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COAT Rn DIALECTOLOGIAATUAL: TENDENCIAS E PERSPECTIVAS Abstract ‘count the lendencies, rich has characterized hem, Key words: Dalectoiogy.Dslectal stucie. Sacoinguistes, This paper focuses on he actual tage of Dilectlogyaccordngto what has bee denen Graxilto what has ban outside tional bounds, mpaszng methoiegjal changes throught ih me. Ahora! view of baila decal stuies ils poled out taergino Ramo dos estudos lingiiisticos que se consolida nos comegos do século XX, com a publicagio do Atlas Linguistique de la France (ALF) de Jules Gilliéron, a Dialectologia tem, desde entio, seguido 0 seu curso, no caminho do aprimoramento de prinefpios metodolégicos € na ampliagao dos objetivos que se propde atingir. No Brasil, como se estabeleceu, os estudos dialetais tém o seu comero em 1826, com a presenga do Visconde de Pedra Branca, Domingos Borges de Barros, no Atlas Ethnographiquie du Globe de Adrien Balbi, ‘Nesta comunicagio focaliza-se 0 estado atual da Dialéctologia na perspectiva do que se tem feito no Brasil e em relago ao que se passa fora dos limites nacionais, pondo em destaque as mudangas metodolégicas que se vém operando no curso do tempo. Para tanto, apresenta-se, inicialmente, uma visao hisiérica dos estudos Gialetais brasileiros com as tendéneias que os tém caracterizado e coma identifica das diferentes fases que podem ser reconhecidas, para, a seguir examinarem-se as tendéncias metodoldgicas e, por fim, concluir-se com uma indagagdo — No alvorecer do terceiro milénio a dialectologia permanece monodimensional ou assume-se exclusivamente pluridimensional? — que se espera poder responder. 1, UMA VISAO HISTORICA DOS ESTU- DOS DIALETAIS BRASILEIROS E do conhecimento de quantos lidam na 4rea que 0 marco inicial da Dialectologia no Brasil deve-se a Domingos Borges de Barros, 0 Visconde de Pedra Branca, que, em 1826, a pedido do gedgrafo Balbi, escreveu um breve estudo no qual compara o portugués do Brasil com 0 portugués de Portugal, apresentando, do ponto de vista do léxico, casos de néo coincidéncias entre esses dois usos da lingua, seja pela presenea de formas registradas no Brasil e nio existentes além-mar, seja pelos novos valores semanticos que assumiu, na terra conquis- tada, um determinado niimero de palavras. A sua contribuigao a obra de Balbi, que se constitu de dois conjuntos de palavras, agrupadas em “Noms qui ont changé de signification” ~ 8 palavras —e “Noms en usage au Brésil et inconnues en Portugal” ~ 30 formas -, segundo constam do capitulo IV —"Introduetion Chapitre IV —Observ. sur les lang. Européennes” (p. 172-174), se inicia com a afirmagao, que se 1é a pagina 172, ¢ a seguir se transcreve: AAs linguas mostram os costumes e as caracteristicas dos povos. A lingua dos portugueses se ressente de seu carter religioso ¢ belicoso; dessa forma, as palavras onesio, galante beato, bizarro, etc. tém uma jcago bem diversa daquela que tém em francés, A lingua portuguesa é prédiga em termos ¢ frases para exprimir movimentos rpidos e ages fortes. Em portugués golpeia- se com tudo; ¢ quando o francés, por exemplo, tem necessidade de acrescentar a palavra coup 4 coisa com a qual golpeia, o Portugués.o exprime simplesmente com 0 nome da~ instrumento, Diz-se em francés, un Coup de pierre, em portugues, uma pedrada; un coup de couteau, uma facada etc.’ "Les langues montrent les moeurs et les caraet#¥és des peuples. Celle des Portugais se ressent de leur caractre religiewx et belliquenx; ainsi, les mots honnét, galant, héate bizarre, etc., ont une signification bien différente de celle qu'ls ont en frangais. La langue portugaise abonde en termes et phrases pour exprimer des mouvements emportés, des actions fortes. En portugais, on frappe avec tout; et quand le Francais, par exemple, a besoin d°ajouter le mot coup a la chose vee laquelle il frappe, le Portugais l'exprime du seul mot de Tinstrument. On dit en fracas, un coup de pierre, en portugais, une pedrada; un coup de couteau, une focada, etc.” Revista do GELNE Ano 5 Nos. 1@2 185 Revista do GELNE ‘Ano 5 Nos. 162 186 ‘A partir de entfo, costuma-se considerar iniciada a hist6ria dos estudos dialetais no Brasil, para a qual so reconhecidas diferentes fases identificadas pela natureza da produgao dominante. Assim, Nascentes (1952, 1953a), propdc duas fases, Cardoso ¢ Ferreira (1994) formulam a divisio em trés periodos e, presentemente, Jacyra Mota e Suzana Cardoso yém elaborando uma nova proposta de periodizacii. 1.1 A PROPOSTA NASCENTES Em meados do século XX, Nascentes apresenta, em dois artigos sucessivamente publicados na revista Orbis, a primeira proposta de ordenagio dos estudos dialetais no Brasil. Sto duas as fases: a primeira de 1826 a 1920, e a segunda, a partir de 1920, assim introduzidas: Pode-se dividir a histiria dos estudos dialectoldgicos no Brasil em duas fases: & primeira, de 1826, ano no qual o brasileiro : Borges de Barros publicou um estudo no livro de Adrien Balbi, até 1920, ano da publicagio do livro O dialeto caipira de Amadeu Amaral; a segunda, de 1920 aos nossos dias (1952, p. - 181y. A primeira fase atribui a importincia de reunit as manifestages iniciais de carter Gialetal, direcionadas, basicamente, para os estudos semintico-lexicais, E 0 momento dos glossdrios regionais, dos léxicos sobre 0 portugués do Brasil e de apresentagdo de contribuigées nacionais 20s dicionirios de lingua portuguesa, trazendo, como ilustragdo, uma detalhada lista de trabalhos. Estabelece, como marco inical para a se- ‘gunda fase, a publicagiio do trabatho de Amadeu Amaral, O dialeto caipira, pelo carater inova- dor que imprime aos estudos dialetais, direcionando-os para o conhecimento de uma determinada area, por meio da descrigio e ani- lise de dados tomados in loco. Surgem, assim, 108 estudos de natureza monogréfica, voliados para o conhecimento aprofundado da realidade de areas especificas. E do rol que apresenta cons- tam trabalhos que propiciaram as primeiras investidas, com rigor cientifico e com siste- ‘maticidade, no portugués brasileiro. O fato de ter parado em 1952 ~ «aos nos- sos dias», como se refere a p. 181 -, data da publicasdo dos artigos com base nos quais for- ‘mula uma divisio para. historia dos estudos dia- letais no Brasil, explica nfo ter esse autor pensa- do numa tereeira fase ~ nem poderia té-lo feito. Na verdade, a Geolingiiistica no Brasil passa a se desenvolver a partir dos meados do século XX , e ganha status com o Decreto que prevé a reali- zago de um atlas lingiistico do Brasil. 1.2 A PROPOSTA CARDOSO E FER- REIRA ‘A formulagGo tfipartida, apresentada pelas Autoras, tem como base identificar ¢ demarcar as ués diferentes tendéncias dominantes em cada uma das épocas consideradas, reformulando, assim —talvez melhor dizendo, complementando =a periodizagio, proposta por Nascentes (1952, 1953a). ‘A primeira fase, que coincide com a proposta por Nascentes (1952), recobre um século ¢ estende-se de 1826 a 1920, data da publicagdo de O dialeto caipira de Amadeu Amaral, Os trabalhos produzidos direcionam-se para o estudo do Iéxico e de suas especificidades no portugués do Brasil. Sio diciondrios, vocabulirios ¢ léxicos regionais aos quais se soma um primeiro estudo de natureza mais ampla e de cunho gramatical, O idioma do hodierno Portugal comparado com o do Brasil, escrito pelo brasileiro José Jorge Paranhos da Silva (1879), que trata dos diferentes aspectos da variagio do portugués do Brasil versus 0 portugués de Portugal ¢ que tem, na sua obra, sugestiva dedicatéria: os macos que, se tendo ido formar em Coimbra, dizem que querem outra vez ser considerados como nascidos no Brasil, affereco esta comparacéo da nossa maneira de falar com a dos actuaes Portuguezes. A contribuigo de Paranhos da Silva amplia-se para além desse estudo com duas outras publicagdes: 0 Systema de orthographia brazileira (1880) e Algds artigos qué jé fordo e dtros qué ido ser publicados na REVISTA BRAZILEIRA (1882). ‘A segunda fase inicia-se com a publicago de O dialeto caipira de Amadeu Amaral © se ‘On peut diviser histoire des études dialectologiques au Brésil en deux phases a premiére, de 1826, année dans laquelle Ie brésilien Borges de Barros fait paratre une érue dans le live d’ Adrien Balbi,jusqu’a 1920, année de la publication du livre O dialeto eaipira, de Amadeu Amaral; la deuxiéme, de 1920 & nos jours.” estende até 1952, momento em que se dio os primeiros passos para o sistematico desen- volvimento da Geolingiiistica em territério brasileiro. marcada pela produgao de trabalhos de cunho monogritico voltados para a observagio de uma drea determinada, buscando descrever os fendmenos que a caracterizam nao s6 do ponto de vista semintico-lexical mas também fonético- fonoldgico e morfossintatico, Sio, assim, produzidos estudos de cardter monografico, dos quais se destacam os trabalhos de Amaral, Nascentes e Marroquim, obras inicizis do periodo, com primeiras edigdes _publicadas, Tespectivamente, em 1920, 1922 e 1934, que imprimem uma nova ética ao exame da realidade lingiistica brasileira e que tentam implantar uma nova metodologia de trabalho e fomecem dados nos diferentes niveis de enfoque da lingua. Aessas trés obras postas em destaque, retinem-se outras que caracterizam essa segunda fase, as quais se distribuem, segundo o enfoque que as domina, em quatro grupos diferenciados (CARDOSO; FERREIRA, 1984). No primeito grupo, esto Iéxicos e glos- sérios regionais que permanecem sendo produ- Zidos e dio, cm conseqiigncia, continuidade a0 ue predominou na fase anterior. ‘No segundo grupo, encontram-se obras de carter getal que analisam as questées numa perspectiva mais ampla e globalizante, como 0 fazem: O portugués do Brasil, 1937, de Renato Mendonga; O problema da lingua brasileira, 1940, de Silvio Elia; A lingua do Brasil, 1946, de Gladstone Chaves de Melo, Integrando um terceiro grupo esto estudos de carter regional, abordando, particularmente, aspectos de uma rea geogritfica e fenémenos especificos de uma dada regifio, como se vé, entre outros, em O falar mineiro, 1938, e Estudos de Dialectologia portuguesa: a linguagem de Goids, 1944, de José Aparceido Teixcira, cem A linguagem popular da Bahia, 1951, de Edison Carmeiro. Por fim, vém a constituir uma quarta vertente de interesses dialetais, nessa segunda fase, 0s estudos especificos sobre a contribuigao afticane, dentre os quais citam-se: O elemento afro-negro na lingua portuguesa, 1933, de Jacques Raimundo; 4 influéncia africana no portugués do Brasil, 1933, de Renato Men- donga. A terceira fase tem como mareo um ato do Governo brasileiro, a publicagao do Decreto n.° 30.643, de 20 de margo de 1952 — promulgado no 131° ano da Independéncia e no 64° da Republica por Gettilio Vargas, tendo como Ministro da Educagao e Cultura Emesto Sim@es Filho -, que, ao definir as finalidades da Comissio de Filologia da Casa de Rui Barbosa, que vinha de ser criada, assentava como 4 principal delas a claboragao do atlas lingitistico do Brasil, como consta do parfgrafo 3°: 3° A Comissto de Filologia pro-moverd pesquisas em todo o vasto campo de filologia portuguesa-fonologia, morfolégicas, sinté- ticas, léxicas, etimolégicas, métricas, onomatolégicas, dialetolégicas bibliogrificas, historicas, literdrias, problemas de texto, de fontes, de Autor, de influéncias, sendo sua finalidade principal a elaboragio do Atlas Lingitistico do Brasil grifo nosso). Essa prioridade é retomada pela Portaria n.° 536, de 26 de maio do mesmo ano, que, 20 baixar instrucdes referentes & regulamentacio do Decreto, pde énfase na elaboragio do atlas lingistico do Brasil. Sobre esse empreendimento manifestou- se Hampejs, em artigo de 1958, expressando pensamento que vale relembrar Um atlas lingitistico esté sendo projetado no Brasil (sua abreviatura ¢ ALB), impulsionado por Sever Pop nas conferéncias de agosto ¢ setembro de 1954, pronunciadas no Centro de Pesquisas Rui Barbosa: desse modo, a dialectologia, que no Brasil tem estado até agora dominada pelos “dilettanti, seré de ‘agora por diante dirigida cientificamente. Nada obstante, 0 Govemo brasileiro nio propor cionou, contudo, uma subvengio adequada para esse atlas “lingiistico, folclérico ‘onomiistico” (1958, p. 130). Posta na letra da fei, ndo bastaria isso para que se viesse, de fato, a ter um outro momento na histéria dos estudos dialetais no Brasil. Era necessirio que uma nova visio se introduzisse na abordagem dos fendmenos da variagio lingtiistica no pafs. E isso aconteceu gragas a0 trabalho de figuras pioneiras, das quais destaco Un atlas lingtistico se esti proyectando en el Brasil (su abreviatura es ALB), impulsado por Sever Pop en las conferencias de agosto y septiembre de 19S4, dadas en el Centro de Pesquisas Rui Barbosa: de este modo la Dialectologia, que ca el Brasil ha estado hasta ahora dominada por los “dilettant” serd on adelante drigida cientificamente, Sin embargo, el Gobierno brasilefio no ha proporcionado todavia una subvencidn adecuada a esse atlas “linguistico, folklérica y ‘onomistico.” Revista do GELNE An05 Nos. 102 187 ‘Antenor Nascentes, Serafim da Silva Neto, Celso Cunha ¢ Nelson Rossi, que se empenharam na implantagio de um novo momento para a Dialectologia brasileira: o inicio dos estudos de Geografia Lingliistica. A terceira fase da histéria dos estudos dialetais tem, assim, como marca identificadora, © comeco dos estudos sistematicos no campo da Geografia Lingiiistica, ndo ficando, porém, ausentes desse perfodo, estudos de natureza tedrica, a produgdo de léxicos regionais ¢ de glossdrios, bem como a elaboragio de mono- grafias, teses de doutorado ¢ dissertagées de mestrado sobre regides diversas. 13 PARA UMA NOVA DIVISAO Presentemente, Jacyra Mota e Suzana Cardoso examinam uma reformulagio da periodizagao da historia dos estudos dialetais no Brasil, incluindo uma quarta fase, que se define coma construedo do Atlas Lingttistico do Brasil ¢ tem em vista as novas caracteristicas de que se revestem os estudos dialetais brasileiros, no tocanie 4 metodologia e aos avangos da descrigao geolingiiistica no territério nacional, néo sé a partir de um atlas geral, mas também com a implementagdo de atlas regionais. 2, TENDENCIAS METODOLOGICAS NOS ESTUDOS DIALETAIS Adquirindo autonomia com o desen- volvimento do método geolingtistico, expande- sea Geografia Lingiiistica, a partir da publicagao do ALF, pela Europa, atingindo a América. ‘Surgem os primeiros atlas lingilisticos, inicial- mente voltados, com exclusividade, para 0 re- conhecimento da diferenciagdo diatépica, nada obstante verificar-se que a visio de outras varid- veis estava, pelo menos, entre as preocupacdes dos dialectélogos de entio, apesar de ndo se fazerem representar 0s indicadores de tais resultados nas cartas lingiifsticas. No Brasil, em meados do século XX, aparecem as primeiras manifestag0es em pro! dos estudos geolingiisticos, e em 1963 publica-se o primeiro atlas lingtistico regional, o Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB), de autoria de Nelson Rossi, Carlota Ferreira e Dinah Isensee, chegando-se ao comego do terceiro milénio com, até agora, sete Estados com atlas regionais publicados ~ Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB), Atlas Lingitistico da Paraiba (ALPB), Esboco de um Atlas Lingitstico de Minas Gerais (EALMG), Atlas Lingtiistico de Sergipe (ALS), Atlas Lingitistico do Parand (ALPR), Ailas Lingilistico de Sergipe-IT (ALS-I, Atlas’ Lingilistico-Emografico da Regio Sul do Brasil (ALERS) ~ a que se junta a empreitada nacional conjunta do atlas lingtistico do Brasil (Projeto ALiB), em curso. ‘A Dialectologia vem, presentemente, pro- curando explorar, ao lado da variavel diatépica, outras variaveis como a diagenérica, a diastri- tica, a diageracional, a diarreferencial e a diafi- siva, buscando, assim, atender & configuragdo do mundo atual, fazendo surgirem atlas que, cartograficamente, mantém sob controle tais -varidveis. Por outro lado, no campo dos objetivos a perseguir, tendo comecado com atlas nacional, a Gcolinglistica vem caminhando na diregao de atlas regionais, de atlas nacionais ¢ de atlas ‘transnacionais, sejam os atlas de familias de linguas, como se ilustra com o Ailas Linguistique Roman (ALiR), seja com o atlas continental que recobre toda a Europa, o Aflas Linguarum Europae (ALE). 2.1 A VISAO DIATOPICA ‘A realizagao do primeiro atlas como de natureza nacional, levou, por certo, & neces- sidade de se buscarem as especificidades ¢ os detalhes de regides que, num trabalho de cunho nacional, nio podem ser aferidos nos seus por- menores. Tal necessidade impulsiona o apare- cimento dos atlas regionais e, nesse capitulo, mais uma vez a Franca dé o exemplo. Com a morte de Gilliéron, em abril de 1926, o seu aluno e sucessor na Ecole Pratique des Hautes Etudes, Albert Dauzat, assume a condugo de uma nova geracio de dialectélogos franceses e toma a iniciativa, em 1939, de realizar 0 Nouvel Atlas Linguistique de la France par Régions, que nio se propunha substituir o ALF, mas corrigi-lo e completé-lo (HAMPEJS, 1958, p. 113). A realizagdo de atlas regionais tomou evidente que os limites lingisticos tém contornos muito especiais e, como é consabido, no se sujeitam as delimitagdes geopoliticas. Tal entendimento gerou a preocupagiio com atlas de familias de linguas, que tragassem o percurso de cada lingua considerada, o que levou a resultados como os do Atlas Linguistique Roman (ALiR), hoje jé como scu segundo volume—de uma série pensada de 10 volumes — publicado. Uma outra conseqiiéncia também decorreu dessa mesma reocupagio: o perfil dessas linguas e dessas mesmas familias numa perspectiva espacial continental. F isso é-nos mostrado com o monu- mental Atlas Linguarum Europae (ALB), jé no seu quinto volume. 2.2. 0 LADO SOCIOLINGUISTICO. A preocupacdo com as caracteristicas sociais dos informantes e as suas implicagdes no uso que fazem da lingua ndo tem passado a ‘margem dos objetivos da Dialectologia e, especi- ficamente, da Geografia Lingtistica. Fatores sociais — idade, género, escolaridade, profissao — tém-se constituido em aspectos da variagio que, de forma diferenciada ¢ com graus distintos de focalizagio, vém ocupando lugar nos estudos dialetais, especificamente naqueles que se desenvolvem sob a metodologia geolingtistica, motivados pelo que assinalam Chambers e ‘Trudgill (1994, p.81-82): Ao mesmo tempo em que a dia- lectologia comecava a se deixar influenciar dirctamente (ainda que levemente) pela lingtistica, também comerava ase deixar influir indiretamente pelas ciéncias sociais. Alguns dialectslogos comegaram a reconhecer que se hhavia posto muita énfase na dimensio espacial da variagao lingtistica, excluindo-se, em conse Qiléncia, a dimensio social. Gradativamente isto se impds como um juizo para alguns estudiosos, uma vez.que a variagio social na lingua é tdo comum e importante como a variago espacial, Todos os dialetos slo tanto espaciais como sociais, uma vez que todos os falantes tém ndo sé um espaco social como ‘uma localizagio espacial. © Ailas Lingitistico Diatépieo y Diastrético del Uruguay (ADDU) é exemplar no tratamento das variéveis sociolingtiistcas, para ficar-se em apenas um caso fora do pais. No Brasil, a variagZo de género vem sendo cartografada, ja hé algum tempo, como se vé nos resultados do APFB—mediante consulta as notas sobre informantes/localidades ~, do ALS, do ALPR, do ALERS do ALS-I, esses tiltimos com indicagio cartogréfica. 3, DIALECTOLOGIA: MONODIMEN- SIONAL OU PLURIDIMENSIONAL? Nao € descoberta da modernidade o reconhecimento das implicagées sociais na lingua falada por cada usuério, nem é apanigio da Sociolingitistica ter estabelecido as relagdes entre varidveis sociais e realidade lingtifstica. A historia dos estudos dialetais ¢ prédiga em exemplos que expdem o conhecimento e o dominio de tal relacZ0. A Dialectologia e especi- ficamente 08 estudos geolingitisticos deixam de apresentar-sc numa visio dominantemente diatépica e passam a exibir, também cartogre- ficamente, dados de natureza social. 1550 vem ‘mostrar, ainda, que a uniformidade diat6pica pode sofrer desdobramentos. A diversidade de espacos fisicos e geopoliticos junta-se a conside- tacdo dos parametros diagenérico, diageracional, diastratico, diatésico, dia-referencial ou, ainda, diatépico-topoestitico, diatépico-topodinamico A Justificativa para essa redefinigdo de rioridades tem base no apenas linglstica, mas também sociohistérica ¢ politica. Do ponto de vista lingiistico, o esquadrinhamento da estra- ‘ura das Iinguas naturais levou ao conhecimento detalhado dos elementos que as constittem, das estruturas segundo as quais se organizam, das relagées histéricas que entre grupos se esta- belecem, dos processos que marcam o seu funcionamento. Do ponto de vista socio-histérico € politico, verifica-se que o mundo atual vem Passando por profuundas e sucessivas transfor- mages que the oferecem nova configuracao. Somente para uma breve ilustragio, pensemos no Brasil de um séoulo airs: um pais eminen- *“AI mismo tiempo que ls dislectologia empezaba a dejerse influirdirectamente (aunque ligeramente) por la lingtistica, también empezaba a dejars influrindirectamente por ls ciencias sociale. Algunos dialectSloges empezaron a reconocer ue se habia puesto mucho énfasis en la dimensién espacial de la veiaciGn linglstica, exeluyendo la dimensién socal en cambio, Gradualmente esto supuso un laste para algunos estudiosos, ya que la variacién social en la lengua estan comin ¢ importante como la variaci én espacial, Todos les dalecios son tanto espaviales como sociales, puesto que todos los hablantes tienen un entomo social igual que una localizacién espacial.” Revista do GELNE Ano 5 > Nos.te2 189 Revista do GELNE An05 Nos. 12 2008 190 temente da ruralidade, comuma populagio pouco adensada, mas situada, na sua grande maioria, na area rural. A inversto dos percentuais numeéricos, na atualidade, mostra que uma nova configuragdo demografica, explicada por fatores diversos, se toma evidente e a mobilidade de alguns individuos em contraposi¢go ao cariter sedentirio de outros eponta para uma nova gama de caracteristicas linglisticas que podem incidir sobre 0 falante, j4 muito apropriedamente testadas pelo ADDU e descritas por Thun (2000) em trabalho no qual se ocupa amplamente com exemplificago do atlas uruguaio, Os pardmetros queregem, assim, aescolha © 0 perfil de informantes passam a se revestir de uma multiplicidade de aspectos, pondo em desta que um complexo conjunto de varidveis a consi- derar, © falante 6'visto como um ser geogra- ficamente situado, mas socialmente comprome- tido e em miltiplas diregdes. Os instrumentos derecolha de dados, por sua vez, vio se tomando capazes de caplar a variago nas suas diferentes manifestagées. Os questiondrios se diversificam; a natureza do interrogatério, da inquirigio, atinge alto grau de especificidade; as formas de registro de dados captam ndo apenas a emissio, mas também as condigdes de que se reveste 0 ato de fala naquele momento, permitindo amplas consideragdes de ordem pragmatica. A realidade do momento vem demons- trando que a énfase que assumem os fatores sociais na consideragdo dos fatos lingitisticos €, na verdade, uma resposta a exigéncias da nova configuragao de que se reveste o mundo atual. E a Geolinglistica, 20 adotar outros parimetros que nifo 0 dial6pico, esté, apenas, respondendo aos apelos da realidade atual ‘A GcolingUistica esti multifacetada e comprometida com um amplo rol de varidveis, ‘mas ao assumir outros parimetros que nfo 0 diatépico e a0 tomar em consideragdo variiveis sociais, permanece diatépica, como afirmam Contini ¢ Tuaillon (1996, p. 7): “A dialectologia tem por finalidade esséncial estudar a variagzo geolingitistica”’. E nisso est a sua “identidade”, a definiggo do seu campo, a afirmagdo dos seus objetivos préprios. E me permito concluir citando o que afirmei (CARDOSO, 2000, p.415)na mesa redonda “Atlas linguistiques et variabilité” (Bruxelas, 1998): Creio que a Geolingtlistica hoje, neste final de milénio, deve continuar a priorizar a variagio diatépica, abrindo, porém, espaco ‘para o controle de outras variveis como géne- 10, idade ¢ escolaridade, sem @ busca obce- cante da quantificagdo, mas tomando-as, de forma exemplificativa endo exaustiva, de moda a complementar 0s préprios dados areais Te dialectologic a pourtache essentielled’tudier la variation géolinguistique.” AGUILERA, Vanderci de Andrade, Atlas Lingiiistico do Parané. Curitibe: Imprensa Oficial do Estado, 1994 2. AMARAL, Amadeu. © dialeto caipira. 2. ed. Sio Paulo: HUICITEC; Secretaria de Ciéncia e Tecnologia, 1996. ARAGAO, Maria do Socorro Silva de; MENEZE: Clewza Bezerra de, Atlas Lingiistico da Paraiba. 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