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MARIA LACERDA DE MOURA

CLERO E
FASCISMO:
HORDA DE

EMBRUTECEDORES!

Editorial Paulista
S. PAULO
3
o
A Mussolini ateu, anti-clerical feroz, estava re-
servado o gesto politico da concordata com o Vati-
cano, resultando daí a recrudescência do sonho im- O
j erialista do poder temporal dos Papas, a reabertura a
dé todas as fronteiras à invasão pontifícia e jesuíti- O
ca, no incentivo ao dominismo absoluto da Igreja Ro-
CO
mana — em um dos momentos mais críticos da sua CK
historia, quando a Santa Sé presentia o ocaso da sua Pi
CD
prepotência.

1
Mas, a vaidade e a ambição do Duce não en- fc ;

C;
contram barreiras. A vergonha da tirania fascista
culminou na chamada solução da "Questão Roma- m
na". CD
co
Quaes serão as ultimas traições de Mussolini? •d
CD
N ã o ha em toda a historia da humanidade um 3

íirlequim cuja fantasia tenha sabido vestir-se com tão £>
o
variados mosaicos, roubados de todas as ideias, "tra-
peiro do pensamento", dansando na corda bamba
das frases feitas.
Quem lê o primeiro manifesto ou programa fas-
6 MARIA LACERDA DE MOURA

cista de Mussolini, com a ideia da Constituição inter- li.i d'oggi", representada admiravelmente em D ' A n -
nacional, a proclamação da Republica italiana, ex- iiiin/io — o "poeta da luxuria e da ferocidade". O
tirpação da burocracia irresponsável, abolição da poli- próprio Mussolini é um produto romanamente ro-
cia politica, abolição de todos os titulos de casta, de- RMUio. O programa de Mussolini é o programa dos
sarmamento geral, abolição da conscrição obrigato- «|iic visam subir prometendo uma cornupia de felici-
íia e interdição, para todas as nações, do fabrico de dades ao povo. Atrás dessa catadupa de liberalida-
srmas de guerra, imposto progressivo sobre as suces- des esconde-se o ditador, o tirano, o César de um Car-
sões, liberdade de pensamento e de conciência, de re- naval trágico.
ligião, de associação, de imprensa, de propaganda, de
Como é consolador e bom não se confiar nos pro-
agitação individual e coletiva; confiscação da heran-
gfamas, nas mensagens e muito menos nos apóstolos,
ça para chegar progressivamente à supressão da bur-
nos advogados ou nos sacerdotes religiosos, ou ateus,
guesia; exilio dos parasitas inúteis à sociedade; de-
demagogos, socialistas ou revolucionários extrema-
senvolvimento da cooperação; supressão de quaesquer
dos . . .
explorações dos bancos e das bolsas; abolição da di-
plomacia secreta; politica internacional aberta e ins- Mussolini de tudo se serviu, de tudo se servirá
pirada na solidariedade dos povos e na sua indepen- I-ira dominar. A sua moral está contida nesta fra-
dência na Cooperação dos Estados; programa que se leviana, por êle pronunciada antes da marcha sobre
abrangia outras tantas liberalidades, outras tantas Roma: " E ' a segunda vez que a mim me crio uma
ideias de equidade, entre as quais a abolição de todos íorça pessoal: mas, si o fascismo me não servisse, eu
os privilégios da religião católica romana; — quem 0 repudiaria". E, em 1924, nas vésperas das eleições,
acompanha Mussolini em todas as etapas de traidor a&sinou um manifesto, o qual continha a confissão
da própria conciência, sabe que o Duce, aventureiro, de seus crimes passados e futuros: " . . . quando se
dobrou-se às exigências de duas gerações de italianos, toma a responsabilidade de guiar uma nação de 40
cuja mentalidade foi forjada pelos "superelefantes" milhões de almas, tem-se o direito de passar por sobre
da intelectualidade romanamente imperial de "ITta- a vida de algumas pessoas".
8 MARIA L A C E R D A DE MOURA Cl ERO E FASCISMO 9

Entretanto, em 1919, socialista, em " I I Popo- Somos nós que estamos agora à frente das nações e na
lo dTtalia", escreveu (11 de novembro): vanguarda do mundo inteiro".
"Afirmamos que, si amanha os nossos adversá- Essa fanfarronada vai subindo de temperatura.
rios mais ferozes fossem vítimas de um regime ex- A 7 de junho de 1924, acrescenta:
cepcional, nós nos insurgiríamos, porque somos por " A experiência italiana e a experiência russa têm
todas as liberdades, contra todas as tiranias". pontos de contacto no sentido em que, cada uma, com
E, a 16 de novembro: " N ã o aceitamos nenhu- mais ou menos voracidade, comeu o 1789".
ma ditadura. Esperamos que, quanto foi dito nes- Antes, em março de 1923, dissera:
ta circular (do prefeito de Milão) não seja fumaça "Que se saiba, uma vez por todas, que o fascis-
nos olhos. Trata-se da cousa mais sagrada do mun- mo não conhece idolos nem fetiches, O fascismo já
do: da liberdade. Para proteger a liberdade não de- pisou por sobre o cadáver mais ou menos decompos-
veria ser necessária a autoridade constituída. Na to da deusa Liberdade e ainda tripudiará por cima
Itália não ha ninguém que queira ser governado por dele".
um dos taes que se nomeiam Messias, Tsar ou Padre Seria interminável si joeirássemos desses perío-
Eterno. Queremos a liberdade para todos, queremos dos deliciosos e clovnescos nos inúmeros discursos e
c governo pela vontade geral e não o governo de um artigos de Júpiter tonante . . .
grupo ou de um homem".
Apenas mais uma pequenina amostra, colhida a
Passando à "seita" fascista, Mussolini diz ab- 7 de A b r i l de 1926:
solutamente o contrario: " N ã o queremos mais as " N ó s representamos um principio novo no mun-
ideias antiquadas de 1789. N ã o queremos mais des- do. Representamos a antítese nítida, categoria, de-
sas antiguidades apodrecidas. N ã o queremos mais li- finitiva de todo o mundo, contra a democracia, a plu-
beralismo nem democracia: tudo isso cheira a mofo tocracia, a franco-maçonaria, os princípios imortaes
e à morte. O regimen fascista deixa essas velharias no de 1 7 8 9 . . . O que o povo francês fez em 1789, é
cemitério da historia. Tanto pior para os povos que o que faz hoje a Itália fascista que toma a iniciativa
aí se retardam. N ó s é que representamos o porvir. no mundo, que diz ao mundo uma palavra nova".
10 MARIA L A C E R D A DE MOURA
C L E R O E FASCISMO

Fiquemos aí. A peça é velhíssima, o guarda-rou- p-n, Pietro Ferrero, Domênico Bovone, Sbardelotto,
pa e mise-en-scène é que foram modificados. O que Schirru e de tantos anónimos, os 60.000 prisioneiros
encanta é o servilismo do rebanho, aprovando^ incon- t.A Itália, pelo crime de não pactuar com a politica
dicionalmente . . . em todos os tempos, a todos; os dis- \a de um tirano e de um bando armado de mal-
cursos e a todos os tiranos . . . fitorcs, clamam contra os processos ignóbeis desse
Mussolini não defente nenhuma ideia nova, ne- bufão trágico, traidor do seu partido, dos seus ami-
nhum principio original, nenhum ideal alevantado: gos e até e principalmente da sua própria conciência.
sob o disfarce da Roma antiga, fantasiada toda a
" N a ç ã o Carnaval" com as vestimentas dos gladido-
O ÍDOLO D A CULTURA
res, dos romanos do tempo dos Césares e das legiões,
Mussolini de imperador romano, os "Filhos da Loba"
São os intelectuaes os responsáveis. E ' a litera-
Fsascista representam uma tragédia no cenário poli-
tura dos "superelefantes" d'Annunzianos, a literatu-
tico-social. Sob fórmulas aparentemente novas para
I . I da crueldade requintada, do orgulho de dominis-
os incautos, fórmulas carnavalescas; defendem ideias
nio, da vaidade egoísta, da vontade de fazer escola
antiquadas e princípios fossilizados, pretendendo res-
c ser aclamado e vencer pela originalidade sádica, pe-
suscitar o antigo fausto poderoso da Roma dos Cé-
l.i voluptuosidade feroz.
sares e do imperialismo clássico — para justificar a
Adaptar um ideal à bestialidade humana, cul-
sua natureza lombrosiana e a rapinagem imperialista
tivar requintadamente a perversidade para tirar pro-
característica daquele povo antigo, eminentemente le-
vrito próprio em nome de teorias ou princípios ou te-
gislador . . .
ses de idealismo, fazer descer os ideaes t pô-los de
Mussolini subiu ao poder através de miríades acordo com os instintos baixos — esse tem sido até
de traições, através de todos os crimes. aqui o serviço mais preponderante da cultura, do in-
As sombras de Matteotti, Amendola, D i Vagno, i« Iectualismo, em nome de tudo quanto é nobre e
Piccinini, Gobetti, Minzoni, Boldori, Oldani, Gastão Mato e puro.
Sozzi, Sanvito, Pirola, Ruota, Della Maggiora, Rug- Tem razão Romain Rolland*
12 MARIA L A C E R D A D E MOURA

O intelectual começa pretendendo ser sincero,


f (fano, s o b 0
C L E R O E FASCISMO

véu das alegorias sedutoras", no seu es-


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Depois, si tudo já foi dito, precisa encontrar o meio t f | vulcânico, confessa, repetidamente, que só pôde
0

de se fazer original. Exagera, deforma, principia a f j


a a r si mesmo, que, na terra, nada ha digno dele
mentir. Logo se adapta, porque despertou os instin- 8 f ã n 0 a sua própria arte, a sua musica, a sua poesia,
tos inferiores. E ama a crueldade, a astúcia, a hipo- 0 s c u e s t iJ 0 fulgurante. Confessa: "não ha desacôr-
crisia, e adapta as frases nobres e os sonhos delica- £ 0 c n t r e a m i h
n a arte e a minha vida". Essa confis-
dos à luxuria, ao erotismo, à crueldade sádica e con- ão £ condenação da sua arte, e da sua vida.
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segue a harmonia desejada entre a forma bela e a m t t

Z .1 t^anta gozos sadios e vitorias sobre gargantas


açao que traspassadas, ventres dilacerados e membros ensan-
E a critica o cobre de louvores, tornando-o nu- r

mano" . . . e realista. > iirritados, aos pedaços, atirados por sob os pes dos
vmcedores. Fala na "ilha ardente das fornalhas", no
São esses os processos dos
'•-angue da virgem a borbulhar ao golpe do belo sol-
• Lulo pagão". " U m sangue tão vermelho em carne
"SUPERELEFANTES" ftita de leite! U m massacre que é um festim: sol-
• lados de armas escolhidas, vestes riquíssimas e atitu-
D'ANNUNZIO dei elegantes. O éfebo de cabelos de ouro, trespas-
Mindo de flechas o corpo da mártir, com um gesto al-
D'Annunzio, Papini, Marinetti, Pirandello, Cop- ; j g » r v o e r a c a

pola, Morasso, todos os supernacionalistas italianos, •


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ra a conquista universal. Apenas a amojtra. Em cada página das suas
D'Annunzio, em " O Fogo", "com o prestigio do <.bras-primas de literatura, o mesmo sadismo feroz,
12 MARIA L A C E R D A D E MOURA

O intelectual começa pretendendo ser sincero. litmo, sob o véu das alegorias sedutoras", no seu es-
Depois, si tudo já foi dito, precisa encontrar o meio | tilo vulcânico, confessa, repetidamente, que só pôde
de se fazer original. Exagera, deforma, principia aí lalar de si mesmo, que, na terra, nada ha digno dele
mentir. Logo se adapta, porque despertou os instin- ifnao a sua própria arte, a sua musica, a sua poesia,
tos inferiores. E ama a crueldade, a astúcia, a hipo- 0 icu estilo fulgurante. Confessa: " n ã o ha desacor-
crisia, e adapta as frases nobres e os sonhos delica- do entre a minha arte e a minha vida". Essa confis-
dos à luxuria, ao erotismo, à crueldade sádica e con- são r a condenação da sua arte, e da sua vida.
segue a harmonia desejada entre a forma bela e a
Canta gozos sadios e vitórias sobre gargantas
ação que avilta.
traspassadas, ventres dilacerados e membros ensan-
E a crítica o cobre de louvores, tornando-o "hu-
1 murados, aos pedaços, atirados por sob os pés dos
mano" . . . e realista.
vmcedores. Fala na "ilha ardente das fornalhas", no
São esses os processos dos "wingue da virgem a borbulhar ao golpe do belo sol-
dado pagão". " U m sangue tão vermelho em carne
"SUPERELEFANTES" [fita de leite! U m massacre que é um festim: sol-
dai los de armas escolhidas, vestes riquíssimas e atitu-
D'ANNUNZIO BM elegantes. O éfebo de cabelos de ouro, trespas-
Mfido de flechas o corpo da mártir, com um gesto al-
D'Annunzio, Papini, Marinetti, Pirandello, Cop- i v o de graça" . . .
pola, Morasso, todos os supernacionalistas italianos,
"Eros adolescente, esse precioso matador de ino-
superelefantes do dominismo, são os forjadores de
«nhias (talvez seu i r m ã o ) , deposto o arco, entregar-
Mussolini, cuja covardia se alimenta da literatura ro-
ei a no dia seguinte, ao encanto da musica, para so-
manamente carnavalesca, e imperialista dos intelec-
nliar um sonho infinito de volúpia".
tuaes legionários de "Pltalia d'oggi", fantasiados pa-
ra a conquista universal. Apenas a amojtra. Em cada página das suas
D'Annunzio, em " O Fogo", "com o prestigio do I !>ias-primas de literatura, o mesmo sadismo feroz,
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a embriaguez de sangue e de carne dilacerada de vo- I )use que, "na fímbria da sua roupagem, parecia le-
lúpia, o goso sensual arrancado da dor do semelhante. vur-lhe, recolhida e silenciosa", a agitação delirante
A crueldade de "PItaiia d'oggi" é filha de D ' A n - dos aplausos retumbantes e apoteóticos à sua arte ful-
nunzio. minante"".
Esse delírio de imperialismo epiléptico, marcado Amou à gloria através da Duse.
a ferro e a fogo na tragédia fascista, esse orgulho do E' a volúpia do dominismo, a ferocidade da pri-
gesto, da atitude, da elegância em espalhar o sofri- mazia, o aniquilar as energias em derredor e sabo-
mento, é delineado em cada página da sua literatura n ir o sofrimento alheio.
ardente de volúpia feroz. O fascismo, no seu delírio erótico de crueldade,
Vejamos um período, ao acaso, em " O Fogo": í o filho amado da luxuria de C A n n u n z i o .
" O orgulho e a embriaguez do duro e perseve- D'Annunzio é o filho prediléto da "Loba Fas-
rante trabalho, a ambição sem freio e sem limites, < ..ta". Mas, como tudo é romano em "lTtaíia d'og-
apertada num circulo estreitíssimo, a severa intole- JM | d'Annunzio é prisioneiro . . .
tancia da vida medíocre, a predileção pelo privilegio Fiume encetou a experiência e as manobras do
principesco, o gesto dissimulado por tudo o que o I ascismo e abriu passagem a Mussolini, com o "alá-
arrastava para a multidão, como para a presa prefe- Ia" . . . fiumanamente d'Annunziano . . .
rida, o sonho de uma arte mais bela, mais soberba, a (Ver "Mussolini in camicia" — tradução fran-
um tempo facho de luz e cetro de império em suas u\sa, prefacio de H a n Ryner — Paris, 1932, edições
mãos: todos esses sonhos grandiosos de púrpura, a se- "Témoignages" Rieder, livro de Armando Borghi,
de insaciável da preeminência, da gloria, do prazer, ex-secretario geral da U n i ã o Sindical Italiana.)
teagiram num tumulto confuso, deslumbraram-no, su- Mas, precisamente por isso, d'Annunzio repre-
focaram-no". senta um perigo para Mussolini. Elevado à digni-
Assim, todos os seus heróes e todos os seus so- dade de príncipe, mas, fascisticamente vigiado...
nhos. E essa sede de dominar a multidão pelas suas Artista da sensualidade mórbida dos romanos da
paixões frenéticas o levou a esmigalhar o coração da decadência, goza, pelo menos na literatura... o go-
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zo do extermínio, a sensualidade sádica dos Borgia, íaginifico", conquistador e vencedor, imperador


a volúpia das hostes romanas a serviço do seu génio, da Arte, das Letras e das multidões, romanamente
cujas características se concentram no saque e na ra- voluptuoso e exaltado teatralmente, absorvente no seu
pinagem artística . . . narcisismo de ferocidade elegante.
O paraíso de d'Annunzio é o paraíso muçul- A doença de D'Annunzio, essa epilepsia de do-
mano: " I I Paraíso é ali' ombra delle spade" — verso mínio, essa libertação do sofrimento próprio através
da "Canzone d'oltremare", plagio? — n ã o , roubo da volúpia de fazer sofrer, através da arte requintada
feito a Nietzsche, e que todos os italianos "d'oggi" da crueldade sádica, esse delírio erótico de "volontà
recitam como sendo do grande poeta-soldado. di potenza" D'Annunziana penetrou o espirito de duas
E ' a brutalidade da "volontà d i potenza", essa gerações de "Itália d'oggi".

"bestialidade compacta". D'Annunzio despertou a psicologia imperialista


italiana.
"Cinismo, ferocidade, voluptuosidade de exter-
mínio, de destruição, de morte, para que a vida seja E a "Loba Fascista" vestiu as roupagens de ga-

plasmada para seu uso e gozo e sobre todas as cousas la do estilo D'Annunziano, ornou-se com os disfarces
dos antigos imperialistas e está representando um no-
-— como em "Gloria" — seja impresso o seu selo im-
vo ciclo dos Cesares caricatos e ferocíssimos.
perial" (C. Cesar Grossi — "D'Annunzio y el Su-
Isso em pleno século X X !
pernacionalismo").
Tudo é D'Annunziano no regimen fascista.
O estilo de D'Annunzio alucina, corrompe, exal-
E o jornalismo fascista emprega as expressões
ta e transporta a imaginação a conquistas brutaes —
saltadas de C A n n u n z i o e as tartarinadas dos con-
para a gloria de mandar e a vaidade de levar as pai-
xões humanas ao paroxismo do delírio — para se estor- listadores "prontos para qualquer batalha, seguro
cer por sobre os próprios instintos bestiaes, na gloria (spicio de quaesquer vitórias" ( " I I Piccolo" —
io Paulo.)
de ser forte, de dominar, de provocar a exuberância
apaixonada da admiração e do louvor, e criar uma E as multidões, para D'Annunzio, a "besta que
época e passar à historia, imortal entre os imortaes, •ipreciso domar", ao mesmo tempo a esfinge a quem
18 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO

o poeta se dirige e de quem precisa para a sua gloria do e despertando as paixões humanas, pelo colorido
c!e
ue arquibancada
arquiDancaaa ec de | « m u » w , — as multidões pa-
uc picadeiro, * rperturbador
™ de umauuu roupagem fulgurante, de um es-
ta m agora, através da ferocidade fascista a invadir tilo de fogo, crepitando luxuria, cinismo, orgulho, vai-
o mundo, a sua cegueira ao aplaudir incondicionalmen- dade, egoismo, crueldade, sadismo, ferocidade e'"vo-
te, nas homenagens retumbantes ou no silêncio indi- lontà di potenza".
ferente dos intelectuaes e nas curvaturas elegantes de D'Annunzio é "um malabarista que faz sortes
elogio, pagam a sua estúpida imbecilidade alvar a gri-, com facas e rosas" . . . (Segundo a feliz expressão de
lar hosanas aos "magarefes" e aos "afidores de fa- Afonso Schmidt.)
cas", tal como na parábola. "E não ha desacordo entre a minha arte e a mi-
E os admiradores de D'Annunzio chegaram a nha vida", afirma D'Annunzio.
falar da "ética D'Annunziana" (Adriano Tilgher), De fato, para vestir a sua arte, o poeta é capaz
chegam a divinizar essa "ética moderna", "a verda- «fe tudo.
deira religião do nosso tempo": "a religião laica da Esse artista erótico "roubava imagens, versos,
ação", a qual, "mesmo em forma de involuntária con- estrofes inteiras, pensamentos", tudo. D'Annunzio
taminação individual e aristocrática, tem sido o maior pg Q k
C l t a : extremamente escandalosos os
r o u a S ã o

mestre entre nós" (Cesar Grossi — "Nosotros" — seus plágios.


Buenos Aires — 1928.) H a n Ryner, em seu livro "Prostituídos", M a -
E é esse individualista nietzscheniano do egoismo rio Mariani, "Mercure de France", Enrico Thovez,
feroz de domínio e luxuria sádica que, desde 1890 Domênico Giuriati citaram seus plágios em numero
exerce influencia imperialista na alma italiana, essa tão considerável que isso parece fazer parte da sua
alma coletiva super-nacionalista, barbara no seu de maneira original e forte de d o m i n i s m o . . . Maupas-
lirio de mania do poder. Em 40 anos de atividadf aant foi escamoteado, traduzido em páginas sucessi-
literaria tem-se tempo de sobra para formar a menias pelo autor de " I I Piacere".
talidade de quasi tres gerações. E " plagio, si badi, è disonestá artística, ed es-
E' o ideal dominador e faustoso, impressionai!sendo, per Partista, Parte sua Ia cosa piu sacra, s'e
MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 21
20

disonesto inquella, è disonesto in tutto". (Mário Ma- gia sino a l i ' ultimo centésimo e la lascia vecchia, ad-
liani, falando de D'Annunzio — UUniversitá Pro- dolorata, scoraggiata, a lottare con la fame. G l i ul-
letária, Paris, Agosto-Setembro de 1928.) timi ventimila franchi glieli strappa con un ricato cí-
Plagiador no campo das letras, vendedor de co- nico, facendosi pagare mille franchi Puna la soppres-
sione de venti pagine d'intimitá lúbrica dei romanzo
pias diversas de quadros raros, como si fora, cada
" I I Fuoco" (Mário Mariani).
qual, o original autentico, vivendo sempre à custa de
mulheres ricas e deixmdo-as todas na miséria e na tra- Páginas que o poeta p u b l i c o u . . -
gédia do desengano e da amargura, prostituindo o Depois da Duse, a Marquesa Rudini Carlotti
seu talento através de cheques• sem conta, dos gover- gover j e outras e outras comendo Ih * — v - t t l l w t l J

nos a quem vende a sua conciência, é esse homem quem vida de dissipação e luxo n b L*** ^** ° ° e s na 1 S m ; m

plasmou a mentalidade de duas gerações de italianos, J tado por caverna - °' P susten- 3 eSC s e m r e

, .. , , r • 5"vcrnos e por mulheres,


e ele o pai espiritual do tacsismo. Especulou com tudo; especulou até com a sua
A sua vida, de« acordo
* i . com a sua a r t e . . . Vúis. N o "front", foi vítima de um dos fenómenos
Mulheres que passaram pela sua vida: pobres terciários típicos da íue: um destaque de retina. A o
almas massacradas! fenómeno da sífilis terciária ele transforma em mu-
c a Itália inteira treme pela vista
Ana Maria, duquezmha de U a U « e d o M u p o e t a " ( M a r i o Mariani)

lhão e meio de dote; apos Tendo ridicularizado Mussolini e os "esclavistas


com 3 filhos e a miséria. ^ pobre, agrários", um dia encontra Mussolini em uma entre-
A princesa de Anguisso ^ d'Annun- vista teatralmente preparada por N i l o Daniele e
Eleonora Duse, a mart D'Annunzio torna-se fascista oficialmente. . .
zíanismo. — v i «.iailllciltC . . .

Targedia che t u t t i conoscono, e sulla quale fa 1 E é quando, observando e economia politica


pena ritornare non pel vivo, ma per la grande mor- compreende-se "a influencia dos cheques na meninge
ta. Aveva guadagnato, durante una lunga vita d- de um homem de génio" U U n i v e r s i t á Proleta-
fatica e di gloria, quasi un milione. I I poeta le man- j i a — Paris, Agosto-Setembro de 1928, ns. 4 e 5.)
;
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E após o acidente de Gardoni, segundo afirmam, Rio, 5-11-32) — "Durante a visita do sr. Benito Mus-
em que sua amante ultima, a pianista Luiza Beccara, solini a Brescia, enquanto o Duce respondia ás acla-
num gesto violento de revolta e repugnância o atira ini. Ões da multidão, o com. Rizzo, enviado de Gabrie-
de uma janela a 4 metros de altura, fraturando-lhe | l D'Annunzio, lhe entregava uma lâmpada romana
o craneo, D'Annunzio é um demente, irresponsável, ilf barro vermelho, e uma mensagem, oferecidas pelo
rodeado de guardas e enfermeiros. |M>cta-soldado."
E "PItalia d'oggi" explora o seu poeta, ocultan- N ã o é transcrita essa mensagem, o que faz des-
do a sua senilidade e cretinicie. • oníiar da veracidade de todo o telegrama fiumana-
E os telegramas do artista a Mussolini são for- inrnte fascistizado Continuemos:
jados fascisticamente com as expressões vulcânicas ou "Imed iatamente o chefe do governe resolveu
fulminantes de D'Annunzio E o poeta de " A Na- vinil.ir o Vittoriale, fazendo-se acompanhar pelos co-
ve" vive dos seus telegramas . . . mandantes Chiavolini e Rizzo; o professor Marpica-
E hoje, graças a essa arte requintada de perver- L vice-secretario do Partido Fascista e o deputado
sidade, Lombroso n ã o precisaria sair da Itália fas- Polvcrelli, chefe do Departamento da Imprensa.
cista para buscar o homem delinquente, o criminoso " A chegada da pequena comitiva, a multidão
nato... Iriluitava ao Duce uma grande manifestação, enquan-
Louco ou prisioneiro o poeta soldado? l l bellonave "Puglia" salvava e um hidro de corri-
Recentemente os jornaes publicaram telegramas da realizava acrobacias aéreas alcançando a velocida-
narrando um encontro teatral entre Mussolini e de de 500 kilometros horários.
D'Annunzio. "Gabriele D'Annunzio esperava na soleira da
J á n ã o se sabe mais em quem acreditar. J á não "IVioria", a águia aeronáutica. Sobre o peito do poe-
ze sabe distinguir o que ha de positivo em ncticias tão • notava-se somente a fita da medalha de ouro.
contraditórias. Seja como fôr, convém guardar a lem- " O encontro entre o chefe do faseio e o vate
brança desse á t o de opereta. Vejamos o telegrama: fadário foi de grande emoção. Depois de haverem
"Roma 4 — (Serviço especial de O Jornal — «roçado um abraço, Mussolini e D'Annur.zio pene-
MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 25
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iraram no Vittoriale. Fechada, atrás deles a porta i nião da montanha com o navio. Onze arcos se er-
cobre a qual achava-se impresso, como programa e le- guerão sobre a montanha. N o ultimo será gravada a
ma: "Clausura e Silencio", os dois grandes italianos frase: "Grabiel Nuncius hinc resurecturus pro Pa-
tria".
se encontraram a sós, entre milhares de volumes, lem-
branças de guerra, imagens artísticas, na sala que o "Passando à casa de " A l i g i " , o Duce e sua co-
poeta definiu a sua "oficina noturna". mitiva visitaram as construções executadas sob a di-
"Demorada e afavelmente, Gabriele D'Annun- reção de Marconi, e nas quaes encontram trabalho 80
zio falou ao Duce das novas obras em andamento no (perarios. Alcançado o cume da montanha, os visitan-
Vittoriale; de seus trabalhos *de escritor; das obras tes se detiveram sob.a bandeira da Regência. O Duce
se encaminha na direção dos quatro arcos aí existentes,
iniciadas e daquelas já ultimadas. Depois de haver
depositando um ramo de louro que lhe fora ofereci-
recitado alguns de seus últimos versos, conduziu seu
do pelo hospede ilustre...
ilustre hospede na visita da residência.
" A o redor, o silencio do jardim, perfumado de "De volta, na descida, D'Annunzio apoia-se afe-
tuosamente sobre o braço do Duce, falando-lhe dos
resina.
enganos da vista e do seu olho perdido.
Finda a visita, o poeta bateu as palmas para in-
dicar aos seus fâmulos que os outros membros da co- "Novamente, os dois grandes homens se encon-
mitiva podiam se aproximar, dirigindo-se, todos, en- tram a sós na biblioteca, onde, após um breve coló-
quio, o poeta, como lembrança da visita, ofereceu ao
tão, para o pequeno vale du "Agua Louca" e depois
Duce alguns volumes de edições raríssimas.
para bordo do "Puglia".
Recebia-os, sobre a coberta, um marinheiro em " N o momento da despedida, sobre a soleira do
posição de sentido. Vittoriale, os dois ilustres filhos da Itália se abraçam
Penetrados no navio, as visitas se demoraram na demoradamente.

Galeria e sacrário dos lábaros de Fiume. " O Duce se afasta, enquanto o Poeta permane-
"Passados, depois, à proa, o poeta assinalava ac ce a acenar com o lenço até que o automóvel do Che-
fe do Governo se confunde com o horizonte".
Duce a beleza das esporadas de pedra a eternizar Í
26 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 27

Eis aí um telegrama fiumanamente fascistizado. sidade, positivada no fascismo, de ferocidade sádica,


E' nessa mise-en-scène que se apoia todo o prestigio de volúpia requintadamente perversa: reviveu a neces-
do faseio. Sem es?a teatralidade não haveria fascis- iiidade romanamente imperial de saber gozar com o
m. E, sem esse servilismo . . . lofrimento dos outros.

Esses dois homens se odeiam. Mas, ambos sa- E Mussolini veio a tempo para se aproveitar des-
bem representar para as galerias. E a imprensa se en- Jà volúpia cultivada na literatura, desse delírio eró-
tico, e canalizar essa força de sensação da alma cole-
carrega, e as agencias telegráficas, de cultivar a im-
tiva de um povo numa "religião-civil" tragicamente
becilidade humana.
teatral.
Mas, Mussolini deve a D'Annunzio o fascismo e
E as frases de D'Annunzio serviram de molde
D'Annunzio precisa dos cheques de Mussolini. O fas-
ao estilo mussoliniano:

I
cismo nasceu dos dois. São cúmplices. Odeiam-se. I n -
"Neila nuova Itália modello dei mondo, i l nuo-
vejam-se, mas, precisam entender-se para o publico.
vo Italiano modello dei mondo", ( La Causa" — Dos
rr
De qualquer modo, essa teatralidade descrita no
últimos escritos do Poeta. Nino Daniele — " D ' A n -
telegrama é uma mentira para as galerias. O u então,
nunzio Politico").
e também a hipótese é admissível e lógica: cada qual
"L'orizzonte dello spirito d i Fiume é vasto come
não sabe mais para aonde descer... Equivalem-se.
la terra".
Aliás, já se disse que o melhor de D'Annunzio não
"Ogni insurrezione é uno sforzo d i spressione,
existe em Mussolini, enquanto o pior de Mussolini
uno sforzo d i creazione. N o n importa che sia inter-
está todo em D'Annunzio ( I Quaderni delia Liber-
rr

rotta nel sangue".


ta") N . ° 4, São Paulo — Brasil).
"La nostra stella é cosi' alta che non la riflet-
tono soltanto le acque deli'Adriático. La rispecchiano
i p i u ' lontani mari: ne rifrangono la luce i piu' pro-
D'Annunzio é "um aventureiro da arte como da fondi oceani.
vida"; transmitiu a duas gerações de italianos a neces- "Itália, Itália, le spanderai verso Occidente, e
MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO
28 29

verso Oriente, e verso Settentrione, e verso Mezzodia, lussolini não teve a audácia de contestar publica-
e tutte le nazioni delia terra saranno riconciliate e ri- mente a sua autoria, a sua responsabilidade e a hon-
consacrate i n te, e nel tuo Génio". ( L'avvenire"
re — ra de haver mandado martirizar o deputado socialis-
Das ultimas proclamações do comandante — Nino Li, seu adversário politico.
Daniele — "D'Annunzio Politico".)
Essa é a linguagem do fascismo. E ' a palavra *
de ordem que o poeta legou à Itália imperialista.
Legou também o exemplo da crueldade e da vin- "Viver perigosamente" — a divisa de Nietzsche,
J) a divisa de Mussolini. Mas, não é só isso. A fra-
gança:
«r, si tem teatralidade, não contem todo o seu jogo
D e uma audácia incrível, não mandou assassi-
de cena . . .
nar seus inimigos às ocultas. Nesse sentido, deu o r - l
Seria preciso saber resumir toda a sua ação ca-
dens precisas e publicamente, como comandante:
ricatural e tragicamente perversa.
" M i e i A r d i t i , i l miserabile disertori Misiano, i l l
vilissimo vituperatore d i Fiume e delle grande causa "Só outro italiano rivaliza com ele em teatrali-
dade: D'Annunzio. E ' por isso que esses dois ho-
adriática, tenta d i entrare nella cittá per fare opera
mens se detestam tão cordialmente, (Louis de Santini.
di sobillazione e d i tradimento. — N o i non soppor-
— "Mussolini, Garibaldi e C i a . " ) .
teremo che la Cittá d i vita sia contaminata da tanta
Mas, si D'Annunzio não realiza apenas litera-
sozzura. — V i abbandono i l disertore e traditore M i -
riamente a "bestialidade compacta" da ferocidade sá-
siano, deputato al Parlamento nazionale. — Dategli
dica, Mussolini vive-a com o fito de aparecer e domi-
la caceia; e infliggetegli i l castigo immediato, a ferro
nar romanamente. U m a vez, Mussolini falou a cava-
freddo. — Questo é un ordine. E ne rivendico ar-
lo. "Trazia uma linda boina emplumada como o
ditamente i l peso e Ponore. — Fiume dTtalia: ne
príncipe Danilo no segundo á t o da "Viuva Alegre".
secondo anniversario dei volo su Viena — 10 agosto
Foi em Bolonha (31-10-926). Mas, si o cenário, o
1920. — I I Comandante: Gabriele D'Annunzio."
guarda-roupa, a mise-en-scène e de opereta, a palavra
Para Matteoti a ordem não foi pública e até hoje
MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 31
30

de ordem do Ditador, si tem teatralidade, também re- R, depois de representar a comedia do processo
çuma ferocidade e assume as proporções da tragédia • culpados pela morte de Matteotti, assume publi-
I I K I I t e a responsabilidade de todos os crimes fascis-
que vae desencadear, por efeito de seu prestigio, a
• l praticados na Itália. Mas, tem a prudência de não
violência trágica dos paranóicos da "religião-civil"
< uai nomes . . .
que é o fascismo. E é sempre o desafio e a provoca-
E leva a sua vingança estendida inexoravelmen-
ção:
tr sobre a viuva e filhos de Matteotti e sobre todos os
"Camisas negras! . . . Levantai as vossas armas
•migos dedicados do grande morto e da sua família,
para que o mundo inteiro veja esta floresta de baione-
nitre os quaes aparece em primeiro plano o D r . Ger-
tas e sinta as pulsações dos nossos corações decididos
inani, condenado a dez anos de cárcere pelo fato de
e invencíveis"
E a sua palavra é seguida da ação. haver premeditado a fuga da família Matteoti para
"Mussolini não perde tempo em convencer aque- o extrangeiro, afim de pôr termo aos sofrimentos e
Às humilhações dessa desgraçada senhora.
les que não partilham das suas opiniões, elimina-os".
Passa por cima de tudo e de todos na sua volon- O que se passa ainda hoje com a família Mat-
teotti, chegando a perseguição a ponto de ser preciso
tà di potenza.
lormar-se um Comité Internacional Feminino Pró-
Assim fez centenas de vezes, de que Matteotti
ficou sendo o simbolo. Viuva Matteotti, afim de que por toda parte se faça
Nessa ocasião, tal foi o alarma, o assombro, o lentir uma ação internacional humana para que se
prepare o movimento da libertação dessa pobre se-
protesto silencioso de toda a Itália que até mesmo
nhora; o que se passou com Malatesta, martirizado
Mussolini ia perdendo o sangue frio deante de tal
moralmente durante os treze últimos anos da sua exis-
consternação. Mas, logo recupera a calma na seguran-
tência na Itália fascista, e por ultimo, por ocasião da
ça da força e, no seu celebre discurso, brada, reinte-
sua morte e do seu funeral; as humilhações e o gesto
grado na volúpia da tirania fiumanamente fascisti-
perverso da policia fascista para com a família e os
zada: amigos de Malatesta e o ridículo do pavor até mes-
" — Chefe de bandidos, pois sim. Seja!"
MARIA l ,v -r,...

mo do corpo morto tio fnmoso .imitador; — essa ati- m i/tns /„,/.,, (

tude fascista de perseguição (ir.inua e s t á longe de se


*X*d0i politkos
harmonizar com a "clemência" da t n i i t í l ampla con-
cedida aos criminosos politicos de dentro e fora da
Itália. A
E ' que essa anistía, anunciada em fanfarras aos
Voltemos ao poeta:
quatro ventos, é mais uma cilada jesuítica filmada no
cenário mundial pela teatralidade mussoliniana. I ían Ryner, no seu livro "Prostituídos" trata de
P'Annunzio:
Os italianos de valor não podem aceitar essa
generosidade tardia e sabem a perversidade maquia- "Helas! quando o despimos das purpuras rouba-
velica oculta manhosamente atrás dessa armadilha fe- das um pouco por toda parte, com as quaes envol-
roz e que reboa pelo extrangeiro como um gesto lar- r ||f! a miséria de seu espirito e a infâmia de sua alma,
nós nos achamos em presença de um bruto conquis-
go de força, de desprendimento, clemência e magna-
hdor ou de um animal de caça.
nimidade.
Demais, a anistía foi para os financeiros, falsa- . . . Êle é capaz, aliás, de alguma diversidade de
Hegrias e não sonha unicamente com os bravos da
rios, escroques e criminosos comuns, não para os pen-
multidão. U m a febre de sucesso, de prazer e de do-
sadores do crime de ter ideias diferentes das do Che-
minação tão ardente como a de D'Annunzio não exis-
fe do Governo. U m a carta da Itália (Plus Loin —
sem delírio de crueldade. N ã o somente ele sacri-
N . 93, Janeiro de 1933, Paris) conta que, para fes-
ficaria, com indiferença, todos os seres ao mais pe-
tejar a marcha "consentida" sobre Roma, todos os pro- | quenino interesse pessoal ou à menor fantasia. De boa
cessos, as "demarches" judiciarias contra financeiros, vontade, os sacrifica por nada, pela volúpia de ver
banqueiros, escroques, foram anuladas. A anistía foi sofrer. Adora a sua "alma querida", vazia como um
completa para essa gente. Demais, acrescenta o mis- idolo, e os idolos amaram sempre o odor infame dos
sivista que isso rendeu grosso capital e valeu a pena sacrifícios humanos.
o negocio porquanto havia necessidade de dinheiro
. . . O sucesso de D'Annunzio, plagiário impo-
34 MARIA L A C E R D A D E MOURA
C L E R O E FASCISMO 35

tente a ordenar seus voos em solida construção; dc


E o espirito de sacrifício que é o seu próprio es-
D'Annunzio lirico, escumando todas as demencias i i " , que é o espirito daquele que deu tudo e nada
afrodisíacas e destrutivas, é uma das grandes vergo- . < I eu, amanhã gritará sobre o tumulto do incêndio
nhas de nosso tempo. Decididamente seremos mais Igrado:
vis que os contemporâneos de Nero? Eles, pelo me-
"Tudo o que sois, tudo o que tendes, dai-o à
nos, n ã o aplaudiam senão sob pena de morte, e eram 1 'tnlia flamejante!"
necessários soldados para lhes impor o histrião co-
"Bem aventurados aqueles que mais têm, por-
roado".
que mais poderão dar, mais poderão queimar!
D'Annunzio é dos taes prostituídos que se dei-
"Bem aventurados os que t ê m vinte anos, uma
xam violar por todos contanto que suas mãos embol lima casta, um corpo bem temperado, uma mãe co-
sem os cheques, e por qualquer trinta dinheiros entrei rajosa!
gam os seus irmãos. "Bem aventurados aqueles que, confiando e es-
Foi durante a guerra, em 1915, a 5 e a 12 dé I K rando, n ã o esbanjaram sua força, mas, guardaram-
maio que esse nietzscheniano la luxuria pronunciou I I I na disciplina do guerreiro!
seus discursos inflamados para a mobilização italia
"Bem aventurados aqueles que desdenharam os
na. Vejamos uns trechos do seu lirismo guerreiro• mores estéreis para a virgindade desse primeiro e ul-
Foi ao pé do monumento consagrado aos M i l de Ga timo amor!
ribaldi:
"Bem aventurados aqueles que, tendo no peito
"Esse chefe de homens (Garibaldi) quizera um um ódio enraizado, o arrancaram com suas próprias
fogueira por sobre u m rochedo, para que seus de Klios para poderem depositá-lo como oferenda!
pojos mortaes aí fossem queimados, para que o trij
"Bem aventurados aqueles que, a t é ontem, tendo
te envolucro se transformasse em cinzas; mas, não f
gritado contra o acontecimento, aceitarão em silên-
acesa. O que êle pede hoje, n ã o é uma fogueira < • 10 a suprema necessidade e n ã o quererão ser os últi-
acácia, de aroeira ou de mirtos, porém de almas vir; mos, porém os primeiros!
ó italianos. N ã o quer mais nada.
36 C L E R O E FASCISMO 37
MARIA L A C E R D A D E MOURA

"Bem aventurados os jovens que estão esfomea- idando de carregar consigo o tesouro do país, em
dos e sedentos de gloria, porque serão saciados! Inoeda sonante e deixando ao seu povo uma procla-
"Bem aventurados os misericordiosos, porque mação na qual declarava que positivamente "a Itália
terão que enxugar um sangue resplandecente, terão não merece que se morra por ela". ("Daily News",
que mitigar uma dôr radiante! Telegrama Reuter, 30-12-20.)
"Bem aventurados aqueles que teem o coração Aí está traçado o perfil de D'Annunzio. E' o pai
puro; bem aventurados aqueles que voltarem com a llpiritual do Fascismo.
vitória, porque hão de ver de novo a face de Roma, a Si não basta tudo isso, vejamos o D'Annunzio
fronte de Dante de novo coroada, a beleza triunfal revolucionário:
da Itália!" " O mar é a minha pátria, a pátria dos livres"
Esse "lirismo" guerreiro custou milhões à Fran- ("Primo Vere"). Em La Gloria, escrevia: N ã o é
ça, à Itália, e aos aliados. a fome, não é a fome contudo que urla e estende as
E D'Annunzio continuou na retaguarda a pon- mãos; mas, a revolta contra a intolerável falsidade
tificar as suas acrobacias de poeta prostituído. (|iie invade todos os órgãos da nossa existência e a de-
E é D'Annunzio que vem pregar o espirito de forma e a avilta e a ameaça de morte. Para viver, para
sacrifício! existir, é preciso destrui-la."
Mago do ritmo, arrebata os incautos. Vende a; E vai mais longe:
palavra fácil e vende a carne para os canhões. "Fra tutte le imprese virili ammiro quella d i colui
Pois bem. N ã o satisfeito com a sua popula- che spezza la legge imposta da altri, per instaurare
ridade mundial fazendo a propaganda da guerra, não la sua própria legge".
contente com os milhões que lhe enchiam os bolsos de Depois, dizia:
nababo do grande massacre, inventou Fiume! "Sou e permaneço induvidualista "à outrance",
Quantos milhões de mortos, quantos milhões de individualista feroz. Entre nós não ha outra politica
mutilados arrastou na sua gloria triunfal? possível senão a de destruir. Tudo o que existe atual-
E um dia abdicou. Fugiu de Fiume, não se des- mente é nada; é a podridão, a morte que se opõe à
38 MARIA LACERDA DE MOURA
C L E R O E FASCISMO 39

vida. E ' preciso primeiro saquear tudo. U m dia des- nestas poucas páginas? Bifronte? Não. Uma f i -
cerei à estrada". (Entrevista ao "Temps" de Par s.) !
Hfonomia em cada palavra, para cada oportunidade.
Salteador de estrada! Para isso é preciso ener- Wh mania da grandeza empolgante, a tormenta da
gia, muita energia que falta aos "arditi" de gabinete, exibição espetaculosa. Velho cretinizado pela vida
aos efeminados, aos cínicos e sádicos. E ' mais fácil 1 de luxuria e dissipação, tornou-se f u t u r i s t a . . . à ma-
ser salteador de governos e de mulheres. neira de Marinetti, senão, e a sua carta ao "Tre-
N a proclamação "Fiume e V i t a " , dizia:
"... A* força será oposta à força. E ' a nova Outra versão em torno de D'Annunzio:
c r u z a d a . . . de todos os homens pobres e l i v r e s . . .
"Caras y Caretas", traz um artigo do jornalista
contra a raça da pilhagem e contra a casta dos usu-
José de Soiza Reilly, dizendo o seguinte: " O gover-
rários que desfrutaram ontem, da guerra, para des-
no de Mussolini circunda " I I Vittoriale" de carabi-
frutarem hoje, da paz, a cruzada novíssima restabe-
neiros na aparência às ordens de D'Annunzio." De-
lecerá a verdadeira justiça. Porque a nossa causa é
[ fronte do portão da sua residência permanecem 7 ca-
a maior e a mais bela que até hoje se opoz à demên-
rabineiros. Muitos outros em torno. Espionagem,
cia e à vileza do velho m u n d o . . . Cada insurreição
| ronda noturna, censura em Gardone, organizada por
é um esforço de expressão um esforço de criação.
Rizzo. Dispõe de um corpo de agentes distribuídos
N ã o importa que seja interrompida no sangue. O
pelo correio, telegrafo, telefone, nas estradas que vão
mundo foi muito traido, muito envilecido... O pró-
a Gardano, pelos albergues, etc. Sabe-se, assim, quem
ximo futuro terá para os que viverem um aspecto
vae ou volta da casa de D'Annunzio, a visita pôde
heróico e um aspecto ascético. Jovens, libertemo-nos.
não ser recebida ou pôde ser presa logo à saída, prin-
De toda s e r v i d ã o . . . "
cipalmente si leva cartas. A "Folha da Noite", de
E' com essas palavras de todos os tempos, de São Paulo, de 16-4-29, documenta ainda: "Logo que
todos os poetas, de todos os aventureiros, de todos os I )'Annunzio instalou uma pequena estação de radio,
charlatães, que a juventude se exalta e se sacrifica para comunicar-se diretamente com o mundo, ime-
inutilmente. Quantos d'Annunzio nos aparecem diatamente lhe foi tomada.
40 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 41

Isso ainda no tempo de Giulietti, quando Fari- vou-me daquele novo embaraço um ajudante de D ' A n -
nacci preparava um assalto em regra, de camisas ne- nunzio, que passava pela estação naquela altura, e
gras contra " I I Vitoriale", onde os marinheiros fiéis (jne se resolveu a ser meu ajudante, t a m b é m . . . Des-
ao comandante assentaram a tempo as metralhado- fez o equivoco, repreendeu os soldados e conduziu-
ras. Quando D'Annunzio qu*s, para si, um hidro- me gentilmente a um hotel."
avião, o governo se apressou a lhe enviar um, impres- Do meio das frases de Antonio Ferro, consigo
tável, e com um só piloto de c o n f i a n ç a . . . Isso pa- extrair muito pouca cousa: o retrato dos italianos —
ra que o Poeta não pudesse sair inopinadamente..." que êle pinta sem q u e r e r . . . E ' o mais importante.
Conclúe "1 Quaderni delia Liberta", ( N . ° 4, Depois, a noticia indiréta da fortuna que devia ter
2. série, janeiro de 1933 — São Paulo - Brasil):
a
recebido D'Annunzio dos americanos... "perto das
"Todavia, fascistas e anti-fascistas, não satis- eleições, os adversários de Wilson, — quando a sua
feitos uns e outros com o seu silêncio, estão de acor- nura começava a declinar — telegrafaram a D ' A n -
do, quem sabe por que? em preferir que se acredite nunzio, pedindo-lhe um manifesto de propaganda
D'Annunzio não prisioneiro, mas louco! E não foi contra Wilson. D'Annunzio accedeu." Como sem-
sempre louco? E qual a razão por que Roma tem tan- pre . . . Depois, algumas frases de d'Annunzio elo-
to medo disso justamente agora?" giando a d'Annunzio:

Antonio Ferro em seu livro "Gabriele D'An- " — E os meus diálogos socráticos, com a mul-
nunzio e Eu", confirma, inconciêntemente, falando tidão, daqui, do terraço do p a l á c i o . . . Eu convidava
da sua visita a Fiume, todas as reportagens que afir- o povo a interrogar-me, a fazer-me perguntas sobre
mam e comentam as dificuldades incriveis para se tudo, sobre a pátria, sobre a vida, sobre os homens,
chegar à presença de D'Annunzio. Desde a frontei- sobre os Deuses . . . Era belo . . . A multidão, ao
ra de Abbazia, "onde a Itália termina e principia luar, em reza, lá em baixo. Eu, debruçado da varan-
D'Annunzio, estive ainda para voltar atrás, desani- da do terraço, pregando um credo novo . . . De quan-
mado já de chegar a Fiume." Puzeram em dúvida do em quando, a acompanhar-me como um grande
a sua identidade, declararam-no bolchevista, "Sal- órgão, ouvia-se a voz do A d r i á t i c o . . . Muitos des-
42 MARIA LACERDA D E MOURA C L E R O E FASCISMO 43

ses diálogos foram fixados. Procure lê-los. Alguns fascista da " N a ç ã o Carnaval", nessa eterna masca-
deles são estranhos, mediumnimicos, profundo... A's I t d a trágica.
vezes, nem me conheço. N ã o era eu quem falava, * * *
era o m a r . . . "
Mais adeante, noutra página, numa atitude, Os jornais acabam de publicar ( O Radical —
lembra-se da "besta que é preciso domar" . . . e diz: 13-11-32 — Rio de Janeiro), e a mim me parece uma
brincadeira, duas cartas de D'Annunzio. E por elas
—"Veja, repare. Eu, o religioso, o beato da
me convenço da veracidade da noticia que se refere à
Beleza, a manejar aqui, a v i l matéria h u m a n a . . . "
queda do poeta, empurrado pela pianista Luisa Bec-
E "a v i l matéria humana" da Itália de Fiume diz pra, quebrando a cabeça e tornando-se verdadeira-
do seu Comandante, do Soldado-Poeta: mente cretino.
" A nossa dedicação por êle é cega, absoluta. D'Annunzio escreve ao Professor Piccard, en-
Si êle nos mandasse roubar, nós roubaríamos. Si tusiasmado por achar ainda um motivo de exibir-se.
desejasse matar alguém, ver-se livre de um! ini- A sua carta é uma preciosidade para satirizar a de-
migo, a honra de o servir seria d i s p u t a d a . . . Si mência de um histrião nietzschineano:
quizesse Roma — nós conquistar íamos Roma." E
"Amigo — O Zarolho vidente ( 1 ) , o Enfermo
assim, num crescendo d ' A n n u n z i a n o . . . Isso é Fiu-
de pé, não vos esperava na sua casa repleta de deli-
me. Isso é a Loba Romana. Isso é d'Annunziano.
cadezas, porém em seu pensamento o mais forte, o
Isso é fascista, fiumanamente fascista.
mais audaz.
D'Annunzio tem razão quando fala das mul- Com este lápis místico que me daes como que
tidões. Ele a conhece de p e r t o . . . moldavel, sub- para um novo rito cavalheiresco, quero escrever a
missa, incrVel de domesticidade e servilismo, covar- minha ultima vontade, e vós a conhecereis.
de e humilde sob o tacão das botas dos senhores do Eis aqui, para vossa altiva companheira uma
manganelo e do oleo de ricino.
(1) E ' a sífilis terciária, deslocamento da retina, transfor-.
Oh! A documentação é vastíssima no cenário mada em mutilação de guerra.
44 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 45

caixinha fútil e uma principesca alfaia pintada por laudado. Treze! Meus cabelos, teus cabelos. — Ga-
mim, no modo musical o mais absconso. brielle D'Annunzio."
Eis também, para vós e para os que vos ajudam Até parece que êle sabe que " T e u cabelo não
e amam, "quadrados de felicidade" com op meus [nega..." N ã o fora o respeito que eu tenho às cria-
dísticos de guerra impressos. turas mentalmente inutilizadas e estas cartas passa-
Lembrai-vos do Zarolho vidente. riam pelo crivo de uma analise impiedosa. E, si as
Dae o amplexo, heróico, eu vo-lo dou — Gabrie- publico é apenas para reforçar o conceito de desdém
le D'Annunzio." a um regimen social que faz de um histrião demente
Zarolho e Enfermo — escritos com letras maiús- a figura central da sua intelectualidade mórbida,
cula . . . Os jornaes acrescentam que o poeta apro- apontando aos italianos e ao mundo como sacerdote,
veitou-se da oportunidade de estar escrevendo com apóstolo, heróe, poeta, génio da arte, — uma alma
o lápis místico e expediu outras cartas no mesmo es- [Vendida em todas as suas fibras mais intimas à glo-
tilo. U m a a Jean Chiappe, outra a André Tardieti ria, à exibição e ao dinheiro.
e a terceira, única no género, a Afonso X I I I , ex-rei
E' apenas para apontar um governo tirânico que
da Espanha. Pena não publicarem todas. Resta-nos a
eleva ás culminancias do génio uma alma de bárba-
ultima:
ro sádico conquistador imperialista.
"Meu Caro Treze. — Como vim a saber, no
E ' para fazer notar que é esse espirito ambicio-
incomparável retiro em que me lastimo de ser tão
so, fanático de si mesmo, anarcisado, enamorado de
belo e tão grande a supremissima desgraça que *si próprio, orgulhoso, dominador, feroz, a volúpia
se abateu sobre ti? À coroa de espinhos que te ou- de fazer sofrer, é esse o espirito do fascismo. E a
torgou o meu amiguinho Deus, teus ex-subditos acres- "Loba Fascista" devolve em homenagens a D ' A n -
centaram todo um feixe, toda uma floresta. nunzio uma piedade filial digna da sua obra impe-
Tomo-te nos meus braços, e te embalo. rialista, á altura da sua "bestialidade compacta." E
E rapidamente, ainda alguns "quadrados de fe- a multidão o adora! . . .
licidade", sem esquecer meus dísticos de guerra. Sê E' para fazer notar ainda que, entre essa ma-
46 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 47

nia de exibição de um maluco declarado e as frases mo as suas almas de traidores e aventureiros vo-
de Mussolini ou a atitude do Duce — a diferença tes.

não é tão grande . . . Eles se equivalem. Quando Mussolini afirma que " A Itália guia-
rá o mundo!" ou que " O Século X X será o século
T e m razão M á r i o Mariani quando fala do "Pa-
do Fascismo!" será o século do poderio italiano! que,
lhaço da Itália": "Gabriel D'Annunzio é um mor-
"pela terceira vez, a Itália se tornará a diretora da
to. Como tal, pertence à historia e podemos julga-
civilização humana"; quando grita no seio do alalá
lo. Tinha o engenho de um grande, a alma de um
fascista que "fora dos nossos principios, nada ha de
rufião. O engenho finou-se, resta a alma e é nosso
»ólido, nem para os indivíduos, nem muito menos,
o direito de condena-lo. Mantido pela duquesa de
para os povos"; quando nos seus últimos discursos,
Gallese ou por Eleonora Duse, pela marquesa Rudini
(Turim-Milão, Outubro de 1932) ameaça: "den-
Carlotti ou por Ida Rubinstein, podiam perdoar-lhe
lio de dez anos a Europa será fascista ou fascistiza-
porque dava "L'isotteo e ia Chimera", " L a Città
Ha"; quando afirma que: "a antítese na qual se de-
Morta", "Le Laudi", o "San Sebastiano"; mantido
bate a civilização contemporânea não pode ser ven-
pelo fascismo, não mais podem perdoa-lo nem mesmo
Ua senão de uma única maneira: com a doutrina
por egoismo estético, porque, de agora em deante,
e a sabedoria de Roma"; e conclúe: "eis porque não
completamente cretino, não d á senão os telegramas
I H iis contamos os anos", — repete apenas u m gesto
idiotas de homenagem ao Duce, que o Duce paga a
«1'Annunziano: espalha pelo mundo a segurança
meio milhão de retorno — com o sangue dos operá-
dos "quadrados de felicidade" . . . num acento para-
rios famintos". ("Uemancipazione" — São Francis-
nóico á altura da demência do poeta, e embala o uni-
co, Califórnia, Outubro, 1928 - N . ° 10, ano I I . )
Vfrso nos seus braços cesarianos.
Mussolini e D'Annunzio são palhaços, ninguém
lhes nega esse direito, mas, são palhaços armados e a Quando diz frases como estas: "Todos os po-
sua farça é a tragédia moderna a tripudiar por sobre Vos parecem desesperados e mostram-se incertos de
o cadáver da dignidade humana. urus destinos. Mas, os italianos, n ã o ! " e, recomeça o
E os seus gestos e as suas palavras se equivalem roaario das ameaças, — é a mesma força do pensa-
48 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 49

mento "audaz" saida do lápis místico de D'Annun- HORDA D E EMBRUTECEDORES


zio. . . ou a linguagem guerreira no "modo musical
absconso" do "Zarolho vidente" . . . PAPINI
Quando, ainda nos seus últimos discursos ( M i -
lão — Outubro — 1932) afirma Mussolini: " I I Regno", sob a direção de Papini, em 1903,
"Quero declarar mais uma vez: o heroismo in- H i anti-socialista, guerreiro, pregava a politica ex-
dividual e coletivo do povo italiano durante a guer- pansionista, contra as ideias "piegas" de humanida-
ra foi sublime e não teve confronto com o de nenhum • t e paz e fraternidade humana — "cadáveres pu-
dos outros exércitos", equivale, esse "Marinetti da n i l actos" — mais tarde, para Mussolini.
politica", a D'Annunzio quando define a multidão: "L'Idéa Nazionale", em continuação, j á prega-
"a besta que precisa ser domada" ou que deve ser va o imperialismo para além dos mares.
violada" . . . Papini, em seu livro supernacionalista "Vecchio
E mais: quando expõe, nua, a sua alma rasteira • nuovo nazionalismo" disseca esse "desrazoavel res-
neste período: "Si tivesse havido um governo que im- peito à vida humana". O homem, segundo êle, não
puzesse severa disciplina e escorraçasse a chicote a k l o direito de viver senão em bloco; a vida huma-
m á raça e punisse com chumbo nas costas os derro- n.i não é cousa sagrada. Dizia:
tistas e os traidores, a historia da guerra italiana só "Enquanto os humanitários vis, gritam contra
teria páginas luminosas" — coloca-se ao nível bestial I guerra, como bárbaro resíduo de antiga ferocida-
do instinto coletivo de agressão, fala às paixões hu- Uf, nós a consideramos como o poder máximo de des-
manas, desperta o animal no homem — para adular, ertar do enervamento, como meio rápido e herói-
para domar, para violar, e, em troca, colher os piau- co de poder e de riqueza."
sos epilépticos da selvajeria humana — nas fímbrias O desdém à repressão sangrenta, o pensamento
da sua roupagem caricatural cesariana. D'Annunzio • t solidariedade humana, o sentimento de amor ao
e Mussolini — é isso o fascismo. próximo, de repugnância à guerra, o direito à vida,
Analisemos bem, essa ••. direitos dos trabalhadores e desgraçados, as pre-
50 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 51

venções "injustificáveis" (!) da higiene pública, l i tudo pata mim. E, todavia, chegou o momento em
piedade para os condenados, a abolição da pena dn que me apareceste o que tu és; cabala afanosa de si-
morte, o medo do sangue "esse incubo do homenj naes em torno do nada, ordem vã e mudável sobre
moderno", todos "esses sentimentos, diz Papini, sâfl a diversidade irruente e extravagante, corrida irónica
contrários ao desenvolvimento de uma N a ç ã o " . para a destruição de t i mesma.
Papini reclama a obediência aos jesuitas, obe*| E eu te repudiei, te desprezei, te expulsei — te
diencia, tal como eles a exigem, "obediência de cada* tra . Para o que eu queria fazer, t u não eras senão
1

ver". obstáculo. O que prometias, não mantinhas. D o que


Tece hinos ao principio de autoridade e ao mi* mantinhas, não sabia o que fazer. E u procurava a
litarismo — como casta de conquistadores. [•cão, a realização, a mudança — a relidade de hoje
Escreve a "Historia de Cristo". Torna-se ca* cm relação com a realidade de amanhã — e tu não
tólico. Nietzscheniano dentro da "moral de escra*' me davas senão a contemplação inútil, a calma dos
vos". absolutos ou a febricidade trabalhosa das galopadas
Respeita-se por demais a vida humana, diz Pa«| impacientes para uma meta sem f i m " . (Un Uomo
pini. O espirito de independência, fraqueza. Finito.)
Papini é imperialista como D'Annunzio, reacio* T r a ' u a filosofia e aderiu ao fascismo. E a sua
nario, contra o principio de liberdade. ação, tão desejada, está admiravelmente simbolizada
A guerra, para Papini, é a "carnificina fecunda- no seu livro "Gog" — para a educação da juventu-
dora do sólo", o "quente banho de sangue" purifi* de fascista, para o estimulo ao crime e ao sadismo.
cador. Descreve uma monstruosidade, cria um tipo de de-
O autor de "Crepúsculo dei Filosofi" confessa: generado repugnante também na sua fisionomia men-
" A t i , filosofia, devo tudo: a ânsia dos mundol tal, um cínico, sádico, paranóico, bestial, e se insur-
purificados, o êxtase das ascensões no inteligível; o ge contra a civilização . . . essa mesma civilização cujas
exercício da destruição; o senso da minha superior guerras defende e louva e acoroçôa.
dade sobre os homens da rua. Pertenci-te e t ú fostl
C L E R O E FASCISMO 53
52 MARIA L A C E R D A DE MOURA

N a introdução de Gog, Papini declara:


D E "UN UOMO FINITO" A T E ' "GOG"
" E ' ocioso, creio, acrescentar que não posso, de
forma alguma, aprovar os sentimentos e os pensa-
Gog tem o delírio do poder e de aniquilar: é a
mentos de Gog e dos seus interlocutores. Todo o
epilepsia da destruição.
meu ser — que agora se renovou com o retorno à
Gog é d'Annunziano, é fascista, é f u t u r i s t a . . .
Verdade" (catolicismo e fascismo?) não pôde deixar
D'Annunzio, durante os seus banhos, em Fiu-
de aborrecer tudo aquilo em que Gog acredita, o que
me, fazia um soldado (naturalmente um é f e b o . . . )
«liz ou faz.
peneirar poeira de ouro sobre a sua cabeça. Pois bem:
Entretanto, basta abrir ao acaso um dos seus l i -
Gog enche a piscina de jóias e moedas de todos os
s, Un Uomo Finito, por exemplo e nele vemos
peíses, enche-a de ouro de todos os quilates e enterra
esboçadas as ideias de Gog. H a páginas nesse livro
o corpo num banho de ouro para nadar em ouro c
que d ã o a impressão de continuar os capítulos de
sentir a sensação desse mergulho de nababo. Foi pa-
Gog. E* ainda a biografia de Gog ou a biografia
ra a ação de criar esse tipo que Papini traiu a filoso-
de Papini? Ficamos na dúvida, francamente.
fia...
Como o de Mussolini, "o cérebro de Gog era O homem acabado tem a mesma sede insaciável
capaz, em certos momentos, de compreender os mais de poder, de aniquilar tudo para ser êle o único a do-
exasperantes modernismos, mas, a sua alma se torna- minar o mundo inteiro. O desespero da impotência
ra mais árida e mais cruel do que a dos seus ante- deante da morte, igual para todos, que tudo nivela,
passados." o faz ranger os dentes no orgulho da sua presunção
diabólica de "besta que quer viver e não quer decla-
Como Mussolini; "a sua palestra era singula-
rar-se vencida", porque, o seu "desejo único, primei-
rissima: passava de um assunto paradoxal, mas, in-
ro, profundo, o desejo de poder" n ã o foi realizado,
teligente ao mesmo tempo, a declarações de uma vul-
e o mundo continua sem o seu dominismo absolutista.
garidade mais que plebéa, bestial. Dir-se-ia que se
haviam associado nele, Asmodeu com a sua agudeza Porque Papini, neste livro, declara: " n ã o pro-
cínica e Caliban com a sua torpeza cega de bruto." curava o espirito pelo espirito, mas o espirito pa-
54 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 55

ra torna-lo a alavanca da matéria, o instrumento de Quando Papini esboça a palavra amor é desta
todo poder terrestre". N ã o tendo realizado esse so- janeira:
nho imperialista de Cesar do universo, traiu a filoso- " N ã o procuro bengalas para ficar de pé, mas,
f i a . . . para se tornar fascista e semear a literatura para bater, e, quando me sinto muito fraco, fecho-
do crime e da abjeção. Fez-se patriota, não, fez-se inc cm mim mesmo, e, em vez de derramar lágrimas
toscano... da Toscana dos génios, "dos velhos etrus- de amor deante de quem desprêso e me despresa, di-
cos que ensinaram a civilização aos romanos" . . . e, itto-me a ultrajar na minha pessoa toda a raça dos
portanto, ao mundo! . . . Sempre o orgulho da dife- homens. Ao diabo, o amor debilitante!"
rença, da superioridade, do dominismo. Nada é sagrado para Papini, "o lobo hobbesia-
Porque "ha um génio toscano, que está aqui, |lo, com dentes que têm necessidade de morder e de
com caracteres seus, que se destaca de todos os ou- •traçalhar": "Dá-me prazer estraçalhar, roer, ofen-
tros génios italianos e extrangeiros e com o qual eu der, levantar os véus, despir os cadáveres, arrancar
me sinto em plena harmonia", declara Papini. IN máscaras. Torno-me sem medo e sem pudor; não
E a Toscana recebeu "esse filho pródigo que to- •••peito ninguém, sinto-me bem na desordem, divir-
mou parte em todos os banquetes intelectuaes da Eu- Ifrme em perturbar, em amedrontar, em ser e pare-
ropa e criou e bateu os porcos alheios" . . . rrr mau".
E' o desprêso, a atitude de nojo e repugnância Gog é uma das criações dessas horas de "fúria
que reçuma em cada página de seus livros, para tudo ilrvoradora". Papini, então, "projéta no cómodo es-
e deante de todos — porque êle se sente um génio pelho da imaginação os seus instintos mais perversos",
único que devia chicotear o mundo inteiro. iria "os loucos e os delinquentes que não viveram
Porque, para Papini, "o universo está dividido nunca e querem viver em m i m " . E declara mais:
em duas partes: eu — e o resto." E confessa-se: "o "E pelo bem e pelo mal que quero e faço, tenho
único feroz". I direito de respirar, de aquecer-me, de andar, de le-
Prepara-se para a luta: " A nós, pois, universo k n t a r a cabeça, de cuspir no rosto de quem quer que
inimigo", I ja — de existir, segundo a minha l e i " .
56 MARIA LACERDA DE MOURA C L E R O E FASCISMO 57

Mussolini encontrou preparado o seu fundo Mais: "a atitude espontânea do meu corpo é o as-
de q u a d r o . . . E as expedições punitivas da Italiaj salto à bioneta; a minha figura predileta é a invectiva
fascista, e a brutalidade do regimen do manganelo e 1 e o insulto."
do oleo de ricino, têm as suas raízes na literatura sujaj Essa é a escola e a educação da juventude fascis-
desses super-elefantes da cultura romana, senão, v f l ta. " A h ! si cada uma das minhas palavras fora uma
jamos: E ' o capitulo X L V I I I , sob o titulo: bala de carabina, assobiando na liberdade do espaço;
cada uma de minhas frases, um lançamento de fogo;
cada capitulo, uma barricada bem defendida; cada
"DECLARAÇÃO D E ESTILO"
livro, um pedaço de p á u vasto e grave que pudesse
arrancar as partes cabeludas de um povo!"
"Eu, ao contrario, (diz Papini) desafio e en«J
Esse livro, êle o confessa no ultimo capitulo:
tendo o desabafo com os mais plebeus e nojentos si-
" A q u i dentro não está a minha biografia, mas
nónimos: entendo o cuspo que sái da minha larin-
está o curso exato dos meus acontecimentos interio-
ge inflamada e que voa como por encanto, em infi-
res. Todo o resto da minha obra encontra aqui a sua
nitos jatos sobre todos os rostos que eu seria digno de
explicação e a sua chave. Esta não é uma obra de ar-
esbofetear — entendo o vomitar da bilis que me des-
te: é uma confissão a mim mesmo e aos outros". Gog
tilou do sangue o espetáculo da nossa vida — en«| vem depois. Un Uomo Finito é a chave de G o g . . .
tendo o coar do pús das bolhas e das chagas e dos Um Uomo Finito é a obra prima de Papini, dizem.
bubões da minha personalidade imoral exposta ao E* o seu livro dos trinta anos. A sua febre de orgulho
contagio dos mais povoados lazaretos — entendo o a alucinação do poder, o desejo de dominar: "Eu
arrotar inesperado e barulhento que vem do fundo nasci, diz êle, com a moléstia da grandeza" — isso é
como desprêso. N ã o , senhores! nada de delicado, ad- d'Annunziano , é romano, é cesariano, é imperialista,
virto-vos, sairá da minha pena em corrida sobre o, é da "éra mussoliniana". A sua egolatria toma a
papel". forma da destruição e da sujidade. Mas, com M a -
E' esse o grande filosofo do fascismo italiano! rinetti, cria o futurismo que é um simbolo . . . " E u
58 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 59

sou futurista, diz êle, porque Futurisrrto significa mbcrbia de querer ser "grande, mais do que todos,
Itália — uma Itália maior que a Itália de antanho, .1. nua de todos, o génio, o heróe".
mais moderna, mais corajosa, mais destacada das ou- Aqui está a raiz do seu espirito de despeito a
tras nações." ijur Papini chamou de "revolucionário":
Em // Crepúsculo dei Filosofi e em UAltra "Nesses tempos eu era pobre, decentemente, mas
Meta continua destruindo arrogantemente, poluindo, «irozmente pobre. (Odiei sempre, e também hoje
maculando, negando, porque a sua egolatria não ad- H e í o os que nasceram nas proximidades de uma bol-
mite nada acima de si mesmo. Sempre u m crente Í|a bem recheiada, os que puderam comprar quasi

mascarado de céptico ou de atéu. Vem A Historia •rinpre o que desejaram). Era burguesmente pobre,
min fome, sem frio, mas sofria". Esse espirito "revo-
de Cristo. Papini é católico. Papini é fascista.
IIM lonario" de ódio, e despeito, e inveja é muito co-
Papini teve o sonho audaz da encicopedia úni-
mum, vulgarissimo.
ca, contendo todas as enciclopédias do mundo. So-
brepujar, ultrapassar, dominar, vencer, acima de tu- L i Un Uomd Finito depois de haver lido Gog.
do e de todos, "o intérmino, o grandioso, a totalidade Kog é de agora, o primeiro é de 1912. Tenho a im-
das cousas, a amplidão dos tempos — a procissão IMissão de que são do mesmo d i a . . . U m é a conti-

dos séculos e dos volumes". nuação do outro. Un Uomo Finito é Gog...

Dos sonhos da enciclopédia colosso, passou a A conversão de Papini ao catolicismo é muito ori-
ginal.
cousa mais modesta — a historia do mundo, e d a í à
historia da l i t e r a t u r a . . . universal, depois, literatu- Un Uomo Finito éde antes da conversão, mui-
ras neo-Iatinas, depois literatura espanhola. E o so- m antes, Gog é de depois da conversão, muito depois,
nho foi d i m i n u i n d o . . . D a í passou a romancista, a ptretanto, completam-se, ou melhor, completam os

filosofo, a católico, a fascista... Cada vez me- fitados de alma da vida interior de Papini. Contudo,
Papini diz: "todo o meu ser que se renovou com o
nor . . .
morno à Verdade — não pôde deixar de aborrecer
"Ambições enormes e renuncias precipitadas".
|udo o que Gog acredita, diz ou faz".
E ' incrível o egocentrismo desse orgulho, dessa
60 MARIA L A C E R D A DE MOURA
C L E R O E FASCISMO 51

Mas, Gog é uma daquelas criações de Papinii Alimentar paralelamente à difusão do meu inconfu-
"os loucos e os delinquentes que não viveram num
lAvrl livro. Quando essa liga de desesperados abran-
e querem viver em m i m " , é criação de uma dessas ho»j
Baac a humanidade inteira, designar-se-ia então o
ras de "fúria devoradora".
grande dia: o f i m " .
O capitulo "Limpeza dificil" de Gog, "a ma«;
Isso não é a loucura, a degenerescência de Gog
tança total da nossa espécie como uma missão de as-
•Ucm fala: é Papini, muito antes de Gog.
seio urgente, como um dever" — "o assassínio uni»
" A ideia fixa desse apostolado foi, para mim,
versai — limpeza séria, integral, definitiva", esse ca-
'Imante tempos, o único pretexto para viver".
pitulo de Gog, cujas ideias, cujos pensamentos e sen-
A ideia fixa veio do período de desespero de
timentos Papini não aprova, segundo o seu prefacio,
Papini, entrou no período da sua feliz conversão ao
citação a que já fizemos referencia, — esse capitulo,
fctolicismo e continua em Gog, depois do seu ser
repetimos, já está, não apenas esboçado, mas larga-
mdo "renovado com o retorno à Verdade" católica
mente projectado em Un Uomo Finito, A Descober-
• fascista . . .
ta do Mal, n.° V I I I . Vejamos:
4 A semelhança entre Papini de Um Uômo Fi-
"Desgostava-me em Schopenhauer, a hostilida- nito e Gog, nesses períodos que acabo de citar, de
de ao suicídio. Eu, pelo contrario, para a ultima par- um e outro livro, semelhança? n ã o ; identidade, —
te da minha grande obra, preparei uma estóica pro- mio impede Papini de batisar Gog da seguinte ma-
posta de suicídio universal. N ã o por fanfarronice: neira:
não via outra sa*da. N ã o queria o suicídio indivi- "Quem conhece os meus livros" (convém repe-
dual, que seria, ridículo e inútil: queria o suicídio l i r ) , "principalmente os últimos, compreenderá que
em massa, conciênte e concordemente deliberado, dc piada de comum pode haver entre mim e Gog. Mas,
forma a deixar só e deserta a terra, a rolar inutilmen- nesse cínico, sádico, maníaco, semi-selvagem, lobri-
te nos céus". guei uma espécie de simbolo — para mim — da fal-
Exatamente como em Gog, "imaginava poder ia e bestial civilização cosmopolita", etc, etc.
fundar uma sociedade, que se deveria desenvolver ç O u Papini, nesse momento se esqueceu do ca-
62 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 63

pitulo citado, de Un Uomo Finito, ou conta muito T a l e q u a l . . . Ninguém melhor daria a pincela-
pouco com a memoria dos outros, ou ainda, sem "t! da como o próprio Papini, católico, fascista, da éra
ir tenção com que os espartanos mostravam aos filhoil mussoliniana.
um ilóta completamente bêbado" — Papini expõe, E, quando os lemos, alguns capitulos ardorosos
nú, o seu Gog interior . . . desse homem de fogo, lamentamos toda essa energia
Católico, fascista... e quer "fazer o mal de perdida numa obra de odio e destruição caótica, —
quando Papini tem um vulcão dentro de si, capaz de
Gog servir ao bem comum".
despejar a vida e o amor. Que lástima essa atitude,
Mas, o interessante é que (Un Uomo Finito)
esse cabotinismo!
acha que "o espirito d'annunziano começava então a
saturar e a deteriorar prematuramente a mocidade Podia ter sido um génio e não passa de um fas-
italiana". cista! Demais, cultiva, interna e externamente, o espi-
Mas, todos esses "génios" são irmãos gémeos... rito de destruição e odio, a irritação que fricciona as
feridas dos outros:
" N ã o resta duvida: temos o espirito militar. Não
vestiriamos, por todos os livros do mundo, a blusa do " N ã o me arrependo de ter sido demasiado fran-
soldado, mas, a guerra é o nosso oxigénio, e cada asse- co e briguento. N ã o sei ser util senão atormentando,
dio é uma festa e quizeramos que cada palavra fosse não posso amar senão despresando." (Un Uomo Fi-
um tiro à queima-roupa e cada ideia explodisse como nito.)
uma bomba de fortaleza. Mas o exercito regular nos Para Papini, "a mulher é, por sua essência e ne-
repugna. Somos pelo voluntariado, pelos bandos ar- cessidade, uma parasita, uma exploradora, uma ladra."
mados, pelos salteadores, pelos livres guerreiros das Devem ter sido nesse estilo os amores de Papini. Tam-
praças que derrubam os reis, pelos cavaleiros errantes bém a mãe dele seria ladra? . . .
que buscam aventuras de espada como os Casanovas N a politica, sempre com a intenção de fazer
buscam aventuras de a l c o v a . . . " qualquer cousa de grande e heróico, Papini foi o re-
T a l e qual. . . "Penacho no chapéu e mão na es- dator-chefe do primeiro jornal nacionalista italiano,
pada — olhares de valentes e gestos de vilões". contra o socialismo. E cresceu na convicção da sua al-
C L E R O E FASCISMO 65
64 MARIA L A C E R D A DE MOURA

Comediante! Cabotino!
ta missão regeneradora e heróica. E quiz tornar-se gé-
"Aqui jaz um homem que nad poude ser Deus."
nio e s a n t o . . . Fez novos projetos de obras colossaes,
acima de todas as obras-primas da literatura, maior E que, por isso, e apesar disso, não se irrita "con-
que a de Dante, maior que Fausto, imensa e "os ho- ii i i imbecilidade e a malvadez dos homens que im-
mens deveriam tremer, lendo, vendo, ouvindo a mi- lldiram o florescer e o frutificar do meu espirito e não
nha o b r a . . . " k l concederam o triunfo que talvês merecesse." ( O
Depois, quiz "a teoria-instrumento, a ideia-mar- |rifo é de P a p i n i . . . )
télo, a filosofia industrial, a exploração prática do es- E' sempre o mesmo delírio de orgulho e grande-
pirito" — para criar o homem vivo! . . . ti\ despeito e "volontà di potenza".
Mas, aqui vae a confissão: " n ã o venci porque
Filosofia industrial! Exploração prática do espi-
l i o tive sempre em mim, em todos os momentos, co-
rito! Para fazer Deuses! . . . Parece incrivel, e é esse
homem considerado "génio", filosofo, condutor da ju-
• 0 eixo da minha vida, como fogo central da minha
ventude! Sim: — da juventude fascista . . .
uma, o sonho que eu engrandecia com as palavras".
Aflora ,o grifo é nosro. Eis aí a verdade nua e crua:
Papini quiz criar Deuses, Homens-Deuses, com
fez literatura, terçou palavras, malabarismo. Nada de
a sua filosofia industrial. Foi mais longe: quiz tam-
innho. Nada de ideal. Palavras para impressionar aos
bém criar uma nova Religião. Foi ainda mais longe:
outros e a si mesmo. Palavras para se convencer da
"O meu fim imediato era um só: aumentar ao infi-
I nialidade. Palavras para convencer aos outros da sua
nito o poder da minha vontade, fazer de modo que o
Miiceridade. Palavras, palavras, palavras . . .
meu espirito pudesse mandar nos homens e nas cou-
E' o mesmo Papini quem confessa: "Mas, por
sas, sem necessidade de átos exteriores. Isto é: fazer
me deverei continuar a embrulhar a mim e aos ou-
milagres. Nada mais."
tros?"
E procurou as práticas do espiritismo, da teoso-
E todavia, continua . . .
fia, do ocultismo, subiu a montanha como Zarathus-
" . . . e fui procurar até as palavras de espirito dos
tra, mas desceu vasio como s u b i u . . . Assim falava
fernaes."
Papini...
66 MARIA LACERDA DE MOURA
C L E R O E FASCISMO 67

E o grande filosofo confessa ainda: "E deixei*


tado e esboço para os meus semelhantes uma vida
me vencer pelo corpo e pelo sensualismo. E comi de«^ itaria, austera, desdenhosa, nobre e idêntica à de
mais, tanto que não podia trabalhar por muitas horas,! iguel Angelo?"
e bebi tanto que fiquei naquele estado de agradável 1

Verdade: — "traidor de mim mesmo".


bebedeira em que nada parece sério e tudo parece fa-
cil, alegre e distante, e perdi horas e horas, e tardes e Só teve uma coragem: a de confessar. Isso mes-
noitadas, ao lado das mulheres, abraçado, aquecido, mo para ser considerado o génio que falhou por sua
bemaventurado." própria culpa. Ainda por orgulho:
E' a confissão católica: absolve-se com palavras "E não se diga que não sinta a infâmia dessa du-
e continua no mesmo estilo, desde aí até Gog. Não. v i d a . . . para adormecer a vergonha, a ela me
Gog é a segunda edição de U n Uomo Finito, correta, ' Inandono e nela me enlameio. Encontro um pouco de
anotada, revista, aumentada. lonsolo na confissão, quando reflito, no espelho das
Confessa ainda: para matar o tempo, para esque- palavras apressadas, a minha vergonhosa imagem de
cer, "encho às pressas, dez, vinte, quarenta folhas Ifaidor de mim mesmo, para que todos a vejam e nela
brancas com os meus desabafos, com os meus átos de fli.spam, e julgo-me perdoado e salvo e levanto-me com
contrição, com os meus requintados e espirituosos ab- ftr de triunfo, como si a desgraçada exibição me tives-
surdos." •e purificado e transformado.
São esses os mestres da juventude italiana!
E, no dia seguinte, recomeço como antes: deito-
Mas, é interminável ,é preciso citar o livro todo:
'•i< > om a cabeça vasia e a boca amarga e vivo até de
"Mas, que quereis que produza um homem que (
koitc da mesma maneira como confessei, tremendo, no
vive entre o sono e o café, entre a mesa e a cama, des- uIn anterior. E volto, aí de mim! quando não suporto
preocupado e dorminhoco, só capaz de desafiar, mas] pais essa situação, a despejar convulsivamente pala-
covarde em fuga no dia da verdadeira batalha? E le-, B l l nos papeis e a cantar, em versos de infinitas sila-
vantando-me dos lençóes quentes ou das cadeiras esto- • I , a tristeza do céptico heróe que vê as cousas huma-
fadas, estrilo como uma águia porque o espirito é in- om olhos divinos e sou por tal forma abjeto que
MAKIA I A( l'l<DA Dl MOURA
C L E R O E FASCISMO 69

nem uma vez me ocorre a ideia de jogar arsénico té


• R i . porque, como D'Annunzio, como todos os su-
meu louro chá prodigamente adoçado".
|»n elefantes da cultura e do imperialismo, despresa
Digno filosofo do fascismo!
f j i multidões, entretanto, anseia pela "volontà di po-
A alma "Balilla", a juventude fascista vae mfl Hflya", anseia por "derrotar, arrebatar" a multidão.
dando-se por essa filosofia de cordel.
Assim, todos esses tubarões da intelectualidade
E* um simbolo . . . denominar Papini — gran^
^ P t a m e precisam das galerias para os aplausos. A
filosofo. Pensador notável! Mestre da juventude iti
mlnlão dentro de si mesmo e o desejo de poder, de
liana!
luminar as massas — são cousas absolutamente in-
A que degradação chegou o género humano! 1
compatíveis. Mais uma vez, Papini abusou das pala-
êle mesmo quem a descreve enojado, envenenacl
vras . . .
aborrecido:
Parque Papini confessa desejar ser "o soberano
"E, no entanto, todos me procuram, todos \\\t\ Universal, uma espécie de semi-deus terrestre, senhor
querem falar, todos perguntam por mim a mim e a • U céu e da terra, vencedor da matéria e da morte,
outros." dono dos homens e dos espíritos".
E enumera e cataloga todas as múltiplas nuanc Filho de Z e u s . . . o próprio Zeus.
dà curiosidade pública dos inúmeros admiradores <J
Nunca a filosofia desceu tão baixo!
"génio", da "força prepotente e arrebatadora do meu
E' a filosofia fascista: "poder tudo, absoluta-
génio", ess? curiosidade e essa admiração que desej
phente tudo. " O meu único amor era o do poder; uni-
ver o escritor dansar de urso para os seus convid
• fim, o poder; extremo sonho, o poder." Poder e
d o s . . . ou na sua companhia, afim de mostrar ao p
pnio:
blico que o "génio" faz parte das suas relações . . . Is
"Toda a minha vida assenta nesta crença: que eu
é comum, é de todos os dias. E quando o escritor ná
Hja um homem de génio."
dansa de urso para os salões da burguesia, é atacado
Confessa a sua ignorância, confessa a sua incul-
com todas as armas, inclusive a do silencio. Mas, Pa-
p r a ou a sua superficialidade, o desbarato de leituras
pini finge que não gosta, que despresa essas homeruu
ftíio digeridas, "e, contudo, tive o coragem de querer
70 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO -1

ensinar os homens, de querer improvisar-me mestreJ H o somente este, um dos suplícios da minha dura
de traçar aos outros, caminhos e atalhos/' •xistencia". E' também o suplicio de G o g . . . T a l e
E toda gente continua julgando-o grande filoso- (Miai. Vejamos, mais de perto,
fo, grande pensador, grande homem! U m génio!
Como é infinita a imbecilidade humana, como, GOG.
é desprezível o servilismo social!
Papini não apresenta Gog "aos leitores de hoje,
E' porque o amor de Papini "é feito de cuspo»
fom a mesma intenção com que os espartanos mostra-
e de pancadas". Êle sabe que "a humanidade é dos
vam ao filhos um ilóta completamente bêbado".
violentos", não quer apóstolos — prefere os maga.
N ã o . Papini não faz apenas isso. E ' um come-
refes, os tropeiros e os capatazes de manganelo em
diante, um cabotino ao escrever esse prólogo e esse
punho e a faca entre os dentes, salteadores e hordas livi 0.
dos assalariados das expedições punitivas . . .
N ã o fez como Flaubert (Mme. Bovary), como
Papini desejou poderes ocultos, revelações, inspi-
«olá ( N a n a ) , como Victor Marguéritte (La Garçon-
rações sobrenaturaes, quiz que Deus falasse pela sua
nr) — mostrando a realidade de tipos da civilização
boca — para escrever um livro santo. Horas a fio es-
moraliteista e farisaica, apontando até aonde podem
perou pelo milagre — para ser único e dominar o
Ir os crimes nefandos desta sociedade de caftismo e
mundo inteiro pelo seu génio divino!
•empirismo. N ã o . Papini não se limitou a estudar t i -
Que grande filosofo! . . . ftos degenerados. Papini exagerou, deformou, criou,
"Os gregos com o seu "conhece-te a t i mesmo" mliivou, aumentou até o inverosímil, uma monstruo-
e Ibsen "sê tu mesmo" me irritam de modo incrível.' idade — para deformar, degenerar, embrutecer o ce-
Sim, seria mais fácil o milagre, a revelação, ser lebro e o coração desta geração de exgotados da guer-
o interprete diréto da palavra de Deus! . . . Isso é quí M, geração esfalfada na decadência da civilização da
é filosofia! ivolontà di potenza" das hostes imperialistas à ro-
E ' a razão por que Papini se desesperava: "devo Mi. ma.
viver para sempre, como um desconhecido. E é este, e Esse trecho do prólogo de Gog é a negação das
72 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 73

ideias de Papini — expostas nas paginas anteriores. rcs notabilidades mundiaes — e Papini, em todo o seu
Papini fascista, sabendo que "lTtalia cToggi" pratica livro, não fala uma única vez em Mussolini! . . . As
barbaridades descritas em Gog, cúmplice dessas tortu- duas palavras: fascismo e Mussolini — não existem
ras macabras, é a negação do Papini que escreve um no seu livro. E ' livro também para uso externo: educa
prólogo e faz um livro macabro — para produzir sen- a mocidade fascista e, cá fora, d á a impressão de estar
sações de ferocidade no cérebro dos jovens italianos, alheio ao fascismo... E ' bem o carater de Gog.
cuja saudação à romana é feita com um punhal na Esse livro é um hino ao imperialismo do crime,
mão alevantada. O Papini, autor de Gog, livro de um hino à tirania, estímulo ao desrespeito à vida hu-
agora, (de depois da sua feliz conversão ao catolicis- mana. Descreve, friamente, a crueldade — como meio
mo) é o mesmo Papini de " I I Regno" (1903), conde- Be diversão.
nando os sentimentos "piegas e vis de humanidade",
E, si Papini é fascista, si não protestou contra as
a favor da guerra "como meio rápido e heróico de
barbaridades de "PItalia d'oggi", si acha que "a guer-
poder e riqueza", afirmando que "a vida humana não
[ f l c o quente banho de sangue" purificador, si está
é cousa sagrada", ensinando e exigindo o respeito aos
. ou vencido de que se respeita de mais a vida humana
jesuítas c o desrespeito e desdém à vida . . . dos outros.
»- não vejo motivos para a defesa da sua integridade
E ' da psicologia do criminoso voltar, de certo, moral no aludido prefácio, ainda mais quando lemos
ao lugar do crime. Papini descreve as monstruosida- o pensamento alucinado de Gog, sentindo-se humilha-
des do fascismo, sem falar no fascismo . . . Está habi- do — porque a sua "volontà di potenza" e a sua cruel-
tuado à tirania e ao despotismo. A sua alma é impe- ••de não podem atravessar os espaços e o tempo e ir
rialista. A sua "volontà di potenza" transpira em cada para além do eterno e do infinito — destruindo os
frase dos seus livros. D a í : — Gog. • f f c os mundos — para se divertir. O gozo desse
Mas, notável e curioso: Papini fala pela boca de •dico feroz consiste em tripudiar por sobre as des-
Ford, de Gandhi, Einstein, Freud, Lenine, Wells, u n i , ões e os sofrimentos, inventados e executados
Bernard Shaw, Knut Hamsun, Edison, deformando • m a perícia e a paciência de um chinês, fantástico
sempre, isto é: Gog pede entrevistas a todas as maio- Ra sua barbaridade de carrasco milenar de raça.
74 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 75

Demais, Papini diverte-se em falsificar, em de- lonho e destróe pelo prazer de destruir e aniquilar.
turpar, em falsear os princípios ou as ideias dos ou- 0 seu livro é uma escola de crimes.
tros. E, aqui e ali, coloca o italiano nestas a l t u r a s . . . Diz, por exemplo, de Lenine:
Mazzini foi o profeta de Gandhi! — Os extrangeiros e os imbecis supõem que se
E' incrível a sua petulância ao deformar Pitá- criou aqui alguma cousa de novo. Erro de burgueses
goras! Simplesmente revoltante. cegos. N ã o se pôde governar cem milhões de brutos
Sua alta inteligência sabe escrever paginas bri- icm o bastão, os espiões, a polícia secreta, o terror, as
lhantes e é esse o crime dos "super-elefantes" da cul- forças, os tribunaes militares, as galés e a tortura.
tura. Mente, engana, deforma, exagera, prostitúe, Os homens são selvagens espantosos que preci-
adapta, rouba — para ser "original" e realizar a har- inm ser dominados por um selvagem sem escrúpulos
monia ambiciosa entre a forma bela e a ação que avilta. romo eu. E como os selvagens são semelhantes aos
Escreve uma pagina admirável em torno de criminosos, o ideal precípuo de todo governo deve ser
Freud, por exemplo, mas, quer sempre tirar o mérito que o país se assemelhe, o mais possível, a um estabe-
dos outros, e elogia o que é baixo e v i l e rebaixa o que lecimento penal. A velha masmorra tzarista é a ultima
é nobre e puro. Cria um Gandhi vulgar. Mas, é pla- palavra da sabedoria politica".
giador de algumas ideias originaes de Gandhi. E por aí vai num crescendo de monomano da
Obsedado pelo fascismo (o fascismo é filho des- InuVa. E ' bem a ideia fascista.
sa literatura de "super-elefantes") alucinado pelo tipo Mais ainda. Diz o Lenine criado por Papini:
odioso de que Mussolini é o porta-voz, no capitulo — Odeio os camponeses, disse num gesto de
em torno de Lenine — desce à vileza de fazer falar isco, odeio o mujic idealizado por aquele ocidental
Lenine como si fosse Mussolini o entrevistado. Tem amolecido chamado Turguenev e por aquele hipócri-
prazer satânico em destruir, em estabelecer a confu- la fauno convertido, que se chama Tolstoi.
são — para que a juventude se intoxique de bestiali- Os camponeses representam tudo o que eu de-
dade e só procure sensações — despertando os instin- mito: o passado, a fé, a heresia, a mania religiosa, o
tos ferozes de vísceras e sangue. N ã o cria nenhum uabalho manual. Tolero-os e os acaricio, mas odeio-
C L E R O E FASCISMO 77
76 MARIA L A C E R D A DE MOURA

•egredo. Os sacrifícios humanos tinham alguma cousa


os. Quizera ve-los desaparecer, todos, até o ultimo.
de bom: um simbolo profundo, alto ensinamento,
Para mim, um eletricista vale cem mil camponeses".
uma festa saudável. E eu, em lugar dos hinos dos
E' o elogio a Marconi, o elogio à Itália ,o elogio
fiéis, ouço chegar até mim, o ganir dos prisioneiros,
ao italiano. Dos cientistas citados, quasi todos ita-
c dos moribundos e asseguro-lhe que não trocaria esta
lianos . . .
ninfonía pela nona de Beethowen. Esta sinfonia é o
Esse periodo equivale àquele outro de Marinetti,
< .mto anunciador da beatitude próxima".
recentissimo, em Lisboa, numa conferencia: "Ser ita-
Por esse trecho já se vê que não é apenas Gog
liano equivale a dominar todas as raças".
o m o n s t r o . . . T a l brutalidade emprestada a Lenine
Vejamos ainda Papini fazendo falar o seu
é a demonstração cabal de que monstruoso é o au-
Lenine:
t o r . . . E isso não é a ultima palavra. Papini requinta
— N ã o se esqueça de que o Bolchevismo repi>
rssa bestialidade noutros capítulos macabros em que
senta uma tríplice guerra: dos bárbaros científicos
n sua maldade congenital cria suplícios e inventa fór-
contra os intelectuaes apodrecidos, do Oriente contra
mulas de torturas inacreditáveis.
o Ocidente, e da cidade contra o campo. E nesta guer-
E sempre tendo a preocupação absorvente de
ra não vacilaremos na escolha das armas. O individuo
enodoar, de prostituir os sonhos ou as ideias dos
é uma cousa que deve ser suprimida. Quem resistir
outros.
será extirpado como uma pústula maligna. O sangue
E se exaspera da sua impotência deante do Cos-
é a melhor oblata feita à natureza."
mos e desejaria ser um Cosmocrátor para destruir.
"Além disso, no fim das contas, as antigas san-
Fala da "gangrena da civilização igualitária" porque
grias não era uma terapêutica m á para os corpos. Ha
o seu orgulho impotente chega a escalar o céu para
certa volúpia em sentir-se senhor da vida e da morte.
feri-lo. . . e seu "gosto pela destruição e pela humi-
Eu sou, si o quizer, um semi-deus local, acampado
lhação" é infinito e insaciável.
entre a Asia e a Europa e posso, portanto, permitir-
Deseja "a matança total da nossa espécie como
me alguns pequenos caprichos. São prazeres dos
uma missão de asseio urgente, como um dever" e es-
quaes, depois da decadência dos pagãos, perdêra-se o
78 MARIA LACERDA DE MOURA C L E R O E FASCISMO 79

tabelece o seu plano para o "assassínio universal". " A Idade Média foi, para o mundo branco, a
Imagina explosivos e gases venenosos, minas. J á se vê •finde época do homicídio legal. A roda, a lapidação
que é pobre a sua imaginação. . . Depois, descreve as m o esquartejamento eram operações requintadas e que
dificuldades para se ver livre da "repugnância das litigiam certa habilidade. Mas, os antigos não fica-
recuas humanas" e lamenta: Vflin atrás. O suplicio de Mesenzio, embora pouco
"Devo, com um sentimento infinito, renunciar a H l d o , era generalizadíssimo, e a ideia de Nero, de
essa benéfica ideia, e sabe Deus quando poderá a ter- transformar, com pixe, os corpos humanos em tochas,
ra ver-se livre dos seus repugnantes parasitas. Sinto pio merecia ter sido abandonada. O fogo é, para
o remorso da minha impotência, da minha pobreza. E mim, um dos mais perfeitos instrumentos da justiça.
vejo-me reduzido a imaginar, como num sonho, a cena Sob o ponto de vista do aniquilamento total, nada se
estupenda e espantosa. Bem pouco para a minha pe- Iguala a uma fogueira bem preparada, feita de lenha
rene repulsa". Mainosa e bem arejada. Tem qualquer cousa de clás-
Essa é a literatura permitida à juventude fascis- •CO, de poético, de grandioso, que apraz aos olhos e
ta, enquanto é proibida a tradução do livro de Remar- A fantasia. Os suplícios que ficaram mais profunda-
que e o film "Nada de novo na frente ocidental". mente impressos na memoria dos homens foram aque-
Ifi que a chama presidiu. As grelhas de São Lourenço,
O sonho de Gog é bem maior, bem mais vasto
• pira ardente de Joana D ' A r c , a fogueira de Savana-
que o sonho de Nero reduzindo Roma a cinzas —
k l a : grandes paginas de heroísmo e de historia.
para queimar a plebe.
N ã o quero com isso afirmar que o machado não
Tem a nostalgia do verdugo, a reminiscência con-
iniha também os seus méritos. Criava uma relação
genital da r a ç a . . . dos Calígula, Heliogabalo e dos
Ureta e, quasi diria, intima entre o verdugo e o con-
Borgia. N ã o admira que, nas prisões da Itália fascis-
• Ir nado.
ta, se tenham resuscitado as torturas medievaes. No
capitulo em que Papini fala dos suplícios abolidos e N o nosso oficio, o sentimento é uma grande des-
do verdugo como artista, cita as palavras do "verdu- untagem.
go nostálgico": N ã o compreendo por que ha já tanto tempo que
80 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 81

não se usa a crucificação: era um suplicio bem longo (


Vãmente cortar a orelha direita, as nádegas, a mão es-
bem doloroso e, principalmente estético. querda, a perna direita, o lábio superior, os dois seios
As execuções, especialmente na Europa, fazem-, • o braço aleijado. O paciente não gritava. Só gemia,
hoje, nos pateos das cadeias, quasi sem ninguém, fur« b l v e z houvesse desmaiado. Só no final lhe foi cor-
tivamente, como si a justiça se envergonhasse das suai tada a cabeça. Si os requisitos essenciaes da p3na de-
sentenças. vem ser a durabilidade e a variedade do tormento, pa-
As pirâmides de cabeças que Tamerlão ia dei» fcee-me que o primeiro lugar deve ser concedido ao
xando aqui e ali, como lembrança da sua passagem,! • l facas. Fiz-me amigo daquele verdugo. Era o Es-
não deixavam de ter certa beleza, mas as maneiras a i lado quem lhe entregava um cadáver vivo e lhe orde-
matar eram preferivelmente comuns e desprezíveis. O "ava que livrasse a terra da presença dele".
"suplicio das facas" é, para mim, uma das obras pri^ Quando a literatura de um povo chega a esse
mas da nossa profissão. Pelo menos foi o que me de « r e s p e i t o à vida humana, a tal requinte de cruelda-
xou uma impressão mais profunda: merece ser vistoJ |e na filosofia . . . é que o Estado está fascistizado . . .
Talvez não saiba, em que consiste. O condenado apa« é que a civilização já é fascista. Depois disso, quem
rece amarrado a um poste e deante dele está o verduj | | pôde admirar das barbaridades, denunciadas por
go com uma espécie de cesto coberto por um panoJ Harbusse, na Itália de Mussolini?
De quando em quando, o executor mete a mão n<» Depois disso, quem se admira de que os verdu-
cesto, sem olhar, e tira uma faca, lê a palavra que estai go» fascistas, antes de matar Matteotti, tenham-no su-
gravada na lamina, e, segundo o que vê escrito, opéj nluiado — começando por lhe cortar os órgãos se-
ra. N o cesto ha tantas facas quantas são as partei llaes?!...
do corpo e cada uma leva a sua inscrição correspo • l o falei nos capítulos trágicos ou macabros desse
dente. • j f o criminoso de um Cosmocrátor cujas fantasias
N a primeira apanhada pelo verdugo devia te titan e apetites de Briaréu assim se exprimem:
escrito "pé direito", porque foi este o primeiro mend "Penso, às vezes, que a Asia podia ser a minha
bro que eu v i cortar no paciente. A seguir, v i sucesiM Jlitoria, a Africa o meu campo de caça ou o meu jar-
82 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 83

dim de inverno, a America do Norte a minha fábrica] aeparar a Europa da Asia por meio de um canal desde
com as administrações anexas; a do Sul, os pastol' o mar de Bósnia ao Caspio, obrigar todos os homens
para os meus rebanhos; a Europa, o meu museu e d A falar e a escrever uma só lingua, creio que por dois
minha vila de descanso. Mas, seria sempre uma ma- ou tres anos conseguiria fazer desaparecer o meu per-
neira mesquinha de viver. Ter o Atlântico como pis- petuo aborrecimento".
cina, o Pacifico como pescaria, o Etna como estufa, Destruir uma raça: Gog-Hitler. Isso é fascismo.
tomar ducha sob o Niágara, possuir a Austrália como Termina esse capitulo, formulando o desejo vul-
jardim zoológico e o Sahara como terraço para os ba« gar de todos os que, pertencendo à "populaça de
nhos de sol, são cousas que pareceriam às estúpida* baixo", desejam fazer parte da "populaça de cima",
criaturas que se alojam nesta esfera de quinta granV passar de cordeiro a lobo, de explorado a explora-
deza, portentosas ou monstruosas". tlor, de escravo a senhor. Nada mais medíocre, nada
N ã o nos podemos admirar, deante disso, que 01 lUais comum, nada mais vulgar. E é essa vulgarida-
fascistas queiram dominar o mundo e fazer dele uma: de que quer passar a Cosmocrátor. . . Vejamos:
feitoria. Mas, o Cosmocrátor vae mais longe:
"Ser-me-ia agradável também ter em minha casa,
"Para mim, entretanto, eu desejaria um pouco no a minhas ordens, um Presidente de Republica
mais. Ser o Cosmocrátor supremo, o diretor da vida romo dactilografo; um Rei qualquer como chauffeur,
universal, o engenheiro chefe do teatro do mundo, 0, ma Rainha desthronada como cozinheira, o Kaiser
grande prestidigitador das terras e dos mares: esta orno jardineiro, o Mikado como porteiro, e, princi-
seria a minha verdadeira vocação. N ã o podendo, po« palmente, ter a meu serviço, como ídolo domestico e
rem, ser o Demiurgo, a carreira do Demónio é a única falante, um Dalai-Lama, isto é, um Deus vivo. Com
que não deshonra um homem que não faz parte do que volúpia eu descarregaria sobre esses grandes, re-
rebanho. duzidos a escravos, a desesperação da minha insupor-
Si eu pudesse, por exemplo, desencadear a forni tável pequenez!"
num continente, fragmentar em republicas de Sao A í está o fascismo. Papini se diz revolucionário!
Marinho e Andorra um império, destruir uma raça, Itatifiçado pela violência, inflado de orgulho, para-
84 MARIA L A C E R D A DE MOURA
C L E R O E FASCISMO 85

noico de volontà di potenza, o fascismo só olha pari


Os poetas, idiotas como crianças, se extasiam
a terra na volúpia da tirania e do mandonismo. E, invl
tirante dos vagalumes errantes do infinito. Para mim,
potente para subjugar toda a natureza, revolta-se conr
iqtie, por fortuna ou por desgraça, não sou nem ver-
tra tudo e contra todos, na desproporção fantástica
llficador nem místico, o céu é apenas o velario sinis-
entre as suas pobres possibilidades de pigmeus e .1
mo onde leio todas as noites a sentença da minha irre-
transcendência das leis naturais que movem os mun«|
mediável nulidade".
dos espalhados pelos espaços interstelares.
Papini, ou Gog, define bem a humilhação dessl E' esse orgulho fantástico de "superelefante" do
impotência — no odio a tudo que está fora do alcanctj dominismo que o leva à criação de um ideal de em-
paranóico desses Cesares de Carnaval: • utecimento, ou imagina o "triunfo do apostolado
|0 embrutecimento total da humanidade" que voltará
"Odeio o céu. E com a pior espécie de ódio: conv
A caminhar de quatro, a caçar para comer, despeda-
o ódio impotente. N ã o sei como vingar-me e feri-lo.]
çando com unhas e dentes a presa e comendo-a no
Tolero o sol bestial, com a sua cara de fogo cheia de
ligar do sacrifício, fumegante e sangrenta, a luta cor-
manchas, por causa da sua utilidade, mas a noite, ali
poral de "animaes livres sob um céu livre". Mas o
estrelas! O infinito não me aterra: desagrada-me e mel
rmbrutecedor diz: "como todos os redentores, eu me
faz mal. Para sofrer a humilhação da minha peque-1
devo sacrificar para a felicidade dos outros. D a mes-
nez, bastava a terra| A provocação do céu estrelado]
in.i forma que a Moisés, foi-me dado entrever a terra
é desproporcionada, prepotente, vergonhosa. O céu <•'
prometida, mas eu não devo entrar. Si não fora assim,
uma injúria perpétua e insuportável. As nebulosas,
bem dirigiria a imensa operação de contra-domesti-
amontoados confusos de poeira cósmica me exasperam
< i«;ão que ideei? Quem difundiria a palavra de salva-
como todas as cousas informes e não acabadas. Ima
ção? Eu sou o contrário do domador: devo transfor-
gino que os astrónomos são homens sem fantasia r
mar os civilizados em selvagens. E, si o domador deve
sem dignidade, incapazes de sentir o insulto perma»
l | um pouco feroz para dominar os ferozes, eu estou
nente das constelações refugiadas no fundo dos deser»
Mindcnado a conservar-me inteligente para suprimir
tos do espaço.
a inteligência".
86 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 87

A í está a obra de Papini. Gog é um simbolo.., A. Niessel, relativo à Conferencia do Desarmamento


O embrutecedor não será o fascismo — cujas legiõci I cm torno das
saúdam com o punhal na mão direita? . . .
MILÍCIAS FASCISTAS.
O orgulho de dominismo, não podendo escalar
os céus, procura transformar os humanos em férai " A organização e a educação fascistas não se
para se dar ao prazer do domador: em uma das mãol propõem somente assegurar a solidez do regime; o seu
o manganelo, o punhal entre os dentes e na outra o Im é fazer do cidadão ligado ao Estado, um soldado
oleo de ricino. Impregnado de espirito militar, dedicado ao exercito
E, com uma pirueta literária, esses cabotinos da como à pátria. " O espirito militar, escrevia recente-
intelectualidade, esses prostituídos, os Judas dos 30 mente o sr. Rocco, ministro de Justiça, propaga-se de
dinheiros, sabem escrever também trechos delicados fBovo na Itália e penetra através do mocidade fascista
— para se apresentarem aos olhos dos moraliteistas • m rodas as classes do nosso povo". Para consegui-lo,
como a fina flor da nobreza espiritual. i l organizações fascistas tomam as crianças desde a
ficola, conservam os rapazes atá a sua entrada no ser-
Mas, lá está Papini, na Itália fascista, ao lado
viço militar, enquadram-n'as de novo à saída deste e
de Mussolini, na operação selvagem do embruteci*
conservam os homens enquanto são aptos a servir mi-
mento de duas ou tres gerações de italianos fasdsti-
litarmente ou civicamente.
zados. Si Ferri, esse "palhaço de feira", também não
Por uma lei de 3 de Abril de 1926, a "Obra Na-
se tivesse prostituído, poderia adicionar o nome de Pa-
cional Balilla" (Balilla foi um joven genovês que em
pini aos nomes dos delinquentes na Arte e na Lite-
1746 deu o sinal de rebelião contra os austríacos),
ratura . . .
realiza obrigatoriamente a incorporação das crianças.
E ' filha dessa brutalidade, a organização militar Bm 1928, as organizações católicas independentes fo-
fascista. A propósito, como conclusão ao livro dc i.nn dissolvidas. Em 1929, a obra Balilla foi incor-
Papini, extrairemos da "Revue de France" de 1." de porada ao Estado fascista, anexando-se-lhe a maior
Setembro de 1932, alguns trechos do artigo do Gal. barte do ensino post-escolar técnico e agrícola. Essa
88 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 89

obra depende do Ministério da Instrução Pública, e esporte, manobra militar; os rapazes começam a apren-
tem em cada província um "comité" provincial que der o manejo do fuzil e da metralhadora.
centraliza tudo quanto se refere ao seu funcionamento, j A partir de 18 anos, os rapazes podem entrar
As crianças são divididos em duas categorias: 01 nos "fasci" juvenis, ou dirétamente nas fileiras da mi-
Balillas, de 8 a 13 anos inclusive; os vanguardeiros, licia voluntária, até o fim do seu serviço militar. Esses
dos 14 aos 17 anos. Meninos e meninas formam uni- "fasci" foram criados em 1930. A 30 de Outubro
dades distintas, articuladas em quadros (11 crianças desse ano havia já 260.000 rapazes inscritos e orga-
e um chefe), manipulas, centúrias e coortes (bata- nizados, e a 4 de Novembro tomavam parte numa re-
lhões) ; 3 a 5 coortes constituem uma legião. Ha vista em que prestaram o juramento fascista. Os ra-
atualmente 762 legiões, algumas das quaes compor- pazes formam pelotões de 25 homens, formando-se
tam centúrias de futuros marinheiros e futuros avia- uma centúria com 3 a 5 pelotões. A reunião dos pelo-
dores. Os Balillas são dirigidos por professores; os tões e centúrias locaes forma um faseio. O seu efetivo
vanguardeiros por membros da milicia de segurança, i cresce rapidamente. N o fim de 1930, já contavam
O efetivo desses instrutores orça por 6.050 oficiaes e 308.000 membros, dos quaes 218.000 provenientes
38.500 graduados e instrutores. Além disso, 400 pro- das vanguardas. Hoje são 1.200.000 divididos em
fessores oriundos da Academia fascista de cultura fí- j 6.700 "fasci". Recebem uma instrução militar com-
sica se ocupam especialmente com o ensino dos es- pleta, de sorte que os "fasci" juvenis constituem já
porte?. verdadeiras unidades militares.

As diversas categorias compreendem atualmente, Em seguida, o general A . Niessel trata da mili-


em números redondos: meninos, 940.000; meninas, cia voluntária de segurança. Todos os membros do
640.000. Vanguardeiros: rapazes, 390.000; raparigas, partido fascista se agrupam em "fasci" da milicia or-
100.000. Total, 2.070.000. Esses números aumentam dinária que só serão chamados no caso de necessidade.
de ano para ano contando-se chegar finalmente a 5 Ha as "milicias fascistas universitárias" às quaes se
milhões de meninos e adolescentes italianos. Todos os acha filiada a maior parte dos professores e alunos,
domingos, as crianças se reúnem para fazer ginastica, constituindo cada universidade uma coorte, cujas cen-
90 MARIA LACERDA D E MOURA C L E R O E FASCISMO 91

turias correspondem às diversas faculdades (direito, E não é sem razão que Marinetti foi nomeado
medicina, engenharia, e t c ) . H a a "milicia ordinária", por ato oficial, membro da Academia de Letras Ita-
que compreende: só na Itália continental, 138 legiões lianas . . . T a m b é m Marinetti desafia o mundo, desa-
com um efetivo de 300.000 homens. Cada legião se fiando ao género humano.
compõe de várias coortes (batalhões) de infantaria,
Diz Marinetti:
com uma companhia de metralhadoras. H a os "bata-
lhões divisionários dos "camisas-pretas", as "legiões" " A Itália é divina. Os antigos romanos, tendo
da milicia colonial", a "milicia territorial de defesa vencido a todos os povos do mundo, o Italiano de hoje
anti-aerea", a "milicia dos ferroviários", a "milicia é invencível. O Brenner não é o ponto de chegada,
dos portos", a "milicia dos correios e telégrafos". mas, um ponto de partida. O ultimo dos italianos vale
E ' inacreditável, fantástico, infinito o crime ino- pelo menos mil estrangeiros. Os produtos italianos são
minável dessa horda de embrutecedores. os melhores do m u n d o . . . A Itália tem todos os direi-
Vejamos outro "superelefante": tos, pois que, ela guarda o monopólio absoluto do
génio criador. Cada estrangeiro deve entrar na Itália
MARINETTI. religiosamente." (Pierre Dominique — "Les Fils de
La Louve").
O pai do futurismo acha que a única higiene do
Esse é o espirito fascista italiano. D'Annunzio,
mundo é a guerra.
Papini, Marinetti, Pirandello, todos imperialistas, to-
N ã o é, pois, de admirar, que os Ministérios da
dos sacerdotes e apóstolos neo-pagãos da "Deusa Ro-
Guerra, Marinha e Aeronáutica, na Itália, acabem de
ma". E todos c a t ó l i c o s . . . todos, instrumentos do je-
resolver organizar concursos com o fim de exaltar as
suitismo avassalador.
figuras de guerra e as vitórias conquistadas em con-
flitos armados. Serão premiadas, no concurso, as me- Marinetti, depois de reformar a moda e a cozi-
lhores obras escritas com a maior simplicidade de lin- nha, reforma também a música.
guagem, referentes aos soldados ou oficiaes que te- "Lu" de 23 de Março de 1934, estampa, na pa-
nham tombado nos campos da luta. gina 12 um artigo assinado por Marinetti e Aldo
C L E R O E FASCISMO 93
92 MARIA L A C E R D A DE MOURA

d) Condenamos a utilização dos cantos popula-


Giuntini, transcrito da "Gazzetta dei Popolo", de Tu-
res que conduziu espíritos tão perspicazes e cultivados
rim, sob o titulo:
como Strawinsky e os talentos mais inspirados como
" Música-Minuto". Pratella e Malipero, longe de toda síntese, a um pri-
mitivismo artificial e monótono de almas e de tempos
Vejamos alguns períodos interessantes: laboriosamente exumados à força das n o t a s . . .
"Nosso temperamento futurista, acelerado pelo A música futurista, expressão sintética do gran-
dinamismo da civilização mecânica atingiu a uma hi- de dinamismo económico, erótico, heróico, aviador,
persensibilidade sedenta de essência, de rapidez, e dc mecânico, será uma música curativa.
decisão categórica.
Teremos os tipos seguintes de sínteses, as quaes
O movimento futurista criado pela síntese dc nos levarão a viver de maneira sã em rapidez, a voar
inovadores italianos afetados de originalidade e dc t a vencer a maior guerra de amanhã.
rapidez, ensinou e continua a ensinar a religião da ra-
O bloco sonoro dos sentimentos. O relâmpago
pidez, isto é, o esforço de sintetizar a terra por cima.
decisivo. O acordo espacial. A interrogação berrante.
Criámos a nova aero música futurista, cuja lei
A decisão emoldurada de notas. A regularidade do
é a síntese-brevidade além das músicas.
motor aéreo. O caprico do motor aéreo. A compene-
N ó s , poetas e músicos futuristas:
tração de notas alegres. O triangulo dos cantos sus-
a) Condenamos a música pela música que con- pensos a mil metros. A ascenção musical. O leque
duz fatalmente ao fetichismo da forma anteposta, ao fresco das notas sobre o mar. A simultaneidade aérea
virtuossimo e ao tecnismo. O virtuosismo e o tecnismo dos acordes. A expressão anti-humana e anti-impres-
afastaram da síntese Bach, Beethoven e Chopin e pre- lionista das forças da natureza. O casamento dos ecos.
garam seu génio em uma procura maníaca de arqui-
Músicos italianos, sede futuristas, cuidai e reju-
teturas musicaes e de música pela música, dispersando
venescei as almas de vossos auditores por meio de sín-
e arrefecendo o ardor emocionante, os temas e os fla-
teses musicaes rápidas (não passando de um minuto),
grantes no meio dos desenvolvimentos aborrecidos e
excitando de maneira fulminante o orgulho optimista
das repetições deprimentes . . .
94 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 95

e ativo de viver nesta grande Itália mussoliniana que é um criador. E ' um génio da sensação, mas ,não criou
está, de agora em deante, à frente do século da má- cousa alguma".
quina". Quanto ao fascismo: "nada lhe deve, diz Piran-
Toda essa tirada marinettiana pôde ser resumi- dello, senão palavras. Mussolini é o homem que, na
da em tres palavras: imperialismo, aeroplano, guerra. icalidade, criou com a vontade do próprio espirito.
Tudo quer dizer a mesma cousa: éra mussoliniana, a Falo desapaixonadamente! Quando muito, d'Annun-
conquista do mundo pela Loba fascista. yio é um aventureiro da arte como da vida. Êle mes-
E' vasta a documentação em torno desses pa- mo o confessou". Conclúe: " M i ricorda i l Byron, che
lhaços trágicos. Mussolini, nos "Colóquios" de Lu- non era letterariamente che un pompiere, eppure entu-
dwig diz que "Pirandello, talvez involuntariamente, siasmo i l suo secolo . . . " E mais: " N ã o nego o génio
compõe dramas genuinamente fascistas". E acrescen- particular de d'Annunzio, nego-lhe, entretanto, o di-
ta: " O mundo é como o queremos fazer, é nossa reito de atribuir a si mesmo o que não é seu. Êle quer
criação". aer o que não é". (Nino Daniele — "D'Annunzio Po-
As frases de Mussolini têm uma vasta significa- litico", São Paulo, 1928.)
ção para os filósofos . . . podem ser interpretadas fora Comem-se uns aos outros. Pirandello não fala
do tempo e do espaço. . . num simbolismo metafísico humanamente, fala fascisticamente. Prefere ficar com
de profundo alcance, entretanto o Duce fala a t o a . . . Mussolini: tem mais poder, está de cima e não é
e as suas frases bojudas nada signifciam. Mundo, no «>l icial do mesmo oficio . . .
sentido em que êle emprega é apenas sociedade... Entretanto, o artigo de Henry Prunières, diretor
civilização. Agora, a frase não vale mais nada! . . . de "La Revue Musicale", publicado no último núme-
Assim fala M u s s o l i n i . . . ro desse mensario, de Março de 1934 si me não en-
cano, fala do ópera de Pirandello e Malipiero, cheio
PIRANDELLO
le admiração e entusiasmo.
Voltemos a Pirandello. Este, ataca a D'Annun- Trata-se, parece, de uma obra-prima de arte, em
zio para exaltar Mussolini. Para êle, d'Annunzio "não que o valor de Pirandello e o de Malipiero se auxi-
96 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 97

liam mutuamente na realização de uma obra magni- "La favola dei Figlio Cambiato" — não pôde
fica, "verdadeiramente equilibrada e humana". • r a d a r aos fascistas. E ' anti-imperialista, é anti-fas-
Como os dois grandes artistas, compondo essa 'fllftta, é individualista — uma obra de arte, é humana.
maravilha de beleza, esqueceram-se de que eram fas- Para o Duce, para o fascismo, é uma "incon-
cistas, a nova ópera foi recebida na Itália com estron- grucncia moral" . . . Tem de sa r da cena italiana —
!

dosa vaia, e, no dia seguinte, o Duce, considerando-a • l e quer o teatro da grandiloquencia fascista da Ro-
uma "incongruência moral", mandou retirá-la da WU dos Cesares e dos P a p a s . . .
cena. Vejamos outro super-elefante.
N ã o ha tempo para descrever o libreto de Piran-
dello. Mas, em duas palavras, trata-se de um joven COPPOLA.
príncipe, horrorizado com a vida artificial que leva,
aspirando à liberdade e à vida simples e humana. Re- Coppola, ardente nacionalista italiano, porta-voz
conhece-se filho de uma pobre mulher que o reclama ilr Mussolini, pronunciou esta oração:
amorosamente como filho; consegue, assim, poder "Deus grande e justo que quizestes Roma, farol
evadir da corte. Despede os ministros. D á o seu lugar f pólo de todas as civilizações, vosso trono diréto, fa-
a um monstro que passa a ser o príncipe e vae ser co- lei que o Mediterrâneo, berço de todas as belas ideias
roado em seu lugar. Prefere ficar na pobre aldeia, à In imanas e chave de todos os dominismos, seja sem-
beira mar, sob um céu azul, com a pobre mulher, cuja pre um mar romano, seja o mar interno da divina
humilde ternura lhe deu uma razão de viver. Celebra Itália.
a vida simples, a natureza bela, a festa do mar e do Como os Doges de Veneza casaram com o
sol. O individualismo. A Deserção social. Adriático a sua sedutora sereia, queremos casar a Itá-
Música e letra, diz Henry Prunières, são magni- lia com o Mediterrâneo que ela estreitará todo ,intei-
ficas, por vezes contêm uma ironia amarga, por vezes, •mente, em seus braços. Dessa união nascerão os fru-
um sentido burlesco, muita beleza, muita simplicida- tos da civilização e da beleza. Jamais o domínio de
de tocante. Uin povo terá sido mais justificado que o nosso, por-
98 MARIA LACERDA DE MOURA C L E R O E FASCISMO 99

que, somos o povo mais antigo e o mais joven, o ma o e politico. A Itália tende a se dilatar para além
ilustre e o mais santo da terra, e não é sem moti mares, nos territórios susceptíveis de lhe dar dia-
que as glórias e as recordações de tres esplendidas c tro e poder . A Sicilia é a pontezinha atirada atra-
vilizações nos foram confiadas através dos séculos, do Mediterrâneo, em direção ao nosso império co-
pela vossa vontade, ó Deus". nial que, si compreende hoje só 3 ou 4 possessões,
Convencemo-nos de que Deus é fascista... Bell entro de alguns anos será infinitamente mais vasto.
a pagina de ironia gauleza, de Pierre Dominique, ad
"Vastas regiões nas praias africanas e asiáticas
comentar essa tirada. (Les Fils de La Louve.)
peram o pisar dos novos legionários de R o m a . . .
Império, p r i m a z i a . . . " E ' a divisa imperial da alta-nos território e faltam-nos matérias primas,
antigas moedas romanas, atirada como um desafio porem, temos braços possantes para o labor, cérebros
face do m u n d o . . . " "Assim, pois, eis porque veste ágeis, capazes de se adaptar a novas condições de vida
com toda naturalidade 800.000 homens como legi [e a coragem de tentar aventuras as mais arriscadas".
narios e porque esses 800.000 homens tratam de c E ' a expansão imperialista.
locar por sobre o pescoço, todas as manhãs, uma cabe«|
Para Coppola, como também para Corradini —
ça romana, mastigam latim, saúdam como gladiado»!
a civilização só caminha por sobre uma estrada san-
res e se organizam em legiões!
grenta. Para ambos, os sentimentos "vis" de huma-
"Imaginemos um homem tendo herdado umtj
nidade, o ideal fraterno e a igualdade de direitos eco-
roupa e uma peruca a Luís X I V , indo para a rua dali
nómicos civis, políticos ou sociaes — é a "castração
escândalo.
ilas multidões".
"Carnaval? N ã o , o homem está armado".
Para D'Annunzio, Papini, Marinetti, Corradini,
Vejamos mais um trecho do discurso de Copfll Coppola e, por último — Morasso — autor de " I m -
la, pronunciado em Catania, a 22 de março de 1925 perialismo", a crueldade, a ferocidade são indispen-
em nome do Diretório Nacional do Partido Fascista"| sáveis ao desenvolvimento e ao dominismo, à força
"Si hoje, a Sicilia está no limite extremo da Ita« dos povos.
ha, em pouco tempo tornar-se-á o seu centro geogrA Maturino de Sanctis conclúe uma sua apreciação
100 MARIA LACERDA DE MOURA
C L E R O E FASCISMO 101

ao livro "Imperialismo", de Morasso, com a seguinte


Os mais abomináveis crimes desse "Marinetti da
frase: " O superhomem Morasso deveria estar conten-
litica" paranóica do Faseio — não são as prisões a
te: a crueldade foi rehabilitada!"
micilio, os assassinios ou os saques ou a perseguição
E a covardia, e a pseudo ciência fascista de um
os parentes de italianos dignos, foragidos no estran-
Enrico Ferri? eiro, vítimas do ódio implacável desse Torquemada
E Marconi — marquês fascista, senador fascista oderno.
e membro nomeado da Academia de Letras Fascista?...
Os mais abomináveis crimes do Faseio consistem
Mas o emblema de "Itália cfoggi", cunhado
o modelar da psicose infantil ao fazer da juventude
nas suas moedas, é este: " E ' melhor viver um dia, co-
taliana uma juventude lombrosiana, um povo de mis-
mo leão, do que cem anos como ovelha".
ico-delinquentes. Porque o fascismo é a "religião ci-
Vejamos agora o
T dos italianos de "LTtalia d'oggi".

"CATECISMO DEL BALILLA". Em vez de encaminhar os moços para uma vida


de realização interior harmoniosa e sã, para a cultura
H a cerca de 40 anos a Itália modela a mentali- e o trabalho, Mussolini os impele às guerras de con-
dade de seus filhos pela literatura imperialista dos quistas, ao obscurantismo, à ignorância, ao imperia-
seus intelectuaes. E ninguém sabe de mais nada. Jor- lismo e à expansão, à ociosidade parasitaria e às tarta-
naes e livros são controlados no regime fascista. E ' só rinadas romanamente divinas, provocando e assegu-
essa megalomania epiléptica de dominismo que ali- rando a sua perda, a sua degenerescência, a sua degra-
menta o cérebro exaltado da juventude italiana. dação, o crime sob todos os aspectos, a miséria, a cor-
Com Mussolini, redobra de intensidade a ação rupção, o vicio, a prostituição das conciencias.
educativa de controle romanamente fascista. Esse é o D'Annunzio e Mussolini são tipos degenerados
crime mais nefando da éra D'Annunziana-Mussoli- ÍC os intelectuaes fascistas são tão criminosos quanto
nesca. eles, ao incutir na mente da juventude de "1'Italia
O Catecismo dei Balilla é qualquer cousa de es- d'oggi" que a ética nova é a ferocidade d'Annunzia-
pantoso, inacreditável. na e o Salvador da Itália e o Messias do Mundo é
102 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 103

Mussolini — alucinado de megalomania, tirano-para- desse catecismo para a educação da infância, eis o 1.°
noico. Essa educação, sistematicamente organizada, Sou a Itália, tua mãe, tua soberana, tua deusa.
começa com a infância, passa pela "avanguardia gio- 2.° — N ã o terás outra mãe, outra soberana, ou-
vanile" e vae até a Milicia fascista, circulando pelas tra deusa acima de mim.
associações esportistas femininas. Quanto às aspirações politicas:
"Devemos ainda possuir: da França, a ilha da
Desaparecidos os "superelefantes" de hoje, fica-
Córsega e os países de Nice; da Inglaterra, Malta e as
rá a sugestão impressa no sub conciente de toda essa
Ilhas adjacentes; da Suissa, o cantão do Tessino e
população habituada ao crime, ao terror tirânico, à
grande parte dos Grisons; da Yugoslavia, a Dalma-
força dominadora, à vontade de poder, apta a saltar
• ia; finalmente, o principado de Mónaco e a Repu-
por cima de tudo e de todos, afim de realizar o sonho
blica de São Marinho".
de dominismo imperialista à romana e desafiar, louca
H a trechos de discursos que ainda querem mais...
e desabridamente, o mundo inteiro.
E é sempre essa linguagem ousada de rapina im-
N ã o nos pode causar surpresa a atitude de No-
perialista à romana.
bile, nem as noticias macabras das tragedias desenro-
Vejamos o
ladas pela fome no pólo, entre os exploradores...
E é preciso opor um dique, com o nosso protes- "CREDO" BALILLA:
to, contra esses bárbaros modernos, armados de uma
"Creio em Roma eterna e intangível, mãe de mi-
fé epiléptica, capazes de organizar novas Cruzadas
nha Patria e centro luminoso e dominador da civili-
pelo mundo, para fazer, de Roma, uma Jerusalém me-
zação da Europa e do mundo; e creio na Itália, sua
dieval, em nome de quem, quantas montanhas de cri-
filha mais velha e muito gloriosa; a qual nasceu por
mes hediondos foram perpetrados?
obra e graça maravilhosa de Deus, do seio virgem e
A t é aonde poderá ir o fanatismo de uma "rc- fecundo do génio, da sabedoria, da ciência e da Arte;
ligião-civíl"? «ofreu sob a barbara invasão, foi crucificada, desmem-
Entre os dez mandamentos de moral e religião I rada, amortalhada; desceu à sepultura de seus pais
104 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 105

de outrora para recuperar a alma e o coração, o se "statolatria pagã". (La Liberta" — 9 de julho de
timento e o pensamento, e devido a eles, resuscita n 1931.)
X I X século; sobe aos céus de sua gloria em 1918 I
em 1922, pelo triunfo de Vittorio Veneto e a vitór Mas, interrompamos ainda e voltemos à
libera triz do fascismo; está assentada à direita de sul
M ã e Roma, intangível e eterna; de lá, julga os vivoi EXPANSÃO FASCISTA.
e os mortos; creio no génio restaurador de Mussolini'
A Itália não se contenta com as suas pretensões
e no espirito bom, valoroso, ativo do povo italianoj
coloniaes em torno do Mediterrâneo — o Mare
no Santo Padre o fascismo, na comunhão dos már-
Nostrum.
tires dos Alpes, do mar, das ruas e das praças, comi
E esperando a oportunidade para se lançar por
seus prosélitos; na conversão dos italianos desviados I
sobre a França, canaliza toda a sua atividade expan-
traidores, quer seja por seu próprio movimento, quer
sionista para a America do Sul.
seja pela graça de leis severas; na resurreição do im-
Bartolotti, no seu relatório fascista a respeito do
pério romano, e na sua vida imortal e gloriosai
Brasil, foi muito claro. "UOro Verde dei Brasile" es-
Amen!"
crito inteligentemente, é o plano maquiavelico de "la
Esse Catecismo, já se vê, foi condenado pela I volontà d i potenza" do faseio em terras brasileiras.
Santa Madre Igreja Católica. Aldo Borelli, Manzella Frontini e outros e ou-
Entretanto, apesar dele, Papa, Igreja, Jesuítas f tros, desenvolvem o mesmo plano de ação, de acordo
Mussolini celebraram o pacto infernal, dentro do Ic-1 com a "força expansiva da raça".
ma eterno e intangível: "Lembra-te, Roma, que o teu " N o Brasil, diz Bartolotti, vivem dois milhões
papel é comandar". de italianos, dos quaes, mais de um milhão residem só
no Estado de São Paulo, o mais evolucionado e rico
"Itália, Itália, sopra tutto".
da Federação. Por conseguinte, é evidente que a ação
E só agora o Papa se lembra de lançar o seu] fundamental do Fascismo deverá desenvolver-se nesse
anátema em a encíclica na qual se insurge contra a] Estado que deve considerar-se uma espécie de base
106 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 107

de operação; ainda mais porque aqui estão concentra- m opor um dique superior a essa invasão epiléptica,
das as melhores e mais respeitáveis energias, aquelas Ameaçadora da paz e da solidariedade humana.
que têm decisiva influencia sobre o desenvolvimento Gaetano Salvemini, autor dos livros " O Terror
do país, e podem prestar grande auxilio à aplicação Fascista" e ultimamente "Mussolini diplomata" ("Os
prática do programa fascista". irgredos da diplomacia fascista" — Grasset-França),
" N ã o se pense que a atividade do fascismo no recentemente, em uma entrevista tomada por Carme-
estrangeiro possa limitar-se a uma ação puramente lo Puglionisi — "Monde" - 5 de março de 1932) de-
formal e teórica . . . " fine admiravelmente o Duce e a sua politica.
" A ação prática do Fascismo no Brasil, a nosso "No fundo, diz Salvemini, Mussolini só visa
vêr, deveria empenhar-se na assistência material e mo- dois fins: o primeiro e o mais importante é fazer falar
ral aos nossos emigrantes e em uma propaganda in- de si; o segundo é "impedir a cristalização da situa-
tensa e bem feita, desenvolvida com muita circuns- l i o européa" como repetem muitas vezes os seus in-
pecção e tá to delicado . . . " Érpretes, e manter a Europa em estado permanente
Aldo Borelli é ainda mais positivo: " O proble- de inquietação, que lhe permite agarrar, cedo ou tar-
ma central que tudo supera e tudo sobrepuja é o pro- d,c alguma cousa, aqui ou ali, pouco importa onde.
blema externo: poder, expansão, c o l ó n i a . . . " ("Dia- A politica de Mussolini é a politica de improvisos sem
na degli spiriti".) lim preciso".
"Volare" é o livro de Manzella Frontini; recor- N ã o admira, pois, que a colónia fascista italia-
da o Duce e "o dever e o direito da Nação, criando na se tenha movimentado com todas as suas forças
para si um domínio colonial". l o lado de São Paulo na guerra c i v i l . . .
"Gerarchia", "Politica", "LTmpero" o livro de Demais, ainda no Rio, eu l i em meados de julho
Augusto M o n t i , o inquérito em que se fala do futuro (1932) um telegrama da Itália dizendo que, dessa
império do Faseio, " t ã o grande que nunca verá o pôr guerra, naturalmente haveria de surgir alguma cousa
do Sol" — não é preciso documentar mais, para che- dc util e interessante para a politica fascista...
garmos à conclusão de que outras forças moraes dc- Confirma o que diz Salvemini,
C L E R O E F AS C I S M O 109
108 MARIA L A C E R D A DE MOURA

H a e Bulgária) e de seus possíveis aliados: A Ale-


Mussolini pacifista é a mais interessante pilh
B i n h a hitleriana e a Áustria fascistizada..."
ria dos nossos tempos generosos de Sociedade dai
Nós, os brasileiros de mentalidade colonial, da
Nações...
B l v e r n a n ç a e da padralhada" é que comos imper-
Salvemini analisa bem o papel do Duce na p i
meáveis . . . Levamos a sério o pacifismo de Musso-
lhaçada trágica do desarmamento.
H d , de Briand e da Sociedade das Nações.
Em Genebra, Grandhi prega em favor da arbli
Tanta cousa admirável que se publica pelo mun-
tragem e do desarmamento, e, na Itália, Mussolini
b . De nada se sabe no Brasil. Nada consta nos jor-
jornalista diz o mesmo para os quatro cantos do mun»
Hes. Mas não se perde uma palavra de Mussolini. A
do, enquanto a sua imprensa ensina que ninguém dc»
Itália vae sendo o nosso modelo. Haja vista os dis-
ve acreditar na arbitragem, nas promessas nem no de»
•Ursos inflamados dos últimos tres meses de revolu-
sarmamento. Demais, as suas contradições são fia»
• i o . . . E os nossos jornaes abrem colunas para todas
grantes: as palavras levianas lhe saem ao sabor d(l
• l tartarinadas clownescas desse arlequim trágico da
acaso, de acordo com os seus momentos e as sugestõel
iolitica,
da multidão. E prega a paz e a guerra ao mesm
tempo, depende... da lue ou da lua.
"Mussolini propõe um dilema ao governo fra i Q U E L E Q U E M A N D A FORJAR OS R A I O S .
cês; ou reduzir os armamentos segundo a promess
feita no "covenant" da Liga das Nações, ou revogai "Camaradas, diz Mussolini, estais sem dúvida
dos tratados de paz as cláusulas que restringem par* Impacientes, à espera de qualquer cousa. (Aplausos,
os países vencidos o direito de se armarem. gritos: sim, sim, sim!) Quando, o ano passado, pro-
fneti-vos que teríamos a tranquilidade, cumpri a mi-
Si o governo francês se desarma, a ditadura fa
nha palavra. (Sim!)
cista vê crescer seu poder militar. Si o governo fran
Acreditais em mim, quando vos digo que a vos-
cês deixa aos vencidos a liberdade de se armar, a for-
ia paciência será apaziguada um dia? (Sim! Sim!)
ça da ditadura fascista crescerá proporcionalmente k
Antes que eu diga uma palavra a respeito desse
importância dos armamentos de seus vassalos (Hun*
110 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 111

sentimento que é também o meu, é preciso que sèj Em 1923, no Senado: " N a vida dos povos, ao
disciplinados até o inverosimil nas obras quotidiana I d o dos idealismos nobres e respeitáveis, ha fatos
A grandeza não soa a cada momento e não soa t que se denominam raça, grandeza e decadência das
todos os relógios. A roda do destino passa, e sábio Ilações, fatos que conduzem a oposições, as quaes se
o que está vigilante e que sabe aproveitar o monim •solvem pelas armas".
to em que ela passa. E em 1926, em Genebra, dizia: " A luta entre
"Si eu conseguir, si o fascismo conseguir forjaf nações torna-se cada vez mais dura, apesar de cer-
assim o caráter dos italianos, estejam tranquilos e c á o pacifismo hipócrita e covarde. Cada povo levanta
tos de que, quando a roda do destino passar deanii • i suas barreiras de egoismo, através das quaes ne-
de nós, estaremos aptos a segurá-la e a dobrá-la A flauma brecha fica aberta para a mentirosa fraterni-
nossa vontade". (Aclamações.) dade internacional".
E ' esse o "troar de Júpiter" a m e a ç a d o r . . . d l E ' a franqueza rude do tubarão nietzscheniano
epilepsia mistico-patriotica dos novos Cruzados dessl que fez a sua evolução começando por se tornar de-
religião de "superelefantes" do poder, do domínio, in agogo e revolucionário, até chegar à ultra reação.
da crueldade ferozmente cultivada. Aprendeu a lógica dos fatos, sentiu de perto a trama
"Nenhum perigo ameaça o regimen, diz Mus» odiosa da reação, viu o sofrimento das massas opri-
solini. Faremos frente ao estrangeiro. Si é esta a pM midas, soletrou e leu a linguagem, o fraseado, todos
lavra que esperáveis, eu a p r o n u n c i e i . . . " (Discurso s termos, as expressões dos revolucionários da extre-
no 4.° aniversário da marcha sobre Roma, ao promf* ma esquerda, e, as divindades pagãs da Deusa-Roma
ter ao povo italiano que a sua impaciência seria ap.i lhe concederam credenciaes para saltar todas as bar-
ziguda um dia.) reiras da conciência e atirar-se para o lado da reação,
E ' a alusão à França. defendendo os privilégios dos magnatas. Mas, ficou-
íe o vocabulário . . .
E no Congresso Fascista de Junho de 1925, d
zia: "Sabeis o que penso da violência. Para mim, el E' esse mixto de linguagem e de atitudes ambí-
é moral, profundamente moral". guas que deu a Mussolini o seu prestígio entre os in-
112 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 113

telectuaes e pensadores de rebanho que, desconhecen- rente de dois jornaes, "Avenire" e ' 7 / Popolo",
do o pensamento ultra-esquerdista e os hieróglifos da' Hiiy.iva a revolta armada e a greve geral insurrecio-
sua linguagem, se extasiavam deante desse amontoa» i • Foi contra a expedição à Lybia e, violento, foi
do de palavras de significação sempre duvidosa, nall B i o em 1911 como um dos instigadores da "semana
quaes transparece, por vezes, uma nesga longínqua v»i iiu-lha" em Romagne.
de verdades perdidas no labirinto de uma conciência Pois bem, no Congresso de Reggio Emiíia, em
sufocada pela ambição e pela covardia. jllllto de 1912, estava ao lado da facção revoluciona-
^Hitransigente, da qual aspirava a ser o chefe. Pe-
* tllu c obteve a expulsão de tres deputados do Partido
•CÍalista: Cabrini, Bonomi e Bissolati. E a razão
Em Lausanne, Mussolini conheceu a miséria.
H a seguinte: os tres deputados haviam cometido a
Foi socorrido pela solidariedade de camaradas, entre H e de felicitar o rei da Itália por haver saído inco-
outros, Serrati, vinte anos depois preso, inculpado de H e do atentado de 14 de março de 1912.
conspiração contra o regime fascista. Detido por or-
O operário pedreiro, d'Alba, dera um tiro em
dem de Mussolini. Sabendo o Ditador que o Tribu-
Vlctor-Emmanuel I I I .
nal superior de justiça de Milão havia absolvido Ser-
Da tribuna do Congresso, Mussolini proclama
rati, o seu antigo companheiro que o tirou da miséria,
Ulrrgicamente:
Mussolini pronunciou estas palavras miseráveis.
"Os atentados são os riscos que correm os reis,
" A primeira vez que me acontecer um novo caso
fumo as quedas dos andaimes são os riscos dos pe-
desse género, mandarei para a saída das prisões, uma
H r o s . Si devemos chorar, choremos os pedreiros".
esquadra de fascistas. A autoridade judiciária absol-
Em 1912, mais ou menos, em La rf Lutte de
ve, e eu fusílo.
Misse" Mussolini escrevia o seguinte:
Cada qual no seu papel."
Isso deve ter sido em 1922 ou em 1923 (Paul "Admito, sem discussão, que em tempo normal,
Ronin — "UOmbre sur Rome".) I bomba não faça parte dos métodos socialistas. Mas,
Quando anti-militarista, na sua província natal, )|ndo um governo — quer seja republicano, impe-
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rial ou bourbonico — vos amordaça e vos atira f Hceber dinheiro da França para a intervenção da Ita-
da humanidade, então, não se pode condenar i\ H na guerra. A 21 de Outubro em o "Avanti!" des-
lencia que retribúe a violência, mesmo si ela faz Jbedia-se de seus leitores e declarava imutável a sua fé
gumas vítimas inocentes". hm ia lista. (Paul Ronin)
Entretanto, as leis fascistas, votadas por Recebe dinheiro para fundar "II Popolo d'Italia".
ordem, o colocam acima dos direitos até mesmo Felippo N a l d i das industrias pesadas da Itália,
reis! Todo atentado contra a vida, a integridade •ibricante de armas, munições e equipamentos mili-
honra ou a liberdade de Mussolini é punida com fircs e o deputado M . Mareei Cachin, representante
reclusão por 15 anos e, atingido o fim, pela prl l o governo francês compraram Mussolini. Passou a
perpétua! (Paul Ronin — "UOmbre sur Romc") •xigir, violentamente, a entrada da Itália na guerra.
Mas, isso na lei. A realidade vae mais longe, "Mussolini nunca perdoou a M . Rocca, o fato
ram fusilados, e alguns pelas costas, indivíduos c •e o haver obrigado a se "converter ao patriotismo".
denados pela intenção de eliminar o Ditador fase [Embora êle mais tarde, entrasse nos Fasci di Combat-
Michele Schirru foi fuzilado pelo crime da p limente e fosse eleito deputado, Mussolini o perse-
meditação de liquidar com o terror fascista — ell guiu com ódio feroz.
nando a Mussolini. M . Rocca foi obrigado a se refugiar na França
l i r a escapar a possiveis represálias". (Paul Ronin)
Só seguiu p a r a . . . a retaguarda.. . quando foi
Como socialista extremado, em 1914, cm fhamada a sua classe. Ferido ligeiramente pela explo-
"Avanti!" pregou a neutralidade absoluta da I t i l fio de uma bomba, pediu e obteve dispensa — por
N a intimidade dos companheiros, era pela intet 7t o encarregado de um jornal que encorajava a
ção italiana na guerra. Massimo Rocca (Libero T •erra.
credi), e outros, arrancaram-lhe a máscara publ "Isso lhe permitiu manter-se corajosamente até
mente. Mussolini continuou o seu papel, até qua D fim das hostilidades". (Paul Ronin)
entrou em relações com armamentistas e começou Acabada a guerra, Mussolini se aproveita da de-
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C L E R O E FASCISMO 117
sordem interna da Itália para reerguer o seu prestígioJ
E fomenta o descontentamento dos trabalhadores I [regularmente, nas usinas de média e de pequena im-
instiga-os à greve, nos seus artigos incendiários. portância, as quaes continuam sempre entre as mãos
Mussolini e Rossini já não se contentam cofl de seus legitimos proprietários. Mesmo nas usinas
as greves: pregam, ordenam a ocupação das usinas. ocupadas, os operários deram prova altamente recon-
"Mussolini e seus amigos estavam por trás dl] fortante da vontade de salvaguardar a integralidade
todos esses negócios de saques e de ocupação dali da produção, abstendo-se de todo áto que pudesse es-
usinas". tragar o material e as instalações."
E acusava os socialistas e sindicalistas de serem Era preciso, para justificar a sua bestialidade,
os autores de mortes e pilhagens. Foi Mussolini quem que os fascistas procurassem desculpas no perigo co-
fomentou a desordem e as provocações na Itália. M munista ou na desordem interna da Itália.
Mussolini fascista, e ditador, afirma que foi o fascis- Paul Ronin indica o Anuário 1921, paginas 73
mo que restabeleceu a ordem e a disciplina, desman- f l 75 e seguintes, o relatório apresentado à Camara de
teladas pelos sindicalistas e socialistas... Comercio italiana de Paris ,a 30 de Dezembro de
Paul Ronin fala de documentação decisiva pro« 1920, onde se verifica a inverdade das afirmações fas-
vando que são desprovidas de toda justificação essil cistas quanto a essa desordem interna da Itália. O re-
pretensões fascistas. latório corresponde exatamente aos anos criticos —
" M . Ubaldo Triaca reuniu documentos nesM 1919-1920.
sentido. A Associação nacional de industrias mecâni- Nesse relatório, a crise social italiana é saudada
cas e análogas, que é provavelmente o agrupamento como "um novo elemento de progresso dado à civili-
patronal mais importante da Itália , dirige a seus cor sação do mundo pela afirmação de um novo principio
respondentes, assim como às Camaras de comércio ita- ético-social, tanto quanto o económico: o principio da
liano, no estrangeiro, a seguinte comunicação: cooperação".
" A grande maioria dos operários, mesmo duran- São informações partidas dos altos industriaes e
te os dias agitados da ocupação, continua a trabalha capitalistas italianos insuspeitos.
Mussolini tenta outra empresa: oferece aliança
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a D'Annunzio no caso de Fiume: ambos partilharia "Abaixo o Estado! sob todas as suas formas e
a direção da futura Republica. • b o n i f i c a ç õ e s ; o Estado de ontem e o de amanhã, o
Fiume teve de ceder, deante das exigências estra B a d o burguês e o Estado socialista. Para nós, só nos
geiras. Perdida a partida, Mussolini se retráe, dei Alta a religião consoladora da anarquia".
D'Annunzio só. C A n n u n z i o ataca Mussolini. Depoi Isso a 6 de abril de 1920, em / / Popolo d'Itália.
tornam-se a m i g o s . . . E Mussolini continua a pi B i o é um pecado de mocidade, diz Paul Ronin.
curar o momento oportuno. Cria-se o Faseio di Com Em 1921, é quando o Faseio di Cobattimento
battimento em Milão. Mussolini solicita a sua adrnJ apresenta o programa fascista de reivindicações mini-
são. E a 23 de Março de 1919, na sessão inaugural B a de que fala a primeira pagina deste livro.
Mussolini, diretor de II Popolo d'Italia pronuncia sc
E foi em torno desse belo programa de ação que
discurso:
»r fez o recrutamento dos fascistas.
"Queremos uma Assembléa Nacional que eaC|
O arlequim tanto pulou que chegou a se equili-
lherá entre a monarquia e a republica. Quanto a nó ', 1
brar à custa de cabriolagens em todos os sentidos . . .
desde já nos decidimos pela republica. Somos energi-
Todos os "profiteurs" se uniram em torno desse "en-
camente contra toda forma de ditadura".
viado da Providencia".
Antes, perseguiu os desertores, agora, para tor Paul Ronin observa admiravelmente: a burguesia
nar o Faseio di Combattimento simpático aos tra!v muito psicóloga: procura e encontra muitas ve-
Ihadores e aos seus leitores, começou uma campa nlui II, no meio dos seus adversários mais implacáveis,
retumbante em favor da anistia geral para os dead d(|tiele a quem ela confia o cuidado de a defender.
tores. Benito Mussolini, violento, cinico, chefe de gru-
O livro de Paul Ronin, de que extraio essa do- pos de descontentes, à procura de um papel para re-
cumentação ,deveria ser traduzido — tal a sequem I presentar, esse homem se tornou "d salvador mira-
admirável dos fatos e a documentação indiscutivcl. adoso".
Nessa ocasião Mussolini já vae além da Republica.. • Conheciam-no bem. Sabiam que noutras ocasiões
Ataca o Estado: kisivas e memoráveis, êle havia mudado de opinião
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em um momento, mediante largas e abundantes .1 ercio e à alta industria foi suprimir as cooperativas:
venções". 99% foram destruídas ou saqueadas".
E o dinheiro choveu. E apareceram os merci Tres anistias foram ordenadas para libertar os
rios. Mussolini deu um pulo para a reação. E inic ascistas presos anteriormente.
se o chamado "terrorismo ilegal". Iniciaram-se as "
Do mesmo modo a anistía de agora (1932) é
pedições primitivas". Isso em 1921. Em 1922 é a m
ra contemplar criminosos fascistas condenados, e,
cha sobre Roma, com o auxilio do duque de Aosta.
mo uma rede, para apanhar, dentro da Itália, os
Mussolini fez saber ao rei que o defenderia e à dinl
nti-fascistas incautos, espalhados pelo estrangeiro.
t i a . . . Mussolini não veio à frente da marcha. V
A "clemência" da anistía está em plena contra-
na retaguarda . . .
dição com o próprio fascismo. Os chefes autorisados
Encarregado pelo rei, forma o ministério.
do fascismo publicaram uma brochura à expensas do
E coloca na policia as milicias fascistas. E asifc
Estado, com as seguintes declarações:
dirige os seus mercenários no "terrorismo legal".
E, para contar com o clero, ordena a obrigator " O fascismo é a antítese do liberalismo. N ã o é
dade do crucifixo nas escolas e o ensino do catecisi tolerante nem objetivo; ao contrário, pratica a into-
Toma outras providencias em favor do catolicismo lerância. Êle se reclama do "Príncipe" de Machiavel,
do clero. voluntário, astucioso, forte e opressor, quando neces-
Em 1921 — Mussolini prega, no programa f sário. Apresenta-se como a negação de todas as demo-
cista, a supressão das armadas permanentes. cracias, o destruidor desse titere do "cidadão sobe-
Em 1922 — aumenta o soldo dos oficiaes e, rano".
para cá, só pensa na construção do material de guc " O Príncipe" é o breviário preferido de Musso-
e em tornar a Itália uma das maiores potencias lini e êle o cita particularmente.
madas. " D a í vem que os profetas armados foram ven-
Executava um programa oposto ao programa cedores, e vencidos, os profetas desarmados. E ' preci-
1921. "Seu primeiro cuidado para agradar ao alto so, pois, organizar-se de maneira que, quando os povos
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não mais acreditam, possa-se fazê-los acreditar à espantará talvez. De todas as revoluções dos tempos
força". modernos, a mais sangrenta foi a nossa. A conquista
Assim, implantou o terrorismo na Itália, adula, da Bastilha, na qual havia poucos prisioneiros, não
estimula e cultiva o orgulho e a belicosidade do italia- custou senão a vida de dezenas de pessoas. Os milha-
no, arremete-o contra o estrangeiro açulando-lhe o jfes e as dezenas de milhares de vítimas posteriores fo-
ódio e acenando com aventuras e sonhos de hegemo- ram sacrificadas ao regime do terror. A revolução rus-
nia imperialista, conquistas, guerras, glorias, honras c sa, igualmente não custou a vida a mais de algumas
riquezas. dezenas de vítimas. A nossa, durante tres anos exigiu
E acena com esperanças longínquas: largo sacrifício de sangue joven e isso explica e justi-
fica o nosso propósito de intransigência absoluta tan-
"Poderemos então, quando, entre 1935 e 1940,
to politica como moral".
estivermos no momento vital da historia européa, fa-
zer ouvir nossa voz e ver finalmente reconhecidos os
nossos direitos". (Aplausos vivíssimos. Discurso im- "Sou o vosso chefe, e, como sempre, pronto a
perialista pronunciado a 26 de maio de 1927). assumir todas as responsabilidades".
Poderíamos ir muito longe joeirando nos discur- E ' a desculpa a todos os desatinos criminosos pra-
sos sem conta e nos átos terroristas desse histrião ma- ticados pelos camisas pretas.
cabro, para justificar a nossa atitude de resistência à " N ã o ha concessões que fazer nem às nostalgias
tirania fascista. N ã o seria preciso: a documentação do passado nem às previsões catastróficas do futuro.
transcrita nos absolve de qualquer acusação de extre- " E preciso "fiscalizar" ainda mais o que eu de-
mismo. Entretanto, para terminar esta parte, vejamos nominaria os ângulos mortos da vida nacional. N ã o se
um dos seus discursos, o de 16 de Outubro de 1932, deixar absorver pela administração ordinária até ao
no 10.° aniversario da marcha sobre Roma. Apenas ponto de renunciar àquela que constitúe a alegria e a
uns trechos. Mussolini se orgulha, como Gog, de ha- embriaguez do risco. Estar sempre alerta para tudo
ver derramado sangue: quanto possa constituir a tarefa mais rude do dia se-
" E ' o momento de vos referir um fato que vos guinte".
C L E R O E FASCISMO 125
124 MARIA L A C E R D A D E MOURA

erteza infaíivel do que acontecerá". ( O ]ornai" —


n

E' a politica de esperar a roda da fortuna . . . A Rio, 18-10-32.)


politica de estabelecer a inquietação e a voracidade. E esse rebanho delirante, embrutecido pelo des-
Depois fala de Roma, das cidades "imperiaes c<A bertar da fera, apoiado no direito da força animal,
mo Génova, Pisa, Amalfi, Ravenna e Florença q u i presta o seguinte juramento de fé cega e obediência
espalharam o imperialismo imortal do génio". F.ilu ilc cadáver:
de Napoleão Bonaparte "que nem chegou a pronurw "Roma, 15 (Agencia U n i ã o ) — Depois da re-
ciar corretamente o f r a n c ê s . . . " desse Bonaparte "ad forma operada no seio do Partido Fascista, a primeira
qual rendemos o preito de haver sido o primeiro d leremonia do ingresso realizar-se-á no próximo dia 5
acender o facho da unidade da pátria e de haver cliM •e Novembro (1932). Os partidários de Mussolini
mado às armas os italianos que definiu, êle proprioJ prestarão naquele dia, o seguinte compromisso:
como os melhores soldados da Europa". fEm nome de Deus e da Itália juro executar, sem dis-
cutir, todas as ordens do Duce e servir, com todas as
E vae inventando, e adulando e improvisando fj minhas forças — e com o meu sangue, si necessário,
as suas associações de ideias, pulam daqui para ali, • » à causa da revolução fascista".
ostentação de uma verbosidade superficial, leviana*]
Deante de tudo isso, ante as palavras e as torpe-
conduzindo as massas fascistizadas ao embrutecimcn»]
ins de Mussolini — quem se pôde admirar de Gog?...
to e à bestialidade da violência agressiva. Termina, in*
Gog é o pai e será o filho do fascismo... Mus-
citando mais ainda a multidão, em delírio epileptuo
solini é o criador de uma religião, a religião politica,
de lutas e vitórias:
p misticismo paranóico da força e da prepotência.
" A q u i , ao lado, está o altar levantado ao solda»,
**
do desconhecido e o altar dos túmulos fascistas. 0
soldado desconhecido é o simbolo da Itália una, vi to Depois de toda essa documentação, vale a pena
riosa e fascista, una desde os Alpes e da Aosta Ro« linda citar algumas palavras de Mussolini — escritas
mana até Trapani que presenciou a primeira derrota 5 anos antes da "marcha sobre Roma", conhecidas de
dos navios de Cartago. E ' o testemunho supremo du
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toda a imprensa, transcritas em jornaes revoluciona iCÕes são farejados, espionados, todos os movimentos
rios e em livros sem conta. ião medidos e todo individuo é encarcerado e catalo-
gado em sua profissão, como em uma cela".
"Com sua enorme máquina burocrática, o Esta-
Parece incrível que seja esse Mussolini o de hoje!
do faz sentir, a cada um, como o está sufocando. 0
-Façamos o confronto. O trecho acima foi escrito quan-
Estado foi suportável para o individuo, enquanto stj
do o fascismo prometia todas as liberdades e queria
conformava com ser soldado e policia. Mas, hoje, d
conquistar o poder, pregando uma mescla de todas
Estado é tudo: banqueiro, prestamista, agente de sc-i
as correntes ideológicas, prometendo tudo, apoiando-
guros, dono de casas de jogo, armador, agente de co-
le nas mais belas frases de espiritualidade, de libera-
missões, carteiro, ferroviário, empresário, maestro,*
lidade integral. Os jornaes de Mussolini, desse tem-
professor, negociante de tabaco e outras múltiplas a i
po, estão cheios de cousas assim lindas e verdadeiras.
vidades, além das suas profissões primitivas de poli-
Mas, vejamos agora, a sua concepção do Estado.
cia, juiz, carcereiro e arrecadador de impostos. O lis-
Primeiramente, transcrevamos um trecho da re-
tado, esse Moloch de garras horripilantes, vê tudo
portagem recente do "The New York. Times", (Ar-
hoje, controla tudo, arruina tudo. Toda função esta-
naldo Cortese é o jornalista, seu correspondente em
tal é uma desgraça. E ' uma desgraça a arte estatal, a
Roma), em torno de Mussolini:
marinha estatal, o abastecimento estatal. E a lista po-
deria ser aumentada assim até o infinito. Si a gente "Poucos homens podem considerar-se íntimos de
tivesse a ideia exata do precipício para o qual se diri- Mussolini. Ninguém goza da sua familiaridade. O
ge, o numero de suicídios cresceria. Mas, estamos nol homem que êle realmente amou e em quem realmente
aproximando constantemente da destruição total da Confiou desde que veio ao poder foi o seu irmão mais
personalidade humana .O Estado é aquela máquina velho, Arnaldo Mussolini".
terrível que absorve os seres viventes e os cospe sob a Mussolini conhece bem a historia do imperialis-
forma de cifras mortas. E a vida humana tem necessi- mo dos Cesares . . .
dade de segredos. N ã o existe mais a intimidade, nefl "São completas as precauções tomadas para de-
no sentido material, nem no espiritual. Todos os rim fender a vida de Mussolini. U m a força de trezentos
128 MARIA LACERDA DE MOURA
C L E R O E FASCISMO 129

policiaes é reservada exclusivamente para essa tarefa.


uras, ameaçadores cavaleiros sem cabeça, arneses
Detetives secretos acompanham todos os seus passos,
rutilantes reflexos azues cinzentos, grotescamente
examinam todas as pessoas que podem ficar na sua
ios. Numa grande arca, jazem gládios e punhais;
vizinhança. Mas, Mussolini não vive em reclusão. An*
midaveis armas de sólida empunhadura para a ca-
da livremente e é visto em todos os pontos da Itália".
do urso repousam ao lado da mais frágil espada
E' esse homem que atacou o Estado e a ferocida-
Justiça".
de policial! Policia para se defender, policia para per-
" N u m dos ângulos, ardem altos archotes, cujos
seguir e espionar os outros, sem piedade, como para
amas douradas empalidecem à luz do lustre elétrico.
Malatesta e a familia de Matteotti — assim, o dita-
No outro extremo, distingue-se o perfil de um homem
dor pôde andar por toda a Itália.
(Jtie escreve sentado ao centro de uma mesa" . . . o
Sigamos por ordem.
magnifico teto com o leão de S. Marcos e a Loba Ro-
fcana em grande relevo. N o meio da gigantesca pare-
"COLÓQUIOS COM MUSSOLINI". |e longitudinal, em face das janelas, destacam-se os
Ifasões dos tres papas que construíram o palácio".
Analisemos, em poucas paginas, o que nos revela Ijma mesa de cerca de 4 metros de comprimento, duas
Emil Ludwig, de Mussolini, no seu livro de artista e poltronas Savanarola, um grande atlas moderno, aber-
psicólogo. Ludwig descreve, primeiro, o palco, o ce- to na Europa, um f l o r e t e . . . "Ordem pedante" na
nário onde representa o grande ator italiano. Logo, Mesa de trabalho.
nos duplos portões do Palacio Veneza, sempre aberto, í Livros em uma mesinha, tres aparelhos telefoni-
dois soldados da milicia e um majestoso porteiro dc los. N a grande mesa um leão de bronze.
libré bordada de prata. Ludwig tem por fim, "unicamente discernir e re-
"Quando se é convidado a entrar, adeanta-se o produzir os múltiplos reflexos do carater de Mus-
chefe dos criados, que é também "cavaliere" e uma solini".
verdadeira figura de "opera buffa". Vejamos os
"Em vários pontos da sala, detêm o olhar as ar-
130 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 131

"DIÁLOGOS D A PRUDENTE RAZÃO D "Surpreendente domínio da palavra e do pensa-


ESTADO C O M U M I N D I V I D U A L I S M O mento".
HOSTÍL À GUERRA." "Costuma ter uma dúzia de apóstrofes napoleó-
nicas para o mundo contemporâneo e a posteridade,
E estudemos nós, o verdadeiro carater de MuM mas, apenas tres figuram nos Colóquios".
solini. Ludwig crê que Mussolini deseja a paz, que "não
Porquanto, Ludwig confessa: " N ã o traço, pof nutre, provavelmente, nenhum plano belicoso". Tam-
conseguinte, a imagem do homem, pois, para isso, • pem creio que sim. Mussolini sabe que a guerra será
veria despojar as conversações da sua significaçii I sua queda inevitável. Ninguém quer, como êle a paz.
principal, deixo desta vez ao leitor o trabalho de I Entretanto, perguntarão, e os seus discursos be-
constituir".
licosos? E os preparativos de guerra, as milícias, a edu-
Vejamos si podemos conseguí-lo. Tudo nesse 111 cação militar da juventude, os "fasci" juvenis e todo
vro é insuspeito. Mussolini viu os originaes do alemitfll ílsse aparato de guerra e o seu entusiasmo inflamado
e italiano. O Duce, com a sua própria mão, trocou IH B t r a os "inimigos" extrangeiros?
palavras e riscou algumas frases. Assim, não ha m l
Sem isso, Mussolini não seria o idolo dos fascis-
lhor documentação do caráter de Mussolini, e m b o i í i
tas. Desperta no subconciênte das massas o delírio fe-
o Duce estudasse a sua atitude, apelasse para a scrM
roz de conquista, o instinto da defesa agressiva, todas
nidade, porquanto tratava-se de uma biografia escrita
|s paixões dos antigos romanos. E ' o segredo do su-
por Ludwig, o biografo de Goethe e de Napoleão!
cesso de Mussolini.
Para isso, o grande atôr o recebeu dias seguido»,, Diz Ludwig que Mussolini, na conversação, é o
às mesmas horas, pacientemente, afim de ter o sem lomem mais natural do mundo. Entretanto, nós o ve-
livro da posteridade. mos nas fotografias e no écran dos cinemas: toda gen-
"Paciência e serenidade jamais desmentidas". te esboça um sorriso . . . E ' o verdadeiro atôr, o gran-
"Firmeza interior". dc atôr, o maior atôr do teatro mundial.
"Sob a calma exterior, atenção vigilante". H a uma passagem interessante no livro de L u -
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dwig, além de outras, em que Ludwig descreve mui esce quando Ludwig fala de Cesar, replicar às ve-
pias expressões do seu rosto: "ar confidencial, pre |s em tom sério e conciso, baixar a voz para falar de
rando-se para responder", acaricia o queixo, adean (Cesar, todas essas expressões teatraes que são a nega-
os lábios e tenta, sem resultado, ocultar uma expr l o , o contraste da serenidade e da naturalidade anun-
são benévola por trás das sobrancelhas que, de or Rdas por Ludwig. Aliás o próprio Mussolini sabe
nario, contrai numa linha paradoxalmente réta". |ue os italianos são dotados de extraordinária mobi-
Essas expressões teatraes da fisionomia, estu lidade na fisionomia.
das, obedecem ao plano talvez inconciênte do tem Outra expressão: "Fitou-me com o seu olhar pe-
ramento desse arlequim da politica do eterno cari netrante, adeantou, com o sestro habitual, a maxila
vai trágico dessa Loba Romana. Inferior e conservou-se silencioso".
"Dilata de tal modo os olhos que parece quer "Mussolini fitou-me severamente..."
aspirar a luz com eles". . . . replicou no mesmo tom áspero e breve . . . "
" O Duce empertigou-se e, com o semblante scj A pergunta de Ludwig:
brio e a voz sufocada," . . .
— "Quando aqui chegou, imaginava sentar-se
"Mussolini interrompeu-se, aproximou-se da la
Tl esta mesa durante dez anos ou muito mais tempo?
pada, relanceou-me um olhar escarninho e pro
na sua fisionomia transpareceu a costumada ex-
guiu" . . .
bressão escarninha a que o vivo movimento das pupi-
"Nesse instante, Mussolini assumia uma apare
las parece comunicar uma severidade desmentida pelo
cia diabolicamente napoleonica e lembrava, na verd
)K>rriso. Depois, com uma voz repassada de ironia,
de, o imperador da gravura de Lefèvre, do ano
Mussolini replicou:
1815. Porém, a sua tensão espiritual abrandou lo
e êle concluiu j á noutro t o m " . . . — Cheguei e, tanto quanto for possivel, aqui
São inúmeras essas passagens, sorrir, respond pretendo ficar".
em francês quando se trata de N a p o l e ã o . . . arre O poder tem v i s g o . . . E ' o próprio Mussolini
lar os olhos, perder a expressão de energia que o rrj quem o diz:
134 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 135

"Enquanto vive, o homem é imperialista; cs.ii Quem o viu no "écran" percebeu já a imponen-
anhelo só cessa com a morte". i i.i teatral desse gesto enérgico, e viu a sua fisionomia
Outra expressão fisionómica teatral: "Mussolini feroz nesses instantes, no momento em que se dirige
levantou um instante o queixo, como um regente ergui i multidão. O italiano gosta dessa ferocidade teatral
a batuta para a fixar em mais firme posição, e rtà I , sem isso, Mussolini nada conseguiria. N a hora de
pondeu com insólita vivacidade . . . " le dirigir para a sacada, Mussolini reclama o gorro",
"Mussolini agitou-se na cadeira..." diz Ludwig: é que nenhuma particularidade do guar-
[l-roupa deve ser esquecida para esse povo de distin-
Deante da insistência da massa fascista, recl
Bjvos e uniformes vistosos, penachos, condecorações e
mando Mussolini, adeanta-se para as portas da sacadttl
librés de ópera buffa.
"percebo-lhe no perfil o domínio dessa tranquilizado*
ra expressão que êle assume toda vez que se ocupa dl] Mussolini é o homem para a exaltação perma-
uma obra construtiva. E, no instante em que assomft nente desse povo barulhento e teatral.
ao balcão, e pousa o olhar nessa massa de povo, ten E assume a atitude tragico-energica e fala èm
inteiramente o ar de um autor dramático que cheg 'staccato" e adeanta o queixo e fecha a carranca e
ao teatro e encontra os atores impacientes e pronto! ipruma o c o r p o . . . sem isso, não haveria fascismo na
para o ensaio". 'talia. E agora, consolidado o regime, Mussolini tor-
Até para Ludwig, que está com a máxima boi nou-se indispensável. E é dificil introduzir uma cousa
v o n t a d e . . . a impressão é sempre de um eterno teat leria na I t á l i a . . . O povo italiano não vae com ra-
em ação. ciocínios: quer espetaculos ruidosos, sensações for-
" A o seu gesto, cessa instantaneamente o clamor, t e s . . . A simplicidade e a seriedade de um Stalin,
E logo, com semblante resoluto, lança o Duce, em {construindo cientificamente — seria impossível na
"staccato", como enérgico exórdio, as primeiras pala» Itália.
vras ao povo". O povo italiano precisa de comendas e títulos,
E Ludwig repete e fala de novo da sua " vo| fitas a tiracolo e bandeiras, condecorações e penachos
musical e profunda". teatralidade enfim, e mais: o fascismo exige man-
136 MARIA LACERDA DE MOURA C L E R O E FASCISMO 137

ganelo e oleo de ricino, expedições punitivas e pena de •ou a conservador violentíssimo. A uma pergunta de
morte! Ludwig, responde: " N ó s empregamos a palavra re-
" N a ç ã o Carnaval" diz o italiano Mário Maria* volução, porque exerce nas massas influencia mística
ni. N ã o me parece só isso: — N a ç ã o da eterna mas» e até os espíritos mais elevados consegue inflamar,
carada trágica. t o n s t i t ú e uma exceção, na época, e infunde ao comum
Cada povo tem o governo que merece — diz * dos homens a convicção de participar de um movi-
economia politica, a sociologia burguesa: Mussolini ímento pouco vulgar. N a realidade, a reconstrução co-
é o homem do povo italiano. meçou imediatamente".
Mussolini sabe que "um ditador pôde ser ama- Como os povos são diferentes! Aqui, no Brasil,
do, desde que, ao mesmo tempo, o povo o tema. O po« a palavra revolução é tão ridícula. . .
vo adora os homens fortes. A multidão é mulher". Aqui, confessa a espionagem, a delação, e o ter-
D a í a sua teatralidade permanente. D a í o trá-; ror: "Fascistas experimentados rodeiam a maioria dos
gico da sua fisionomia de ferocidade. [magistrados do país. O que estes não fariam por leal-
Sabe que representa "o terceiro á t o ; em dado [dade, fazem-no de temor, porque sabem que são vi-
instante, todo revolucionário torna-se conservador". giados. Punimos exemplarmente a traição, que é, po-
Por isso, tem também esta frase, na qual se vê que rém, muito rara, pois não permito que certos do-
sabe julgar toda gente por si mesmo e que tráe um cumentos passem por muitas mãos".
sentido profundo: Mais adeante:
"Os abusos dos funcionários são punidos rigoro-
— " E m todo anarquista oculta-se um ditador]
sa e publicamente como na Rússia. Em semelhantes
frustado". N ã o sei' si se aplica a todos, não foram
rasos, um fascista suicida-se. O Secretario do Partido,
posto à prova, às vezes são anarquistas porque são au-j
fcm Livorno, fez saltar os miolos, porque desviara cer-
t o r i t a r i o s . . . Os extremos se tocam. Todo aquele que
reveindica ferozmente a liberdade para si, é autorita-j ta quantia. O podestà (1) de S. Remo suicidou-se nas
rio para os outros. [Catacumbas e o diretor do "Génio Civile" de Napo-

Mussolini sabe que, de anarquista violento, pan-l (1) Funcionário que substitúe o intendente nos municípios.
138 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 139

les atirou-se ao mar, só porque eu os convocara peran- "Cumpre tirar, dos altares, Sua Santidade o Povo".
te mim, para se justificarem de faltas que não haviam E outra vez, si me lembro: " N ã o cremos que a mul-
cometido". tidão nos possa revelar segredos". Si, efetivamente, a
E ' fantástica a serenidade com que fala nisso. E' massa nada lhe diz, como exerce sobre ela esse ascen-
que Mussolini está com Papini: "Respeita-se por de- dente? Sem reciprocidade, não consigo admitir a in-
mais a vida humana" . . . Mussolini, guiado pela ideia fluencia de um homem sobre vinte mil. Pôde exigir
social, diz êle, restabeleceu a pena de morte. do povo essa contínua exaltação, como a define o Fas-
Aliás, para Mussolini, "a escola da guerra é uma cismo? E, principalmente, como se entretém esse es-
grande experiência". E não tem feito outra cousa nos tado de entusiasmo?
seus discursos, senão exacerbar o entusiasmo belicoso Mussolini recua para a sombra (1) e, logo que
de "iTtalia d'oggi". Acha que "a situação de um po- os ornatos da farda e o distintivo se me tornam invi-
vo depende de seu poderio bélico". E diz ainda: "Con- síveis, volto a ver deante de mim o pensador que pro-
sidera-se, até hoje, a força militar como síntese de to- curo. O seu ardor concentrado, que nos grandes mo-
das as forças nacionaes". mentos transborda, entorna-se no seu interlocutor. E
Afirma vagamente, com displicência — afim de dir-se-ia que, em vez de me responder dirétamente, se-
merecer o premio Nobel da Paz e trazer na mão o ra- gue um raciocínio interior, pois, após um silencio,
mo de oliveira.... Francamente: o mundo jamais teve explica em voz pausada:
atôr igual!
— Quando não é organizada, a massa constitúe,
a meu ver, apenas um rebanho de ovelhas. N ã o sou
ESCULTOR DE M O N T A N H A S . . . absolutamente contra ela. Nego, porém, que se possa
reger por si. Entretanto, é possível governá-la, se em-
Ludwig após a manifestação entusiástica dos pregarmos estas duas rédeas: entusiasmo e interesse.
fascistas a Mussolini, mostra-lhe a sua contradição.
E ' interessante esse trecho do dialogo.
(1) O grifo é nosso. Acho muitíssimo significativa e pro-
— "Escreveu acerca da multidão palavras cruéis: funda essa expressão, em vista da resposta que tem de dar.
140 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 141

Quem confiar numa só, estará em perigo. O lado quer cousa, mas, foi com verdadeiro orgulho que dis-
mistico e o politico um ao outro estão subordinados: se: "esvaziava as ruas!"
este sem aquele torna-se árido, aquele sem este, des- E ' a alma do tirano, da vingança, extravasando
folha -se ao vento das bandeiras. N ã o pocso impor nesse orgulho e nesse entusiasmo.
uma existência excepcional a uma multidão, mas ape- Mussolini tem prazer em inspirar terror. A sua
nas a uma minoria. O ascendente a que se referiu fisionomia deante da multidão, os seus gestos, a sua
consiste nisso: as poucas frases que disse aos mani- «eriedade tragi-comica — em tudo revela o tirano.
festantes da praça, terão, amanhã, milhões de leitores; — " E que significam, nestas reuniões, a música
porém os que estão ali abaixo, acreditam intimamente |fc as mulheres, os gestos e os emblemas?" pergunta
no que, com os ouvidos e — digamo-lo — com os Ludwig:
olhos, ouviram. Essas alocuções ao povo têm o duplo — " S ã o um elemento festivo, replica êle, no
fim de esclarecer a situação e sugerirem alguma cousa mesmo tom vibrante. A música e as mulheres alegram
à-> massas. Por esta razão também o discurso à mul- e suavizam a multidão! A saudação romana, os hinos
tidão é absolutamente necessário como estímulo à e as fórmulas, as datas e as comemorações solenes são
guerra". indispensáveis para conservar o entusiasmo.
Assim já era na antiga Roma".
Essa preocupação com o estímulo à guerra, após
esse dialogo e a arenga às massas — também é um A multidão é a mesma!... D a antiga Roma até
sintoma... Mussolini não ha grande diferença. P ã o e divertimen-
tos... Expedições punitivas e obediência servil a
Que diferença entre o Mussolini de hoje e o
(Cesar... Os que vão morrer te s a ú d a m . . . "Feste,
anarquista cujas palavras vimos em capítulos ante-
farina e forca" . . .
riores!
Mussolini continua a falar da multidão organi-
"Conheço o povo ha trinta anos. Em Milão co- zada:
gnominaram-me Barbaroxa. Lá, eu esvaziava as ruas.
"Somos, como na Rússia, favoráveis ao sentido
Nunca ouvira Mussolini vangloriar-se de qual- coletivo da existência e pretendemos consolidá-lo, à
142 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 143

custa da vida individual. Si não chegamos ao ponto respeito do Estado, pagina 126, leia agora esta opi-
de transformar os homens em números, consideramo- nião de Mussolini a Ludwig:
los, contudo, essencialmente sob a sua função no Es- "Aspiramos à humanidade e à beleza da vida
tado, o que constitúe um grande acontecimento na em comum. Naturalmente isso surpreende os extran-
psicologia dos povos, porque a metamorfose se opera geiros! N o sexto ano de vida, o individuo seria tirado
num povo mediterrâneo e, como tal, julgado impró- Q familia e o Estado lh'o restituiria aos sessenta anos.
prio para esse f i m " . Todavia — pode crer — o homem nada perde, mul-
Tartufo! Si confirma que era assim na antiga tiplica-se apenas o seu valor.
Roma! N ã o ha povo mais a propósito para essa expe- Mussolini falava com desusada animação: era a
riência. Metamorfose? Absolutamente. O povo ita- sua ideia favorita".
liano sempre se viu desorientado sem o guante cesa- E Ludwig o atrapalha, fá-lo voltar atrás, tornar
riano. Nunca houve povo mais submisso. Quando o a retroceder sem encontrar saída, interpélando-o:
império romano desapareceu, o Papa tornou-se pode- — "Mas, si para um exemplo, recorre à antiga
roso como o Cesar. Mussolini foi "o homem da Pro- Roma e si, a seu ver, a massa se conservou inalterada,
videncia" para esse povo que sempre aspirou a gover- como concilia isso com o chamado progresso da hu-
nos f o r t e s . . . manidade?"
Continua o Duce: Nesse dialogo sente-se a incapacidade de Mus-
"Sim, eis o que o Fascismo quer preparar à mas- solini, a sua superficialidade caída nas malhas por si
sa: uma existência coletiva organizada, em que se pos- próprio armadas pela sua loquacidade fácil e derra-
sa viver, trabalhar e combater conjuntamente, numa mada.
hierarquia, sem rebanho". A sua cultura só pôde impressionar aos basba-
Outra frase sem significação. Hierarquia sem ques que se contentam com palavras e se conformam
rebanho? Multidão e rebanho são palavras que se ca- com a sombra das aparências espetaculosas.
sam, são sinónimos. E ' muito leviano, fala a t o a . . . gosta de frases,
Agora, si o leitor leu a opinião de Mussolini a repete as frases dos grandes homens, copia essas belas
144 MARIA LACERDA D E MOURA C L E R O E FASCISMO 145

frases para as decorar e aproveitar-se delas nos in* ha as formas do seu sonho? E, no nosso caso, a ma-
provisos... A cada instante compara os seus métodol téria se insurge frequentemente contra o estatuário!
aos da R ú s s i a . . . Em quasi todos os seus dialogo! E após uma pausa, Mussolini concluiu:
elogia à sua pessoa, nos sorrisos animados deante dai — Tudo está em dominar a massa como ar-
comparações provocadas por Ludwig. Sua cultura d tista".
jornaes e revistas, e alguma rápida leitura e princi Sim, artista de ópera buffa!
palmente cultura da repetição de frases célebres, é fa« Que de ridículo nessa fotografia de Mussolini!
cilmente desnudada nos erros cometidos em seus dis- Lido superficialmente o livro de Ludwig — a
cursos, atribuindo frases e fatos a individualidade! pequena burguesia fica mais entusiasmada ainda por
totalmente diversas das citadas, como j á aconteceu rsse homem forte e continuará a pontificar: Aqui,
com S ó c r a t e s . . . Essa cultura esparramada nos im- leria preciso um M u s s o l i n i ! . . .
provisos é propriamente a cultura de um ditador como Lido assim, a gente quasi chega a querer bem a
Mussolini. Aliás, as massas fascistas não precisam d ussolini... Mas, como foi fácil a Ludwig desnudar
outra. Além disso, Mussolini acha que "a massa não a alma pequenina, vingativa, e fazer falar todas as
deve saber, mas crer". E o confessa a Ludwig: •Mitradições de Mussolini! Que libelo esse livro con-
"Quando penetro a crença da massa ou com c.t.i tra a "cultura" e a "serenidade imperturbável" desse
leróe da opereta italiana! Como Ludwig destróe o
me confundo, sinto-me uma parte do seu todo".
nsador e apresenta o tirano mascarado de cultura,
Tudo em Mussolini é contraditório. Seria pre-
tartufo fantasiado de pensador e o arlequim emplu-
ciso transcrever todos esses diálogos, todo o livro d i
£ d o como o Danilo da Viuva A l e g r e . . .
Ludwig.
Melhor o disse C. C. Grossi: (1)
Agora, é como si falasse Gog e é Mussolini quem
" E ' sintomático que esse "homem de estado"
fala: "Entretanto, agita-me contra a massa uma espj
(?) influenciado por Machiavelli desde a puberdade,
cie de aversão, como a concebe o poeta contra a m.i
teria que maneja. N ã o quebra, às vezes, o escultfli
(1) Benito Mussolini através dos Colóquios com Emil Lud-
exasperado, o mármore que sob as suas mãos não to» . Ateneo Liberal "Prometeo", Buenos-Aires. 1933.
146 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 147

se tenha deixado colher na rede por Ludwig, no mel» Caretas e frases, põe ao alcance da mão livros e cader-
mo salão, deante da mesma mesa onde resolve seitil nos, para mostrar a extensão de seus conhecimentos
grandes problemas de estado, forja a sua nação e prfltl polecionados. Só depois de haver revisto, corrigido,
para a grandeza da pátria para seu porvir. Jortado e suprimido, autorizado e feito imprimir, ex-
Contra a sua vontade, inconcientemente, esse q f l põe nas vitrines das livrarias a 1." edição em italiano;
cipulo doutrinado por Machiavelli, esse "Duce infn» l 6 depois de tudo isso, talvez devido ao discernimento
lível", com a lisonja, o elogio paradoxal, a comparta de algum Gentile, foi proibida na Itália a exibição e
cão com Cesar, Colleoni, Cromwell, Napoleão, B I ^reimpressão da l . edição do livro que devia ser a con-
a

mark e não sei mais quem, deixou-se docilmente dm lagração de Mussolini por obra do biografo de Na-
nudar deante do público, pagando os gastos do espe» poleão e de Bismark".
taculo. Só por discreção deixaram-lhe as cuecas.. I Mas, quanta tolice e quanta contradição colheu
Mussolini ficou liquidado. Ludwig nessa biografia!
O homem, todo inteiro, ali está: volúvel e vin- Com que habilidade Ludwig muda a direção do
gativo, delirante e cínico, superficial e rancoroso, in" 1
[dialogo, deante da inepsia de Mussolini, e de pena do
competente e presunçoso, irresponsável e brutalmente Meu provável constrangimento que Mussolini nem
egoísta. bercebe! . . . Ludwig tem frases como esta: "Para con-
tinuar, o colóquio, apeguei-me à primeira táboa de
Para defini-lo, bastava a introdução do livro: 0
lalvação e perguntei" . . . Isso, depois de duas ou
homem de Estado que "posa" de 23 de março a 4 dl
ttes linhas após a frase do Duce:
abril, durante quasi uma hora diária, deante do bi<>
grafo de Napoleão e de Bismark, esperando biogfl "Creio, entretanto, que não haverá — nem a
fia igual. E, possuído por essa ideia, trunca discul» talia o acataria — um Duce numero dois".
soes bancarias ou de outra índole, descuida qualquer Essa frase completa "a moralidade de toda a fá-
outro assunto de estado, prepara o plano e aprova ol ula" da éra mussoliniana.
esquemas dos colóquios, responde com imperturbável Ludwig enterrou Mussolini por uma vez. D á
tranquilidade a quasi 400 perguntas, estuda gestoi, pena ver esse pobre homem destruir-se por sua pro-
148 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 149

pria confissão, mostrar-se tal qual é, através de fra« — " E m ativos e contemplativos.
ses!... " O meu interlocutor apoiou os braços na mesa,
E ' a fábula da Raposa, do Corvo e do queijo . . . e com a sua fisionomia irónica, disse:
Que de ridículo quando procura comparar os dois sis- — Pois eu os distingo primeiramente em duas
temas, da Itália e o da Rússia! categorias: os que me atraem e os que me repu-
Impossível analisar aqui, todos esses diálogos cm gnam . . . Fiz muitas experiências. Só assim se conse-
que a fluência inconciente de Mussolini se deixa trair, gue dominar a realidade.
embora toda a sua prudência estudada e refreiada "Estas cousas decisivas êle as diz de preferencia
nessa "serenidade imperturbável" de que fala Ludwig, em voz baixa, como um epilogo para rematar uma sé-
Compreendo agora o que significa essa sereni» rie de ideias. Depois, fita o interlocutor com os olhos
dade imperturbável: é que, como Gog, ou Papini, 0 [dilatados, sorri e parece perguntar: "Estão agora re-
universo está dividido em duas partes: Mussolini e 0 liolvidos todos os problemas do mundo?"
que não é Mussolini. O ser e o não s e r . . . O resto é Que vergonha para toda a Itália fascistizada
como si fosse de p á u , a sua mesa de trabalho . . . N ã o esta biografia!
se deixa comover, nem emocionar.
Como Ludwig em poucas palavras desmascara M U S S O L I N I E AS MULHERES.
esse histrião! O livro desse psicólogo merecia estudo
muito mais detalhado, mesmo porque, aqui, entre nói, O desprêso de Mussolini para com as mulheres
ha quem veja, nele, um Mussolini mais crescido por 'contrasta com a admiração das mulheres por Mus-
que foi biografado por L u d w i g . . . lini...
O General Góes Monteiro já o citou seriamen- Êle sabe que as mulheres gostam dos homens
te... fortes . . . Que a multidão é mulher . . .
Vae aqui, apenas a amostra desses diálogos: E por isso, despresa as mulheres. Sabemos todos
Mussolini pergunta a Ludwig como dividiria oí flós, como em geral, na Itália, as mulheres são trata-
homens. Ludwig responde: das. E tenho visto, por aqui mesmo, mulheres italia-
150 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 151

nas ouvir gritos e berros com tal paciência que chegd uja influencia constitúe, para êle, um mundo obs-
a perguntar si esses italianos não estão embriagad ro, respondeu vivamente a Ludwig:
ou si suas mulheres são de pedra. — "Nos homens fortes, o ascendente da mu-
D a í M u s s o l i n i . . . Está na moldura do seu ce« lher é nulo". Constituem elas elemento festivo, como
nario... I música, a saudação à romana, os hinos e o alálá . . .
Ludwig pergunta a Mussolini: Ludwig aborda o terreno da expansão territo-
rial e demográfica:
— "Vangloria-se o senhor de que, no século
X I I I , os seus antepassados de Bolonha possuíssem — "Após taes confissões, preocupa-me muito
um brasão, como se tem afirmado? Inenos o brado fascista de "mais espaço". N ã o posso
N o semblante do meu interlocutor transluziu in- fcter que justamente o senhor veja a felicidade de uma
tenso desdém. Ergueu altivamente a cabeça e disse: i nação na sua extensão territorial. Ainda menos com-
preendo que, num país de superfície limitada, insti-
— N ã o me importa absolutamente. Só me inte-
tua prémios para as famílias numerosas. Afigura-se-
ressa um dos meus antepassados, um Mussolini que,
me até que o malthusianismo seria aqui mais indica-
em Veneza, matou a mulher porque o enganava e,
do de que em qualquer outro lugar.
antes de fugir, lhe deixou no peito dois escudos vene-
Mussolini não dissimulou o seu vivo desconten-
zianos, para as despesas do funeral. Assim é a gente
tamento; em nenhuma outra ocasião o v i impacien-
da Romanha donde provenho. Todos os seus cantol
|ar-se a tal ponto. De maneira absolutamente insólita,
são tragédias de amor".
irremessou-me ao rosto os seus argumentos e, falando
Teatralità! Como é ridículo esse lavar da honra
muito mais rapidamente do que costuma, respondeu
e como é teatral o gesto dos dois escudos!
cm tom resoluto:
Como a posteridade vae julgar esse grande ar- — Malthus! Economicamente, é um erro; mo-
tista que o mundo ha de perder um dia! ralmente, é um crime! A diminuição numérica da po-
E' esse o homem que as mulheres admiram tan- pulação origina a miséria! Com dezeseis milhões de
to! Embora Mussolini as considere seres enigmáticos, habitantes, era a Itália mais pobre do que com qua-
152 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E PASI I 8 MO

renta e dois. Estes acham-se, hoje, muito melhor de almas. Isto, porém, diminúe as forças na» lonar».
que quando a metade deles vivia sob os papas, N a Si eu a deixasse praticar impunemente, < i nu lul.i «
les e Veneza: miseráveis e incultos como eram! tornaria em breve de domínio particular. Nesse pom
trinta anos, vi isso em nossa casa! A industria prom somos antípodas dos russos.
veu a cultura, a competência aumentou mil vezes! — Fico, então, ao lado deles que outorgam à
— Em todos os países, objetei eu. E, no qui mulher os mesmos direitos que ao homem.
concerne à força da nação, apesar do seu sistema d l Estas palavras, tiveram o dom de exasperar I
dois filhos, a França demonstra quanto pôde, quanto irritação de Mussolini que, com uma voz ainda m
é necessário. obstinada, replicou:
— A França nada prova! atalhou vivamente o — A mulher tem de ser uma criatura passiva!
Duce.
E* analítica e não sintética. Acaso, em todos os sé-
— E a sua irritação revelou-me que a minhl culos, dedicou-se à arquitetura? Diga-Ihe que me edi-
óbvia objeção lhe fora feita com frequência. fique, não um templo, mas uma choupana. Ela não o
— S i não a viesse auxiliar a metade do mundo (
poderá fazer. A arquitetura, síntese de todas as arte..,
a França teria perecido. E ouça mais: si, em 1914, lhe é estranha: eis um simbolo do seu destino! A mi-
ela tivesse cincoenta e cinco milhões de habitantes, em nha concepção do seu papel no Estado é oposta a todo
lugar de trinta e cinco, a Alemanha nunca lhe decla* feminismo. Naturalmente, a mulher não deve ser es-
raria guerra!
crava; porém, si eu lhe concedesse o direito de votar,
— Essas ideias com que não posso concordar, zombariam de mim. N a Inglaterra, ha tres milhões
tornei eu, explicam-me as suas sanções contra o abor» de mulheres mais do que os homens. Entre nós, os
to provocado, que nos deixa de todo indiferentes. i n ú m e r o s se equilibram. Quer saber onde acabarão os
— Os russos podem guiar-se por outras leis, re« anglo-saxonios? N o Matriarcado!"
trucou, com a mesma veemência, o meu interlocutor. Eis o homem! E ' o Duce, idolatrado pelas mu-
Talvez lhes não importe que a sua população aumen* lheres como o simbolo do homem f o r t e . . .
te todos os anos de cinco, de tres ou só de um milha Como os seus argumentos contra Malthus são
154 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 155

fracos e falsos! Mussolini não conhece Malthus, do — Sem dúvida. Apenas não podemos encon-
contrario, não seria tão banal nos seus argumentos trar trabalho para todos".
vulgares de toda gente. Realmente... a diferença não é grande . . .
Eis a que se reduz a mulher — para esse ditador Que papel deprimente e criminoso o da mulher,
que é o idolo das mulheres! a serviço dessa inconciência bestial!
Mas, Mussolini pensa em fazer de Roma o cen-
Segundo "L'Echo de France" (19-2-33), os sem-
o do mundo: " — entendo apenas que sempre o será,
trabalho na Itália são em numero de 2 milhões e não
porque conta a maior historia. Jerusalém e Roma.
recebem nenhum socorro regular. Somente uma pe-
Que é o resto ao pé delas?" Deante disso, tem de "ex-
quena parte dentre eles, nas grandes cidades e após
plodir" italianos pelos quatro cantos do globo . . .
numerosas dificuldades burocráticas, recebe uma in-
Cita ainda uma frase que atribúe a Kipling:
demnização de 3 liras e 50 por dia, com a condição
"Os povos que não passaram pela civilização de
de ser inscrito no faseio e provar sua fidelidade ao
Roma, assemelham-se a rapazes que não frequentaram
regime. E recebe apenas durante alguns meses. N o
a escola".
campo, o auxilio aos esfomeados é monopolizado pela
Duvido muito que isso seja de Kipling. Pôde ser
Igreja: para ser socorrido, é preciso entrar nas boas
graças dos padres e irmãs de caridade, mostrar-se de- de M a r i n e t t i . . .
votado e obediente. 6 0 % da população faminta está *
sendo dizimada pela tuberculose.
E é para essa calamidade que Mussolini dá pré- N o Capitulo "Perigos da Ditadura", Mussolini
mios às grandes famílias! •responde a Ludwig:
— "Liberdade! disse Mussolini, com a sua voz
Mas, quando Ludwig lhe diz:
profunda. Como sempre volta a insistir sobre isto,
— "Ultimamente, em Moscou, notei, em quasi quero declarar mais uma vez que não falta, no nosso
todos, duas cousas: trabalho e esperança. Vê-se o mes- Estado, a liberdade individual. Mais do que o homem
mo entre os seus concidadãos? isolado, a tem aqui o cidadão, pois está sob a proteção
156 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 157

do Estado de que constitúe, deveras, uma parte; en- — "Os crimes políticos, respondeu o Duce cal-
quanto o outro é, pelo contrario, abandonado a si mamente, ocorrem com igual frequência nos estados
mesmo". E ' por isso que é preciso "falar imperiosa- democráticos. Sob Napoleão I I I houve — de certo
mente às massas" . . . não o esqueceu — um caso célebre; na republica fran-
Tartufo! Que diferença a linguagem de hoje! cesa cometeram-se muito delitos misteriosos — e, si
Ludwig replica, lembra que, em 1919, sendo já fas- Iquizer observar a jovem democracia alemã, ali os acha-
cista, Mussolini escrevera palavras admiráveis acerei rá, no ultimo decénio, mais numerosos do que em
da conservação de certas conquistas ocidentaes: " L i - [qualquer outro país".
berdade do individuo e do espirito que não vivem dc Justifica-se sempre, e até com orgulho, de todas
pão somente; uma liberdade diversa da que imperava as suas vinganças e tiranias. Atrás, dissera:
entre os subalternos prussianos e da que reina nas ca- — "Quando se assentam certas premissas, cum-
sernas de Lenine. O contrario seria retrogradar à bar- pre não receiar certas consequências".
bárie do século X I " . O maior orgulho da sua vida: — ter sido um
Isso dizia M u s s o l i n i . . . jbom soldado! Deante disso, tudo mais se explica.
Ludwig desafia-o a provar ao mundo o seu libe- Falando de Dante, cita Ludwig:
ralismo, e o dialogo precisa ser truncado, porque, hoje,
" E , abandonando de súbito o tom platónico, cur-
Mussolini nem sabe mais sustentar duas frases em
vou o busto para a mesa e acrescentou, com uma ex-
torno da Liberdade — cadáver de uma deusa que ele
pressão de rancor satisfeito:
esmagou sob o tacão da bota fascista.
— Além disso, somos afins pela paixão faccio-
Ludwig falando dos espiões, delatores e divul-
na e pela implacabilidade. Dante nunca perdoou os
gadores de anedotas, dos sentimentos de insegurança
Tseus inimigos; nem siquer quando os encontrou no
e aversão, Mussolini replica muito calmo:
inferno.
— "Toda sociedade precisa de uma classe de Após taes confissões, Mussolini adeanta a ma-
cidadãos que deve ser odiada". xila inferior e parece pensar em determinados aconte-
Ludwig refere-se ao caso de Matteotti: cimentos.
158 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 159

— Isso é bismarquiano, objetei eu. Certa vez, Sempre o grande atôr de ópera buf fa! . . . E*
disse o Chanceler: "Esta noite não dormi. Odiei a r isso ainda que declara:
noite inteira". "Neste decénio, desenvolvi, em grande estilo, a
Mussolini sorriu. Indicando a praça, além da ja- «linha atitude". O grifo é nosso. Por força, quer pas-
nela, prossegui: sar à posteridade como Artista.
"LTtalia d'oggi" é, de fato, um famoso picadei-
— Todavia, ali abaixo viveu, outrora, um latino
o de pantomimas tragi-comicas.
que até o nome dos inimigos esqueceu!
O ódio transpira desse homem e o espirito de
— Cesar, disse o Duce, no tom surdo e repassa-
vingança. N ã o se encontra nele senão a manifestação
do de intima agitação com que já duas vezes o ouvi
brutal do egoísta, do único, desinteressado-se abso-
pronunciar esse nome. Depois de Cristo, o ser mais
lutamente de todos. N e m um sentimento mais delica-
sublime que em qualquer tempo existiu. Quando qui-
do. Si uma palavra sáe da sua boca, mais amena, é
zeram Ievar-lhe a cabeça do seu adversário Pompeu.
apenas atitude.
preparou-Ihe, pelo contrario, imponentes funeraes.
"Somos fortes, porque não temos amigos", disse
Esse caráter enche-me de admiração. Mas, após uma
Mussolini. Essa bela frase, profundamente filosófica,
pausa, acrescentou obstinadamente:
ficaria bem na boca de um Deus, nos lábios de um
— Porém, eu pertenço à classe de Bismark. risto. Seria a união com o Todo, a comunhão uni-
rsal, o amor no sentido mais alto e mais puro. O
A f i m de lhe desvanecer o rancor, puz-me a falar
Hesprendimento de afeições isoladas, para a reintegra-
de música . . . continua Ludwig".
ção na alma universal. Mas, falada por Mussolini tem
A t é que ponto aviltou-se a humanidade para per-
bma significação oposta. E aqui se explica o Duce:
mitir que esse histrião seja o Duce de uma nação de
— "Si os amigos se transformam em adversá-
42 milhões de habitantes!
rios, si se manifestam abertamente, combato-os, do
A Grécia o atraiu, diz êle, pela filosofia e depois,
contrario, não me interessam".
pela tragedia. " O drama sempre me impressionou pro-
fundamente", acrescenta. Ludwig interroga:
160 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 161

— "Como pôde, nesse caso, tolerar a multidão "Quero dramatizar a minha vida".
de fisionomias que diariamente lhe passam ante "Quero fazer da minha vida uma obra prima".
olhos? "Viver perigosamente" (Nietzsche).
— Porque vejo nelas apenas o que me dizem. " O interesse publico é uma cousa dramática,
N ã o as deixo chegar ao meu espirito nem me pertur- ervindo-o, multiplico a minha vida" — aí está con-
bam mais do que esta mesa e estes papeis. N o meio ida a alma de Mussolini: individualista egoísta, atôr
delas conservo-me completamente só". agi-comico, homem de frases altissonantes para
E' fantástica essa separatividade deshumanai trair as galerias ingénuas. Que obra prima será essa?
Mussolini só se interessa por si mesmo, pelo espeta- Tinha razão Augusto Comte quando detestava
culo que oferece ao mundo. Apenas precisa dos atorel 8 letrados. Essa fusão, essa mistura de filosofia ou
de segunda ordem e do coro para o alálá. frases filosóficas com a convicção de uma missão
Os períodos seguintes darão ideia mais segura da 'cumprir, interesses ou razões de Estado e pretenções
frieza glacial desse egoísmo que só se viu na antiga Artista — que de ridículo e que de crimes perpetra-
Roma dos Bórgia e dos Cesares. i s em nome da nacessidade de governar 42 milhões
Diz êle: e seres humanos — para dramatizar a vida!
"Quando me sinto fatigado dos homens, pro- Mussolini foi inimigo da tirania — com a inten-
curo o mar. Gostaria de viver sempre à beira m i do de se tornar tirano.
Como não é possível, volto-me para os irracionaes. O Pobre escultor de montanhas!
seu instinto assemelha-se ao do homem a quem, toda- Individualista deformado pela própria obra, con-
via, nada pedem: cavalos, cães e principalmente o meu diu-se com a multidão que despresa. A sua vida é
animal preferido, o gato. O u observo os animaes fe- a obra prima de deformidades e ridículo, de trai-
rozes. Neles se encontram ainda as forças elementa- es, de crimes e baixezas. Fatalista mas, com o orgu-
res da natureza". o do único, sombrio, medroso — a tirania é sinal
Musolini está mais perto dessa ferocidade egoís- e medo — confiando na Providencia e Nietzsche-
ta do animal selvagem. Quando diz: cano ( ! ) , saturado de frases, pejado de prejuízos,
162 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 163

não confiando absolutamente em ninguém, herdou lubsistencia. Essa é a primeira conclusão lógica, si se
superstição italiana, a exaltação ,a febre teatral dc e[ bbserva tal fenómeno à luz da Lei de população, lei
bicionismo e la volontà di potenza dos Cesares, e, He bronze, de pé, tragicamente, ameaçando o género
ferocidade brutal dos ditadores romanos, acrescem pumano, na sua frieza matemática, contra a qual nin-
a loquacidade derramada da oratória moderna da kuem se atreveu ainda ou ninguém teve forças para
vocacia de praça pública . . . Bevantar monumento igual, capaz de a superar, de a
Por fim, a aliança com a Igreja! !re vogar.
Tem razão Carducci: A segunda dedução lógica é que o aumento da
população, convindo aos interesses particulares dos t i -
"Quando porge la man Cesar e a Vier o ranos e patriotas supernacionalistas, conduz, fatal-
Da quella stretta sangue umano stilla; mente às guerras de conquista, disfarçadas em movi-
Quando il bacio si dan Chiesa ed Impero mentos civilizadores.
Un astro di martírio in ciei sfavilla".
Esses interesses da prepotência politica e econó-
mica recebem os nomes pomposos de "defesa do regi-
MUSSOLINI E A LEI DE POPULAÇÃO. men", "direitos dos povos", "defesa sagrada da Pa-
p i a " , da Família, "defesa da civilização", "revigo-
As medidas draconianas, tomadas nestes últitrvfJ ^amento nacional", "ressurgimento da raça", "força
6 ou 7 anos, por Mussolini, contra o neo-malthu.siêil expansiva de um povo" . . .
nismo, demonstram à saciedade, observados os dadofl Mussolini precisa de "carne para canhões".
matemáticos das estatísticas, a decadência demoli A Está impressionado com os dados demográficos
fica, o que significa, segundo Malthus, aumento i l l l Be seu país em relação à crescente importância politi-
miséria, constrangimento moral ou castidade forç.nlti ca da Itália no seu cérebro de paranóico e em relação
aumento da prostituição (a prostituição cresce na r««j Io seu desejo de "tomar uma participação maior nos
zão diréta da miséria), degenerescência fisica, epide liegocios mundiaes".
mias, carência de géneros alimentícios, luta fero/ ptj Contando com a fraca natalidade da França —
164 MARIA LACERDA D E MOURA C L E R O E FASCISMO 165

sinal de equilíbrio — e contando com a "fecundida E ' a organização burguesa contra a evolução. E '
maravilhosa da matriz italiana", o jornal "Roma Fa [instinto de defesa na luta de classes e privilégios. O
cista" diz: " U m bloco de 80 milhões de Romanos, d iascismo vae tomando caráter internacional.
Atlântico ao Mediterrâneo, resolverá o áspero e o! E as nações se armam, e, apoiando-se superficial,
curo problema da Europa. Nossos camponios já Ç nalsa e patrioticamente na doutrina darwinista da lu-
nhecem a estrada dos ricos campos franceses, noss pa, da sobrevivência do mais forte, do mais apto, são
operários estão prontos a se pôr ao serviço das indus- t o n t r á r i a s ao neo-malthusianismo e decretam a neces-
trias, no mundo do trabalho; chefes, nós os temos, d sidade do aumento do indice demográfico. Sinaes de
coração sólido e capazes... E, si o povo francês e j [guerras terríveis.
inevitavelmente destinado a desaparecer, teria a ale* Mussolini, sobre taes bases, não esconde os seus
gria de desfalecer nos braços imortaes que o embala- propósitos imperialistas. Em o célebre discurso de 26
ram na infância, não destruídos pelos Bárbaros, mas, Me Maio de 1926 (ou 1927), na Camara dos Depu-
absorvidos no seio materno de Roma". [tados, concluiu:
E ' tal a petulância, é tal a temeridade tragi-co* " E ' preciso que em 1950 os italianos sejam, no
mica que, si dá vontade de rir, ao mesmo tempo fai pninimo, 60 milhões, então, constrangidos pela neces-
olhar seriamente o problema, porque o fascismo é fc« sidade, "explodirão" e farão o Império".
nomeno do ciclo de inquietações da nossa civilização. E, em todas as cidades da Itália, são distribuídos
Mais ou menos 130 milhões de homens estãflj •diariamente, como boletins de guerra, estatísticas com
sob o jugo do fascismo. O fascismo italiano é o m os rc numero dos nascimentos e dos óbitos.
sistematicamente organizado, mas, a Hungria, a Ale- Mas, Mussolini se esquece de que nascimentos
manha, Portugal, os Balkans, a Polónia, a Bulgária, [e mortes, decrescimento das populações do campo e
a Yugoslavia, a Rumania, a Grécia e até a republica [êxodo para as cidades grandes não são fenómenos que
Espanhola, (para que citar mais?) teem a doença do se evitem ou que se acoroçoem com leis ou com ora-
supernacionalismo fascista. O Brasil para lá caminha, tória.
desgraçadamente. N e m falemos do nazismo. E, por isso, Mussolini é um benemérito do neo-
166 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO 167

malthusianismo. " N ã o se tem filhos com discursos", .156.428 contra 669.640 mortes, tendo sido o exce-
disse N i t t i . "Desde que Mussolini entrou a gritar que ente reduzido para 486.788. Em 1926 os nascimen-
se devem aumentar os nascimentos, os nascimento! is, ultrapassaram as mortes apenas em 455.300, ten-
diminuem constantemente. 0 nascido 1.134.500 pessoas e morrido 679.200.
" O Fascismo assumiu o governo em fins de 1922, Nos 10 primeiros meses de 1927 houve 942.445
Houvera naquele ano 1.127.444 nascimentos, (o ascimentos contra 532.117 mortes, com um exceden-
1.175.467 — / / Becco Giallo), isto é, 30,2 por mil de 410.338. A natalidade decresce francamente, à
habitantes. Esses nascimentos têm diminuído sempre, lazão média de 40.000 por ano.
até 1.093.054, isto é, 26,9 por mil habitantes cm Continuando, dentro de alguns anos começa o
1927. A diminuição verificou-se mais em 1928 c to-
fceriodo da decadência demográfica, desaparecendo
dos os dias se acentua. Em 1928 foi de 1.107.667
nuasi o excedente dos nascimentos sobre as mortes —
"II Becco Giallo").
I o receio de Mussolini e daí, a sua atividade fecun-
"Toda a infindável discussão sobre a utilidade dadora . . .
da imprevidência, não tem feito mais do que esclarc- A crise mundial e a emigração dificultosa dora
cer os italianos sobre a necessidade de maior previdên- vante, porquanto a politica fascista no exterior se
cia". (F. N i t t i — " A Politica Demográfica do Fas- ae tornando indesejável, obrigam os italianos a per-
cismo" — O Estado de São Paulo — 31 de Março anecerem na península.
de 1929. Mas, a Itália já está abarrotada, a emigra-
Ora, ha na Itália, anualmente, um excedente de
ção diminúe.
fOO.OOO ou 400.000 nascimentos sobre as mortes.
Segundo dados oficiaes, telegrama de Roma (O
r U m a província inteira nasce cada ano sem o terri-
Estado de Sao Paulo — 25 de fevereiro de 1928, te
prio correspondente" ( N i t t i . )
legrama de janeiro), no ano de 1924 houve 1.173.261
Mussolini tem razão: os italianos hão de "ex-
nascimentos e 662.870 mortes, correspondo a um
plodir".
excedente de natalidade de 511.394.
E o Brasil está ameaçado, destinado a receber
Em 1925, os nascimentos foram no total dc todos os "explosivos" fascistas da "Deusa Roma".
168 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 169

E' científico o raciocínio de N i t t i : "Póde-se ad- (franceses estariam bem longe da sua grandeza e os
mitir, em linhas geraes, que quanto mais progridem indús e chineses seriam os donos da terra.
os povos, tanto mais diminuem os nascimentos. " O Fascismo concita os italianos a terem coelhei-
" H a um terrível fenómeno social, a oíiganthro- jra. Mas, quando é que os leões se criaram em coelhei-
pia, que fere as sociedades mais adeantadas. Os po- ras? A característica dos leões é a sua extrema infe-
bres são mais prolíficos que os ricos; os camponios e fcundidade e todos os grandes mamíferos têm débil
os operários muito mais fecundos que as classes mé- tiatalidade. Os mais fecundos são as ovelhas, os coe-
dias; os povos mais adeantados, menos fecundos que lhos, os ratos, etc. Leões e tigres mui lentamente se
os povos primitivos. Nos Estados Unidos a natalida- Reproduzem".
de é baixíssima. N a Nova Inglaterra é mesmo infe- Poderíamos ir longe, discutindo o erro criminoso
rior à da França. A Suécia, que atingiu um grau altís- do supernacionalismo da superpopulação, sob o admi-
simo de civilização e de riqueza, tem menos nascimen- rável ponto de vista- de Malthus e de seus sucessores,
tos que a própria França.
os neo-malthusianos da envergadura de Drysdale,
"As populações mais miseráveis são também as Paul Robin ou Hardy.
mais prolíficas, como as slavas. Em geral, a natalida-
Mas, limitamo-nos a encarar o problema guer-
de diminúe com a civilização. Mesmo na natureza, os
reiro, romanamente conquistador, de Benito Musso-
seres inferiores são os mais fecundos. Esse fenómeno
lini.
se verifica, finalmente, até no reino vegetal. A rosa
Todos os estadistas são movidos exclusivamente
em estado natural só tem 4 pétalas e é fecundíssima t
pela concurrencia do poder, da vaidade, do dominis-
se reproduz por sementes. Quando se desenvolve e
[mo e o aumento da cifra demográfica de cada paiz
adquire grande número de pétalas, fica infecunda e
só serve para investir as nações umas contra as outras,
só se reproduz por propagação.
no delírio louco da vontade de poder.
Mas, o número é um preconceito. N ã o prevale-
cem no mundo os mais fecundos, porém os mais fortes, A superpopulação, antes da guerra, custou de 15
"Si o número fosse potencia, os ingleses e os a 18 milhões de mortes.
170 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 171

Que representa esse lapinismo, senão a "carne 0 imperialista romanamente feroz da "éra musso-
para canhões"? L iana".
E a mulher, inconciente, atira os povos nessa car- Vejamos uma pagina de
nagem canibalesca, na santa ignorância das suas pró-
prias forças.
OS H O R R O R E S D A T I R A N Í A F A S C I S T A
O seu gesto preventivo seria a "suprema resistên-
cia" ao capitalismo de garras afiadas por sobre todo
Henri Barbusse, em nome da "Liga de Defesa
o género humano.
as Vítimas do Fascismo", da qual fazem parte inte-
E é para a luta de morte, para o saque, o roubo, ectuaes de renome mundial, taes como: George D u -
a violência, a crueldade que esses descendentes dirétos amel, U p t o n Sinclair, Panait Istrati, Forel, H a n
da rapinagem antiga preparam a mocidade italiana e yner, René Arcos, Victor Basch, Leon Balzagette,
cantam "a gloriosa matriz" das mulheres italianas. E' tue Durtain, Jean Longuet, Victor Margueritte, Ro-
para o banditismo sob todos os aspectos que o fascis- Jnain Rolland, Charles Vildrac, Appens, Butmann,
mo quer obrigar as mulheres a encherem de filhos a instein, Jacoby, Paquet, Lansburry, Bertrand, Rus-
Itália — para a gloria de mais um idolo, para a gloria 1, Grumberg, Andreas Latzko, Victor Serge, e ou-
da Deusa-Roma — o Moloch da próxima e terrível os, — dirigiu uma carta ao embaixador italiano jun-
luta social-religiosa.
1 ao governo francês, protestando contra as torturas
E ' a razão por que sou contra os crimes mons-
acreditáveis da Itália fascista.
truosos dessa horda de fanáticos "liberticidas".
U m a nova tirania ameaça estrangular o pensa-
São milénios de atraso na evolução humana. ento humano no martírio ignominioso com que ten-
Essa é "lTtalia d'oggi", cujas mulheres também a sufocar a razão pela tortura fisica. Vejamos a car-
iniciam as competições atléticas — para adquirir de Barbusse, seguida de comentários a propósito
"pugni fermi" — e sufocar a beleza da piedade fe- o silencio da Embaixada italiana na França e segui-
minina no tipo espartano, cuja alma ficará hipoteca- da de outras informações em torno do regime de tor-
da à tirania, à brutalidade, à crueldade, ao patriotis- turas inomináveis das prisões fascistas.
172 C L E R O E FASCISMO 173
MARIA L A C E R D A D E MOURA

" N o fim dos últimos dias do mês passado, o Co» I A M O R T E D E S O Z Z I N Ã O E' U M CASO
mité de Defesa das Vítimas do Fascismo, a que tenho ISOLADO!
a honra de presidir, tendo conhecimento das terriveil De toda parte da Itália chegam-nos noticias
circunstancias em que o comunista Gastão Sozzi mor» |ue n ã o admitem mais dúvidas sobre a realidade que
reu, nas prisões de Perugia, pedia à embaixada da ias prisões de Mussolini a tortura está erigida em sis-
Itália, em Paris, que obtivesse do seu governo: jtma, e que as torturas como no caso de Sozzi têm
1) — que a luz mais completa se fizesse sobrt bomo objetivo diréto a morte dos detidos políticos. Eis
o trágico fim de Gastão Sozzi; jtqui novos episódios sobre os quaes a livre opinião pú-
2) — que um inquérito, objetivo e imparcial so- blica internacional — da qual o nosso Comité é o in-
bre o regime das prisões italianas fosse permitido « t e r p r e t e — deseja a luz mais completa.
uma comissão de homens livres, designados pela livre Em Milão, no verão de 1927, a policia chegou a
opinião publica internacional. Bescobrir, em um apartamento da rua Cappuccio, 19,
O silencio da embaixada italiana ao nosso pedi- m m depósito da revista marxista " L o Stato Operaio",
do de fevereiro, confirmou na opinião publica de todo I d a qual os diretores tinham deliberado fosse a distri-
o mundo a convicção de que as condições pelas quaes b u i ç ã o feita clandestinamente, devido isto à supres-
foi morto Gastão Sozzi nas prisões de Perugia, não B ã o de algumas publicações antifascistas, ordenada
são senão uma das realidades dolorosas do regime do k>or Mussolini. T a l descoberta ocasionou a prisão do
governo italiano. Bornalista Francesco Leone e do operário Boselli, re-
l i d o s como responsáveis pela difusão da revista. Com
Mas, eis que novos fatos odiosos ocorridos n
B l e s foram presos também, o porteiro do estabeleci-
prisões italianas são aqui assinalados. Estes fatos a
• n e n t o , Antonio Sanvito, e sua mulher. E ' de notar
mentam a angustia que o fim trágico de Gastão So
•que segundo o regulamento da policia da primavera
espalhou por todo o mundo civilizado, acerca da sor-
I d e 1927, um porteiro não pôde exercer a própria pro-
te de 60.000 prisioneiros antifascistas, que, de fontes
Jfissão si não fôr isso do agrado da Policia. Êle é en-
diversas e seguras, sabemos estarem recolhidos nas pr
learregado da vigilância e da denuncia das ideias poli-
soes italianas e relegados nas ilhas das deportações,
174 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 175

ticas dos seus inquilinos, e, em caso de negligencia, suas prisões esteve detido durante o verão passado o
considerado como cúmplice das manifestações e |ex-chefe da estação de Sondrio, Pirola, exonerado da
atividade antifascista pelas quaes sejam responsabi Direção da Estrada de Ferro do Estado pelas suas
zados os seus inquilinos. N a aplicação deste regUl ideias antifascistas. Pirola esteve preso em Sondrio,
mento, o porteiro Sanvito foi preso com a mulher jporque suspeitou-se que estivesse em ligação com a
sujeito também com os outros prisioneiros, a tortura [organização antifascista de Milão e de Brescia. De
inomináveis. Exigiu-se deles a exposição do plano e Sondrio foi êle transferido para Milão, onde foi su-
nomes dos responsáveis pela difusão. Naturalmrn jeito a toda sorte de torturas para que se lhe pudes-
o porteiro não podia dizer nada porque nada sabia. aem arrancar as "revelações" que a policia exigia. De-
Mas, enquanto Leone e Moselli, jovens e robustos, pu- pois de um mês de detenção a sua familia foi adver-
deram suportar a tortura, o porteiro Sanvito, já velho tida de que o prisioneiro "tinha-se enforcado" em sua
e doente, não poude resistir. Duas semanas depois da cela. Trata-se, como é evidente, da repetição do caso
prisão, não se obteve mais noticias dele. Soube-se maii Sozzi, o que demonstra como a versão policial do sui-
tarde que tinha morrido. Quando? Em que data? E m i cídio não será mais do que um sistema aplicado a to-
que condições? Porque sepultá-lo clandestinamente tdos os prisioneiros assassinados após a tortura. Ainda
sem dar à sua familia autorização afim de que proce- para Pirola, como para os outros, foi negada à fami-
desse à autopsia, como no caso Sozzi? Fomos ainda in- j lia o direito da autopsia e de participação nos fune-
formados que, com a noticia da morte do marido, a raes. Assim, o sepultamento, foi feito de modo clan-
mulher de Sanvito, na prisão ainda, enlouqueceu. destino, à noite, antes mesmo que os parentes de Pi-
rola tivessem noticia de sua morte.
Porque tal procedimento, si não se tratasse de
E' P O S S Í V E L N Ã O EXIGIRSE T O D A A L U Z
um delito?
SOBRE F A T O S S E M E L H A N T E S ?
Mas a série terrível não terminou.
Outro caso de ferocidade inadmissível ocorrido Noticias aterradoras chegam-nos ainda das pri-
na mesma cidade de Milão, vamos denunciá-lo. Em sões de Génova. Estamos informados que nesses car-
176 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 177

ceres foi implantada "a máquina para fazer falar", Btá recolhido a uma casa de saúde. Tinha-se então,
Triste recordação dos piores tempos da inquisição! A impressão de se encontrar o povo italiano deante de
"máquina" consiste em uma cela aparelhada para ai tn excepcional episodio de ferocidade. H o j e devemos
mais refinadas torturas. U m prisioneiro passou recen- onstatar, entretanto, que se trata de um sistema;
temente pelas engrenagens terriveis de tal "máquina". ma verdadeira escola de torturadores os quaes rece-
Trata-se de um certo Ruota, sapateiro de San Quirico. em, sem duvida, instruções do alto, de um centro
A tortura o reduziu ao estado de precisar ser trans- nico, controlado e inspirado pelos órgãos do poder
portado com toda a urgência para a enfermaria. Mas, irigente. T a l convicção é devida ao fato de que a
depois da enfermaria ,o silencio. N ã o se teve mais no- rtura é exercida contra os prisioneiros politicos, se-
ticia dele. Os boatos são de que êle tenha simples- ndo um método preordenado e idêntico em todas
mente m o r r i d o . . . prisões da Itália . . .
Pelas noticias que continuamente nos chegam, p i A parte o esbordoamento com "manganelli"
rece que as prisões da Itália fascista não passam de ouriços) cheios, até à extremidade, de chumbo em
covas de carnificina. Ao lado dos casos de morte que jo, à parte os socos com luvas de ferro — método
temos denunciado e que são apenas os raríssimos que do em todas as delegacias de policia — estamos
puderam atravessar o espesso muro de silencio que formados de que aos prisioneiros é aplicado o trata-
circunda as prisões italianas, temos ainda noticias dc mento seguinte para "obrigá-los a falar":
outros casos de tortura semelhantes e que deitam uma 1) — esbordoamento até fazer sangue (casos
luz sinistra sobre o sistema de repressão praticado pelo fe Trieste e Monfalcone, já denunciados pela im-
governo fascista. jrensa);
J á de outra vez temos feito sentir o nosso protes 2) — uso de agua fervendo para mergulhar as
to contra as torturas infligidas aos prisioneiros do in- aos dos prisioneiros, sempre com o escopo de arran-
fame "Castello" de Brescia, a cidade do secretario do r-lhes "confissões" através da dor fisica (Milão,
partido fascista. E ' bem notável o caso do comunista rescia);
Paulo Betti, torturado até à loucura, tanto que agora 3) — jejum, escuridão e espancamento, alter-
178 MARIA L A C E R D A DE MOURA
C L E R O E FASCISMO 179

nadamente (sistema iniciado em Brescia e depois gl Soes dos prisioneiros políticos, aplicam-se-lhes sobre o
neralizado em todas as prisões da I t á l i a ) ; mbigo um escaravelho preso dentro de um copo em-
4) — injeções de substancias químicas destittl orçado, isto por tres ou quatro horas, no fim das
das a provocar um estado de loucura no prisioneirOj buaes se consegue que "falem" os prisioneiros.
com o escopo de aproveitar o delírio para obter "in Estes processos que acabamos de resumir, não
formações" (Brescia, Perugia); ão senão uma pálida ideia da sorte com que são ser-
5) — alfinetadas nos testículos afim de prov idos os prisioneiros políticos. Taes torturas, as mais
car uma inflamação aguda (Brescia, G é n o v a ) ; s vezes, deixam de ser praticadas separadamente,
6) — em outros casos ligam-se os testicul uasi sempre são combinadas segundo a tempera do
com cadeias ou com cordas, e a dor fisica é sabiamen risioneiro e conforme as revelações que se pretende
graduada com uma pressão cada vez mais forte (R bter.
ma, Nápoles, G é n o v a ) ; Ora, não se pôde deixar de dar conta de taes fa-
7) — profundas alfinetadas sob as unhas ( T s, que provocam a indignação de todos os países ci-
rim, Génova, M i l ã o ) ; ilizados, — à opinião publica internacional. Em no-
8) — "enteroclismas" de soluções de iodo, pio e da humanidade ultrajada insistimos ainda por que
vocando isso convulsões dolorosíssimas nos intestino» pedido que dirigimos à embaixada italiana, no fim
(Perugia); e fevereiro passado, seja tomado em consideração.
9) — incisões na língua com arma de córt Desejamos:
(Génova); 1) — que não somente seja feita a luz sobre to-
10) — também se chegou ao ponto de arrancai as as torturas denunciadas e sobre todos os casos nos
os pêlos do púbis (casos de Monfalcone e da operar! uaes as torturas tenham provocado a morte dos pri-
Lina Morandotti, de Milão, recolhida a uma clinic ! oneiros, como no caso de Gastão Sozzi, de Antonio
louca de d o r ) ; anvito, de Pirola, e provavelmente ainda de Ruota
11) — e também recorreu-se à ajuda de ina mesmo esperando-se que este ultimo seja desmen-
tos, como em Firenze, onde afim de obterem con In 'do);
C L E R O E FASCISMO 181
180 MARIA L A C E R D A D E MOURA

curso do cardeal Gasparri, legado pontifício ao Con-


2) — mas, que seja ainda feito um inquérito in-
gresso Eucarístico Regional de Sulmona, pronuncia-
ternacional sobre as prisões e sobre as ilhas de depor-
do durante a recepção que lhe foi oferecida no Pala-
tação em que estão abandonados cerca de 60.000 pri-
cio Municipal, o Cardeal teve a preocupação de f r i -
sioneiros.
zar que "o único homem que viu claro neste caos foi
Este pedido que nós vos renovamos em nome de
b chefe do governo italiano — esforçando-se em re-
todo o mundo civilizado, emana da necessidade impe-
conduzir a pesada máquina do Estado às suas bases,
riosa imposta à nossa conciência de homens livres. Nó»
isto é, na concepção da existência de Deus e sua mo-
queremos impedir que a série sangrenta das tortura»
r a l " . Concluindo que "isso constitúe séria garantia
continue ainda. E se continuardes a manter silencio,
para nós e faz palpitar o coração nas melhores espe-
não farei mais do que aprofundar o vasto movimento
r a n ç a s para o destino de nossa Patria".
de indignação levantado contra o fascismo em todo»
os países do mundo, pelo conhecimento de seus bár- O regime da tirania é a consequência lógica do
baros processos. [prestigio crescente da autoridade clerical. Tacchi Ven-
Crede, senhor embaixador, em meus altos senti- fturi, o papa negro, o chefe dos jesuítas é a pessoa en-
mentos. carregada de dirigir e coordenar o método de tortu-
rar nas prisões de VItália d'oggi.
(a) Henri Barbusse".
D a í a perseguição às lojas maçónicas e o desapa-
recimento dos documentos roubados dos arquivos,
Essa carta foi publicada e transcrita em todon
principalmente os que se referem ao "Risorgimento".
os países civilizados. E, na Itália fascista, o sistema
não foi m o d i f i c a d o . . . E o silencio da Embaixada Os protestos individuaes aqui e ali, por parte do
confirmou essas e outras informações. E o "homem clero secular nada têm que vêr com o sistema coorde-
da Providencia" o "enviado de Deus" que instituiu a nado e premeditado pelo alto clero jesuíta, represen-
nova inquisição continua a ser louvado pelo clero. tado por Tacchi-Venturi, o génio do renascimento das
modernas torturas inquisitoriaes.
Os jornaes de 15 e 16 de setembro de 1932 pu-
O clero está à espera ha s é c u l o s . . . D a í Musso-
blicam telegramas de Roma anunciando que, no dis-
182 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 183

lino ser classificado como "o enviado da Provi- o Partido Fascista a quantia de 65.000 liras, além
dencia". e outras declarações no mesmo género.
Paul Ronin (UOmbre sur Rome) entre outros N a noite de 25 de setembro de 1925, houve em
horrores dessa tirania, narra também: lorença, verdadeiro massacre de S. Bartolomeu. A 3
"Assinalam que no comissariado de policia de e outubro, os fatos se renovaram multiplicando as
uma pequena cidade dos arredores de Trieste, em ueldade: saques, pilhagens, assasinios, torturas, in-
Monfalcone, tres operários foram dependurados pelos ndios, todos os horrores de uma matilha de bar-
pés em uma trave e açoutados até sangrar. ros.
U m moço acusado de haver içado uma bandeira Pilati foi ferido no leito, ao lado da mulher, e
vermelha num monumento, foi açoutado. Jogaram orreu após tres dias de sofrimentos horríveis.
agua salgada nas feridas sangrentas. Depois disso, a As cenas se repetiram, por ordem do Faseio, em
vitima foi levada a um oficial da milicia fascista que odos os arredores. A policia esteve ausente enquanto
se divertiu, durante uma hora, em lhe arrancar os pê- ra preciso aterrorizar. A mesma farça do processo e
los do v e n t r e ! . . . " uri. A 16 de Maio de 1927, os massacradores de Flo-
Com Matteotti, primeiro arrancaram-lhe os ór- nça foram absolvidos "porque os delitos foram co-
gãos sexuaes. E só depois de uma série de mutilações etidos por pessoas desconhecidas".
horríveis o mataram e esquartejaram. Depois de assassinados os inimigos do fascismo
Esses cúmplices de Mussolini, seus amigos, assas- u os adversários perigosos ao regime da tirania, se-
sinos de Matteotti são cinco: Dumini, Volpi, Povc- em-se as dissoluções dos partidos.
romo, Viola e Malacria. O Partido Socialista italiano foi dissolvido e seus
Depois da farça do processo, em seguida houve ornaes pilhados, incendiados e finalmente suprimi-
anistía para os tres condenados. s. Prisões, fugas, exilio.
Em setembro de 1926, Dumini foi preso por ha A Liga italiana dos Direitos do Homem, teve
ver confirmado publicamente a culpabilidade de Mus- ai sorte. Refugiou-se em Paris.
solini e por apresentar documentação de que recebera O mesmo aconteceu ao Partido Republicano ita-
184 MARIA LACERDA D E MOURA C L E R O E FASCISMO 185

liano. A Franco-Maçonaria refugiou-se, parece, cm não uma manifestação coletiva e a aparição de alguns
Londres. Suprimida a Ação Nacional do Trabalho e automóveis blindados entre Messina e Palermo foi o
substituída pela Confederação Fascista. suficiente para fazer cessar o desejo de recomeçar.
Dissolvido o Partido Popular. " A oposição na Itália não existe mais; a ação
E outros, e outros. católica aderiu ao regime. N ã o se espere mais a re-
Todos os jornaes foram suprimidos. Só ha uma surreição dos jornaes anti-fascistas ou dos grupos anti-
imprensa: a fascista. fascistas na Itália. A q u i não ha lugar senão para os
Criou-se, por decreto, o domicilio forçado. fascistas, quando são cidadãos exemplares.

A apologia do terrorismo Mussolini a fez no seu "Agora é preciso agir, de maneira que a adesão
discurso de 27 de Maio de 1927. E ' "um grito de das massas ao regime seja sempre maior, mais sólida,
triunfo". Vale a pena transcrever alguns trechos. mais vital. Estamos no fim do quinto ano do regime.
" N o momento em que assumi o ministério do Suas forças são compactas, sólidas, imutáveis. A dis-
Interior, isto é, depois do atentado de Bolonha, era ciplina é inflexivel. A 0 lado do Governo, ha o Parti-
preciso tomar medidas. Eu as ditei, eu mesmo. Foram do fascista que melhorou suas classes; a mocidade,
aplicadas com essa inteligência que é necessária na em dez anos, as renovará. A o lado do Partido, ha a
obra de repressão. Todos os jornaes da oposição fo- milicia. Suas legiões são providas dos meios necessá-
ram suprimidos, foram dissolvidos todos os partidos rios. Os sindicatos marcham maravilhosamente. A o
anti-fascistas. Criou-se uma policia especial, institui- lado dos sindicatos ,ha todas as forças vivas da cul-
ram-se secretarias politicas de investigação, criou-se tura, do espirito, da economia, dos bancos. O regime
um tribunal especial que funciona de excelente ma« é totalitário, mas tem o consentimento mais unanime
neira. do povo e da Historia. O regime apoia-se no partido
Essas medidas foram aplicadas inteligentemm de um milhão de indivíduos, em outro milhão de jo-
te, porque é preciso não exagerar o poder da oposição. vens, em milhões e milhões de italianos".
Ela tem feito gastar muita tinta, mas, realmente, du- O tirano enumera as medidas de repressão, con-
rante os cinco anos do regime fascista, não houve sc- fessa que só pôde viver êle mesmo e seu partido, pelo
186 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 187

terror. Confessa que policia a Itália através dos seus além fronteiras. E traz a Europa em constante inquie-
mercenários, assassinos profissionaes; desmente êle tação. D a í a sua segurança pessoal no meio de uma
próprio as suas palavras de louvor ao regime "totali- matilha de bandidos com os punhos fechados a amea-
tário" — após os horrores da tirania amordaçando a çar o mundo inteiro. Deante disso, Mussolini se de-
oposição. fende . . . rodeado de apaixonados capazes de tudo
para assegurar o regime que despertou neles a força
Discípulo autentico de Machiavel, está conven-
cido, na sua bestialidade de tirano, que " é preciso or- bruta da cegueira violenta, alimentada de ódio e im-
ganizar-se de maneira que, quando os povos não acre- perialismo feroz de conquistas e domínio. Nesse mes-
ditem mais, possa-se fazer acreditar à força". mo discurso terrorista, diz Mussolini:

Esse discurso de louvor incondicional à brutali- " O dever preciso da Itália fascista, é preparar
dade da violência, à intolerância, ao despotismo, ao todas as suas forças armadas da terra, do mar e dos
assassínio, à repressão sob todos os aspectos é bem "o ares. E ' preciso poder, num momento dado, mobili-
grito de triunfo" do celerado que "pisou por sobre o zar cinco milhões de homens; é necessário poder armá-
cadáver mais ou menos decomposto da Deusa Liber- los; é preciso reforçar nossa marinha e é indispensá-
dade" e que ainda promete tripudiar sobre esse ca- vel que a aviação, na qual temos sempre mais con-
dáver. fiança, seja tão numerosa e tão potente que a super-
Mas, tendo passado pelo socialismo, pela anar- fície de suas asas possa obscurecer o sol sobre a nos-
quia, conhecendo a historia dos tiranos e a situação sa terra.
perigosa da sua pessoa, através da sua conduta equi- "Poderemos então, quando, entre 1935 e 1940,
voca por todos os caminhos, procura desviar o perigo estivermos no momento vital da historia européa, fa-
individual que o cerca, atraindo a atenção dos fascis- zer ouvir nossa voz e vêr, finalmente, reconhecidos os
tas para o perigo que pôde vir do exterior. O u melhor: nossos direitos".
canaliza a violência que êle próprio desencadeia, des- Paul Ronin cita mais as palavras de M . Acerbo,
pertando o bruto no homem, canaliza esse instinto um filósofo do fascismo, em louvor do terrorismo do
feroz de "bestialidade compacta" sobre o inimigo de Duce;
188 MARIA L A C E R D A D E MOURA 189
C L E R O E FASCISMO

"Para o fascismo, o Estado é a sintese superior se matavam por ambição de volontà di potenza: "Itá-
dos valores individuaes constituindo a nação, orga« lia, não és mais que uma comua infame!"
nismo vivo e ativo que cumpre, na vida do género
Pois bem: é para essa comúa-tragica na sua
humano e na formação da civilização, uma missão es-
atroz ferocidade que nos levam os salvadores da nos-
pecial determinada pelo génio da raça. Essa missão
sa pátria, nos seus mil ensaios de fascismo, entre eles
exige a união, a coesão, a disciplina. Donde a neces-
o que se refere ao programa da "Ofensiva" "Ação in-
sidade de reprimir todas as tentativas que procurem
tegralista brasileira", partido de S. Paulo. Caminha-
romper essa união e essa disciplina de valores.
mos para o mesmo regime "totalitário" da tirania
Mas, que representa o Estado? O poder executi- mussoliniana. Protestemos de passagem.
vo, isto é, o governo. N o governo, o presidente do N ã o se diga que essas barbaridades do regime
Conselho, o único detentor do poder. O primeiro mi- fascista se verificaram ha cinco anos atrás.
nistro, êle próprio não é senão o chefe do partido fas-
Hoje, nas prisões fascistas, dá-se o mesmo.
cista. Nele se confundem o Estado e o partido. Por
êle, o partido se identifica com o Estado. Superior E o "Comité Internacional Feminimo Pró Viuva
como o Estado, sagrado como a nação, o partido dita Matteotti" ("Womerís International Matteotti Com-
a sua lei". mittee") cuja sede é em Londres, acaba de nos escre-
ver uma carta, por sua secretaria, Mrs. E. Sylvia
E* a "filosofia da força", o culto do banditis- Pankhurst, da qual extraímos os seguintes tópicos:
mo, o elogio do assassínio, a sabedoria da violência, a
codificação da bestialidade, a legalização da perver- O "Comité Internacional Feminino Matteotti"
sidade, a organização feroz da luxuria sádica num formou-se para resolver um conflito humanitário
partido politico-religioso. abandonado ha muito. Todos nos recordamos do trá-
gico fim do deputado Giacomo Matteotti, secretario
A Itália de hoje, a Loba Fascista não é apenas l e "leader" parlamentar do Partido Socialista Italia-
" N a ç ã o Carnavel". À Itália d'oggi pôde ser aplica no, e que foi assassinado a instancias dirétas do go-
da a frase de Dante, quando os Guelfos e Gibelinos
verno fascista, logo depois de pronunciar na Camara
190 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO 191

dos Depurados, brilhante e poderosa critica dos mé- gredo na ilha selvativa de Lipari, como êle próprio
todos corrompidos do partido fascista. narra em seu livro "Escape".

Como si não fora pouco o assassínio de seu ma- A palavra Matteotti não se pronuncia impune-
rido, a Senhora Matteotti é, desde então, vítima de mente na Itália. E ' proibido. Os filhos do mártir não
pesada e contínua perseguição. podem usar o nome do pai. U m deles não obteve a
inscrição em uma escola pública, porque a mãe re-
A policia fascista a tem sujeita a uma vigilância
cusou fazer tal inscrição com outro nome. Recente-
que, substancialmente contem contínua ameaça, ad-
mente, para poder dar instrução a seu filho mais ve-
vertindo-a que não deve visitar a sepultura do marido,
lho, a senhora Matteotti foi obrigada a inscreve-lo
si quer conservar vivos os seus filhos. E por ordem do
em uma escola secundaria com o seu nome de soltei-
fascismo não veste luto.
ra. O joven é obrigado a cantar o hino fascista, sau-
Os agentes da policia seguem-na por toda parte. dando à moda romana o retrato de Mussolini, o ho-
Sua casa é vigiada por cincoenta agentes sob as or- mem que tem a responsabilidade diréta do assassinio
dens de um oficial militar. Poucas pessoas se atrevem de seu pai e que mantém ordens severas para a cons-
a visitá-la. Aquele que o faz, deve dar à policia as mais tante perseguição de sua mãe.
amplas explicações, justificando o motivo de sua visi-
A viuva deseja procurar asilo em qualquer país.
ta. Todos os que vão a outros apartamentos do mes-
Negam-lhe o passaporte. O D r . Germani, medico mui-
mo edifício, tornam-se suspeitos de tentar acercar-se
to conhecido pelos seus estudos científicos em Paris,
da senhora Matteotti.
Berlim, Viena, íntimo que fora de Matteotti, foi à
De noite, um refletor ilumina a casa, de forma Itália para vêr si conseguia a expatriação da senhora
que todos os que entram e saem são escrupulosamente Matteotti e dos filhos. Foi preso e condenado a dez
vigiados. anos de prisão. Ainda tendo em conta o Código penal
Francisco Fausto N i t t i , sobrinho do ex-presiden- fascista, a sentença foi excessiva, pois o Código esta-
te do Conselho, levou um ramo de flores à infeliz se- belece uma condenação de cinco anos para aquele que
nhora e, por isso, foi condenado a cinco anos de de- trata de expatriar-se clandestinamente. O D r . Ger-
t C L E R O E FASCISMO 193
192 MARIA L A C E R D A D E MOURA

Agora duas palavras ainda em torno do grande


mani foi condenado ao dobro da pena por delito que
alatesta. T a m b é m é recente a perseguição. E con-
não poude cometer; desde então a senhora Matteotti
iúa depois da sua morte . . . O cadáver de Malatesta
é mais vigiada ainda e mal pôde sair de casa.
pavora a burguesia reacionaria de "lTtalia d'oggi".
A perseguição chegou a ponto que se faz neces-
Malatesta morreu a 2 de julho de 1932. Mussolini
sária uma ação internacional. N ã o duvido que uma
êle ser serviu como armadilha para desembaraçar a
vez taes fatos conhecidos da opinião pública, surgirá
alia dos seus elementos nocivos.
um movimento em favor dessa desgraçada familia.
O Comité Internacional Feminino "Matteotti" Nem ao menos devia ser reconhecido na rua:
tem já recebido de muitos países a palavra quente de a saudação, uma visita, um amigo, uma carta, tu-
simpatia e solidariedade. o era indicio para denunciar aos esbirros policiaes os
Aqueles que desejarem ajudar aos esforços desse dividuos suspeitos ao regime. Toda a sua corres-
Comité, pede-se-lhes queiram comunicar-se dirétamen- ndencia era violada. Só as respostas absolutamente
te comigo ou com a H o n . Tesoureira Mrs. Helen B. heias a quaesquer assuntos de interesse coletivo lhe
Allan, 56 Corringham Road, Golders Green, Lon- am entregues.
dres N . W . 11. — Assinada: E. Sylvia Pankhurst.
Foi verdadeiramente infernal a vida de Mala-
"West Dene", Charteris Road, Woodford Green,
sta nestes últimos treze anos. E a policia fascista fez
Essex, Inglaterra".
estão de ostentar uma pompa verdadeiramente im-
A escritora inglesa Sylvia Pankhurst nos pede .rial acompanhando o seu enterro. M a l souberam os
ainda para conseguir que os jornaes do Brasil trans- gentes — de guarda à casa de Malatesta — da sua
crevam os trechos principaes da carta afim de que se orte, foi logo comunicada aos superiores. Tomaram
possa obter, pela pressão da opinião pública, a retira- edidas para que a noticia não circulasse em Roma e
da da Itália da viuva e filhos de Matteotti. em saísse da Itália.
Que contraste entre essa perseguição permanen-
Impossibilitada a policia de impedir que a noti-
te e odiosa e o gesto da anistía ampla da Itália fas-
cista! ia da morte do agitador anarquista circulasse, evitou
194 MARIA LACERDA DE MOURA C L E R O E FASCISMO 195

acompanhamento e manifestações de quaesquer natu- tou sair de Roma para a praia, teve de voltar dois ou
rezas por ocasião do enterro. tres dias depois, por não poder suportar fora as pro-
A porta da casa e escadas foram ocupadas ime- vocações fascistas. E foi enterrado no Campo Verano,
diatamente por um grande bando de agentes e cara- na fossa comum dos pobres de Roma . . .
bineiros com ordens terminantes para evitar reunião
Algumas das ultimas cartas de Malatesta que
ou tentativa de reunião e tomar notas das v i s i t a s . . .
conseguiram sair de Roma, foram publicadas em
Eram afastadas as poucas pessoas que tiveram a co-
"Studi Sociali" (Montevideo - 30 - Setembro - 1932)
ragem de lá aparecer. Pouquíssimos os camaradas que
e são dolorosíssimas, deixando transparecer, por ve-
conseguiram penetrar no quarto do morto e esses
zes, a sua amargura deante do estado de prisioneiro
"desde logo candidataram-se ao domicilio coacto" . . .
de uma prisão excepcional, pela qual o atormenta-
Proibição absoluta de seguir o féretro a pé. U m vam — perseguindo a quantos se acercavam do seu
automóvel e um caminhão da policia. Policiaes de bi- vulto venerando.
cicleta ao longo do trajéto. U m a só coroa: a da fa-
N ã o é original que todas essas medidas recentís-
milia.
simas de repressão sejam tomadas ao mesmo tempo
Proibida a "ostentação do vermelho" nos ramos
em que as fanfarras da imprensa anunciam a anistía
de flores. Apenas flores dentro do caixão.
ampla?...
E, finalmente, a sepultura é vigiada pelos agen-
tes da policia fascista. "Será que temem a resurrci- Como se pôde harmonizar o discurso de Musso-
ção de Malatesta?" perguntam. lini no 10.° aniversario da Marcha sobre Roma com
Até a sua morte, a casa de Malatesta era visita o decreto de anistía?
da frequentemente pela policia que lhe levava os li- Demais, vejamos, numa síntese, que espécie de
vros, a correspondência ou os seus autógrafos. Sua anistía é essa, anunciada em fanfarras pelo mundo a
filha adotiva foi agredida e ferida na rua, pela poli- fóra. Temos nas mãos " O Globo", do Rio, (13-12-
cia. Si, doente, não saía de casa, recebia também vi i 32) com uma longa entrevista de Francesco N i t t i , ex-
tas policiaes. Por duas vezes, em 1926 e em 1930 teq primeiro ministro da Itália, antigo professor da U n i -
196 MARIA L A C E R D A DE MOURA
C L E R O E FASCISMO 197

versidade de Nápoles, jornalista, pensador conheci-


" N a Itália ha mais falências e os salários são
díssimo, exilado do fascismo.
mais baixos que na Europa inteira. N u m a "enquête"
Mussolini, a cada instante, afirma, para o mun-
realizada pelo Bureau Internacional do Trabalho, f i -
do que o aplaude, que o fascismo não é artigo de ex-
cou apurado que é na Itália que os salários são menos
portação. E o fascismo italiano não visa outra cousa
elevados. N ã o existe segurança para o capital. O go-
senão a exportação da sua publicidade. O fascismo
verno dispõe à vontade dos bens dos cidadãos. A ba-
é supinamente fotogenico . . .
lança comercial é má e a balança de pagamento ainda
N i t t i fala primeiro da imprensa amordaçada.
é pior. Para se manter, o fascismo necessita de um
"Os jornaes têm todos a mesma feição material
exercito superior aos recursos do país. A mais formi-
e dizem as mesmas cousas. O governo nomeia os di-
dável milicia do mundo é a fascista. Isto sem contar
retores e os substitutos, como se fossem funcionários
com a policia. A França, que tem um território muito
do Estado. Para escrever num jornal na Itália é pre-
maior que o da Itália e abriga dois milhões de estran-
cisa autorisação do governo. Para ser jornalista é pre-
geiros, e é quatro vezes mais rica do que a Itália, gas-
ciso estar inscrito no registo governamental. Todos os
ta tres vezes menos com a sua "Sureté Generale". Isto
jornaes têm assim o único interesse: elogiar Musso-
diz melhor que qualquer outro argumento".
lini. Foram publicadas ha pouco, em Paris, tendo cau-
sado um escândalo enorme, as instruções do governo Agora, a anistía:
fascista aos jornaes italianos. Parecem mais instru-
" A anistia é uma farça. Libertaram-se alguns
ções militares. Imagine que até o tipo em que devem
criminosos comuns entre os quaes muitos fascistas...
ser publicadas certas noticias precisa ser regulamenta-
Aqui tem, meu caro jornalista, tres pontos que se de-
do. Foi por causa do controle da imprensa pelo go-
preendem do decreto ministerial:
verno que esta caiu de nivel impressionantemente. As
fábricas de papel na Itália, estão em crise. O público 1.° — N ã o ha praticamente anistía para os cri-
não tem interesse em ler os jornaes". mes e delitos políticos. N a realidade o decreto visa
apenas os crimes e delitos que comportaram uma pena
E mais acrescenta N i t t i :
máxima de cinco anos de prisão.
C L E R O E FASCISMO 199
198 MARIA L A C E R D A D E MOURA

2. c — São postos em liberdade os detidos por Depois de outras considerações continua:


uma pena que não ultrapassa dez anos de prisão. " O fascismo não pode transformar-se. Deve ser
3. ° — Os presos políticos beneficiam com os sempre mais brutal, mais violento e mais opressivo.
presos comuns de uma remissão de pena de tres anos, 0 fascismo não pode conceder uma anistia politica.
se condenados a menos de dez anos, de cinco anos, se 1 Êle sabe bem que seus adversários sairiam das prisões
a condenação ultrapassar de dez anos. São, entretan- [ou do exilio com uma vontade de lutar mais forte.
to, excluídos os reincidentes e os contumazes em gran- Nenhum acordo é possível entre o fascismo e os seus
de numero entre os adversários do regime. adversários. A questão se delinêa assim — fascismo
E mais adiante: ou democracia; violência ou liberdade. Dois elemen-
tos opostos não podem coexistir".
"Os chefes do movimento republicano e socia- N ã o é preciso mais documentação para desmas-
lista "Giustizia e Liberta" os chefes comunistas, os
carar essa farça trágica — uma armadilha para su-
inte _ tuaes, os anarquistas, esses não sairão da prisão.
gestionar as massas dos intelectuaes de rebanho, "tra-
Condenados a penas monstruosas de 15, 20 ou 30
peiros do pensamento", jornalistas improvisados, —
anos, lucrati ima redução ridícula de cinco anos. Se-
para a propaganda em torno dos arlequins da "Na-
gundo as cifras do Ministério do Interior fascista (ci-
ção Carnaval".
fras que aceito com muita desconfiança) 423 detidos
políticos vão ser libertados por terem sido condenados
Í< menos de tres anos; 204 serão libertados porque suas CLERO E F A S C I S M O
penas de cinco anos foram reduzidas de tres; 12 serão
libertados porque suas penas de mais de 10 anos fo- A Igreja, cúmplice das manobras do Duce. e atrás
ram diminuídas de cinco. A o todo 640 presos políti- do cenário está o Papa-Negro — Tacchi-Venturi, a
cos sobre 1.056 (cifra manifestamente falsa e consi- alma satânica do Catolicismo — que se vae adaptan-
deravelmente inferior à verdade) foram libertados do, transformando-se, alongando-se pelos séculos
pela anistía. O artigo 4.° do decreto exclúe os depor- adeante, como polvo imenso a sugar todo o género
tados que são milhares". humano, a amortecer a razão, a sufocar a conciência,
200 MARIA LACERDA DE MOURA C L E R O E FASCISMO 201

tentando, perseverante e desesperadamente, impor ao é publicado no extrangeiro ( ! ) , na Cidade do Vati-


mundo uma nova éra medieval. cano.
Mussolini quiz apossar-se da organização admi- E , na falta de melhor, diz " L a Liberta (4-6-31,
rável da Igreja, manejá-la para as suas ambições de Paris) — é considerado jornal anti-fascista! . . .
super-homem do dominismo. O "Daily Herald" diz que "a guarda suissa do
A Igreja quiz servir-se de Mussolini para voltar Vaticano recebeu fuzis e munições mais eficazes do
à noite de m i l anos inquísitorial. que alabardas, para atacar ,si necessário, aos fascis-
Ambos, discípulos autênticos de Maquiavel. tas católicos que, qualquer dia, atacarão os colégios e
Agora, não mais puderam sustentar a farça. Arranca- os semanários católicos".
ram-se mutuamente as máscaras.
Cesar e o Santo Padre acusaram-se mutuamente
E, tal como dois clowns amestrados, fizeram a» de perseguições e violências, injuriaram-se, agredi-
pases, apertando-se as mãos, absolutamente indispen-
ram-se.
sáveis um ao outro no grande "guignol" da solida-
O Papa reúne 24 cardeais em Roma.
riedade entre Cesar e Pedro.
N o mesmo dia, Mussolini convoca o Diretorio
E tudo isso não é senão o preludio fragoroso e
desharmonico do "Ocaso do Ocidente". Fascista.
O Papa esperou pacientemente que Mussolini "As duas Romãs, a do Cesar de Carnaval e a de
massacrasse a Liberdade na Itália. Pedro defrontam-se, cada qual se reúne por sua con-
Destruida essa Liberdade, Cesar propôs medir as ta, para discutir si fazem as pazes ou a guerra". (La
forças do Santo Padre, desceram ambos ao tablado I Liberta — 4-6-31.)
um resolveu dominar o outro, uma vez sufocado todo A espionagem rouba cartas da "Ação Católica"
O povo na península, garroteado pelo Estado, aniqui- e " I I Lavoro Fascista" as publica na integra e todos
lado pela superstição religiosa. nos convencemos de que é tão natural a espionagem
Aumenta a tiragem de "L'Osservatore Romano", no regimen de "lTtalia d'oggi" que não ha mais di-
que o fascismo não pôde impedir de circular, porque reito à reclamação e que o povo italiano não mais res-
202 MARIA LACERDA DE MOURA C L E R O E FASCISMO 203

pira livremente, acuado por Cesar, vigiado pelo San- Igreja pretende resuscitar — para maior gloria de
to Padre. Deus e do Poder Espiritual e Temporal do Vaticano.
A burguesia sente que, na Itália, o significado é
A Monarquia e o Vaticano, os dois últimos re-
diverso e espera que, fascismo e clericalismo, apoian-
dutos da Idade Média defendem-se de unhas e den-
tes, e às vezes se esquecem simultaneamente de que do-se na mesma base da exploração do homem pelo
um é o pedestal do outro: abalado um dos dois gran- homem e da conservação de todos os fosseis da civili-
des ramos da arvore fossilizada, o outro forçosamen- zação de privilégios e iniquidades — serão sempre
te ha de ruir. aliados no amoroso conluiu dos contrabandistas das
conciências.
E o Catolicismo adapta-se a todos os climas po-
líticos: é Republicano na França, será Republicano na N ã o havia motivo para alguns anti-fascistas se
Espanha... e vae sendo simpático ao comunismo, apoiarem na luta entre Mussolini e o Vaticano, afim
aderindo sorrateiramente à rugosidade da epiderme de reconquistar a liberdade, unindo-se à força de re-
do socialismo democrata. sistência de Pio X I , anti-fascista de ultima hora.
A politica de certos anti-fascistas, antigos anti-
Tem as antenas do polvo, a força da sanguesuga
e as nuances do cameleão . . . clericais, elogiando a atitude da Igreja contra Mus-
solini, é politica oportunista.
Mas, está próxima a sua derrocada. O mun-
do católico, a alta burguesia, a imprensa capita- Unir-se ao Papa, aceitar a sua adesão tardia, é
lista acompanha com rancor a questão religiosa na politica de arrivistas.
Rússia ou no México, entretanto, os fatos alarmantes Os verdadeiros revolucionários repudiam tais
da Itália fascista não impressionam as conciências da processos.
Cristandade ocidental. Clero e Fascismo se equivalem e lutam com as
E' que os olhos de lince da malícia burguesa mesmas armas maquiavelicas e teem os mesmos obje-
vêem na Rússia e no México, a inquietação moderna tivos: o obscurantismo e a deformação das conciên-
e o protesto conciente contra a éra medieval que a cias, a exploração de todo o género humano.
C L E R O E FASCISMO 205
204 MARIA LACERDA DE MOURA

res. Os jornaes noticiaram largamente o fato: prova


Pio X I atirou ao mundo o seu protesto contra
de que a procissão foi organizada pelos fascistas.
o fascismo, em uma encíclica vigorosa.
Em Nápoles e na Calábria procurou o fascismo
Só tarde descobriu as violências e os crimes do sublevar o povo contra as determinações do Papa,
Faseio, o ilícito do juramento ao regime do oleo de contrário às manifestações do culto externo naquele
ricino e do manganello, só agora viu as crueldades, o momento de agitação entre o Vaticano e o Faseio.
ódio, a irreverência dos processos fascistas: olhava O fascismo cultiva, pois, a superstição religiosa,
tudo com a "benevolência e a misericórdia", confes- procurando entretanto desprestigiar o Papa.
sa o tartufo. Chegamos à conclusão de que o objetivo único
A encíclica papal seria oportuna, si publicada do Duce é o poder absoluto do "super-elefante" e o
logo após os primeiros crimes de Mussolini. papel exclusivo dos fascistas, mercenários, é a desor-
Mas, a Igreja apoiou o Duce, foi cúmplice de dem ,a confusão, a violência, o assassínio, o banditis-
todas as suas tiranias, tinha interesse em que "o en- mo sob todas as suas manifestações, é o papel do
viado da Providencia" salvasse os seus capitais, as agente provocador — para aturdir as massas, desnor-
suas propriedades e o seu poder espiritual ameaçado teá-las e tripudiar por sobre o direito humano, por so-
pela avalanche da pedra que vem r o l a n d o . . . bre a liberdade — para mais facilmente as dominar.

E esperou o tratado de Latrão. Os conflitos no A l t o Adige, no Sul T i r o l , são

O fascismo tentou sublevar a superstição contra muito mais sérios. Em S ã o Martinho, (Enneberg) foi
o Vaticano, instigando o furor da "populaça de bai- sequestrado o harmonium e fechado o coro de uma
xo" contra a interdição das procissões. Igreja. O Decano protesta; o chefe dos carabineiros
responde:
Organizou a procissão caricatural de Sto. Anto-
— N ã o podeis protestar, porém, calar e morrer.
nio, aos gritos de Morra o Papa!, Morra Deus!, Viva
O Decano observa novamente que não podem
o diabo! (Nicastro, Catanzaro), e as mulheres saí-
mais cantar no oficio divino. O carabineiro acres-
ram para a rua a gritar freneticamente. Houve dis-
centa:
túrbios, feridos 8 soldados e 2 carabineiros e popula-
206 MARIA L A C E R D A DE MOURA C L E R O E FASCISMO

— N a Sicilia, todo o povo canta; fazei o mes- São inúmeros os pontos de contacto entre a Igre-
mo e não haverá mais necessidade de nenhum coro ja e o Fascismo.
na Igreja. T a m b é m a Igreja é anti-malthusiana. T a m b é m
Em Welsberg deu-se o mesmo fato. Dentro da as religiões concorrem para as guerras, acoroçoam-
Itália, os anti-fascistas ligam-se estreitamente, tanto nas, fingindo pregar a paz.
quanto possível em um regime de opressão absoluta A religião católica decreta o pecado das medi-
e espionagem e delação sórdida, inquisitorial, ligam- das preventivas anti-concepcionaes e, consequentemen-
se à Ação Católica como meio de defesa para derru- te, defende o lapinismo, a causa matriz das guerras,
bar Mussolini. da fome, da peste, da prostituição, do infanticídio,
Compreende-se que, lá dentro, lancem mãos dos de todos os constrangimentos da civilização da nevró-
meios reduzidíssimos de defesa, para a conquista da se capitalista.
Liberdade. Os dogmas, a infalibilidade do Papa e a infali-
Mas, cá fora, quem conhece a força do clero, bilidade do Duce, o imperialismo da Deusa-Roma
tem por dever defender-se ao mesmo tempo do clero "cérebro e coração do mundo", regimen fascista e
e do fascismo, como inimigo comum, recusar-se a Igreja considerados intangíveis — Fascismo e Vati-
qualquer aliança com essa espécie de polvo: clero e cano — os dois tentaculos poderosos do Briaréu da
fascismo são tentaculos de uma só cabeça. opressão e do dominismo, na sua faina macabra de
A ação diréta de defesa deve buscar o ponto vul- estrangulamento da evolução humana, — a harmonia
nerável. entre o Vaticano e o Fascismo os identifica em os
E a prova é que lá estão, Cesar e Pedro, de pazes mesmos sonhos de hegemonia e consolidará o seu du-
feitas, na atitude servil do tartufismo de forças equi- plo poder, como ramos da mesma arvore da deforma-
valentes, representando a comédia da paz e da har- ção e obscurantismo. E ' tarde para Pio X I protestar
monia — para maior gloria da Igreja e do Faseio. contra o fascismo.
Porque não reclamou antes da Concordata, quan-

* do o general Balbo assassinou a D o n Minzoni?


208 MARIA L A C E R D A D E MOURA C L E R O E FASCISMO

Durante 3 anos as expedições punitivas angus- no renascimento da Era Medieval e da Santa inqui-
tiaram a Itália. O Papa calou-se. sição.
E ' tarde para a Igreja protestar contra o regi-
Barbusse denunciou os crimes abomináveis das
me do ódio e da violência, defendendo os direitos do
prisões fascistas. O secretario dos jesuitas, Tacchi-
homem que ela nunca defendeu, pugnando pela
Venturi dirige e incita os métodos inquisitoriaes de
liberdade de conciência que ela sempre espezinhou,
"PItalia d'oggi". Nem uma palavra de protesto do
massacrou, tripudiando-lhe por cima com os iciberg
Papa.
do dogma. Tanto é tarde que de novo se harmoni-
Os fascistas incendiaram a Camara do Traba-
zam e se aplaudem mutuamente. E a encíclica contra
lho, saqueavam os domicílios, assassinavam, condena-
a statolatria pagã será esquecida... ou repudiada
vam à morte, trucidavam, perseguiam os exilados no
pelo papa i n f a l í v e l . . .
extrangeiro — o Papa silenciou ante todas as cruel-
Pobre juventude militarizada, educada na esco-
dades dos camisas pretas às ordens de Mussolini.
la da chacina, fazendo parte do bando feroz da M i -
Quando todos esses crimes abomináveis eram licia Fascista, guiada pela astúcia e pela prepotên-
perpetrados na Itália, toda a Igreja Romana, Papa e cia hipócrita e mansa do jesuitismo, da Ação Cató-
Cardeaes, inclusive D o n Sebastião Leme, todos co- lica, deformada pelo ódio, bestializada pela violência
gnominavam a Mussolini " O homem da Providen- erigida em religião e em moral.
cia". Era a "prudência da serpente" . . . O ensino religioso, a belicosidade do Balilla —
O "enviado da Providencia", que instituiu a es- que de crimes perpetrados contra a juventude, crimes
pionagem e a delação, a crueldade inquisitorial e a que necessitarão de séculos de dores para serem redi-
impunidade para todos os crimes e todas as baixezas midos em gerações menos desgraçadas.
em "PItalia d'oggi", traidor de tudo, de todos e da Que de criminosos e degenerados está preparan-
sua própria conciência — o Vaticano e os jesuitas o do "PItalia d'oggi" no consorcio entre a educação
olharam amorosamente como àquele que lhes ia abrir religiosa e guerreira ao mesmo tempo. Carducci o
as portas do mundo para o terror dos Autos de Fé, pressentiu... .
210 MARIA L A C E R D A DE MOURA
C L E R O E FASCISMO 21 I

E veio Hitler! Fez em semanas, o que Mussolini


fez em anos! A crueldade transformada em herois- O fascismo, pela sua tirania fratricida tenta des-
truir o sonho magnifico dos pensadores da Itália, dos
' mo! A t é aonde irá tudo isso?...
seus artistas, de todos os seus revolucionários que, de
Dante a Leonardo, a Rapsardi e a Carducci, a Gari-
baldi, a Malatesta, a Bovio, a Crocce, lutaram para
Somos nós a ponte entre duas épocas, entre duas que o género humano saia das sombras do dogmatis-
civilizações que combatem a luta de morte entre o mo feroz — para a grandeza heróica da Liberdade.
principio de Liberdade e o principio de Autoridade.
Prevendo o futuro macabro a que nos arrastam
E não temos o direito de assegurar, com a cum- os erros e os crimes dos nossos contemporanios, alu-
plicidade do nosso silencio, o dominismo de um pu- cinados na loucura trágica de todo o despotismo mp-
nhado de loucos perversos a modelar a psicologia de derno, diante do fascismo — procuramos erguer uma
um povo (exgotado na guerra), pela sua barbaridade muralha de protesto com a nossa conciência, em de-
atávica, pela sua degenerescência retardada. fesa da Liberdade contra a hidra monstruosa da A u -
Protestar contra as monstruosidades do regimen toridade que a ameaça, pronta a estrangular os mais
fascista, protestar contra o crime de lesa-liberdade nobres sentimentos de altivez da dignidade humana.
individual, de lesa-conciência, protestar contra as
E o nosso grito generoso e forte de "Morte ao
crueldades sádicas dessa nova e feroz Inquisição, pro-
Fascismo" — não é a violência: é a "suprema resis-
testar contra esses delitos infamantes de lesa-humani-
tência" de todo o nosso sêr conciênte contra a feroci-
dade — que causam horror e justa indignação e re-
dade organizada.
voltam as mais belas fibras da nossa nobreza, da ge-
nerosidade, da altivez — é dever humano. Levanto o meu protesto veemente, vibrante de
indignação e de amargura contra essa "volontà di po-
Contra o fascismo, em sua revoltante, odiosa e
tenza", contra as crueldades a que teem sido conde-
ridícula perversidade, estão empenhados todos os que
nadas todas as conciências livres da Itália, cuja cora-
lutam por um ideal de libertação.
gem titânica ergue a voz altiva, esplendida de nobre-
212 MARIA L A C E R D A D E MOURA

za, enfrentando, heroicamente, o sadismo voluptuoso


de "PItalia nuova".
Em nome dos sentimentos da dignidade huma-
na, a execração da minha profunda piedade, o des-
dém da minha conciência livre.

ÍNDICE
Pag;
O FASCISMO CONTRA A EVOLUÇÃO HUMANA . . 5
O í d o l o da Cultura 11
"Superelefantes". D'ANNUNZIO 12
D'Aiinun/.io plagiário 10
Eleonora Duse 20
Prisioneiro ou Senil? 22
Fiume 27
D'Annunzio e a guerra M
HORDA D E E M B R U T E C E D O R E S . Papini . . . . 49
De U N UOMO F I N I T O até G O G 52
"Declaração de estilo" 50
"Gog" 71
Milicias Fascistas 87
Marinetti 90
"Musica-Minuto" 92
Pirandello 94
Coppola 97
"CATECHISMO D E L B A L I L L A " 100
"Credo" Balilla 103
E x p a n s ã o Fascista 105
A Q U E L E Q U E MANDA F O R J A R OS RAIOS 109
Mussolini anarquista! 126
Fa«.
"COLÓQUIOS COM M U S S O L I N I " 128
"Diálogos da prudente razão de Estado com um indi-
vidualismo hostil à guerra 130
Escultor de mont nhas
a 138
Mussolini e as mulheres 1
Mussolini e a Lei de População 102
OS H O R R O R E S DA T I R A N I A F A S C I S T A 171
A viuva de Malteoti 18i)
Malatesta
A anistía *™
C L E R O E FASCISMO Wfc

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