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Hebreus 4.

14-16
Auxílio Homilético
16/02/1986
Prédica: Hebreus 4.14-16
Autor: Augusto Ernesto Kunert
Data Litúrgica: Domingo Invocavit
Data da Pregação: 16/02/1986
Proclamar Libertação - Volume: XI

I — Introdução
O autor de Hebreus não é conhecido. A literatura aponta diversas possibilidades. Tudo,
porém, continua no terreno das conjeturas. Hipóteses são levantadas por uns e rejeitadas
por outros. Na dúvida existente prefiro não entrar no emaranhado das suposições.
Contudo, considero importante as conclusões do teólogo Michel e, por isso, as
transcrevo:
Uma autoridade eclesiástica (Cristã, Igreja, Sacerdotal) do meio judeu-cristão, conhecedora da formação alexandrina,
teologicamente independente, porém, fortemente imbuída (envolvida, imersa) na tradição apocalíptica e do cristianismo
primitivo, ligada com a formação litúrgico-confessional da teologia paulina, escreve a Roma ou a outra comunidade da Itália
para fortalecê-la na fé e na perseverança diante da perseguição que se aproxima. Sua luta se dirige contra certo relaxamento
e cansaço que ocorreu no período posterior à atuação apostólica, usando para tanto as teses da tradição do cristianismo
primitivo (p. 56).

Em geral os exegetas consideram que Hebreus foi escrito no período após 70 depois de
Cristo, portanto, em época posterior à destruição do templo.
O personagem do sumo sacerdote, identificado com Jesus Cristo, é amplamente
conhecido do culto judaico e das demais religiões da época. O paralelismo de Hebreus
com o AT, exatamente no tocante ao sumo sacerdote, levou Trisker à afirmação que:
Nenhum outro livro do NT tem tamanha semelhança com o AT e Bengel chega a dizer
que: Hebreus, em determinadas passagens, é uma sucinta repetição do AT (p. 150).
II — Exegese:
V. 14: 0 versículo constata que temos um sumo sacerdote. Não devemos esperar pela
sua vinda. Ele não é promessa. Nós o temos. É o sumo sacerdote por excelência e seu
nome é Jesus Cristo. O sumo sacerdote que agiu em favor do povo é o Filho amado de
Deus.
Na tradição do judaísmo o sumo sacerdote ocupa um lugar de destaque. O texto respeita
isso, mas limita o papel dos sumos sacerdotes para apontar a função e posição
incomparáveis de Jesus Cristo. A Jesus Cristo o texto, no v. 14, dá duas qualificações
especiais: Filho de Deus e que penetrou os céus. Nenhum outro sumo sacerdote, desde
os tempos mais remotos, nem Arão ocupou posição semelhante. No paralelismo que
existe com os sumos sacerdotes na tradição do judaísmo, Jesus Cristo mantém um lugar
especial, único e incomparável.
Karl Gerhard Steck vê em nossa perícope (menor unidade textual dentro de um texto)
um dos momentos altos de Hebreus e sugere que o autor pretende garantir a Jesus Cristo
e à fé dos cristãos em Jesus Cristo a soberania sobre a substância do AT e que por isso a
pessoa de Jesus Cristo supera a tudo e a todos que o antecederam (p. 113). Hebreus
ressalta a exclusividade de Jesus Cristo como sumo sacerdote. Toda e qualquer
comparação se torna improcedente.
Conservemos firmes a nossa fé: Aí temos uma exortação. O autor encarece a
necessidade de posição definida. Uma conduta insossa leva o cristão à indecisão e acaba
no desinteresse.
A história das comunidades da IECLB apresenta muitas situações de confissão de fé,
mas também de fraqueza. Um exemplo de confissão de fé nos dão os antepassados que
enfrentaram muitas adversidades na vida civil e jurídica, mas permaneceram firmes na
confissão da fé. Sua firmeza na confissão nos legou à IECLB como Igreja de Confissão
Luterana no Brasil. Daí a exortação: Conservamos firmes a nossa confissão nos
aproxima dos irmãos que receberam o livro Hebreus.
Textos anteriores à nossa perícope têm formulações de exortação, vejamos: Importa que
nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas (...) (2.1). Considerai
atentamente o apóstolo e sumo sacerdote (3.1).
O conteúdo da confissão não é arrolado, mas Hebreus faz evidente que o caminho de
Jesus Cristo é o caminho da salvação. Sua morte é o resgate para a reconciliação. Sua
exaltação e sua penetração nos céus é o agir do Filho de Deus em nosso favor, é
ação pro nobis. Esse predicado determina a cristologia em Hebreus. E é compreensível
que o autor na fé em Jesus Cristo exorte os membros da comunidade: Conservemos
firmes a nossa confissão. A firmeza na confissão dá alegria também no sofrimento; dá
orientação nas dúvidas e tentações; transmite segurança no emaranhado de ofertas
religiosas e filosóficas que dia a dia martelam nossos tímpanos.
A dimensão salvífica da ação do sumo sacerdote Jesus Cristo nos é apontada com o
testemunho que ele penetrou os céus. Jesus Cristo não necessita, a exemplo dos demais
sumos sacerdotes, repetir o sacrifício. Sua ação não foi simbólica. Ele entregou-se a si
mesmo. Ela é única. O seu sacrifício aconteceu uma vez por todas. Daí o seu sacrifício é
EPHAPAX, isso é para sempre (7.27).
V, 15: O versículo insiste no testemunho que o nosso sumo sacerdote se compadece de
nossas fraquezas. Sofremos, sim, mas não estamos sozinhos. Ele sofreu como nós
sofremos. Ele foi tentado à nossa semelhança e se envolveu com os problemas da vida
humana, esteve exposto às mesmas situações que nos ferem. Uma diferença existe: Ele
ficou sem pecado.
Sempre de novo deparamos com a pergunta do porquê da misericórdia do sumo.
sacerdote para conosco. Hebreus responde em 2.17: para fazer a propiciação pelos
pecados do povo, para socorrer os que são tentados.
O testemunho ser tentado, mas sem pecado sofreu muitas especulações. Foram feitos
exames a partir da sociologia e não faltaram análises psicológicas. Nada disso contribui
para a tarefa do pregador, antes confunde e desvia. No meu entendimento temos aí uma
confissão de fé. E a ela não podemos esmiuçar e dissecar com uma sistemática da lógica
humana, pois para essa a própria cruz continua escândalo.
O autor de Hebreus no seu testemunho do ser tentado, mas sem pecado se baseia na
tradição apocalíptica do AT. Is 53.9 dá margem à compreensão que o Messias — o
servo de Deus — de quem é dito: que nunca fez injustiça, nem dolo algum (...) é tentado
à nossa semelhança, mas sem pecado. A tradição apocalíptica se traduz em 2 Co 5.21 e
em especial em 1 Pe 2.22: o qual não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua
boca.
No Getsêmani Jesus não buscou a sua glorificação, e sim a do Pai que publicamente
declarou: Tu é o meu Filho amado. O ser sem pecado não nos distancia de Jesus, antes
sua solidariedade conosco nos aproxima de quem nos dias da carne, tendo oferecido,
com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da morte, e tendo
sido ouvido por causa de sua piedade (5.7) se tornou o autor da salvação eterna de todos
que lhe obedecem (5.9). O ser sem pecado nos aproxima do servo de Deus que veio a
ser o cordeiro inocente e que levou o pecado do mundo. O ser sem pecado fez de Jesus
o sumo sacerdote que derramou seu próprio sangue para fazer propiciação pelos
pecados do povo (2.17), o levou a penetrar os céus (4.14) e abrir o acesso ao trono da
graça (4.16).
Hebreus, na tradição apocalíptica, mostra intencionalmente a semelhança de Jesus com
as nossas fraquezas. As lágrimas, a dor, o sofrimento de Jesus se identificam exatamente
com as situações da minha, da tua vida e com a da comunidade toda no seu dia-a-dia. É
a expressão de solidariedade do sumo sacerdote conosco. Vencer o desânimo, não
abandonar a confiança(10.35), restabelecer as mãos caídas e os joelhos trôpegos
(12.12), vencer a incredulidade e perversão (3.12) são situações de tentação e de
fraqueza que Jesus reparte conosco. A elas resistiu com dor e lágrimas, chegando a suar
sangue e ficou sem pecado. A vivência de todas essas situações faz com que o sumo
sacerdote Jesus Cristo tenha toda compreensão para a dimensão difícil do homem em
sofrimento, em tentação e acometido de fraqueza.
V. 16: A perícope se concentra no v. 16 e chega no trono da graça ao seu auge. O
testemunho que o sumo sacerdote é Filho amado de Deus que penetrou os céus, que
sofreu e foi tentado à nossa semelhança, que ficou sem pecado, se concentra na
mensagem do trono da graça. Todas as declarações sobre Jesus Cristo convergem na
aberturado caminho para o trono da graça. Nascimento, vida e ação de Jesus Cristo
desde a manjedoura até a cruz, sua morte, ressurreição e penetrar os céus têm a
finalidade de nos levar ao trono da graça. É a obra da salvação de Jesus Cristo. É a
reconciliação como transformação do velho homem em novo homem. Toda obra de
Jesus Cristo tem por objetivo a propiciação dos pecados do povo e levá-lo ao trono da
graça. O Filho amado de Deus é o servo que tornou-se o resgatador, derramando o seu
santo e precioso sangue em sacrifício único. O seu sangue foi, usando um quadro
conhecido no culto de Israel, aspergido no trono do santo Deus. Na cruz pagou a culpa
dos homens e o trono do juízo de Deus veio a ser o trono da graça de Deus para os que
crêem. Ali sempre de novo encontramos misericórdia.
O v. 16, na linha da exortação, nos convida: Acheguemo-nos, portanto, confiadamente,
junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharemos graça para
socorro em ocasião oportuna.
Lutero declarou: Quem estiver assustado com a sua condenação não tem outro refúgio
senão na cobertura que Jesus Cristo lhe dá. Ele é o sumo sacerdote, somente em sua
humanidade estamos salvos e defendidos do juízo (p. 75). Em outra passagem de sua
preleção sobre Hebreus, para enfatizar a cobertura e proteção, Lutero traça paralelos da
açâo de Jesus Cristo com o amparo de Deus citado no Salmo 91.4: Cobrir-te-á com as
suas penas, sob suas asas estarás seguro. Lutero também menciona Ml. 4,2 na mesma
linha de pensamento: Mas para vós outros que temeis o meu nome nascerá o sol da
justiça, trazendo salvação nas suas asas. Mateus 23.37: Quantas vezes quis reunir os
teus filhos, como a galinha que ajunta os seus pintinhos... para Lutero se ressalta o
pensamento da cobertura, proteção, de socorro contra a condenação que o sumo
sacerdote assumiu em favor do povo.
Referente ao trono da graça, Lutero declara: Nós nos podemos achegar ao trono da
graça porque temos o sumo sacerdote Jesus Cristo. Já que temos o sumo sacerdote,
mesmo o escolhido entre os homens é constituído em favor dos homens (p. 77). Lutero
ainda conclui: A disponibilidade para os outros e não para si mesmo é a natureza do
sumo sacerdote (p. 79).
III — Meditação: Auxílios homiléticos para a prédica
1) Conceitos chaves do texto
2) Jesus Cristo, o sumo sacerdote, é o reconciliador
3) A compreensão da exortação em Hebreus
1) Conceitos chaves do texto: O texto gira em torno do conceito sumo sacerdote Jesus
Cristo. Ele é o Filho amado de Deus, o Cristo pro nobis. Toda fundamentação teológica
parte desta compreensão. É a mensagem central de Hebreus e deve ser levada no
domingo Invocavit à comunidade. O conceito Cristo pro nobis quer ser desdobrado a
partir da figura do sumo sacerdote. O pregador pode usar muito bem este quadro para
informar os ouvintes do papel importante do sumo sacerdote exatamente na ânsia do
povo por reconciliação. É válido lembrar que a ação do sumo sacerdote estava no
sacrifício de animais cujo sangue aspergia no trono santíssimo, no dia da expiação ou
festa da reconciliação. A festa, a mais importante entre os israelitas, era comemorada
uma vez durante o ano com muito alarde e pompa. O povo participava em grande
número. A festa se concentrava no templo de Jerusalém. O povo vinha de longe. O
ponto culminante do acontecimento se dava com o aspergir do sangue do animal
sacrificado no trono santíssimo, a parte mais íntima do templo e vedada aos demais
sacerdotes e povo. Este ato, anualmente repetido, significava o perdão dos pecados do
povo e o sumo sacerdote, em representação e em nome do povo, era o oficiante.
O texto quer ressaltar que Jesus Cristo, o sumo sacerdote por excelência, é
incomparável e único sumo sacerdote em todos os tempos, pois ele não sacrificou um
animal para aspergir o seu sangue no trono santíssimo, não buscou nem usou algum
substituto, mas entregando-se a si mesmo, derramou o seu próprio sangue para o perdão
dos pecados do povo. Com o derramamento do próprio sangue Jesus aplacou a ira de
Deus, pagou a culpa dos homens. Não se trata, a exemplo do procedimento dos demais
sacerdotes, de um ato simbólico a se repetir, mas de um ato único, uma vez por todas e
por isso para sempre. O derramamento do seu sangue na cruz é reconciliação
EPHAPAX, isto é, para sempre (7.27).
A prédica necessariamente esclarece à comunidade que Je¬sus Cristo, o sumo sacerdote
por excelência, entregou-se, derramou o seu sangue na cruz, uma vez por todas, para
trazer a paz, a reconciliação, a graça de Deus para o povo. Com o sacrifício de Jesus
todos os tipos de sacrifícios, tentativas de conquista da reconciliação perderam seu
sentido, são nulos, inúteis e constituem um menosprezo de quem derramou o seu sangue
para nos abraçar com a sua graça.
2) Jesus Cristo, o sumo sacerdote, é o reconciliador
a) A estrutura pecaminosa do homem suscita, sempre de novo, a dúvida, a insegurança e
a desconfiança. Ela se apresenta sutilmente como tentação para nos seduzir a atitudes
que não só prejudicam a nós mesmos, mas também a terceiros. Com isso a pergunta que
Lutero definiu com as palavras; Como hei de encontrar um Deus misericordioso? surge
como uma constante de geração em geração. Ela perpassa com as mais diversas
variantes a história da humanidade.
No culto de Israel o sacrifício de frutos da terra e de animais, desde a pomba até o
animal de grande porte, visava aplacar a ira de Deus e buscar no seu perdão o
beneplácito de Deus. As religiões da época, veja o gnosticismo, tinham na oferta do
perdão pelo sacrifício de animais o seu momento alto. Era a oferta da libertação do
sofrimento e do medo com a promessa de perdão e de paz. Para conseguir esse objetivo,
os homens usaram expedientes dos mais cruéis e tresloucados. Não faltaram, como nos
conta a história da religião e cultura dos povos, orientações religiosas que partiram para
o sacrifício de vidas humanas. Escavações em construções da velha Babilônia acusam
que em porões se encontraram crianças que foram colocadas nas paredes de edifícios.
Crianças, oferecidas como sacrifício vivo aos deuses para apaziguá-los, morreram de
fome e por asfixia. A busca de garantias para a paz, perdão e segurança pessoal fez com
que pessoas se tornassem criminosas. Em nome da paz pessoal, pessoas praticaram
crimes horríveis.
b) Cito, para caracterizar a atitude evangélica, duas experiências que se contam do
escritor Dostojewski. O escritor, cristão confesso, fez o que o superior do Convento
Staupitz recomendou ao monge Lutero: Deves olhar para o homem Jesus Cristo. E
Dostojewski colocou sua esperança em Jesus Cristo. Conta-se que ao morrer, o escritor
russo manifestou dois pedidos:
1. Pediu que lhe lessem a história do batismo de Jesus. Nela reconheceu a humildade de
Jesus que sem alarde vai com o povo à magem do Rio Jordão para receber como os
demais o batismo. O acontecimento lhe mostrou como Jesus se integra no povo, assume
e participa da vida do povo. A humildade e a sujeição de Jesus à fraqueza dos homens
significavam para o moribundo sua identificação com os homens, que sua humildade de
servo enalteceu Jesus como Filho de Deus.
2. O filho pródigo foi a segunda história bíblica que Dostojewski no leito de morte
queria ouvir. Ele se concentrou na confissão do filho: Pai, pequei contra o céu e diante
de ti. Na confissão se espelha a pergunta pelo Deus misericordioso. O filho não recorre
a artifícios, chegou ao fim e reconhece que o único caminho que o pode salvar da
miséria é voltar ao Pai. Ele vai ao Pai, marcado pela humildade e pelo arrependimento.
Ele se lança nos braços do Pai que em Jesus Cristo nos abraça com o seu amor.
c) A nossa vida de fé está sujeita a dúvida e tentações. A impaciência se pretende
instalar como companheira. Insegurança nos desequilibra. O autor de Hebreus nos vem
a ser um exemplo de pessoa que conhece de perto essas situações de sufoco e provas de
fogo. Ele recorre ao trono da graça. Não perde tempo com promessas humanas, mas vai
para junto do homem da redenção. Nele está a resposta para todos que perguntam pelo
Deus misericordioso. O trono da graça é a misericórdia e o socorro em tempo oportuno.
Hebreus, em sua linha clara do Cristo pro nobis, nos exorta constantemente para não
perdermos tempo nem prendermos nossa esperança em promessas humanas. Somos
convidados a manter firmes nossa confissão. As promessas humanas desmoronam e
caímos na solidão e no abandono. Mas, olhemos para o homem Jesus Cristo, o sumo
sacerdote que nos leva ao trono da graça!
d) Os homens constroem artifícios para alimentar sua esperança. A entidade
internacional conhecida como Clube de Roma, composta dos maiores experts da
ciência, prendeu a atenção e a esperança do mundo assustado com o rápido consumo
das reservas naturais, com uma verdadeira explosão demográfica que provoca fome
crescente para a humanidade. A esperança que muitos mantinham no Clube de Roma,
que devia apresentar soluções para os diversos problemas, se frustrou. O Clube de
Roma nos pintou um quadro assustador e carregado de desesperança. Mudar o quadro
somente é possível com a superação da ganância, da exploração do homem pelo
homem. É evidente que os homens corruptos, opressores e exploradores nada têm a
oferecer como solução em situação de desespero. Muitos, desiludidos com o Clube de
Roma, foram buscar esperança e soluções na filosofia de Marx e Engels. Novamente
prenderam sua esperança em promessas humanas.
A teoria nos induz a crer que o homem é capaz de criar uma sociedade onde reina paz,
justiça e fraternidade. Onde algo parecido acontece? Isso não ocorreu em nenhum país
do mundo marcado e orientado pela doutrina de Marx e Engels. À semelhança dos
países governados pelo conceito económico do capitalismo, a discriminação e a
exploração do homem pelo homem são marcas deploráveis. A tese do lucro discrimina,
divide e marginaliza e gera miséria, pelo menos o faz na América Latina. Não vejo na
ideologia de Marx e Engels nem na promessa do capitalismo esperança de paz e de
justiça social. A esperança por novo céu e nova terra a partir da ação humana está
fadada ao desastre. O esquecimento que o homem é pecador, deixando de lado a
verdade que o apóstolo Paulo resume nas palavras: Porque não faço o bem que eu
quero, mas o mal que não quero, esse faço (Rm 7.19) nos lança no emaranhado da
autojustificação, dos méritos próprios, da busca da glória e coloca o germe da
corrupção.
Considero perigoso que o pregador, mesmo imbuído da melhor das intenções, faça
declarações semelhantes a que li na circular do Bispo Izidoro Kosinski, de Três Lagoas,
de 21.12.84: Depositamos a nossa esperança na organização do povo, unidos nos seus
sindicatos, associações, comunidades, etc...., único caminho para a construção de uma
sociedade onde reinará a paz, a justiça e a fraternidade. Tais declarações provocam a
compreensão como se a solução dos problemas sócio-políticos dependessem somente da
organização e das estruturas. Não é simplesmente a organização do povo, mudança de
sistemas e de estruturas que nos trazem uma sociedade onde reinará a paz, a justiça e a
fraternidade. Temo que declarações como a acima citada iludam o povo, cimentando a
compreensão que a simples organização do povo, mudanças de estruturas e sistemas já
tragam justiça, paz e fraternidade para a sociedade. O problema não é muito mais grave
e profundo? Tais colocações não prendem o povo em promessas humanas? E as
promessas humanas, exatamente na compreensão da perícope, não são falhas? A
esperança por justiça, paz e fraternidade nos vem do Evangelho da salvação em Jesus
Cristo. O homem, marcado pelo pecado, não faz o bem que quer, mas o mal que não
quer, esse ele pratica. O verme do pecado derrota o homem quando põe a sua esperança
na conquista humana. A segura e certa esperança vem do centro do Evangelho de Jesus
Cristo que a teologia luterana expressa na doutrina da justificação por fé. O homem
reconciliado com Deus é compromissado com o serviço em amor. Entendo que as
estruturas, o sistema e a organização do povo devem expressar a reconciliação e saber-
se a serviço da verdade, justiça e da paz de Deus. Jamais podemos esquecer que neste
mundo caído toda a organização, estrutura e sistema sofrem o impacto da realidade do
homem que é justo e pecador ao mesmo tempo. Não a organização, nem as estruturas,
nem o sistema em si, mas o Cristo pro nobis é a esperança para a justiça, a paz e a
fraternidade. Isso deve estar muito claro para o pregador da Boa Nova da salvação em
Jesus Cristo e deve ser colocado por ele na sua incumbência de atalaia e na sua
atividade pastoral, quando participa da organização do povo, da formação de sindicatos
e entidades congêneres.
e) Tal vez o prezado leitor pense que estou chovendo no molhado, que este
procedimento é normal. Cuidado, meu caro colega! Tenho muitos contatos com as
comunidades das mais diversas áreas geográficas da IECLB e mais e mais me confronto
com a acusação que estamos embaralhando a mensagem; que o óbvio, o normal não está
sendo pregado; que o engajamento da comunidade em questões da vida pública, nos
problemas da sociedade pertence ao mandato do Evangelho de Jesus Cristo não é
devidamente esclarecido e, consequentemente, surge a pesada acusação que se difunde
hoje na IECLB uma mistura de Evangelho-social-político. Alerta, meu prezado colega.
Sê atalaia contigo mesmo. Examina o teu posicionamento teológico. Levas a
Comunidade a confiar em promessas humanas ou estás evangelicamente apontando para
Jesus Cristo, o sumo sacerdote que penetrou os céus e que abriu para os que nele creem
o aceso ao trono da graça? Pois a nossa esperança está no Filho de Deus que se
compadeceu de nossa fraqueza; que derramou o seu sangue pela propiciação dos
pecados do povo.
Exatamente nessa situação Hebreus nos alerta para não prendermos nossa confiança e
esperança nas promessas humanas. Essas, por mais promissoras e bem intencionadas
que sejam, estão marcadas pelo pecado do homem. Olhemos, portanto, para Jesus
Cristo, o sumo sacerdote que entregou-se a si mesmo pela propiciação dos pecados do
povo, penetrou os céus e abriu o caminho para o trono da graça!
3) A compreensão da exortação em Hebreus:
1) A exortação em Hebreus deve ter seus motivos. Quais poderão ser as razões para
tanto? Pensamos, obviamente, na existência de certos riscos para a comunidade. No
contexto vivencial surgiram perigos, dificuldades e tentações que ameaçavam a
caminhada da comunidade. Hebreus não cita os motivos. Mesmo que a falta de registro
dos perigos existentes deixe a situação um tanto vaga, a época em que Hebreus foi
escrito nos dá algumas dicas para interpretar e entender melhor as circunstâncias devida
que provocaram a situação tensa para os membros. Aceita-se na literatura que os
cristãos na época de Hebreus eram perseguidos pelo estado romano; que o culto ao
imperador, exigido de todos os cidadãos, representava um dos grandes entraves e
ameaça. Havia, portanto, um profundo choque entre a mensagem evangélica e a religião
pagã oficial do estado romano, consequentemente os cristãos eram preteridos e
perseguidos. Enquanto que uns sofriam o martírio, outros membros se refugiavam ou
até renegavam a confissão de Jesus Cristo. Nesta situação o conforto espiritual foi
indispensável. Entendo que a exortação foi uma atitude pastoral para fortalecer os
cristãos na fé e na esperança.
2) Sabemos também que o gnosticismo era muito difundido no Oriente-Médio e tinha
larga penetração no Império Romano. A confrontação com essa orientação filosófica
representava uma ameaça para muitos e, provavelmente, começou a perturbar membros
da comunidade. Os gnósticos afirmavam que a vinda do Salvador quebraria em
definitivo o poder da morte, que a libertação do corpo representaria a libertação da
alma. E Hebreus enfrenta esta situação com a mensagem da ação de Jesus Cristo em
favor dos pecadores. Daí entendemos a linha clara de Hebreus com a sua ênfase sobre o
conceito do Cristo pro nobis. Jesus Cristo é o resgatador. Um outro toma o nosso lugar.
Um outro sofreu por nós o juízo. Jesus Cristo entrou por nós na brecha.
Com esta compreensão Hebreus sublinha uma linha mestra da mensagem evangélica.
Jesus assume o juízo da morte como consequência do pecado humano e liberta o
homem todo—corpo e alma, na reconciliação acontecida na cruz, onde ele, aceito por
Deus como resgate, morreu em favor de todos. A libertação, portanto, é dádiva e não
conquista de um pretendido aperfeiçoamento humano.
3) O fato da insistência na exortação (13.22) nos leva a admitir que os irmãos daquela
época entraram numa fase de cansaço e desânimo (12.13). Também a incredulidade se
apresenta como entrave na vida comunitária e no testemunho (3.12).
A realidade de hoje mostra paralelos significativos com a situação enfrentada por
Hebreus. Isso não nos deve servir de consolo, muito menos de justificativa. Registramos
em nosso meio muito cristianismo de interesse, de status social. Não faltam o cansaço, o
desinteresse nem a incredulidade. Antes, isto sim, nos deve servir de alerta. Devemos
admitir que este estado de coisas indica velhos inimigos da fé. São os responsáveis pela
letargia que se instalou em muitas comunidades. Encobrem a verdadeira compreensão e
chamado para a missão da comunidade. Prejudicam a vivência do serviço cristão e
afastam o membro da comunidade, o que prejudica a comunhão. Os membros
desaparecem dos cultos, das reuniões e deixam de participar ativamente na comunidade.
A lei do menor esforço ganha muitos adeptos. Mesmo que haja motivos para críticas,
essas são usadas, seguidamente, para justificar o afastamento. Por isso deixam de ser
críticas construtivas de quem, engajado na comunidade, visa o bem, a união, o
testemunho da comunidade.
4) Há uma enorme escala de motivos. Contudo o pregador deve ter o cuidado para náo
cair no legalismo. É importante que se veja isso e que o pregador leve a comunidade a
entender o desfecho perigoso para o membro e a comunidade que uma conduta alienada
traz consigo.
A exortação em Hebreus não tem o sentido de uma ordem, de comando. A atitude do
autor não é a de um sargento que exercita soldados sob o seu comando. O texto é uma
pregação carregada de sensibilidade poimênica. Antes, a exortação vem a ser expressão
da mais profunda gratidão e de alegria que explodem no desejo ardente que outros
saibam, entendam e recebam a mensagem da misericórdia de quem penetrou os céus e
abriu o caminho para o trono da graça. A exortação conclama para que todos recebam e
participem da dádiva da graça. Vejo na exortação de Hebreus o chamado à participação
e a oferta de integração de fazer uso da dádiva da graça. A exortação quer ser convite
para que confiadamente nos acheguemos ao trono da graça. No trono da graça
encontraremos misericórdia, teremos socorro nas tentações, no sofrimento e angústia.
A exortação é oferta de graça para que todos tenham vida. Sinto a dimensão pastoral da
exortação como se Hebreus nos dissesse: Gente, vocês se debatem com a pergunta pela
salvação, onde encontrar perdão! Aí está o caminho da verdade e da vida, aí está a
libertação; aí, em Jesus Cristo, o sumo sacerdote, que penetrou os céus, nos é dado o
trono da graça. Vamos para junto de Jesus Cristo e teremos misericórdia, perdão,
socorro e vida nova.
O trono da graça é a resposta para a pergunta que vai de geração em geração e que foi
formulada pelo reformador Martim Lutero: Como hei de encontrar um Deus
misericordioso?
5) Hebreus deve ter sido escrito por um homem rico na experiência de fé que passou
pelo sofrimento, sentiu e avaliou o terror da tentação. E, por isso, é tão significativo e
tem sua ampla validade para nós hoje. Hebreus é atualíssimo em seu testemunho. Ele
fala a mim e a ti, se refere aos meus e aos teus problemas, é um exemplo de fé nas
minhas e nas tuas angústias. Depende somente de nós dois agarrar a dádiva da graça que
nos é oferecida. Deus fez tudo. Jesus Cristo sofreu tudo e espera por nós no trono da
graça. Hebreus não desenvolve uma teoria, mas prega a salvação em Jesus Cristo como
verdade evangélica. Agarremo-nos a ela onde estivermos. Não percamos tempo, assim a
exortação nos alerta, nos chama e convida.
IV — Subsídios Litúrgicos:
1. Confissão dos pecados: Santo Deus e Pai, Jesus Cristo, o teu Filho amado participou
e assumiu a nossa fraqueza. Na tentação e no sofrimento solidarizou-se conosco. Tu o
fizeste o sumo sacerdote que uma vez por todas, derramando na cruz o seu próprio
sangue pela propiciação dos pecados do povo. Ele penetrou os céus e nos leva à
presença do teu trono da graça! Assim, Deus e Pai, sabemos da oferta de socorro em
tempo oportuno, quando tristeza, medo e culpa nos castigam. Pecamos, Deus e Pai,
contra ti. Mas, em nome de teu Filho amado, achegamo-nos ao trono da graça e
buscamos contigo o nosso auxílio. Confiamos na tua Palavra da misericórdia e rogamos:
Tem piedade de nós, Senhor! Amém!
2. Oração de coletas: Iniciou-se, Senhor, a época de tua paixão. Escolheste e seguiste o
caminho do sofri mento e do sacrifício. Assumiste este caminho por amor a nós. Ele te
levou à cruz. O teu sangue veio a ser resgate e propiciação dos pecados do povo. O Pai,
em sua misericórdia, aceitou o teu sacrifício e nos libertou da condenação.
Agradecemos-te e louvamos o teu santo nome. Dá-nos agora, o silêncio e a atenção
necessários para ouvir a mensagem da tua Palavra que nos ensina o caminho da verdade
e da vida. Pai, a tua Palavra fortalece nossa confiança em ti e alimenta a esperança que
tu, abrindo o acesso ao trono da graça, nos dás o socorro em tempo oportuno. Amém!
3. Oração final: Senhor Deus, Pai celeste, te agrademos de todo coração por nos teres
dado o sumo sacerdote Jesus Cristo e com ele o Mediador. Na tentação e sofrimento se
solidarizou conosco. Esta certeza nos anima a viver e nos é compromisso para servir aos
que sofrem e são carentes. Ajuda-nos, também no amanhã, a ver as dificuldades dos
irmãos. Lava-nos mente, coração e olhos para enxergarmos o sofrimento silencioso dos
humildes e de tantos outros que no confronto com a dor, a culpa, divergências, omissões
e egoísmo estão abalados. Deixa-nos praticar o serviço cristão como resposta obediente
da fé no sumo sacerdote Jesus Cristo que nos trouxe a propiciação dos pecados.
Fortalece nossa confiança em ti para que não nos desviemos da tua Palavra, seguindo
promessas humanas. Anima-nos na esperança que há em ti como Senhor e Salvador do
mundo. Sustenta mãos que ajudam e pés que nos levam ao encontro de pessoas. Une
mãos em oração de intercessão em favor dos que o sofrimento silenciou, que a doença
transformou em pessoas amargas e que a morte de um ente querido levou a emudecer.
Renova, dia após dia, a confissão que tu és a nossa esperança na vida e na morte.
Amém!

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