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Referência Bibliográfica: GAMA, Ruy. Engenho e Tecnologia.

São Paulo: Livraria


Duas Cidades, 1983.

ENGENHO E TECNOLOGIA

Ruy Gama

CAPÍTULO III – MANUFATURA & MÁQUINA

A manufatura orgânica (em série)

⦁ “A impossibilidade de prever e controlar a qualidade do açúcar durante o processo de


produção no engenho – pois essa qualidade só será constatada após a desfôrma (como se
verá) – parece ser causa da denominação ‘açúcar macho’ ou ‘branco macho’ por
analogia com a impossibilidade de se determinar o sexo da criança antes do parto,
associada aos valores machistas da sociedade colonial.2” (p. 57).

2
Nota: O governador Furtado de Mendonça, segundo citação de Gileno Dé Carli, no
documento dirigido ao Rei em 1687, refere-se ao caráter aleatório do controle de
qualidade do açúcar e deixa entrever a analogia entre a criança em gestação e o açúcar
na fôrma, suja qualidade, tal como o sexo da criança, só se mostra após concluída a
purga e a desfôrma.

⦁ “Há duas outras características de manufatura do açúcar que devem ser lembradas. A
primeira delas é a sua coexistência com outras manufaturas paralelas, também orgânicas
(ou em série) e anexas aos engenhos. É o caso da existência de olarias para fabricação
de fôrmas e de caixotaria ou tanoaria para fabricação das caixas ou barricas de
embalagem. A segunda se liga à própria essência de manufatura orgânica; sendo a
continuidade um dos requisitos essenciais da fabricação, a seqüência não pode ser
rompida num ponto qualquer. Mas tem seus ‘planos de clivagem’. A manufatura do
açúcar se a considerarmos em sua forma tecnicamente possível (embora pouco
freqüente) estender-se-ia da moagem da cana à obtenção do açúcar refinado como
produto final.” (p. 58).
⦁ “Ela, todavia, se rompe historicamente em duas frações de manufatura. A primeira é a
de fabricação; principia com a moagem e vai até o melado – nos casos mais grosseiros
de ruptura – ou então vai até a produção de açúcares brutos com porcentagem variável
de açúcares brancos de melhor qualidade (como se verá, essa porcentagem nunca
superou os 66%). A segunda fração da manufatura é a do refino que, principiando do
melado ou dos açúcares brutos, chega aos de melhor qualidade. Estabelecida a ruptura, a
primeira fração passa a ser fornecedora de matéria-prima para a segunda. A manufatura
do açúcar deixa de ter a forma típica, tecnicamente possível de manufatura orgânica,
linear ou concentrada e passa a ter a forma de duas manufaturas lineares justapostas.”
(p. 58).

⦁ “[...] a refinação se desenvolve na Europa apoiada no trabalho livre, familiar e


artesanal. Envolta em segredos de ofício, meio misteriosa, como de resto era misteriosa
a própria cristalização, ela empregava ingredientes como o sangue e a clara de ovos.
Somente em meados do século XVII começaram a ser rompidas as barreiras dos
segredos concomitantemente com o abalo do prestígio das corporações de ofício.” (pp.
58-59).

CAPÍTULO IV – O ENGENHO EM FUNCIONAMENTO

⦁ “A sequência de fabricação do açúcar constitui-se das seguintes atividades e


operações:

1. Limpeza prévia e preparação da cana.


2. Moagem da cana, compreendendo:
2.1. Primeira passagem da cana pela moenda.
2.2. Repasse de bagaço pela moenda para nova expressão.
3. Armazenamento do caldo no ‘parol’, que fazia o papel de reservatório de
regularização e de onde era o caldo conduzido, por gravidade ou guindado para a
cozinha.
4. O cozimento, compreendendo tudo o que se fazia ao fogo, bem como o trabalho de
manutenção do fogo nas fornalhas. Esta atividade compreende as atividades de*:
4.1. Limpeza do caldo cru.
4.2. Evaporação do caldo limpo.
4.3. Purificação do caldo evaporado.
4.4. Cozimento do caldo purificado.
4.5. Levado o xarope à consistência adequada, inicia-se a formação dos cristais
de açúcar.
4.6. Batedura: quando a massa era batida e repartida para enchimento dos
cristais de açúcar.
4.7. Enchimento das fôrmas.
5. Purga – Colocada nas fôrmas, parte do mel e do material não-cristalizado escorria
pelo furo existente no fundo da fôrma. Essa atividade compreendia as seguintes
operações:
5.1. Furação dos pães pelo orifício inferior das fôrmas e colocação em purga por
alguns dias.
5.2. Quebra da cara dos pães ainda enformados.
5.3. Entaipamento, que consistia em igualar, com macetes, as caras quebradas
nas fôrmas.
5.4. Barreamento, que era a cobertura das caras, já igualadas, com argila
saturada de água. A água ia percolando a massa de açúcar contida na fôrma e assim ia
lavando o açúcar. A primeira purga se faz sem argila, durante cerca de 15 dias. O mel
que escorre pelos furos inferiores das fôrmas é recolhido para reaproveitamento.
5.5. Umedecimento da argila. A argila era umedecida com frequência, a fim de
assegurar a lavagem do açúcar. Esta operação durava, às vezes, mais de 30 dias.
5.6. Retirada dos pães das fôrmas.
6. Retirados das fôrmas, os pães eram quebrados para separação das camadas de
diferentes qualidades.
6.1. Mascavar, cortar cabuchos e pés de fôrma.
6.2. Quebrar em torrôes.
6.3. Repartição do açúcar. Essa operação era feita no balcão de mascavar. O
açúcar era a seguir conduzido, em padiola, para o balcão de secar.
6.4. O açúcar era ali quebrado em pequenos torrões e estendido sobre toldos para
secar ao sol. Sucedem-se operações de amontoamento e novo espalhamento, para expor
igualmente ao sol todo o lote de açúcar.
7. Pesagem, repartição e encaixotamento, que é quando o açúcar é pesado, classificado
em tipos e distribuído aos proprietários de cana trazida ao engenho e separada a parcela
do senhor do engenho.” (pp. 72-73)
*Nota: ALMEIDA, Miguel Calmon du Pin e, Ensaio sobre o fabrico do assucar. Bahia,
s. C. P., 1834, p. 124.

⦁ “A moagem ajusta-se à capacidade da cozinha, parando de moer ou moendo pouco, a


fim de não ultrapassar a capacidade das caldeiras. Estas é que determinam a quantidade
máxima de cana a ser moída. E determinam também a mínima, pois não se poderia
correr o risco de ver os cobres vazios ou com pouca carga sobre o fogo, o que os
arruinaria.1” (p. 74).

1
Nota: Siegfried Giedion, em La mecanización toma el mando, referindo-se aos
matadouros de porcos, [vou suprimir essa nota, porque o Gama faz uma comparação
bem inútil para os nossos propósitos...].

⦁ “A regulagem do processo se fazia então controlando a velocidade (vazão) da


moagem. Para usar a palavra da moda, dir-se-ia que o processo necessitava de um
dispositivo de ‘controle retroativo’ (feed-back) e, de fato, esse dispositivo existia: era
personificado pelo Mestre do Açúcar, que mantinha o equilíbrio dando ordens ao
Mestre da Moenda.” (p. 74).

⦁ “É também compreensível que essa ajustagem operacional se fizesse pelo


retardamento da moagem. A moenda (hidráulica, no caso) mantinha assim uma certa
capacidade ociosa – o que dentro de certos limites não representaria grandes prejuízos –
em benefício da cozinha, que trabalharia em plena capacidade. Porque a esta não
convinha outro ritmo. Ela era a atividade mais custosa, pelo elevado preço dos cobres,
dos escravos (e ela precisava dos mais hábeis e em grande número) e pelo consumo
elevado de combustível.” (p. 74).

VER FIGURA, P. 75. “Quadro da manufatura da produção açucareira”.

⦁ “Outros aspectos reveladores do ‘gargalo’ localizado na cozinha do engenho são


apresentados no quadro de distribuição das despesas anuais de um engenho no século
XVII apresentado na obra de Frédéric Mauro* e certamente não muito diversas daquelas
do engenho Sergipe do Conde.
Salários = 24,4%
Combustíveis = 21,3%
Cobres = 11,0%
Barcos = 10,4%
Trabalhos = 8,1%
Escravos = 10,3%
Diversos = 14,5%
Total = 100%” (p. 76).

*Nota: PARIAS, Louis Henri (dir.), História general del trabajo. Barcelona, Ediciones
Grijalbo, 1965, p. 356.

⦁ “A distribuição desses custos segundo as atividades pode ser obtida cruzando essas
informações com aquelas dadas por Antonil. Segundo ele, os salários no engenho
distribuíam-se da seguinte maneira:
Mestre do Açúcar = 120$000
Feitor-Mor = 60$000
Purgador = 50$000
Caixeiro = 40$000
Feitor da moenda = 30$000
Total = 300$000” (p. 76).

⦁ “Como de fato existiam outros feitores assalariados nas ‘fazendas e partidos’, cujo
número não é entretanto definido por Antonil, arbitramos atribuir a eles salários que
totalizariam 150$000, elevando o total acima a 450$000. Nessas condições, o salário do
Mestre do Açúcar chegaria aos 26% do total pago no engenho.” (p. 76).

⦁ “Combinando esses dados com aqueles revelados no organograma do engenho,


podemos quantificar o custo anual da cozinha. Admitindo que 1/8 dos escravos
trabalhavam na cozinha (19/150) e que ¼ dos salários corresponderia ao do mestre do
açúcar, teremos o seguinte quadro*: (p. 76).

*Nota: ANDREONI, João Antonio (André João Antonil), Cultura e opulência do Brasil
por suas drogas e minas. São Paulo, Melhoramentos/MEC, 1976. Nele baseamos a
escolha do número 150 para o total dos escravos próprios do engenho.

VER QUADRO P. 77. “Tabela com os gastos da cozinha.”

⦁ “O que indica caber à cozinha 40% dos custos do engenho.” (p. 77).

⦁ “No quadro descrito por Antonil, qualquer aperfeiçoamento que fosse introduzido na
moenda exigiria resposta da cozinha, que deveria se aparelhar para processar mais
caldo. O próprio ‘engenho real’ pelo uso de moenda hidráulica já exigia dois ternos de
cobres, o que não acontecia nos engenhos de almanjarras de menor porte.” (p. 77).

⦁ “Há fatores externos que também comparecem, apressando ou retardando o diálogo do


engenho. A manufatura do açúcar, desde o século XIV adotou técnicas tomadas de
empréstimo. Isso fica evidente na ilustração de Stradanus, onde a cana é moída em
atafona, é espremida em prensas de lagar de azeite e a massa é finalmente colocada em
fôrmas de pão de açúcar, cujo desenho lembra as fôrmas de cristalização de sal descritas
por Agricola*.” (p. 78).

*Nota: AGRICOLA, Giogio. De re metalica. Trad. De Herbert C. Hoover e Lou H.


Hoover. New York, Dover, 1950.

⦁ “[...] um engenho dispondo de maiores recursos de capital, em situações favoráveis do


mercado internacional poderia duplicar ou triplicar ‘os cobres’, dispondo, todavia,
apenas de uma moenda. Nessas condições, a atividade crítica seria a moagem, e a
solução era, conforme comprovam os registros iconográficos, a duplicação, ou a
triplicação das moendas. Os desenhos de Franz Post, relativos ao período da ocupação
holandesa do Nordeste mostram a existência de engenhos com duas moendas
trabalhando ‘em paralelo’.” (pp. 78-79).

⦁ “Essa multiplicação de moendas restabelecia de certa forma as condições do engenho


Sergipe do Conde e garantiam o uso dos cobres em plena carga, restabelecendo aquele
equilíbrio de funcionamento, porém em nível de produção muito superior. Algumas
dessas moendas em paralelo poderiam ficar de ‘reserva’ para emprego quando não
houvesse vento ou água ou mesmo trabalhar em situações de ‘ponta de carga’
compensando as variações quantitativas e qualitativas da cana aduzida ao engenho.” (p.
79).

⦁ “[...] pouca coisa se inventou na manufatura de açúcar de cana. A moenda de rolos


verticais (de entrosas) apareceu em fins do século XVI e foi largamente empregada até o
século XIX, persistindo até hoje em uso nos engenhos rapadureiros.” (p. 79).

VER TABELA, P. 81. “Quadro com a caracterização da produção açucareia dos séc.
XVI-XIX”
CAPÍTULO IV – AS MÁQUINAS, A DIVISÃO DO TRABALHO E A
PRODUTIVIDADE NO ENGENHO

Esse capítulo é inteiro preenchido com ilustrações, fotos e etc. Ele faz um vôo por
vários séculos, usando até fotos do século XX para demonstrar sua argumentação.
Filtrei o máximo que pude. Aqui no fichamento, deixei os comentários das fotos mais
pertinentes. Depois você olha as imagens que digitalizei.

FIGURA 5 – FABRICAÇÃO DE AÇÚCAR NA SICÍLIA

⦁ “A estampa mostra também a distribuição dos trabalhadores nas diversas atividades:


são 7 pessoas na moagem, 3 na cozinha e 3 na purga. Isto parece indicar que a atividade
crítica, naqueles engenhos, era a moagem. Não existindo na época moenda
especificamente projetada para a cana, os engenhos usavam máquinas tomadas de
empréstimo de outras oficinas rurais, como eram os moinhos de cereais e as prensas.
Isso exigia um número proporcionalmente muito grande de trabalhadores para a
moagem e um dispêndio de tempo exagerado nesta primeira atividade da fábrica.” (p.
91).

⦁ “O cozimento e a purga processavam-se do mesmo modo que em São Domingos, no


século XVI e, provavelmente, no Brasil, na mesma época.” (p. 91).

FIGURA 8 – Prensa de lagar-tórculo

⦁ “As prensas de tórculo foram também usadas nos engenhos de açúcar mais primitivos,
anteriormente à invenção da moenda de três rolos verticais.” (p. 97).

FIGURA 10 – ALÇAPREMA

⦁ “Reprodução do desenho de Hamilton Fernandes mostrando prensa utilizada para


esmagar cana, complementando a moagem. [...] Esta prensa de barras recebia, segundo
Brandônio, nos Diálogos das grandezas do Brasil, o nome de gangorra.”

FIGURA 12 – FABRICAÇÃO ED AÇÚCAR

⦁ “É importante notar que este tipo de moenda, com mós de pedra que rodam sobre um
piso no qual se colocam as canas a serem esmagadas, correspondia à denominação
trapiche. Com efeito, a Enciclopédia universal ilustrada (Espasa-Calpe) dá à palavra o
étimo latino Trapetes, com o significado de ‘pedra de moinho de azeite’ e esclarece que
se aplica também à moenda de cana, aos moinhos para pulverização de minérios, e, em
Cuba, aos pequenos engenhos que produzem rapadura ou mel.” (p. 105).

⦁ “No Brasil, a leitura da obra de Fernão Cardim – Tratado da terra e gente do Brasil –
que é de fins do século XVI, levou a entender-se que os moinhos que moem com bois
chamavam-se Trapiches.” (p. 105).

⦁ “Essa interpretação não é a única possível, como se pretende demonstrar.” (p. 105).

⦁ “As moendas de mós de pedra foram usadas nos primeiros engenhos espanhóis de São
Domingos, descritos por Benzoni e por Ramusio e ilustrados por Bry. Ramusio os
denomina Trapeti e Von Lippman refere-se às moendas da Sicília com o nome Trappeti.
Menciona mesmo a existência de uma pequena povoação nas proximidades de Palermo
que tem até hoje o nome de Trappeto.” (p. 105).

⦁ “Ao que parece, esse tipo de moenda foi de pouco uso no Brasil e a palavra trapiche
também caiu em desuso. Frei Vicente do Salvador a ela não se refere, embora ainda
mencione as moendas de mós (1627).” (p. 107). [ver fichamento do Frei Vicente, nas fl.
155 // fl. 155v.].

⦁ “Com o emprego das moendas de entrosas, de cilindros verticais, os trapiches caíram


em desuso, assim como a palavra. Antonil, em 1710 não a emprega, tal como Frei
Vicente do Salvador em 1627.” (p. 105).

⦁ “Mas, se Cardim não tinha a noção de moenda, o mesmo não acontecia com Ambrósio
F. Brandão. Este usa a noção e a palavra quando se refere a ‘uma nova invenção de
moenda, a que chamam palitos’.* É possível que a existência de mais um tipo de
moinho tenha mostrado que o critério do motor (roda d’água ou bois) já não bastava
para diferenciar os engenhos, pois a nova moenda podia trabalhar com qualquer dos
dois motores.” (p. 107).

*Nota: BRANDÃO, Ambrósio Fernandes, Diálogos das grandezas do Brasil. Bahia,


Livraria Progresso Editora, 1956. Recife, Imprensa Universitária, 1966, p. 85.

⦁ “Brandônio deixa também claro que até então os engenhos d’água usavam moendas
de rolos (eixos) e também, complementarmente, gangorras (alçapremas) acionadas por
bois. Já os trapiches, segundo o mesmo autor, ‘moem a cana por uma invenção de
rodas..., tirada de bois’.” (p. 107).
FIGURA 19 – TRAPICHE DE LAGAR

⦁ “Reunindo as informações dos escritores e cronistas quinhentistas (Fernão Cardim,


Pero de Magalhães Gandavo e Gabriel Soares de Souza) que se referem aos trapiches
que ‘moem com bois’ e ao que diz Brandônio, quanto a essas moendas, chamando-as de
‘invenção de rodas’*, poderíamos aceitar esta figura como representativa dos engenhos
movidos por bois. Ela supriria assim, com bastante aproximação, a falta de ilustrações
que mostrem os primeiros engenhos brasileiros. A iconografia do açúcar no Brasil só
começa com os holandeses.” (p. 119).

*Nota: Diálogos das grandezas do Brasil, p. 164.

FIGURA 21 – MOENDA DE ROLOS

⦁ “Reprodução de desenho de Hamilton Fernandes figurando uma moenda de rolos


horizontais. A esse tipo de moenda se dava o nome de ‘engenho de eixos’, segundo Frei
Vicente do Salvador. O mesmo autor se refere a outros tipos de moendas, tais como as
de ‘mós’, as de ‘pilões’ e as de duas ou três gangorras. As moendas de eixos eram,
entretanto, as mais usadas, até serem substituídas pelas moendas de palitos. É
interessante notar que as moendas de eixos voltam a ser usadas no final do século
XVIII, sob a forma aperfeiçoada de moenda de rolos horizontais. O que se constata
através de leitura da obra de Frei Vicente do Salvador é a existência de vários tipos de
moenda, disputando em termos de eficiência e todas elas oriundas dos moinhos de
cereais ou da mineração. Combinavam-se a esses moinhos diferentes fontes de força
motriz (rodas d’água, tração animal ou tração humana).” (p. 123).

⦁ “As moendas de rolos horizontais apresentavam, todavia, grandes desvantagens.


Construídas em madeira não tinham condições de resistir ao desgaste, principalmente
nos mancais dos cilindros. Pondo de lado as diferenças na energia necessária para
mover um ou outro tipo de moenda, há uma diferença operacional que convém lembrar:
na moenda horizontal de dois rolos não era possível a alimentação pelos dois lados. Para
repassar o bagaço – o que era feito inúmeras vezes – o trabalhador encarregado disso
deveria retirar o bagaço e deslocar-se para o outro lado da máquina a fim de realimentá-
la. A máquina tinha um lado de entrada e um de saída. Isto não acontecia nas moendas
de entrosas, que podiam ser alimentadas dos dois lados, o que facilitava a continuidade
na operação do repasse e a produtividade.” (p. 123). [ver fichamento do Frei Vicente,
nas fl. 155 // fl. 155v.].

FIGURA 22 – ENGENHO D’ÁGUA – ENGENHO REAL

⦁ “A moenda de entrosas tinha três cilindros verticais entrosados, cuja rotação permitia
a alimentação por um lado e a realimentação pelo lado oposto. Com isso, a dupla
moagem se fazia na mesma máquina e de maneira contínua.” (p. 125).

⦁ “O número de trabalhadores se reduzia a 3. A moenda de entrosas é a primeira


máquina específica da manufatura do açúcar. Sua invenção é atribuída a Gonzales de
Velosa, senhor de engenho em Hispaniola no século XVI, mas teria chegado ao Brasil
procedente do Peru, trazida por um padre espanhol, no início do século XVII.” (p. 125).

⦁ “Segundo Carlos V. de Cerqueira*, as primeiras moendas de cilindros verticais não


tinham entrosas, de maneira que apenas o cilindro central era rotativo, sendo fixos os
dois outros que o ladeavam.” (p. 125).

*Nota: CERQUEIRA, Carlos Valeriano de. Histórico da cultura da cana na Bahia, in


Anais do Primeiro Congresso de História da Bahia, vol. IV, p. 270.

⦁ “Considerada separadamente, como motor, a roda d’água foi empregada para acionar
os tipos de moenda, a saber: os pilões, os trapiches, as moendas de rolos, as de entrosas
e até as moendas horizontais mais modernas. Dessa forma, foram elas o primeiro ‘motor
universal’, adaptável a todos os usos.” (pp. 125-126).

⦁ “A hipótese de que merecessem o qualificativo Real aqueles engenhos que eram ou


tivessem sido de propriedade do Rei, também não é fidedigna.” (p. 126).

⦁ “Fernão Cardim, no Tratado da terra e gente do Brasil, refere-se aos engenhos d’água
e também não usa o adjetivo Real. Frei Vicente do Salvador e Brandônio também não.”
(p. 127).

⦁ “Ao que parece, essa denominação só vem a surgir no século XVII; é registrada por
Antonil no começo do século XVIII e depois repetida por D. Domingos do Loreto
Couto e outros autores.” (p. 127).
⦁ “Mas em 1655, a Provisão Régia de 17 de dezembro (p. 317, livro 2, Códice 61 –
Arquivo Nacional – S.A.P.) já se refere explicitamente a ‘... Engenhos de assucar no
estado do Brazil, asy reaes como trapiches,...’” (p. 130).

⦁ “A procura das origens dos ‘Engenhos Reais’ devem portanto, recuar ainda mais. Ela
deve ser consequência, muito provavelmente, das Ordenações Filipinas, publicadas em
1603.” (p. 130).

⦁ “A chave do enigma está, a meu ver, nas águas. Antonil estabelece esta relação, ainda
que de passagem, e talvez mesmo por considerá-la óbvia: ‘... por terem a realeza de
moerem com água’.” (p. 130).

⦁ “É no uso das águas – quer por serem elas do patrimônio Real, como estabeleciam as
Ordenações – ou pela caracterização de um direito real (direito sobre coisas), inerente
ao usufruto dos rios e riachos.” (p. 130).

⦁ “Com a confirmação das Ordenações, feita pela lei de 24 de janeiro de 1643, teria
cessado a ‘delegação de poderes’ do Regimento de Tomé de Souza. A centralização
administrativa, à qual se refere Caio Prado Jr.*, teria levado à necessidade de
reconhecimento do direito real nos engenhos já existentes. E só então teria surgido a
denominação Engenho Real.” (p. 130).

*Nota: PRADO JR., Caio, História Econômica do Brasil. São Paulo, Editora
Brasiliense, 1972, p. 51.

⦁ “H. Watjen, na obra O domínio colonial holandês, p. 428, diz que um engenho de
almanjarras, trabalhando 24 horas, produzia 30 arrobas de açúcar, e que, no mesmo
tempo, um engenho d’água produzia de 40 a 70 arrobas*.” (p. 133).

*Nota: Alice P. Canabrava, “A força motriz: um problema da técnica ...”, in Anais do


Primeiro Congresso de História da Bahia, vol. IV, p. 341.

⦁ “Por que razão teriam os engenhos d’água maior produção do que os de almanjarras?
Se dermos crédito à iconografia, veremos que não havia grandes diferenças nas
dimensões das moendas usadas num e noutro caso. Os desenhos de Franz Post
mostram-nas do mesmo tamanho, dando idéia de que poderiam ser usadas,
indiferentemente, com qualquer um dos motores. É que a limitação no tamanho das
moendas era dada pelo sistema de alimentação manual nela necessariamente
empregado. Qualquer que fosse a altura dos rolos da moenda, apenas uma pequena faixa
deles, acessível a um operados de pé, era realmente utilizada. Frei Vicente do Salvador
refere-se a cilindros de moenda com 2 ½ palmos de altura – 55 cm.” (p. 133).

⦁ “De nada adiantariam rolos de 3 a 4 metros de altura se o operador não poderia utilizar
toda essa altura. O que se pode supor, para explicar essa diferença de rendimento, é que
uma moenda de dimensões ótimas trabalharia com velocidade muito maior quando
acionada por roda d’água.” (p. 133).

⦁ “As moendas tradicionais por bois, animais fortes mas morosos, giravam lentamente.
O sistema de transmissão de força, que ligava o eixo de almanjarra diretamente ao rolo
central da moenda, exigia um volta completa dos animais para cada volta dos rolos.
Quando tracionadas por cavalos, as almanjarras podiam adquirir maior velocidade, mas
a pouca resistência desses animais obrigava a muda a cada 2 horas, com evidente
prejuízo para a Continuidade do processo.” (p. 133).

⦁ “Com a roda d’água o problema era exatamente o oposto. Era preciso reduzir sua
velocidade. No engenho descrito por Antonil*, havia um sistema de redução pelo qual
eram necessárias 3,5 voltas da roda d’água para cada volta completa dos rolos, pois o
rodete solidário àquela tinha 32 dentes e acionava uma bolandeira com 112 dentes.
Outro recurso para reduzir a velocidade tangencial nos rolos das moendas era diminuir o
seu diâmetro.” (p. 133).

*Nota: Cultura e opulência..., p. 185.

FIGURA 38 – A COZINHA E AS TACHAS NO SÉCULO XVIII

⦁ “Grosso modo, pode-se dizer que a garapa é uma solução de açúcar, e de algumas
outras substâncias, em água. E que é também uma mistura, pois nela se encontram
elementos insolúveis, tais como resíduos do bagaço, das folhas, cera etc. O tratamento
da garapa implica, portanto, separação desses elementos insolúveis, do que resulta o
caldo e, a seguir, a separação do açúcar de seu solvente (água).” (p. 163).

⦁ “Esta separação se faz por processo análogo àquele empregado na produção de


diversos sais – é a purificação por cristalização. A cristalização é um processo seletivo,
pois, uma vez eliminados os elementos insolúveis que poderiam aparecer como
inclusões nos cristais, estes se formam com a substância pura.” (p. 163).
⦁ “Mas essa separação do soluto é uma operação antientrópica, que exige grande
fornecimento de energia.” (p. 163).

⦁ “Ela era feita nas tachas dos engenhos, a fogo direto, e consiste em reduzir, por
evaporação, a água do caldo até que ela atinja a quantidade precisa para a formação dos
cristais (água de cristalização) à temperatura adequada.” (p. 163).

⦁ “É isso que acontecia na cozinha do engenho. Dito dessa forma, a coisa parece
extremamente simples; mas o controle dos processos físicos e químicos nela envolvidos
exigia o controle preciso da quantidade de calor fornecida em cada momento.” (p. 163).

⦁ “Miguel Calmon du Pin e Almeida*, baseado em Dutrône, descreve as operações


efetuadas na cozinha, como segue:

1) Limpeza do calo cru;


2) Evaporação do caldo limpo;
3) Purificação do caldo evaporado;
4) Cozimento do caldo purificado.” (p. 164).

*Nota: ALMEIDA, Miguel Calmon du Pin e, Ensaio sobre o fabrico do assucar. Bahia,
s. C. P., 1834, p. 124 e ss.

⦁ “Este tipo de forno recebeu o nome de forno inglês ou trem inglês ou também trem da
Jamaica, por ter sido usado naquela ilha desde o começo do século XVIII.” (p. 164).

⦁ “A figura nos mostra também uma diferenciação no tamanho das tachas, o que revela
uma ‘especialização dos utensílios’. As tachas passam a ter nomes individuais, que
designam suas dimensões, sua posição ou sua função no processo. O caldo era lançado
inicialmente na tacha maior, denominada ‘Grande’, passando sucessivamente para a
‘Propre’, desta para a ‘Flambeau’ e depois para a ‘Syrop’. Até a última que era a
‘Batterie’. O controle dos processos físico-químicos era difícil e exigia o jogo com as
três variáveis articuladas pelo trem inglês: o tamanho das tachas, sua posição em relação
à boca de fogo e o tempo de permanência sobre o fogo.” (p. 165).

FIGURA 40 – FÔRMAS DE PÃO DE AÇÚCAR

⦁ “As fôrmas recebiam o açúcar, já cristalizado, proveniente das tachas de têmpera e


nelas se processava sua limpeza.” (p. 171).
⦁ “Constava esse processo em percolação da massa, constituída já de cristais, pela água
que diariamente se colocava na camada de argila que cobria o pão (número 1 na figura).
O açúcar era assim purgado durante 30 ou 40 dias.” (p. 171).

⦁ “O mel que escorria pelo furo da fôrma era aproveitado, voltando para a cozinha ou
indo para a destilação de aguardente nos alambiques. Após o período de purga, a fôrma
era emborcada sobre uma mesa e então o açúcar se tornava visível (e só então). A
qualidade do produto só era constatada após sua conclusão. Os números no desenho
indicam: 2 – camada de argila saturada de água, para lavagem do açúcar; 3 – açúcar
brando ‘de cabeça’ ou de ‘cara de fôrma’; 4 – açúcar mascavado claro; 5 – idem escuro;
6 – cabucho, açúcar, escuro e úmido.” (p. 171).

CAPÍTULO VIII – A ESTAGNAÇÃO DO ENGENHO

⦁ “É lícito supor que a preocupação com a qualidade do produto estivesse presente entre
os senhores de engenho. Melhor qualidade significava melhores preços, embora apenas
dentro dos limites que vinham sendo estabelecidos pelo próprio sistema colonial, já
desde o século XVI, com a presença das refinarias holandesas.” (p. 312).

⦁ “O que acontecia, entretanto, com o açúcar brasileiro em termos de qualidade? É


notório que aqui se produziam açúcares de boa qualidade, podendo, os brancos, irem
diretamente para a mesa dos consumidores, ainda no século XIX.” (p. 312). [Consumo
imediato do açúcar brasileiro, ver SEGREDOS INTERNOS, P. 145].

⦁ “A refinação do açúcar nunca foi praticada no período colonial. Apesar das referências
do Barléu ao emprego de ‘clara de ovos’ no tratamento do açúcar o que implica em
refinação e mesmo que isso tenha sido feito no Brasil ocupado pelos holandeses, não
teve expressão quantitativamente suficiente. É o que se depreende da permanência da
relação de 2/3 no rol das exportações da região no período holandês.” (p. 316).
[Refinação no Brasil, ver SEGREDOS INTERNOS, P. 145].

⦁ “A refinação já era, na Itália do século XV, atividade urbana, mias próxima das
atividades e das tradicionais rotas comerciais. Veneza, e posteriormente Bolonha,
durante muito tempo centralizou a refinação do açúcar.” (p. 316).

⦁ “A refinação era, basicamente, a refusão do açúcar bruto que era tratado e


recristalizado.” (p. 316).
⦁ “A manufatura do açúcar divide-se, já na Itália do século XIV, em duas frações – uma
é a manufatura rural de fabricação, disseminada em grande número de pequenas
unidades; a outra é a manufatura de refinação, com menor número de unidades,
instaladas nas cidades e vinculadas ao grande comércio nacional e internacional.” (p.
322).

⦁ “Quando ainda, e foi o caso do Brasil, a refinação não fica na sua metrópole, mas vai
se concentrar em outra metrópole, o quadro se complica e assume os aspectos finais de
divisão internacional do trabalho.” (p. 322).

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