Você está na página 1de 5

A Saúde do Trabalhador como Questão de Direitos Humanos

Leda Maria Hermann


Promotora de Justiça

"Que o Brasil é um dos países do mundo onde mais ocorrem acidentes do trabalho, ninguém
contesta. Até mesmo os empregadores, responsáveis pela manutenção de um meio ambiente do
trabalho seguro e salubre, reconhecem essa realidade, causa da colocação do nosso país nos anais
mundiais como recordista em infortúnios do trabalho. O resultado disso é o grande prejuízo que
sofrem os empregados que são mutilados, morrem ou simplesmente ficam inválidos. Mas também
a economia do país e sobretudo a Previdência Social, que finalmente paga os auxílios-doença,
pecúlios, aposentadorias e pensões." (RAIMUNDO SIMÃO MELO, Procurador-Chefe da Procuradoria
Regional do Trabalho - Ministério Público do Trabalho)

INTRODUÇÃO
A abertura do leque das atribuições constitucionais conferiu ao Ministério Público um papel
relevante na defesa dos direitos humanos e da cidadania. O efetivo exercício de tais atribuições
passa pela compreensão da real extensão dos direitos do Homem nas suas mais variadas esferas
e manifestações. Uma das questões relevantes que precisa ser acompanhada de perto pelo
Promotor de Justiça em atuação nessa Curadoria diz respeito à saúde como direito e garantia
fundamental, universalizado e sistematizado, preconizada pelo Texto Constitucional vigente de
forma ampla e abrangente.

Não se pode negar que o Direito à Saúde deve ser exercido dantes preventiva do que
assistencialmente. Tanto assim é que o art. 198, II da Lei Maior estabelece que as ações
preventivas na área da saúde devem ser priorizadas.
Na área dos acidentes do trabalho e doenças profissionais a atuação preventiva é ainda mais
relevante, posto que os infortúnios e males ocorridos e advindos da atuação laboral normalmente
vitimam o trabalhador, não apenas enquanto trabalhador, mas enquanto ente humano, de forma a
torná-lo incapacitado ou deficiente, isso quando não lhe trazem a morte.
Este trabalho tem por objetivo traçar algumas considerações, fruto de pesquisa específica,
destinada a instruir e embasar procedimento de ofício em curso junto ao Centro de Promotorias da
Coletividade da comarca de Joinville, considerações estas relativas à saúde do trabalhador como
direito decorrente da sua condição de ser humano, e não apenas da relação empregatícia.
O âmbito da saúde do trabalhador, como se verá, é bem mais amplo no contexto e vigência da
atual Carta, deixando de ser competência específica do Ministério do Trabalho para integrar a
esfera da saúde como um todo, decorrendo disso as repercussões inerentes à atuação ministerial
específica junto à Curadoria dos Direitos Humanos e da Cidadania.
I - SAÚDE DO TRABALHADOR COMO QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS
Os direitos fundamentais da pessoa humana não se limitam ao ordenamento jurídico estatal de
cada nação soberana; antes disso, constituem-se em direitos supra-estatais. Estes direitos
fundamentais, ditos absolutos, não se configuram em mera criação jurídica, mas antes decorrem
da evolução da humanidade e dos princípios edificados ao longo de séculos de civilização. Por isso
mesmo possuem um caráter imperativo, pétreo, intangível. O Estado não os outorga, mas apenas
os reconhece e garante, regulando-os e estabelecendo os meios lícitos à sua defesa, exercíveis,
pelo titular dos mesmos (o Homem/Indivíduo), mesmo contra o próprio Ente Estatal.
O reconhecimento dessa gama de direitos vem sendo paulatinamente aperfeiçoada pela
humanidade ao longo dos séculos, não se podendo olvidar, é claro, que a história registra
percalços e retrocessos inerentes a esse processo.
O surgimento dos Estados Nacionais soberanos ditou a elaboração de ordenamentos jurídicos
escritos distintos, imanentes a cada nação politicamente organizada. Em virtude disso, o Homem
vislumbrou a necessidade de preservar os direitos fundamentais, emanados, segundo crença
cultuada na Antigüidade e até hoje inerente à totalidade das mais diversas religiões, da Autoridade
Divina.
Assim, ainda que os direitos fundamentais absolutos fossem vislumbrados como aqueles ditados
pelas Leis Divinas, que pelas leis dos homens não poderiam jamais ser suplantadas, o Homem
preocupou-se, ante a formalização das leis humanas, em formalizar, através de declarações
escritas, os direitos supraestatais. DALMO DALLARI, em seu Elementos de Teoria Geral do Estado,
Saraiva, 13a. ed., 1987, pp. 174-180, vem delinear a trajetória histórica dessas declarações.
Esclarece que nos documentos e registros históricos datados da Antigüidade "mesclavam-se
preceitos jurídicos, morais e religiosos, não se dissociando a recomendação de regras morais da
imposição coercitiva de certos comportamentos" (p. 174). A Idade Média registrou, por seu turno,
em documentos legislativos, regras de convivência social nas quais vislumbrava-se a existência de
direitos fundamentais.
Mas o documento historicamente considerado como o precursor das Declarações de Direitos é a
Magna Carta da Inglaterra, de 1215, que limitou o poder absoluto do monarca, embora tão
somente em relação aos barãoes e prelados ingleses.
Foi, contudo, o século XVIII que consagrou a crença num Direito Natural, imanente à natureza
humana, partindo dos preceitos do Jusnaturalismo do século XVII, que considerava que os
"direitos naturais" não eram outorgados pelo Estado, mas antes que o Estado existia tão somente
para assegurá-los aos homens.

A trajetória histórica das declarações de direitos iniciou-se na América, na ainda Colônia de


Virgínia, em 1776, não se podendo olvidar a importância histórica da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembléia Nacional Francesa em 1789. Tal trajetória
desembocou na Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945, "destinada a fornecer a base
jurídica para a permanente ação conjunta dos Estados, em defesa da paz mundial". O momento
histórico, marcado pelo fim da II Guerra Mundial, já dimensionava a necessidade de justiça social
para a conservação da paz, o que resultou na proclamação, em 10 de dezembro de 1948, pela
Assembléia Geral das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem é ainda, contudo, muitas vezes desrespeitada, até
mesmo pelos países signatários, porque só ganha força coercitiva e eficácia quando, pela
Constituição de cada Estado Soberano, é incorporada ao direito positivo. Assim ocorreu no Brasil,
que historicamente vem reservando, em suas diversas Constituições, um capítulo aos direitos e
garantias individuais.
Não foi diferente com a Constituição Federal ora vigente, a de 5 de outubro de 1988, que
consagrou, como veremos, adiante, os direitos fundamentais absolutos, dentre eles figurando o
direito à vida e à saúde.
II - DA UNIVERSALIZAÇÃO DA SAÚDE À PROTEÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR
O texto constitucional vigente consagrou o direito à saúde, dando-lhe caráter universal,
desvinculado de qualquer requisito previdenciário ou securitário.
Assim o fez pelo caput do seu art. 6º, inserto, como já se disse, no Título II - DOS DIREITOS E
GARANTIAS FUNDAMENTAIS, mais específicamente no seu Capítulo II - DOS DIREITOS SOCIAIS.
Para tanto, a Constituição Federal não se limitou a uma menção casuística ou lacônica, mas antes
foi pródiga ao tratar o tema esmiuçadamente, no Título VIII - DA ORDEM SOCIAL, dedicando ao
mesmo toda uma seção (II), inserta no Capítulo II - DA SEGURIDADE SOCIAL, do dito Título.
Diverso não poderia ser, se considerarmos que o direito à Saúde expressa, na verdade, um
supedâneo do direito à vida e à dignidade da pessoa humana, princípios basilares da ordem
constitucional vigente e espelho dos direitos fundamentais absolutos assinados ao Homem.
Nesse diapasão, definiu o legislador constituinte, no art. 196 da Magna Carta, que "A SAÚDE É
DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO", delineando com isso o poder-dever imanente ao Ente
Público de promover, proteger e recuperar a saúde do cidadão.
Antevendo a grandiosidade da tarefa, a Constituição Federal determinou a descentralização dos
serviços voltados à consecução de tão elevado objetivo, estabelecendo a responsabilidade das três
esferas de governo - federal, estadual e municipal, para a efetivação da finalidade da norma.
Contudo, vislumbrou a necessidade de uma direção única, de modo a evitar as ações fracionadas
e isoladas, menos eficazes. Idealizou ainda uma atuação integral, eminentemente preventiva,
objetivando evitar sempre que possível a recuperação, sempre mais trabalhosa e onerosa,
priorizando a ação preventiva. Visualizou uma ação participativa, coordenada com a comunidade,
a fim de promover o engajamento da sociedade nesse fim maior. Tais diretrizes foram
especificamente traçadas no art. 198, incisos I, II e III da Constituição Federal.
Visando a realização efetiva desta ação coordenada, integral, prioritariamente preventiva e
participativa, criou o SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, fixando no art. 200 as atribuições a ele
inerentes, dentre elas a de "executar as ações de vigilância sanitária, epidemiológica, bem como
as de saúde do trabalhador" (inciso II do referido artigo) e de "colaborar na proteção do meio
ambiente, nele compreendido o do trabalho" (inciso VIII).
Na esteira do Texto Constitucional, visando sua regulamentação, foi editada em 19 de setembro
de 1990 a Lei Orgânica da Saúde - Lei nº 8080/90, a qual demarcou como área de atuação do
SUS a execução de ações relativas à saúde do trabalhador (art. 6º, inciso I, alínea c), que definiu
como "um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e
vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à
recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos
das condições de trabalho" (§ 3º do citado artigo).
Dentre tais ações, delineadas nos incisos do parágrafo mencionado, encontram-se as de
fiscalização do ambiente do trabalho, assim definindo-se o meio, mesmo que artificial, no qual o
trabalhador executa suas atividades laborativas, e no qual passa a maior parte de sua vida. Dita
fiscalização também abrangerá as questões pertinentes às condições de atuação laboral que
representem riscos à saúde do trabalhador. Tal poder de fiscalização do SUS lhe é intrinsecamente
outorgado pela Constituição Federal, em seu art. 200, incisos II e VIII, e expressamente deferido
pelo art. 6º, § 3º, III e VI da referida Lei Orgânica da Saúde.
A saúde do trabalhador, como vimos, possui definição legal específica, que por sua redação
revela-se expressivamente abrangente, comprendendo, segundo comentário de LEILA MARIA
RESCHKE, Procuradora do Município de Porto Alegre, em artigo publicado na Revista da
Procuradoria Geral do Município daquela Capital, pp. 115-134, "todo e qualquer trabalhador,
regido ou não por CLT, no sentido de que todos, sem exceção, devem receber cuidado à sua
saúde e proteção no seu ambiente de trabalho".
Trata-se, portanto, de um direito inerente à condição de ser humano do trabalhador, pertinente
sua execução ao sistema constitucionalmente criado com o fito de realizar a política de saúde
pública preconizada pela Carta Maior: o SUS - Sistema Único de Saúde.
Considerada, entretanto, a realidade jurídica vigente no país até o advento da Carta de 1988,
quando a saúde limitava-se a um direito trabalhista e previdenciário, que consistia em assistência
sanitária, hospitalar e médico-preventiva (art. 165, XV da Constituição de 1967/69), devido como
contra-prestação da contribuição previdenciária, dissenso estabeleceu-se quanto à competência do
SUS para proceder fiscalização pertinente à saúde do trabalhador.
O Ministério do Trabalho, invocando o art. 21, XXIV da Constituição Federal, que estabelece a
competência privativa da União para "organizar, manter e executar a inspeção do trabalho" e os
artigos 154 a 201 da CLT, que tratam da "SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO", alega que
apenas aos agentes federais do Ministério do Trabalho compete a realização de inspeção no
ambiente de trabalho.
O aparente conflito de normas constitucionais e de competências para fins de fiscalização do
ambiente e das condições do trabalho resta sanado se compreendermos a abrangência e o
significado do termo "INSPEÇÃO DO TRABALHO", utilizado pelo legislador constituinte na norma
citada no parágrafo anterior. É de LENIR SANTOS, LEILA MARIA RESCHKE e ANTÔNIO LOPES
MONTEIRO a definição que segue, contida em estudo específico, destinado ao Conselho Nacional
de Saúde:

"Inspeção do trabalho deve ser entendida ... como o conjunto de todas as ações e serviços que
digam respeito às relações do trabalho, isto é, à verificação do cumprimento da legislação
trabalhista (CLT), como registro do trabalho em carteira, trabalho de menor, cumprimento da
carga horária, horas extras, trabalho noturno etc. etc. abrangendo apenas a fiscalização nas
empresas privadas, excluídas as entidades públicas. ... De sorte que, depois da Constituição atual,
inspecionar trabalho (art. 21, XXIV) engloba tão-só a relação empregador-empregado, ou seja,
tudo que for objeto do contrato de trabalho, excetuadas as ações em Saúde do Trabalhador e
ambiente do trabalho."
Quanto às disposições infra-constitucionais anteriores à vigência da atual Carta, relativas à
segurança e medicina do trabalho, essencialmente no que tange à competência para fiscalizar o
ambiente do trabalho, necessitam ser revistas, levando-se em conta que encontram-se no mínimo
derrogadas, quando não revogadas pelo texto da Constituição vigente, a qual, como se viu,
disciplinou de forma descentralizada, com direção única, a competência para a fiscalização da
saúde do trabalhador e ambiente do trabalho, delegando-a ao SUS.
Essa delegação, como vimos, é expressa na Constituição de forma inequívoca, e apenas uma
interpretação isolada do art. 21, inciso XXIV fará supor um conflito de normas. A interpretação
sistêmica e teleológica das normas em foco nos conduz à conclusão inequívoca de que a saúde do
trabalhador é direito inerente à condição HUMANA, decorrente da garantia fundamental
representada pelo direito à Saúde, inscrita no caput do art. 6º da CF/88. Como tal, regula-se pelo
contido na Seção II, Capítulo II, Título VIII da Constituição Federal vigente.
III - DO PAPEL DO MUNICíPIO QUANTO À SAÚDE DO TRABALHADOR
Considerada a diretriz descentralizadora do art. 198, I da Constituição, as ações pertinentes à
saúde pública em geral, e aquelas relativas à saúde do trabalhador em especial, tiveram suas
competências definidas pela Lei Orgânica da Saúde (LOS - Lei nº 8080/90), fixando o art. 18, IV,
e, da referida lei federal, ser da competência da direção municipal do SUS executar serviços de
saúde do trabalhador, aí compreendida a ação fiscalizadora prevista no art. 6º, I, c c/c seu § 3º,
III e IV.
Visando a consecução do objetivo constitucional definido no art. 196 da Magna Carta, e usando da
competência para legislar sobre saúde, definida no art. 23, II do Texto Maior, muitos municípios
editaram lei complementar específica, para fins de coordenar as ações pertinentes à saúde no
âmbito municipal, leis estas muitas vezes secundadas por decretos regulamentadores, os quais
contemplam inclusive a questão pertinente à saúde do trabalhador, delineando ações
fiscalizadoras a serem executadas por unidades ou serviços específicos, os quais exercem as
atribuições definidas em lei federal e na própria Constituição Federal.
Os agentes municipais, contudo, não raro encontram resistência por parte dos empregadores,
mormente dos empresários cuja ramo de atividades, por sua natureza, implica em atividade de
risco para seus trabalhadores. Tal resistência vem fundada na assertiva de que a fiscalização do
ambiente do trabalho é de competência exclusiva do Ministério do Trabalho, ex vi do que dispõem
os arts. 154 e ss da CLT.
Mais do que isso, a posição é referendada pelo Ministério do Trabalho, que invoca para si a
competência privativa de inspeção do trabalho, forte nos dispositivos celetistas já citados,
entendendo que a disposição contida no art. 21, XXIV da Constituição Federal assim o determina.
O entendimento, contudo, é equivocado, na medida em que, como se viu, a competência do
município para tais atividades fiscalizadoras é legítima e possui lastro constitucional, e a confusão
entre inspeção do trabalho e fiscalização do ambiente do trabalho visando a saúde do trabalhador
é que promove tal dissenso.
IV - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AGIR EM DEFESA DA SAÚDE DO
TRABALHADOR
Como se viu, a tarefa de fiscalizar o ambiente de trabalho é inerente ao Poder Público Municipal,
devendo ser exercida por intermédio do SUS/Secretaria Municipal de Saúde, de preferência
através de órgão específico, criado por lei municipal e estruturado de acordo com as necessidades
particulares de cada comunidade.
A ação da Municipalidade, já se disse, é muitas vezes obstada pelo empregador, que,
equivocadamente, não reconhece a competência do SUS para o exercício de tal fiscalização,
desconsiderando as autuações e determinações emanadas do Poder Público Municipal.
Naturalmente presente está, in casu, o interesse de agir do Município, enquanto pessoa jurídica de
direito público, para buscar a prestação jurisdicional no sentido do reconhecimento e acatamento
das determinações exaradas pelo referido órgão municipal competente, em matéria de saúde do
trabalhador.
Tal legitimação, contudo, não afasta o poder-dever do Ministério Público de utilizar-se do
instrumento jurisdicional adequado - a AÇÃO CIVIL PÚBLICA - visando garantir o acatamento, pelo
empregador reticente, das determinações emanadas do órgão municipal referido.
Numa análise superficial poder-se-ia pensar que tal legitimidade ativa (a do Ministério Público)
adviria do disposto no art. 1o., IV c/c o art. 5o., caput da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, com
a redação que lhe deu o art. 110 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Assim será se considerarmos presente a hipótese de interesses individuais homogêneos, na visão
de HUGO NIGRO MAZZILLI espécie do gênero interesses coletivos, que o art. 1o., inciso IV da Lei
7.347/85 refere, caracterizados, de acordo com aquele autor (A Defesa dos Interesses Difusos em
Juízo, São Paulo, RT, 3a. ed., 1991, p. 19) "pela extensão divisível, ou individualmente variável,
do dano ou da responsabilidade", tendo, entretanto, origem comum.
Essa interpretação decorreria do entendimento de que o Ministério Público estaria agindo, na
qualidade de substituto processual, que a lei lhe assina, em defesa dos empregados de
determinada empresa, os quais estariam correndo riscos quanto à sua saúde, riscos estes
resultantes do não atendimento às recomendações de segurança e proteção à saúde do
trabalhador emanadas do órgão municipal competente.
Tenho comigo, todavia, que a dimensão é diversa, e bem mais abrangente. Na hipótese em tela, o
Ministério Público pode utilizar-se da AÇÃO CIVIL PÚBLICA, servindo-se da legitimidade que lhe
assina o inciso III do mesmo art.129 da Constituição (regulamentado pela Lei 7.347/85) para
defender interesses difusos, assim compreendidos, conforme MAZZILLI (op. Cit., p. 19), os que
"são comuns a toda uma categoria de pessoas", relativamente aos quais, "não obstante, não se
pode determinar com precisão quais os indivíduos que se encontram concretamente por eles
unidos...".
O interesse em pauta caracteriza-se claramente como interesse difuso porque é inerente a todos
os trabalhadores envolvidos em quaisquer atividades de risco eminente à saúde, cuja proteção é
dever do Estado, através do Poder Público Municipal. Trata-se de uma coletividade de difícil
determinação, mas que se vê atingida em seus direitos na medida em que, pela insurgência de um
empregador cria-se precedente perigoso, cujo exemplo, pernicioso, possivelmente será seguido
por outros, já que num primeiro momento as providências protetivas normalmente estabelecem
algum tipo de despesa para a empresa, representada pela aquisição de equipamentos ou
adaptação de instalações no ambiente de trabalho.
Parece evidente que a relação custo-benefício é sempre desfavorável ao empregador, já que os
custos de acidentes de trabalho e doenças profissionais incapacitam, muitas vezes, operários
qualificados, além de gerar direitos indenizatórios para as vítimas, em relação às empresas.
Esse raciocínio elaborado, contudo, infelizmente nem sempre se faz presente no meio empresarial,
o que dificulta sobremaneira a adoção de medidas preventivas adequadas, visando a proteção do
trabalhador.
Além do interesse difuso descrito, tenho comigo que presente verdadeiro interesse público, ou
seja, da coletividade como um todo, já que o ônus social decorrente da recuperação e assistência
devidas às vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais é suportado, em última
análise, por toda a sociedade, na medida em que incapacita e muitas vezes até mata indivíduos
economicamente ativos, gerando além disso obrigações previdenciárias, representadas por
aposentadorias, pensões, pecúlios e auxílios-acidente, benefícios esses previstos na legislação
específica.
Naturalmente que a ação do Ministério Público não está adstrita, de nenhum modo, à atuação
específica do SUS. Qualquer notícia que venha a indicar conduta ou omissão de empregador da
qual resulte prejuízo à saúde do trabalhador deverá ensejar a instauração, no mínimo, do
inquérito civil público respectivo. Mas é na parceria com o SUS/Secretaria de Saúde que o
Ministério Público irá obter elementos seguros que lhe viabilizem a conclusão do inquérito civil e,
se for o caso, o ajuizamento da ação civil pública respectiva.
CONCLUSÃO
A descentralização da saúde só poderá alçar seus objetivos se o poder público municipal,
especialmente, que é o mais próximo da realidade urbana de cada comunidade, não for tolhido no
exercício de suas ações preventivas, devendo o Ministério Público, quando necessário, agir visando
a consecução do objetivo constitucional inscrito no art. 196 da Magna Carta, usando da via do
inquérito civil e da ação civil pública para fazer valer a competência da municipalidade, através do
SUS, para as ações imanentes ao Direito à Saúde, na seara da proteção à saúde do trabalhador.
Mais do que isso, os serviços municipais de saúde do trabalhador podem trazer ao conhecimento
do Ministério Público situações efetivas de desrespeito aos direitos humanos no ambiente de
trabalho, possibilitando a ação ministerial e a realização das atribuições institucionais definidas no
art. 129, III da Constituição Federal.
A parceria Ministério Público/Secretaria Municipal de Saúde é recomendável, sendo relevante seja
buscada, tanto para que o Ministério Público seja informado de eventuais lesões aos direitos
humanos nessa área como para que o serviço municipal de saúde do trabalhador possa contar
com a ação do Promotor de Justiça para fins de fazer valer suas prerrogativas.
O resultado final será sempre benéfico ao HOMEM, que restará protegido em sua saúde,
beneficiado por uma atuação de cunho preventivo, antes de precisar contar com benefícios
acidentários, que o oneram porque o desqualificam como ser humano e como profissional, e que
oneram também os cofres públicos (mormente os da Previdência), e portanto toda a coletividade,
que arcará com o peso financeiro de sua incapacidade para o trabalho.

Fonte: site http://www.gerenciamentoverde.com.br

Você também pode gostar