade) e 40.657 em meio aberto. O balanço reitera a
tendência já observada em anos anteriores de estabilização da taxa de internação. Se de
1996 a 2004 o crescimento na taxa de internação foi de 218%, de 2004 a 2010 este
aumento foi de 31%. Em 2010 esse aumento foi de 4,5%, em decorrência
especialmente do incremento na internação provisória, em especial no estado de São
Paulo, que concentra aproximadamente 1/3 do total de internos.
176

Tabela 9: Taxa de Internação


2006 para 2007 = 7,18%
2007 para 2008 = 2,01%
2008 para 2009 = 0,43%
2009 para 2010 = 4,50%

Fonte: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR, 2010)

No Brasil, em média, para cada 100 mil adolescentes entre 12 e 17 anos, há 8,8
cumprindo medida de privação e restrição de liberdade. A maior proporção de internos
em relação à população adolescente é no Distrito Federal, com 29,6 adolescentes para
cada 100 mil, seguido pelos estados do Acre (19,7), São Paulo (17,8) Pernambuco
(14,8) e Espírito Santo (13,4). As menores proporções foram encontradas nos
estados do Maranhão (1,2), Amapá (1,5) e Piauí (1,6) (SDH/PR, 2010).
A proporção entre adolescentes em cumprimento de medidas em meio aberto e
fechado (internação, internação provisória e semiliberdade) se apresenta na média
brasileira de 1 interno para cada 2 em meio aberto. As maiores proporções foram
encontradas nos estados de Roraima (1/15), Goiás (1/12), Santa Catarina (1/6), Paraná e
Mato Grosso do Sul (1/5). As menores proporções (1/1) foram encontradas nos
estados do Acre, Amapá, Rondônia, Tocantins, Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco,
Sergipe, Rio de Janeiro e São Paulo.
Se, por um lado, estamos internando mais adolescentes infratores, por outro a
vitimação de jovens por homicídio e violência causa-nos alarde.
No mesmo ano, os homicídios dolosos no estado do Rio, entre os jovens,
correspondiam a 76,2 por cem mil jovens. Enquanto as mortes por homicídio não
ultrapassam 4% das mortes no universo da população brasileira, entre os jovens o
número se eleva a 39%.
Os homicídios, em geral, e os de crianças, adolescentes e jovens, em particular,
têm se convertido em um problema fundamental dos direitos humanos no país, por sua
pesada incidência nos setores considerados vulneráveis ou de proteção específica:
crianças, adolescentes, jovens, idosos, mulheres, negros etc. Essa grande
vulnerabilidade se verifica, no caso das crianças e adolescentes, não só pelo preocupante
4º lugar que o país ostenta no contexto de 99 países do mundo, mas também pelo
177

vertiginoso crescimento desses índices nas últimas décadas. As taxas cresceram 346%
entre 1980 e 2010, vitimando 176.044 crianças e adolescentes nos trinta anos entre 1981
e 2010. Só em 2010, foram 8.686 crianças assassinadas: 24 a cada dia desse ano
(Mapa da Violência das Crianças e Adolescentes, 2012, p.47)
Violências físicas representaram 40,5% do total de atendimentos, especialmente
concentrados na faixa dos 15 aos 19 anos de idade, mas relevantes em todas as faixas.
Os principais agressores são os pais, até os 14 anos de idade. No final da adolescência,
esse papel é assumido por amigos ou conhecidos e também por desconhecidos (ibidem,
p. 82).
Destacamos o índice alarmante, que pode ser visto na tabela abaixo, pela enorme
concentração de mortalidade por arma de fogo nas idades jovens, com pico nos 21 anos
de idade, quando os óbitos atingem a impressionante marca de 56,4 mortes por 100 mil
jovens nessa idade, no Brasil.
: Homicídio por arma de fogo
Idade Homicídio –AF
12 1,5
13 3,5
14 7,6
15 18,3
16 31,1
17 43,9
18 49,5
19 49,8
20 56,3
21 56,4
Fonte: Mapa da Violência – 2013 - Mortes Matadas por Armas de Fogo, Julio Jacobo Waiselfis (p.20)

Em vários Estados, a matriz da violência é o tráfico de armas e de drogas (o


segundo financiando o primeiro e ambos induzindo à expansão e à intensificação da
violência envolvida nas práticas criminais), que se realiza no atacado e no varejo. A
dinâmica do comércio ilegal atacadista dá-se, sobretudo, por meio de criminosos do
colarinho branco, extremamente eficazes na lavagem de dinheiro. Esses permanecem
impunes, imunes às ações repressivas e à investigação das polícias estaduais, cuja
obsessão tem sido o varejo, nas favelas, vilas e periferias.
Nas áreas pobres em que o comércio varejista se instala, morrem crianças e
adolescentes em confrontos entre grupos rivais ou com policiais, em suas incursões
bélicas, as chamadas “políticas de segurança”.
178

Considerando-se a importância desse tópico, vale a pena deter-se um pouco mais


nas condições em que se encontram crianças e adolescentes no estado do Rio de
Janeiro no que tange à vitimização, bem como é necessária a observação dos
adolescentes em conflito com a lei, com vistas a uma maior proteção dos jovens,
garantindo, assim, um desenvolvimento mais saudável e menos conturbado desta
população.
No Brasil, o Plano Nacional de Segurança Pública e o Guia para a Prevenção do
Crime e da Violência enfatizam que um número significativo de crianças e adolescentes
encontram-se em situação dramática de vítimas ou em conflito com a lei,
principalmente a juventude pobre do sexo masculino, constituindo-se em público
prioritário na agenda de políticas de segurança pública.
Gráfico 05: Proporção de crianças e adolescentes vítimas e adolescentes em
conflito com a lei

Fonte: Registros de Ocorrência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro/DGTIT

No entanto, a consolidação dos dados relativos aos Registros de Ocorrência da


Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, divulgado pelo “Dossiê criança e adolescente,
2012/Instituto de Segurança Pública (RJ) - Dossiê/2012”, permite demonstrar que a
proporção da população de crianças e adolescentes vítimas são mais significativas do
que aquelas relativas aos que praticaram atos infracionais. Segundo o Dossiê/2012,
cerca de 88,5% de crianças e adolescentes foram vítimas de crimes contra a Pessoa ou
contra a Dignidade Sexual, o que representou cerca de 26.689 jovens até 17 anos, e
11,5% dos adolescentes estiveram em conflito com a lei, significando 3.466 jovens
entre 12 e 17 anos
179

O total populacional do estado do Rio de Janeiro, em 2010, foi da ordem de


15.989.929 habitantes, segundo o Censo 2010 do IBGE. A proporção de jovens na
população é de pouco mais de 1/4. Contudo, sua participação em atos infracionais foi da
ordem de 13,1%.
Ao estudarmos a situação de crianças e adolescentes no estado do Rio de Janeiro
envolvidos na violência, vítimas e autoras de atos infracionais, deparamo-nos com uma
realidade assustadora como a apresentada no Dossiê/2012.
Iniciaremos mostrando a vitimação de crianças e jovens. Por meio do Mapa (1),
vemos a distribuição espacial do total de vítimas segundo os municípios do estado do
Rio de Janeiro. Nele, constata-se que a Região Metropolitana concentrou a maior parte
das vítimas, sendo a cidade do Rio de Janeiro, como dito anteriormente, o município
com maior número de vítimas, totalizando 9.511 pessoas. Fora da Região
Metropolitana, somente Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, apresentou total
entre 501 e 1.000 vítimas. A Baixada Fluminense se destaca com o segundo município
com mais vítimas, com 1.565 episódios em Duque de Caxias, e Nova Iguaçu, com cerca
de 1.449 crianças e adolescentes vítimas, em terceiro lugar. Em São Gonçalo foram
1.183 casos. Esses três municípios, em conjunto com a capital, concentraram mais da
metade das vítimas: 13.709 jovens ou ,ainda, cerca de 51,4% do total.
Figura 27: Distribuição de crianças e adolescentes vítimas segundo municípios do
estado do Rio de Janeiro - 2011

Fonte: Registro de Ocorrência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro


180

Segundo o Dossiê/2012, o total de vítimas jovens até 18 anos incompletos


somou, desde 2005 a 2011, mais de 150 mil vítimas, compreendendo os crimes contra a
Pessoa e contra a Dignidade Sexual, e sua tendência ao longo da série é de ascendência.
O aumento entre o ano-base 2005 e, o último ano da série, 2011 foi de mais 35% de
vítimas, e o incremento, entre os anos de 2010 e 2011, foi de mais 7,8% de vítimas,
somando apenas em 2011 cerca de 26 mil crianças e adolescentes. A capital do estado
do Rio de Janeiro, em 2011, registrou mais de 35% do total de vítimas. Contudo, a área
com a maior quantidade de crianças e adolescentes vítimas foram os municípios de
Nova Iguaçu, Mesquita e Nilópolis, com mais de duas mil vítimas no ano de 2011.
Gráfico 06: Perfil das crianças e adolescentes vítimas no estado do Rio de Janeiro
2011

Fonte: Registro de Ocorrência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro

A maioria das vítimas é do sexo feminino, com mais de 58% do total, com
idades entre 16 e 17 anos (30,7%) e de cor/raça parda, com mais de 42% do total de
vítimas, porcentagens relacionadas ao ano de 2011.
Paradoxalmente, é a Baixada Fluminense onde se concentram os maiores índices
de criança e jovens vítimas de violência e são, também, as regiões de maiores índices de
atos infracionais.
Segundo o Dossiê/2012, a distribuição espacial dos adolescentes em conflito
com a lei apreendidos teve maior concentração na Baixada Fluminense, com cerca
181

de 1.011 jovens, representando 29,2% do total, diferentemente do que foi visto no total
de vítimas contra crianças e adolescentes, quando a maior incidência ocorreu na capital
do estado – Cidade do Rio de Janeiro. Na Capital, ocorreram 955 casos de envovimento
em atos infracionais ou, ainda, 27,6% do total. O interior representou cerca de 27,5% do
total ou 953 casos, quase o mesmo número registrado na capital do estado. A região da
Grande Niterói representou cerca de 15,8% dos adolescentes apreendidos ou, ainda, 547
jovens, sobre o total do estado.
Figura 28: Distribuição dos adolescentes em conflito com a lei segundo municípios
do estado do Rio de Janeiro - 2011

Fonte: Registro de Ocorrência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro


182

Gráfico 07: Perfil dos adolescentes em conflito com a lei no estado do Rio de
Janeiro - 2011

Fonte: Registro de Ocorrência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro

Quanto ao perfil de jovens envolvidos com atos infracionais em 2011, constatou-


se que a maioria absoluta era do sexo masculino, atingindo, aproximadamente, 91,8%.
Os do sexo feminino representaram 7,3% do total. A falta de informação sobre o sexo
dos envolvidos foi de 0,9%. Com relação às idades, o maior percentual de acusados está
entre os jovens de 16 a 17 anos, com 71,0% do total. A outra faixa etária, que vai dos 13
aos 15 anos de idade, significou 27,2% do total. Os jovens de cor parda foram os mais
apreendidos, com 47,9% do total. Os negros somaram 30,1% dos casos, e os brancos,
18,3% do total. Os não brancos chegaram a 78,0% do total de jovens apreendidos.
Quanto aos atos infracionais, majoritariamente, o motivo de suas apreensões é,
geralmente, ligado ao envolvimento com drogas, seja por tráfico, seja por porte ou uso
de substâncias entorpecentes:
183

Gráfico 08: Tipo de envolvimento que levou à apreensão dos adolescentes no


estado do Rio de Janeiro - 2011

Fonte: Registro de Ocorrência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro

Observando-se agora o detalhamento do tipo de envolvimento com drogas,


82,5% dos casos estão ligados ao tráfico de entorpecentes e apenas 17,5%, ligados ao
porte ou uso dessas substâncias.
Como apresentado do gráfico abaixo (Dossiê/2012):
Gráfico 09: Detalhamento do envolvimento com drogas - 2011

Fonte: Registro de Ocorrência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro


184

Percebe-se que os adolescentes estão sendo apreendidos muito mais pelo


comércio ilegal das drogas do que pelo seu consumo. Isso pode ser explicado pelo
tratamento diferenciado atribuído pela Lei 11.343/2006 - SINASE, no que tange ao
tráfico e ao uso de entorpecentes. Esta lei pune as mais pelo tráfico ou pelo porte e uso?
Tais índices apresentados no Dossiê aparecem no perfil dos adolescentes em
internação provisória e internação do CAI BR.

Perfil dos adolescentes do CAI BR e medida socioeducativa de


internação

Perfil dos adolescentes do CAI BR


Em janeiro de 2013, realizamos uma pesquisa estatística no CAI BR e em
planilhas da Coordenação de Execução das Medidas Socioeducativas (CEMSE -
DEGASE). No ano de 2012 , passaram do grande portão de ferro para detrás dos muros
2116 adolescentes (total acumulado do ano ), com entrada de 456 adolescentes e media
mensal de 128,91 adolescentes.
Em dezembro de 2012, havia 154 adolescentes no CAI BR em internação
provisória e internação. A maioria era oriunda da Baixada Fluminense (57,26%).

Tabela 10 – CAI BR – Local do Ato Infracional


Local do ato infracional Adolescentes Percentual
Angra dos Reis 10 8,55
Barra Mansa 1 0,85
Barra do Piraí 3 2,56
Belford Roxo 4 3,42
Duque de Caxias 44 37,61
Itaguai 8 6,84
Itaperuna 6 5,13
Macaé 3 2,56
Magé 2 1,71
Mangaratiba 3 2,56
Nilópolis 7 5,98
Niteroi 1 0,85
Nova Iguaçú 2 1,71
Paty de Alfares 1 0,85
Paracambí 2 1,71
Porto Real 1 0,85
Queimados 1 0,85
Resende 5 4,27
185

Rio de Janeiro 2 1,71


São João do Miriti 7 5,98
São Gonçalo 2 1,71
São Pedro da Aldeia 1 0,85
Três Rios 1 0,85
Fonte: CAI BR - CEMSE

Em medida socioeducativa de internação, havia 120 adolescentes, e 14 em


internação provisória, com um total de 134 adolescentes em 31 de dezembro de 2012.
Cabe esclarecer que o princípio da determinação judicial da medida
socioeducativa de internação está previsto no art. 122 do ECA, incisos I e II:
I) quando se tratar de ato infracional cometido mediante grave ameaça
ou violência à pessoa;
II) por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

Trata-se aqui de medida socioeducativa aplicada ao adolescente em decorrência


de um processo legal em que tenha sido assegurada ao mesmo ampla defesa. Por isso,
tal forma de internação só pode ser aplicada pela autoridade judicial, nos estritos limites
estabelecidos na lei.
O inciso I não exige que o ato infracional seja grave: basta que seja cometido
com grave ameaça ou violência à pessoa. Já o inciso II pressupõe o cometimento de
uma infração grave após a prática de pelo menos duas outras infrações graves anteriores
(“duas”, porque a lei fala em “outras infrações graves” e não “outra infração grave”).
No que diz respeito aos atos infracionais, foi constatado que o tráfico de
substância entorpecente, art. 12 da Lei 6368/76 (49,25%), e o roubo com emprego de
arma, art. 157 do Código Penal (29,11%), representam significativamente as ações
desviantes dos adolescentes internados no CAI BR: juntos são 78,36 % do total de
casos, enquanto os casos de homicídios (Art. 121) representam apenas 4,48,% do total.
Tabela 11 – CAI BR – Atos Infracionais
Total
Internação
Atos Infracionais Internação Adolescentes Porcentagem
provisória
CAI BR
Homicídio Qualificado (art 121 §2º
I, II, III, IV e V) e quando praticado 2 0 2 1,49
em ato típico de grupo de extermínio
Latrocínio (art. 157, §3º in fine) 1 0 1 0,75
Homicídio Simples (art. 121, caput) 4 0 4 2,99
186

Estupro (artigo 213) e sua


combinação com art. 223, caput e 0 0 0 0,00
parágrafo único
Atentado Violento ao Pudor (art.
214 ) e sua combinação com art. 223, 1 0 1 0,75
caput e parágrafo único
Tráfico de Entorpecentes (Lei
58 8 66 49,25
6378/76)
Roubo (art. 157) 33 5 38 28,36
Crimes previstos na lei de armas
(Est. Do Desarmamento, art. 12 a 3 0 3 2,24
18)
Agressão/Lesão Corporal 0 0 0 0,00
Furto (art. 155) 2 1 3 2,24
Demais crimes 16 0 16 11,94
Sem informação 0 0 0 0,00
Fonte: CAI BR

O nível de escolaridade é baixo, 29,68% tendo a cursado as primeiras séries do


Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) e 57,81% ainda cursando a segunda fase (6º ao 9º
ano) do Ensino Fundamental. Apenas 6,8% haviam terminado o ensino fundamental e o
6,8% encontravam-se no Ensino Médio.
Tabela 12 – CAI BR – Escolaridade
Escolaridade Internação Internação provisória
analfabeto 0 0
a
até a 4 série 38 2
a a
5 a 8 série 74 12
o
1 grau completo 8 0
o
2 grau incompleto 8 0
2º grau completo 0 0
o
3 grau incompleto 0 0
sem informação 0 0
Fonte: Colégio Estadual Jornalista Barbosa Lima Sobrinho – CAI BR

A escolaridade e a idade indicam a defasagem séríe-idade. A maioria dos


adolescentes possui idade em torno de 16 e 17 anos.
187

Tabela 13 – CAI BR – Idade


Idade
CAI BR
menor que 12 0
12 1
13 0
14 7
15 24
16 36
17 36
18 15
19 0
20 1
mais que 21 0
sem informação 0
Fonte: CAI BR – CEMSE

Dos adolescentes que se encontravam no CAI Belford Roxo em dezembro de


2012, 60% tinham entre 16 e 17 anos. Em segundo lugar, figuravam os com 15 anos:
20% do total. Também é expressivo o número de jovens de 18 anos (12,5%). As demais
idades (12, 14 e 20 anos) não configuram dados significativos.
Por fim, analisando os casos de reincidência com o consequente retorno à
instituição, considerando apenas a segunda entrada na unidade por cometimento de
novo ato infracional, o índice é baixo, representando 12,6% do total. Cumpre ressaltar
que esse dado é parcialmente significativo, pois tivemos acesso somente a dados brutos,
carecendo de estudo aprofundado sobre reincidência, perfil dos adolescentes
reincidentes, atos infracionais, local da apreensão, ação policial, entre outros aspectos
que nos auxiliariam a aprofundar esta temática85.
Contrapondo-se esse dado com o índice de entradas no sistema DEGASE, em
pesquisa realizada entre 2005 e 2006 (ARAUJO, 2007), percebe-se que existiam
daquela época muitos adolescentes com mais de uma entrada: 48 % dos casos. Os casos
de primeira entrada atingiam índices mais elevados: 58,% do total (nos anos de 2005 e
2006).
Em vários estados, a matriz da violência é o tráfico de armas e de drogas (o
segundo financiando o primeiro e ambos induzindo à expansão e à intensificação da
violência envolvida nas práticas criminais), que se realiza no atacado e no varejo. A
dinâmica do comércio ilegal atacadista dá-se, sobretudo, por meio de criminosos do

85
Vide tese JULIÂO, 2009; e dissertação de MACEDO, 2013.
188

colarinho branco, extremamente eficazes na lavagem de dinheiro. Esses permanecem


impunes, imunes às ações repressivas e à investigação das polícias estaduais, cuja
obsessão tem sido o varejo, nas favelas, vilas e periferias.
Nas áreas pobres em que o comércio varejista se instala, morrem crianças e
adolescentes em confrontos entre grupos rivais ou com policiais, em suas incursões
bélicas, as chamadas “políticas de segurança”.

Os adolescentes do CAI BR: quem são?


Moradores da Baixada Fluminense, ou uma das áreas com menor renda per
capita do estado do Rio de Janeiro, os adolescentes do CAI BR apresentam o perfil dos
meninos empregados como mão de obra pelo tráfico. Ao entrar na unidade,
apresentam-se franzinos (não aparentam ter a idade real), com baixa escolaridade e
negros, em sua quase totalidade; entram no tráfico aos 13 ou 14 anos, como vapores
(vendedores de droga).
- Assim, nosso grau de coisa como, segue um dinheiro pra nós, toda semana,
a nossa família recebe o dinheiro de onde a gente mora. Se agente tá preso.
-Quando tá lá fora muitas tentações pode vir te atentar, pra tu voltar, voltar a
traficar.
- Ter tudo , Roupa, investir né.
- Ajudar a família também, se a família tiver precisando de alguma coisa...
- Casa, uma moto limpa ou um carro limpo, nós quer se levantar. No
tráfico nós tá mesmo pra se levantar, não é pra ficar a mesma coisa que
tu tava não.
- Antes você não tinha condição, agora tem...
- É. Coisa de minuto.
- Coisa de minuto, não é não? (Grupo focal 1 – Adolescentes, grifos nossos)

De acordo com Jean Baudrillard (1993), o consumo não pode ser definido
somente pela capacidade de aquisição ou como mera satisfação de uma necessidade, e
sim como um modo ativo de relação (não apenas com os objetos, mas com a
coletividade e com o mundo), um modo de atividade sistemática e de resposta global no
qual se funda o nosso sistema cultural.
Os adolescentes em conflito com a lei muitas vezes são seduzidos pelo mundo
do tráfico de entorpecentes por esse representar a satisfação de desejo de consumo, a
realização do sonho de possuir determinados objetos que povoam simbólica e
culturalmente o universo nos centros urbanos.
- Nós, nun compra ropa do Calçadão de Caxias!
- Agente compra roupa de marca, chinelo havaiana,
- É chinelo Kener, blusa Lacosti, tênis Adidas e Nike, na WKS, Sport West.
Uma beca nova! Nós num fica esculachado!
- Nós ganha dinheiro! Fica tranquilo! (Grupo Focal 2 – Adolescentes)
189

No plano simbólico, o consumo atinge a todos, através do conjunto de crenças e


desejos presentes na sociedade, potencializados e produzidos pela mídia.
A respeito do que denominamos por “objeto de consumo”, seguindo Baudrillard
(1993), é importante ressaltarmos que não estamos tratando de um mero objeto,
funcional, em seu valor de uso, mas de um complexo “código de signos”, no qual está
implicado todo um sistema de comunicação, diferenciação e permutas sociais, enfim:
“um modo novo e específico de socialização” (ibidem, p.92). O referido autor, ao tratar
o consumo em uma perspectiva semiológica, considera que o objeto de consumo
contemporâneo se funda predominantemente na lógica do “valor-signo”, o qual é
orientado por um sistema distintivo de imagens de marca, ditado pela moda, cujo
sentido não está mais referido a nenhuma relação humana, e sim “en la relación
diferencial respecto a otros signos” (ibidem, p. 38), que se hierarquizam de acordo com
os atributos subjetivos e de prestígio social agregados ao produto, regidos pela lógica
formal da moda e da diferenciação. Para ele, o objeto deixa de ser a solução para um
problema prático (“valor de uso”) para ser valorado em seus aspectos “inessenciais”,
passando a ser a “solução de um conflito social ou psicológico” (ibidem, p. 134).
E não bastassem todas essas dualidades e indefinições com que o jovem tem que
lidar, ele ainda é bombardeado por uma série de publicidade incentivando o consumo de
produtos que irão ajudá-lo a se destacar. “A cultura do consumo, desta forma, incide
diretamente sobre as jovens personalidades em desenvolvimento, gerando inquietações
naqueles que não podem comprar tudo o que lhes é oferecido e anunciado como
indispensável.” (OLIVEIRA 2007, p. 2)
Sobre o consumo, os adolescentes refletem:
- Consumo também.Ilusão pô.
- O consumo que faz você pá.Desviar.
- O consumo que te leva pro caminho como... o caminho dá, como é o ultimo
que a senhora falou agora?
- O consumo que te leva pro caminho
- Do tráfico.
- Do roubo, você tá aqui, aí tu vai querer mais um, aí depois tu vai querer
mais um, vai querer mais um, vai querer mais um...
- Daqui a pouco já tá ilusionista.
- (... ) daqui a pouco já tá cheio de coisa lá. (Grupo Focal 2 - Adolescentes)

A adolescência é uma nova fatia de mercado, a qual se caracteriza pela


capacidade de consumir e inserir-se nos ditames da publicidades. Diante da avalanche
de produtos oferecidos em um ritmo frenético, tudo e todos que se contrapõem a esse
estilo de vida se tornam “estranhos”.
190

A “juventude” se revelava um poderosíssimo exército de consumidores, livres


dos freios morais e religiosos que regulavam a relação do corpo com os prazeres e
desligados de qualquer discurso tradicional que pudesse fornecer critérios quanto ao
valor e à consistência, digamos, existencial de uma enxurrada de mercadorias tornadas,
da noite para o dia, essenciais para a nossa felicidade (KEHL, 2004).
Os jovens, então, vão à busca dessa “felicidade” para não se enquadrarem na
categoria de “estranhos”, para não assumirem uma imagem negativa perante o seu
grupo, a sua tribo; isso tudo por estarem submetidos à moral do consumo, a qual lhes
impõe como necessidade uma subjetividade atrelada aos padrões exteriores de sucesso
social, em que a dependência dos objetos de mercado se faz condição para o
engajamento na busca desse objetivo. A sociedade do espetáculo impõe subjetividades e
cria modos de pensar, sentir, agir e ser, principalmente entre os jovens, que são
vulneráveis a esses apelos (GONÇALVES, 2005).
- Vai no shopi compra uma ropa de marca, um celular responsa, bota uma
beca , tênis da Nike, pé de cabelo... sobrancelha feita
,- É baile, é mulher, ih, é muita coisa...
- É moto, é carro, avião, helicóptero.
- Tem que ter... To falando, fala aí pra tia...
- Esses negócio aí de avião, helicóptero... Avião e helicóptero nunca andei
não.
- Nem eu, avião, helicóptero também não, é dos donos. (Grupo Focal 2 -
Adolescentes)

Ter as roupas e os objetos de consumo mais cobiçados pela cultura da


comunidade se torna uma meta, uma forma de sobrevivência para o jovem que quer
pertencer a um grupo. Os “objetos de consumo” agregam valor social aos seus
portadores. Assim, criam-se estereótipos no imaginário social: o adolescente molda-se à
imagem de consumo, ofertada pelo mercado publicitário.
Na falta de agentes familiares ou mesmo institucionais que sirvam de
referência para o engajamento em um estilo de vida e na ausência de uma
história que lhes seja apresentada como coerente e digna de ser perpetuada ou
mesmo ressignificada, os jovens da atualidade ficam completamente expostos
aos ditames da sociedade de consumo. Sem outra saída, resta-lhes apenas
assumir uma subjetividade exterior, ou seja, diluir o eu e a sua profundidade
na aparência do corpo e naquilo que já é esperado pelos demais.
(GONÇALVES, 2005, p. 12)

A juventude pode ser entendida como uma fase em que o jovem “é igual a todos
como espécie, igual a alguns como parte de um determinado grupo social e diferente de
todos como um ser singular” (DAVRELL, 2003, p. 43). Ao mesmo tempo em que se
busca seguir um padrão imposto pela mídia, tenta-se encontrar uma singularidade dentro
de um todo. “Para o grupo, ser específico é, também, conseguir se reconhecer no
191

outro.” (ROCHA & PEREIRA, 2009, p. 55). É no grupo ou tribo a que pertence o
jovem que irão ser estabelecidas as regras do que é estar na moda, do que é legal de se
fazer, do que é permitido. E como na adolescência está implícita a necessidade de
inclusão social, de pertencimento, de gregarismo, ele se submete a essas condições
(ROCHA & PEREIRA, 2009).
Não só os adolescentes em conflito com lei, mas também os grupos
empobrecidos do Rio de Janeiro tornam-se membros do mesmo sistema simbólico.
Segundo recente pesquisa do Teenage Research Unlimited - TRU feita no
Brasil em 2010, através da contratação da TNS Research International, foram
entrevistados 1,5 mil adolescentes e jovens, de 12 a 19 anos, das classes A, B, C e D
de nove regiões metropolitanas, além das principais cidades do interior
de São Paulo, compondo a pesquisa internacional anual feita em 24 países, incluindo o
Brasil. Os adolescentes brasileiros (de 12 a 19 anos) possuem um potencial de consumo
próximo de R$ 75 bilhões. Isso se deve aos adolescentes de classe alta, média e baixa,
tendo como base principal as mesadas que recebem. Em média, cada jovem brasileiro
ganha R$ 102 por semana. Na classe média alta, esse valor sobe para R$180 e, na baixa,
não passa dos R$ 80 por semana. Somente 27% dos entrevistados possuem renda do
próprio trabalho (aprendizes ou trabalho formal). Ainda segundo o estudo da TRU, 37%
de todas as despesas dos adolescentes são com roupas e acessórios. Depois, vêm os
lanches e refrigerantes, que cosomem 10% de toda a renda deles. Em terceiro lugar,
aparecem os aparelhos eletrônicos e produtos tecnológicos, que acabam levando outros
8% do orçamento.
A pesquisa também mostrou o baixo interesse pelo consumo de bens culturais
como teatro e livros. Nada menos que 80% dos jovens brasileiros nunca vão ao teatro e
75% não leram nenhum livro em 2010 por iniciativa própria.
Quanto aos “objetos de consumo”, 83% dos adolescentes do nosso país
possuem celular, 44% já têm seu próprio computador e 33% navegam na internet em
banda larga. Porém, a maioria desses consumidores não possui conta no banco (apenas
9%) ou cartão de crédito (18%).
Segundo pesquisas do Instituto IPSOS, realizada em 2004, com 4,3 milhões de
brasileiros, garotos e garotas de 13 a 17 anos, em nove centros urbanos, os shoppings e
a internet são os espaços sociais mais concorridos por este público: 62% deles
frequentam shopping e 82% elegem os centros de compras como o local preferido para
consumo e lazer.
192

A forma de se vestir aparece repetidamente mencionada nas entrevistas


realizadas com os adolescentes internados no CAI BR durante o grupo focal, sendo
descrita muitas vezes com riqueza de detalhes. Referimo-nos, até então, aos cuidados
que o adolescente tem dedicado ao corpo (corte de cabelo e sobrancelhas) e podemos,
em um primeiro momento, compreender essa atenção com a roupa além-muros, como
uma extensão desses cuidados, no viés do corpo como objeto de consumo.
Um exemplo dessa realidade é o fato de que muitos adolescentes se nomeiam
pela etiqueta de suas roupas; ou seja, a marca, além de ter uma característica forte, deve
estar em evidência. Para muitos, isso é uma forma de mostrar status.
Figura 29: Adolescente com tatuagem

Fonte: ABDALLA, 2003, p.113

No caso “do mais belo objeto de consumo” – o corpo – Baudrillard (1970)


enfatiza o status a ele atribuído na sociedade de consumo. O atual investimento
narcísico no corpo promove, na visão desse autor, uma “evolução regressiva da
afetividade para o corpo/criança e para o corpo/objeto” (p.159). Nesse processo, o
sujeito é dissociado de seu corpo, o qual é objetificado, passando a significar apenas
“reflexos dos signos do sistema da moda”. Nesse sentido, investir narcisicamente no
corpo não significa apropriá-lo como signo de desejo e sexualidade com fins de
libertação, mas unicamente tratá-lo como um “patrimônio” (p. 160) aos moldes do
código de produção e consumo das sociedades capitalistas.
A reportagem veiculada pela revista Veja, intitulada “Eles têm a força –
Crianças, não senhor – pré-adolescente (2004), a meninada de 8 a 12 anos vive e
consome feito gente grande”, traça um perfil dos pré-adolescentes da classe média e alta
dos grandes centros urbanos do país: são bem informados e consumistas, identificam
193

marcas e relacionam grife à qualidade, são volúveis, buscam sempre produtos novos e
sonham com celulares da moda, moto, videogame mais moderno, laptop, roupas e
sapatos de marca. A reportagem não faz alusão aos adolescentes pobres e que não
possuem os objetos de consumo para inclusão social ou inclusão pelo consumo.
A posição que os jovens pobres ocupam na cidade, suas condições materiais e
culturais, como afirma Castro (2007), colocam-nos sob dois ângulos: vítimas ou agentes
da violência. A cotidianidade da violência na vida dos jovens nos leva a compreender o
destaque dado nas falas dos mesmos em relação à questão do consumo.
Como consumidores, os adolescentes infratores adquirem um tipo de cidadania
que os faz iguais aos demais adolescentes consumidores, apesar de esses serem apenas
consumidores em potencial, por dependerem de seus pais. Dessa forma, a dinâmica
social do consumo promove os adolescentes infratores a consumidores, fornecendo-lhes
uma base estatutária de reconhecimento social.
Em pesquisa realizada por Araujo (2006), sobre os motivos que levam ao ato
infracional, “a compra de roupas de marca” (22,3%) aparece como a principal causa do
envolvimento, uma vez que, em primeiro lugar, os adolescentes alegam a própria
“negação do envolvimento”.
Gráfico 10: Detalhamento do Envolvimento com Drogas - 2011

MOT IVOS DO A T O INF R A C IONA L


Nega envolvimento
C omprar roupa de marc a
S ituaç ão de ris c o
Influenc ia de amigos
G anho de dinheiro fác il
Us o de drogas
Nec es s idade dinheiro c omer/viajar
C onflitos familiares
E vas ão do C riam
P orque quis
Dívida
S tatus por es tar no tráfic o
V inganç a
F alta de trabalho
Não s abe
A judar a mãe

0% 2% 4% 6% 8% 10% 12% 14% 16% 18% 20% 22% 24% 26% 28% 30% 32% 34% 36% 38% 40%

Fonte: ZEITUNE, 2012


194

Alguns anos atrás, a sociedade surpreendeu-se ao descobrir que o crime


organizado do Rio de Janeiro usava as crianças das favelas como “olheiros”, dando
aviso da aproximação da polícia com rojões ou empinando pipas. Mais tarde, sabendo
que o Comando Vermelho havia constituído grupos de adolescentes na faixa etária entre
12 e 17 anos, usando-os como “soldados” nos esquadrões de segurança do tráfico,
encarregados de tarefas antes confiadas aos adultos, tais como a proteção das “bocas de
fumo” e pontos de venda de cocaína, barreiras em ruas e avenidas, patrulhamento das
áreas das favelas, o “justiçamento” de delatores e de inimigos e, até, confrontos diretos
com policiais, a surpresa tornou-se espanto e revolta (COSTA, 2004).
Acirraram-se as discussões sobre a questão da violência juvenil e as possíveis
soluções para a mesma, mas essas enveredam pelo caminho da simplificação inócua:
penas mais duras e redução da idade penal. Obviamente, esse não é o caminho.
De fato, em uma sociedade em que meninos de oito anos desempenham cargos
de vigia ou “avião” dos esquemas de tráfico das favelas e dos morros dominados pelos
criminosos, recebendo gratificações que chegam a superar os salários mensais de seus
pais, o caminho natural dessas crianças é, ao se tornarem adolescentes, subirem na
escala hierárquica do crime, galgando cargos e encargos mais importantes na mesma.
- Ela tá falando que tipo nós preso aqui, os amigo da firma lá, não dá um
dinheiro coisa e tal pra vim aqui ajudar, essas coisas. Mas minha mãe tipo
assim, minha mãe não tem nada contra, minha mãe não gosta que eu sou
dessa vida, ela quer que eu saio pá, mude de vida, tenha um trabalho pá,
estudo, coisa e tal, mas ai ela não pega, se ela quiser pegar, ela pega, mas ela
não pega porque ela não quer.
- É igual doce de Cosme e Damião, pega quem quiser, igual dia de Cosme e
Damião. (Grupo Focal 1 - Adolescentes)

As quadrilhas (a firma) são, obviamente, parte integrante e preponderante da


vida dessas comunidades pobres da periferia, esquecidas pelos poderes públicos, tendo
como única presença efetiva dos mesmos naquelas áreas apenas a polícia, com toda a
carga negativa que historicamente representa para as classes menos favorecidas. O
poder público, em tais regiões, parece isentar-se de seu dever como agente
empreendedor de recursos, de programas sociais, obras de infraestrutura, dentre outras,
deixando brechas sociais, que são aproveitadas pelas organizações criminosas para
atuarem nessas comunidades como benfeitores, suprimindo uma responsabilidade do
Estado. Nessas organizações criminosas, graças à astuta e calculada atitude adotada
pelos dirigentes, o jovem em vulnerabilidade social encontra dinheiro, fraternidade,
respeito e ascensão social no ambiente onde vive, tornando-se “alguém” na sociedade
local, embora para a sociedade em geral passe a ser um marginal.
195

Os roubos e furtos são vistos pelos jovens como atos fortuitos e sem
consequências, “aprontações”, formas de conseguirem dinheiro rápido.
O envolvimento com o tráfico de drogas é visto como um “trabalho”. Dá status,
dinheiro e garante o sucesso com as mulheres:
- Nós compra ué, nós tem dinheiro.
- Nós compra, nós faz. Isso é o de menos
- Nós faz é dinheiro. Dinheiro faz dinheiro. (Grupo focal 1 - Adolescentes)
196

Capítulo 5 – Mídia, violência e adolescentes

Vivemos um paradoxo dentre violência e democracia


(CALDEIRA, 2000; PERALVA, 2000; AZEVEDO, M. A.,
2005).

Há uma dicotomia entre os movimentos de direitos humanos para a juventude, as


inúmeras conquistas no plano da legislação, a expansão aos direitos de cidadania e
participação social, as diretrizes socioeducacionais apontando subsídios para novas
políticas, estratégias e ações públicas voltadas para a juventude, os planos de
implementação da educação para todos, fundamentados no Princípio da Inclusão, na
Ética da Diversidade (MEC/SEESP, 2003) e no Programa Nacional de Direitos
Humanos (SEDH/MEC/MJ/UNESCO, 2006), e um sistema paralelo de violência e
exclusão contra o jovem, como atestam as estatísticas sobre a evasão educacional, o
fracasso escolar, a exploração do trabalho juvenil, o abuso e a exploração sexual, a
fome, a tortura, as prisões arbitrárias e o alto índice de homicídio entre jovens.
Esse paradoxo faz parte do cotidiano brasileiro e mapeia, de forma contundente,
o cenário nacional. Os jovens envolvidos em situação de violência são descritos ora
como vítimas, ora como causadores da violência urbana.
O binômio juventude/delinquência, nos últimos anos, vem ocupando a agenda
pública como um dos seus temas centrais. Segundo Adorno (2003), fala-se com
frequência de crianças e adolescentes como responsáveis pelo crescimento da violência
nas grandes cidades brasileiras, em especial dos crimes violentos, como homicídios. Na
mídia impressa e eletrônica, cotidianamente, veiculam-se imagens que mostram
indivíduos, nesses grupos etários, cometendo audaciosas ações, cada vez mais
precocemente, e, principalmente, a devastadora imagem do envolvimento desses
sujeitos com o uso de drogas, como o crack.
São imagens que destacam preferencialmente crianças e jovens, negros ou
pardos, procedentes dos estratos socioeconômicos mais desfavorecidos da sociedade,
imagens que reforçam associações entre pobreza e crime.
Os críticos aos avanços da legislação de proteção integral às crianças e aos
jovens anunciam que as autoridades encarregadas de exercer controle social e de
reprimir a delinquência juvenil tenderiam a tratá-los com muita tolerância,
197

considerando-os essencialmente na perspectiva de vítimas sociais. No debate, lança-se


também a suspeita de que essas autoridades agiriam com repressão e violência na
violação aos direitos desse segmento social. As práticas de encarceramentos e
genocídios constituem uma espécie de paradigma para enfrentar a realidade geral da
juventude brasileira envolvida em situação de violência.
Os discursos sobre a segurança urbana e a violência nas grandes cidades, o
binômio juventude/delinquência e o crescente encaminhamento de jovens para
instituições correcionais vêm mobilizando diversos setores da sociedade.
Alguns estudiosos (BAZÍLIO, 1985, 1998; BATISTA, 2002; BRITO, 2000;
KOLKER, 2002; PERALVA, 2000) têm mostrado a passagem da ideologia da
segurança nacional e de seu aparato de tortura à ideologia de segurança urbana com o
direcionamento do arsenal de violência do Estado para o controle (DELEUZE, 1996) e
até o extermínio das camadas mais pauperizadas do país, vistas como perigosas.
Os dispositivos disciplinares que emergem nos discursos e nas ações do Estado
em nome da segurança urbana mostram mecanismos infindáveis e generalizáveis da
sociedade de controle, não mais centrada nas técnicas de confinamento e suplício do
corpo ou nos aspectos singulares das instituições (FOUCAULT, 2000c; DELEUZE
1996), mas no controle que atravessa os muros do hospital, da prisão, da escola, da
indústria, de instituições para adolescentes infratores, e se infiltra na vida urbana –
corpo e mente –, nos processos de subjetivação dos sujeitos. O que vem sendo
implantado são novos tipos de sanções, de educação, de tratamento, de aprisionamento e
de exclusão.
Essa tem sido a situação de diversos setores da juventude pobre, especialmente
daqueles em conflito com a lei, alvo sistemático da violação de direitos,
assistencialismo excludente e torturas da polícia. Nesse universo paradoxal, encontram-
se as instituições socioeducativas responsáveis pela execução das medidas
socioeducativas86 erguidas no edifício jurídico como instituições para a juventude
delinquente e ancoradas no princípio pedagógico da ressocialização por meio da
restrição de liberdade: aprisionando para educar.

Violência urbana e adolescentes autores de atos infracionais

86
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA - Título III, Da Prática de Ato Infracional: Capítulo IV
“Das Medidas Sócio-Educativas”, Art.112 a 128: advertência; obrigação de reparar dano; prestação de
serviço à comunidade; liberdade assistida; semiberdade e internação.
198

No campo das políticas públicas para os adolescentes em conflito com a lei, há


um campo de saber, na área jurídica, construído historicamente desde o Código de
Menores (Lei de 1927), que entende que educar é sinônimo de punir e não hesita em
atribuir ao adolescente, autor de ato infracional, a principal responsabilidade por toda a
violência instalada no cotidiano social. Essa visão conservadora, então, reivindica um
espaço para a juventude atrás das grades do sistema penal adulto.
Segundo Aguinsky e Capitão (2008), “forças conservadoras da sociedade tentam
provar que a redução da idade penal garante a diminuição da violência urbana. Esta
lógica se relaciona ao sentimento de insegurança da população diante de ações
ineficazes de combate à criminalidade” (p238. ).
Contudo, condenar jovens negros, pobres, de 12 a 17 anos, não é indicativo de
resolução do problema da criminalidade, pois a violência social não é fruto da juventude
em conflito com a lei. Serão esses os que pagarão a conta do aumento sistêmico das
desigualdades sociais e da violência urbana?
Atribuir a um determinado segmento populacional a responsabilidade pela
violência cria, no imaginário social, a ideia de isenção da responsabilidade coletiva na
busca de alternativas para uma situação, já insustentável.
No imaginário social, parece haver uma forte associação entre o pobre e o
criminoso. De uma forma geral, o Estado, ao formular políticas de combate ao crime, na
realidade, produz políticas de repressão às classes consideradas violentas, como os
residentes em favelas e periferias das cidades, revelando, portanto, uma tendência à
criminalização da pobreza.
Mattos (2002) destaca o poder da mídia na manutenção do binômio pobreza-
violência:
Para os meios de comunicação parece existir um grupo social violento
formado por pessoas pobres e outro, constituído de ricos, que teria que se
defender. Através dessa visão, a cidade estaria dividida em cidadãos bons,
pertencentes às classes média e alta, que seriam vítimas daqueles maus
representados pelos pobres, retratados como bandidos. (p. 32)

Outro dado assustador é o índice de homicídios contra adolescentes no Brasil.


Em 1996, a taxa de homicídios juvenis foi de 41,7 em 100 mil adolescentes; os dados
correspondentes a 2008 indicaram 52,9 vítimas juvenis (WASELFISZ, 2011).

Agência Nacional dos Direitos da Infância - ANDI


O estudo da Agência Nacional dos Direitos da Infância - ANDI, 2009, quando se
amplia o escopo de análise para todas as matérias que mencionam explicitamente os
199

termos “menores” e “adolescência” ou se foca as idades entre 12 e 17 anos, aponta que


o tópico mais abordado é a violência. Para essa faixa etária, o foco nos atos violentos
supera a atenção dada às questões de educação, historicamente o assunto mais coberto
pela mídia ao priorizar aspectos relacionados ao universo de crianças e adolescentes.
Dados da ANDI estimam que, em 2009, os jornais impressos brasileiros
publicaram 159.324 notícias sobre infância e adolescência. De acordo com o
monitoramento de mídia realizado pela organização, cada um dos 53 diários analisados
publicou, em média, 3.006 textos sobre a temática da violência.
Em 2009, cerca de um quarto da cobertura geral tratava da educação. Esse
percentual, porém, cai para 12,2% das notícias que dizem respeito textualmente aos
adolescentes. Segundo a ANDI, isso ocorre porque boa parte das matérias sobre
educação não menciona qualquer faixa etária específica. Desses textos que não
focalizam qualquer segmento etário, 25% discutem o acesso ao Ensino Superior e
15,3%, o Ensino Médio, assuntos que estão diretamente ligados ao cotidiano dos
adolescentes.
Em contrapartida, a violência foi tema de 30,7% das reportagens que
mencionaram explicitamente os adolescentes. Essa participação é significativamente
superior ao que ocorre no ranking de assuntos das demais faixas etárias pesquisadas:
19,7% na primeira infância, 17,5% de 7 a 11 anos e 17,8% na amostra total. Apesar
disso, o estudo da ANDI faz uma ressalva: a de que a prevalência do tema da violência
deve ser relativizada, já que nesse tipo de noticiário, geralmente factual, é mais
frequente a menção à faixa etária de algum ator envolvido.
Os tipos de violência mais enfocados na cobertura sobre adolescência são:
violência nas ruas e comunidade (29,1%), abuso sexual (21,1%) e violência
doméstica (8,3%).
O levantamento da ANDI chama atenção para o fato de que, independentemente
da faixa etária, poucas matérias procuram promover uma reflexão mais profunda a
respeito de causas e consequências desse fenômeno: 9,9% das reportagens sobre
adolescência e 9,7% da cobertura sobre infância de modo geral. Portanto, ainda é grande
o desafio de qualificar o olhar da mídia no que diz respeito à abordagem de um tema tão
complexo e que afeta de forma tão contundente os adolescentes.
A educação vem em seguida para a faixa de tópicos que focalizam o público
adolescente, com 12,2%. O número está próximo ao verificado para o grupo de 7 a 11
anos (12,0%) e o de 0 a 6 anos (9,5%). Entretanto, esse é o tema mais coberto (46,6%)
200

quando se fala de crianças e adolescentes de modo generalista, sem determinar a idade –


focando em qualidade da educação e políticas públicas, por exemplo, em vez de
identificar casos específicos. Em terceiro lugar, aparecem as questões ligadas ao esporte
e ao lazer. Apesar de aparecer sempre entre os10 primeiros assuntos tratados pela mídia,
independentemente de idade, esse tema é mais destacado à medida que o indivíduo vai
crescendo: 3,9% para 0 a 6 anos; 6,8% para 7 a 11 anos; e 9,3% para 12 a 17 anos.
No tocante à qualidade da cobertura, o estudo da ANDI observa que a ótica
investigativa, que mapeia o esforço jornalístico em ultrapassar o relato factual,
denunciando omissões e discutindo soluções, é bastante similar para a cobertura geral e
a dos adolescentes: 7,3% e 7,6%, respectivamente. Os dados de contextualização
também não apresentam diferenças sensíveis entre a cobertura em geral e a abordagem
sobre adolescentes.
A referência a fontes estatísticas alcança 8,1% na cobertura geral e 9,1% no
enfoque para adolescentes. A menção à legislação de qualquer tipo é de 5,7% (cobertura
geral) e 6,7% (adolescentes). E a de políticas públicas é inferior para as matérias que
ouvem adolescentes: 7,7% contra 12,5%. Percebe-se, assim, que os desafios de
qualificação das reportagens que falam sobre os adolescentes são, em boa parte,
similares aos enfrentados na cobertura da infância e adolescência como um todo,
segundo a ANDI.

A mídia fala deles e por eles...


Na mídia, os adolescentes em conflito com a lei aparecem frequentemente como
os outros, diferentes, delituosos, criminosos – aqueles cuja presença traz uma espécie de
mancha indelével ao cotidiano. Tal como os delinquentes descritos por Foucault, a
mídia personificam-nos como perigosos, presentes em toda parte e, por isso mesmo,
objetos de temor. A notícia policial, com sua redundância cotidiana, torna aceitável o
conjunto de controle judiciário e policial que vigia a sociedade. Conta, dia a dia, uma
espécie de batalha contra um inimigo sem rosto, temível, que precisa ser mantido longe,
para pagar o mal que fez (FOUCAULT, 2000c).
Dessa maneira, a sociedade de controle usa a mídia para construir a sua
realidade, transformando-a em suporte de controle e exclusão das minorias. Deleuze
(1996) já considerava esta questão há duas décadas:
Estão nos fabricando um espaço literário, bem como um espaço judiciário,
econômico, político, completamente reacionários, pré-fabricados e
201

massacrantes. Creio que está em andamento uma operação sistemática (...) A


mídia desempenha nisso um papel essencial, mas não exclusivo. (p. 39)

Com o aumento da violência urbana e o envolvimento de jovens no uso abusivo


de drogas, as instituições socioeducativas de internação passam a ter destaque na mídia
em todo o Brasil. Durante os meses de julho e agosto de 2012, foi veiculada uma série
de reportagens sobre adolescentes em conflito com a lei em diversas instituições
socioeducativas de diferentes regiões do Brasil. Violência cotidiana, tortura e
degradação passam a ser enfocadas, fazendo com que a população se lembre da
existência do adolescente em conflito com a lei.
Reportagens com cenas de assalto, agressões e torturas a cidadãos foram
vinculadas às reportagens que denunciavam irregularidades e degradação das unidades
socioeducativas brasileiras.
Inicialmente, a reportagem, com sua narrativa factual, tenta reconstruir/construir
a imagem do adolescente delinquente:
Imagens exclusivas divulgadas nesta semana de um sequestro sofrido por
uma professora (...) O detalhe é que a professora passou mais de uma hora de
terror na mão de jovens infratores.(...) Um garoto de 14 anos de idade senta
no banco do passageiro e aponta a arma para a professora. O outro rapaz, de
20 anos, ordena que ela vá em direção ao hospital universitário da cidade. No
caminho, estacionam o carro para que três meninas embarquem. A partir daí
são elas, todas menores de idade, que assumem o controle do sequestro-
relâmpago. O momento do encontro é registrado pela câmera do celular da
vítima. “Já é nossa”, diz uma voz feminina. “Pegar a seguinte. O bagulho está
louco”, fala um rapaz. “É um medo indescritível. Justamente por você não
saber o que vai acontecer”, afirmou a vítima. Uma das garotas, de apenas 14
anos, obriga a professora a mudar de caminho. A menina quer dinheiro.
Enquanto a professora é mantida sob a mira de um revólver, as três
adolescentes foram até um caixa-eletrônico (...) Com cartões e senhas da
professora, elas fizeram saques (...) “No final das contas eu tinha mais medo
das meninas que dos meninos. O acordo era que eles pegariam meu dinheiro
e eu poderia voltar para casa”, revelou a professora. “O que elas falavam
durante este caminho?”, questionou a repórter. “Vamos fazer festa. Vamos
festar. (sic) Comportamento de adolescente inconsequente mesmo”, ressaltou
a mulher. (Fantástico, 22/07/2012)

As imagens construídas na reportagem – gravações de câmeras de segurança na


rua, local do assalto, imagens feitas dentro do carro da professora com silhueta da
vítima, composição de cenas gravadas pelo celular da vítima pelos adolescentes em
plena execução do assalto intercortada de áudios do celular (com legenda), a entrevista
em formato de relato e as cenas produzidas para a reportagem na tentativa de
reconstituir teatralmente o fato – reforçam e constroem a imagem do adolescente
infrator-delinquente analisada por Foucault (2000c):
O delinquente se distingue também do infrator pelo fato de não somente ser o
autor de seu ato (autor responsável em função de certos critérios da vontade
202

livre e consciente), mas também de estar amarrado a seu delito por um feixe
de fios complexos (instintos, pulsões, tendências, temperamento). O
delinquente, manifestação singular de um fenômeno global de criminalidade,
se distribui em classes quase naturais, dotadas cada uma de suas
características definidas e a cada uma cabendo um tratamento específico (...)
Os condenados são... outro povo num mesmo povo: que tem seus hábitos,
seus instintos, seus costumes à parte. (p. 210)

Na continuidade da reportagem, liga-se o adolescente inconsequente ao delito e


à técnica de coerção-sanção do adolescente infrator-delinquente:
Mas a farra não durou muito mais. Uma hora depois do início do sequestro, o
grupo cruzou com a polícia. Foram perseguidos e acabaram todos pegos. O
assaltante de 20 anos está preso. O garoto, de 14, internado em um centro de
recuperação. Já as três meninas disseram à polícia que foram obrigadas a
participar do crime. E foram liberadas logo em seguida. Agora, um mês
depois, a polícia teve acesso às imagens e viu que as garotas tiveram
participação ativa no sequestro. “Com a apreensão eventual delas a pena
fixada é de até três anos de internação”, informou o delegado (Fantástico,
22/07/2012).

Foucault (2000b) afirma que a técnicas disciplinares em instituições prisionais se


exercem não sobre a relação de autoria, mas sobre a afinidade do criminoso com seu
crime.
A técnica desenvolvida pelas instituições prisionais, no caso específico das
instituições socioeducativas de privação de liberdade no Brasil, e o processo de
construção da imagem social e, no desdobramento, o processo de subjetivação do
sujeito adolescente infrator-delinquente são de algum modo simétricos. O conhecimento
da história do atendimento da criança e do adolescente envolvidos em atos ilícitos, de
menores infratores à nomeação de adolescentes infratores, perpassa um conhecimento
científico que trouxe para as escolas-prisão o aperfeiçoamento das técnicas disciplinares
que ainda hoje mapeiam de forma contundente o cenário nacional.
No final da reportagem, o repórter indaga a vítima, representante da sociedade-
telespectadora, vítima da violência urbana:
“Você acha que estes menores infratores têm algum tipo de recuperação? O
que pode ser feito para que eles se tornem cidadãos de bem, porque talvez
ainda seja possível uma recuperação?”, perguntou o repórter. “Que seja
providenciada educação decente, direitos básicos que um Estado deveria
fornecer ao seu cidadão”, afirmou a professora. (Fantástico, 22/07/2012)

Na sequência de programas televisivos sobre as instituições socioeducativas,


foram apresentadas pesquisas sobre as unidades de privação de liberdade em diversas
regiões do Brasil.
203

Filmagens clandestinas, cortes de imagens, planos e áudio constituem as falas


autorizadas e apresentam uma espécie de prova material do que informam. Materializa-
se a pretensa verdade apurada pelo jornalista.
No fundo de uma cela, um jovem compõe o rap da prisão. “Perdi a
adolescência e a juventude no sistema, não aguento mais ouvir o barulho de
algema”. Como funciona o sistema criado para reeducar adolescentes em
conflito com a lei? “Isso aqui era pra ser uma recuperação pra pessoa, né? A
gente sai pior do que entra”, diz um jovem. Denúncias de tortura. “Pisa nos
pés, bate nos pés. Deixa só de cueca. Bota a gente dentro de um cubículo,
passar dois dias”, revelou outro. Ambientes imundos. Superlotação. “Aqui
não é lugar para ser humano não. É lugar pra bicho”, afirma um menino.
(Fantástico, 22/07/2012)

Do ponto de vista dos meios de comunicação, apenas um número restrito de


fatos acontece, cabendo a eles o privilégio de selecionar os mais noticiáveis,
verificando, dessa forma, segundo Lester e Molotch, o valor de uma história (apud
TRAQUINA, 1993). Nesse processo, constrói-se uma dada noção de objetividade que
reflete muito mais parâmetros históricos e culturais do jornalismo, do que realmente o
que aconteceu.
As notícias seriam, dentro dessa ótica, não apenas resultado do trabalho de
produção dos meios de comunicação, mas também resultantes da necessidade de as
pessoas conhecerem aquilo que não poderiam observar e da capacidade outorgada a
esses veículos de informar.
Assim, não é apenas porque o acontecimento ocorreu que é elevado à categoria
de notícia. Há uma seleção efetuada pelo jornalista que recebe, por delegação, como
afirma Bourdieu (1991), o poder de nomeação na sociedade.
Por outro lado, cada notícia também está relacionada a um contexto e um
acontecimento só tem o seu sentido reconhecido a partir desse contexto (TRAQUINA,
1993). Não se trata de noticiar um fato novo, agregando novos aspectos, mas de
desconstruí-lo e reconstruí-lo, sendo agentes privilegiados dessa ação os próprios meios
de comunicação.
O que fazia emergir a temática na cena pública era a perpetuação da violência e
da imagem do delinquente, de um sistema que não recupera nem reeduca,
ressocializando o adolescente, não cumprindo o que lhe foi outorgado pelos cidadãos
representados pela professora-vítima: “Que seja providenciada educação decente,
direitos básicos que um Estado deveria fornecer ao seu cidadão”. As instituições
socioeducativas produzem a delinquência.
E é essa delinquência, formada nos subterrâneos do aparelho judiciário, ao
nível das "obras vis" de que a justiça desvia os olhos, pela vergonha que sente
204

de punir os que condena, é ela que se faz presente agora nos tribunais serenos
e na majestade das leis; ela é que tem que ser conhecida, avaliada, medida,
diagnosticada, tratada, quando se proferem sentenças, é ela agora, essa
anomalia, esse desvio, esse perigo inexorável, essa doença, essa forma de
existência, que deverão ser considerados ao se reelaborarem os códigos.
(FOUCAULT, 2000c, p. 213)

Ações socioeducativas87 que rompem com essa lógica foram apresentadas como
pontuais, centradas nos próprios sujeitos vítimas ou heróis: o adolescente e o policial.
Ele tinha 17 anos quando tramou um assalto. Só que a vítima era um
experiente policial da Polícia Militar, que reagiu dando três tiros na perna do
rapaz. “Ele pegou, me virou, e não sei o que ele olhou nos meus olhos, botou
a arma na minha boca, foi para me matar eu acho, não sei o que falaram na
cabeça dele, eu sei que fechei os olhos, pensei na minha mãe, e não, não foi”
(...) O adolescente ficou oito meses cumprindo medida socioeducativa. “Uma
lição de vida. Eu achei uma lição” (sic ex-interno). Mas ele nunca imaginou
que ficaria frente a frente com o policial que poupou a sua vida.(...) “Não
existe a mínima mágoa. Eu gostaria muito que o teu pai e a tua avó, até a tua
madrasta, olhassem pra ti com orgulho, que nem eu olho pro meu filho”,
afirma o ex-policial.88 (Fantástico , 22/07/2012)

No caso específico do Departamento Geral de Ações Socioeducativas -


DEGASE, foco de nossa pesquisa, o grupo dessa reportagem, de caráter nacional,
apresentou filmagens-denúncias sobre as instalações precárias do Instituto Padre
Severino e sobre relatos de agressões cometidas por funcionários neste local: “No
Instituto Padre Severino, no Rio de Janeiro, ouvimos denúncias de tortura e
espancamento. ‘Quando eles bota (sic) pra esculachar, bota todo mundo ali no
quadrado, manda todo mundo sair pelado, bate na cara’, dizem os meninos”
(Fantástico, 22/07/2012).
Em resposta oficial: “O Departamento de Ações Socioeducativas do Estado do
Rio diz que as denúncias serão apuradas. E que as unidades têm câmeras de vídeo que
filmariam as agressões se elas tivessem ocorrido” (Fantástico, 22/07/2012).
Na mesma reportagem, foi apresentado o Projeto TV Novo DEGASE, através da
fala de uma ex-interna, que atualmente faz parte do próprio projeto como apresentadora
e repórter especial:

87
Ações socioeducativas como princípio da educação social preveem a reconstrução e um projeto de
vida cidadã pelo adolescente: desenvolvimento psicossocial, cultural e afetivo, através de um Plano
Individual de Atendimento (SINASE, 2006) construído pelo próprio adolescente, sua família e os
socioeducadores que o acompanharão (equipes multidisciplinares e técnico de referência) durante o
cumprimento da medida e em rede com o sistema de garantia de direito, possibilitando e
instrumentalizando esse sujeito, responsável pelos seus atos infracionais (não vítimas ou heróis), a
convivências sociais dignas e a não reincidências.
88
Os nomes dos envolvidos na reportagem foram omitidos.
205

Ela ficou internada por mais de um ano por envolvimento com o tráfico. Mas
um projeto do Degase, o órgão responsável pela aplicação de medidas
socioeducativas no Rio de Janeiro, a transformou em apresentadora.
“Participei da primeira turma da TV Novo Degase. É a primeira TV
socioeducativa do mundo” conta.(...) E usou os ensinamentos da TV Novo
Degase para se convencer de que podia mudar. “A gente é prova disso. A
gente passou pelo sistema, e hoje a gente está aí trabalhando e ganhando
dinheiro com isso. Por que não pode?”, questiona a jovem. (Fantástico,
22/07/2012)

Menos de dez horas após a reportagem-denúncia sobre o Instituto Padre


Severino, foram feitas filmagens, pela mesma emissora de televisão, das novas
instalações do Centro Socioeducativo Dom Bosco, unidade que substituiria o antigo
prédio, que seria desativado gradativamente. Tal reportagem, gravada ao vivo com
entrevista ao diretor geral, não foi transmitida nacionalmente. Um mês depois, no dia
23 de agosto de 2012, houve a inauguração das novas instalações, desativação do
Instituto Padre Severino e transferência dos adolescentes. Não houve reportagem
televisiva, apenas impressa.
Qualquer fato pode, em princípio, transformar-se em acontecimento e sua
permanência na mídia depende da finalidade com que foi constituído. Ou seja, enfatiza-
se, nesse caso, a transformação do fato em acontecimento a partir dos objetivos de sua
constituição. A sua duração também é dependente desses mesmos objetivos.
Percebe-se, na divulgação dessas notícias, a construção aleatória de uma
temporalidade. É claro que, com isso, não estamos negando que os jornalistas trabalhem
a partir de materiais fornecidos pelos promotores das notícias – nesse caso, a autoridade
judicial. No entanto, são eles os responsáveis pela transformação de uma ocorrência
restrita em acontecimento público. Com a publicação da notícia e a consequente
ampliação do seu alcance, um terceiro elemento entra em cena – os consumidores das
notícias –, criando a sensação da construção de um novo tempo.
Agora, não são mais os maus-tratos ou a violência cometida com e por
adolescentes ocorrida no início do segundo semestre de 2012 que estão em cena, mas
fatos que são lidos pelo público consumidor das notícias, em um momento que não
guarda nenhuma relação com o tempo de seu acontecimento. É por essa razão que
alguns autores afirmam que a leitura das notícias cria a sensação de um tempo público
(TRAQUINA, 1993).
Albuquerque (2000) discute a mídia brasileira e seu compromisso político a
partir do modelo americano de “jornalismo independente” – objetividade, neutralidade,
imparcialidade, compromisso com a verdade, com os fatos e com o interesse público.
206

Afirma que diante da perspectiva brasileira, em que não há um amplo conjunto de


verdades fundamentais dando origem à ideia de “fato”, é mais adequado falar em
interpretações da realidade – produzidas a partir de perspectivas particulares e
interessadas – do que em fatos. Da mesma forma, o compromisso com o “interesse
público” e a democracia passa a ser delegado a líderes qualificados, o que se traduz, em
parte, pela noção de formador de opinião.
Segundo Foucault (2000c), o ponto de origem da delinquência está não no
indivíduo criminoso (esse é apenas a ocasião ou a primeira vítima), mas na sociedade.
Dessa forma, os veículos de difusão coletiva trabalham na seleção e
estigmatização das categorias “negativas” existentes na vida social – o adolescente
infrator, pobre, negro, com baixa escolaridade e violento. As denúncias sobre as
unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei são tratadas pela mídia
inicialmente com cobertura maciça durante o fato e, posteriormente, esquecidas.
Inexistem matérias investigativas e de caráter reflexivo, possibilitando as diferentes
vozes exporem suas ideias sobre os adolescentes e sobre o espaço praticado das
instituições socioeducativas. Especialmente, não se dá voz aos próprios adolescentes e
aos operadores desse sistema.
Aceitar os sofrimentos como inevitáveis só serve para manter o status quo. A
mídia molda a visão da sociedade a respeito dos adolescentes em conflito com lei e
sobre aqueles que com eles atuam, ao mesmo tempo em que apresenta o problema como
sendo decorrente da internação, definindo o processo de ressocialização como um mal
social inevitável e inatingível.
Dessa forma, como enfatiza Muniz Sodré (1996), a notícia concilia, portanto, a
repetitividade do cotidiano com a imprevisibilidade da mudança, típica das relações
sociais modernas.
Os meios de comunicação produzem o mundo juntamente com os sujeitos e
objetos que o constituem. A comunicação não apenas expressa, mas também organiza a
sociedade. Expressa o movimento de exclusão e de hegemonia, controlando o sentido
de direção do imaginário que percorre essas conexões comunicativas.
Assim, a mídia fala deles e por eles, perpetuando o estigma e produzindo a
delinquência/delinquente: adolescente/menor infrator.
207

Mídia, violência no CAI BR e adolescentes em conflito com a lei


Se no capítulo anterior o foco foi, sobretudo, o discurso produzido pelos
adolescentes, neste capítulo o centro de nossa análise é o discurso produzido pela mídia
sobre esses mesmos sujeitos. Ao tornarem pública a sua voz, os adolescentes colocam
em cena temas que nem sempre figuram nos relatos dos meios de comunicação. Na
mídia, eles aparecem em geral como os outros, diferentes, que com a sua presença
trazem uma espécie de mancha indelével ao quotidiano.
Um exemplo disso começa exatamente na inauguração da unidade de internação,
objeto da nossa análise. Na época, houve protestos da comunidade local. A Prefeitura de
Belford Roxo e os moradores repudiaram a instalação do CAI Belford Roxo,
apresentando como justificativa a probabilidade de aumento da violência e da
criminalidade, o que colocaria em risco crianças e jovens que frequentavam a escola
pública, vizinha ao prédio.
Os jornais diários divulgaram os protestos da população, aproveitando-se de um
discurso apresentado como coletivo que segrega e estigmatiza o adolescente em conflito
com a lei.
É, pois, na perspectiva do preconceito que os meios de comunicação divulgam
os chamados excessos dessa minoria. Os adolescentes em conflito com a lei são
apresentados como delinquentes.
Tal como os delinquentes descritos por Foucault, também eles aparecem no
noticiário policial como perigosos, presentes em toda parte e, por isso mesmo, objetos
de temor. A notícia policial, com sua redundância cotidiana, torna aceitável o conjunto
de controle judiciário e policial que vigia a sociedade. Conta, dia a dia, uma espécie de
batalha contra um inimigo sem rosto (FOUCAULT, 2000c).
Os adolescentes do CAI Belford Roxo são caracterizados como em conflito com
a lei a partir da determinação judicial e do cumprimento da medida socioeducativa de
internação, passando a constituir o inimigo sem rosto, temível, que precisa ser mantido
longe, para pagar o mal que fez.
Dessa maneira, a sociedade de controle usa a mídia para construir a sua
realidade, transformando-a em suporte de exclusão das minorias. Deleuze (1996) já
considerava essa questão em entrevista concedida há duas décadas.
Estão fabricando um espaço literário, bem como um espaço judiciário,
econômico, político, completamente reacionário, pré-fabricado e
massacrante. Creio que está em andamento uma operação sistemática, que o
Jornal Libération deveria analisar. A mídia desempenha nisso um papel
essencial, mas não exclusivo. (DELEUZE, 1996, p. 30)
208

Os adolescentes privados de liberdade e as suas imagens na televisão


Os adolescentes privados de liberdade têm acesso às produções culturais via
canais da televisão aberta. Realizamos uma pesquisa sobre quais os programas que
veem e como percebem as imagens difundidas pela televisão, as suas preferências ao
selecionar as programações, o tempo passado diante do aparelho e como fazem uma
leitura desses programas, refletindo sobre aquilo que fabricam a partir dessas imagens.
Buscamos clarificar a problemática do consumo, pois pensamos, como Certeau
(2000), que o homem ordinário não é um consumidor passivo diante da televisão, livros,
tecnologias, moda e crenças, mas um agente transformador e afortunadamente, em
muitos casos, descrente e questionador das versões empregadas para condicionar e criar
ilusões pelos provedores desses instrumentos.
Fazendo parte da temática dos grupos focais de adolescentes os usos da mídia
televisiva pelos mesmos em seus alojamentos, foram observados pela pesquisadora, de
modo que aflorassem através das palavras desses telespectadores, os procedimentos de
seleção dos programas, os horários, a frequência com que viam a programação a
repercussão dessas imagens nos seus atos e pensamentos.
De modo geral, os adolescentes destacaram os filmes de aventura, com cenas de
luta, tiros e sexo, como os mais procurados e desejados, logo abaixo das reportagens
sobre o Rio de Janeiro, em especial as que enfocam a criminalidade e o sistema
penitenciário. Reportagens e programas envolvendo a violência urbana ganharam
primazia na sua fala.
- A gente vê jornal , RJ–TV, SBT, BAND: “Balanço Geral” e Cidade Alerta
pra vê a pista saber se amigos foi presos.
- Tem TV no alojamento que a família traz, tem rádio, eles manda arrancam
as antenas, fica ruim mais dá pra gente vê
- Vê Repórter.
- Jornal.
- Porque ai nós pode ver a rua, saber se alguns amigos foi preso.
- Na de maior tudo tem tela, vídeo, celular, som, a gente fica sabendo de
tudo.
- Aqui tem alojamento sem tela.
- Tem vez que a gente sabe que tem rebelião nas outras unidades pela tela e
eles mandam apagar. E a gente liga rádio e fica sabendo das paradas da
pista89 (Grupos Focais 1 e 2 - Adolescentes).

Na produção quotidiana da astúcia, da resistência silenciosa, não adianta desligar


a televisão ou, em um ato de violência simbólica e real, mandar retirar o aparelho dos

89
“Pista”: imagens de territórios da cidade; “amigos presos”: imagens das facções criminosas do tráfico
de entorpecentes; “eles”: socioeducadores agentes responsáveis pela segurança; “tela”: televisão; “na de
maior”: na prisão de adultos; “tela”: tv; “mandam apagar”: mandam desligar a TV.
209

alojamentos. A violência da retirada da informação contrapõe-se à resposta da


informação recebida através dos rádios, aparelhos de interação desses jovens com o
mundo fora muros, seja através das músicas, seja através do noticiário.
Para Certeau (2000), uma produção ruidosa e espetacular como a televisiva
corresponde à outra produção astuta, silenciosa e quase invisível, que opera com as
maneiras pelas quais os sujeitos dela se utilizam e como a consomem. Não vamos, nesta
tese, analisar os bens culturais televisivos, o sistema de sua produção, o mapa de sua
distribuição, mas considerá-los como repertórios com os quais os adolescentes em
conflito com a lei procedem a operações próprias.
Assim, percebemos que esses adolescentes no CAI Belford Roxo fabricam uma
imagem de si a partir da imagem dos iguais “amigos”. Ao mesmo tempo, essa imagem é
alterada pelo uso que os adolescentes dela fazem, empregando-a a serviço de regras,
costumes e convicções estranhas à cultura difundida pelos produtores da linguagem
televisiva: a das elites.
Podemos pensar que os programas jornalísticos, os telejornais, não teriam como
público alvo o consumidor “adolescente infrator”, isto é, os telejornais não poderiam
identificar o consumidor que deles se serve, pois há o distanciamento do uso que se faz
e dos indícios da ordem que lhe é imposta.
Na fala dos adolescentes, podemos perceber ainda as relações de forças
definidas nas redes em que se inscrevem e delimitam as circunstâncias das quais
adolescentes podem se aproveitar para obterem a “informação”: “tem TV no alojamento
que a família traz, tem rádio, eles manda arrancar as antenas, fica ruim mais dá pra
gente vê e (...) de maior tudo tem tela, vídeo, celular, a gente fica sabendo de tudo. Aqui
tem alojamento sem tela”. Trata-se de combates ou jogos entre os fortes e fracos, ações
que os adolescentes podem empreender como táticas e que estão sujeitas às estratégias,
às técnicas organizadoras do poder da instituição.
As noções de “estratégias” e “táticas” construídas por Certeau (2000)
diferenciam-se dos significados mais frequentes que são atribuídos aos dois termos.
Para o autor, a necessidade de se estabelecer essa distinção (oposição) situa-se na base
da construção de um novo modelo de compreensão da realidade social e das ações que
nela são desenvolvidas, de um lado, pelo sistema e, de outro, pelos sujeitos
“praticantes” em sua vida cotidiana. O novo modelo pretende superar os limites do atual
modelo científico e estatístico dominante.
Diz Certeau (2000):
210

Chamo de estratégia o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que


se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder
(uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser
isolado (...) a estratégia postula um “lugar” suscetível de ser circunscrito
como “algo próprio” e ser a base de onde se podem gerir as relações com
“uma exterioridade “de alvos ou ameaças (os clientes ou os concorrentes, os
inimigos, o campo em torno da cidade, os objetivos e objetos de pesquisa,
etc.). (p. 99)

Estratégicas, portanto, são as ações e concepções próprias de um poder, no caso


da nossa análise, da instituição de internação dos adolescentes infratores, na gestão de
suas relações com o “outro”: os adolescentes em conflito com a lei, sujeitos reais, em
princípio submetidos a esse poder, mas potencialmente ameaçadores em suas ações
instituintes.
Afirmam os adolescentes: “Tem vezes que a gente sabe que tem rebelião nas
outras unidades pela tela e eles mandam apagar”. Essa concepção de estratégia traz
como efeito principal o corte entre um lugar apropriado e o outro, tornando-se
primeiramente uma vitória do lugar sobre o tempo. É um domínio do tempo pela
fundação de um “lugar autônomo”, como enfatiza Certeau. (2000, p. 99). Em segundo
lugar, é também o domínio dos lugares pela visão. A divisão do espaço permite a
“prática panóptica” a partir de um lugar de onde a visão transforma as forças estranhas
em objetos que podem ser observados, medidos, controlados e, portanto, incluídos na
sua própria visão. É preciso, pois, desligar a cena da televisão, impedir, para colocar em
destaque uma outra visão, em que aquela realidade não existiria.
Mas não adianta apagar, não adianta retirar. Um outro aparelho de ligação com o
mundo exterior é imediatamente acionado: “... eles mandam apagar, até recolhe. E a
gente liga o rádio e fica sabendo das paradas da pista”.
O poder do saber poderia, desse modo, ser definido pela criação de um lugar
próprio, autônomo em relação ao tempo (e às ações e aos acontecimentos reais
ocorridos), de onde se vê e se controla, tornando legível e previsível a realidade,
viabilizando o “trabalho científico”. Por outro lado, esse saber tem um poder que
permite e comanda suas características e que, portanto, é-lhe preliminar.
Em relação às táticas, Certeau (2000) as define como ações calculadas e
determinadas pela ausência de um próprio. Afirma que a tática é movimento dentro do
espaço de ação do inimigo e por ele controlado. Ela não tem, portanto, a possibilidade
de dar a si mesma um projeto global, nem de totalizar o adversário em um espaço
distinto, visível e objetivável. Ela opera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as
211

ocasiões e delas depende, sem base para estocar benefícios, aumentar a propriedade e
prever saídas. Retomamos o relato dos adolescentes: “E a gente liga o rádio e fica
sabendo das paradas da pista”. São saídas momentâneas.
O que as táticas ganham não se conserva. Esse “não lugar” lhe permite, sem
dúvida, mobilidade, mas seguindo o acaso, os azares do tempo, para captar no voo as
possibilidades oferecidas por um instante. “Os sujeitos têm atentos, as falhas que as
conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder panóptico. Criam ali
surpresas. Conseguem estar onde ninguém espera. É astúcia.(CERTEAU, 2000, pp.
100-101).
Usando os espaços, ocasiões e possibilidades encontradas nas lacunas das
estratégias dos poderosos, os “fracos”, ao utilizarem taticamente os produtos do sistema,
estão realizando práticas de resistência. Ainda que estando inscritos nas redes de
relações de força existentes, nem por isso são por elas determinadas. O uso se dá em um
nó de circunstâncias, uma nodosidade inseparável do contexto. Indissociável do instante
presente, de circunstâncias particulares e de um fazer. (CERTEAU, 2000, pp. 96-97).
Entendemos as práticas cotidianas dos consumidores/adolescentes em conflito
com a lei como ações do tipo tático e que se modificam e se ampliam em relação ao
tempo e ao espaço, provocando, com isso, modificações também no sistema estratégico
da instituição. Ampliamos a discussão em torno da questão das relações de poder
presentes na distinção entre táticas e estratégias, a partir da explicação de Certeau: “sem
lugar próprio, sem visão globalizante, cega e perspicaz como se fica no corpo a corpo
sem distância, comandada pelos acasos do tempo” (2000, p. 101), a tática é determinada
pela astúcia pela qual reverte, desvia e cria resistência, utilizando-se das “lacunas” de
um poder disciplinar-soberano, assim como a estratégia é organizada pelo postulado
desse poder “soberano”.
Desse modo, redefinem-se as noções de estratégias e táticas, articulando-as à
questão da prática cotidiana de saber-poder-resistência. Torna-se precisa, também, a
oposição espaço/tempo colocada anteriormente.
- A gente vê Novela.
- Futebol.
- Novela, filme.
- Eu gosto de Salve Jorge. Salve Jorge é o bicho.
- Balaco Baco.
-Tá vendo Salve Jorge?
- Tem plantão que deixa nós vê TV, filme, de madrugada cine prive (risos).
- Dez horas tem que abaixar a televisão, quase que não dá pra ouvir, não pode
falar alto.
212

- É. Tipo assim, vamos supor, eu e ele torce pra tal time, aí nosso time
jogando pá, aí nós tá vendo pá, sabe como é que é, na pista como, nós vê o
gol, nós bate na parede, sai gritando, coisa e tal, aí aqui, a nossa diversão é
bater com o colchão na comarca, faz um barulho, faz um barulhinho, mas não
um barulho grande, ai eles já vem querendo cortar sucata, coisa e tal.90
(Grupo Focal 2 - Adolescentes)

Usando como referencial a fala sobre o modo de “ler” a produção televisiva,


podemos perceber nesses relatos as estratégias e as táticas conceituadas por Certeau
(2000). As estratégias são, portanto, ações que, graças ao postulado de um lugar de
poder (a propriedade de um próprio: plantão), elaboram lugares teóricos (sistemas e
discursos totalizantes: deixa nós vê), capazes de articular um conjunto de lugares físicos
onde as forças se distribuem (a instituição de encarceramento – o alojamento). Elas
combinam esses três tipos de lugares e visam dominá-los uns pelos outros. Privilegiam,
portanto, as relações espaciais.
Já as táticas são procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo –
às circunstâncias que o instante preciso de uma intervenção transforma em situação
favorável: “a gente vê jogo, torce, cine prive”, à rapidez de movimentos que mudam a
organização do espaço, às relações entre momentos sucessivos de um “golpe”, “aí aqui,
a nossa diversão é bater com o colchão na comarca, faz um barulho, faz um barulhinho”
aos cruzamentos possíveis de durações e ritmos heterogêneos. (CERTEAU, 2000, p.
102).

As práticas cotidianas: criatividade, formalidade e marginalidade

A gente vê novela Salve Jorge, viu o Morro do Alemão? é


igualzinho, à lage, à Deuzuiti, o Percosso!
Não é não igual não! A UPP, (*) a gente, mata! Viu o
reporte, a gente correndo pro mato! Os cana mete tiro, o
helicóptero filmou tudo! Não passou tudo na TV, no
reporte!
Na novela, mais tranquilidade!
É mesmo! O Téu , entrando na favela, no Alemão sem tiro
haha! (risos) Nós morre, nós mata! (risos).
A novela mostra o ladu bom,.Viu aquela gostosa ganhando
cordão de ouro, aquela? Esqueci o nome, aquela que o muleque
do movimento deu prá ela? Eles nem mostraram o muleque!
Mais é assim mesmo! Viu a Morena? Raptaram a filha dela, e a
outra robou a filha, robô não, vendeu! Tem gente que vende
filho! Eu mato filho meu é meu! (grifos nossos)

90
Procuramos conservar a fala original dos adolescentes, transcrevendo literalmente a sua maneira de
dizer. Os erros de concordância, regência e outros foram mantidos tal como no momento da interlocução.
“Comarca”: cama de alvenaria; “eles/ele” : socioeducadores agentes de plantões.
213

A fala dos adolescentes mostra muito mais do que a forma como produzem
entendimento das imagens divulgadas pela televisão. A novela do canal televisivo
adquire uma significação próxima daquela que, no cotidiano da escola-prisão, observa
as cenas de outro lugar, daquele construído ficcionalmente. Embora “não é igual não”,
as cenas do cotidiano da “comunidade”, mesmo ficcionais, induzem à reflexão. A
realidade da “comunidade” real não é igual à da tela da TV: “nos morre, nós mata”.
Entretanto, mesmo nesse universo de violência, consumo e miséria, o homem
ordinário – no caso desta pesquisa, o adolescente infrator –, através das artes de fazer,
produz resistência e constrói subjetividade. A rigor, a arte de fazer representa a sua
capacidade de resistência – uma resistência que se manifesta por ações que querem
fazer valer o seu querer nas determinações mais imediatas de sua vida diária.
Não quer dizer que seu livre arbítrio consiga emudecer as evidentes
determinações históricas, sociais e dos contextos que o cercam. Não se trata de uma
formulação ingênua da onipotência do homem cotidiano e muito menos de uma
enganosa operação de libertação das culturas minoritárias/ populares. Trata-se de operar
uma revanche dos fracos, que avança quando e onde as estratégias de poder tornam
possíveis.
Para os adolescentes do CAI Belford Roxo, que buscam incessantemente via TV
utilizar-se de maneira criativa da leitura veiculada pelos filmes-novelas, é nesse hiato
entre a realidade (a vida e a representação da reportagem jornalística) e a fantasia (a
novela/o filme) que procuram construir táticas de resistência, arte de fazer e de
sobreviver às estratégias da disciplina.
Esses procedimentos de criatividade cotidiana – que se transformam em
comunicação em atos – são apresentados por Certeau (2000) como uma galeria de
diagramas que tem uma dupla função: delimitar práticas e instaurar um discurso sobre
essas práticas. São os sistemas que exercem o poder, os dispositivos que vampirizam as
instituições e reorganizam sofisticadamente o poder disciplinar em todo o espaço social.
Nos estudos de Foucault, há sempre, por trás da vigilância, a resistência, o que
Cereteau afirma ser um “contra-poder”.
Ao estudarmos as práticas cotidianas dos adolescentes aprisionados, sabendo a
teoria de Michel de Certeau (2000), que dobra e desvia em resistências cotidianas do
caráter disciplinador que contempla o processo panóptico de Foucault (2000c), partimos
da suposição de que há um quadro de politeísmo de práticas disseminadas, escondidas e
214

dominadas, que transgride e resiste no processo de subjetivação e de produção de


linguagem os “muros” da instituição total.
Ao designar seu binômio poder-resistência, há em Foucault (2000c) uma espécie
de suposição da existência de correntes de dobra e vínculo que dinamiza as posições de
poder-saber.
Quanto à dinâmica explicativa, Certeau (2000) elege o aparecimento de uma
pluralidade disseminada: as resistências que escapam, subvertem e criam
acontecimentos. Assim, os procedimentos populares, minúsculos e cotidianos, que
também estão articulados com os mecanismos da disciplina, nas dobras e nos vínculos,
nas fimbrias imperceptíveis, armam-se para mudá-los. E esses procedimentos constroem
criativamente os acontecimentos.
São as maneiras de fazer que Certeau (2000) visualiza e que proliferam para
contaminar quase que microscopicamente o interior das estruturas tecnocráticas, para
modificá-las mediante uma multiplicidade de técnicas articuladas, tomando como base
detalhes do cotidiano. São os procedimentos, as táticas e astúcias que criam uma
atmosfera de antidisciplina.
O adolescente pensa a realidade do encarceramento, do espaço cotidiano, de sua
trajetória até a internação a partir da leitura do filme. O filme revela a combinação de
fatos que o marcaram e a seus amigos. A droga na vida real o transformou em
adolescente em conflito com a lei. A partir da prática de leitura de consumidor do
produto televisivo – o filme –, cria a ação, a fala, o espaço de diálogo proposto pelos
professores. Mas cria muito mais: cria o acolhimento dos colegas nos gestos, uma
maneira de resolver os desafios/sofrimentos e imposições do próprio espaço, da
instituição. O gesto do outro que acolhe é resistência, muda, silenciosa, imperceptível.
Esses procedimentos e estratagemas, as astúcias dos consumidores – como diz
Certeau (2000) – compõem a rede de uma “antidisciplina” materializada em
trajetórias/espaços, técnicas/práticas e linguagens/retórica personificada.
O estudo dessas práticas não implica, como adverte o historiador francês, um
regresso ao “individualismo”, porque a sua análise mostra que a relação, sempre social,
determina seus termos e não o inverso: as relações criam seus elementos na prática de
seus autores em operações firmemente localizáveis no espaço da vida diária.
- O Balanço Geral, o Vagner Monte, passou na TV , é Record TV, falando
do tráfico no Morro do Fubá, o morador filmou!
Viu no youtube as reportagem.. nós na “Guerra do Tráfico”, viu os menor,
na boca, no Jacarezinho, as armas dos muleques!!! Iguais nós! Eu vi quando
tava de pista.
215

- É, tinha arma, tinha helicóptero dava pra vê toda a favela.


- Bagulho todo! Caverão!? Oh, mandou bem, “a gente mete bala”.
- É... a gente vê TV para vê nós , viu no Morro da Chacrinha, é o bicho, tem
milícia,a polícia e eles qué invadi nossa área, a gente manda bala, “ mata ou
morre”, é nós!!
- É né, que a gente vê quem a gente conhece!
- A gente assiste para saber o que se passa na comunidade!
- Viu hoje no RJ TV a tanque no Cajú? Tinha helicóptero e dava pra vê tudo,
a favela toda lá de cima.
- A gente ficou de olho para vê se aparecia a boca91. (Grupo Focal 3 -
Adolescentes)

Figura 30: Guerra do tráfico no Rio

Fonte: TV RECORD Produzido em 2010 – Postado no Youtube em 2012

91
“Boca”: Local onde efetua-se o tráfico de entorpecente; “caveirão”: espécie de tanque de guerra, pintado
de preto e utilizado pelo CORE.
216

Figura 31: Guerra Entre Milícia e Tráfico

Fonte: TV RECORD Produzido e Postado no Youtube em 2013

Através da tela da TV, das reportagens, os adolescentes visualizam a cidade do


Rio de Janeiro. A imagem de uma cidade vista do alto, do helicóptero, e o olho da
câmera da TV, transformando-a em uma imensidão, que aquele adolescente olha, vê e
lê. Do alto, de longe, pode-se ver o conjunto e, assim, escapar do cotidiano, da
instituição, do aprisionamento.
A produção do telejornal cujo objetivo é desvelar a cidade para seus
telespectadores de maneira que eles possam ver e compreender a sua totalidade, dela
distanciando-se, possui o mesmo paradigma de uma ciência que traz embutido o
necessário esquecimento e desconhecimento das práticas cotidianas complexas, plurais,
diversas, procurando legitimar um olhar totalizante que imagina poder tudo ver, a partir
do ponto mais alto.
A complexidade da cidade é transmutada em legibilidade. A vida com suas
trajetórias, ações, corpo e alma, redes de fazeres em permanente movimento, é
esquecida. O cotidiano da cidade, no qual tecem suas redes de fazeres, onde vivem,
agem, sentem, sofrem, amam, dilui-se, os seus “praticantes ordinários” só existem onde
cessa essa visibilidade.
A cidade-panorama, mostrada na tela da TV, é simulacro teórico e visual, em
suma, um quadro que tem como condição de possibilidade o esquecimento e o
desconhecimento das práticas cotidianas. O deus voyeur criado por essa ficção deve
excluir-se do obscuro entrelaçamento dos comportamentos do dia-a-dia e fazer-se
estranho a eles (CERTEAU, 2000).
217

A vida cotidiana na cidade/comunidade apresentada pela imagem da TV


corresponde ao espaço/tempo de práticas invisíveis a esse olhar totalizante. “Dava pra
vê tudo”, afirma o adolescente, onde as multidões vistas do alto desenvolvem táticas e
usos através de práticas de espaço que remetem a operações específicas (maneiras de
fazer) e a uma outra espacialidade não cartográfica. “A gente ficou de olho para vê se
aparecia a boca”, reafirma o adolescente na tentativa de se reapropiar do espaço pela
arte de fazer.
As práticas organizadoras da cidade, aqui representadas pelos programas e
reportagens que enfocam a criminalidade e as comunidades das favelas do Rio de
Janeiro, captam a invisibilidade dessas práticas, associando-se a uma cegueira que lhes
são próprias. Escrevem o texto, mas não podem lê-lo, atuam em espaços múltiplos onde
não se vê. As redes dessas escrituras, como diz Certeau (2000), avançando e
entrecruzando-se, compõem uma história múltipla, sem autor, formada de fragmentos
de trajetórias e de alterações de espaços.
Assim os adolescentes aprisionados na escola-prisão desenvolvem outro
conhecimento da cidade pelo seu olhar, outro caminho de analisar as práticas
microscópicas, singulares e plurais. Constroem, enfim, leituras e significações próprias
e específicas – no caso, a imagem de um lugar conhecido, o encarceramento se
transformando em liberdade visual, algo que nem de longe está contido nos
procedimentos da administração panóptica da produção televisiva que procura controlar
ou eliminar.
Cabe pensar e estudar, nesse caso, a articulação dos processos de exercício do
poder e de disciplina em sua capilaridade – como fez Foucault (2000c) –, a instituição
disciplinar na qual os adolesentes estão inseridos e na dobra e vínculos como os
adolescentes em seus processos recíprocos de produção de subjetividade e linguagem,
ou seja, das práticas de espaço que penetram nos vazios das redes de ordem e de
disciplina de aprisionamento, admitindo que sejam essas práticas de espaço que tecem
as condições determinantes da vida desses sujeitos. É preciso refletir, segundo Certeau
(2000), sobre os procedimentos (multiformes, resistentes, astuciosos e teimosos) que
“escapam” à disciplina (ibidem, p. 175).
A produção televisiva não é o nosso foco de estudo, mas como os adolescentes
buscam, hesitam, tateiam, criam um campo de ação a partir dessas produções,
deslocando a atenção do consumo supostamente passivo dos produtos recebidos para a
criação e a invenção. Como afirmam os adolescentes, criam-se práticas de leitura dos
218

programas para informar-se sobre a sua comunidade e assim mapeiam os espaços


urbanos – “saber o que se passa na comunidade”; para atuar sobre essa leitura em
reempregos e memórias – “Guerra do Tráfico, viu os menor, na boca, no Jacarezinho, as
armas dos muleques!!! Iguais nós! Eu vi quando tava de pista”; para buscar indícios de
uma realidade social, de ritualização do cotidiano – “Morro da Chacrinha é o bicho,
tem milícia, polícia e eles qué invadi nossa área, a gente manda bala, “ mata ou morre”,
é nós!!”; para agir no espaço vivido, nas práticas cotidianas – “é nós!! É né , que a
gente vê quem a gente conhece!”.
Embora sejam múltiplas, diversas e singulares, as práticas cotidianas, maneiras
de fazer e de estar no mundo, devem ser entendidas como um número finito de
procedimentos, que aplicam códigos e normas existentes seguindo uma lógica
articulada sobre a ocasião, que é diferente daquela da ordem estabelecida, mas que se
constitui, ainda assim, de certo número de formalidades.
Em primeiro lugar, os jogos específicos de cada sociedade dão lugar a espaços
onde os lances são proporcionais a situações. “Os jogos formulam as ‘regras’
organizadoras dos lances e constituem também uma ‘memória’ (armazenamento e
classificação) de esquemas de ações, articulando novos lances conforme as ocasiões.”
(CERTEAU, 2000, pp. 83-84)
Sendo assim, as táticas utilizadas pelos praticantes na escolha desse ou daquele
“lance” em uma situação específica, embora limitadas pelas regras em que devam se
inscrever esses lances, possuem uma formalidade que lhes é própria, impedindo o
desvendamento do jogo enquanto totalidade, à medida que se desenvolvem no contexto
complexo da vida cotidiana, com sua multiplicidade de situações e de maneiras de se
perceber e avaliar essas situações.
A racionalidade própria das práticas de espaço é, portanto, a de espaços
fechados e “historicizados” pela variedade dos acontecimentos a abordar. As regras são
sempre as mesmas, mas os lances múltiplos que elas comportam são escolhidos, de
acordo com a situação e com a avaliação que dela fazem os praticantes da vida
cotidiana.
Os jogos de uma sociedade se fazem, normalmente, acompanhar de relatos sobre
eles. No relato dos lances efetivamente realizados em uma determinada situação,
evidencia-se o fato de que cada acontecimento é uma aplicação singular do quadro
formal. Nessas histórias, estão presentes regras e lances, que são memorizados como
219

repertórios de esquemas de ação que ensinam táticas possíveis em um sistema social


(ibidem, p.84).
Relatar e selecionar os programas televisivos que tenham como contexto o
tráfico de drogas, a criminalidade e a prisão servem para explicar lances, contar
histórias, ações presentes no repertório dos adolescentes em conflito com a lei. É,
portanto, uma atividade estratégica dessa minoria, na medida em que fornece um
possível arsenal de táticas para o futuro ou para a realidade vivenciada na instituição de
privação de liberdade,
Aqui nós temo um negócio da nossa facção, as pessoa que é da nossa
facção vem pra nós, nós abraça, fortalece, conversa, explica os negócio,
as regra da casa e tamos aí pra ajudar nós. Um ajudando o outro, pra
qualquer problema ser ajudado e ajudar.
Aqui é separado por facção.
- É. Claro. No alojamento na galeria.Claro.
- Na galeria. Na galeria pô.
- Outra facção é aqui em baixo e outra facção é tudo lá em cima. Mas em
atividade não, atividade ...
- Nós não conversa, nós evita eles...
- Já tão evitando de botar nós com eles aí.
- É, já tão evitando.
- Do jeito que a cadeia tá, tu acha que nós vai ficar tranquilo?
- Igual na la na pista é , na comunidade - Cada um num canto.
- É, cada um no seu lugar, nós não vai pra deles e eles não vem pra nossa
favela, só se a gente for tomar lá.
- É.
- A mesma coisa eles.
- Todo lugar é assim, tia.
- Todo lugar é assim.
- É facção.
- Pode ser lá em Paty de Alferes, lá em Itatiaia tem... Angra, Barra Mansa...
- Cada macaco no seu galho.
- Cada um tem teu lugar.
- Volta Redonda.
- Cada um tem teu lugar. (Grupo Focal 3 – Adolescentes, grifos nossos)

Nesses outros relatos dos adolescentes sobre as reportagens, observa-se a


construção de dualidades. A ficção se mescla com a realidade: as histórias da TV
repetem – ainda que de maneira fantasiosa – as narrativas dos adolescentes sobre a
experiência da internação.
O que interessa no jogo das cenas é o contraponto entre a realidade (CAI BR) e
o que a mídia veicula (realidade midiática – fantasia?). As imagens, por outro lado,
apresentam, na significação construída por eles, um jogo de forças. A imagem recortada
e produzida das reportagens é utilizada pelos adolescentes na arte do fazer cotidiano, na
divisão dos territórios dentro da instituição. Os adolescentes compreendem a força da
imagem que os associa à violência, a comportamentos transgressores e agressores e
tiram partido dela (SALES, 2007). É no uso da mídia, internados, que narram os lances,
220

golpes, não verdades concretas, midiáticas e virtuais: as astúcias e táticas dos


adolescentes em conflito com a lei na prática cotidiana.
Assim como há as artes de fazer, há também as artes de dizer. A retórica dos
adolescentes em conflito com a lei, linguagem nascida nesse grupo através das práticas
orais, restitui uma legitimidade lógica e cultural de suas práticas cotidianas. As
expressões, a linguagem criada e partilhada no grupo produzem um dito que só é
compreendido naquele universo, produz uma língua particular de entendimento restrito
e de sedimentação do grupo nele e por ele mesmo.
As maneiras de dizer, utilizando mais uma vez a expressão de Certeau (2000),
abrem, aos que ouvem, o reconhecimento de uma maneira de tratar a linguagem
recebida. Nesse sentido, as gírias inscrevem na língua ordinária astúcias, deslocamentos,
elipses. Aparece, portanto, nesse tipo de situação um estilo de pensamento e de ação,
assim como modelos de práticas.
Os adolescentes manipulam a língua, relativizando as ocasiões e destinatários,
captando e invertendo a posição linguística do destinatário. Enquanto a gramática vigia
pelas propriedades dos termos, as alterações retóricas (as gírias, os desvios metafóricos,
as entonações etc.) indicam o uso da língua por locutores, os adolescentes, nas situações
particulares de combates linguísticos rituais ou efetivos – no refeitório, na quadra, no
alojamento, com os técnicos, na escola e com os professores, com a família e
namoradas92. São os indicadores de jogos de forças. Estão na dependência de uma
problemática do enunciado. Por isso, embora sejam excluídas em princípio do discurso
formal da língua, essas maneiras de falar fornecem à análise maneiras de fazer, pois são
variantes, táticas de resistência e sobrevivência desse grupo social.
O estudo desses modelos de ação, em que se incluem práticas e táticas da vida
cotidiana, permite ampliar a compreensão dessas práticas, não apenas enquanto
heterogeneidade e singularidade, mas como um conjunto de ações e de maneiras de
estar no mundo e fazer com que se produzam segundo uma lógica que lhes é própria.
Supera a mera crítica às instituições repressivas e a seus mecanismos, permitindo
perceber as práticas heterogêneas, que se reprimem ou se acreditam reprimir.
A pesquisa do/no cotidiano busca, desse modo, restaurar essa infinidade de
táticas, prevenindo e protegendo contra os efeitos de uma análise que não é capaz de
apreendê-las.

92
Como vimos no capítulo anterior, nos poemas produzidos na escola com os professores e cartas
enviadas às famílias e namoradas .
221

Em uma leitura inicial, poderíamos supor que estes elementos minúsculos do


cotidiano – trajetórias, astúcias e linguagem dos adolescentes infratores –, estudados a
partir de Michel de Certeau (2000), obedecem a regras determinadas desprovidas do
fardo do poder e de suas instituições, que contam com uma lógica própria; mas, não é
assim. Considerar as resistências, as táticas, os discursos – linguagens, como formas de
ser e de estar no mundo – não quer dizer esquecer a questão do peso da docilização dos
corpos e das instituições disciplinares de sequestro. Se assim fosse, o próprio estudo de
Certeau seria marginal em relação aos fenômenos estudados. E como ele mesmo diz:
A figura atual de uma marginalidade não é mais a de pequenos grupos, mas
uma marginalidade de massa; uma atividade não assinalada, não legível, mas
simbolizada, e que é a única possível a todos aqueles que no entanto pagam,
comprando-os, os produtos - espetáculos onde se soletra uma economia
produtivista. Ela se universaliza. Essa marginalidade se tornou maioria
silenciosa (CERTEAU, 2000, p183. )

Convém, então, insistir na dinâmica das práticas, na marginalidade de uma


maioria, os adolescentes em conflito com a lei, não homogênea, pondo em evidência os
golpes de astúcia, de resistência, enfim, de sobrevivência.
222

PARTE III

Perspectivas: Legislação, Planos e Projetos

Dividida em dois capítulos, esta parte da tese apresenta e analisa as perspectivas


da legislação brasileira, em especial com a Lei do SINASE, para articulação e
efetivação do sistema de garantia de direitos e dos planos e projetos do Novo
DEGASE na consolidação do sistema socioeducativo do Governo do Estado do Rio de
Janeiro.
No primeiro capítulo (Capítulo 6), apresentamos a Política dos Direitos da
Criança e do Adolescente e o Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo do Estado
do Rio de Janeiro. Elencamos para a discussão a articulação entre a segurança pública e
a socioeducação. Articulamos na análise a Lei SINASE e o fluxo de atendimento dos
adolescentes: fase policial, fase ministerial e fase judicial.
No segundo capítulo desta parte (Capítulo 7), analisamos as principais metas e
reestruturação do DEGASE a partir das documentações produzidas pelo departamento
no período de 2008 a 2012.
223

Capítulo 6 – Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo do Estado


do Rio de Janeiro e Plano Político Institucional do DEGASE na
interface com a legislação

A Política de Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente está


definida no artigo n. 86 da Lei 8069/90 como “um conjunto articulado de ações
governamentais e não-governamentais, que se dão nos níveis da União, dos estados, do
Distrito Federal e dos municípios”.
A expressão “conjunto articulado de ações”, sem dúvida alguma, aponta para a
organização em rede nos três níveis da Federação. Assim, temos arranjos reticulares nos
níveis locais (município), nos dos estados membros e no da União Federal.
As quatro grandes linhas de ação da Política são:
1) As Políticas Sociais Básicas, cuja cobertura deve ser universal, uma vez que,
pela Constituição e as leis, são “direito de todos e dever do Estado”, como
ocorre, por exemplo, com a saúde, a educação e a segurança;
2) As Políticas de Assistência Social, cuja cobertura, em vez de abranger o
conjunto da população, circunscreve-se tão somente “aqueles que delas
necessitam”, ou seja, que se encontram em estado de necessidade temporário ou
permanente, como ocorre, por exemplo, com todos os benefícios e serviços
prestados no âmbito da Lei Orgânica da Assistência Social – Lei Nº8.742, de
7/12/1993 (LOAS);
3) As Políticas e Programas de Proteção Especial, que se incumbem de zelar pela
integridade física, psicológica e moral da população infantojuvenil
independentemente da condição socioeconômica das crianças e adolescentes
atendidos, visando sempre “colocá-las a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, violência, crueldade e opressão”. O combate ao abuso e
exploração sexual e laboral de crianças e adolescentes, a negligência e violência
na família e nas instituições são apenas exemplos das muitas e diversificadas
situações de risco pessoal e social a que estão expostas crianças e adolescentes
em nosso tempo e em nossa circunstância;
4) Finalmente, mas nunca em último lugar, temos as Políticas e Programas de
Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, como o
Ministério e a Defensoria Públicos, a Justiça da Infância e da Juventude, os
224

Centros de Defesa, o Conselho Tutelar, as Comissões de Direitos Humanos da


OAB, as Comissões de Justiça e as organizações confessionais e movimentos
eclesiais de outras denominações, além de organismos internacionais
comprometidos com os diversos aspectos dos Direitos Humanos, atuando no
marco da “proteção juridicossocial”.
O Plano de Atendimento Socioeducativo do Governo do Estado do Rio de Janeiro
(PASE-RJ)93, construído por um grupo de trabalho composto por servidores do
DEGASE entre 2009 e 2010, aprovado pelo Conselho Estadual de Defesa da Criança e
dos Adolescentes (CEDCA) e sancionado por Decreto nº 42.715, de 23, tem por base as
diretrizes estabelecidas no artigo 88 do ECA e SINASE (CONANDA , 2006):
1) Municipalização das ações socioeducativas alternativas à privação de liberdade;
2) Atuação em linha com as normas e planos estabelecidos e formulados pelos
conselhos de Direitos nos três níveis da Federação;
3) Criação e manutenção de programas específicos de execução direta no âmbito
estadual, provendo ainda apoio institucional, técnico e financeiro ao atendimento
desenvolvido nos municípios por organizações governamentais e não
governamentais;
4) Incentivo, mobilização e apoio ao desenvolvimento do atendimento
socioeducativo com recursos dos fundos ligados aos respectivos conselhos de
direito nos três níveis da Federação, consolidando, assim, as bases de
sustentação dos programas e ações desenvolvidos;
5) Atuação político-institucional em favor da efetiva implementação da integração
operacional dos órgãos que integram o sistema de administração da justiça
juvenil, segurança, Ministério Público, Defensoria, Justiça da Infância e da
Juventude e do NOVO DEGASE enquanto instituição responsável pela
coordenação e integração do atendimento socioeducativo no Estado do Rio de
Janeiro;
6) Desenvolvimento de uma vigorosa estratégia de comunicação e mobilização,
visando reposicionar a questão do adolescente autor de ato infracional na
consciência, na sensibilidade e na ação das pessoas (opinião pública), das
organizações governamentais e não governamentais, dos meios de comunicação,
dos formadores de opinião, dos legisladores e dos operadores do direito.

93
Decreto Nº 42.715 de 23 de novembro de 2010 – PASE/RJ.
225

Para tanto, o PASE/RJ propõe desenvolver ações em defesa dos direitos


fundamentais do adolescente na Doutrina da Proteção Integral e assume o
compromisso do conjunto do sistema de administração da justiça juvenil com o
direito da população à segurança, atuando em três grandes campos:
1) No campo das políticas públicas, por meio de ações intersetoriais;
2) No campo da solidariedade social, por meio de parcerias Estado-
Sociedade;
3) No campo do direito, colocando as conquistas do Estado democrático,
para funcionar em favor de nossos destinatários, que são a fonte de
sentido e razão de ser do NOVO DEGASE (PASE/RJ, p.5).

Assim, o PASE/RJ entende o sistema socioeducativo na interface entre


Socioeducação e Segurança Publica, fazendo-se necessária a problematização da
segurança pública estadual.

Socioeducação e Segurança Pública


No contexto atual, a violência faz parte do nosso dia a dia e as pessoas que
pagam seus impostos e agem de acordo com a lei são obrigadas a estar trancadas em
suas residências por conta da criminalidade. Isso se torna mais grave quando se observa
essa violência praticada por menores, que estão entregues à marginalidade, às drogas, à
exploração sexual, e, muitas vezes, cometem crimes mais graves, como o latrocínio e o
homicídio, quando deveriam estar na escola, aprendendo o valor da ética e da cidadania;
aprendendo a serem cidadãos responsáveis para modificar a realidade na qual estão
inseridos, através do seu senso crítico. E por que isso acontece?
Acredita-se que violência praticada por menores ocorre em função do meio em
que vivem e da realidade social na qual estão inseridos. No entanto, percebe-se que
outros fatores também contribuem, como, por exemplo, o aumento do tráfico de drogas
e armas no país, o descaso dos governantes diante das guerras urbanas, as desigualdades
sociais que são perceptíveis em boa parte dos Estados que compõem a nação. Então,
pode-se dizer que esses menores infratores são frutos do meio? Claro que existem as
exceções e não se pode generalizar dizendo que toda crinaça e adolescente que crescer
em uma comunidade pobre, com a realidade do tráfico, dos assassinatos, da fome, da
miséria, tornar-se-á um infrator.
Quando nos referimos à Segurança Pública, normalmente nos remetemos à
polícia e à repressão da criminalidade, raramente indicamos a prevenção da violência ou
226

da criminalidade. No que tange aos adolescentes em conflito com a lei, elencamos a


discussão em torno das políticas estaduais de segurança pública, apresentada como eixo
do PASE/RJ.
Segundo Inácio Cano (2006),
são os estados os atores principais na área de segurança pública. Cada
estado conta com uma Polícia Militar, uma força uniformizada, cuja
tarefa é o patrulhamento ostensivo e a manutenção da ordem, e com
uma Polícia Civil, que tem como missão, investigar os crimes
cometidos. Dessa forma, nenhuma das duas polícias executa o
chamado “ciclo completo” de segurança pública, que vai da prevenção
à repressão, o que suscita problemas de duplicidade e rivalidade entre
ambas. )

O autor apresenta as seguintes possíveis causas para as “deficiências mais


comuns da segurança pública” no país :

 falta de investimento suficiente, o que se traduz, entre outras coisas, por


baixos salários para os escalões inferiores das polícias (...)
 formação deficiente dos agentes policiais, sobretudo nos níveis
hierárquicos inferiores;
 herança autoritária: a polícia era um órgão de proteção do Estado e das
elites que o dirigiam contra os cidadãos que representavam um perigo para o
status quo, as chamadas "classes perigosas".
 insistência no modelo da guerra como metáfora e como referência para
as operações de segurança pública. Desse modo, o objetivo continua sendo,
em muitos casos, o aniquilamento do "inimigo", frequentemente sem reparar
nos custos sociais.
 no contexto anteriormente mencionado não é de se estranhar a existência
de numerosos abusos aos direitos humanos, particularmente os que se
referem ao uso da força. Os tiroteios em comunidades pobres produzem um
alto índice de mortes, incluindo as vítimas acidentais. As alegações de tortura
contra presos e condenados também são frequentes;
 relações conflitivas com as comunidades pobres, sobretudo em lugares
onde o crime organizado é forte. A juventude que vive nesses lugares
considera a polícia inimiga e um setor da polícia tem esta mesma visão.(...)
 numerosos casos de corrupção policial, desde pequenos subornos para
não aplicar multas de trânsito até proteção a traficantes. Em muitas ocasiões,
o abuso de força está também vinculado aos casos de corrupção (...) (CANO,
2006, p. , grifos nossos)

As deficiências apresentadas por Cano (2006), no campo dos estudos do


envolvimento e da apreensão de adolescentes em conflito com a lei, aparecem nas
narrativas dos adolescentes do CAI BR:’
- A gente foi preso, algemaram, deram na nossa cara. Eu não tinha o arrego,
pedi pro muleque chamar minha mãe , ela não tava em casa. Meteram
porrada. Eu fui preso com um punhado de droga, poca .
- Eu tava de carteira assinada trabalhando , mas de mandado de busca ,
olharam pra mim, eu ví logo, rodei ! Com esta cara de negão , entrando na
favela , é menor , é bandido !
- Num tá escrito que não pode bater em menor!? Algemar!? (risos),
- Ta recramando de que? Tá vivo (*) (risos) (Grupo Focal 3 - Adolescentes)
227

Não pretendemos, neste estudo, aprofundarmos o tema da segurança pública,


mas destacarmos a necessidade da intersetoridade entre segurança pública e sistema
socioeducativo.
Cano (2006) indica, também, experiências exitosas, como:
 experiências de polícia comunitária em vários estados, em geral com
resultados positivos, pelo menos em relação à imagem da polícia em suas
relações com a comunidade (...);
 criação de Ouvidorias de Polícia em vários estados. As Ouvidorias têm
como missão receber denúncias de abusos cometidos por policiais,
garantindo o anonimato do denunciante, se for necessário. As denúncias são
encaminhadas às Corregedorias (Departamentos de Assuntos Internos) para
serem investigadas e a Ouvidoria acompanha esta investigação. (...)
 uso de técnicas de geo-referenciamento para mapear as áreas e horários de
maior incidência criminal, com a finalidade de dirigir o patrulhamento
preventivo a esses pontos críticos (...)
 programas-piloto para reduzir a violência letal em áreas marginais com
alta incidência de homicídios. Entre eles, podemos citar GPAE no Rio de
Janeiro94 (...)
 avanços no tratamento da informação policial, através da informatização,
racionalização e arquivo de denúncias e dados de inteligência (...) No caso do
estado do Rio de Janeiro, o programa Delegacia Legal, implantado no final
dos anos 90 pelo governo do estado, modificou substancialmente o modo de
operação dos policiais;
 tentativas de integrar a atuação das polícias militar e civil. A separação
entre as duas polícias está estabelecida na Constituição de 198895, razão pela
qual não é possível, por enquanto, unir as duas polícias. Em função disso,
alguns estados tomaram medidas para integrar na prática o trabalho das duas
corporações Embora a grande maioria das competências de segurança
pertença ao âmbito estadual, a pressão popular e a melhor situação
econômica de alguns municípios em relação aos estados têm favorecido a
intervenção local. (p. )

Os municípios tendem a envolver-se em geral em programas de prevenção, tanto


por sua vocação natural, como porque não costumam contar com aparato de repressão
tradicional, como policiais, prisões etc.

94
O programa GPAE (Grupo de Policiamento em Áreas Especiais) foi aplicado pela primeira vez na
favela Pavão-Pavãozinho-Cantagalo em 2000 e, posteriormente, estendido a outras três comunidades
pobres da cidade. Substituindo a estratégia tradicional de invasões periódicas com tiroteios, a polícia
permanece na comunidade de forma estável, tenta desenvolver uma relação de proximidade com os
habitantes locais e prioriza em sua atividade a redução de incidentes armados, não a luta contra o crime
em geral. Além disso, a polícia se esforça para ajudar a comunidade a ser incluída em programas sociais,
especialmente para a juventude, que possam contribuir à prevenção da violência. Trata-se de uma
iniciativa de redução de danos, parcialmente inspirada na experiência Cease Fire de Boston. Seus
resultados mostraram que, respeitadas certas condições, é possível reduzir os tiroteios e a insegurança nas
comunidades afetadas. Apesar disso, a experiência não foi considerada um novo modelo de polícia para
comunidades marginais, mas apenas um caso especial (CANO, 2006).
95
Segundo Cano, “existe um projeto de lei que propõe a ‘desconstitucionalização’ do modelo policial, ou
seja, retirar a menção existente na Constituição, para que cada estado escolha o modelo que lhe pareça
melhor”.
228

Muitos projetos municipais se propõem a fomentar a participação da


comunidade e da sociedade civil no processo de formulação e implementação dos
projetos.
Em geral, a mobilização e a participação social podem trazer vários efeitos
benéficos:
• efeitos sobre a concepção, gestão e acompanhamento dos programas,
quanto à sua descentralização, democratização etc.;
• o impacto preventivo que o crescimento das redes sociais e a melhora nas
relações comunitárias podem implicar com relação ao temor e à violência,
seja de forma indireta, ao reduzir o temor e estimular a ocupação dos espaços
públicos, ou de forma direta, ao promover a resolução pacífica dos conflitos
cotidianos;
• uma mudança na percepção social da violência, que interiorize o novo
paradigma da prevenção. (CANO, 2006, s/p )

A lenta mudança de paradigma da segurança pública oscila entre um esforço


maior na prevenção e o uso exclusivo da repressão. Apesar das vantagens de uma
abordagem preventiva, os programas de prevenção costumam ser complexos e
frequentemente só apresentam resultados a médio ou longo prazo.
No estado do Rio de Janeiro, em dezembro de 2008, iniciou-se a implantação
das Unidades de Polícia Pacificadora do governo estadual. Segundo o site das UPP,
é uma pequena força da Polícia Militar com atuação exclusiva em uma ou
mais comunidades, numa região urbana que tem sua área definida por lei.
Cada UPP tem sua própria sede, que pode contar com uma ou mais bases.
Tem também um oficial comandante e um corpo de oficiais, sargentos, cabos
e soldados, além de equipamentos próprios, como carros e motos. Para
coordenar sua atuação, todas as UPPs estão sob o comando da Coordenadoria
de Polícia Pacificadora (CPP) (...) Administrativamente, cada UPP está
vinculada a um batalhão da Polícia Militar. As UPPs trabalham com os
princípios da polícia de proximidade, um conceito que vai além da polícia
comunitária e que tem sua estratégia fundamentada na parceria entre a
população e as instituições da área de segurança pública. A atuação da polícia
pacificadora, pautada pelo diálogo e pelo respeito à cultura e às
características de cada comunidade, aumenta a interlocução e favorece o
surgimento de lideranças comunitárias.

Segundo documentos oficiais e divulgados pela mídia, o programa das UPPs


engloba parcerias entre os governos – municipal, estadual e federal – e diferentes atores
da sociedade civil. Projetos educacionais, culturais, esportivos, de inserção social e
profissional, além de outros voltados à melhoria da infraestrutura, estão sendo
realizados nas comunidades por meio de convênios e parcerias firmados entre
segmentos do poder público, da iniciativa privada e do terceiro setor. Em 2011, o
governo estadual e do município do Rio de Janeiro realizaram parceria entre as UPPs e
as UPP Social:
UPP Social é a estratégia da Prefeitura do Rio de Janeiro para a promoção da
integração urbana, social e econômica das áreas da cidade beneficiadas por
Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). A UPP Social tem como missão
229

mobilizar e articular políticas e serviços municipais nesses territórios e para


isso coordena esforços dos vários órgãos da Prefeitura do Rio e promove
ações integradas com os governos estadual e federal, a sociedade civil e a
iniciativa privada, sempre em favor do desenvolvimento e da qualidade de
vida nas comunidades em áreas de UPP. Com isso, busca a consolidação e o
aprofundamento dos avanços trazidos pela pacificação, com o objetivo de
reverter o legado da violência e da exclusão territorial nesses espaços.
(http://uppsocial.org/programa)

As UPPs têm sido pauta de muitas discussões e campo de pesquisas de


diferentes abordagem.
Em reportagem recente sobre o tema juventude pobre e UPP, Julio Ludemir
concedeu a seguinte entrevista (setembro de 2012):

– A sociedade comprou a ideia generosa de UPP, mas a juventude da


periferia não. Na verdade, o grande problema no que diz respeito à violência,
à segurança pública, envolve estes dois atores: polícia e juventude da
periferia, os quais precisam em algum momento se entender.(...) a polícia
respeita o menino branco, bem vestido, porque tem medo da classe média e
desta juventude desde o fim da ditadura militar. Por outro lado, dentro das
comunidades populares, a polícia além de não respeitar os jovens, os
despreza. Enquanto estes atores não se entenderem, a UPP não se consolida
como um projeto generoso, não no sentido de oferecer algum grau de
segurança para a sociedade, mas no sentido de promover mudanças sociais
reais A UPP não convence a juventude da periferia. (Entrevista especial com
Julio Ludemir96)

Um aspecto importante a ressaltar nessa trajetória das políticas de segurança


pública é a sua ação discriminatória com a população pobre, ou seja, a criminalização da
pobreza. É essa a política de segurança pública que se verifica na atualidade, uma
política de punição ao pobre, negro e do sexo masculino. No caso do Rio de Janeiro, a
política adotada é segmentada de acordo com a área geográfica. Existe uma
generalização entre crime e pobreza; o que ocorre é a violação dos direitos humanos
com a criminazalização da pobreza, pois esse público constitui o principal alvo da
polícia (BARROS, 2009).
A complexidade da segurança deve ser analisada de uma ótica transdisciplinar,
ou seja, compreendida não apenas como reação às infrações cometidas, limitadas à
justiça criminal, tendo o sistema policial como elemento precípuo, se não como um
serviço, sobretudo de prevenção nos níveis: primário – família, escola, religião, entre
outros; secundário – sistema criminal; e terciário – gerenciamento da execução da pena.

96
disponível em:
http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_canal=41&cod_noticia=19978; acesso em
maio de 2013.
230

Deve-se, portanto, trabalhar firmemente para implementar mecanismos que previnam a


violência, ou seja, deve-se modificar a política de segurança, a fim de que se
estabeleçam instrumentos que compreendam a participação dos cidadãos, bem como de
organismos particulares e públicos, não se limitando à instituição policial ou à justiça
criminal.
A polícia é o organismo da justiça criminal mais visível e cobrado. Por essa
razão, os setores de produção de conhecimento desenvolvem por toda a tessitura social a
percepção de que a instituição policial atua na moderna sociedade urbana tão somente
no combate ao crime, isto é, é crença arraigada que a atividade policial tem como meta
exclusiva a prevenção e repressão do delito.
No estado do Rio de Janeiro, temos as Delegacias de Proteção a Criança e ao
Adolescente - DPCAS, para o atendimento às crianças e aos adolescentes em situação
de ato infracional, e somente em 2004 foi criada a Delegacia da Criança e Adolescente
Vítima - DCAV, para o atendimento as crianças vítimas de violência.
A DPCA do estado do Rio de Janeiro, criada em 1991, mantém as mesmas
competências e estrutura organizacional da antiga Divisão de Segurança e Proteção ao
Menor (DSPM).
O objetivo da DPCA/RJ é:
III – A apreensão de menores infratores e dos que se encontram em possível
estado de abandono ou quaisquer das situações previstas em lei como
interditas, ressalvados os casos de vigilância e fiscalização da competência
exclusiva do Poder Judiciário (Resolução Estadual nº. 362, de 5 de março de
1990)

No estado do Rio de Janeiro, há somente duas DPCA’s: uma na Capital e outra


em Niterói.
A porta de entrada do fluxo de atendimento recebe crianças, adolescentes e
familiares dos diversos municípios do estado, através de demandas espontâneas (poucos
casos) ou encaminhamento de outras instituições – principalmente, por apreensão
policial nas ruas.
“Por incrível que pareça, o que bate à nossa porta é a mesma população que bate
em qualquer delegacia. A população, ela não vê o nome, ela vê o prédio. Prédio de
polícia, entra.” (Profissional, DPCA Rio de Janeiro in DUARTE, 2009 p 95 ). A fala
desse profissional sobre as demandas trazidas pelo público que acessa a Delegacia de
Proteção à Criança e ao Adolescente denuncia a falta de visibilidade que esse
equipamento público tem para com a população. Parece-nos que a atuação, os estudos e
231

o investimento no melhor atendimento ao adolescente em conflito com a lei na porta de


entrada do sistema socioeducativo, dentre os diferentes aparelhos e grupamentos da
polícia do Estado, como política de segurança, ainda se encontram incipientes, apesar
das determinações legais na área.
Para Duarte (2009) a falta de investimento do poder público na infraestrutura
deste atendimento, o despreparo técnico e fragilidade no atendimento em rede
repercute em práticas punitivas silenciosas aos adolescentes envolvidos em atos ilícitos.
Porém, generalizar afirmando que a polícia ocupa-se ou interessa-se, exclusiva
ou prioritariamente, pelo delito é proposição falsa e perniciosa, tanto do ponto de vista
causal como no axiológico. Na verdade, grande parcela do tempo do policial é
empregada na prestação de serviços à comunidade sem relação, sequer indireta, com
“feitos formalmente ilegais”97, buscando satisfazer legítimas necessidades sociais.
A polícia, assim, deve ser vista como uma das instâncias formais de controle
social. Logo, para uma análise concreta de suas atividades, há necessidade de posicioná-
la no contexto de um modelo básico de controle social, pois não mais poder-se-á
configurá-la no modelo clássico ou reativo, visto que, diante de crises provocadas pela
reverberação midiática de ações delituosas por esse modelo, o recurso primeiro consiste
em esgrimir a ideia de que a solução repousa unicamente na exacerbação da produção
legislativa, adjetivada por drásticas sanções que jamais serão aplicadas, e ampliação do
aparato policial, buscando fazer crescer ainda mais a superpopulação carcerária.
Nas instituições encarregadas da segurança pública – entendendo-se essa como
um serviço não só de persecução de condutas antissociais, como também de prevenção
do cometimento de delitos, bem articulada com todo o processo de justiça, de sua
persecução como da execução das penas –, observam-se a falta de recursos econômicos,
materiais, de organização, de avanços técnico-científicos, sobretudo a carência de
recursos materiais e humanos.
Abaixo descrevemos o fluxo de apreensão dos adolescentes na fase do sistema
de segurança pública – a fase policial.

97
GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio; OLIVEIRA, William Terra de Polícia e criminalidade no
estado de direito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v., fasc.17, jan-mar, p.257-276,
1997, p.262.
232

Figura 32: Fluxo da Apreensão dos Adolescentes

Fonte: ANDI, 2012

A apreensão dos adolescentes é de responsabilidade do sistema de segurança


pública e porta de entrada para o sistema de justiça juvenil. Um trabalho ético e
humanos dentro dos princípios de proteção integral, como rege a lei, possibilitará aos
233

adolescentes em conflito com a lei refletir sobre os atos infracionais e repensar novos
caminhos.
A Segurança Pública estadual faz parte do PASE/RJ, que afirma e reafirma o
compromisso do Governo do Estado do Rio de Janeiro com as bases filosóficas,
jurídicas, políticas, éticas e técnicas que presidem a estrutura e o funcionamento do
SINASE (2006 e 2012).

Diretrizes e princípios socioeducativo - SINASE 2006 e 2011


O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) torna-se um
documento-guia para os sistemas socioeducatativos brasileiros em 2006, através do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA e da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (09/06/2006).
O SINASE (2006) apresenta-se como um guia de ordenamento do Sistema
Socioeducativo, abraçando em seu conteúdo uma mudança de paradigma, reafirmando
as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que ampliam o
compromisso e a responsabilidade do Estado e da Sociedade Civil por soluções
eficientes, eficazes e efetivas para o sistema socioeducativo e asseguram aos
adolescentes que infracionaram oportunidade de desenvolvimento e uma autêntica
experiência de reconstrução de seu projeto de vida. Compõe um subsistema, inserido no
Sistema de Garantia de Direitos - SGD, voltado para o atendimento ao adolescente em
conflito com a lei, o qual se comunica e sofre interferência dos demais subsistemas.
Figura 33: SGD – Sistema de Garantia de Direitos

Fonte: SINASE, 2006


234

O SINASE apresenta as seguintes diretrizes:


1) Conjunto ordenado de princípios, regras e critérios de caráter jurídico, político,
pedagógico, financeiro e administrativo que envolve o processo de apuração,
aplicação e execução da medida socioeducativa;
2) Constitui-se uma política pública destinada à inclusão do adolescente em
conflito com a lei;
3) Correlaciona e demanda iniciativas dos diferentes campos das políticas
públicas e sociais, na efetivação da proteção integral;
4) Marco orientador no desenvolvimento de medidas socioeducativas, constitui
um guia da Ação;
5) Estabelece a articulação dos três níveis de governo: município, estado e
federação;
6) Determina a corresponsabilidade da família, da comunidade e do Estado.
O SINASE é coordenado pela União e integrado pelos sistemas estaduais,
distrital e municipais de atendimento responsáveis pelo cumprimento das medidas
socioeducativas.
Os sistemas estaduais, distrital e municipais têm competência normativa
complementar e liberdade de organização e funcionamento, respeitados os termos da
legislação pertinente.
A operacionalização da rede integrada de atendimento é tarefa essencial para a
efetivação das garantias dos direitos dos adolescentes em cumprimento de
medidas socioeducativas, contribuindo efetivamente no processo de inclusão
social do público atendido. (SINASE, 2006, p. 32)

LEI SINASE – 2012


Sancionada em 18 de janeiro de 2012 pela presidenta Dilma Rousseff, a Lei
12.594 instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), um
conjunto ordenado de princípios, regras e critérios de caráter jurídico, político,
pedagógico, financeiro e administrativo que envolve o processo de apuração de ato
infracional e execução de medidas destinadas aos adolescentes em conflito com a lei.
Resultante de um longo e complexo processo de ausculta e construção coletiva,
pode ser considerado como uma das maiores conquistas dos poderes públicos
encarregados da proteção dos direitos e da responsabilização de adolescentes em
conflito com a lei, depois da mudança de paradigma sobre o atendimento, ou seja, da
formulação e adoção da Doutrina da Proteção Integral.
235

É um mecanismo com um grau relevante de articulação e consenso entre as


esferas da administração pública e a sociedade civil organizada. Coordenado pela
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o processo contou com
ampla participação de especialistas, técnicos e gestores dos poderes Executivo e
Judiciário, obtendo, por fim, o aval do Legislativo.
A legislação distribui tarefas, delegando aos Estados a responsabilidade pela
execução das medidas de semiliberdade e internação. Além de uma divisão balanceada
e articulada de tarefas entre as esferas de governo, o SINASE (2006, 2012) procura
equilibrar as responsabilidades do poder Judiciário em relação ao Executivo no
cumprimento das medidas socioeducativas.
Figura 34: Fluxo Ministerial
236

Figura 35: Fluxo Judicial


237

Fonte: ANDI

Os gestores dos programas socioeducativos nos níveis estadual e municipal


devem garantir uma equipe multidisciplinar que oriente a construção do Plano
Individual de Atendimento (PIA). Nele, cada adolescente deve declarar os objetivos que
pretende alcançar em seu processo socioeducativo e o programa de atendimento deve
garantir as condições para a realização de atividades que estejam de acordo com os
objetivos traçados em conjunto com o adolescente e sua família.
À equipe multidisciplinar cabe a responsabilidade de apoiar a construção do
PIA, comprometendo a família com o processo socioeducativo do adolescente, com o
objetivo de garantir o desenvolvimento dos adolescentes em conflito com a lei e a
construção de um “projeto de vida”, por meio de um Plano Individual de Atendimento
(PIA).
A escolarização, a profissionalização e o fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários são esforços fundamentais nesse processo, para que o/a adolescente sinta-
se preparado/a para uma convivência social, saudável e produtiva. Assim, o sucesso da
execução do SINASE depende da articulação entre Executivo, Judiciário, Ministério
Público, Defensoria Pública, Conselhos de Direitos e Tutelares e movimentos sociais.
Outro grande avanço é a previsão de um processo de avaliação e monitoramento
dos sistemas, entidades e programas de atendimento, que a União deverá coordenar.
238

Aos municípios, couberam as medidas em meio aberto, como a prestação de serviços à


comunidade e a liberdade assistida. A União coordenará, por meio da Secretaria de
Direitos Humanos (SDH), a política nacional de atendimento aos adolescentes em
conflito com a lei. A legislação determina ainda que as três esferas de governo
trabalhem em cooperação, em um modelo de cofinanciamento.
239

Capítulo 7 – O Novo DEGASE e suas perspectivas

O DEGASE e o processo de municipalização das medidas em meio aberto


No decorrer de 2008 e 2009, o Departamento Geral de Ações Socioeducativas -
DEGASE, através de seu setor de Assessoria às Medidas Socioeducativas e ao Egresso -
AMSEG e em parceria com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência
da República, desenvolveu o Projeto denominado Implementação das Medidas
Socioeducativas em Meio Aberto no Estado do Rio de Janeiro, através de oito
Seminários Regionais desenvolvidos em oito municípios do estado do Rio de Janeiro –
Macaé, Nova Friburgo, Volta Redonda, Barra Mansa, Nova Iguaçu, Niterói, Campos
dos Goitacazes e Rio de Janeiro.
Os Seminários tinham por objetivo propiciar aos gestores a garantia de direitos
aos noventa e dois municípios que compõem o estado com subsídios teóricos e
reflexivos que contribuíssem para a assunção pelos mesmos da execução das Medidas
Socioeducativas em Meio Aberto (liberdade assistida - LA e prestação de serviço à
comunidade - PSC).
Os Seminários tinham como eixos temáticos a Construção de um Modelo de
Gestão Municipal das Medidas Socioeducativas de Meio Aberto e a Política de
Atendimento Socioeducativo de Meio Aberto, com destaque para as experiências
municipais. À época, atingiram-se 1770 gestores municipais (prefeitos, secretários de
assistência social e coordenadores de Centros Especializados de Assistência Social -
CREAS, entre outros), com média de 220 gestores por seminário. No início do
processo, segundo a assessora Saturnina Silva, havia apenas seis municípios em
andamento no processo de municipalização; ao término do processo, quarenta e seis
municípios iniciaram a execução das medidas através da implantação dos seus
respectivos Centros Especializados de Assistência Social - CREAS.
Segundo Saturnina:
(...) experiência fornecida através dos Seminários Regionais de Mobilização
apreendeu-se que mobilizar pessoas, órgãos e instituições a se engajarem na
causa do adolescente em conflito com a lei é tarefa contínua que exige
estratégia e planejamento das ações por parte dos gestores municipais e
estatuais envolvidos. Apreendeu-se também que a política socioeducativa que
está sendo construída no Estado do Rio de Janeiro necessita de ações
articuladas dos diferentes níveis do Poder Executivo e de investimento na
universalização dos direitos básicos para que já em seu nascedouro não sofra
dos problemas e vicissitudes que atingem as políticas sociais e de proteção
especial. (ABDALLA, SENA & SILVA, 2010, p. 15)
240

Outro ponto observado no transcorrer dos seminários foi a importância de se


fortalecer os Conselhos que atuam no âmbito das políticas que integram o Sistema de
Garantia de Direitos dos adolescentes. O fortalecimento desses órgãos propiciam ações
integradas na execução da política de atendimento socioeducativo, através da criação e
fortalecimento das redes socioassistenciais.
Por meio do cofinanciamento do Governo Estadual – Secretaria de Estado e
Educação e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República –, foi possível
a execução de Curso de Capacitação dos CREAS (2010) executado pela Escola de
Gestão Socioeducativa Paulo Freire (ESGSE)98, sob a direção de Elionaldo Fernades
Julião, em parceira com a AMSEG. Foram capacitados por volta 200 profissionais do
CREAS em sete polos descentralizados nos municípios do Rio de Janeiro, Niterói,
Caxias, Nova Iguaçu, Barra Mansa, Nova Friburgo e Macaé. O curso teve duração de
160 horas-aulas.
Em 2010, a Secretaria Estadual de Educação, através do Departamento Geral de
Ações Socioeducativas e da Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos
Humanos, por intermédio da Superintendência de Proteção Básica e Especial, estabelece
um Protocolo de Gestão Integrada, visando estimular e prestar assistência técnica às
Secretarias Municipais de Assistência Social.
O Estado do Rio de Janeiro por intermédio da Secretaria de Estado de
Educação, através do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas –
DEGASE, foi apontado como referência, em nível nacional, pelo trabalho
que desenvolveu na mobilização de seus municípios para a execução das
medidas socioeducativas em meio aberto por intermédio dos Centros de
Referência de Assistência Social – CREAS. (ABDALLA, SENA & SILVA,
2010, p. 16)

A proposta de Execução do Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de


Janeiro, em especial as diretrizes do DEGASE, privilegia o que está previsto no ECA no
que diz respeito à prevalência das medidas socioeducativas em meio aberto em
detrimento das medidas de maior complexidade, destacando-se a excepcionalidade da
medida de privação de liberdade – internação. Para tanto, torna-se fundamental a
compreensão de que tais medidas restritivas e privativas de liberdade seriam aplicadas
quando esgotadas todas as possibilidades de aplicação das medidas mais brandas, em

98
A Escola foi criada em 31 de Agosto de 2001 pelo Decreto n° 29.113, com o nome de “Escola
Socioeducativa”. Em 2008, com a publicação do Decreto n° 41.144, de 24 de janeiro, que alterou a
Estrutura Organizacional do DEGASE e deu outras providências, passou a ser denominada Escola de
Gestão Socioeducativa Paulo Freire – ESGSE.
241

especial, as medidas socioeducativas em meio aberto (liberdade assistida e prestação de


serviço à comunidade), como o ECA propõe, respeitando a seguinte lógica:
Figura 36: Pirâmide de Medidas Socioeducativas

Fonte: BASSAN, 2013

Porém, essa lógica não é o que se encontra no sistema socioeducativo nacional,


em que há uma “inversão” dessa pirâmide e, assim, existem mais vagas para
adolescentes em medidas socioeducativas de internação do que em medidas
socioeducativas de semiliberdade. No DEGASE há mais unidades de semiliberdade (17
CRIAADs) do que unidades de privação de liberdade (7 unidades de internação),
respeitando o que está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, possibilitando
com isso a progressão entre as medidas socioeducativas de internação e as medida
socioeducativa de semiliberdade.
Segundo orientações do DEGASE, a gestão estatal dos equipamentos
socioeducativos de semiliberdade reforça o empenho em garantir o projeto arquitetônico
próprio que privilegia a “convivência” (BASSAN, 2013). Porém, na análise do projeto
arquitetônico, herdado da antiga FEBEM - FIA, os CRIAADs da década de 70/80
apresentam uma estrutura panóptica (FOUCAULT, 2000c), apesar de estar em de
acordo com as normativas do SINASE (2006 e 2012).
A opção pela atuação conjunta das esferas públicas e da sociedade civil
representada pelo terceiro setor, na execução das medidas socioeducativas, é justificada
por uma clara definição técnica, de interpretação legal, e ainda, por princípio, da
impossibilidade dessa execução por parte de empresas privadas de medidas restritivas e
privativas de liberdade tendo essas alternativas para contribuir na execução dessa
política (COSTA, 2009). Porém, é preciso aprofundar a discussão acerca da execução
242

das medidas socioeducativas restritivas e privativas de liberdade, em que pese aqui uma
defesa da execução direta das medidas socioeducativas pelo poder público (Municipal:
Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade; Estadual: Semiliberdade e
Internação), isso justificado pela possibilidade de consolidação de uma política
pública, com garantia de continuidade de financiamento, formação específica e, ainda,
responsabilidade do Estado e do gestor institucional.
Para o DEGASE e, no desdobramento, para o governo estadual:
A discordância acerca da execução das medidas socioeducativas de restrição
de liberdade (Semiliberdade) e privação de liberdade (Internação), por
ONGs, se deve considerando a responsabilidade das medidas de contenção e
segurança como atribuição única e exclusiva do Estado. Ou seja, todas as
ações que envolvam a perda ou restrição de direitos (no caso a liberdade),
deverão ser executadas diretamente pelo Governo Estadual. (DEGASE,
2013)

Assim, atualmente o DEGASE, órgão executor do Governo do Estado do Rio de


Janeiro, parte da Secretaria de Estado de Educação, é responsável pelas medidas
socieducativas, privação de liberdade (internação e internação provisória) e restrição de
liberdade (semiliberdade), enquanto os municípios executam as medidas em meio
aberto (liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade), através dos CREAS,
fazendo parte de suas respectivas secretarias municipais de Assistência Social.
243

Figura 37: Organograma Estrutura Administrativa do DEGASE


244

Da Descentralização e (Re)estruturação Física do DEGASE


A estruturação da rede física de atendimento socioeducativo está baseada nos
princípios do SINASE e no princípio de descentralização do atendimento
socioeducativo (previsto no ECA). O DEGASE vem realizando obras desde 2008. As
novas edificações se baseiam no conceito de mais educação e mais segurança, em que
cada espaço físico foi concebido a partir da experiência dos servidores do DEGASE e as
necessidades dos adolescentes de serem atendidos, ou seja, os espaços ficaram mais
seguros e mais funcionais (BASSAN, 2013).
As novas unidades inauguradas em 2012 e previstas para 2013/2014 chamar-se-
ão Centros de Socioeducação - CENSE, destacando-se a individualização do
atendimento socioeducativo e espaços planejados para promover a socioeducação. Os
projetos pretendem promover a convivência coletiva, através dos seguintes
atividades/espaços: escolarização, profissionalização, prática de esportes, práticas
culturais, alojamentos (dupla, trio ou individual), refeitórios e, ainda, infraestrutura na
área de saúde e área administrativa, que também poderá oferecer serviços à
comunidade.
Poderão ser unidades mistas, onde será executada a internação provisória e a
medida socioeducativa de internação. Por serem em cidades do interior, os adolescentes
não precisarão mais ser transferidos para a capital e poderão cumprir a medida
socioeducativa mais próximos de suas famílias.
Algumas unidades antigas não se adequavam às previstas pela atual normativa
(SINASE) e constantemente eram lembradas como inadequadas e distantes do real
objetivo de acolher e socioeducar. Havia muito por fazer como, por exemplo, adequar e
dar condições às unidades existentes para depois pensar em construir novas instalações,
com projetos arquitetônicos funcionais, onde não só o jovem acolhido como também os
funcionários se sentissem bem. Mas, principalmente, que o seu funcionamento
obedecesse todas as recomendações do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE).
Desde então, a descentralização, com sua consequente regionalização no sistema
de internação, já era um objetivo a ser alcançado. Essa meta está prestes a ser alcançada
a partir de dezembro, com a previsão de inauguração do Centro de Socioeducação do
Norte e Noroeste Fluminense, em Campos dos Goytacazes, com capacidade para 90
adolescentes e primeiro dos cinco planejados para acabar com a internação centralizada
245

em unidades do Rio e da Baixada Fluminense. O CENSE do Sul Fluminense, em Volta


Redonda, já em obras, deve ser entregue ao sistema até julho de 2013. O de Campos foi
inaugurado em maio de 2013 e, como aquele, atende 25 municípios de sua região.
Em planejamento estão unidades semelhantes no Grande Rio, na Região dos
Lagos e na Região Serrana.
A descentralização está sendo implementada com a inauguração de novos
prédios de alojamentos para internação (provisória) na Ilha do Governador em terrenos
junto à Escola João Luiz Alves (EJLA), para jovens de baixa complexão física e faixa
etária, e, em Belford Roxo, junto ao Centro de Atendimento Intensivo, o CAI-Baixada.
Em construção no antigo terreno do Instituto Padre Severino - IPS, temos o Centro de
Socioeducação Dom Bosco, com capacidade inicial para 80 adolescentes, com uma
arquitetura inovadora e funcional, em área aberta e ventilada, corredores espaçosos e
alojamentos para três jovens apenas.
O convênio para sua construção foi assinado em novembro de 2009, sendo que a
licitação ocorreu em outubro de 2010, com as obras sendo iniciadas em 3 de novembro
daquele mesmo ano, com a demolição do prédio das antigas oficinas. Em janeiro de
2011, já com o terreno preparado, o CENSE Dom Bosco começou a surgir e a sua
inauguração proporcionou a desativação do Instituto Padre Severino.
Enquanto realizava a descentralização, o DEGASE investiu nas reformas e
conservação das unidades existentes, realizando, assim, investimento público na área de
atendimento socioeducativo no Estado do Rio de Janeiro, provocando a transformação
no sistema de atendimento socioeducativo, através de muitas reformas gerais ou
parciais, com acréscimos e mudança de layout. A primeira reforma geral da era do
“Novo DEGASE” aconteceu ainda em 2007, no CAI-BR. Essa unidade voltaria a passar
por nova reforma um ano depois, mas somente para manutenção. Logo no ano seguinte,
2008, o Educandário Santo Expedito passou por reforma profunda e completa, com a
construção de cinco novos blocos de alojamentos e mudança do layout.
Ainda em 2008, o Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao
Adolescente (CRIAAD) de Nilópolis entrou em reforma geral e passou a contar com
sistema de captação de energia solar para aquecimento de água. Também sofreram
reforma geral nessa época os CRIAADs de Campos dos Goytacazes e Macaé. Seguiram
o CRIAAD de São Gonçalo e o Educandário Santos Dumont; este último foi
reinaugurado em 2012 como CENSE Professor Antonio Carlos Gomes da Costa, com
246

reforma geral e mudança de layout. Também os CRIAADs Penha e Cabo Frio passaram
por reformas.
O ano de 2009 foi marcado pelo investimento de construção da primeira unidade
planejada com a participação dos servidores e dentro do que recomenda o SINASE. O
Centro de Socioeducação Professor Gelso de Carvalho Amaral, o CENSE GCA, foi
inaugurado em junho de 2010. A unidade, que é o novo portal de ingresso do
adolescente no sistema socioeducativo, veio para substituir o arcaico CTR (Centro de
Triagem e Recepção), herança de um passado destinado ao esquecimento.
Nesse ano de 2010, foi também reformado o CRIAAD da Ilha do Governador,
que teve mudança de layout e acréscimo, sendo reinaugurado no mesmo dia do CENSE
GCA; os CRIAADs Esperança, em Teresópolis, e Nova Iguaçu também passaram por
reforma geral. Foram ainda reformados, geral ou parcialmente, o Centro Intensivo de
Tratamento ao Uso e Abuso de Drogas (CITUAD), o Centro de Recuperação de
Dependentes Químicos (CREDQ) e o CRIAAD Santa Cruz.
Em 2010, entraram em reforma geral e, em alguns casos, com acréscimo de
alojamentos os CRIAADs Niterói, Ricardo de Albuquerque, Barra Mansa e Bangu –
este com construção de um novo alojamento com 16 vagas, já que a implantação em sua
área de um Centro Vocacional Tecnológico acabou por absorver um dos alojamentos.
Outro marco desse ano foi a reforma por que passou a Escola João Luiz Alves. Lá, os
alojamentos eram para oito e não havia banheiros neles. Na reforma, foram
reconstruídos os alojamentos das alas A, B, C e D, que tiveram capacidade reduzida à
metade, mas ganharam sanitários, lavatórios e chuveiros. Em 2011, foram recuperadas e
colocadas em funcionamento as piscinas da EJLA e do CENSE Dom Bosco.
Em 2011, as reformas foram nos CRIAADs Duque de Caxias, Barra Mansa e
Nova Friburgo; este último foi atingido duramente pela tragédia das enchentes em 2010,
na Região Serrana, que destruiu áreas de nove municípios, causando muitas mortes.
Segundo levantamento do Escritório de Arquitetura, há previsão para ainda este ano
(2013) do início de reforma geral, com mudança de layout e também acréscimo, nos
CRIAADs da Penha, Santa Cruz, Ricardo de Albuquerque e Nova Iguaçu.
A unidade do CENSE Campos dos Goytacazes, inaugurada recentemente, e a
unidade de Volta Redonda, em fase de conclusão de obras, atenderão a 25 municípios
cada uma em suas áreas de abrangência, que abrigam populações de 1.332.968 e
1.387.162 habitantes, respectivamente, segundo dados do Censo IBGE/2010.
247

Não há dúvida do investimento maciço na estrutura física do Sistema DEGASE


nos últimos cinco anos, com reformas e construção de novas unidades, no padrão do
SINASE.
Quanto ao investimento em recursos humanos, desde 1994 não havia concurso
para servidor público (estatutário) nas áreas do ensino superior: psicólogos, assistentes
sociais, pedagogos, médicos, entre outros profissionais. Houve contratações e apenas
um concurso público para agentes e professores em 2008. Em 2011, abre-se um edital
de concurso público para o quadro efetivo do DEGASE, 17 anos depois, com vagas
iniciais para 500 profissionais e perspectivas de efetivação de mais 600 profissionais
nos dois anos subsequentes.
As mudanças na estrutura física, acompanhadas de reestruturação
organizacional, de gestão e de mudança no perfil dos operadores repercutiram na tensão
interna nas unidades socioeducativas.
Como relatam os profissionais:
Agora que agente tem estrutura para trabalhar, percebo um endurecimento do
sistema. Os funcionários novos não são vocacionados, dizem que estão de
passagem e que não vão ficar , vão fazer outro concurso. Alguns dizem isso
para o adolescente com um certo desprezo. É claro que não é todo mundo,
mas estou assustado, os antigos tiveram oportunidade de ser remanejados
para outros locais e outros contratados foram embora, estamos sem chão
como se tivéssemos que começar tudo de novo. (Socioeducador técnico -
Assistente social)

Eu passei no concurso, mas acho que não tenho perfil para trabalhar em
unidade de internação, tem colega que qualquer coisa se estressa e agride o
adolescente, eu entendo que é uma fase e que é natural da adolescência, mas
tem que ter um equilíbrio. (Socioeducador agente)

Quando eu cheguei aqui, eu vi que tinha muita gente boa, que trabalha muito
para ter um trabalho de qualidade, eu fiquei surpreso, pensava que aqui era
diferente , era uma cadeia e eu seria mais um, iria passar um tempo e depois
saia. Mas sabe como é? Passei para um “emprego público”. Depois eu vi que
dava pra trabalhar e que o pessoal aqui logo me ajudou. (Socioeducador
técnico - Pedagogo)

O pessoal está ajudando os novos, mas tem gente que não passou no
concurso, que o contrato tá acabando, tem muita gente doente, não sabe que
vai fazer, o diretor não quer saber, ele só diz que vai chegar gente do
concurso, essa gente não vai segurar a casa. (Socioeducador agente)

Os relatos indicam uma reestruturação radical na organização física e humana do


DEGASE, indicando a necessidade de um investimento na formação dos servidores e na
gestão das unidades socioeducativas, dentro dessas novas perspectivas que as
orientações legais e normativas da área exigem do Sistema Socioeducativo, assim como
248

dessa nova forma de gestão participativa e socioeducativa que a atual direção do


DEGASE vem implementando.
Desde o final do ano de 2012 e até o mês de maio de 2013, houve a divulgação
pela mídia de várias situações de conflito dentro das unidades socioeducativas do
DEGASE, envolvendo agressões a adolescentes e socioeducadores. Em paralelo a essa
situação interna das instituições, há uma movimentação política da sociedade em geral,
potencializada pela mídia, de um retorno às discussões sobre a maioridade penal,
justificada pelo “agravamento dos atos ilícitos dos adolescentes” e pelo potencial de
violência dos adolescentes. “Bandidos”, “criminosos” e “menores” são nomenclaturas
que reaparecem no cotidiano, atravessando toda a sociedade e os muros das instituições
socioeducativas.
A opção por uma política socioeducativa balizada pelo ECA, pelo SINASE e
pela doutrina da proteção integral indica a necessidade de um investimento em todos os
campos da formação humana e metodológica do DEGASE, assim como de formação de
rede de garantia de direitos.

A visão, a missão e os valores


Segundo o PASE e o Plano Pedagógico Institucional:
O Novo Degase se apresenta como o órgão executor das medidas
socioeducativas de privação e restrição de liberdade que tem por proposta
política tutelar os adolescentes “infratores” sem, contudo, se desviar da trilha
dos direitos humanos, da consciência de que estes jovens, símbolos de uma
sociedade contemporânea de profundas desigualdades sociais, econômicas,
educacionais e políticas, são sujeitos de direitos que se encontram em
processo de desenvolvimento e de construção de uma identidade social,
histórica, psíquica, corporal e de pessoa humana. (DEGASE, 2011)

Desde 2006, o DEGASE tem utilizado a metodologia de planejamento


estratégico no esforço de desempenhar melhor seu papel, destarte as intempéries frente
às mudanças da administração política, orçamentária e financeira ao qual ficou
submetido cerca de 14 anos. Olhar para esse cenário nos faz refletir sobre o valor
atribuído aos adolescentes, autores de ato infracional, pois a transitoriedade de gestões
motivou condições e situações de “com-vivência” e cuidados que muito se distanciaram
dos preceitos ditados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1945,
pela Carta Magna de 1988, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº
8069), editado em 1990, e mesmo pelos princípios, normativas e diretrizes contidos no
SINASE em 2006.
249

Contudo, o DEGASE, no último triênio, vem apresentando um conjunto de


documentos que indicam a busca promissora de oportunidades para os adolescentes sob
sua tutela, como o elo que os faça encontrar sentido na possibilidade de redefinir suas
vidas. A integração entre o atendimento socioeducativo e as políticas sociais é
fundamental para auxiliar no processo de prevenção da prática do ato infracional, bem
como no retorno do adolescente à sociedade após cumprimento da medida
socioeducativa.
Esta tarefa só encontra êxito se todos os profissionais olharem para fora da
janela de suas vidas e perceberem que a omissão, a negligência, a falta de
indignação, a coisificação frente às histórias de vida destes jovens perpetuam
uma história de violência, maus-tratos e descaso (Alexandre Azevedo, diretor
geral do DEGASE, 2012)

Em todos os documentos do DEGASE, aparece a sua missão:


Instituição integrante do sistema de garantia de direitos reconhecida
nacionalmente como órgão de excelência, responsável pela execução da
política de atendimento socioeducativo aos adolescentes em conflito com a
lei, em prol de uma sociedade livre, justa e solidária. (Missão DEGASE,
2010)

A missão define a perspectiva de um papel social a ser desempenhado pelo


DEGASE na sociedade, de modo a dar um rumo e distingui-lo de outros sistemas
socieducativos, destacando o que a organização (instituição) deve fazer na busca pela
realização de sua visão (missão), dando-lhe um perfil institucional, definindo um
território de atuação, criando um roteiro para as atividades e motivando:
Promover a socioeducação no Estado do Rio de Janeiro, favorecendo a
formação de pessoas autônomas, cidadãos solidários e profissionais
competentes, possibilitando a construção de projetos de vida e a convivência
familiar e comunitária. (DEGASE, 2010)

A partir da indicação de “Valores do Novo DEGASE”, estão sendo apresentados


os princípios que devem ser respeitados em toda ação socioeducativa. São diretrizes que
vão nortear e enfatizar todo o processo de trabalho no departamento, através dos
comportamentos, atitudes e decisões das equipes na busca da eficiência e humanização
do atendimento socioeducativo com foco no adolescente.
O DEGASE apresenta como valores:
 Desenvolvimento humano;
 Registro e sistematização institucional;
 Articulação em rede;
 Fortalecimento da convivência familiar e comunitária;
 Identidade e senso de pertencimento;
 Valorização da pessoa;
 Atendimento especializado;
 Democratização da informação;
250

 Gestão participativa;
 Respeito à peculiaridade do adolescente;
 Participação social. (DEGASE, 2011)

Utilizando a metodologia de análise institucional, o DEGASE, em alinhamento


estratégico, grupo de diretores e gestores, coordenado pelo pesquisador Sérgio Lins,
indicou os fatores críticos que possibilitariam o “sucesso ou o fracasso” da missão
institucional (LINS, 2009):
 Alinhamento estratégico como filosofia;
 Consolidação do quadro efetivo de pessoal;
 Regionalização da execução de medidas socioeducativas;
 Efetivação de uma metodologia de atendimento socioeducativo;
 Oportunidades de formação e desenvolvimento do servidor;
 Eficácia da comunicação interna e externa;
 Sistematização dos saberes institucionais;
 Sistema de informação do atendimento socioeducativo em rede.
(DEGASE, 2011)

Nessa perspectiva, também foram definidos o plano de metas e as ações


planejadas do Novo DEGASE. O plano de metas indica os fins, os objetivos, além de
direcionar e subsidiar os planos de ação.
Toda essa discussão está disposta no Caderno de Alinhamento Estratégico
(DEGASE, 2011), sendo que o fruto desse trabalho leva a um direcionamento das ações
para fortalecer e legitimar a Missão, a Visão, os Valores, os Fatores Críticos de Sucesso,
o Campo de Forças, as Metas Estratégicas e as Ações Planejadas, elaborados pelo
Departamento. Buscaram-se o respeito e a valorização das diversidades como uma
necessidade para aprimoramento e crescimento institucional, visando a um efetivo
alinhamento conceitual, essencial e operacional.
Transformar os documentos apresentados pelo DEGASE em práticas cotidianas
é o grande desafio, em uma instituição que historicamente tem torturado, aprisionado e
docilizado o corpo e a mente dos adolescentes, reproduzindo e produzindo a violência e
a barbárie destes novos e velhos tempos.
251

Considerações Finais
O propósito principal deste estudo foi apresentar e analisar os paradoxos entre
as políticas públicas em direitos humanos, as diretrizes e a legislação para os
adolescentes em conflito com a lei inseridas nos planos e projetos do governo do Estado
do Rio de Janeiro, assim como nos documentos oficiais do DEGASE, e as práticas
cotidianas de disciplina e controle que constituem um lugar/espaço de aprisionamento
para educar-disciplinar adolescentes no CAI Belford Roxo. Ao mesmo tempo em que
procuramos desvelar essas práticas discursivas e o panorama sociocultural que as
constituem, tentamos compreender os sentidos produzidos por essas narrativas no
processo de subjetivação dos adolescentes que por vezes se autointitulam “menores
infratores” ou “adolescentes infratores”. Esses sujeitos são nomeados pelos
profissionais que os atendem como “educando-aluno”, “adolescentes em conflito com a
lei”, “adolescentes em situação especial de desenvolvimento”, “adolescentes”,
“menores”, “bandido”, “bebel” ou destituídos de um nome, tomados apenas como
um número.
Tomando como base os discursos/linguagem dos adolescentes como processos
de troca, ação partilhada, práticas concretas, estabelecidas no cotidiano do CAI Belford
Roxo e além-muro da instituição, pela mídia, procuramos visualizar esses adolescentes
enquanto sujeitos sociais desempenhando papéis, envolvidos em processos de produção
e interpretação de sentidos, de subjetivação, revertendo e subvertendo o processo de
coisificação a que são submetidos constantemente através dos dispositivos disciplinares
que edificam a instituição total, construída historicamente para este fim: aprisionar para
disciplinar e disciplinar para ressocializar.
Ao estudarmos a história das instituições responsáveis por (re)acolher, assistir e
educar crianças e jovens, atualmente adolescentes envolvidos em atos ilícitos,
deparamo-nos com a criminalização da infância e juventude pobre que nasce com a
própria modernização brasileira. No início da República, a docilização do corpo
infantojuvenil tinha o objetivo de higienização social e eugenia da sociedade brasileira,
portanto, sendo interpretados como um caso de polícia. Com a industrialização, foi
necessária a regularização do trabalho infantil. Os menores delinquentes e transviados
deveriam ser educados, docilizados pelo trabalho-produção, pois as famílias pobres não
possuíam condições para cuidar moral e financeiramente dessa “nova nação”.
252

O discurso ambíguo proteção/punição para o menor pobre/bandido e suas


famílias perdura durante décadas reforçando a construção histórica do termo “menor”.
As instituições criadas para aprisionar/educar os menores tornam-se verdadeiras
masmorras. O Serviço de Atendimento ao Menor - SAM transforma-se na “Sucursal do
Inferno” ou “Sem Amor ao Menor”. Denúncias de corrupção, clientelismo, vêm à tona
no bojo da reação das classes dominantes à política de massas do governo brasileiro. Os
investimentos não chegavam aos menores que eram torturados no sequestro da infância
pobre.
No período da ditadura, o aprisionamento dos “menores” pautava-se na
necessidade de manter a ordem, a Segurança Nacional. Em um país em pleno
desenvolvimento, era necessária a “ordem” para o “progresso”. A internação passa a ser
de caráter preventivo, para isso os adolescentes em conflito com a lei devem estudar e
comprovar a “natureza” da mente criminosa: através de “avaliação biopsicossocial” por
equipe interdisciplinar no Centro de Triagem. Extingue-se o SAM e criam-se a
FUNABEM (federal) e a FEBEM (estadual). A família desses sujeitos passa a ser vista
como desestruturada e o menor infrator, com conduta “antissocial”.
No final da década de 1980, a sociedade se “humaniza”. Como não cuidar das
crianças e jovens pobres que não tiveram alternativa, se não o crime? Houve um retorno
à visão do assistencialismo excludente, com maior investimento nas instituições de
aprisionamento-acolhimento: instituições maiores, mais distantes e internação por maior
tempo.
Estruturam-se novas configurações sociais e políticas, tais como a Constituição
Cidadã (1988). Houve a consolidação do processo de abertura política, com eleição
direta para presidente (1989). Houve, ainda, a ampliação dos movimentos populares,
dos sindicatos e do Movimento Nacional dos Meninos de Rua.
O poder é pulverizado, saímos de um poder soberano da ditadura, avançamos em
um movimento da sociedade civil, na microfísica do poder, na sociedade disciplinar e
anunciamos a sociedade de controle.
Entramos na adoção do receituário neoliberal do “Consenso de Washington”:
abertura da economia, privatização, diminuição do papel social do Estado e o desmonte
das instituições de atendimento social. E as nossas crianças e jovens ainda menores
infratores? O Estado brasileiro capitalista e neoliberal indica a descentralização político-
administrativa e a corresponsabilidade dos três entes federativos: federal, estadual e
municipal.
253

Gilles Deleuze anuncia: “estamos saindo da sociedade disciplinar para a


sociedade de controle”, as “sociedades disciplinares são aquilo que estamos deixando
para trás”. “Estamos entrando nas sociedades de controle, que funcionam não mais por
confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea.” (DELEUZE,
2000, p223)
A mídia anuncia e denuncia as rebeliões, trazendo para perto dos cidadãos o
perigo dos menores que são produzidos no interior das instituições.
Deleuze não considera a sociedade de controle globalizada melhor do que as
antigas sociedades disciplinares. Para ele, o importante é descobrir formas de resistência
a esse novo poder. As instituições que constituíam a sociedade disciplinar – escola,
família, hospital, prisão, fábrica – estão, todas elas e em todos os lugares, em crise, pois
há um desmoronamento dos muros que definiam essas instituições. As suas lógicas
disciplinares não se tornam ineficazes, mas se encontram generalizadas como formas
fluidas através de todo o campo social (HARDT, 2000).
Entretanto, nas instituições socioeducativas, os muros continuam de pé e os
adolescentes continuam aprisionados e submetidos a todas as perversões e privações de
liberdade. Para a sociedade é lá que eles devem ficar, porém, melhor atendidos. É a
exclusão do convívio social e a inclusão nos equipamentos sociais que lhes foram
negados durante a vida lícita.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é promulgado em 1990 pelo presidente
da República Fernando Collor de Melo. Com o fracasso das instituições federais e a
descentralização do atendimento, no Estado do Rio de Janeiro, cria-se o DEGASE, em
1993.
Surge o termo “adolescente em conflito com a lei”, sujeito de direito e de
proteção integral. Somente nos casos de cometimento de ato infracional grave e de
reiterado descumprimento de medidas anteriormente impostas, o Juiz poderá aplicar a
medida socioeducativa de internação em estabelecimento de Ensino (ECA, 1990, “Das
medidas socioeducativas”).
Com o ECA, o Juiz permanece com o poder de avaliar e aplicar as medidas de
sanção/punição aos adolescentes envolvidos em atos ilícitos. Auxiliando a decisão-
controle dos juízes, entram em cena os executores das medidas, através dos relatórios
biopsicossociais, com poder de progressão ou regressão da medida socioeducativa.
Nos sistemas socioeducativos estaduais, houve a continuidade dos problemas
estruturais da internação/privação da liberdade e de direitos.
254

O perfil socioeconômico dos adolescentes permaneceu o mesmo: os segmentos


pobres da população e de caráter étnico bem visível – os negros.
Mais de uma década se passou sem qualquer investimento no sistema
socioeducativo estadual, apesar das inúmeras denúncias e rebeliões.
Quase sempre as instituições de internação de adolescentes em conflito com a lei
funcionam apenas como espécies de depósitos de “infratores”, ainda que se apresentem
como organizações racionais com determinadas finalidades oficialmente confessadas e
aprovadas.
Frequentemente, esses objetivos determinados pela legislação implicam reforma
das instituições na direção de um padrão ideal. Essa contradição entre o que a
instituição realmente faz com os adolescentes em conflito com a lei e aquilo que
oficialmente deveria fazer constitui a face mais perversa de atuação do Estado contra
esses sujeitos excluídos de sua própria existência.
A partir da pesquisa de campo, no microespaço praticado em uma instituição de
privação de liberdade, apresentando e analisando as falas dos adolescentes internados,
buscamos fazer desses relatos um espelho onde nós, leitores, possamos mirar e refletir
sobre a construção da história da violência, do estigma, dos processos de
aprisionamento dos adolescentes em privação de liberdade, abordando os paradoxos
entre as determinações legais e oficiais e o cotidiano institucional.
No estudo histórico das instituições e na configuração e produção social do
adolescente-menor infrator, das questões que procuramos responder surgem outras que
apenas se enunciam. Algumas que emergiram recentemente, ao lado de outras há muito
presentes na história dos adolescentes em conflito com a lei. O que procuramos,
sobretudo, foi dar a esses sujeitos a possibilidade de ocupar um espaço, torná-los
visíveis, fazendo com que ganhassem novas cores.
Na pesquisa do Centro de Atendimento Intensivo de Belford Roxo, uma
instituição de internação do DEGASE, observamos os paradoxos entre os objetivos da
instituição e as práticas institucionais nos dispositivos disciplinares e de controle, a
partir dos discursos que atravessam e estruturam a instituição, o espaço praticado e as
vozes dos adolescentes internados e dos profissionais que nela atuam.
Sem dúvida, a tessitura carcerária das instituições de internação dos adolescentes
“infratores”, constituída historicamente, possibilita a criação de uma armadura desse
saber-poder e desses sujeitos. O adolescente infrator – homem conhecido como tal e
255

assim divulgado à exaustão pela mídia – é o efeito-objeto desse investimento analítico,


dessa dominação-observação (FOUCAULT, 2000).
A instituição que pretende socioeducar, escolarizar e profissionalizar
adolescentes, autorredirecionando os seus projetos de vida para a não reincidência
infracional, paradoxalmente apresenta relatos de violência institucional e dispositivos de
docilização e violação do “eu”, acabando por produzir a delinquência.
O esforço de alguns profissionais, através da presença pedagógica junto ao
adolescente, e as alterações e mudanças das estruturas físicas produzem cotidianamente
a própria instituição socioeducativa, por vezes punitiva, educativa, protetiva e curativa.
Assim, pensamos que a relação saber/poder nunca é unidimensional. Ela é
exercida não apenas como modo de dominação do forte sobre o fraco, mas também
como ato de resistência, expressão de um modo criativo de produção cultural e social de
forças. Esse ponto é importante porque o foco expresso por esta tese – adolescentes em
conflito com a lei – não pode ser reduzido a uma análise que visualize somente a
reprodução social do menor/bandido/delinquente. Claramente, em todas as relações de
poder, disciplina e controle, há elementos de expressão cultural, práticas criativas
inspiradas em lógicas diferentes.
Nas relações de poder, há sempre resistência. A resistência, por sua vez, obriga
os dominantes a modificar as suas relações de poder, mas, nas mutantes relações que o
poder tem assumido, outras tantas mutantes relações de resistências antecipam,
acompanham e também pressagiam as suas transformações, como pudemos observar
nos restritos discursos dos adolescentes, profissionais e gestores, que analisamos no
decorrer desta pesquisa.
A possibilidade de pensar um sujeito de ação e que produz resistências,
submerso no cenário volátil que marca a contemporaneidade – em que as relações de
poder se dissolvem e se misturam nos nexos sociais em direção à pluralidade e à
heterogeneidade – foi determinante para que percebêssemos a produção narrativa desses
sujeitos como marcas indispensáveis à sua própria existência-sobrevivência. Mesmo
que esse sujeito esteja sob o efeito veemente dos dispositivos de aprisionamento
intramuros de uma instituição disciplinar, no caso específico os adolescentes em
conflito com a lei no CAI Belford Roxo, percebê-los enquanto sujeitos ativos nas
relações de poder que atravessam a instituição é visualizar suas possibilidades de
invenção e de criação, de releitura da realidade. Foi esse movimento que nos
possibilitou ouvir as vozes que emergem nesse espaço praticado.
256

Dentre as questões suscitadas inicialmente, podemos destacar:


 A internação repercute significativamente na vida dos adolescentes, nas relações
familiares, em sua postura diante de seu grupo social e grupo infrator, modificando sua
maneira de ser e estar no mundo;
 Quanto maior for o processo de docilização e mortificação do “eu” pela internação,
menor será a possibilidade de construção de novos projetos de vida e de construção
subjetiva independente do grupo infrator;
 As possibilidades de experiências estéticas e culturais (artes, esporte, mídia e lazer)
indicam expressões singulares de subjetivação, rompendo com a lógica da coisificação
disciplinar;
 Os dados e o perfil dos adolescentes infratores indicam que esses, ao longo de sua
história de vida e institucional, viveram e (re)produziram a violência, por isso podem
ser considerados vítimas e vitimadores;
 Desde as primeiras instituições até o atual DEGASE, os dados indicam paradoxos
entre os discursos oficiais, nos planos e projetos, assim como nas falas autorizadas, e o
cotidiano das práticas institucionais de aprisionamento e docilização do corpo;
 Os paradoxos entre discursos criam o acontecimento e dão sentido à própria
instituição: a escola-prisão;
 A escola é considerada pelos adolescentes um espaço de sociabilidade, de presença
pedagógica e de “libertação”, mesmo sendo privados de ir e vir no CAI BR. A sua
importância subjetiva é maior do que a sua importância social de escolarização formal;
 Há discordância da função social da instituição pelos diferentes intérpretes, os
profissionais e os adolescentes, porém todos destacam os dispositivos disciplinares e o
aprisionamento como os mais significativos competentes das instituições totais;
 Todos destacam a violência simbólica e física como causas do adoecimento dos
profissionais e dos adolescentes;
 Todos indicam a falta de estrutura física apropriada, escassos recursos materiais e a
falta de recursos humanos qualificados como as principais causas pela não realização
dos projetos e programas socioeducativos;
 Todos os profissionais entrevistados indicaram a necessidade de se ampliar o
período de internação para os casos de grave infração, como, por exemplo, homicídio,
latrocínio e indicação de distúrbios de conduta social e psicopatias (transtornos
257

mentais). Nos casos de saúde mental, não houve consenso quanto à legitimidade da
medida socioeducativa de internação estabelecida no ECA e no SINASE;
 Os profissionais e parte dos adolescentes indicaram a precariedade da formação
para o trabalho como um dificultador de empregabilidade após a internação. Dos 10
profissionais entrevistados, somente 01 foi a favor da maioridade penal (10 ou 11 anos);
 Os adolescentes indicaram o consumo como a sua principal motivação para a
infração e o tráfico como a maior possibilidade de ganhos para o consumo e auxílio da
família;
 Para os adolescentes, a violência e a corrupção policial, seguidos da violência
institucional, são os destaques em relação ao tema violência. Já para os profissionais, o
destaque foi dado à violência cometida pelos adolescentes, à violência doméstica, à
violência dos grupos rivais das facções criminosas;
 Quanto aos dados estatísticos, não há padronização e dados confiáveis no DEGASE
em relação aos dados institucionais apresentados pelo CAI BR, havendo lacunas e
alteração de dados;
 Merece ser sublinhada a falta de conhecimento dos profissionais sobre Plano de
Atendimento Socioeducativo do Estado do Rio de janeiro, o Plano Político Institucional
(PASE) e o próprio Projeto Político Institucional (PPI) do CAI BR, assim como o
desconhecimento da estrutura administrativa do DEGASE e do Sistema de Garantia de
Direitos.
Tais indicativos, confrontados com as legislações e as perspectivas dos planos e
projetos do DEGASE, possibilitam-nos refletir sobre as políticas públicas do Estado do
Rio de Janeiro.

Apesar de a atual gestão do DEGASE ter realizado ao longo dos últimos cinco
anos os planejamentos intersetoriais, com gestores de todas as unidades
socioeducativas, coordenadores e operadores de setores estratégicos, registrando em
documentos procedimentos, normas, metas e estratégias, atenderam-se os principais
aspectos necessários para uma prática socioeducativa:

Ação linhada (conjunto de elementos que se inter-relacionam para fins


comuns: a humanização do sistema socioeducativo ), em seus diversos níveis
institucionais: o político estratégico (nível dos gestores e dirigentes); o
estratégico organizacional (nível técnico), reconhecido também como centro
de resultados; e o organizacional operacional (nível do pessoal de base
operacional) (COSTA, 2006 apud JULIÃO, 2009).
258

A perspectiva, proposta pelo DEGASE, a socioeducação, entendida como o


processo de formação humana integral, em que os diferentes profissionais atuam sobre
os meios para a produção da vida digna dos adolescentes, visa:

(...) estender a aptidão do homem para olhar, perceber e compreender as


coisas, para se reconhecer na percepção do outro, constituir sua própria
identidade, distinguir as semelhanças e diferenças entre si e o mundo das
coisas, entre si e outros sujeitos. A socioeducação, articulada a partir dos
eixos do desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, poderá
constituir-se como um espaço de oportunidades para o exercício da cidadania
plena, no exercício de uma cotidianidade repleta de possibilidades para os
adolescentes constituírem-se verdadeiramente sujeitos de direitos e
portadores genuínos da proteção integra. (RODRIGUES & MENDONÇA,
2012, p.)

Reconhece-se ainda hoje, apesar dos avanços pontuados, que não há


alinhamento entre as políticas e as práticas produzidas e perpetuadas pelos profissionais
no interior das unidades socioeducativas, tornando-se fundamental o investimento na
avaliação institucional e na formação e qualificação dos profissionais.

No DEGASE, o processo de formação inicial e continuada na articulação entre a


Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire e as instituições públicas, privadas e do
terceiro setor, nos últimos cinco anos, foi irregular, não atendendo aos profissionais de
base do DEGASE, principalmente os agentes socioeducativos que trabalham em
plantões e os profissionais das unidades distantes do centro administrativo, localizado
na Ilha do Governador. As resistências institucionais e as relações de poder-saber
influenciam no pleno desenvolvimento de projetos de formação in loci das unidades
socioeducativas. Há necessidade de mais investimentos nos programas e projetos de
formação aliados a práxis junto aos adolescentes em conflito com a lei e de avaliação
sistêmica, assim como de estudos e pesquisas que indiquem o impacto da formação nas
práticas cotidianas institucionais.

Paralela à formação, a gestão dos recursos públicos, atendendo às bases locais,


necessita ser publicizada, pois parece-nos que a burocratização e o planejamento
acabam por privilegiar a visão macro do sistema, deixando de se atentar para as
necessidades socioeducativas locais. Para isso, os gestores institucionais necessitam
adequar a administração pública financeira à visão pedagógica socioeducativa,
sobremaneira na perspectiva da proteção integral.

Quanto ao processo de escolarização e profissionalização, torna-se claro que


esse investimento não pode ser pautado apenas na construção de escolas ou matrícula
259

escolar desses adolescentes, mas em uma política de educação em direitos humanos e no


princípio da educação para a juventude brasileira. A educação e a profissionalização
tornam-se ferramentas de cidadania e, por isso, prioridade absoluta, como determina a
lei.
A educação é um direito subjetivo e princípio pedagógico da socioeducação, não
específico dos profissionais da educação (professores e pedagogos), mas estende-se a
todos os socioeducadores que atuam no sistema de garantia de direitos e no DEGASE.

Quanto à incompletude institucional e incompletude profissional, estes


parâmetros somente são possíveis na construção de redes:

A) Rede Interna, que se constitui no funcionamento articulado e alinhado dos


diversos setores do programa de atendimento e exige o estabelecimento de
canais de comunicação entre todos os profissionais para que sejam participantes
ativos do processo socioeducativo.
B) Rede Externa, que consiste na articulação de múltiplos parceiros externos ao
Programa Socioeducativo, configurando o sistema de garantia de direitos
(educação, saúde, assistência, segurança pública e Juizado) envolvidos no
desenvolvimento do adolescente e de sua família, em diferentes momentos,
desde a sua apreensão até o seu desligamento do sistema socioeducativo. Essa
Rede Externa facilitará a interface entre as equipes de profissionais
multidisciplinares, agentes de diferentes áreas do conhecimento e especialidades,
que atuarão levando em consideração, prioritariamente, as diversas interfaces do
conhecimento científico (RODRIGUES & MENDONÇA, 2012) na busca do
encaminhamento articulado e integrado na promoção biopsicossocial,
educacional, profissional e cultural de cada adolescente, através da incompletude
profissional e institucional.
Há um longo caminho ainda a ser trilhado em pesquisas que enfocam essa
minoria social violentada que responde com violência, para que se efetivem as questões
relativas ao exercício de direitos e à construção da cidadania, principalmente no campo
da educação.
Os processos de educação em direitos humanos tornam-se mais e mais
relevantes à medida que se compreende a sua contribuição para a construção subjetiva,
para a criação de uma cultura de emancipação/libertação dos adolescentes. Essa nova
cultura só pode ser construída por práticas de sujeitos que rompam, em primeiro lugar,
260

com a cultura do silêncio, expressão que Paulo Freire utilizou para designar o destino de
se seguir sempre as prescrições daqueles que falam e impõem uma voz.
É necessário identificar os mecanismos de construção dos discursos dominados e
se as suas falas são reconhecidas como legítimas. É a partir da apropriação da
capacidade de enunciar que se pode romper com a cultura do silêncio.

Se formos capazes de estruturar a unidade educativa com sensibilidade,


compromisso e competência sob os ângulos da subjetividade (cuidados para
acolher) e da objetividade (zelo pedagógico com o ambiente físico e
material), poderemos trabalhar, dentre inúmeros temas e áreas que
convergem para o desenvolvimento pessoal e social do educando, valores
como a solidariedade, o respeito, o altruísmo, a cidadania, a confiança, a
ética, o afeto, a flexibilidade, a reciprocidade, o compromisso, a amizade, o
amor, o companheirismo e muito mais. Podemos trabalhar, e muito bem, a
liberdade com o adolescente que dela está privado. (COSTA, 2004, p. 75)
261

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