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ENGENHO E TECNOLOGIA
Ruy Gama
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Nota: O governador Furtado de Mendonça, segundo citação de Gileno Dé Carli, no
documento dirigido ao Rei em 1687, refere-se ao caráter aleatório do controle de
qualidade do açúcar e deixa entrever a analogia entre a criança em gestação e o açúcar
na fôrma, suja qualidade, tal como o sexo da criança, só se mostra após concluída a
purga e a desfôrma.
⦁ “Há duas outras características de manufatura do açúcar que devem ser lembradas. A
primeira delas é a sua coexistência com outras manufaturas paralelas, também orgânicas
(ou em série) e anexas aos engenhos. É o caso da existência de olarias para fabricação
de fôrmas e de caixotaria ou tanoaria para fabricação das caixas ou barricas de
embalagem. A segunda se liga à própria essência de manufatura orgânica; sendo a
continuidade um dos requisitos essenciais da fabricação, a seqüência não pode ser
rompida num ponto qualquer. Mas tem seus ‘planos de clivagem’. A manufatura do
açúcar se a considerarmos em sua forma tecnicamente possível (embora pouco
freqüente) estender-se-ia da moagem da cana à obtenção do açúcar refinado como
produto final.” (p. 58).
⦁ “Ela, todavia, se rompe historicamente em duas frações de manufatura. A primeira é a
de fabricação; principia com a moagem e vai até o melado – nos casos mais grosseiros
de ruptura – ou então vai até a produção de açúcares brutos com porcentagem variável
de açúcares brancos de melhor qualidade (como se verá, essa porcentagem nunca
superou os 66%). A segunda fração da manufatura é a do refino que, principiando do
melado ou dos açúcares brutos, chega aos de melhor qualidade. Estabelecida a ruptura, a
primeira fração passa a ser fornecedora de matéria-prima para a segunda. A manufatura
do açúcar deixa de ter a forma típica, tecnicamente possível de manufatura orgânica,
linear ou concentrada e passa a ter a forma de duas manufaturas lineares justapostas.”
(p. 58).
1
Nota: Siegfried Giedion, em La mecanización toma el mando, referindo-se aos
matadouros de porcos, [vou suprimir essa nota, porque o Gama faz uma comparação
bem inútil para os nossos propósitos...].
*Nota: PARIAS, Louis Henri (dir.), História general del trabajo. Barcelona, Ediciones
Grijalbo, 1965, p. 356.
⦁ “A distribuição desses custos segundo as atividades pode ser obtida cruzando essas
informações com aquelas dadas por Antonil. Segundo ele, os salários no engenho
distribuíam-se da seguinte maneira:
Mestre do Açúcar = 120$000
Feitor-Mor = 60$000
Purgador = 50$000
Caixeiro = 40$000
Feitor da moenda = 30$000
Total = 300$000” (p. 76).
⦁ “Como de fato existiam outros feitores assalariados nas ‘fazendas e partidos’, cujo
número não é entretanto definido por Antonil, arbitramos atribuir a eles salários que
totalizariam 150$000, elevando o total acima a 450$000. Nessas condições, o salário do
Mestre do Açúcar chegaria aos 26% do total pago no engenho.” (p. 76).
*Nota: ANDREONI, João Antonio (André João Antonil), Cultura e opulência do Brasil
por suas drogas e minas. São Paulo, Melhoramentos/MEC, 1976. Nele baseamos a
escolha do número 150 para o total dos escravos próprios do engenho.
⦁ “O que indica caber à cozinha 40% dos custos do engenho.” (p. 77).
⦁ “No quadro descrito por Antonil, qualquer aperfeiçoamento que fosse introduzido na
moenda exigiria resposta da cozinha, que deveria se aparelhar para processar mais
caldo. O próprio ‘engenho real’ pelo uso de moenda hidráulica já exigia dois ternos de
cobres, o que não acontecia nos engenhos de almanjarras de menor porte.” (p. 77).
VER TABELA, P. 81. “Quadro com a caracterização da produção açucareia dos séc.
XVI-XIX”
CAPÍTULO IV – AS MÁQUINAS, A DIVISÃO DO TRABALHO E A
PRODUTIVIDADE NO ENGENHO
Esse capítulo é inteiro preenchido com ilustrações, fotos e etc. Ele faz um vôo por
vários séculos, usando até fotos do século XX para demonstrar sua argumentação.
Filtrei o máximo que pude. Aqui no fichamento, deixei os comentários das fotos mais
pertinentes. Depois você olha as imagens que digitalizei.
⦁ “As prensas de tórculo foram também usadas nos engenhos de açúcar mais primitivos,
anteriormente à invenção da moenda de três rolos verticais.” (p. 97).
FIGURA 10 – ALÇAPREMA
⦁ “É importante notar que este tipo de moenda, com mós de pedra que rodam sobre um
piso no qual se colocam as canas a serem esmagadas, correspondia à denominação
trapiche. Com efeito, a Enciclopédia universal ilustrada (Espasa-Calpe) dá à palavra o
étimo latino Trapetes, com o significado de ‘pedra de moinho de azeite’ e esclarece que
se aplica também à moenda de cana, aos moinhos para pulverização de minérios, e, em
Cuba, aos pequenos engenhos que produzem rapadura ou mel.” (p. 105).
⦁ “No Brasil, a leitura da obra de Fernão Cardim – Tratado da terra e gente do Brasil –
que é de fins do século XVI, levou a entender-se que os moinhos que moem com bois
chamavam-se Trapiches.” (p. 105).
⦁ “Essa interpretação não é a única possível, como se pretende demonstrar.” (p. 105).
⦁ “As moendas de mós de pedra foram usadas nos primeiros engenhos espanhóis de São
Domingos, descritos por Benzoni e por Ramusio e ilustrados por Bry. Ramusio os
denomina Trapeti e Von Lippman refere-se às moendas da Sicília com o nome Trappeti.
Menciona mesmo a existência de uma pequena povoação nas proximidades de Palermo
que tem até hoje o nome de Trappeto.” (p. 105).
⦁ “Ao que parece, esse tipo de moenda foi de pouco uso no Brasil e a palavra trapiche
também caiu em desuso. Frei Vicente do Salvador a ela não se refere, embora ainda
mencione as moendas de mós (1627).” (p. 107). [ver fichamento do Frei Vicente, nas fl.
155 // fl. 155v.].
⦁ “Mas, se Cardim não tinha a noção de moenda, o mesmo não acontecia com Ambrósio
F. Brandão. Este usa a noção e a palavra quando se refere a ‘uma nova invenção de
moenda, a que chamam palitos’.* É possível que a existência de mais um tipo de
moinho tenha mostrado que o critério do motor (roda d’água ou bois) já não bastava
para diferenciar os engenhos, pois a nova moenda podia trabalhar com qualquer dos
dois motores.” (p. 107).
⦁ “Brandônio deixa também claro que até então os engenhos d’água usavam moendas
de rolos (eixos) e também, complementarmente, gangorras (alçapremas) acionadas por
bois. Já os trapiches, segundo o mesmo autor, ‘moem a cana por uma invenção de
rodas..., tirada de bois’.” (p. 107).
FIGURA 19 – TRAPICHE DE LAGAR
⦁ “A moenda de entrosas tinha três cilindros verticais entrosados, cuja rotação permitia
a alimentação por um lado e a realimentação pelo lado oposto. Com isso, a dupla
moagem se fazia na mesma máquina e de maneira contínua.” (p. 125).
⦁ “Considerada separadamente, como motor, a roda d’água foi empregada para acionar
os tipos de moenda, a saber: os pilões, os trapiches, as moendas de rolos, as de entrosas
e até as moendas horizontais mais modernas. Dessa forma, foram elas o primeiro ‘motor
universal’, adaptável a todos os usos.” (pp. 125-126).
⦁ “Fernão Cardim, no Tratado da terra e gente do Brasil, refere-se aos engenhos d’água
e também não usa o adjetivo Real. Frei Vicente do Salvador e Brandônio também não.”
(p. 127).
⦁ “Ao que parece, essa denominação só vem a surgir no século XVII; é registrada por
Antonil no começo do século XVIII e depois repetida por D. Domingos do Loreto
Couto e outros autores.” (p. 127).
⦁ “Mas em 1655, a Provisão Régia de 17 de dezembro (p. 317, livro 2, Códice 61 –
Arquivo Nacional – S.A.P.) já se refere explicitamente a ‘... Engenhos de assucar no
estado do Brazil, asy reaes como trapiches,...’” (p. 130).
⦁ “A procura das origens dos ‘Engenhos Reais’ devem portanto, recuar ainda mais. Ela
deve ser consequência, muito provavelmente, das Ordenações Filipinas, publicadas em
1603.” (p. 130).
⦁ “A chave do enigma está, a meu ver, nas águas. Antonil estabelece esta relação, ainda
que de passagem, e talvez mesmo por considerá-la óbvia: ‘... por terem a realeza de
moerem com água’.” (p. 130).
⦁ “É no uso das águas – quer por serem elas do patrimônio Real, como estabeleciam as
Ordenações – ou pela caracterização de um direito real (direito sobre coisas), inerente
ao usufruto dos rios e riachos.” (p. 130).
⦁ “Com a confirmação das Ordenações, feita pela lei de 24 de janeiro de 1643, teria
cessado a ‘delegação de poderes’ do Regimento de Tomé de Souza. A centralização
administrativa, à qual se refere Caio Prado Jr.*, teria levado à necessidade de
reconhecimento do direito real nos engenhos já existentes. E só então teria surgido a
denominação Engenho Real.” (p. 130).
*Nota: PRADO JR., Caio, História Econômica do Brasil. São Paulo, Editora
Brasiliense, 1972, p. 51.
⦁ “H. Watjen, na obra O domínio colonial holandês, p. 428, diz que um engenho de
almanjarras, trabalhando 24 horas, produzia 30 arrobas de açúcar, e que, no mesmo
tempo, um engenho d’água produzia de 40 a 70 arrobas*.” (p. 133).
⦁ “Por que razão teriam os engenhos d’água maior produção do que os de almanjarras?
Se dermos crédito à iconografia, veremos que não havia grandes diferenças nas
dimensões das moendas usadas num e noutro caso. Os desenhos de Franz Post
mostram-nas do mesmo tamanho, dando idéia de que poderiam ser usadas,
indiferentemente, com qualquer um dos motores. É que a limitação no tamanho das
moendas era dada pelo sistema de alimentação manual nela necessariamente
empregado. Qualquer que fosse a altura dos rolos da moenda, apenas uma pequena faixa
deles, acessível a um operados de pé, era realmente utilizada. Frei Vicente do Salvador
refere-se a cilindros de moenda com 2 ½ palmos de altura – 55 cm.” (p. 133).
⦁ “De nada adiantariam rolos de 3 a 4 metros de altura se o operador não poderia utilizar
toda essa altura. O que se pode supor, para explicar essa diferença de rendimento, é que
uma moenda de dimensões ótimas trabalharia com velocidade muito maior quando
acionada por roda d’água.” (p. 133).
⦁ “As moendas tradicionais por bois, animais fortes mas morosos, giravam lentamente.
O sistema de transmissão de força, que ligava o eixo de almanjarra diretamente ao rolo
central da moenda, exigia um volta completa dos animais para cada volta dos rolos.
Quando tracionadas por cavalos, as almanjarras podiam adquirir maior velocidade, mas
a pouca resistência desses animais obrigava a muda a cada 2 horas, com evidente
prejuízo para a Continuidade do processo.” (p. 133).
⦁ “Com a roda d’água o problema era exatamente o oposto. Era preciso reduzir sua
velocidade. No engenho descrito por Antonil*, havia um sistema de redução pelo qual
eram necessárias 3,5 voltas da roda d’água para cada volta completa dos rolos, pois o
rodete solidário àquela tinha 32 dentes e acionava uma bolandeira com 112 dentes.
Outro recurso para reduzir a velocidade tangencial nos rolos das moendas era diminuir o
seu diâmetro.” (p. 133).
⦁ “Grosso modo, pode-se dizer que a garapa é uma solução de açúcar, e de algumas
outras substâncias, em água. E que é também uma mistura, pois nela se encontram
elementos insolúveis, tais como resíduos do bagaço, das folhas, cera etc. O tratamento
da garapa implica, portanto, separação desses elementos insolúveis, do que resulta o
caldo e, a seguir, a separação do açúcar de seu solvente (água).” (p. 163).
⦁ “Ela era feita nas tachas dos engenhos, a fogo direto, e consiste em reduzir, por
evaporação, a água do caldo até que ela atinja a quantidade precisa para a formação dos
cristais (água de cristalização) à temperatura adequada.” (p. 163).
⦁ “É isso que acontecia na cozinha do engenho. Dito dessa forma, a coisa parece
extremamente simples; mas o controle dos processos físicos e químicos nela envolvidos
exigia o controle preciso da quantidade de calor fornecida em cada momento.” (p. 163).
*Nota: ALMEIDA, Miguel Calmon du Pin e, Ensaio sobre o fabrico do assucar. Bahia,
s. C. P., 1834, p. 124 e ss.
⦁ “Este tipo de forno recebeu o nome de forno inglês ou trem inglês ou também trem da
Jamaica, por ter sido usado naquela ilha desde o começo do século XVIII.” (p. 164).
⦁ “A figura nos mostra também uma diferenciação no tamanho das tachas, o que revela
uma ‘especialização dos utensílios’. As tachas passam a ter nomes individuais, que
designam suas dimensões, sua posição ou sua função no processo. O caldo era lançado
inicialmente na tacha maior, denominada ‘Grande’, passando sucessivamente para a
‘Propre’, desta para a ‘Flambeau’ e depois para a ‘Syrop’. Até a última que era a
‘Batterie’. O controle dos processos físico-químicos era difícil e exigia o jogo com as
três variáveis articuladas pelo trem inglês: o tamanho das tachas, sua posição em relação
à boca de fogo e o tempo de permanência sobre o fogo.” (p. 165).
⦁ “O mel que escorria pelo furo da fôrma era aproveitado, voltando para a cozinha ou
indo para a destilação de aguardente nos alambiques. Após o período de purga, a fôrma
era emborcada sobre uma mesa e então o açúcar se tornava visível (e só então). A
qualidade do produto só era constatada após sua conclusão. Os números no desenho
indicam: 2 – camada de argila saturada de água, para lavagem do açúcar; 3 – açúcar
brando ‘de cabeça’ ou de ‘cara de fôrma’; 4 – açúcar mascavado claro; 5 – idem escuro;
6 – cabucho, açúcar, escuro e úmido.” (p. 171).
⦁ “É lícito supor que a preocupação com a qualidade do produto estivesse presente entre
os senhores de engenho. Melhor qualidade significava melhores preços, embora apenas
dentro dos limites que vinham sendo estabelecidos pelo próprio sistema colonial, já
desde o século XVI, com a presença das refinarias holandesas.” (p. 312).
⦁ “A refinação do açúcar nunca foi praticada no período colonial. Apesar das referências
do Barléu ao emprego de ‘clara de ovos’ no tratamento do açúcar o que implica em
refinação e mesmo que isso tenha sido feito no Brasil ocupado pelos holandeses, não
teve expressão quantitativamente suficiente. É o que se depreende da permanência da
relação de 2/3 no rol das exportações da região no período holandês.” (p. 316).
[Refinação no Brasil, ver SEGREDOS INTERNOS, P. 145].
⦁ “A refinação já era, na Itália do século XV, atividade urbana, mias próxima das
atividades e das tradicionais rotas comerciais. Veneza, e posteriormente Bolonha,
durante muito tempo centralizou a refinação do açúcar.” (p. 316).
⦁ “Quando ainda, e foi o caso do Brasil, a refinação não fica na sua metrópole, mas vai
se concentrar em outra metrópole, o quadro se complica e assume os aspectos finais de
divisão internacional do trabalho.” (p. 322).