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CapiTuLo 8 O Tiro bE Injusto DoLoso DE AGAo I. Introdugao (Os crimes dolosos cometidos por aco representam o segmento principal da criminalidade, compreendendo a violéncia pessoal, sexual € patrimonial e a fraude em geral, que exprimem a imagem estereoti- pada de crime da psicologia social, pois as formas de comportamentos imprudentes ¢ omissivos no impressionam o sentimento popular ¢, afinal, so punidos por excecio. O estudo da estrutura dos tipos de injustos dolosos de acio utiliza as categorias de tipo objetivo © tipo subjetivo introduzidas pelo finalismo na moderna sistemética dos fatos puniveis. Do ponto de vista da génese da acio tipica, esse estudo deveria comecar pelo tipo subjetivo, porque o dolo, constituido pela vontade consciente de realizar 0 tipo objetivo de um crime, representa a energia psiquica dirigida & producao da aco incriminada e, portanto, o tipo subjetivo precede funcional ¢ logicamente o tipo objetivo. ‘Todavia, porque as ages tipicas manifestam sua existéncia como realidade objetivada, cuja configuracio concreta é o ponto de partida da pesquisa empirica do fato criminoso, 0 tipo objetivo deve constituir a base do proceso analitico de (te)construcio do conceito de crime.t * Ver JAKOBS, Sirafect, 1993, 7/1, p. 183; eambém, WELZEL, Dar Det Sire. fret, 1969, p63. 19 ‘Teoria do Fato Punioel Capitulo 8 IL. Tipo objetivo Nos tipos dolosos de resultado, a atribuicio do tipo objetivo nstituidos pela causagio do pressupée dois momentos essenciai resultado, explicada pela légica da determinacdo causal, ¢ pela imputagio do resulado, fandada no crtério da realizario do ris, examinados nesta seqiiéncia: primeiro, verificar se existe relagio de causalidade entre ago resultado; segundo, decidir se o resultado € definivel como realizagio do risco ctiado pelo autor e, assim, imputavel a0 autor como obra de? Ao contritio, nos tipos dolosos de simples atividade, como a violagio de domicilio, por exemplo, a tarefa de atribuico do tipo objetivo se esgota na subsungio da acio ao tipo legal respectivo, porque nao existe um resultado exterior imputivel ao autor. Neste ponto, é preciso reconhecer 0 seguinte: a) nfo parece mais possivel confundir questdes de causalidade e questbes de imputazio do resultado, como ainda faz a dogmitica tradicional: a distingdo entre causagio ¢ imputagio do resultado, fandada na diversidade dos processos naturais de determinacio causal (causa¢io do resultado) e dos proces- sos valorativos de atribuicio tipica (imputacio do re incorporada 20 sistema conceitual da dogmitica penal contemporanea; ) a imputacio do resultado deve sex decidida pelo critério da realizaeio do risc, fornnulado pela teoria da eleoapio do risco (RisikoethShungslehre) de ROXIN? cada vez mais difundida na moderna literatura juridi- » ROXIN, Singha, 1997, §11, 2.1, p. 291; JAKOBS, Stree, 1995, 7/4b, p. 185. » ROXIN, Singfely, 1997, §11,0. 39-136, -310 s; do mesmo, Gedanen gr Problema cer Zarchnana ie Sirf, Plonig-FS, 1970s Pfichowidrighit nd Fj be fabrliugen Delikien, ZSAW 74, 1962. 120 Copia 8 (0 Tio de Injusto Dolo de Agio co-penal como critério de atribuigao do tipo objetivo:* a relagio de causalidade é 0 primeiro, mas no o Gnico pressuposto de imputagio objetiva do resultado tipico? 1. Causago do resultado © conceito de causalidade encontra-se em crise desde que a fisica gudntica demonstrou que a emissio de whetrons, no interior da estrutura atdmica, no é determinada por leis causais, mas por leis estatisticas de natureza probal ica, pondo em xeque nfio apenas conhecimento cientifico anterior sobre relagdes de causa e git dos fendmenos naturais — definidas como categorias do ser—, mas também a concepeio filoséfica kantiana, segundo a qual a causalidade, como _pressuposto de toda experiéncia, no seria mera determinagao empirica do ser, mas categoria aprioristica do pensamento. Todavia, a controvérsia Wer, ene outs, BURGSTALLER, Das Fabiani Sra, 1974 OTTO. Cumdles Sree 1996, G6 p32 oy RUBOLPHL, Vest 4s cnn finn Santon, 198k, FRISCH, Tithtendncis Vrhale el “Zaring des Enjoy, 1988; no Brasil, TAVARES, As connate fom deine 1996, p. 57-59. * Vera monografiaclissica de WERNER HEISENBERG, Quanterhvorie und Philo 7 ém, TAVARES, As cantor tra dos ries emis, 1996, p. 15-18 121, ‘Teoria do Fato Panisel Capital 8 sobre leis causais ou probabilisticas da fisica nuclear no parece pre- judicar 0 poder explicativo do conceito de causalidade como categoria filoséfica ¢ cientifica utilizada pelo jurista para compreender os fatos da vida diéria.” No Dixeito Penal, as duas mais importantes teorias sobre relacio de causalidade sio a teoria da eguinalindia das condies € a teoria da adequaglo, a seguir descritas. 1.1. Teoria da equivaléncia das condigées ‘A teoria da equivaléncia das condigdes,* dominante na literatura ¢ jurisprudéncia contemporineas, pode ser reduzida a dois conceitos centrais: a) todas as condigdes determinantes de um resultado sio necesséris e, por isso, eguisalentes; b) causa € a condigio que nao pode sex excluida hipoteticamente sem excluir 0 resultado? Nesse sentido, ‘causa é uma conditio sine qua non do resultado, ou seja, a condicio sem a ‘qual o resultado nao pode existi: se um motorista embriagado ditige na contramio e provoca uma colisio, a ingestio de lcool deve ser definida como causa do acidente, porque excluida mentalmente essa condigio, o motorista teria dirigido na correta mio de diresio, € 0 acidente niio teria ocortido. ‘© método da teoria da equivaléncia das condigdes para determi- nar relagdes de causalidade sofreu criticas contundentes, mas parece ter sobrevivido a todas elas, Primeiro, 0 critétio da excluso bipotética seria extessivo: no exemplo acima refetido também seriam definiveis 7 Instrutivo, ROXIN, Sirf, 1997, $11, 0. 3, p. 292. * Fundada por JULIUS GLASER, Ablandngn aus dm Osteribisce Sire 1858 ‘e desenvolvida por MAXIMILIAN VON BURI, Uber Causlit wad deren Verun- ‘vorten, 1873. No Brasil, ver a excelete exposigio de TAVARES, Teoria digo penal, 2002, p. 256-268. * Ver, por todos, KOHL, Siraet, 1997, 4, 9.9, p- 2. 12 Capitulo 8 0 Tip de Iyjuto Dolo de Ago como causasa vitima, os fabricantes dos veculos, os engenheiros que planejaram e construiram a rodovia, os pais dos protagonistas, a in- vengio do motor explosio, ¢ assim por diante, porque excluidas suas contribuigdes, o resultado igualmente nfo teria ocorrido."” Segundo, © método conduziria a erro em situacdes de causalidades hipotéticas « alternativas: no caso de causalidades hipotéicas,o argumento de mé- dicos acusados de execugio de doentes mentais, em cumprimento de ordens superiores do regime nazista, de que em caso de recusa pessoal de cumprir tais ordens outros médicos as cumpririam exata- mente do mesmo modo, conduziria a conclusdes absurdas: excluido © comportamento dos médicos acusados, 0 resultado permaneceria idéntico pela acio hipotética dos médicos substitutos — logo 0 com- portamento daqueles nfo seria causa do resultado; como, por outro lado, a ago hipotética dos médicos substitutos no constitui causa de nenhum resultado, conclui-se que a morte das vitimas teria sido sem causa; no caso de causalidades allernativas, se A ¢ B adicionam, independentemente um do outro, doses igualmente mortais de veneno ‘na bebida de C, o resultado niio desaparece com a exclusio alternativa daquelas agdes: as doses individuais de veneno teriam eficécia real isoladamente, determinariam o resultado." Terceiro, a teoria seria intl para pesquisa da causalidade, porque pressupde precisamente o que deveria demonstrar: para saber, por exemplo, se 0 calmante Contergan (ou Talidomida), tomado durante a gravidez, teria causado deforma- Bes no feto, de nada adiantaria excluir hipoteticamente a ingestio do medicamento, ¢ perguntar se 0 resultado, entio, desapareceria; para responder esta pergunta seria preciso saber se aquele medicamento é causador de deformagdes no feto e, se jé existe esse conhecimento, a pergunta seria ociosa: assim, a fSrmula da exclusio hipotética parece ™ Mais dealhes, ROXIN, Sirgjneht, 1997, §11, 9. 5,p. 293. No Brasil, ver TAVARES, “Teoria do ingsto penal, 2002, p. 23. ™ Ver ROXIN, Sirjacht, 1997, §11, 0. 12, p. 296. 123 ‘Teoria do Fato Panisel Copitul 8 _pressupor o que somente através dela devria ser pesguisado.* A ctitica de ser excessiva — no caso do regresso ao infnito ~ ou de ser insuficente— no caso das causalidades hpotéticas — foram tefutadas pot SPENDEL" e, depois, por WELZEL," 20 mostrarem que a teoria da cequivaléncia trabalha somente com condicdes concretantente realizadas:!® © resultado € o produto concrete de condigies reais, e nao de condicdes hipotéticas possiteis ou provaveis, que no so ages reais, nem integram processos histéricos concretos; além disso, a altetagio de qualquer condicao implicaria mudanga do resultado concreto, que jamais seria igual, como observa SCHLUCHTER" sobre o exemplo de ENGIS- CH: B utilizaria a arma de A, se nio tivesse utilizado a arma fornecida por C, para agredir D, Por outro lado, a formula qperfeiroada da teotia resolve 0 problema das causalidades alternatinas, como demonstrou também WELZEL2” se o resultado niio desaparece com a exclusio S% ROXIN, Safed, 1997, §12, 68, p. 394, § JBSCHECK /WEIGEND, Lilia de Sint, 996,629, 1 as Pate Sraft, 1969, $15, p 12. No Bras, ver MEST Pana, 1998, p. 132. 2 Assim, MEZGER, Sirah, 1957, $59. ° Nesse sentido, NOWAKOWSKI, Der late Vrs JBI, 1937, p. 465; OTTO, Grmakars Seed, 1996, 57,28, 2-2, p76: JOERDEN, Drie V emrelcn 0m goei Tatestindengeichee Vorsat, Zaid ene Grande am Prlom des dobs alterations, ZS8Y 95 (1983), p. 565. 304; WELZEL, , Manual de Dina ‘Teoria do Fato Punivel Capital 8 aqui, a critica inverte 0 argumento: se 0 autor atirou no cachorro €, cefetivamente, matou cachorro, por que punir por homicidio tentado? ©) punicio, em concurso formal, por cada tipo alternativo tentado, ou tentado e consumado'* — uma solugio que parece ser dominante nna dogmética moderna. 1.3. A dimensio temporal do dolo © dolo, como fundamento subjetivo da realizagio do plano delituoso, deve existir durante a realizado da aro, 0 que nio significa durante foda a realizacio da agio planejada, mas durante a realizaca0 da acio que desencadeia 0 proceso causal {a bomba, colocada no automével com dolo de homicidio, somente explode quando 0 autor jé estd'em casa, dormindo). Conseqiientemente, nio existe dolo anterior, nem dolo posterior & realizacio da acio: as situagées referidas ‘como dolus antcedens (a arma empunhada por B para ser usada contra |A, depois de prévia conversacao, dispara acidentalmente ¢ mata a vitima) ou como dolus subsequens (a0 teconhecet um inimigo na vitima de acidente de trnsito, o autor se alegta com 0 resultado) constituem meras hipéteses de fatos imprudentes."* 2. Erro de tipo O conceito de dolo, definido como conbecer e querer as citcuns- tincias de fato do tipo legal, esté exposto 4 relagio de légica exclusio “Vex, ene outos, WELZEL, Das Datiche Sic 1969, $13, p. 72; JAKOBS, Sib 1993, 8/33, p. 278-21, JESCHECK/WEIGEND, Leib i Sr, 1966, 629, I 4p. 3b4; ROXIN, Sr, 197, §12, 0, © ROXIN, Siac, 1997, Copitule 0 Tipo de Into Dales de Apo centre conbecimentoe erro: se-0 dolo exige conbecimento das circunsténcias de fato do tipo legal, entio o erro sobre circunstincias de fato do tipo legal exclui o dolo. Em qualquer caso, 0 erro de tipo significa defeto de conbecimento do tipo legal e, assim, exclui o dolo, porque uma repre- sentacio ausente ou incompleta nfo pode informar qualquer dela de tipo, mas € preciso distinguir: 0 erro inevitévelexclui o dolo ea imprudéncia, enquanto 0 erro evitéie/ exclui apenas dolo, admitindo punicao por imprudéncia.""” Essa regra esta inscrita no Cédigo Penal: Ast. 20, CP. O erro sobre elemento constitutivo do tipo ‘egal de crime exclui 0 dolo, mas permite a punigao por crime calposo, se previso em kei ‘Os problemas mais importantes desse setor patecem ser os seguintes: primeiro, definir 0 conceito de erro de tipo, diferenciando-o do simples erro de subsungao, sem relevincia penal; segundo, determinar 1 intensidade de representagio (das circunstincias de fato) necessitia para configurar 0 conbecimento como elemento intelectual do dolo. 2.1. Erro de tipo ¢ etto de subsungio © objeto do erro de tipo niio tem a extensio sugerida pela lei penal: 0 tipo legal é um conceito constituide de elementos subjetivos € objetivos, mas o erro de tipo s6 pode incidir sobre elemento objetivo do tipo legal — um conceito menos abrangente do que elemento cons- ‘itutivo do tipo legal, que inclui a dimensio subjetiva do tipo. Assim delimitado o problema, pode-se dizer que o erro de tipo representa defeito na formacio intelectual do dolo, que tem por objeto os ele- ‘mentos objetivos do tipo legal, presentes ou futuros: a aco, 0 resultado, © ROXIN, Sires, 1997, G12, n. 86, p. 405. '" CIRINO DOS SANTOS, Teoria do rim, 1993, p. 24 153,

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