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DISCIPLINA: História dos Povos Indígenas

Módulo: Das economias de subsistência às mercantilistas.

Nome do Professor: Pablo Rodrigo Ferreira


Nome da Disciplina: História Econômica – Faculdade Campos Elíseos
(FCE) – São Paulo – 2018.
Guia de Estudos – Módulo 02
Faculdade Campos Elíseos
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1. OS IMPÉRIOS NA HISTÓRIA ECONÔMICA.


Sociedades escravagistas

2. O FEUDALISMO NA HISTÓRIA ECONÔMICA.


Relações sociais e de trabalho
O ressurgimento urbano e comercial

CONSIDERAÇÕES FINAIS
MÓDULO 02 – Das economias de subsistência às mercantilistas.

Conversa Inicial

Caro(a) aluno(a), chegamos ao nosso segundo módulo de História


Econômica, intitulado de ‘Das economias de subsistência às
mercantilistas’.
Nesse módulo tratamos da transição que a economia teve no
decorrer de muitos séculos após a Revolução Agrícola, destacando a influência dos
impérios na superação da economia de subsistência para uma economia baseada em
trocas, até chegar no desenvolvimento da economia mercantilista.
Trataremos da influência do declínio imperial romano na Europa, especialmente a
ocidental, para a inauguração de um novo período econômico, comumente conhecido
como feudalismo, e como a sociedade europeia se organizou até o século XV, quando o
mercantilismo passou a se firmar como no recorte histórico.
Para nossos estudos em história, vale lembrar, mais uma vez, que o desenrolar
histórico não acontece de maneira linear e simultânea em todas as civilizações, o que nos
dá a possibilidade de realizar considerações regionais e não globais.
Bons estudos!
INTROUÇÃO

As cidades representam a grande revolução da humanidade. Elas permitem o


trabalho organizado de um grande número de pessoas sob uma liderança que
vai adquirindo legitimidade, a ponto de estabelecer sanções para os que se
recusam a cumprir as tarefas estabelecidas. [...] Ao necessitar de matérias-
primas que não eram encontradas em seu território, os governantes das
primeiras cidades expandem os seus tentáculos. Por meio dos contatos
propiciados pelo comércio, vemos vários povos, vizinhos aos sumérios e aos
egípcios, transformando aldeias em cidades. Isso ocorre no que é hoje a Síria,
o Iraque, o Irã, Israel, Creta e, depois, cada vez mais longe. Agrupamentos
humanos simples, compostos de aldeia e campo, antes produtores
autossuficientes de alimentos, metamorfoseiam-se em cidades complexas com
atividades manufatureiras (PINSKY, 2011).

De fato o domínio da agricultura permitiu a organização do homem em núcleos


sedentários, que por sua vez, trouxeram inúmeras transformações políticas, sociais,
culturais e econômicas. A partir das cidades, o ser humano começou a estabelecer
relações comerciais mais complexas, dando-lhes a capacidade de expandir a influência de
seus núcleos locais para muitos outros cantos.
A partir da expansão comercial dos diversos povos o mundo começa a experimentar
uma dinâmica até então não conhecida, alargando não apenas seus potenciais político-
econômicos, como também, cultural. A globalização que conhecemos atualmente tem suas
raízes, ainda que bem incipientes, nesses intercâmbios civilzatórios da antiguidade,
grandemente influenciados pelas cidades constituídas.
A urbanização, portanto, apresenta-se como um dos elementos participantes das
mudanças que a humanidade produziu até chegarmos ao que atualmente conhecemos
como capitalismo. Mas do estabelecimento dessas primeiras civilizações urbanas até o
advento do capitalismo, a história nos apresentou muitas outras alterações no campo
socioeconômico, incluindo um retorno à ruralização – no caso da Europa pós-Império
Romano.
Observar essas muitas modificações e os vários caminhos que as diferentes
civilizações humanas produziram até os nossos dias, é um exercício importante ao pensar
e reproduzir a história, especialmente, no que refere-se à contenção da propagação
ultrapassada e equivocada de evolucionismo civilizatório.
1. OS IMPÉRIOS NA HISTÓRIA ECONÔMICA.

Antes de aproximadamente 4500 a.C., a Baixa Mesopotâmia — a região entre


os rios Tigre e Eufrates, mesmo a norte do golfo Pérsico — era muito menos
densamente povoada que outras regiões habitadas do Próximo e Médio
Oriente. O seu solo pantanoso, sujeito a inundações anuais dos rios, não se
adequava à cultura primitiva da agricultura neolítica. Além do mais, a terra não
tinha árvores nenhumas e a pedra para construção e os recursos minerais eram
escassos. Durante os mil anos seguintes, porém, esta região pouco promissora
tornou-se o alicerce da primeira grande civilização conhecida da História, a da
Suméria, com grandes concentrações de pessoas, cidades agitadas,
arquitectura monumental e uma profusão de tradições religiosas, artísticas e
literárias que influenciaram outras civilizações antigas durante milhares de
anos. A sequência exacta de acontecimentos que levou a este auge é
desconhecida, mas é evidente que a base económica desta primeira civilização
assenta numa agricultura altamente produtiva.
A fertilidade natural do solo aluvial preto era renovada anualmente pelo lodo
deixado pelas cheias primaveris dos rios Tigre e Eufrates. Todavia, o
aproveitamento máximo dos seus poderes produtivos exigia um sofisticado
sistema de drenagem e irrigação, que por sua vez requeria uma mão-de-obra
abundante e bem disciplinada, bem como uma administração e supervisão
cuidadas. Estas últimas eram efectuadas por.....a classe de sacerdotes e
guerreiros que governavam uma população de camponeses c li ii-sãos
numerosa e servil. Através do tributo, do imposto e da escravidão, os
governantes extraíam a riqueza que se destinava à construção de templos e
outros edifícios públicos e à criação de obras de arte, e isso dava-lhes (ou a
alguns deles) tempo livre puni aperfeiçoarem outros requintes de civilização.
O progresso da civilização acarretou uma divisão muito mais complexa do
trabalho do sistema de organização económica. (CAMERON, 2000, p. 46-48).

Como observamos no módulo passado e podemos perceber pelo exemplo


civilizatório que nos traz Rondo Cameron, a superação da economia natural estabeleceu-
se a partir da Revolução Agrícola, ao final do neolítico. Pelo domínio da agricultura e
pecuária, algumas sociedades conseguiram estabelecerem-se em determinados locais,
experimentando, assim, uma economia de subsistência pautada numa série de
transformações nas relações sociais, culturais, políticas, jurídicas e tecnológicas. Com o
advento do excedente econômico, os seres humanos puderam se organizar numa
estrutura mais complexa, podendo, num período posterior, não apenas a manter a
sociedade em que viviam, como, também, a negociar seus produtos com outras
sociedades.
A partir das sociedades de regadio e das sociedades comerciais do pós-neolítico, a
história da humanidade presenciou o surgimento de um considerável número de impérios,
em diferentes épocas e lugares, que estabeleceram formações socioeconômicas
peculiares, conjugando modos de produção distintos.
A esse respeito, Cameron explana:
Uma das notáveis características da história antiga, que reflete os interesses
dos analistas que a relataram bem como as dos historiadores posteriores, é a
ascensão e queda de impérios. Da ascensão do primeiro grande império
mundial de Saigão da Acádia (ca. 2350-2300 a.C.) à queda do Império Romano
Ocidental (a data tradicional é 476 d.C.), o registo histórico está repleto duma
profusão assombrosa de impérios e seus governantes: Babilónia, Assíria, os
Hititas, os Persas, Alexandre, o Grande, e os seus sucessores são apenas
alguns (Ibid., p. 49).

Desse período, podemos destacar as sociedades escravagistas, dentre elas a


grega e a romana; e as sociedades asiáticas, Egito e Mesopotâmia (que não
detalharemos em nosso módulo). Vale mencionar que entre as asiáticas e escravagistas
existiram algumas convergências, especialmente no que se refere à manutenção de uma
agricultura produtiva para o sustento dos núcleos urbanos; a manutenção da
tributação obrigatória; a manutenção de estruturas sociais desiguais; além da
manutenção de uma intensa atividade mercantil focada no mercado externo.
Apesar do período dos principais impérios da idade antiga não terem contribuído
muito aos avanços tecnológicos e os conflitos expansionistas terem assumido as
prioridades, podemos considerar que houve significativas atividades econômicas, como
as muitas expedições comerciais e a intensificação do comércio, a partir do
desenvolvimento do direito, que havia promovido uma maior estabilidade para a economia.
A partir desse comércio mais intenso, concretizou-se a especialização e a divisão
geográfica do trabalho, ou seja, algumas regiões desenvolveram-se por sua
especialidade produtiva ou comercial, gerando maiores fluxos comerciais, intensificando o
consumo mútuo, enfim, aquecendo a economia da época.

Sociedades escravagistas
O historiador Cyro de Barros Rezende Filho (2010) comenta que a sociedade
grega, a partir das suas cidades-Estados, por volta do século VIII a.C., foi a primeira da
história a fazer da escravidão um sistemático modo de produção sendo seguidos,
séculos depois, aproximadamente no século III a.C., pelos romanos, que se apropriaram
dessa herança helênica, expandindo-a para a forma de trabalho dominante do período.
A esse respeito, o autor completa, ressaltando que:
o sistema econômico escravista alterou significativamente a noção de trabalho.
[...] dissociou completamente o homem dos resultados de seu trabalho,
tornando-o nada mais que mera ferramenta (o objeto falante, na terminologia
latina) e acabando por separar, de modo definitivo, as noções de trabalho
maneul e liberdade.
Fazendo isso, bloqueou o espaço necessário para o desenvolvimento técnico,
impedindo a Antiguidade Clássica de conhecer significativas invenções que
visassem aprimorar os processos produtivos. Levou-a, também a considerar o
trabalho simplesmente como formas de adaptação da natureza, nunca de sua
transformação. [...]
Desta forma, a única via que restou ao sistema escravista, para seu
desenvolvimento, foi horizontal, mediante a contínua expansão territorial, e a
crescente incorporação de escravos à áreas abrangida pelo sistema (Ibid. p. 24-
25).

A prática do escravagismo antigo pôde se desenvolver após algumas condições


terem se estabelecido nas sociedades em que a adotaram, a saber, a produção de
excedente pelas forças produtivas (superação da economia natural e de subsistência); a
realização do comércio; a circulação monetária; a posse e exploração privada da
terra e do artesanato; uma divisão social do trabalho mais complexa; além, é claro, da
instituição de um governo centralizador pautado por uma ideologia que legitimasse a
dominação e exploração de outras pessoas.
O escravo surgia, nesse contexto, como a base para a engrenagem de expansão e
domínio político-econômico dos impérios. Não se podia guerrear, por exemplo, sem gente
para trabalhar e produzir para o sustento da máquina militar; da mesma forma, não se
podia manter os privilégios de um governo centralizador, sem ter gente para trabalhar e
sustentar essa classe dominante.

O historiador Cyro de Barros Rezende Filho (2010) comenta que a


sociedade grega, a partir das suas cidades-Estados, por volta do
século VIII a.C., foi a primeira da história a fazer da escravidão um
sistemático modo de produção sendo seguidos, séculos depois,
aproximadamente no século III a.C., pelos romanos, que se
apropriaram dessa herança helênica, expandindo-a para a forma
de trabalho dominante do período.

Vale mencionar que, apesar de instituírem o escravagismo, o processo não


aconteceu linearmente nem entre os gregos, nem entre os romanos. No caso dos gregos,
a transição da economia natural para o escravagismo se deu de maneira distinta, por
exemplo, em Atenas e em Esparta – as principais cidades-Estados da época. Já entre os
romanos, além de ter sido em tempo posterior, essa transição se deu de outra maneira,
incluindo intensa revolução social, que abriu portas para a formação de um Estado
escravagista. Independente de como tenha acontecido, o certo é que assim como foi
para os gregos, o escravagismo permitiu o desenvolvimento econômico de Roma,
em que o escravo tornou-se um dos produtos mais rentáveis no mercado da época. Nesse
sentido, o escravagismo favoreceu o desenvolvimento das atividades mercantis entre
as sociedades e dentro das mesmas; formando, assim, as bases – mesmo que
embrionárias – para aquilo, que muitos séculos depois, se tornaria o sistema econômico
prevalecente no mundo contemporâneo: o capitalismo.
Nos primeiros séculos da era cristã, contudo, o Império Romano começaria a
experimentar o seu declínio. Se não bastassem as inúmeras crises político-
administrativas, a difusão do cristianismo – que contrariava a lógica político-econômica
do Império – entre as classes menos favorecidas causou convulsões bem maiores do que
se imaginava. A situação pirou a partir do século III d.C., com as resistências militares
minadas pelos diversos conflitos nas fronteiras do Império, que passaria, entre os séculos
IV e V d.C., na Europa Ocidental, a dar lugar a uma nova formação social e econômica: a
feudal.
Jacques Brasseul (2011) em poucas palavras consegue fazer uma síntese das
caracteríticas das transformações que produziram o Império Romano e que o levaram ao
declínio, conforme podemos observar:
A força motriz das mudanças econômicas em Roma não é nem a técnica nem a
demografia, mas antes a conquista, cujas consequências foram as seguintes:
● uma crescente dependência externa em matéria agrícola;
● o desenvolvimento da escravatura e, por conseguinte, a extensão do
desemprego;
● a estagnação da indústria, devido às importações baratas;
● o florecimento do comércio e das finanças em larga escala; desenvolem-se
os bancos, e Roma torna-se uma capital financeira, de tal modo que se
pôde falar de uma forma de capitalismo comercial e financeiro no apogeu
do Império.
Todavia, diversos fatores, como o fim da expansão territorial, a crescente
instabilidade política, as desigualdades sociais e a constante demagocia dos
governantes, que fomentam a ociosidade ao distribuírem os víveres
gratuitamente, provocarão o declínio (p. 48).
2. O FEUDALISMO NA HISTÓRIA ECONÔMICA.

Organizado em torno das cidades, o sistema econômico [romano] volta-se


naturalmente para elas, quando da implantação do dirigismo estatal, fazendo
com que os seus habitantes sejam diretamente responsáveis por tarefas como:
manutenção de tropas, conservação urbana, pagamentos para funcionários
estatais, construção de muralhas, prestação de serviços gratuitos devidos pelas
corporações de artesãos e comerciantes, e recolhimento dos impostos em
espécie. A crescente pressão sobre municipalidades dependentes de
abastecimento regular de produtos agrícolas (quando os campos romanos
passavam por uma crise crônica de falta de mão-de-obra, devido à falência da
escravidão em auto-reproduzir-se adequadamente), provocou um êxodo
urbano, invertendo uma tendência secular. [...]
Ocorre um amplo processo de ruralização, que se amplia muito no decorrer do
século V d.C., marcado de modo indelével o desenvolvimento econômico das
regiões ocidentais do Império – a Europa Ocidental, durante os sete séculos
seguintes. (REZENDE FILHO, 2010, p. 41, com colchetes nosso).

Tratar de crescimento e desenvolvimento econômico medieval pode soar um


tanto quanto estranho, já que se propagou durante muito tempo – grandemente pela
influência da Renascença – que a Idade Média foi um período de estagnação em várias
áreas, inclusive na econômica. É verdade que a Europa, particularmente a parte ocidental,
experimentou uma considerável transição econômica a partir da decadência do Império
Romano, retornando às relações rurais à medida que os núcleos urbanos entravam em
colapso; entretanto, nesse período houve um crescimento tecnológico (implementação
das charruas de aragem, da foice, ancinhos, entre outros) e um dinamismo econômico
que se destacaram em relação ao mundo antigo mediterrânico.
A esse respeito, Cameron (2000) nos lembra de que diferentes instituições criadas
no período medieval serviram de estrutura para a atividade econômica até uma época
recente, sendo possível encontrar vestígios medievais em zonas rurais da Europa Oriental.
A agricultura, então, pode ser considerada uma das principais marcas da Idade
Média, sendo a base econômica desse período. De certa maneira, a agricultura teve papel
preponderante na economia de todas as sociedades até o século XIX, responsabilizando-
se por expressivos valores e volumes de produção, além do emprego de uma considerável
de mão-de-obra. Contudo, a peculiaridade da sociedade medieval é que dentre as
civilizações desenvolvidas foi a única que orientou-se pelo moldes agrários.
Desde a antiguidade, como observamos, o urbanismo passou a orientar a economia
e a sociedade, ainda que empregassem muitas pessoas nas atividades produtivas
agrícolas. Mas no período medieval a zona rural estabeleceu as direções para a
sociedade da época e para a economia, em grande parte pela decadência do Império
Romano, que possibilitou o crescimento de importantes propriedades autossuficientes,
que surgiram num contexto de inseguranças produtivas e do declínio das cidades e do
comércio inter-regional.
A esse respeito, vale considerarmos o comentário de Brasseul (2011):
Na sequência das invasões bárbaras e do desaparecimento da ordem imperial,
os homens isolam-se em torno das grandes explorações rurais independentes,
vivendo em circuito fechado. As trocas reduzem-se à permuta, pois a moeda
desaparece a pouco e pouco. A especialização regride com o declínio do
comércio, e as cidades ficam vazias: o regresso geral à terra é necessário para
assegurar a sobrevivência. O sistema implantado entre os séculos V e VII é,
portanto, o sistema do grande domínio, prolongamento da antiga vila romana,
mas que adota costumes germânicos.
Há, por um lado, as terras coletivas, prados para pasto, pântanos, bosques,
etc., baldios, e, por outro, as terras cultivadas: a terra do amo, em redor da casa
senhorial, explorada diretamente pelos escravos, e as terras divididas em lotes
ou mansos das famílias rurais de foreiros onde vieram misturar-se
progressivamente os homens livres, os colonos, os escravos libertos, os
citadinos que desertam das cidades, todos dependentes de rendas e de
trabalho em troca de proteção concedida pelo senhor. Tornam-se os servos da
Idade Média (p. 52).

Entre os anos 700 e 1000 d.C., portanto, surgiriam na história medieval a economia
dominial agrícola, que veio após o período da decadência do Império Romano,
caracterizada, basicamente, pela economia de subsistência, sem a preocupação dom
excedente; fechada, já que praticamente não existiam as trocas e se extinguiram as
especializações; e da terra, tida como única riqueza, fonte de poder e base para a
hierarquização social.
Dessas tentativas de estabelecer núcleos produtivos minimante seguros, inclusive
contra as investidas bárbaras, trouxe à Idade Média, entre os séculos XI e XV d.C., o
estabelecimento de um sistema de alianças militares e políticas, que moldaram as
atividades econômicas da época. Esse cenário e as suas relações políticas, sociais,
econômicas e culturais ficou conhecido como feudalismo, ou economia feudal, que
Cameron detalha da seguinte maneira:
Estratégias militares exigiam tropas de guerreiros a cavalo, pois a recente
introdução do estribo (provavelmente oriundo da Ásia Central) tornara os
soldados a pé quase obsoletos. Era impossível sustentar diretamente essas
tropas na ausência dum sistema fiscal eficaz e com o desaparecimento, na
prática, duma economia monetária. Para mais, considerações de ordem e
administração internas exigiam muitos funcionários locais que, de novo, não
podiam ser pagos diretamente pelo Estado. A solução era conceder aos
guerreiros um rendimento por meio de grandes propriedades, muitas das quais
foram confiscadas à Igreja, em troca de serviços militares; os guerreiros –
fidalgos e cavaleiro – tinham também a incumbência de manter a ordem e
administrar a justiça nas suas propriedades. Os grandes nobres – duques,
condes e marqueses – tinham muitas propriedades que abarcavam inúmeras
aldeias; cediam algumas a fidalgos ou cavaleiros menos importantes em troca
dum juramento de homenagem e fidelidade [...]
Subjacente ao sistema feudal, mas com origens mais antigas e bastante
diferentes, estava a forma de organização econômica e social chamada
“senhorialismo”. [...]
Enquanto unidade organizacional e administrativa, o senhorio compunha-se de
terra, edifícios e gente que cultivava a primeira e habitava os últimos.
Funcionalmente, a terra estava dividida em arável, de pastagem ou prado de
pinhal, floresta ou terra inculta. Juridicamente estava dividida em domínio
senhorial, possessões camponesas, e baldios. [...]
O ideal feudal era “nenhuma terra sem senhor, nenhum senhor sem terra”, mas
não se cumpria universalmente. Em principio, a função do senhor era a defesa
e a administração da justiça; podia interessar-se pessoalmente pela supervisão
da exploração do seu senhorio, mas mais frequentemente delegava essa tarefa
num intendente ou beleguim. Além disso, tinha frequentemente outras fontes de
rendimentos, como a propriedade do moinho, do forno e do lagar locais (Ibid.,
pp.65-67).

A agricultura pode ser considerada uma das principais marcas da


Idade Média, sendo a base econômica desse período. De certa
maneira, a agricultura teve papel preponderante na economia de
todas as sociedades até o século XIX, responsabilizando-se por
expressivos valores e volumes de produção, além do emprego de
uma considerável de mão-de-obra. Contudo, a peculiaridade da
sociedade medieval é que dentre as civilizações desenvolvidas foi a
única que orientou-se pelo moldes agrários.

Relações sociais e de trabalho


O que observamos, então, é que a base estrutural da sociedade feudal se formou
a partir da conjugação de aspectos relacionados à crise do escravagismo com as hordas
bárbaras recém-chegadas à Europa Ocidental, consolidando a relação de servidão entre
a mão-de-obra camponesa com os senhores da terra e com a própria terra, tida como o
principal meio de produção desse sistema.
No que refere-se à estrutura social feudal tradicional, podemos destacar a
hierarquização bem definida, com três ordens, cada uma com papéis bem delimitados, a
saber, a nobreza, o clero e os camponeses. A nobreza desempenhava a função de
segurança e ordem social; o clero responsabilizava-se pelos cuidados espirituais da
sociedade; enquanto os camponeses, por meio de sua força de trabalho, estavam
comprometidos com a manutenção e a subsistência da sociedade, incluindo as duas
ordens superiores.
A característica básica desse novo sistema (comum e imprecisamente
denominado de feudal ou mesmo senhorial), é a redução de todo aquele que
realiza uma tarefa manual, a uma condição implícita de perda da liberdade
individual, uma vez que desempenha sua tarefa, ele estará necessariamente
permitindo que outros possam se dedicar com exclusividade a duas funções:
lutar e rezar (REZENDE FILHO, 2010, p. 43).

Mais uma vez vale destacar o papel da ideologia dominante que justifica essa
relação de poder. Apesar das populações urbanas não fazerem parte da hierarquização
tradicional do sistema feudal, elas nunca deixaram de existir e, foi a partir delas, inclusive,
que séculos mais tarde, surgiriam os fundamentos para a superação do período medieval,
a partir do resgate das atividades mercantis.
Dentre as relações de trabalho do período medieval, é possível pontuar pelo
menos duas: a livre e a servil, contudo, ressaltando as muitas incongruências do termo
livre, como veremos a seguir. A escravidão do Império Romano praticamente se extinguiu
na sociedade feudal, podendo encontrar alguns resquícios dentre o serviço a alguns
nobres. Os camponeses, a classe mais comum do regime feudal, apesar de não serem
propriedades dos senhores da terra, praticamente dependiam desses senhores que
detinham o domínio sobre o principal meio de produção da época, a terra. Nesse sentido, o
trabalho servil prevalecia entre os camponeses, sendo uma raridade a existência de
homens realmente livres, com direitos civis desvinculados dos senhores feudais.
A maioria da classe campesina era compulsoriamente levada a trabalhar no
domínio exclusivo do senhor feudal, que reivindicava a prioridade sobre o trabalho nas
suas próprias parcelas de terra. Esse regime de trabalho imposto pelos senhores aos
camponeses ficou conhecido como corveia. Outra forma bastante comum de trabalho
feudal era a talha, que obedecia a mesma relação de poder entre senhor e camponês,
contudo, se caracterizava basicamente pelo pagamento do direito de uso das terras do
senhor a partir do repasse de parte da produtividade do camponês ao senhor da terra.
Além disso, como já mencionado anteriormente, os senhores também se favoreciam de
taxas pagas – geralmente em forma de produtos – pela utilização de equipamentos, como
moinhos, fornos, entre outros, denominadas de banalidades.
A extensão e natureza dos serviços variavam de região para região (mesmo de
senhorio para senhorio), durante a época e de acordo com o estatuto social do
camponês ou com a natureza da sua posse. Não era invulgar que homens
nominalmente livres tivessem ocupações servis, e, ocasionalmente, um servo
nominal podia ser titular dum domínio útil ou duma propriedade arrendada. Em
geral, os que tinham obrigações servis seriam encarregados de mais trabalho,
talvez três ou quatro dias por semana em média, e os que detinham
propriedades alodiais tinham menos obrigações (CAMERON, 2010, pp. 70-71).

Sobre a relação de servidão característica da sociedade medieval ocidental,


podemos identificar três maneiras de apropriação do trabalho, a saber, a renda-
trabalho, entendida como a corvéia; a renda-mercadoria, a partir das trocas no mercado;
e a renda-dinheiro, que se manifesta num típico comércio envolvendo circulação
monetária. Essas três maneiras de apropriação do trabalho estiveram presentes
concomitantemente no período medieval; às vezes, destacando uma ou outra, conforme
o contexto regional. Contudo, especialmente a renda-dinheiro, é mais característica do
período do ressurgimento do comércio e da urbanização, mais próximo à decadência do
regime feudal. A partir do momento em que os senhores feudais e as realezas medievais
passaram a ter contato com as especiarias de luxo do Oriente trazidas pelos mercadores,
houve a necessidade da reativação monetária, o que desencadeou o avanço das
atividades mercantis em pleno feudalismo.

A base estrutural da sociedade feudal se formou a partir da


conjugação de aspectos relacionados à crise do escravagismo com
as hordas bárbaras recém-chegadas à Europa Ocidental,
consolidando a relação de servidão entre a mão-de-obra
camponesa com os senhores da terra e com a própria terra, tida
como o principal meio de produção desse sistema.

O ressurgimento urbano e comercial


Apesar do período embrionário do feudalismo, até o século X d.C., ter se
caracterizado prioritariamente na zona rural, entre os anos 1000 e 1200 d.C., a Europa
Ocidental experimentou um considerável crescimento econômico e urbano.
Precisamos, nesse sentido, mais uma vez, nos atentar para o fato de que mesmo no
período da prevalência rural do regime feudal, quando alguns reis e senhores feudais
procuraram dominar algumas cidades, isso não foi possível em todas tentativas, já que as
pessoas que habitavam as cidades requeriam a liberdade que muitos não usufruíam no
regime feudal; além, é claro, da existência que grandes intenções de ampliação dos
negócios, que não se encaixavam na estrutura social e econômica feudal.
Assim sendo, mesmo contrariando as principais características da própria economia
feudal, o crescimento econômico e urbano passou a marcar os séculos posteriores ao XI
d.C., o que passou a trazer uma crise estrutural, que, por sua vez, culminaria no declínio
dessa era, a partir do século XIV, na porção ocidental do continente. No entanto, esse
fenômeno não seria verificado, na mesma época, nas bandas orientais da Europa, que
reforçou ainda mais as tradições rurais.
Na última parte do século XI, quando a reconquista cristã de Espanha e de
Portugal estava no auge e o duque Guilherme da Normandia conseguiu ver
reconhecida a sua aspiração à coroa de Inglaterra, outros guerreiros
normandos desceram na longínqua Sicília e iniciaram a sua conquista aos
Muçulmanos. Antes de ser conquistada pelos Muçulmanos, a Sicília fizera parte
do Império Bizantino; assim, a sua conquista pelos Normandos trouxe-a, pela
primeira vez, para o âmbito da economia ocidental. Durante algum tempo após
a sua conquista, com a sua mistura de elementos gregos, árabes e normandos,
foi uma das regiões mais prósperas da Europa. Os normandos da Sicília
também se apoderaram do sul da Itália, o único território sob o domínio
bizantino no Ocidente a partir de Constantinopla.
A prova mais inequívoca da vitalidade econômica da Europa Medieval foi talvez
a expansão germânica para a região que integra atualmente a Polônia, a
Checoslováquia [República Tcheca e Eslováquia, desde 1993], a Hungria, a
Roménia e a Lituânia. Antes do século x, aquela região tinha sido
escassamente povoada, principalmente por tribos eslavas que utilizavam
técnicas agrícolas primitivas e se dedicavam à caça (Ibid., pp. 78-79).

Nesse período, com o fortalecimento da sociedade feudal, paradoxalmente, o


feudalismo começou a sinalizar aspectos que se expressariam de maneira mais enfática
com o advento do capitalismo e em conjunto contribuiriam para a sua superação como
regime socioeconômico da Europa Ocidental.
As cidades, com atividades comerciais mais intensas do século XI em diante, até
conseguiram a liberdade dos senhores feudais, mas não ultrapassaram o modo e as
relações de produção camponesas.
Vale mencionar, que os fatores que mais favoreceram a transição do regime
feudal para o mercantilista-capitalista foram a intensificação das atividades de trocas
inter-regionais; a retomada da circulação monetária; o aumento de homens livres; a
retomada das atividades e da relevância das cidades; o aparecimento e fortalecimento da
classe burguesa, interessada em ampliar as suas riquezas com o comércio; além do
avanço das propriedades absolutas e do poder dos recém Estados-nação, que
concorriam com os impostos senhoriais por meio da cobrança de impostos.
Apesar de alguns desses aspectos passarem a acontecer já nos séculos XI e XII,
como, por exemplo, em Portugal e Espanha, a transição efetiva do regime feudal para o
capitalista só pôde ser ratificada quando regiões mais amplas passaram a vivenciar tais
mudanças. E isso, de fato, ocorre na Europa Ocidental a partir do século XV, quando
vários elementos no âmbito social, político, jurídico, cultural e econômico, dentre eles as
muitas revoluções burguesas, legitimam os fundamentos para o capitalismo, a saber, o
mercantilismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mais um módulo concluído! Desejamos que em seus estudos você tenha observado
os elementos constituintes das transformações socioeconômicas que o mundo e,
particularmente, a Europa, experimentou antes do mercantilismo – e com ele, o capitalismo
– ter se estabelecido de uma vez por todas na história.
Consideramos que a superação da economia de subsistência para uma economia
comercial, alcançada pelos muitos impérios antigos, tenha sido relevante para o
estabelecimento de uma nova ordem mercantil, séculos mais tarde, na Europa. Apesar
disso, não podemos atribuir a essa estrutura consolidada pelos impérios, dentre eles, o
romano, um estágio menos evoluído do mercantilismo, pois se assim o considerarmos,
incorreremos no erro de assumir uma perspectiva histórica dominante, deixando de
apreciar outros aspectos relevantes à história, como, por exemplo, o papel das minorias no
fazer história.
Não devemos negar, jamais, o papel das classes poderosas na reformulação
histórica de seu tempo, entretanto, é sempre importante para o pensar e o retratar
histórico, a consideração dos agentes dominados. Nesse sentido, vale observarmos que
tanto na transição do Império Romano para o feudalismo, bem como, do feudalismo para o
mercantilismo – que veremos com mais detalhe no módulo seguinte –, a influência das
classes não-dominantes, como os escravos refugiados, os citadinos desertores, no caso da
decadência imperial; e dos camponeses, homens livres e citadinos resistentes, no caso da
transição feudal para a mercantilista; foram preponderantes para que as novas formações
socioeconômicas se consolidassem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASSEUL, Jacques. História econômica do mundo: das origens aos subprimes.


Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2011.

CAMERON, Rondo. História económica do mundo: de uma forma concisa, de há 30.000


anos até ao presente. Mem Martins: Europa-América, 2000.

PINSKY, Jaime. As primeiras civilizações. 25. ed. São Paulo : Contexto, 2011.

REZENDE FILHO, Cyro de Barros. História econômica geral. 9. ed. 2. reimp. São Paulo:
Contexto, 2010.
LEITURAS COMPLEMENTARES:
Cap. 02 – Escravidão Clássica, do livro “História Econômica Geral”, de Cyro de Barros
Rezende Filho, Editora Contexto, Ano: 2010.

Cap. 03 – Desenvolvimento económico da Europa medieval, do livro “História


Económica do mundo”, de Rondo Cameron, Publicações Europa-América, Ano: 2000.

SUGESTÃO DE VÍDEO:
Vídeo para complementar os conhecimentos:
História: Idade Média - Marcelo Cândido da Silva - PGM 04. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=0XRmlR-xtcc>.

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