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Vida Interna Jurisprudéncia e Doutrina dos Conselhos CONSELHO SUPERIOR ACORDAO DE 4-10-74 Servidor do Direito, 0 advogado néo pode favorecer cons- cientemente 0 cometimento de actos reprovdvels, cumprindo-the aconselhar 0 cliente a proceder conforme 4 lei, e devendo renun- ciar ao mandato quando esse conselho nfo seja seguido. Na sequéncia de participagio do Juiz do 2° Juizo do Tribunal Tutelar Central de Menores do Porto, veio a ser proferido no presente processo, orga- nizado e instrufdo no Conselho Distrital daquela cidade, o despacho acusatério de fis. 81 v." a 83 que se transcreve: «Mostram os eutos que: No Tribunal Tutelar Central de Menores, desta cidade e comarca do Porto, com o n.° 131/70, correu os seus termos um processo de regulagio do poder paternal em que eram partes Georgina e José Guilherme, relativamente aos trés filhos menores de ambos, Pedro Miguel, Maria Helena e Maria Isabel. Era mandatério judicial do José Guilherme, pai dos menores, 0 Sr. Dr. Anténio, advogado com escritério na Rua de S..., também da cidade do Porto, ora participado. ‘Na conferéncia realizada em 18 de Junho de 1970, fol acordado entre as partes —acordo homologado por sentenga transitada em julgado— que 210 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR os filhos eram confiados & mie, ficando o pai com o direito a uma visita semanal, aos sébados, das dez hs vinte horas, relativamente aos dois filhos mais velhos, e a ver a filha mais nova, enquanto nfo atingisse os dois anos de {dade, na ocasiio em que fosse buscar aqueles primeiros. Na segunda visita apés a homologac&o desse acordo, em 27 do referido més de Junho, o José levou o filho Pedro Miguel e, sem motivo justificado e contra o decidido, reteve-o na sua companhia até o dia 21 de Julho seguinte, data em que o restituiu & mie, apds uma conferéncia por esse motivo rea- lzada. E logo no dia 1 de Agosto imediato, violando de novo o que fora decidido, retém em seu poder os filhos Pedro Miguel ¢ Marla Helena e levaos, trés dias depois, para Fornos, apés ter fugido, sem pagar a conta, do Hotel Inter- nacional, desta cidade, onde se encontrava hospedado. Nesta sua conduta, o José é auxiliado e coadjuvado pelo Sr. Advo- gado participado, que o transporta e aos filhos para aquela referida locali- dade nfo obstante saber muito bem, dada a sua qualidade de mandatério judicial daquele, 0 que havia sido decidido no processo. Participado o facto pela me dos menores 6 ordenada a notificagéo do pai para fazer a entrega dos menores no prazo de quarenta e oito horas, notificagio que 6 feita na pessoa do Sr. Advogado participado. Este fol entéio a0 processo dizer que havia sido chamado pelo seu cons- tituinte ao hotel e que chegado af, vendo-o gravemente doente, providen- clara logo para que fosse para Fornos, terra dos pais, com os filhos dele. Disse mais entio o Sr. Advogado participado que nao podia ser ele responsével pela entrega dos menores e que a notificacéo deveria ser feita, para tanto, na propria pessoa do seu constituinte, requerendo para o efeito que fosse expedida carta precatéria para Fornos. © Sr. Advogado participado, porém, tinha anteriormente requerido que 98 notificagbes so seu constituinte fossem feltas nfo na pessoa deste, mas na dele, Estava-se no inicio das férias judiciais do Veréo e procurava-se retardar a entrega dos menores. Com a sua referida conduta o St. Advogado participado faltou ao cum- primento dos seus deveres profissionais. Pelo exposto dou a acusagéo contra o Sr. Dr. Anténio, advogado com escritério na Rua de S..., por infracgao ao disposto no art.’ 570° alineas a) € 1) do artigo 57, ambos do Estatuto Judicisrio.» © despacho transcrito foi notiticado ao acusado (fis. 87 e 88), mas o processo, depois disso, sublu ao Conselho Superior, por se haver esgotado © prazo de julgamento no Conselho Distrital do Porto. Certo é que foi pedida a prorrogag&io por mais seis meses daquele prazo (fis. 8 e ve 86), mas 0 ‘Exmmo. Bastonério indeferiu o pedido e determinou que o processo transitasse ACORDAOS DE 410-74 21 para o Conselho Superior, por j& ter havido trés prorrogag6es anteriores (fs. 54, 67 € 80), as duas Ultimas autorizadas pelo Ministro da Justica, nfo the parecendo curial um terceiro pedido de prorrogaco ao Ministro (des- pacho transcrito no oficio de flhs. 89), Observa'se, porém, que a instrugiio do processo foi bastante movimentada @ que para o atraso verificado contribufram factores de retardamento de nenhum modo imputéveis a inctiria, quer do Relator inicial, quer do que, ap6s redistribuig&o em Janeiro de 1972, tomou o seu lugar, quer da secretaria. Dado que © scusado no apresentou a sua defesa no prazo de 15 dias Para tanto assinado (fis. 83 v.*, 87 88), tornou-se ele revel, conforme deter- mina o arts 39.°3 do Reg. Disciplinar, verificando-se tal situagéo quando o processo velo remetido para este Conselho. Por tal motivo nfio tinha que ser, e no fol, notificado para apresentar alegagées, nos termos do art.? 46° do Reg. Disciplinar. Também nfo foi notificado para o mesmo efeito o Juiz participante porque ele nfo tomou a posig&o propriamente de «queixoso», a que o cit. arts 46° do Reg. Disciplinar prevé, limitando-se a dar conhecimento — «para 0s devidos e legais efeitos», conforme reza o offcio de flhs. 2—, através duma certidiio (fls. 3 a 12 v.°), do que se passou no processo afecto ao seu foro. Entre o simples «dar conhecimento» e o tomar a posigéo de parte queizosa, em relagéo aos factos submetidos & judicatura competente, hi a fundamental diferenga que conduz, no primeiro caso, em fiel harmonia com © disposto no cit. art.» 46°—1 do Reg. Disciplinar, a nfo ter que notifi- car-se o mero participante para usar da faculdade de alegar, faculdade que no Ihe 6 reconhecida e que, sé no segundo caso — o de se tratar de autén- tica parte queixosa—, se legitima. Todavia, sabese qual 6 o pensamento do Juiz participante, através do despacho-sentenca constante da certidéo enviada ao Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados (fis. 7 v.° e 8s.), pensamento que é também © do despacho acusatério nos presentes autos. E sabese, por igual, que a posig&o do acusado, Dr. Anténio, tomada no Processo do Tribunal de Menores e depois aqui mantida, ¢ contréria aquele pensamento. Com efeito, ouvido no Conselho Distrital do Porto, o Dr. Antdnio velo dizer, por escrito (fis. 22 e 23), que o seu procedimento, na qualidade de advogado de José Guilherme, nfo justificava de modo nenhum as referéncias que 0 Ministério Piiblico e o Juiz the fizeram e que se véem reproduzidas @ fis. 7 @ ss. (parte da certidéo de fis. 3 e ss., com @ promogéio e sentenga). Nestas declaragées, 0 Dr. Anténio acrescentou ao que havia dito no Processo do Tribunal de Menores (cf. fis. 5 e 5 v.°) que chegou a exortar © seu cliente José, por mais de uma vez, a que mandasse entregar & mie os filhos que retinha em seu poder. O cliente 6 que néo anuiu, dizendo que niio consentia em que os filhos deixassem de acompanhélo na ida para Fornos e fossem levados & mie (cf. fis. 22 v."). 272 VIDA INTERNA— CONS. SUPERIOR Conjugando o que declarou no processo de Tribunal de Menores e neste proceso, vé-se que a posig&io do Dr. Anténio é, em resumo, a seguinte: cha- mado pelo cliente 80 Hotel Internacional e encontrando este muito doente, providenciou no sentido de ele ser levado para casa dos pais, em Fornos, pois nfo podia manter-se no hotel, nem tinha outro sitio para onde ir; para tanto, fol chamado um amigo do cliente, que tinha automdvel e fol quem transportou o cliente e os filhos para Fornos; foi tudo combinado entre 0 cliente e 0 referido amigo; como advogado, nfo podia mandar na vontade do cliente e apenas aconselhé-lo, como diz ter feito, no tocante & obrigagao da entrega dos filhos; perante a doenca do cliente, sé havia que scudir a esta com os cuidados necessérios, suspendendo-se os problemas dos tribu- nais; nfo colaborou de qualquer forma com o cliente no sentido de ajudé-lo a fugir a0 pagamento da conta do hotel © As obrigagoes inerentes so Tribunal de Menores; nfio podia ser responsével pela apresentago dos menores e pelo cumprimento da notificagdéo nesse sentido feita na sua pessoa e nao na do cliente. Para decidir, observa-se, em primeiro lugar, que nfo se encontrou, nio obstante a diligéncia usada na instrugio, prova material, capaz de convencer com seguranca, de que o Dr. Anténio haja efectivamente ajudado o seu cliente José 2 fugir do hotel sem pagar a conta e de que tenha sido quem © transportou e aos filhos para Fornos. Por isso, o Mustre Relator, no Conselho Distrital do Porto, antes de deduzir a acusagio, comegou por elaborar o douto despacho de fihs. 68 a 74, em que concluiu por propor que o processo ficasse a aguardar a producio de melhor prova. Com efeito, o primeiro Ilustre Relator tinha apurado directamente (fils. 26) que os factos referentes & saida do José do Hotel Internacional se passaram com o empregado Agostinho Pinto. Ouvido este (fls. 29 e 30), nada se recolheu de concreto contra o Dr, Anténio, no focado aspecto da coadjuvag&o dada ao José, quer na falada fuga do hotel, quer no transporte do mesmo e dos filhos para Fornos. Esclareceu até o Agostinho Pinto: «...nio pode dizer com seguranga que o participado tenha colaborado na fuga do aludido José como também nfo pode garantir que ele tenha ajudado 0 mesmo héspede a levar os filhos para fora da cidade». Hé uma suspeita de que «o participado ndo tenha sido estranho ao lance» (sic), porque ele ¢ 0 cliente pareciam ter entre si o melhor entendimento, como resulta das fre- quentes visitas do Advogado ao hotel, de safrem ambos e irem tomar café. Mas n&o mais do que isso. A suspeita ganhava vulto com o facto apontado pelo Agostinho Pinto de o Dr. Anténio ter voltado posteriormente ao hotel para pedir & empregada da copa, de nome Maria Helena, «que nada dissessem em seu desabono» (sic). Mas esta empregada (fls. 33) nega terminantemente qual- quer conversa com o Dr. Anténio neste ou noutro sentido, apenas confir- mando que ele passara algumas vezes pelo hotel a fim de tomar refeiodes ACORDAOS DE 410-74 23 com 0 José. Do que disse o Agostinho Pinto nfio se pode sequer interpretar forgosamente a safda do hotel como uma «fuga» do héspede. Certo é que diferentes foram as conclusées tiradas no inquérito a que se mandou proceder no Tribunal de Menores (fis. 6 v.° e 7). Af deuse por apurado, por assim se considerar no Hotel Internacional, que a doenga do José nfo passou de pura encenagio, em que o Advogado comparticipou, destinada a proporcionar a fuga ao pagamento da conta do hotel e A obri- gagfio imposta pelo Tribunal de Menores. Mas, ouvido o inquiridor, Emilio de Oliveira Santos, neste processo (fhs. 36), velo ele esclarecer que foi tam- ‘bém © Agostinho Pinto, o aludido empregado do hotel, quem Ihe prestou todas as informagées. As conclusées do inquérito n&o equivalem, portanto, a factos efectivamente apurados, mas apenas & interpretagéo de algum modo aventurosa que o inquiridor deu as afirmagdes daquele Agostinho Pinto, as quais, embora sem excluir a suspeita, tém, como se viu, um sentido multo muito menos categérico, nfo indo além da mera conjectura, Aligs, nfio h4 0 menor indicativo de que no Hotel Internacional, onde o José se hospedava, se estivesse ao par dos problemas e obrigagées deste por via de um processo no Tribunal de Menores. N&o se percebe bem ‘a que t{tulo iria o Agostinho Pinto afirmar que a encenagSo da doenca teria como um dos seus objectivos o de fugir ao cumprimento das obrigagdes assumidas naquele processo. E 0 préprio inquiridor se sentiu na necessidade de esclarecer que, afinal, no fora o Agostinho Pinto quem tal Ihe afirmara, mas outro empregado, que no sabe dizer quem, num outro dia em que «se deslocou ao hotel no desempenho da sua fungdo» (sic), nio se mostrando, Porém, qualquer registo da diligéncia. © inquérito nfo oferece, deste modo, qualquer relevancia probatéria, Todavia, o mencionado despacho em que se propunha que 0 processo aguardasse a produgiio de melhor prova nfio mereceu @ aprovacio da seco respectiva do Conselho. Os Exmos. Vogais pediram vista (fls. 75 e 16). E 0 Conselho veio a deliberar (fls. 96) que fosse deduzida acusacio. © Consetho teve certamente em atenciio que a safda ou fuga do José do Hotel Internacional e a sua ida com os filhos para Fornos sao factos meramente incidentais no conjunto duma conduta pela qual, sistematica- mente, procurava iludir ou frustar o que acordara e fora estabelecido no Tribunal de Menores. Considerados isoladamente aqueles factos, nfo hé, na realidade, como J4 se observou, prova que convenga da cooperagéo do Dr. Anténio, quer facilitando a safda do hotel sem o pagamento da conta, e, para tanto, entrando na representagéo e aparato duma doenga, quer sendo o préprio transportador do «fugitivo» e dos filhos para Fornos, Mas, relacionados 0s mesmos factos com o conjunto da conduta do José e com a assisténcia que 0 Dr. Anténio, como advogado, nunca Ihe recusou, $4 se levanta contra este @ indiciacio suticiente para justificar a deliberacio do Conselho Distrital do Porto e o despacho acusatério que Ihe deu cumprimento, 24 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR Neste ponto, 86 importaré agora ver se, a partir da simples indiciacéo, se chega ou néo ao apuramento duma actuagio do Dr. Antonio efectiva- mente merecedora de reparo e de sangSo disciplinar. E decidindo: £ verdadeira @ afirmagio do Dr. Anténio de que «um advogado néo manda na vontade do seu constituintey (fis. 23). Mas o constituinte tam- bém néo manda na vontade do seu advogado, nio podendo forcar este @ servirlhe de capa ou de esteio para o cometimento de factos repro- vévels. Servidor do direlto, o advogado nfio pode sujeitarse a favorecer conscientemente o atropelo de principios e situagées que importa respeitar. Por isso, ele tem o dever de recusar o patrocinio a uma causa que nio considere justa. Ora, 0 Dr. Anténio nfo fol chamado pelo cliente ao Hotel Interna- cional, na qualidade de médico. Também nfo, como recurso de ocasiéo, para transportar o «doenter, que néo podia manterse naquele estado no hotel e carecia de ser levado para casa dos pais, em Fornos. Com efeito, desta miss&io encarregou-se um amigo que o José tinha no Porto, segundo © Dr. Ant6nio velo dizer na exposicéo apresentada nos autos (fis. 22 ‘A chamada do Hotel Internacional sé se compreende para o efeito de pro- videnciar, visto ser o edvogado que tratava do assunto, quanto & situagio dos menores. Estavase jé em 4 de Agosto e os menores deviam ter sido entregues & mie, como a certidéo enviada pelo Tribunal documenta, no dis 1. © José, na visita anterior, jé tinha retido um dos filhos por quase um més, Entéo, a falta pdde sanarse devido & intervengéo do Dr. Anténio numa conferéncia realizada no tribunal, & qual, talvez com vantagem, o José nfio compareceu (fis. 3 v. © 4), Agora, porém, o Dr. Ant6nio reconhecia que @ obrigagéo do cliente era a de mandar entregar os filhos, como resulta de o haver exortado, por mais de uma vez, a fazé-lo, conforme velo declarar (fis. 22 v.*). O cliente é que se recusou terminantemente a aceitar a exortagiio. Aqui, abria-se, portanto, um conflito entre o cliente e o advogado, em que este no podia ceder, porque no considerava Justa a posigéo assumida por aquele. © Advogado conhecia, de resto, a personalidade e os intentos do cliente, pois que, na exposig&o oferecida, diz o seguinte: «Quando o participado foi procurado como advogado pelo seu constituinte, jé este faltara com os filhos & mie. & pessoa destemida, inconformista, revoltada e orgulhosa. Tem tempe- ramento bilioso. Acabou por fugir com os menores para Espanhas (fis. 23). Ora, 0 patrocinio aceite pelo Dr. Anténio sé podia destinar-se a sus- tentar e defender os direitos e interesses legitimos do cliente, mas nunca a facilitar ou cobrir um comportamento sistemética e deliberadamente faltoso. ACORDAOS DE 410-74 25 Todavia, o Dr. Antonio manteve o seu patrocinio, quando sé se Ihe ofereciam duas opgées: desligarse do caso ou pactuar com a rebeldia do cliente. Feita na sua pessoa, de acordo com o que anteriormente tinha reque- Tido, @ notificagio do José para entregar os menores em 48 horas, notifi- cago que pela diligéncia da outra parte e pela receptividade do tribunal teve lugar ainda em férias, no dia 22 de Agosto, 0 Advogado, embora seguro da sem razio do constituinte, reagiu com um requerimento em nome pessoal (fis. 5 v*) em que procurou justificar a falta com a doenga ocorrida no Hotel Internacional e com a consequente deslocagao para Fornos, e em que, enjeitando a sua propria responsabilidade no tocante & entrega, pediu a expedic&io de carta precatria para a notificagao directa na pessoa do José. Prosseguiu num activo patrocinio, acobertando e defendendo a tru- culéncta do cliente, até que este fol condenado em pesada multa logo con- vertida em 90 dias de priséo, caso nfo fosse paga no prazo de 10 dias, em indemnizagso & parte adversa e ainda, com a multa respectiva, como liti- gante de md £6, nos termos do art.° 456.°—2 do C6d. Proc. Civil (fls. 12). E, segundo a informagio do advogado, o rapto dos filhos e a fuga com eles para Espanha parece ter sido o termo da odisseia judicial (fls. 23). Nao importa analisar aqui as peripécias processuais de que dé mais Pormenorizada noticia a certidio enviada do Tribunal, designadamente a sentenca ali proferida (fls. 7 v.° a 12), e tanto mais, ou tanto menos, quanto elas nfio se referiram no despacho acusatério. Também néo interessaré aprofundar as circunsténclas em que o José saiu ou fugiu do Hotel Internacional, sem pagar a conta da estadia. Nao ‘se fez prova, como se salientou, da simulagéo da doenga. Certo é que tam- bém nfo hé prova material de que ela tivesse realmente existido. Neste Ponto, sem prova convincente do contrério, hé que aceitar 0 que o Dr. Anténio diz, pelo proprio crédito que merece a sua qualidade e a sua dignidade de advogado. Do ponto de vista disciplinar, o que tem interesse e compromete o Dr. Anténio € o facto indisoutfivel de ter efectivamente auxiliado e coadju- vado 0 cliente José numa conduta reprovavel, concedendo-Ihe um patrocinio que devia recusar desde que se apercebeu da injustica da causa, Se o cliente nao aceitava o seu conselho e orientagio, o Advogado, consciente da missio e responsabilidade que lhe incumbem, nfo podia e no devia submeterse 20 capricho e intentos duma natureza reconhecida- mente «destemida, inconformista, revoltada e orgulhosa». Contra tais excessos e personalidade, por parte do cliente, 0 Advogado, em tltima anélise, tinhs uma arma decisiva: a rentincia ao mandato, Mantendo, como manteve, o patrocinio, o Dr. Anténio agiu mal, con- trariando os principios da ética profissional, como eles se mostram con- sagrados em vérios preceitos do Estatuto Judiciério, designadamente no Precelto genérico do art 570.° daquele diploma legal, e colocowse, inclusi- 276 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR vamente, na situagio de co-responsabilidade prevista na parte final do art 459.° do Céd. Proc. Civil. Em tais termos: ‘Acordam os do Conselho Superior da Ordem dos Advogados em aplicar ao participado, Dr. Anténio, a sangéo disciplinar de censura, condenando-o ainda em metade das custas, bem como da multa e da indemnizacio em que fo! condensdo o seu constituinte, José Guilherme, por litigincia de mé {¢, no proceso do Tribunal Tutelar Central de Menores do Porto, mencionado na participagho. Notifique-se e cumprase o mais legal. Lisboa, 4 de Outubro de 1974. aa) Gustavo Soromenho, Carlos Alberto Ferreira de Almeida, Anténio Rosa Portilhetro, José Emidio de Figueiredo Medeiros, Higino Borges de Mene- zes @ Antonio Vitorino de Almeida (Relator). ACORDAO DE 4-10-74 Constitui infracgéo disciplinar deizar 0 advogado de entre- gar dinheiro em seu poder, mesmo que se trate de dinheiro recebido da parte contrdria em virtude de transacgdo, para se pagar de honordrios cuja conta ndo tenha sido aprovada pelo constituinte nem sancionada judicialmente. 1. Jerénimo e outros, na qualidade, devidamente comprovada (fis. 66), de mandatérios de seus pais, respectivamente, Rosa e outros, todos devida- mente identificados nos autos, participaram do Advogado Dr. F., com escri- torlo na Avenida da Republica, da cidade e comarca de Lisboa, Na participagso, que foi distribuida ao competente Conselho Distrital no dia 18 de Julho de 1972 e deu lugar ® processo de inquérito, afirmaram em sintese 0 soguinte: © Dr, F. foi advogado dos mandantes em questéo que deu lugar 8 quatro acgdes ordinérias, com os valores de 1 145 000§00, 1 000 000$00, 900 000$00 @ 101 000$00 (fis. 11 a 16 e fis. 36 a 47). Em 1910, depois de, para tanto, haver obtido o indispensdvel acordo dos seus constituintes e recebido procuragdes com os necessirios poderes para o fazer, o referido causidico pos fim as ditas acgdes através de tran- saogfo nos termos da qual lhe foi entregue a importAncia de 1 050 000$00. ACORDAOS DE 410-76 am Sucedia porém —disiam os participantes— que, apesar de terem jé Gecorrido cerca de dois anos sobre a data de tal transacgio, ainda o Dr. F. no prestara contas da quantia que em nome dos constituintes havia recebido. E isto, nfo obstante varias tentativas terem sido entretanto realizadas, para o efeito, j4 por correspondéncia, j4 pelo telefone. Dera-se até 0 caso de certa carta, expedida sob registo e com aviso de recepcdo, ter sido devolvida por abrir, com a declaracio, da parte do Senhor Advogado participado, de que (sic) «nfo admitia actos de mi educacdo». 2. Notificado para dizer por escrito quanto se lhe oferecesse, 0 Dr. F. em 26 de Setembro, veio asseverar 0 que, em resumo, passa a referir-se: As ultimas custas contadas nas accées propostas sé haviam sido pagas em Dezembro de 1970. Em princfpios de 1971, tivera de deslocar.se a Inglaterra, » acompenher um seu irmio, atacado de doenga grave, um cancro no estémago, de que viria a falecer pouco depois: 29 de Margo. Os servigos no escritério sofreram assim, e como era naturel, conside- rével atraso. E de tal forms, que ele e o seu empregado Jo&o passaram a 86 dispor de tempo para os trabalhos mais instantes. Apesar disso, diligenciou que a conta a apresentar ficasse concluida ainda durante as férias grandes de 1971. Mas tal nfio foi possivel porque, entretanto, 0 outro empregado do escritério, Eduardo, adoeceu gravemente, facto que o obrigou a ir operarse a Londres. © dito Joo, ainda mais sobrecarregado com servigo, por este novo facto, no teve assim possibilidade de ultimar a conta que o advogado Participado projectara apresentar. Mas desta situagio andmala, disse, dera conhecmento aos filhos dos seus clientes, pondo-os até em contacto com o referido empregado, para, através dele, ficarem melhor elucidados do que se passava. Por cutro Isdo, salientou, a elaboragio da conta era bastante traba- Thos, pois tratava-se de quatro processos de indiscutivel complexidade. Naquela altura, porém (26 de Setembro), j4 a conta estava em poder dos clientes, aos quais havia sido remetida a 19 de Setembro, ecompanhada de carta explicativa. Nesta esclarecia-se que a conta era uma sé e que os, clientes, depois de retiradas as import@ncias com que cada um entrara para as despesas efectuadas, dividiriam entre si o saldo por ela apresentado, segundo a forma que entre si combinassem. E deveriam ainda ter em conta a posigéio de um outro interessado, a respeito do qual, e por conveniéncis comum, nfo chegara & Ser proposta sooo judicial. ‘Da fotocépia da conta enviada (fis, 11 @ 16) verificase que, em relagiio 0s processos com os valores de 1145.000$00, 1000000500 © 900000300, o Dr. F. atribuiu, em cada um, a titulo de honorérios pelos servigos presta- 278 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR dos, 0 montante de 150 000$00; e que, quanto & accao com o valor de 101 000500, e por igual titulo, inclulu a verba de 50 000500. Deste modo, descontando & quantia de 1050 000$00, que havia recebido aquando da transaccfio realizada, a importincia dos honorérios pedidos (500 000300), e a das despesas feitas sem cobertura dada pelos clientes (214 253990), resultou o saldo de 335 746$10, justamente o que o Senhor Advo- gado participado pds & disposig&io deles, tudo nas condigées da falada carta de 26 de Setembro. 3. Perante a mudanca assim verificada no estado de coisas que dera lugar a0 aparecimento da participacio, base dos presentes autos, o Senhor Advogado-Relator, em 8 de Outubro (fis. 22), ordenou a notificagio dos participantes para dizerem se ainda pretendiam a continuagio do processo. Estes, em carta de 14 do mesmo més, acompanhada de varios documen- tos (fis. 26 a 47), vieram declarar que desejavam tal continuagiio, por néo estarem (sic) «de acordo com as contas e honordrios», Mais: notificados em 30 de Janeiro de 1973 (fls. 77) para indicarem concretamente os aspectos em que havia discordincia, disseram em 2 de Fevereiro (fls, 80): que achavam ezorbitante a verba de honordrios; e que n&o concordavam com o montante das despesas de custas. Por outro lado, salientaram ainda o prejuizo que thes causou o facto de 0 Senhor Advogado participado, apesar de em tal sentido vérios pedidos the haverem sido feitos, ndo thes ter prestado contas durante dois anos da quantia de 1050.000$00 oportunamente recebida. Por isso solicitaram ao Senhor Relator que, para garantia dos honorérios devidos a0 mesmo causidico, fosse arbitrada verba equivalente a vinte por cento do dinheiro por ele recebido —a indicada quantia de 1050 000500 — © que, @ seguir, fosse feita a devolugao aos referidos participantes do saldo apurado. Alids, igual solicitagfo tinha sido formulada jé em carta de 15 de Dezembro de 1972 (fis. 63), na qual se preconizava até & intervencio do Conselho Geral em tal sentido. % de dizer que a discordincia dos participantes sobre o montante da conta de honordrios deu lugar, como era natural, a processo de laudo em que 6 requerido o Dr. F. e que, sob o n’ 7/73, corre seus termos perante 0 mencionado Conselho. E, segundo informacio prestada em oficio de 1 de Julho tiltimo (fis. 195) pelo Senhor Vogel-Secretério, 0 mesmo proceso esté ainda a correr vistos, sendo de prever que s6 venha a ser julgado a partir do corrente més. Mas ainda outros factos constam dos autos e que merecem ser refe- ridos. E tanto vai fazer-se: Como os participantes nio respondessem & carta, que, em 19 de Setembro de 1972 lhes enderecara o Senhor Advogado participado, a acompanhar a conta de honordrios e despesas (fis. 9), este, em Dezembro seguinte (fls. 71), ACORDAOS DE 410-74 279 Tequereu, Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 233", n 1, do Cédigo Civil, @ notiticagsio judicial dos mesmos, salientando porém no Tes- Pectivo requerimento que o fazia por mera cautela, pois entendia que néo era aplicével a0 caso o estatuido no artigo 317. do mencionado diploma. E porque os participantes persistissem na sua atitude de nada dizer acerca da tal conta, tomou a iniciativa de —fazendo o encontro da impor- tancis que havia recebido (1 050.000$00) com o Quantitativo dos honorérios Pedidos (500 000$00) e das despesas que efectuara do seu bolso (214 253390) —, remeter 0 respectivo saldo (335 746$10) por meio de cheque sobre o Banco Tota é Agores, emitido em 8 de Janeiro de 1973, 8 favor de Rosa © outros, isto é, as suas clientes, representadas dos mesmos participantes (fis. 74), E destes actos deu a seguir conhecimento 20 Senhor Relator por carta de 12 do citado més (fis. 70). Por seu turno, e quanto a0 envio do cheque, os participantes também © fizeram, mas quatro dias depois, 16 de Janeiro, pela carta da fls. 69, na qual solicitaram informagio sobre se o deviam devolver & procedéncia ou entregar na Ordem dos Advogados, visto nao estarem (sic) ude acordo com 0s honorérios e custas». ; © Senhor Relator, porém, por despacho de fis. ‘77, decidiu que nfo lhe competia tomar posicéo sobre o destino a dar ao aludido cheque. E 2 fis. 8 ordenou que fossem ouvidos em declaragses os empregados do Senhor Advogado participado e por ele referidos (fls. 83). E tais declaragées, prestadas de fis. 87 a 90, vieram confirmar o que o mesmo Senhor Advogado havia escrito na sua resposta de fis. 6 e seguintes. 4. Considerando desnecessério proceder a quaisquer outras diligéncias instrutérias, 0 Senhor Relator, em douto parecer emitido de fis. 95 a 97, salientou que o fulero da questéo a apreciar e decidir era (sic) «o acerto das contas e 8 determinagso do montante dos honorérios pelos servigos Profissionais prestados pelo Dr. F. Para o efeito, disse, estava pendente no Conselho Geral —por ser Perante a lei, a entidade reputada competente— o respectivo proceso de laudo. Mas niio se seguia daf, prosseguiu, que o Conselho Distrital fosse legal- mente incompetente para, em face da participagio apresentada e que dera origem ao proceso, verificar se a conduta do Senhor Advogado participado integrava ou no qualquer infracefio disciplinar. Ora 8 mesma conduta, referiu, sé poderia ser enquadrével no Ambito do artigo 580.", alinea /), do Estatuto Judiciério, de barmonia com o qual «é dever do advogado dar tmediatamente conta ao constituinte de todos os dinheiros deste recebidos, qualquer que seja a sua proveniéncia». E este precelto —acrescentou o Senhor Relator — abrangia também o caso em sprego, ou seja, o de tratar-se de «dinheiro recebido da parte con- tréria e em virtude de transaccdo», 230 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR Restava porém spurar se o atraso do Senhor Advogado participado na entrega aos seus constituintes do montante que em nome deles tinha recebido connstitufa ou nfo infraccfio do preceito legal transcrito. ‘A este respeito o Senhor Relator, considerando 0 facto de os processos em que © mesmo interviera haverem sido complexos e trabalhosos; o de elaboragéo da conta de honordrios e despesas, para ser devidamente por- menorizeda, Jevar bastante tempo; e o de se terem verificado motivos de forca maior, devidamente comprovados, impeditivos de se actuar com 0 desejado ritmo, reputou justificado o atraso ocorrido e, portanto, de afastar, no caso dos sutos, a disposicio da citeda alinea /) do artigo 580° do Esta. tuto Judicidrio. Por outro lado, invocou, em sbono da conduta referida, 0 ny 2 do artigo 387° do mencionado diploma, que «atribui ao advogado 0 Girelto de retenciio para garantia do montante dos seus honorérios». Desta sorte, nfo se vislumbrando «qualquer outra falta do Dr. F., que, aliés, acentuou, na altura jé tinha enviado aos exclientes o saldo que, em seu entender, existia a favor deles, era de parecer—e em tal sentido formulava proposta — que 0 processo fosse arquivado. , concordando com semelhante maneira de ver, 0 Conselho Distrital de Lisboa, por acérdio de 1 de Maio do ano findo, proferido pela sua 1 Secg&io, ordenou o proposto arquivamento. 5. Os participantes nfo se conformaram, porém, com tal julgado, pelo que dele interpuseram recurso para este Conselho Superior (fls. 104). E em alegagées de fis. 112 a 115 indicam e desenvolvem as razdes da sua dis- cordancia. Comegam por salientar, de novo, que o Senhor Advogado participado, ora recorrido, s6 prestou contas quando jé haviam passado mais da dois anos sobre a data em que, em nome dos seus clientes, tinha recebido a quantia de 1050,000$00 e cerca de trés meses sobre o momento em que apareceu a participagio, base do processo. Por outro lado, prosseguem, «além de terem diividas acerca das despe- sas mencionadas nas contas apresentadas, entendem que a cifra de honord- rios 6 muito exagerada». Em seu modo de ver, o preceito categérico do artigo 580.°, alinea 7), conjugedo com os dos n. 3 @ 4 do artigo 587.", ambos do falado Estatuto Judiciério, levava A conclusio de que, no caso sub fudice, ao Senhor Advo- gado era apenas permitido pedir ao Conselho Geral que arbitrasse caugio @ prestar pelos clientes para pagamento dos honorérios devidos. E acrescentaram (sic): «O que nfio se justifica € que o advogado possa reter em seu poder o dinheiro do cliente @ pretexto de que Ihe so devidos honorérios arbitrariamente fixados pelo mesmo advogadoy, pois «tal solugéo pode equivaler a desonerar o advogado de prestar contas, tanto mais que ACORDAOS DE 10-74 281 normalmente os clientes néo sio conhecedores das leis e sé tardiamente ‘scabam por resgir, quando reagem.» As desculpas apresentadas com fundamentos nas doengas de um irm&o ¢ de um empregado nfo tém, no juizo dos participantes e recorrentes, qual- quer valor, uma vez que s6 quase um ano depois de haver recebido os fala- dos 1050 000$00 o Senhor Advogado participado e recorrido velo invocar tal Pretexto. E, apos essa invocagio, ainda decorreu mais um ano para que as contas fossem finalmente prestadas. Entendem assim os participantes e recorrentes que, com o seu procedi- mento, 0 Senhor Advogado participado e recorrido violou os comandos dos artigos 580.", alinea /), 584° e 587.°, todos do Estatuto Judlelidrio. E entendem ainda que, além da pena disciplinar que for de aplicar, deve o mesmo Senhor Advogado «ser condenado a restituir aos clientes a quantia que rece- ‘beu, no uso da procuragio, visto tal restituicio ser obrigatoria e nfo exis- tir ainda um montante fixado pelo Conselho Geral como caug&o a prestar.» 6. A fs. 117 © seguintes, alegou por sua vez o Senhor Advogado par- ticipado e recorrido. E as suas alegagées juntou dois documentos fotocopiados. Um, que vai de fis. 119 a 122, € a resposta por ele dada em novo pro- cesso que também 0 visa e que, com o n. 716/73, corre seus termos igual- mente pelo Conselho Distrital de Lisboa e resultou de queixa apresentada Por V., membro da familia dos signatérios da participagdo, base dos Presentes autos, e queixa essa que com tal Participagio esté intimamente relacionada; o outro documento, que vai de fis. 123 a 126, 6 & resposta dada também pelo Senhor Advogado participado e Tecorrido, mas no pro- cesso resultante de pedido de laudo, formulado pelos partictpantes e recor- Tentes, e que, com o n.* 7/73, segue seus tramites no Conselho Geral. Salienta o Senhor Advogado alegante que qualquer de tais documentos merece ser lido e meditado para boa compreenséio dos factos ocorridos e verificagéo das incorrectas atitudes dos Participantes. E depois de asseverar que eles se propunham espolié-lo, nada Ihe pa- gando, nem sequer ressarcir das importincias que adiantou para solver despesas nas acodes que propos como seu mandatério, acentua que o des- Pudor dos mesmos chegou so ponto de porem «em nome de outros os bens que tinham, para fugir aos pagamentos que thes pudessem ser erigidos em Posstvels execugtes!» Quanto propriamente so recurso interposto, afirma que as alegagies dos Participantes e recorrentes nada tém a «ver com o objecto, preciso e deter: minado, da queixa que esté na bases do proceso. E isto porque a matéria da mesma era 56 a falta de apresentagio de contas por parte dele, Advogado. Com efeito, tal facto e ‘apenas ele — vinca ‘bem —constituu objecto do inquérito realizado e do acdrdio proferido. 282 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR Deste modo, as alegagées dos participantes e recorrentes o que deviam era fazer a critica da decisio recorrida e dos argumentos que a alicercam. Mas a esse respeito sio inteiramente omissas. E o Senhor Advogado participado e recorrido remata assim as suas consideragées: «Pretende-se com elas (as alegagées dos recorrentes) um fim diverso, que néio esté em causa e nao pode por isso constituir objecto de actividade deste Conselho», pelo que deve ser negado provimento ao recurso e con- firmado 0 acérdio recorrido. Tudo visto e relatado, cumpre decidir. 7. © Conselho Distrital a quo, no acérdio recorrido, limitou a sua andlise & matéria da queixa tal como consta do documento que deu lugar 0 processo, ou seja, a falta de apresentacio de contas por parte do Senhor Advogado participado. Considerou-se assim o referido Conselho como que impossibilitado de, na sua investigacso, transcender os limites dessa matéria. E como tal apresentagdo se operou no decurso da instrugio do processo (em 19 de Setembro de 1972, cerca de trés meses depois do offcio de noti- ficagho de fis. 5, datado de 25 de Julho), o aresto —de acordo com a maneira de ver expressa no douto parecer emitido pelo Senhor Relator — e, dando como provada: a complexidade das acgdes patrocinadas pelo Dr. F.; 0 facto de a elaboragio da conta, pormenorizada como teve de ser. levar necessariamente bastante tempo; e ainda os motivos de forga maior jus- tificativos do atraso verificado, entendeu que no fora praticada falta disci- plinar e mandou arquivar o proceso. Mas nfio parece correcto © pressuposto de que se partiu para proferir @ decisio impugnada. E ¢ fiécil de ver porqué. Prescreve 0 artigo 19, n° 1, do Regulamento Disciplinar que «o relator comegaré por ouvir o participanter. Tal preceito tem por indiscutivel finalidade apurar, através das decla- ragées tomadas o este, logo no infcio da instrugéio do proceso, se 8 parti- cipagSo se mantém nos seus precisos termos ou se, diferentemente, deveré ser ampliada ou restringida. Ora, é de notar que, no caso sub judice, embora tenha comecado por ser ouvido o Senhor Advogado participado, foi também dada audiéncia sos participantes, perguntando-Ihes se, mesmo depois da apresentago de con- tas que entretanto se havia verificado, desejavam que 0 processo con: tinuasse. E a resposta deles foi bem clara, a0 afirmarem que queriam tal con- tinuagéo, pois: achavam exorbitante a verba de honordrios; nfio concordavam com o montante das despesas de custas; nfo podiam conformarse com 0 prejuizo causado com a demora de dois anos na apresentagiio de contas. ACORDAOS DE 410-74 283 menos a do montante das despesas de custas. Ha porém ainda mais: No decurso do processo velo a verificar-se que o Senhor Advogado par- ticipedo tomou a iniciativa —embora dando dela conhecimento ao Senhor Relator — de fazer o encontro da importancia que havia Tecebido (1 050 000500) Tecorrentes 0 respective saldo (335 746$10) por meio de cheque sobre o Banco Totta & Agores. Ora, segundo @ orientagio fixada pelos Conselhos da Ordem © que se chcontra perfeltamente sintetizada no acdrdfio de 20 de Fevereiro de 1956 (Revista da mesma Ordem, Ano 18, 4.° trimestre do indicado eno, pag. 431) deste Conselho Superior, «constitu infraccéo de disciplina deixar o advo- Saco de entregar dinheiro em seu poder, para se pagar de honorérios cuje conta nfio tenha sido aprovada pelo constituinte nem sancionada judi- cialmenten. Em face do exposto, era pois imperioso investigar também esta ma- téria, sem divida alguma de grande tmportancia e melindre. Por outro lado —e tratase agora de assunto trazido aos autos Jé depois da emissio do acérdio—, contra o Senhor Advogado participado pende no Conselho Distrital a quo um outro Processo, identificado pelo n. 716/73 (fs, 119 © seguintes), resultante de Participagdio apresentada por V., e que, Por sua vez, respeita igualmente & questio ou questdes posts sub fudice, E temse por evidente a necessidade de aprecié-lo em conjunto com os Presentes autos, pelo que a eles deverd ser felta a sua apensacio. E ainda nfo 6 tudo. Nas suas alegagdes para este Conselho Superior, os participantes e Tecorrentes (fis. 113), acerca do atraso na apresentagio de contas, afirmam que as desculpas dadas pelo Senhor Advogado particinado com fundamento nas doengas de um irmio e de um empregadio néo tém qualquer valor, uma Wes que sé quase um ano depois de haver recebido os falados 1.050 000900 esse pretexto fol invocado. ‘Tratate, como indiscutivel, de ponto que igualmente interessa es- clarecer. 4 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR Nestes termos, acordam os do Conselho Superior da Ordem dos Advo- gados em conceder provimento so recurso e ordenar que os autos baixem ‘ao Conselho Distrital ¢ quo, para nele prosseguir a respectiva instrugtio. Registe-se € notifique-se. Lisboa, 4 de Outubro de 1974. a) Gustavo Soromenho, Antonio Vitorino de Almeida, Carlos Alberto Ferreira de Almeida, Antonio Rosa Portilheiro, José Emidio de Figuetredo Medetros e Higino Borges de Menezes (Relator). ACORDAO DE 13-11-74 1-0 candidato @ advocacia é orientado na prdtica forense pelo seu patrono, mas nem por isso fica excluido de responsa- Dilidede disciplinar embora tenha de atender-se 4 subalternidade daquele em relacéo a este. II —Constitut falta disciplinar o facto de um advogado fazer um auto-pogamento de honordrios com dinheiro que recebeu do seu cliente, sem que haja acordo deste ou deciséo judicial sobre 0 quantitative dos mesmos honordrios. Mario e outros, com as identificagdes constantes da participagio a fis. 3, queixaram-se nesta, a que juntaram 3 documentos, contra o sdvogado, Senhor Dr. B., e 0 ent&o candidato & advocacia, Dr. D., ambos com escritério em Coimbra, mandatdrios deles participantes nos autos de inventério facultativo a que se procedeu no 2.° Juizo Civel da Comarca de Coimbra por dbito de Luis © em que eram interessados como parentes e legatdrios do inventariado, a par de 2 herdelros, um irm&o e uma sobrinha do inventariado. Fundamentou-se a participagio no facto do Dr. D., por sua iniciativa ou por indicagho de seu sogro e patrono, o Dr. B., haver retirado de um cofre pertencente so inventariado ,a quantia de 1280 contos que 4 se encon- travam e que apareceu depositada na conta propria de ambos, na Agéncia do Banco P...., em Coimbra. Preguntado pelo segundo participante so Dr. D. qual razio porque havia tirado do cofre a referida importAncis, justificouse ele como acaute- lamento de um desvio e que ficariam ele e o Dr. B. como fiéis depositérios dela. Retiraram, entéo, os participantes, os mandatos que haviam conferido aos participados, «depois de se informarem se tal atitude entre outras que ACORDAO DE 13-11-74 285 fortemente os chocaram, era necesséria ou mesmo curial» (fis. 5), solici- tando ao mesmo tempo que lhe fossem apresentadas as contas de honorérios. Devolvidas as procuragdes, enviaram.s0 mesmo tempo, os Drs. B. 6 D. ‘aos participantes, nfo as contas pedidas, «mas, sim, sem qualquer recibo selado umas notas de papel timbrado do Dr. B., notas pelas quais nitida- mente se alcanca intencéo de este se pagar pelas suas préprias mios e de quantias tais que totalizam Esc. 102 400$00, bem como a de praticar @ seu arbitrio uma partilha do dinheiro pelos exponentes» (fls. 5), dinheiro que néo pertencia na totalidade ao inventariado, pols, dos 1280 contos, 100 contos eram de Maria S. Logo por cartas datadas da segunda quinzena de Junho de 1968, protes- taram os participantes contra o proceder daqueles mandatérios, «designada- mente: @) contra o pagamento por suas proprias mos; ») contra o mexer-se numa conta global de que hé que integralmente prestar contas como fiel depositério; ¢) contra a incluséo de actividades que nada tém a ver com os inte- Tesses dos exponentes na conta de servigos a eles prestados; e, @) contra o exagero do montante retido a titulo de honordrios» (fis. 5 v.*), néo tendo os Drs. B. e D. dado qualquer resposta a0 protesto. Acrescentam que a aludida importancia de 1280 contos «foi arbitraria- mente partilhada e dividida pelo Advogado B.», com a reserva «para si proprio da importéncia de 102 399$30» (fis. 6). Terminaram os participantes por considerar terem os Drs. B. e D. cometido uma infracedo disciplinar, por se haverem pago «por suas préprias mos, sem acordo e contra a vontade dos interessados, por uns honorérios cujo montante é escandalosamente excessivon (fls. 3), para o que solicitam «0 procedimento conveniente». Juntaram copia de um requerimento enderegado ao Juiz do 2° Jufzo Civil da Comarca de Coimbra, em que pedem autorizagio para, cada um deles, entregar «na Caixa Geral de Depésitos, Crédito e Previdéncia a impor- téncia em nome deles depositada pelos Drs. B. e D. e que estes sejam notifi- cados para igualmente depositarem e & ordem deste Tribunal a importéncia que retém em seu poder sem que para isso houvesse obtido qualquer espécie de autorizagéo ou mesmo de concordancias (fis. 6 v.°), e bem assim fotocépias da carta de 27/6/968 dirigida pelo Dr. B. & quarta participante. A fis. 19, 20, 20 v.° e 26, foram tomadas declaragées aos cinco partici. antes, em que todos eles confirmaram os factos mencionados na partici- Pagdo e no requerimento nela referido, esclarecendo o participante Mério R., nas declaragées que prestou de fls. 26 a 28 v.°, pormenorisadamente os mes- 286 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR ‘mos factos, como a abertura do cbfre, a retirada dele pelo Dr. D. dos 1280 contos, o seu depdsito na Agéncia do Banco P...., de Coimbra, a razio da ins- taurag&io do inventério, que ficou a dever-se a divergéncias dos interessados na interpretagio do testamento do inventariado, acrescentando que, ele e os seus parentes, decidiram queizar-se dos Senhores Advogados quando foram notificados no inventério para depositarem a quantia existente no cofre, o que néo podiam fazer por nfio a terem em seu poder e por ela se achar deduzida dos honorérios cobrados pelos Drs. B. e D. por suas préprias maos. Ouvidos também os senhores Advogedos participados de fis. 30 a 40 v.", confirmou 0 Dr. B. o levantamento do dinheiro do cofre, sugerido pelo Dr. para ser depositado em qualquer Banco ou conta conjunta dos legatérios, com 0 que estes concordaram. No Banco, deliberaram os legatérios que o depésito fosse feito em nome do Dr. D. j6 que ele concordava em ficar com a chave do cofre. Mas, por o Dr. D. discordar, fol o depésito feito em seu nome e no dele, Dr. B., com o taléio do depésito preenchido pelo marido da participante, Gloria R. Era sua convicgio, confirmada pela opinifio do Prof. Doutor C., ser exclusiva propriedade dos legatérlos e participantes a quantia de 1280 contos. ‘Tendo sugerido aos participantes, depois de eles entrarem em questéo com os dois herdeiros do inventérlo, que, a estes, fossem dados todos os va- lores achados no cofre com excepgo dos 128¢ contos referidos, no foi a sugestéo aceite, sendo a partir daf que os participantes principiaram a pedir 20 Dr. D. @ devolugSo das procuragées passadas a ambos e a apresentagio da conta de honorérios. Devolveu o Dr. B. a procuragéo em 19/6/968, confessando, também, que, «cobrou realmente pelos seus honordrios a quantia de cento e dois mil trezentos e noventa e nove escudos e trinta centavos» (fis. 36), fixados com observancia dos disposto no Artigo 587° e seus mtimeros do Estatuto Judiciério, tendo presente o valor da causa, superior a 5000 contos, o estudo que dela fez, 0 tempo despendido e 0 estilo da Comarea. Confirmou igualmente o Dr. D. que, em 2/4/968, compareceram no escritério do seu patrono, o Dr. B., os participantes David e Mério R., os maridos das participantes Prazeres e Gloria R. e o pai da participante Maria R,, solicitando os seus servigos como advogado. Depois de conferenciarem com o Dr. B., confiaram-lhe a defesa dos seus interesses no inventério referido e em que eram legatérios, sob a orientagdo daquele Colega. Havendo necessidade de se proceder & abertura do cofre existente em casa do inventariado e & guarda de uma criads idosa, logo solicitou, acom- panhado dos clientes do seu patrono, a intervencio do notério, Senhor Dr. G., ficando a diligéncia acordada para o dia seguinte. ACORDAO DE 13-11-74 287 Neste dis, acompanhsdo do notério, do seu ajudante e de um técnico, Procedeu-se, na presenca dos dois herdeiros e dos legatdrios, ao arromba. mento do cofre. Além de outros valores, 14 fol encontrada a quantia mencionada de 1280 contos, fleando ele depositério das chaves do cofre por imposigio dos interessados na heranca e da criada do falecido. Por falta de seguranga do cofre, fol acordado com os interessados que se fizesse 0 depésito dos 1280 contos em qualquer Banco. Em 5/4/968 e na presenca dos clientes interessados, foi aquela quantia retirada do cofre e depositada no Banco P...., em seu nome e nfo conjunta- mente nos dos legatarlos, por eles assim o haverem decidido, tendo o taléo de depdsito sido preenchido Pelo marido da legatéria, Gloria R. 2m 21/6/968, e por carta da véspera, devolveu a procuragSo que lhe havia sido entregue pelos participantes. Depols de justificar o montante da conta de honordrios apresentada pelo Senhor Dr. B., a quem se limitou a prestar dados e informagées, conta correspondente «a mais de dois meses e meio de um trabalho drduo» (fls. 40 v-), terminou por considerar ‘rrissrio o mesmo montante, sem negar que o Senhor Dr. B. se haja ‘ago por sua propria iniciativa dos honordrios referidos. Em requerimento a fis. 58 © seguintes © em resposta & notificagSo que receberam para apresentarem quaisquer outras pi , voltaram os partici- Pantes a queixarse dos Senhores Advogados participados por se haverem Pago dos seus honordrios por «suas prdprias maos», retirados da quantia de 1280 contos depositados e de que eram meros afiéis depositdriosy, quantia dividida ainda pelos Senhores Advogados e de modo arbitrério pelos partici- Pantes, tudo como se vé da fotocdpia da carta do Dr. B. junta a fis. 9 @ enderegada & participante Prazeres R. e marido. Com o requerimento, juntaram os participantes fotocdpias dos documen- tos do Banco P.... em que os Drs. B, ¢ D. transferiram @ quantia de 130 844500 Para a conta do participante, Mario R. e mulher, da procuragGo que passa- ram &queles causfdicos e do testamento feito Pelo inventariado. Juntas foram também pelos participantes as certidées de fis. 83 a 87, Sendo uma delas relativa & abertura do cofre na residéncia do inventariado. Depois de encorporados nos autos os extractos dos registos disciplinares dos Senhores advogados visados (fls. 97 @ 98), fol entéo, deduzida a acusagio contra eles, tendo por ponto de partida a dentincia felta pelos participantes, de, aqueles, como seus mandatérios judiciais, se terem pago por suas pré- 288 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR a competéncia do Conselho Distrital para se pronunciar, por ela pertencer 20 Conselho Geral (artigo 615°, N° 1, alinea n), do Estatuto Judiciério). abs- tendo-se, por isto, de o fazer constar da acusagio. Quanto & conduta dos Senhores Advogados no restante da sua actuacio para com os participantes, julgou, pois, ele, haverem indicios suficientes para, nos termos do preceituado no Artigo 36.° do Regulamento Disciplinar, formu- Jar a acusagio de fis. 101 e seguintes. Deduziu-a, entio, referindo ter o Dr. B., ao tempo patrono do Dr. D., «depositado & ordem dos participantes ou de cada um deles a quantia que cada um caberia dos 1280000$00 depositados no Banco Pinto & Sotto Mayor, depois de deduzida a verbs que atribula aos seus honordrios. Mencionou, depois, terem os dois arguidos: 1) —Devolvido os participantes as procuragées que deles receberam e que Ihas haviam pedido, mas sem que thes enviassem «a nota detalhada dos servigos prestados para que estes pudessem conferir e apreciar a justica dos honorérios fixados», nfo se considerando como tal as cartas cujas fotocs- pias e cépia se encontram a fis. 9 ¢ 44; 2)—fectuado «sem qualquer autorizacio dos seus clientes, o levanta- mento da verba que em nome de ambos haviam depositado no Banco P.... com o acordo e presenca daqueles»; 3)—Efectusdo «a divisio dessa importancia em quinhdes iguais sem para tal estarem autorizados ou terem poderes»; 4) —Reterem «em seu poder, a titulo de pagamento de honordrios e sem para isso terem obtido a necessdria concordAncia dos seus clientes, uma parte do que a cada um deles competia na arbitréria partilha a que procederam, embora tenham depositado naquele mesmo Banco e em nome de cada um dos clientes, a quantia sobrante»; 5)—N&o responderam os dois arguidos «ao Colega que se lhes dirigiu sobre o assunto em aprego (vejam-se as declarag6es do Dr. B. a fis. 36). Por isto, considerou o Senhor Relator terem os dois arguidos ofendido 0 disposto no Artigo 570.° e as regras previstas nos Artigos 576° e 577° do Esta- tuto Judicisrio. Notificados da acusag&io, vieram os arguidos oferecer as suas defesas. Alega o Dr. D. (fis. 111 e seguintes) que, quando da ocorréncia dos factos de que foi acusado, ser mero candidato & advocacia, e nao ter, assim, «possibilidades de ser agente dos factos de que é acusado», no constando dos autos que tenha praticado qualquer dos factos constantes da nota de culpa. ACORDAO DE 13-11-74 289 Também o facto de no responder & carta de um cologa, o ailéncio em tal caso nfio representa a violagéo de um dever profissional. De resto, o colega advogado dos participantes apenas escreveu ao seu co-arguido, Dr. B. ‘Acresce que em toda a instauragio do Processo, ele arguido, nfio 6 re- ferldo quanto & pritica de factos constantes do n° 9 e da alinea e) da acusagio. Alegando que 0 Dr. B. «nada fez que néo tivesse sido com o seu conhe- Cimento e aquiescéneia», atirms, depois, que a importancla de 102300330, com que foram pagos os honorérios, destinavase, apenas, a garantir este Pagamento, sendo legitima a sua retenco. E, porque néio foi passado recibo da dita quantia, visto os participants terem discordado dels, nfo houve, pois, um pagamento efectivo, «mas t6o Somente 0 exercicio do direito de retengo scbre um montante capex de ga- Tantir @ UquidagSo da conta apresentaday... Negando, ainda, que tenha efectuado o levantamento da verba deposi: tada no Banco P.... com 0 acordo e presenga dos clientes 6 feito a diviso Ga mesma verba, termina por considerar confusos os autos quanto & prova que Ihe diz. respeito, repetindo no ter pratieado os tactos de que 6 scusado, pelo que pede que ® acusacdo contra si formulada seja julgada improcedente © nfio provada. Por sus vez e na sua defesa, principia o Dr. B. por apontar a posigéio de candidato & advocacia do seu co-arguido na época em que ocorreram Os factos referidos nos autos, limitando-se, assim, o Dr. D. a observar 0 que Por ele Ihe fol determinado na qualidade de seu patrono, pelo que néo pode © Dr. D. ser acusado, se, na questo, existe algo que néo esteja certo, No caso, também sempre ele Dr. B. agiu com dignidade pessoal e pro- tissional, alls como tal procedido no decorrer de mais de 30 anos de intenss actividede protissional. Refere, seguidamente, que quando em 27/6/968 recebeu o carta subscrita pelo participante Mario R., a fis. 8, jé sabla que o senhor Dr. A. era o pa- trono dos participantes. Radicou-se em si esta certeza quando, por carta de 14/8/68, ele the es: creveul @ oferecer-se como medianeiro de um acordo (cartas a fis. 122, 124 @ 125) e Ihe remete fotocépia daquela primeira carta. Considerando que 0 proceder daquele Colega fa de encontro so precelto contido no Artigo 876.° do Estatuto Judicidrio, também ele Ihe fez desprimo- Tosas referéncias no processo de inventério por dbito do Luis J. Assim se avolumou uma situag%o que nfo criou nem quiz. Sempre foi minucioso ou detalhado nos servigos prestados aos partici- Pantes, estando crente, e ao contrério do decidido na 1. Instancia na Relagéo de Coimbra, pertencer Xqueles a quatitia encontrada no cofre do inventério. Mas, Porque estava no campo das hipdteses e admitindo o acontecido, aventou a possibilidade de uma transaccio, 290 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR Todavia, a concluséo a tirar exigia um estudo profundo, que nio podia ser pormenorizado em conta de honordrios, como sucede em contas comerciais. Por isso, devolveu as procuragées logo que pedidas, com a referencia dos trabalhos prestados e comunicagio dos depésitos feitos & ordem de cada uum dos clientes da quantia que a cada um caberla dos 1280 contos, depois de deduzida a verba de honorérios, que ficou retida no Banco e que ainda 1 continua, podendo, contudo, ser depositada & ordem desta Ordem se ela assim 0 decidir e até & resolugéo final do caso. E porque se trata de retengio, néo foram passados recibos. Sendo verdade no ter respondido & carta do Colega, Dr. A., assim pro- cedeu por este ter agido com infracg&o do disposto no Artigo 576." do esta tuto Judiciério, como se conclui das cartas que juntou, a fis. 122, 124 € 125. Preferlu, assim, 0 seu siléncio a atacar aquele Colega pessoalmente ou com aluséo deprimente. Concluindo, pediu, como o seu co-arguido, que os fundamentos da acusa- 980 fossem Julgados improcedentes e nao provados. Notificadas as duas partes para os tins do Artigo 46.° do Regulamento Disciplinar, apresentaram as suas alegagdes, achando-se as dos participantes a fis, 143, as do Dr. B. a fis. 155 e as do Dr. D. a fis. 158. Limitaram-se os interesados, no que alegaram, a exporem os factos e a tirarem as conclus6es que, até entdo, tinham trazido ao Processo, sem invo- carem, pois, qualquer novo fundamento das suas posig6es nos autos e a ter em conta na decisfio da questio, Presentes os autos & Sesséo do Conselho Distrital de 7/10/972, foi lavrado © Acérdio de fis. 168, que teve como fundamentacio: a) Terem os arguidos actuado, um como patrono e o outro como esta- gidrio, com perfeita identidade, com predominio natural do primeiro; b) Ter o Dr. D. orientado a questéio desde o seu inicio até ao depdsito da quantia de 1280 contos, e o Dr. B. estudado o assunto, elaborado as cartas para os clientes e para o Banco; ¢) Terem todos estes actos sido praticados por um dos advogados, mas com conhecimento e concordncia do outro; d) Ser 0 candidato orientado na pritica forense pelo seu patrono, mas sem que © primeiro fique exclufdo de responsabilidade por conduta irregular, isolada ou em conjunto com a do patrono, embora tenha de se atender & subalternidade do candidato em relac&éo ao patrono; e) Ser enviada por ambos a carta junta por fotocépia a fis. 9, igual As outras que o Senhor Dr. B. dirigiu aos restantes clientes, a classificar como de insuficiente a prestagdio de esclarecimentos e contas; ACORDAO DE 13-11-74 291 A) Estar 0 mandatério forense sujeito, também, &s obrigagées impostas Pelo artigo 1161." do Cédigo Civil; Néo ter a carta de fis. 9 © as outras com o mesmo teor, a forma Ge contra-corrente com a especifieagio de verbas de receltas © despesas, no apresentando, ainda, um saldo concreto, conferido ou a conferir; ry Néo passar a mesma carta de simples comunicagSo de certa ope Tako bancéria baseada em divisio ou partitha pelos interessados da impor. fancia de um depésito feito em nome dos advogados arguidos, com cus autorizagio, comunicagéo acompanhada da noticia do desconto de uma verba 8 titulo de honorérios; i) Néo terem o levantamento e 8 partilha do depdsito sido acompanhado de cautelas e autorizagées correspondentes as tidas aquando do depésito; i) ‘Terem, o levantamento e a partilha duma parte do depésito, sido feitos arbitrariamente pelos advogados arguidos; +) Ter havido efectivamente um levantamento e um depésito, embora Sem @ safda de numerério dos cotres do Banco, pelo que nfo Podia o titular da conta do depésito inicial Movimentéla com base no montante Primitivo; D_ Néo terem os advogados arguidos feito a entrega integral da quantia que Teceberam € depositada em seus préprios nomes, com consentimento 6 conhecimento dos clientes, o que pressupde, de certo modo, um recebimento a titulo de «fiel depositérion; ™m) Terem, assim, os advogados arguidos feito «uma retengho manifes- tamente ilegitima, uma diminuigdo do montante a restituir, que ninguém autorizou € nada permite na lei ou nos costumes forenses; n) N§o terem os advogados arguidos provado que a tetengiio por si Jelta, cera abrangida pelo dtreito legal de retencéo para garantia de pagamento de honordrios devidos (artigo 587°, Nw 2 do Estatuto Judiciério)»; ©) Ser considerada falta das mais Braves a niio restituicéio de qualquer quantia recebida pelo advogado para o cliente, bem como Pagar-se arbitra. Tiamente pelas suas proprias mios; P) Haver 0 Dr. B. na carta por fotocépia a fis. 9 ao informar os 292 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR 1) Néo ter o Dr. D. nas suas declaragées a fis. 37 e seguintes feito referéncla ao uso por si e pelo Dr. B. do direito de retengao; 8) Haver, assim, contradicio quando os advogados arguidos alegam nio haver pagamento, mas apenas retencéo; 1) Terem, pois, os advogados arguidos feito um auto-pagamento, sem ‘8 aceitac&o dos clientes quanto ao valor dos honorarlos ou ela suprida por decisio judicial apropriada; u) Constituir o proceder dos advogados arguidos infracg&o disciplinar como foi julgado nos Acérdios deste Conselho de 20/2/958 e de 25/6/964 & no parecer do Conselho Geral de 15/10/958; =) N&o dar como provada a acusag&o constante da alinea f) da acusa- gio, pois surgiu no Processo por via indirecta, por nfo constar da partici: pag&o o facto nela referido sem haver merecido ao Dr. A. qualquer reacgéo ‘0 siléncio dado pelo Dr. A. A sua carta de fis. 125, acrescendo ser de gra- vidade limitada; 1) Ter 0 advogado arguido, Dr. B., j4 sofrido uma pena disciplinar de relativa gravidade aplicada por Acérdio do Conselho Distrital de 17/4/9488, nfo voltando a ser-Ihe aplicada qualquer outra. Portanto, fol julgada improcedente e niio provada a matéria da acusagao constante da {4 referida alinea /), pelo que dela foram absolvidos os Drs. B.e D., e procedente e provada a matéria das restantes alineas, sendo, assim, fe nos termos dos Artigos 570.° e 657° do Estatuto Judicidrio, condenado o advogado arguido, Dr. B., na pena de multa de 3000800, e 0 advogado ar- guido, Dr. D., na pena de adverténcia, e ambos também condenados a resti- tuir sos participantes, no prazo de 30 dias, a quantia de 102399$30 que confessaram reter para pagamento de honordrios, tudo sem prejuizo do apuramento das contas respeltantes a0 exercicio do mandato que receberam dos participantes. Inconformados com a decisio, dela recorreram os Senhores Advogados Arguidos. ‘Admitidos os recursos, acham-se as alegagdes do Dr. B. a fis. 212 e se guintes e as do Dr. D. a fis. 219 e seguintes. , também, alegaram os recorridos com as alegagées a fls. 223 e seguintes. Nas suas alegagdes, os recorrentes sem alegarem factos novos que pu- dessem alterar a decis&io, limitaram-se a confirmar as defesas que j4 tinham oferecido nos autos, com a renovagio da justificagiio legal dos seus proce- deres, © a pedir a revogagio da decisio recorrida, por # considerarem violadora do preceituado nos Artigos 570° @ 657° do Estatuto Judiciério. Os recoridos também nas alegagdes que apresentaram, dio por repro- duzidas as intervengdes que tiveram no Processo e levantam a questéo de ser ACORDAO DE 13-11-74 293 malévola 8 insinuagio feita pelo recorrente, Dr. B., @ fls. 214 v." dos autos, quando pede que a ela responda o casal participante de Prazeres e marido, insinuagdes que julgam abrangida pela alfnea n) do Artigo 574 do Estatuto Judiciério e que & do seguinte teor: «Que pensaria o Ex.° Conselho Distrital recorrido de alguém que seje Réu em um dos mais importantes processos-crime pendente em Tribunal Portugués que tivesse prestado a caugio de mil contos para aguardar em liberdade o dia do seu julgamento? Que responderé a isto 0 casal Prazeres 0 marido também?» Seguidamente pedem a revogagio do Acérdio recorrido por haver sido proferido com excesso de benevoléncia em presencga dos factos que denun- claram e que analisam pelo modo que jé haviam felto no Processo. Tudo visto: Os autos mostram, sem duivida, que os recorrentes, 0 Dr. B. na quali- dade de patrono e o Dr. D. na qualidade de candidato-estagidrio, sem estarem autorizados pelos participantes, seus clientes, levantaram a quantia de 1289 contos que havia sido depositada em seus nomes na Agéncia do Banco P...., em Coimbra, na presenca e com autorizagio dos segundos, quantia aquela encontrada no cofre e existente em casa do inventariado, Luis, e em cujo inventério os participantes eram interessados. Sem que estivessem igualmente autorizados pelos participantes, divi- diram a dita quantia em nove partes iguais, retendo em seu poder, para Pagamento dos seus honorérios, a parte correspondente ao valor destes, de 102 399$30, depositando, no entanto, na mesma Agéncia e em nome de cada um dos participantes, as quantias sobrantes que a favor destes fixaram na diviséo realizada por seu livre alvedrio. Actuaram os recorrentes na prética de todos estes factos em completa identidade de proceder, embora com maior influéncia e responsabilidade do Dr. B., atenta a sua qualidade de patrono dos participates e do candidato a estagidrio, Dr. D. Seré, assim, de apreciar a responsabilidade disciplinar surgida destes factos em que ambos estio envolvidos. Ora, tendo o Dr. B. cobrado a referida quantia de 102 390$30, como, aliés, 0 confessou a fls. 36, pagou-se por si prdprio de honorérios, que néo tinham, até, a aceitag&o dos seus clientes, Constitui este procedimento infraccSo disciplinar como se vé dos Acér- dios deste Conselho Superior de 20/2/958 (Rev. da Ord. dos Advogados, Ano 18, pag. 431) e de 25/6/964 (Rev. da Ord. dos Advogados, Ano 1964, III-V, Ags. 481) e do Parecer do Conselho Geral de 15/10/958 (Rev. da Ord. dos Advogados, Ano 19.*, pags. 85), cltados doutamente pelo Ilustre Relator do Acérdao recorrido. 294 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR Acresce que também Ja anteriormente o Senhor Dr. B. havia sofrido pena disciplinar como consta do extracto do seu registo disciplinar junto a fis. 97. Por todo o exposto, julga-se sem necessidade de maior fundamentacio, néo ser merecedor de censura a decisio em aprego. ‘Quanto & insinuacfio feita pelo Dr. B. a fis. 215 v. dos autos, e consi- derada ofensiva pelos participantes nas suas alegagées, niio é da competéncia deste Conselho mas, sim, da competéncia do Conselho Distrital a sua apre- clagéo de momento. Nestes termos, acordam os do Conselho Superior da Ordem dos Advo- gados em negar provimento ao recurso, mantendo a decisio recorrida cons- tante da parte final do Acérdio de fls. 175. Notifique e registe Lisboa em 13 de Novembro de 1974. aa) Anténio de Macedo, José Emidio de Figueiredo Medeiros, Carlos Eugénio Dias Ferreira, Luis Antonio dos Santos Ferro, Gustavo Soromenho @ Sebastiéo Dantas Baracho (Relator). ACORDAO DE 27-11-74 I—Embora 0 tempo gasto no estudo do assunto seja um dos factores a atender na fiagdo dos honordrios do advogado (art 584° do Estatuto Judicidrio) néo é preciso qualificd-lo com o rigor matemdtico usado na contabilidade industrial. 11 — Sao devidos honorérios ao advogado mesmo quando a accéo se perde na totalidade. 1II—Em face da orientagéo firmada pela Ordem, 0 advogado ndéo pode pagar-se, por suas proprias méos, da conta de honordrios e despesas que tiver apresentado ao constituinte, Mas ndo existe infraccdo disciplinar se o advo- gado o faz na convicedo de a tanto estar pelo cliente autorizado. 1. © presente processo —que pela primeira vez sobe a este Conselho ‘Superior — resultou da participagaéo apresentada pelo cidaddo holandés, Dr. Adrianus residente em Holanda, contra 0 advogado Dr. C., com escritério em Lisboa. E ambos os recursos foram interpostos pelo participante. Agora porém a matéria a apreciar esté circunscrita & questéo de saber se foi justificada a conduta do Senhor Advogedo participado, que consistiu em retirar, sem prévia autorizacdo ou concordfncia do participante, a quantia de 3.00000, para pagamento da sua conta de honorérios, do montante de ACORDAOS DE 27-11-74 295 10 780$00 que, a titulo de indemnizacéo e em nome do mesmo participante, de quem era entio mandatério forense, recebeu em resultado de acordo rea- lizado em acgiio emergente de contrato individual de trabalho que correu termos pelo competente Tribunal de Lisboa (3." Vara, 2." Secgéio). = que o acérddo proferido por este Conselho Superior aquando do Primeiro recurso para ele interposto resolveu definitivamente todas as outras questées levantadas na aludida participacao. Na verdade, perfilhando a tese da decisio emitida pelo Conselho Distrital @ quo, deu por assente que, ao contrario do asseverado pelo Dr. Adrianus, © Dr. C. empregou «toda a diligéncia e competéncia profissional na defesa dos interesses do seu constituinte, nada se tendo verificado a tal respeito que fosse passivel de censura. Por outro lado, sobre a conta de honorgrios apresentada, de quantitativo que 0 participante qualificou de elevado, o mesmo acérddo, reportando-se ao laudo oportunamente concedido pelo Conselho Geral, recrutou dele passagem que fez sua e tudo esclarece, na qual—depois de salientar que o procedi- mento nfo colaborante nem razodvel do cliente sobrecarregou gravemente o trabalho do advogado, cuja atitude de transigir no ultimo momento com a parte contriria obedeceu a preocupagio de nao deixar perder totalmente a Pretens&io do seu constituinte ausente; depois de referir que a missfio do indicado causidico foi altamente dificultada pelo exagero do pedido do autor, © Dr. Adrianus, que queria receber 22 500$00; e depois de acentuar a exigui- dade dos honordrios considerados em si préprios—o mencionado Conselho Julgou que a questionada conta havia sido elaborada com observancia do condicionalismo prescrito no artigo 584.° do Estatuto Judicisrio. Simplesmente, nas alegagdes do recurso que interpds para este Conselho Superior, o primeiro, claro esté, o participante e recorrente velo referir facto novo que, como é manifesto, nfo foi nem podia ter sido considerado na ins- trug&io do processo, Tal facto consistiu precisamente, como se disse logo no inicio, em o Dr. C., sem prévia autorizagéo ou acordo do Dr. Adrianus, ter retirado a falada importéncia de 3000$00 da indemnizagio que, em nome dele, e no acordo celebrado na indicada acgfo judicial, recebeu do ISLA, Instituto de ‘Linguas e AdministragSo, S.A.R.L., depositando depois, na conta bancéria do dito participante, apenas o quantitativo remanescente. E foi justamente para se averiguarem as condigdes em que se havia efectuado 0 pagamento dos contestados honorérios que este Conselho Su- Perlor, por seu acérddo de 11 de Maio de 1972, proferido a fis. 135 e se- Guintes, decidiu que o processo baixasse ao Conselho Distrital a quo. 2. Em cumprimento de tal julgado, foi o Dr. C. ouvido neste Conselho. E a fis. 157 e seguintes veio indicar as razdes da conduta que adoptou, fa- zendo-o do seguinte modo: Comegou por referir que o participante, uma vez terminados os servigos forenses do participado, apenas se preocupou em pedir a este que depositasse 296 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR na conta bancéria por ele identificada, e na sua totalidade, 0 montante do crédito a receber do ISLA, nada dizendo porém acerca da liquidagéo da conta de honordrios e despesas respeitantes a tais servicos. Semelhante circunstfncia, salientou, levou-o & conclusSo, que reputa segura, de que era designio do participado néo lhe pagar, tanto mais que, na altura, jé h4 muito tinha voltado a radicarse no seu pais, a Holanda. E daqui, portanto, a necessidade que sentlu de tomar as devidas cautelas para garantir o efectivo recebimento do que lhe era devido. Ora, continuou, de entre os meios técnicos de que poderia usar, pare- ceuhe que o mais eficaz para ele e menos gravoso para o Dr. Adrianus seria a compensacdo dos respectivos créditos e débitos. E, no caso de que se tra: tava era legal, afirmou, lancar mao de semelhante instituto, pois, em seu entender, os créditos e débitos de um e de outro (participante e participado) obedeciam ao condicionalismo estabelecido no artigo 847. do Cédigo Civil. Nem poderia invocar-se em sentido contrério, disse, a jurisprudéncia da Ordem, por néo se compreender que o advogado, pelo simples facto de o ser, esteJa inibido de se prevalecer das vantagens da compensacdo, embora reconheca que esta, na prética, ¢ susceptivel de se transformar em arma peri- gosa, quando posta nas mios de profissionais do foro. Mas, para corrigir possiveis abusos, acentuou, existe sempre a possibilidade de recurso & accéo disciplinar. Mas havia mais, prosseguiu: © participante, devido As suas dificuldades econémicas, nunca Ihe fizera qualquer provisio, nem de honorérios, nem sequer de despesas. E, do que em tempos Ihe referira, ficara ao participado ® segura ideia de que, na altura do recebimento da indemnizacio, ser-the-ia logo paga a conta de honordrios e despesas. Quer dizer: o participado considerou que estava como que taci- tamente autorizado ® proceder nos termos de que usou. Por ultimo, e ainda como justificagso da sua conduta, invocou o artigo 1161, da alinea d), do Cédigo Civil, segundo o qual o mandatério é obrigado fa prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as pedir. Ora, a prestagéo de contas 6 uma especificagio de débitos e créditos, com indicagio do respectivo saldo, E foi isso o que precisamente fez 0 par- tictpado. Assim, rematou, no houve na sua parte qualquer actuag&o passivel de sang&o diselplinar. 3. © Conselho Distrital de Lisboa, apreciando a questo agora posta sub judice, decidiu, por acérd&o de 9 de Junho do ano findo, proferido a fis. 163 @ seguintes (o acérd&io presentemente em recurso), e tal como jé julgara no de 27 de Junho de 1971, constante de fis. 103 e seguintes, que o5 autos fossem arquivados. ACORDAOS DE 27-11-74 297 Mas néo perfilhou toda a argumentag&io desenvolvida pelo participado. Assim, & invocag&o do artigo 847° do Cédigo Civil, relative a compen- sagGo de créditos e débitos, e do artigo 1161.°, alinea d), do mesmo diploma, respeitante A prestagdo de contas do mandato, opds a orientagéo hd muito fixada pelos Conselhos da Ordem e que se encontra perfeltamente sintetizada no acérd&o de 20 de Fevereiro de 1958, emitido pelo Conselho Superior, nos termos da qual «constitui infracgdo de disciplina deixar o advogado de en- tregar dinheiro em seu poder, para se pagar de honorérios cuja conta nfo tenha sido aprovada pelo constituinte nem sancionada judicialmente» (Re- vista da Ordem dos Advogados, Ano 18, 4.* trimestre de 1958, pags. 431). E acrescentou ser «de aplaudir inteiramente esta orientagéo, que visa defen- der o prestigio e 0 bom nome da profissio», Acentuou no entanto o Conselho Distrital que, no caso dos autos, era mister ponderar cuidadosamente todas as circunsténcias verificadas e que haviam determinado o procedimento do Dr. C. E, dentro de tal directriz, considerando: que os honorérios fixados pelo Participado foram tidos por exiguos no laudo concedido pelo Conselho Geral; que o procedimento do participante, no decurso da competente accio judicial, nao foi colaborante nem razoavel, provocando grande aumento de trabalho a0 participado e tornando-Ihe mesmo dificil a respectiva actuagio; que o Participado empregou toda a diligéncia e competéncia profissional na defesa dos interesses do participante; que este, pelas suas atitudes, lhe inculcou o fundado receio de nao se mostrar disposto a pagar voluntariamente a conta de honordrios e despesas; que, ® data da apresentagdo desta, jé o participante se encontrava fixado no seu pafs de origem, a Holanda, facto que tornaria extremamente aleatério o resultado pratico de eventual acgdo de honordrios; por tudo isto, o Conselho Distrital —«sem embargo de entender que, por via de regra, 6 de acatar sem quaisquer reservas o princ{pio geral que flui do falado acérd&o de 20 de Fevereiro de 1958, deste Conselho Superior» — enten- deu, e assim julgou, nfio ser merecedora de censura a actuagio do Dr. C., pelo que ordenou a remessa dos autos ao arquivo. 4. Inconformado com tal deciséio, dela recorreu o Dr. Adrianus, ali- nhando as razdes da sua discordancia no documento de fis. 172 a 175. Como sucedeu com outras jd incorporadas no proceso, tratase de peca que, além de no primar pela clareza, esti — como se escreveu no acérdéo deste Conselho Superior de fls. 135 a 140, reproduzindo, de resto, 0 j4 notado no parecer de fis. 103 a 105— «eivada de erros de ortogratia e de redaccfion, mas «desculpdveis a um estrangeiron. Na nebulosidade de quanto escreve, e exceptuadas certas afirmagdes de ironia e de ataque pessoal desferido contra o participado —que, por isso mesmo, jé requereu a passagem de certidées para instruir participago a di- vigir & Palfcia Judicidria (fis. 181) —, nada em boa verdade se encontra no 298 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR aludido documento que posse considerar-se com interesse para esclarecimento da questo ora posta sub judice. Com efeito, o participante e recorrente limita-se a salientar —e aqui esté a falada fronia— que, em face da doutrina do acérdio recorido, o advogado pode sempre violar o regime estabelecido pela Ordem para a cobranca de honorérios! Bastard para tanto que se trate de estrangeiro qualificado de no colaborante nem razodvel para com o seu patrono, e acerca do qual este tenha (sic) «a intulgfio» de que ele nfo quer pagar-lhe! E, quanto ao ataque pessoal a que se fez referéncia, dirseé que 0 par- tlcipante e recorrente, além de haver escrito que o participado ¢ whomem in- telectualmente pouco evoluido e com amplas regides de personalidade a con. quistar para a civilizagdo» (fis. 136), 0 chamou, embora de forma indirecta, «falsificador habilidoso da realidaden e xexplorador dos seus clientes»! Por outro lado, e no que respeita & questo a decidir, assevera que nao deu mostras de ndo querer pagar ao participado nem se esqueceu de falar na respectiva conta de honordrios e despesas. Lamenta-se, por fim, de o referido caus{dico nunca Ihe haver prestado duas informagdes por ele solicitadas e que consistiam: a) jé na indicagao do mimero de horas de trabalho gastas pelo mesmo nos servicos forenses pres- tados, assim como da natureza e quantitativo das despesas efectuadas; d) j4 na sujeigio & apreciagéo da Ordem da discordAncia existente sobre o mon- tante dos honordrios pedidos. Tudo visto e relatado, cumpre decidir: 5. & indiscutivel que, em face da orientacao firmada pela Ordem, com apoio na lel (artigo 580° do Estatuto Judicidrio), 0 advogado néo pode pa- gar-se, por suas proprias mios, da conta de honordrios e despesas que tiver apresentado ao seu constituinte. ‘Torna-se todavia mister averiguar se, nfo obstante a vigéncia do apon- tado regime geral, é passivel de reparo a conduta adoptada pelo Dr. C. rela- tivamente ao caso dos autos. E isto em virtude do especial condicionamento que 0 rodeou. Ora, a este respeito, acham-se assentes varios factos a que convém dar © devido relevo. Um deles refere-se aos honordrios indicados na respectiva conta, os quais, sujeitos a laudo do Conselho Geral, como se disse, foram por este con- siderados exiguos. Mas aqui uma conclusdo desde j4 decorre: a de que nio tem a minima sombra de procedéncia o reparo, feito pelo participante e recorrente, de que © participado e recorrido nunca satisfez 0 pedido que lhe fora formulado de submeter & resolugéo da Ordem o differendum existente acerca do montante dos mesmos honorérios. E que, pertencendo ao Conselho Geral, ex vi do disposto no artigo 615.°, alinea m), do Estatuto Judicidrio, a competéncia legal ACORDAOS DE 27-11-74 299 para justamente esclarecer a questfio levantada pelo participante e recorrente, continuar a falar dela, depois de haver sido concedido laudo, talvez, seja entrar J no campo da impertinéncia. Também nio tem o minimo fundamento o reparo de que o participado @ recorido jamais indicou ao participante e recorrente, apesar do pedido que em tal sentido lhe fora formulado, o mimero de horas de trabalho absorvidas com os servigos forenses prestados. % que, embora o «tempo gasto no estudo do assunto», por forca do dis- Posto no artigo 584.°, igualmente do Estatuto Judicidrio, seja um dos factores a atender na fixaeSo dos honordrios do advogado, nfo se chegou ainda ao Ponto de o qualificar com o rigor mateméitico usado em contabilidade indus- trial, no apuramente de custos de produgéo. De resto, e no campo em aprego fora jd apreciado por quem de dircito ——© Conselho Geral, ao conceder 0 laudo que Ihe tinha sido requerido. Mas, como vem relatado, outro facto esté também dado por assente: 0 de © participado e recorrido haver empregado toda a sua diligéncia e competéncia Profissional na defesa do participado e recorrente. Quer dizer: o participado ¢ recorrido actuou com grande dedicacio e acerto e f€lo a troco de honordrios assaz modestos. Nao se ignora que também o interesse em causa tinha fraco equivalente Pecunidrio, Mas semelhante circunstincia nfo o obrigava a trabalhar gratui- tamente, pois sio devidos honorérios a0 advogado mesmo quando a questo se perde na sua totalidade. € ainda de salientar um outro facto —referido pelo Dr. C.—digno de todo crédito e que, de resto, nem esté contraditado nos autos: o de ter sido ele quem, do seu proprio bolso, custeou a accfio do principio a0 fim, adiantando as quantias necessérias para pagamento das despesas que foi preciso efectuar. Félo porém, como é natural e tantas vezes se verifica na pratica forense, Seguro de que, ao receber a indemmizagfio devida ao seu constituinte — acto Para o qual dispunha de poderes necessérios @ suficientes —, estava por ele autorizado a retirar desde logo, da mesma indemnizac&o, 0 montante da sua conta de honordrios e despesas. Em resumo: o Dr. C. procedeu na légica e fundada convicgio de que o Dr. Adrianus, que para mais jé tinha voltado a radicar-se no seu pais de origem, a Holanda, contasse que o mesmo advogado havia de fazer, acto continuo, 0 encontro de contas que veio a verificar-se, ‘Mas com tal conduta nfo foi infringida a orientagdo que na matéria est4 firmada pela Ordem. N&o houve assim da parte do Dr. C. procedimento passivel de qualquer reparo: tratou com diligéncia e competéncia a questdo que the fora confiada; apresentou conta de honordrios que o Conselho Geral considerou assaz mo- destos; retirou, da indemnizagéo que recebeu em nome do seu constituinte, © montante dos mesmos honorérios e das despesas que do seu bolso havia 300 VIDA INTERNA — CONS. SUPERIOR custeado, convencido —e # sua conviccéo tinha sélido fundamento— de que, para tanto, estava por ele tacitamente autorizado. Nestes termos, acordam os do Conselho Superior da Ordem dos Advoga- dos em negar provimento ao recurso, confirmando a deciséo recorrida e or- denando, em consequéncia, a remessa dos autos para o arquivo. Registe-se e notifique-se. Lisboa, 27 de Novembro de 1974. aa) Carlos Eugénio Dias Ferreira, Anténio Vitorino de Almeida, Luis An- tdnio dos Santos Ferro, Anténio Rosa Portilheiro, José de Figueiredo Medei- ros e Higino Borges de Menezes (Relator). ACORDAO DE 27-11-74 1—O advogado que celebra um acordo em nome do seu constituinte, sabendo que este néo tenciona cumprilo, e que obtem do advogado da parte contrdria 0 cumprimento do que a este competia, assegurando-the que 0 mesmo faria o seu pré- prio cliente, comete um grave acto de deslealdade para com o seu colega. II—Ndo esté @ altura das responsabilidades que the assinala o art. $70.° do Estatuto Judicidrio o advogado que $e desvia, na sua conduta, daguela linha de cardcter que define os homens de bem. © advogado Dr. J., com escritério na cidade do Porto, vem acusado nos Presentes autos, nos termos seguintes: 1") A sociedade sob a firma «Lemos, Lda.n, com sede em X., apresen- touse em tribunal e em processo preventivo de faléncia, serdo seu advogado constituido o Dr. J. 2°) Estava esta sociedade em litigio com o seu ex-sécio M., o qual, a partir de determinada data, nomeou seu advogado o participante Dr. L., com escritério em X.; 3°) Entre os dois referidos advogados veio a alinhar-se o seguinte acordo: os sécios actuais da sociedade deliberaram por acto aceitar como vélida a anterior cessio da quota do M. para P.; este, por seu turno, Prometeria vender & mesma sociedade a quota que lhe fora cedida; final- mente, M., credor da sociedade por 200 contos, aceitava a reforma das letras que titulavam o seu crédito, com a amortizac&o trimestral de 10°; ACORDAOS DE 27-11-74 son 4°) A prévia aceitacio deste acordo era o pressuposto necessério para que M. votasse a concordata, sendo este voto essencial para que a mesma Pudesse ser aprovada; 5°) Estabelece-se, em principio, entre os dois advogados que antes do inicio da segunda assembleia, em 29 de Maio de 1972, se trocassem no Tribunal de X. 0s documentos comprovativos do scordo atrés referido; 6°) Todavia, o Dr. J. no fez entrega da fotocépia da deliberag&o res- Peitante & validade da cessio da quota de M., nem, por outro lado, estava Presente um dos sécios da sociedade que representava, pelo que esta néo poderia outorgar no contrato-promessa da cesséio da quota do P.; 72) © arguido comprometeu-se entéo com o Dr. L. a mandar-lhe entre- gar no dia seguinte os dois documentos em falta: fotocdpia da acta e ainda um exemplar do contrato-promessa assinado pelos sécios da sua constituinte; 8) Em face disso, o Dr. L. entregou ao arguido as duas cépias do contrato-promessa, uma das quais assinada pelo M. e ainda uma carta do mesmo M. respeitante & reforma das letras e prazos de pagamento, com a indicag&io de que esta s6 deveria ser entregue & sociedade, depois de cum- prido 0 que consta do anterior artigo 7.°; 9°) E € por virtude da confianga depositada no colega, na convicgao de que se cumpria 0 acordo feito, que o Dr. L., em nome do seu constituinte M., deu um voto favordvel & proposta de concordata upresentada; 10°) Como os documentos néo fossem entregues a0 Dr. L. nos dias seguintes, apresentou-se este a escrever em 2 de Junho ao arguido a carta de que esté junta fotocdpia a fis. 3, dandolhe conta da sua perturbagio e insistindo pelo envio dos documentos —fotocdpia da acta e um exemplar da promessa de cesséo de quota devidamente assinada; 11") Porque o arguido néo respondeu a esta carta, fezlne o Dr. L., de seguida, dois telefonemos, obtendo daquele a promessa de que imediata- mente trataria do assunto e Ihe comunicaria 0 que se passasse; 12°) Em 23 de Junho de 1972, 0 Dr. L. escreveu ao arguido a carta cuja cépia a fis. 5, relatando pormenorizadamente o que entre ambos se passara, pedindo-lhe para, na hipdtese de nfo lhe mandar os documentos que se combinara serem entregues em 30 de Maio anterior, lhe restituir, en- viando-e pelo seguro no correio, a carta assinada por M.; 13.) Também esta carta nao obteve qualquer resposta, nem a carta atrés referida foi restitufda ao participante; 14°) © arguido sabia perfeitamente que a atitude do participante, ao votar favoravelmente a concordata, se devera & confianga depositada no colega; 15.) Porque estava pessoalmente comprometido na concretizagio do acordo, o arguido, tinha obrigacio de fazer todas as diligéncias para que o mesmo se efectivasse e de tudo informar imediatamente 0 participado; 16) Tal ndo aconteceu, pois o arguido ndo responde sequer As cartas que Ihe so enviadas nem restituti téo pouco o documento que Ihe fora en- 10

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