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Arthur Nestrovski Ensaísta, editor, crítico, escritor... e violonista

VIOLAO Ano 2 - Número 5 - Janeiro 2016


www.violaomais.com.br

Fabio
Zanon
Sem papas na língua

lu s iv o!
Exc vio lão
d e
Curso ular
pop
o a ulas E mais:
om víde Tres cubano: tradição popular
c
Arpejos no flamenco
Folia de Reis: reino da viola caipira
Como estudar tremolos
Miguel Llobet: Canciones Catalanas

Dilermando Reis e Francisco Petrônio Voz e Violão em Serenata


editorial
Começando bem 2016
Como é bom começar bem o ano! VIOLÃO+ comemora o início de seu Ano II com uma grande
edição, trazendo nada menos que o violonista Fábio Zanon - com seu talento, dedicação e
franqueza - para você. Em uma entrevista interessantíssima, ele fala sobre o panorama do
ensino de música, no Brasil e em outros países, rotina de estudos, concursos, concertos...
Está tudo ali, bem contado. Outra entrevista, não menos fantástica e impactante, traz
Arthur Nestrovski, o homem que vira a mesa, mesmo. De professor universitário, ensaísta,
crítico musical, editor e escritor, de repente passa a ser violonista, arranjador, compositor,
com shows por todo o Brasil e fora dele, e em seguida é diretor artístico da OSESP e do
Festival de Inverno de Campos do Jordão. A seção Mundo nos traz o tres cubano, suas
características e sua tradição. História resgata uma das passagens do famoso violonista de
Guaratinguetá, Dilermando Reis: a do acompanhador, esmiuçando em especial o período
em que trabalhou com o cantor Francisco Petrônio. A seção Academia - inaugurada na
edição anterior com um belo artigo de Paulo de Tarso Salles sobre o acorde de Tristão
na música de Villa-Lobos - dessa vez traz o trabalho de Dagma Eid sobre Miguel Llobet
e as Canções Catalãs. VIOLÃO+ dá, assim,
sua contribuição para que os trabalhos
acadêmicos fiquem mais próximos aos
violonistas. Nossas colunas técnicas estão
ótimas, como sempre, tentando abranger
um leque bem variado do que pode ser
interessante para o instrumentista de
cordas atualmente. Temos também a
seção Em Pauta, trazendo novidades,
shows, vídeos, tudo o que for interessante.
E, na seção Você na VIOLÃO+, um violeiro
bem moderno! Espero que tudo esteja na
medida certa, no seu gosto. Está muito
gostoso fazer VIOLÃO+. Leia, curta a revista,
compartilhe com seus amigos. Abraços.
Luis Stelzer
Editor-técnico

VIOLAO Ano 2 - N° 05 - Janeiro 2016


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Os artigos e materiais assinados são de responsabilidade de seus
autores. É permitida a reprodução dos conteúdos publicados aqui
Editor-técnico
Luis Stelzer
editor@violaomais.com.br

Colaboraram nesta edição


Breno Chaves, Cleber Assumpção,
Fabio Miranda, Flavio Rodrigues,
Luisa Fernanda Hinojosa Streber,
desde que fonte e autores sejam citados e o material seja enviado Reinaldo Garrido Russo, Ricardo Luccas,
para nossos arquivos. A revista não se responsabiliza pelo conteúdo Rosimary Parra, Valéria Diniz
dos anúncios publicados. e Walter Nery
índice

4 22
Você na V+ Fabio Zanon

6 34
Em Pauta Mundo

38
De ouvido

42
Sete Cordas

45 48
Siderurgia Improvisação

46 50
Flamenco iniciantes

10 54 59
Retrato Como Estudar Academia

18 56 64
História Viola Caipira Coda

Publisher e jornalista responsável Foto de capa


Nilton Corazza (MTb 43.958) Divulgação
publisher@violaomais.com.br
Publicidade/anúncios
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você na violão+
Badi Assad
Adorei ver a Badi na capa da revista.
Sou muito fã e sempre acompanho tudo
sobre ela. Continuem assim! (Ludmila
Nunes, em nossa página no Facebook)

Badi e Ceumar, duas talentosas


mulheres. Violão+ prova que não tem
preconceitos! ;) (Larissa Soares, em
nossa página no Facebook)

Rosimary Parra
Sensacional, muito top! (Itamar Gavao,
no vídeo de Rosimary Parra em nosso
canal do Youtube)

Flamenco
Parabéns pelos ensinamentos Flavio!
(mjkrisiun no vídeo de Flavio Rodrigues
em nosso canal do Youtube)

Mostre todo seu talento!


Os violonistas do Brasil têm espaço garantido em nossa revista.
Como participar:
1. Grave um vídeo de sua performance.
2. Faça o upload desse vídeo para um canal no Youtube ou para um servidor de
transferência de arquivos como Sendspace.com, WeTransfer.com ou WeSend.pt.
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4. A cada edição, escolheremos um artista para figurar nas páginas de Violão+, com
direito a entrevista e publicação de release e contato.

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4 • VIOLÃO+
você na violão+

VIOLA
A viola pode ser universal.
É sobre este parâmetro
que Junior da Violla
apresenta seu recital de
viola caipira instrumental
desde 1999. Músicas de
diversos estilos musicais
como o rock dos Beatles
PARA QUALQUER ESTILO em “Norwegian Wood”, o
baião de Luiz Gonzaga em
“Asa Branca”, o erudito em
“Trenzinho do Caipira” e o
blues de Robert Johnson,
entre outros estilos,
são apresentados com
harmonia junto aos grandes
clássicos da música caipira
como “Tristezas do Jeca”,
“Luzeiro” e composições
próprias como “Trilha Nova”
ou “Violando Conceitos”.
Músico profissional com 20
anos de carreira, Junior Da
Violla há 15 anos dedica-se
ao ensino de viola caipira
em São Paulo e via Skype.
Vencedor de 2 Prêmios
Rozini de Excelência na
Viola Caipira em 2010
como professor e 2013
como violeiro, endorser
das duas maiores marcas
relacionadas à viola no
Brasil - a Rozini e a Giannini
(cordas), atualmente é
o maior divulgador das
antigas violas de 12 cordas
fabricadas até meados do
século passado por fábricas
como Giannini e Casa Lira.
(www.juniordaviolla.com.br)
VIOLÃO+ • 5
EM PAUTA

Sete Vidas em 7 Cordas


O violonista e compositor gaúcho descobrir mais sobre a tradição local
Yamandu Costa comanda a série no assunto, já que os ciganos do Norte
Sete Vidas em 7 Cordas com seis da Europa são tidos como os possíveis
documentários de 50 minutos que precursores na inclusão de
investigam os segredos desse violão, uma nota mais grave no
menos conhecido que o tradicional instrumento. O violonista
irmão de seis cordas mas responsável conhece ainda a oficina
por revoluções dentro da música e ateliê de um famoso
popular brasileira. A série tem cada luthier de Moscou,
episódio dedicado à vida e à carreira observa as semelhanças
de um personagem fundamental para a do violão tradicional russo
história do violão: Carlinhos 7 Cordas, com o tango e o choro, e
Rogério Caetano, Luizinho 7 Cordas, conversa com virtuoses
Arthur Bonilla e Valter Silva. Na estreia, artistas eslavos. O programa
Yamandu viaja até a Rússia para é exibido pelo Canal Brasil.

6 • VIOLÃO+
EM PAUTA

BOA CAUSA
A cantora Katy Perry decidiu doar um
violão cravejado de cristais Swarovski,
criado especialmente para a “Prismatic
World Tour”, para a fundação Clara
Lionel, criada pela amiga Rihanna,
que tem como objetivo “ajudar a quem
precisa”. A instituição existe desde 2012,
funciona em Barbados e foi idealizada
em homenagem à avó de sua criadora,
oferecendo programas de saúde,

TRADIÇÃO
educação, arte e cultura. O violão,
personalizado e autografado, alcançou
o valor de mais de 12 mil reais.

Criada em Outubro de 2008, a


Orquestra Jundiaiense de Viola Caipira
tem como principal objetivo preservar
a cultura de raiz intimamente ligada
ao instrumento. Possui uma escola
permanente de formação de violeiros,
e vem se apresentando em várias
cidades do Brasil, em séries culturais
promovidas por entidades públicas e
privadas.A boa notícia é que mesmo
quem nunca estudou música pode se
tornar membro: a Escola Jundiaiense
de Viola Caipira forma músicos por
meio de didática simples, exclusiva
e eficiente. As aulas são ministradas
em grupos progressivos e o próprio
aluno decide quando deve migrar. As
inscrições ficam permanentemente
abertas e todos os meses há um grupo
iniciando. Os testes para músicos a
partir de 8 anos podem ser agendados
com o regente, Adilson Cobeiros, pelo
site www.ojvc.com.br

VIOLÃO+ • 7
EM PAUTA

Quase lá
disse para guardá-lo porque poderia
“valer alguma coisa um dia”. O astro
havia usado o violão personalizado na
maioria de seus shows entre 1971 e 1975
O violão preto Gibson Ebony Dove e no documentário Elvis on Tour. O fã
que Elvis Presley tocou em seu mais de sorte guardou a relíquia em um cofre
famoso show, Aloha From Hawaii, de banco e já havia recusado ofertas
em 1973, foi colocado em leilão. Mike por ela, mas agora decidiu vendê-la. O
Harris, que estava na primeira fila de instrumento, no entanto, não conseguiu
uma apresentação em 1975, recebeu o alcançar o mínimo de US$ 300 mil: o
instrumento do próprio Rei do Rock que lance mais alto foi US$ 270 mil.

8 • VIOLÃO+
EM PAUTA

ESSÊNCIA
Em Voz e Violão — No Recreio, Vol. 1, o primeiro
álbum de sua carreira em formato acústico, o
cantor e compositor Nando Reis registra 14 faixas
tocadas de maneira despretensiosa e próxima
do público, com composições regravadas por
Skank, Cassia Eller e Marisa Monte. “É um retorno
das minhas músicas à sua condição original,
porque voz e violão é a forma como começo a
tocar”, conta o músico. “Acabo me aproximando
mais delas em sua essência”, explica. Em seu
novo registro, ao vivo, o ex-Titãs sobe ao palco
sozinho, sem muitas pretensões e da maneira
mais informal possível.
© Rita Perran

Chega às lojas em janeiro o disco


Moda de Rock II, dos violeiros
Ricardo Vignini e Zé Helder,
também membros da banda
Matuto Moderno. Seguindo
a fórmula do primeiro álbum,
Moda de Rock – Viola Extrema,
de 2011, o disco traz versões
instrumentais de clássicos
do rock adaptados para a
viola caipira. Entre as faixas,
sucessos de Black Sabbath,
Metallica, Iron Maiden, Pink
Floyd, Sepultura, Queen, Dire
Straits, Slayer e Ramones.

Mistura inusitada VIOLÃO+ • 9


RETRATO Por Luis Stelzer

Arthur Nestrovski

Voltas
que a
vida dá

10 • VIOLÃO+
RETRATO

Porto-alegrense, com estudos no exterior,


professor da PUC de São Paulo, ensaísta,
editor, crítico musical, escritor premiado. De
repente, guinada total: deixa a docência em
uma grande universidade para dedicar-se ao
violão, à música feita na unha, nos palcos.
Quando estamos nos acostumando ao Arthur
Nestrovski músico, em shows por todo o
Brasil e fora dele, lançando CDs, com grande
produção e de alta qualidade, nova guinada: é
o diretor artístico da maior orquestra sinfônica
do Brasil, a OSESP - Orquestra Sinfônica do
Estado de São Paulo. Conheça essa trajetória
tão cheia de sucessos - e tão fora do padrão

VIOLÃO+ • 11
RETRATO
muito mesmo, por uns oito anos. Depois
consegui uma vaga para formação
superior na Inglaterra. Voltei ao Brasil,
fiquei alguns anos por aqui, e continuei
minha formação nos Estados Unidos.

Você se formou fora do Brasil durante


os anos 1980 e início dos anos
1990. Lecionou na PUC (Pontifícia
Universidade Católica) de São Paulo,
distante da música enquanto intérprete.
Foi crítico musical, editor, escreveu
livros e artigos, só voltando ao violão,
profissionalmente, em meados dos
anos 2000. Como foi esse período?
No começo dos anos 1990, eu já estava
casado, com uma filha pequena (depois,
a família aumentou), quando apareceu a
oportunidade na PUC. Não tive dúvidas.
Precisava de um porto seguro e a PUC foi
esse lugar. Desenvolvi minha carreira de
professor universitário no departamento de
semiótica e comunicação durante muitos
anos. Foi ótimo. Surgiram oportunidades
como ser crítico musical na Folha de São
Violão+: Como se deu o início da sua Paulo e fui editor na Publifolha. Como
relação com a música e o violão? gosto de escrever, pude desenvolver o
Nestrovski: Sou de Porto Alegre, uma lado escritor. Foi um tempo muito bom,
cidade que tinha, no final dos anos 1960, fiz muita coisa das quais gostei. Mas o
uma efervescência no ensino de música. violão… chegou a ficar no estojo por oito
Comecei com uns cinco anos, fazendo anos, sem ser tocado uma única vez! Isso
musicalização infantil com instrumental incomodava, mas foi uma escolha que
Orff, raro no Brasil daquela época. O violão demandou o tempo que eu poderia ter para
veio com uns onze anos, influenciado pelos me dedicar à música como instrumentista.
seminários internacionais organizados
pela Faculdade de Música Palestrina. Depois de anos afastado da performance
Estudei erudito por vários anos com musical, você apareceu nos palcos,
o professor argentino Néstor Ausqui, empunhando corajosamente o seu
responsável pela minha formação técnica violão, saindo da PUC. O que motivou
baseada na escola de Abel Carlevaro. essa guinada? Foi difícil?
Depois, nunca mais tive um professor Começou porque escrevi uma resenha de
específico de violão. Estudei muito, um show da Ná Ozzetti. Em uma abertura
12 • VIOLÃO+
RETRATO
de exposição na Pinacoteca, o Zé Miguel muitas vezes, o Sérgio Reze vinha com a
Wisnik me apresentou a cantora. Sempre bateria. Outros, eram esporádicos: André
tive a postura, enquanto crítico, de nunca Mehmari, Marcelo Jeneci. A Zélia Duncan
encontrar os artistas sobre os quais vinha quando estava em São Paulo. Nos
escrevia, muito menos ficar amigo deles. tornamos muito amigos, fizemos shows
Não é ético ser amigo deles e escrever juntos. Jussara Silveira, Vanessa da
sobre eles, pois pode influir no julgamento. Mata, Mônica Salmaso... Olha, foram
Ali era um caso diferente: já tinha escrito noitadas inesquecíveis.
sobre ela e não a conhecia quando fiz
isso e, provavelmente, não iria escrever Vinha gente de fora de São Paulo?
de novo (como nunca mais escrevi). Foi Tinha quem aparecia de vez em quando:
uma coisa especial; minha área era a Chico César, Fred Martins, Francisco
música clássica. Foi irresistível. Ela me Bosco, porque estavam em São Paulo
convidou para um churrasco na casa por algum motivo. Naquelas noitadas, a
dela, em um sítio fora de São Paulo. O gente ficava algumas horas ali. Depois
Benjamin Taubkin estava lá, o Dante da OSESP, ficou raríssimo para mim
Ozzetti, a Marta Ozzetti, tinha outros encontrar os músicos simplesmente
músicos que me pediram para levar o para cantar clássicos, canções, Nelson
violão, pois sabiam que eu tocava... Cavaquinho, Chico Buarque, Ary Barroso,
Para retribuir, fiz um na minha casa... Caetano Veloso, Dorival Caymmi. Não
O negócio pegou. Tinha uma turma, é repertório que você está preparando
que posso chamar de regulares, que ia para algum show, não é um ensaio.
em quase todos: Zé Miguel, Luiz Tatit, Geralmente, a gente só se encontra
Celso Sim, Suzana Salles. A Ná vinha naqueles dias marcados, com hora

André Mehmari, Jussara Silveira e Arthur Nestrovski

VIOLÃO+ • 13
RETRATO
marcada, para preparar o show. Ali, era profissional é diferente de tocar em casa,
uma coisa muito especial, porque, na mas já havia confiança em mim mesmo,
época, eu não era músico profissional, e como músico, de achar que era bom o
os outros eram. Era o momento em que suficiente para fazer aquilo. Ninguém
se encontravam para tocar as próprias esperava que eu fizesse mais. As pessoas
músicas e clássicos da MPB, que não estavam me chamando para fazer o que
entrariam em repertório de shows, mas eu já sabia, o que já fazia com eles, só que
que gostavam muito. de forma mais sistemática, no palco. Eu
não teria dado o salto profissional que dei
Isso te ajudou a entrar em forma para e nem mudado de vida se não tivessem
tocar profissionalmente? acontecido aqueles encontros.
Eu estudava que nem louco. Os caras que
vinham eram um melhor que o outro. Eu era E a PUC? Como ficou nessa época?
um professor universitário, editor, crítico A PUC ofereceu um plano de demissão
musical… Ficava estudando, botando um voluntária, tudo o que eu precisava para
monte de músicas na memória para não dar uma guinada na vida, me dedicar
passar vergonha. Ao mesmo tempo, dizia: profissionalmente à música e ao violão.
“não tenho obrigação nenhuma, quem Apertei o botão e fui embora.
têm são eles, os profissionais; qualquer
coisa que eu fizer está ótimo” (risos). Só Você tem trabalhos instrumentais de
que isso foi ganhando importância. Fui violão solo, com arranjos de grandes
me preparando para os saraus e isso foi compositores da MPB. Quais critérios
me dando intimidade musical com esses possui para fazer arranjos?
músicos, naturalidade, espontaneidade, Depende da música. Em geral tiro de ouvido
segurança, confiança. Quando veio o e toco muito, muito mesmo. Leio a letra,
primeiro convite, da Jussara Silveira, eu já imagino algo que combine, que marque
estava pronto. Já tinha feito um doutorado o arranjo como único. Às vezes, não rola
de mais ou menos três anos tocando em uma boa ideia, aí fica para um momento
casa. No fim das contas, iria tocar com em que surja um bom caminho. Depende
as mesmas pessoas, só que em outra do que está proposto. Por exemplo,
circunstância. Claro que tocar em um show tenho os CDs com as músicas do Chico
Buarque e do Tom Jobim. Acho o violão
o melhor instrumento para apresentar a
música deles, como se fosse uma lupa, na
essência, riqueza, sutileza de detalhes,
o artesanato da composição, que muitas
vezes acaba não aparecendo por conta
dos lindos (ou não tão lindos) arranjos
que as músicas recebem. Muito do que
é extraordinário em termos de invenção
melódica, harmônica e formal na obra
desses fantásticos compositores passa
14 • VIOLÃO+
RETRATO

batido até em gravações dos próprios. Pode dar um exemplo?


Tom Jobim, certamente, fazia gravações Uma música que fiz com a Adriana
de uma forma descompromissada. Calcanhotto, “Segue o Seu Destino”. A
Quando você vê as partituras, os detalhes música é da Sueli Costa, que eu nunca
são como Schubert ou Schumann. Não tinha ouvido - falha minha, tem um período
é pior, muitas vezes é até melhor que da minha vida que fica como um vazio para
grande parte das canções de Schubert mim, o tempo em que morei fora do Brasil.
ou Schumann. Minha intenção foi essa: Algumas coisas, que ficaram até bem
mostrar isso, até por não ter as letras conhecidas me escaparam. Foi gravada
(que estão no encarte). Em muitos casos, por Maria Bethânia e Nana Caymmi. Uma
eu pensava na letra enquanto tocava, até canção linda, musicando um poema de
para preservar a prosódia, sem o canto, Ricardo Reis (um dos heterônimos de
mas com a linha melódica acompanhando Fernando Pessoa). Aconteceu em um
a fala imaginária. Sem a letra, você ouve o espetáculo na Universidade de Coimbra,
que ela, por ser poderosa e poeticamente onde a Adriana estava recebendo o título
sugestiva, acaba encobrindo, desviando de Embaixadora da Universidade. O
a atenção de frases lindas. Chamaria repertório tinha a ver com a relação entre
esses arranjos de “antiarranjos”. Ficaram poesia e música, tanto brasileira como
mais simples em execução do que muitas portuguesa, por ser de Ricardo Reis, um
coisas que faço em outras músicas, que sonetista, um poeta modernista no sentido
têm outras propostas. cronológico, mas que escreve sonetos
VIOLÃO+ • 15
RETRATO
Gosto de fazer arranjos cruzando canções
diferentes, misturando-as, usando outras
referências. Isso enriquece a trama
de referências, torna as coisas mais
interessantes, ricas. É a minha forma
de trabalhar, até porque tenho interesse
pela literatura, por outras áreas. Não é
uma procura artificial; para mim, isso é o
natural. E tenho que achar uma solução
musical, que também é uma mistura…

Então, você considera que o processo


de criação não é puramente intuitivo?
Ze Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski Não adianta dizer que o músico, quando
está criando, trabalha só de forma
como Horácio ou outros autores da intuitiva. É uma meia verdade… É uma
antiguidade clássica latina. Por isso, tive a intuição muito cultivada, uma mistura de
ideia de fazer um movimento anacrônico. coisas. O estalo é uma intuição, para onde
Usar um estilo passado musicalmente já você vai, por que você escolhe uma rota
faria, metaforicamente, sentido. A letra e não outra, que tipo de harmonia você
sugeria um movimento chamado “baixo faz, isso tem uma dose que você não
peregrino”, tipo de baixo encontrado na controla, não é teorizável. Mas, passou
música barroca, em cantatas de Bach, em desse ponto, você passou cinquenta
Pergolesi, no Stabat Mater, referências anos estudando música, tem memória
eruditas de minha formação, literária acumulada, conhecimento teórico.
também, de musicólogo. Isso tudo é só Há coisas que são de ordem racional,
um ponto de partida. Com isso em mente, embora você não esteja fazendo uma
comecei a usar dissonâncias típicas do equação matemática. Isso tudo redunda
barroco. Em cima disso, fiz o arranjo num arranjo musical que, na verdade,
sobre a harmonia, que era simples. Eu já ninguém precisa saber nada disso.
tinha tirado de orelha, ouvindo a gravação Alguns vão identificar e perceber qual é
da Bethânia. Esse show foi gravado pelo o jogo, que é o algo a mais; outros vão
jornal O Público. No site do jornal, você achar bonito ou não, se comover ou não.
pode ver um minidocumentário sobre o Não precisa de uma bula, não precisa
show. Mas não tenho a gravação desse de explicação.
arranjo. O que posso dizer é que cada
canção pede um trabalho específico, Sua filha é cantora e vocês vão gravar
como se fosse uma composição. Cada juntos. Como é o trabalho em família?
um tem uma chave: uma chave sua para Eu esperei que a Lívia se tornasse a
aquela música. Ou você encontra a chave Lívia, não a filha de alguém, para tocar
ou não. No show com a Adriana, cada com ela. Não considero ético forçar a
música ganhou um caráter particular. barra, e não fui eu quem a lançou. Seu
16 • VIOLÃO+
RETRATO
trabalho é muito considerado no meio tendo essa experiência e ganhando o
musical. Preciso estudar muito para respeito dos músicos como alguém que
ter um resultado razoável para mim não só escrevia sobre música e ensaios
mesmo. A Lívia, embora muito estudiosa acadêmicos sobre música, mas que tinha
e rigorosa, tem uma facilidade natural, competência profissional como músico.
uma espontaneidade que é dos grandes Porque uma coisa era dizer que tinha
músicos. É uma sorte fazer shows com doutorado em música - isso só eu sabia,
ela, ela deixar isso acontecer (risos). tinha um diploma na gaveta - e que fiz
bacharelado na Inglaterra, doutorado
E sobre o repertório do CD? nos Estados Unidos. Isso não me dava
Quase metade são canções minhas. Têm o reconhecimento dos músicos enquanto
três inéditas com o Luiz Tatit, clássicos músico. Mesmo quando vim para cá,
brasileiros e algumas americanas, foi uma surpresa para muitos da área
coisas que têm parentesco com o da música clássica. Não sabiam que
repertório brasileiro, que a Lívia faz eu era músico efetivamente. Para esse
muito bem. Pixinguinha, Ary Barroso, cargo, você precisa ter competência
Arrigo Barnabé, Ernesto Nazareth, com profissional na área para além de outras
letra do Zé Miguel Wisnik. competências que o cargo demanda. A
soma desses fatores foi construindo a
Você é diretor artístico da OSESP minha vida. Daqueles saraus ingênuos e
(Orquestra Sinfônica do Estado de inocentes, entre 2003 e 2004, muita coisa
São Paulo) e do Festival de Inverno de aconteceu sem estar prevista. Mas acho
Campos do Jordão. Como se dão esses que, em algum ponto obscuro, dentro
trabalhos? Como faz para ter tempo de de mim, eu estava esperando isso tudo
tocar, estudar, montar shows? acontecer. Esperando apertar o botão.
É uma rotina intensa, coisas
administrativas, agendas, concertos.
Toma quase meu tempo inteiro, diminuí
drasticamente os shows. Só consigo
estudar uma hora pela manhã e uma
hora à noite (o que faço diariamente),
não é suficiente para manter shows
simultâneos. Minha agenda chegou a mais
de quarenta shows no Brasil e na Europa.
Não dá mais para fazer isso, por conta
do trabalho na OSESP. Mas devo esse
convite ao tempo dos saraus e da minha
profissionalização como instrumentista.
Dificilmente eu teria encarado um
desafio desses se não tivesse os anos de
atividade profissional que tive, fazendo
música com essas pessoas, viajando,
VIOLÃO+ • 17
história Por Rosimary Parra

A voz do violão
O título da canção de Francisco Alves e Horácio Campos, “A Voz do
Violão”, pode bem representar a ideia que se tem ao ouvir Dilermando
Reis em suas interpretações: seu violão canta cada nota com muita
expressão e com todo o lirismo dos cantores de seu tempo

Os arranjos de canções para violão de O violonista e compositor Dilermando


Dilermando Reis e de outros violonistas Reis, considerado por muitos o
de seu tempo trazem às novas violonista mais influente do Brasil,
gerações o conhecimento e o interesse gravou diversos discos com gêneros
por resgatar importantes pérolas do variados como choro, valsa e repertório
cancioneiro brasileiro. O interesse, erudito, entre muitos outros. Trabalhou
primeiramente violonístico, amplia-se na Rádio Clube do Brasil e na Rádio
para o conhecimento dos compositores, Nacional do Rio de Janeiro. Nascido
de importantes poetas e letristas, do na cidade de Guaratinguetá, no Estado
contexto histórico em que a canção de São Paulo, em 22 de setembro de
foi criada, de interpretações de outros 1916, faleceu no Rio de Janeiro, em 2
instrumentistas da época, gerando de Janeiro de 1977.
novos elementos para a compreensão Os arranjos de suas canções revelam a
e apreciação do repertório brasileiro. essência da música seresteira na fluidez
das melodias de compositores como
Sílvio Caldas, Francisco Alves, Alberto
Marino e Pixinguinha. É reconhecida
a importância de sua atuação como
solista em gravações da sua extensa
discografia, entre 1941 e 1976, pelas
gravadoras Columbia e Continental
Discos. No entanto, é importante
ressaltar sua atuação como violonista
acompanhador.
Essa vertente de sua carreira parece
ter sido motivada por um trabalho
esporádico, em que acompanhava
calouros na Rádio Guanabara, em
1935, paralelamente às atividades como
Dilemando Reis: A Voz do Violão professor de violão nas lojas Bandolim
18 • VIOLÃO+
história
de Ouro e A Guitarra de Prata. Embora
tenha atuado na Rádio Transmissora em
um programa dedicado ao violão solo,
continuava tocando em regionais como
violonista acompanhador. Trabalhou
ainda na Rádio Clube do Brasil e na
Rádio Nacional, com o programa Sua
Majestade, o Violão, entre 1956 e 1969.
A atuação como acompanhador
destaca-se em sua discografia na série
de LPs intitulada Uma Voz e Um Violão
em Serenata - Francisco Petrônio e
Dilermando Reis, que contém sete
volumes lançados pela gravadora
Continental, entre 1962 e 1973. Cabe
lembrar que Francisco Petrônio (1923-
2007) era um cantor recém-descoberto, Destinos”, “Uma Valsa e Dois Amores”
tendo sido anteriormente motorista e “A Voz do Violão”. A interpretação
de táxi. Começou a atuar em 1961, dada pelos músicos nesses LPs cria
gravou seu primeiro disco pelo selo um retrato do ambiente seresteiro,
Chantecler e, em 1962, transferiu-se ressalta a qualidade vocal, a clareza
para a gravadora Continental, da qual na emissão do texto e expressão das
Dilermando Reis já fazia parte. palavras, quase como uma poesia
Na série Uma Voz e Um Violão em recitada. Soma-se a isso a sonoridade
Serenata, encontra-se o registro de das cordas dedilhadas e o tratamento
canções que marcaram a história da no acompanhamento, que enfatiza as
música brasileira, seja pelo refinamento intenções de expressão do cantor.
melódico ou pela qualidade da poesia.
Entre os compositores da série, A Voz do Violão
destacam-se Alberto Marino, Zequinha A música “A Voz do Violão” foi composta
de Abreu, Erotides de Campos, Orestes por Horácio Campos, em 1928, para uma
Barbosa, Peter Pan, Francisco Alves, peça de teatro da Companhia Jardel
Cândido das Neves, Herivelto Martins, Jércolis. Não tendo obtido sucesso,
Pixinguinha, Ary Barroso e Noel Rosa. acabou sendo musicada novamente por
Encontram-se, ainda, composições do Francisco Alves, que gostou dos versos
próprio Dilermando Reis em parceria de Horácio e a gravou no mesmo ano.
com Jair Amorim e José Fortuna. Essa canção ficou muito famosa na voz
Algumas das músicas presentes nessa desse cantor, que a regravou em 1929,
coleção, chegaram até os dias atuais 1939 e 1951. Há, inclusive, uma cena
em famosos arranjos de Dilermando curiosa do próprio cantor no filme “Berlim
Reis para violão solo, como em “Se ela na Batucada”, comédia musical brasileira
perguntar”, “Chão de estrelas”, “Dois de 1944, dirigida por Luiz Barros.
VIOLÃO+ • 19
história
Para ouvir
Faixas da série Uma Voz e Um Violão em Serenata
“Se Ela Perguntar” (vol. 1, 1962) - Composição de Dilermando Reis e Jair
Amorim (1952). Sabe-se que era a preferida do ex-presidente Juscelino
Kubitschek, com quem Dilermando teve grande proximidade pelo fato de
ensinar violão à sua filha.
“Maringá” (vol. 7, 1973) - Composição de Joubert de Carvalho (1932).
“Último Desejo” (vol. 7, 1973) - Composição de Noel Rosa (1937).

Referências bibliográficas
NOGUEIRA, Genésio. Dilermando Reis, sua majestade o violão. Rio de Janeiro, 2000. Edição particular.
TABORDA, Márcia. Violão e identidade nacional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

Sites
DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
www.dicionariompb.com.br
ACERVO DIGITAL DO VIOLÃO BRASILEIRO
www.violaobrasileiro.com

Rosimary Parra
Violonista com mestrado em Música pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professora de violão clássico na
Fundação das Artes de São Caetano do Sul (FASCS).

20 • VIOLÃO+
CD-60 CE
CLASSIC DESIGN SERIES

Mahogany Black Natural Brown Sunburst

Os violões eletroacústicos CD-60 CE oferecem sonoridade e visual


sofisticados. A combinação do tampo em Spruce laminado, com laterais
e fundo em Nato, captação Fishman Isys III (ativa), Tarrachas Die-Cast
cromadas, braço em Nato com escala em Sonokeling (Black, Natural e
Sunburst) e Mahogany (Mahogany) de 20 trastes garantem sons ricos e
encorpados.

Importantes upgrades incluem um novo projeto de ponte, friso do bocal


em madre-pérola e novo escudo.

Os primorosos acabamentos Mahogany, Black, Natural e Sunburst


oferecem classe e estilo aos instrumentos, que vêm acompanhados por
um exclusivo case “Hardshell” original Fender.

Case “Hardshell“ Captação Novo Projeto Friso em Tarrachas


Original Fender Fishman Isys III de Ponte Madre-pérola Die-Cast

/FenderBrasil www.fender.com.br
matéria de capa
Por Luis Stelzer

Sem papas na língua


Fábio Zanon, nascido em Jundiaí,
interior de São Paulo, é considerado
um dos grandes violonistas do
mundo. Em seu curriculum, vitórias
em concursos importantíssimos,
gravações maravilhosas, concertos e
masterclasses nos quatro cantos do
planeta. É, também, professor visitante
na Royal Academy of Music, de
Londres. Sem dúvida, é uma referência
atualmente. Para VIOLÃO+, Zanon
concedeu uma entrevista corajosa,
em que coloca, com muita clareza,
sua opinião sobre diversos assuntos
relacionados à música, ao violão e ao
ensino, sua experiências com o gênero
popular e os planos para o futuro
fabio zanon
saía revigorado; aquilo me enchia de
felicidade por ele. Tocar violão ainda me
enche de uma felicidade parecida. Minha
primeira referência, sem dúvida através
de meu pai, foi Dilermando Reis, seu
ídolo. A segunda foi o professor Antônio
Guedes, de Jundiaí, com quem estudei
dos 13 aos 16 anos, o primeiro grande
concertista que ouvi ao vivo. Antes dele,
tinha ouvido somente o Segovia, no
rádio. Depois que comecei a estudar
com ele, ouvi, em disco, Julian Bream e
o Duo Abreu. Essas são minhas maiores
referências, junto com Segovia, que veio
mais tarde. Julian Bream, seu estilo,
repertório, suas referências literárias,
sua mágica à meia-luz, representou
todo um mundo de cultura. Acredito que
meu ideal do que é o violão passa pela
trajetória dele. Na época, Jundiaí recebia
concertos e eu também vinha a São
Paulo. Assisti a uma geração de grandes
violonistas ainda jovens: Duo Assad,
Edelton e Everton Gloeden e Paulo Porto
Violão+: Como surgiu seu interesse Alegre, que me impressionou muito. Mas
pelo violão? violão, já naquela época, não era meu
Zanon: O violão, para mim, não é somente exclusivo - talvez nem o meu maior -
um instrumento musical ou um meio interesse musical. Eu sonhava em ser
de vida: é um detonador de memórias. compositor. Arthur Rubinstein continua
Impossível ouvir o violão sem lembrar os sendo um ídolo, um modelo de fazer
ladrilhos da cozinha, os passos cansados musical inspirado e bem estruturado, de
de minha avó, o cheiro da corrente que curiosidade e vontade de viver.
trancava a janela, o apito do trem, a
multidão de gente passando debaixo Como foi o período em que estudou
da minha janela em direção à fábrica na Universidade de São Paulo?
de fósforos e, principalmente, meu pai, Não é muito fácil falar da USP. Mudar de
trancado no banheiro depois do jantar, Jundiaí para São Paulo foi um choque bem
tirando de ouvido “Sons de Carrilhões” maior que de São Paulo para Londres. Eu
e “Na Baixa do Sapateiro”, inventando vinha de um ambiente musical doméstico.
suas músicas, assobiando, cantando. O professor Guedes, minha professora
Fazia isso com o maior entusiasmo de música, Josette Feres, o ambiente
e, depois de uma horinha ali dentro, das escolas de música de Jundiaí, eram
24 • VIOLÃO+
fabio zanon
acolhedores. O Sílvio Ferraz e o Mikhail alguns deles eram pessoas muito
Malt, ainda estudantes da graduação, pontiagudas, difíceis de lidar. As greves
davam aulas de teoria lá. Cada aula era constantes interrompiam os cursos e
uma descoberta: em um dia, Mahler; houve matérias, como Harmonia, em
no outro, jazz, Berio, Beethoven... que tive a sensação de que nada tinha
Nem parecia uma profissão, mas uma sido consolidado e acabei estudando por
Disneyland, só alegria. De repente, fora. Em perspectiva, porém, acho que
me vi em um ambiente hostil, de gente muita coisa ficou. Havia uma biblioteca
descontente com a música, maldizendo e uma fonoteca que foram a base de
a profissão, fazendo intrigas. Estava à minha cultura musical; aprendi muito
mercê de alguns professores que podiam com colegas que são amigos até hoje,
ser até meio geniais, mas me davam como Marcelo Barboza, Andrea Kaiser,
a sensação de estar desaprendendo, Paulo Castagna, Tecris Rodrigues. A
me afastando da música, perdendo a gente montava quartetos vocais para ler
alegria. O curriculum era um balaio de música renascentista à primeira vista e
gatos. Tinha dois anos de ciclo básico, acabava por aprender muito por conta
assistindo matérias na ECA (Escola de própria. Os professores Toni e Marco
Comunicações e Artes), com uma carga Antônio da Silva Ramos perceberam
horária enorme e, espremendo tudo minha inclinação para a regência e me
aquilo, saía pouca coisa. O curso de induziram a tomar aulas. Por alguns anos,
música propriamente dito tinha figuras reger corais foi minha principal fonte de
incríveis: Olivier Toni, Gilberto Mendes, renda. Regência é uma atividade que hoje
Ficarelli, Willy Corrêa de Oliveira, mas ocupa um espaço maior na minha vida.

VIOLÃO+ • 25
fabio zanon
conduz a um resultado musical de boa
Das aulas de Toni e Willy ficou a noção
qualidade. O problema é que para ser
de que colocar um Mi sobre um Dó não é
à prova de acidentes, ao menos para
simplesmente combinar duas frequências
nós, reles mortais, que não temos uma
matematicamente relacionadas. Cada
condição psicomotora privilegiada, é
acorde, contorno melódico ou decisão
preciso limitar o repertório, se dedicar
formal estão imbricados com uma
a uma quantidade de repetição e
bagagem cultural e filosófica que reflete
quebra-pedra que, frequentemente, me
a trajetória do senso estético desde os
aborrece. Quando vejo colegas tocando
tempos bíblicos e da cultura grega. Talvez
o mesmo programa que tocaram em
essa seja a resposta para sua pergunta.
um concurso em 1991, nem sei o que
pensar. Para pessoas com habilidade
Como é a experiência de se preparar
normal, a maneira de se preparar para
para uma competição musical?
um concurso é a mesma de um programa
Essa é a principal fronteira pessoal que
normal de concerto, só que com prazo,
tenho de transpor todo dia. Não é fácil
com mais foco e repertório limitado. O
manter o tipo de disciplina que uma
grande problema é que, em um concurso,
pessoa com habilidade normal precisa
a situação é bem diferente de um recital.
para garantir constância técnica. Gosto
Há a relação de comparação, que pode
de experimentar, ler coisas novas, fazer
desestruturar psicologicamente. Pode
música de câmara, ler ficção, assistir a
bater uma ansiedade fora do normal.
filmes antigos, pegar uma praia, levar
Muitas vezes, as provas duram 5 ou 10
uma vida mais ou menos normal. E
minutos e você tem de fazer uma espécie
tocar sem errar não é muito compatível
de “se vira nos 30”. E para isso dar
com isso. E tem uma baita influência no
certo, a música tem de se tocar sozinha,
resultado de um concurso! O curioso é
praticamente. Tive um primeiro prêmio
que minha técnica foi desenvolvida com
no concurso Pittaluga (1998), na Itália, e
muita dedicação, em longo prazo, com
uma infinidade de segundos ou terceiros
paciência. Acredito que, quando estou
prêmios nos mais variados concursos que
bem preparado, é uma técnica fina, que
você possa imaginar, em um período de
três ou quatro anos. Raramente ficava fora
de uma final, mas sempre alguma coisa
me tirava o primeiro prêmio. Os jurados
vinham comentar ao fim do concurso,
gente que eu respeitava, dizendo que
musicalmente tudo era convincente, mas
que eu tinha esbarrado ou algo desse
tipo. Em 1996, decidi que isso não ia mais
acontecer. Foi uma mudança de atitude
mental parecida com parar de fumar:
você desliga um botão na sua cabeça.
A informação sobre como se preparar
26 • VIOLÃO+
fabio zanon

varia muito pouco quando se trabalha na se tensionar e acabou prejudicando a


esfera do talento normal. É preciso limitar condução da frase musical. Uma vez que
o número de obras. O concurso sempre se corrige isso, é preciso tocar muitas
tem peças obrigatórias, portanto alguma vezes para que o cotovelo aprenda o
coisa terá de ser aprendida com pressa seu caminho sem ter que pensar nisso.
e o resto tem de ser composto por obras E isso terá de ser refeito diariamente,
que estejam mais que prontas, testadas, por algumas semanas, para “entrar no
tocadas em concerto por bastante tempo. sistema”, para que se consiga conduzir a
Todo mundo me pergunta “que música frase musical do jeito que imaginou, com
é boa pra se tocar em concurso?”. Para naturalidade, sem esforço. É um processo
ganhar, tem de tocar o que você tem meio narcisístico. É importante se
certeza que toca melhor! Tem gente acostumar a tocar com total intensidade,
que acha que, se tocar a “Toccata” de J. concentração e compromisso desde
Rodrigo, todo mundo vai ficar boquiaberto a primeira nota que se toca ao abrir o
com a dificuldade. Se for mal tocada, o júri estojo. O Marcelo Kayath, quando se
vai ficar boquiaberto com a falta de noção preparava para concursos, espalhava
do candidato. Tudo tem de ser estudado post-its pela casa, dizendo “você tem
meticulosamente, buscando controle, de brilhar”, “quem se prepara vence”...
relaxamento, tentando entender qual foi a Colocava o despertador para 4 da manhã,
pequena alteração no ângulo do cotovelo acordava no meio da noite, abria o estojo
que tirou o polegar da mão esquerda do e tocava o programa do concurso, sem
lugar e levou o dedo mínimo a pisar a vacilar. Parece paranoico, mas em algum
corda de mau jeito, o que te obrigou a momento o grau de exigência tem de subir
VIOLÃO+ • 27
fabio zanon
cria memórias compartilhadas com seus
maiores amigos. Nunca prestei atenção
em jazz, mas um aluno, Dini Furlan, que
se tornou um grande amigo, me mostrou
Larry Coryell e Grupo D’Alma. Ele já
morreu, mas até hoje, quando escuto
Ulisses Rocha ou André Geraissati,
vem uma lembrança boa de uma época
de sonhos em comum, de amor à vida,
pé na estrada, rodar o mundo tocando
música. Meus amigos que faziam teatro
eram todos da MPB. Chico, Caetano e tal
a alturas inimagináveis, do contrário você são a trilha sonora dessa época. Existe
fica sempre no “quase”. alguém com 50 anos que não curtiu Queen
ou Rick Wakeman? Mas essas memórias
Você tem filhos em idade escolar, também emergem com música ruim. A
influenciados pela mídia, que impõe música é um dispositivo que desencadeia
gostos. Chega a controlar isso? memórias e emoções, não há como
Colocar controle é receita para o desastre. controlar. Então, acredito que não tenho
Comer pelas bordas é melhor, tentar o direito de coibir isso nas crianças: elas
induzir em vez de impor. Se alguém me têm sua história para escrever. Até a idade
apontasse um revólver e me obrigasse de irem para a escola, tínhamos a mesma
a escolher, preferiria passar o resto dos política para música e comida. Se não tem
dias com a vetusta tradição de 800 anos Doritos e nem refrigerante em casa, não
da música clássica a qualquer outra. Mas tem razão para comprar lixo musical. Eles
como isso não vai acontecer, acredito ouviam o que a gente ouvia, mas há um
que música, comida, flores, livros etc são momento em que eles precisam aprender
fascinantes por atenderem a momentos a se alimentar sozinhos. Sendo quem sou,
diferentes da vida. Nem toda música que divido meus gostos com eles. Sempre
escuto é boa. Quando criança, havia uma brinquei com música clássica, mostro as
quantidade brutal de lixo no rádio, na TV, peças de que gosto, estudo violão no meio
que não pude evitar. Um monte de cantores da sala, pergunto o que acham. Os dois
horrorosos na Jovem Guarda, discotèque, estudam piano, foram musicalizados ainda
samba de quinta categoria, cantores bebês. Nunca fiz divisão de gêneros; eles
românticos imitando música italiana sabem que música clássica é diferente,
(parecido com o sertanejo universitário mas a gente ouve e conversa sobre Berlioz
de hoje), americanos fake, Zé da Praia, ou One Direction, Schubert ou Maroon 5.
Sidney Magal... Ao mesmo tempo, havia Ouvem música pop latino-americana, o
Simonal, Jackson Five, Elis, Clara Nunes, que acho muito legal. Se colocam Bruckner
Earth, Wind and Fire, o auge da MPB, para ouvir? Não, mas ouvem junto comigo.
The Beach Boys, Crosby, Stills, Nash and Tiveram de aprender o que é Bossa Nova
Young, Françoise Hardy, Maysa... Isso na escola, com todo o efeito negativo. Dá
28 • VIOLÃO+
fabio zanon
a impressão de que virou uma coisa meio uma banda, e, depois, acompanhando
museu de si mesma. Tem de ser proativo, MPB com cantores, alguns bem legais.
do contrário a música comercial domina. Como estudei harmonia, não é realmente
Estou começando a ensinar teoria, ditado, um mistério, mas, assim como na música
forma, para eles. A tendência é de se clássica, para ficar uma coisa bonita tem
interessarem por música mais complexa. É de ter vivência. Não consigo entender
inevitável. Mas tem de fazer parte da vida.
por que alguém gostaria de escutar uma
coisa mal tocada só porque é o artista X
Você foi convidado para uma ou Y. Acho muito melhor escutar alguém
apresentação com Toquinho e um que improvise ou toque outros gêneros
improviso sobre uma música dele. realmente bem, ou seja, melhor que eu.
Como é sua relação com o popular? Mas, como alguém pode resistir ao desejo
Se eu fosse colocar no Facebook de tocar com Toquinho, Ney Matogrosso,
o status de relacionamento com a Yamandu, Ana Luiza e outros? São grandes
improvisação, teria que escrever “numa artistas, gente interessante e, no fim das
relação complicada”. Só pratiquei isso em contas, isso tem um efeito multiplicador.
criança, tocando com meu pai ou minha Aumenta a plateia do violão clássico por
irmã. Quando fui morar em Londres, era o apresentá-lo para um público receptivo
final da era da lambada, e complementei que, de outra forma, não o escutaria. Mas
o orçamento tocando baixo elétrico em sempre é um processo penoso para mim.

VIOLÃO+ • 29
fabio zanon

Tendo estudado violão no Brasil e no aluno. E inclui requerimentos técnicos e


exterior, poderia traçar um paralelo de teoria. Ninguém é obrigado a fazer,
entre o que viu por aqui e por lá? mas quem realmente vai bem nesses
Ensinei igualmente no Brasil e na exames costuma ser encaminhado, a
Inglaterra, e as comparações são partir dos 11 ou 12 anos, ao departamento
inevitáveis. Acredito que é uma questão infantil das grandes escolas ou a um
de infraestrutura, antes de mais nada. O curso técnico de música em regime de
ensino precoce de música ainda está muito internato. Há realmente uma formação
mal. Cada país tem um sistema diferente. intensiva, com prática de orquestra e tal.
Conheço melhor a Inglaterra, onde não Se eles decidem seguir com a música,
há um sistema de conservatórios locais, aos 17 anos, o nível dos alunos é mais
como na França ou na Alemanha, e ainda equilibrado. Aí é que a pedreira realmente
assim parece funcionar. As pessoas começa. Porque, nesse ponto, quem tem
começam a estudar música mais cedo potencial para ser solista internacional
que aqui, com muita prática de coro. Há já foi identificado e vai se preparar para
um curriculum formulado pelas escolas isso. Estudar numa Royal Academy ou
superiores de música que dá as diretrizes numa Guildhall equivale a ficar quatro
de cada etapa do desenvolvimento dos anos em um festival cheio de atividades,
estudantes. Os professores particulares na maior pressão, com rigorosíssima
usam isso como guia e estimulam os avaliação interna, para formar os
alunos a fazerem esses “grade exams”. melhores profissionais de orquestra,
Isso dá uma baliza para o progresso do ópera, composição, ensino etc. Não que
30 • VIOLÃO+
fabio zanon
não haja uma estrutura no Brasil, mas três professores visitantes: eu, o David
as escolas são poucas, a avaliação não Russell e o John Williams, que dão aula
é muito isenta ou rigorosa, a estrutura quando podem, a intervalos mais ou
física das escolas deixa a desejar... Dá a menos regulares. E outros professores
impressão de que não há uma cultura de externos, Steve Goss e Christoph
excelência. Daí o sujeito que vai para uma Denoth, que dão aulas de música de
universidade fica meio perdido, porque o câmara. Os alunos, assim, se beneficiam
sistema de conservatórios superiores foi da constância do Michael e da inspiração
desmantelado em favor de um sistema de dos visitantes. Cada aula é avaliada,
títulos: há um cabo de guerra constante há prêmios internos, masterclasses de
entre a hierarquia acadêmica e a função outros artistas, seminários sobre assuntos
de se formar profissionais de música. acadêmicos, prática de câmara, festivais de
Francamente, não vejo esses cursos compositores de renome, uma programação
partirem do princípio de que todo aluno séria de concertos. Acredito que não se
tem o potencial para ser um grande precisa só de dinheiro para fazer isso, mas
profissional, ou de que alguns deles pensar o ensino de música de forma mais
deveriam ser encaminhados e nutridos ampla. As grandes escolas internacionais
para uma carreira de maior envergadura e competem entre si para atrair os melhores
outros para uma carreira local voltada para alunos; o Brasil, infelizmente, está fora
uma prática de alto nível. Os professores disso. Por isso todo mundo quer sair para
muitas vezes caem em uma armadilha, estudar. Nosso ensino informal de violão
em que, em vez de serem contratados
para serem o que são, acabam tendo de
cercear a própria carreira para se dobrar
às exigências da carreira universitária.
Isso impede quem está no topo da
profissão de participar do ensino no país;
por isso temos tantos festivais de música
com ensino, para preencher essa lacuna.
Imagine queo Antonio Meneses ou o
Washington Barella ou o Odair Assad
quisessem dar uma contribuição para o
ensino no Brasil. Eles nem poderiam se
candidatar, pois não são graduados em
música! Os alunos perdem a chance de
se beneficiar da proximidade exatamente
daqueles artistas que são seus modelos.
Na Royal Academy, temos um esquema
bem original. Há o chefe do curso de
violão, Michael Lewin, que é uma espécie
de Henrique Pinto: se dedica de corpo e
alma aos alunos, no dia a dia. E temos
VIOLÃO+ • 31
fabio zanon
com mais preparo. É produtivo conhecer
música fora do violão, estudar as partituras
e ouvir os grandes artistas do passado e
do presente. Isso cria um repositório de
recursos de interpretação que fogem dos
clichês do violão. Faço isso sempre.

O que muda na preparação do violonista


nos concertos com orquestra?
Não muita coisa. A gente prepara tudo com
o mesmo esmero, dentro do possível. O
problema de tocar com orquestra é que,
tirando aquelas duas ou três músicas
que se toca a toda hora, aprender um
concerto é um trabalho danado para usar
é um caso a ser estudado. A quantidade uma ou duas vezes. Tenho uma relação
de gênios que temos no violão brasileiro é muito boa com orquestras e já voltei a me
miraculosa, sem paralelo. Nossos projetos apresentar com algumas delas muitas
sociais com música, Baccarelli, Guri, vezes, o que me deu a chance de tocar
Neojibá etc., são outro caso estudado e muito repertório, alguns concertos em
imitado internacionalmente. Nisso, somos estreia mundial, obras muito trabalhosas
exportadores. como os concertos do Francis Hime, do
Benjamin Dwyer, do Jan van der Roost.
Quem suas referências atuais? Quem O importante é conhecer a música
não podemos deixar de ouvir? inteira, estudar a parte orquestral quase
Todo mundo deveria conhecer a discografia como se fosse um solo de violão. Isso é
inteira de Barrios, Llobet, Segovia, Alírio fundamental para tocar com segurança,
Diaz, Bream, Williams, Presti-Lagoya, integrado ao todo da peça, sem vacilar
Abreu, e dos que estão ativos, Barrueco, nas entradas, modulando a sonoridade
Assad, Russell, Eduardo Fernández e para casar com os timbres da orquestra e
outros. Jamais cometeria a indelicadeza assim por diante. Também é legal pensar
de fazer uma lista de preferências, porque na atitude no palco. Muitos violonistas
certamente esqueceria colegas muito ficam perdidos na frente da orquestra,
queridos e competentes. Atualmente, há não sabem o que fazer quando há
acesso ilimitado a gravações e vídeos, pausas, ficam com cara de samambaia,
ao ponto em que muitos estudantes ficam não conhecem a etiqueta do concerto.
patinando na internet sem muito critério. É bom contar com a ajuda de quem tem
Então, cabe ao professor colocar um filtro, mais experiência para corrigir isso.
e ao aluno confiar no mestre. Inclusive, há
gente que deveria ficar algum tempo sem Qual a importância dos concursos?
ouvir outros violonistas, empregando seu É meio maluco que eu tenha me
tempo em conhecer as partituras e lê-las beneficiado dos concursos, quando,
32 • VIOLÃO+
fabio zanon
para falar a verdade, não acredito muito pessoa fica encalhada com o repertório
neles. Com uns 16 anos, eu tinha um “vencedor” por anos, tendo por base uma
amigo que tocava flauta muito bem. O noção meio fictícia do que vai agradar os
problema é que ele também era um aluno jurados. Por outro lado, gente mais nova
nota 10 no colégio e não estava muito ganha um gás extra e mais foco para
certo de que queria fazer música. Nessa estudar quando entra em uma situação
época, entrou em um concurso de jovens competitiva. A vida é competitiva; tem
instrumentistas e não foi premiado. É um gente que foge da carreira por causa
cara de atitude muito positiva, não foi disso, mas a toda hora se vê tendo de
um grande problema, mas o fato é que, fazer provas, exames, presta concurso
no ano seguinte, ele prestou vestibular para dar aulas, ingressar em orquestras,
e hoje é um ótimo engenheiro. A gente aprovar projetos etc. Novos artistas têm
sempre vê o concurso pelo viés dos de começar por algum lado. Qual seria
vencedores, mas esquece que existe a alternativa? Alguém poderia promover
um vencedor e uma fila de “perdedores”. uma mostra de jovens talentos, onde cada
E o rótulo de “looser” pesa muito nas um tocaria um concerto para um público
costas de um jovem. Outra coisa que me de convidados que poderiam, mais
desagrada em concursos é que eles vêm tarde, abrir portas para seus preferidos
no momento errado da vida. Um cara se colocarem no cenário musical. Mas
de 18 anos tem de ler muita música, se como se escolheria quem deveria tocar
envolver em situações criativas, aprender na mostra? Bem ou mal, um concurso
repertório novo, tocar muito em público e bem intencionado pode ter um mínimo
ter espaço para errar. Só assim descobre de isenção. Bartok disse que competição
que tipo de artista quer ser. E no concurso é coisa de cavalo, não de gente, mas as
não há margem para essas coisas. A alternativas não são muito animadoras.

VIOLÃO+ • 33
mundo Por Luisa Fernanda Hinojosa Streber

Un, Dos, Tres… Que


paso tan Chévere
Proibido em casas de família até os anos 1920, o
tres foi desenvolvido pelos afro-cubanos até chegar
ao seu esplendor

Cidade do México, 10 de dezembro,


1h30m, 1984. Sem perspectiva, por
mais que a gente trabalhe, não sai
do lugar. Eu só quero estudar. Mas
nem isso se pode. Lá estava eu, de
madrugada, completando dezoito anos
de idade, sentada em um banquinho com
uma pasta que guardava o Manifesto
Comunista de Marx e Engels entre as
pernas, uma escova de dentes e algumas
partituras. Três pesos na mão para
pegar a condução no dia seguinte; eram
meu passaporte para Cuba. Já maior de
idade, podia fazer o que quisesse. Com
esse dinheiro chegaria ao Consulado de
Cuba e pediria asilo político. Só assim
poderia estudar, pensava.
Às 9h da manhã saí de casa para o
consulado, que começava o atendimento
às 10h. O carteiro havia chegado cedo
nesse dia. Peguei a correspondência
para colocar atrás da porta e, para minha
surpresa, chegara um envelope grande,
de cor marrom, com meu nome impresso.
Era a notificação de que a bolsa de
estudos na faculdade, tão esperada,
havia-me sido outorgada. Peguei meus
três pesos e, feliz, fui tomar um café. Só
34 • VIOLÃO+
mundo

Grandes treseros: Arsenio Rodríguez (à esquerda) e Pancho Amat (acima)

25 anos depois fui a Cuba, incentivada primeiros foram para as montanhas, de


por uma visita do maestro Leo Brouwer início utilizados como instrumentos de
ao Brasil para um festival de violão percussão. Com o passar do tempo,
realizado em seu nome. Ali fiquei sabendo a utilidade das cordas veio à tona. De
dos Festivais Leo Brouwer de música de acordo com o historiador Bermudo,
câmera em Havana. os primeiros tres eram adaptações
Estando em Havana, era impossível rústicas de instrumentos de cordas
não fazer duas coisas (além de assistir metálicas, como a bandurria. Fala-se
a todo o festival, óbvio): conseguir um que o primeiro tres foi desenvolvido no
tres cubano e assistir a “Buena Vista cais do porto pelos afro-cubanos, que
Social Club”. Conseguir o tres foi uma lá pegavam caixas retangulares de
aventura. Chegou às minhas mãos de bacalhau. Posteriormente, passou a ter
moto, impecável. Tremi de emoção ao formas arredondadas, até chegar ao seu
imaginar quantas noites esse instrumento esplendor com músicas cantadas em
havia acompanhado festas e cantos bailes e festas.
solitários nos plantios de cana-de-açúcar As canções para as danças cubanas,
e tabaco, mesmo dizendo a história que
até 1920 sua execução só era permitida
em bordéis. Procurei por toda a cidade
e não havia estojo para ele, que viajou
às terras brasileiras vestido com uma
camiseta e uma guayabera (espécie de
bata mexicana), ostentando um chapéu
de palha, com milhares de histórias e
milhões de notas guardadas em seu bojo.

Breve história
Os instrumentos de corda chegaram
a Cuba junto com os espanhóis. Os Cuba: músicos de rua liderados pelo tresero

VIOLÃO+ • 35
mundo
chamadas “Sones”, nasceram entre a
classe creole no final do século 19 e início
do 20. Nelas, destacava-se o som de um
instrumento de corda que tocava uma
frase repetitiva de quatro compassos,
chamada “montuno” (de montanha). Os
conjuntos musicais formavam-se por seis
ou sete componentes, com um violão,
um tres, maracas, claves, bongôs, um
segundo violão e uma botija (garrafa).
Mesmo com o instrumento proibido
em casas de família até os anos 1920,
existiram grandes treseros (tocadores
de tres), todos surgidos do povo, como
o grande Nené Manfungás e Carlos
Godínez, do Sexteto da Habanero.
Manfungás veio dos campos de
Baracoa, trazendo o Son em sua forma
mais primitiva por volta dos anos 1880.
Existiram grandes figuras, como Arsenio
Rodríguez e Isaac Oviedo, mas é a 1.-sol/SOL do/do Mi/mi
Ignacio Piñeiro que se atribui a prática 2.- sol/SOL do/do mi/mi
de converter o Son Cubano para músicas Menos usual, mas também usado:
de salão, para dançar. 3.- SOL/sol do/do mi/mi
4.- SOL/sol DO/do MI/mi
Afinação e cordas
O tres possui seis cordas metálicas
afinadas em duplas. A afinação mais
comum é em Dó Maior, do agudo ao grave
Curiosidade
(Sol, Dó, Mi), porém, frequentemente, Existe um violão tres, uma adaptação
se coloca um capo no segundo traste, do violão tradicional, com mastim
elevando a afinação para Ré Maior (Lá, metálico para suportar a tensão das
Ré, Fá#). Os camponeses usam afinações cordas de aço.
específicas para tocar o “Punto Cubano”,
“Trasportáo al medio”, que consiste em
Fá, Do#, Fá# e “afinación al dos”, em
Fá, Ré, Sol. As cordas podem estar em
uníssono ou oitavadas, dependendo da
preferência do músico. As cordas graves
(entorchadas) são escritas com letras
maiúsculas nas configurações mais
utilizadas.
36 • VIOLÃO+
classif icados
Cursos de

Harmonia
Arranjo
Percepção
Leitura Musical
Violão
Contrabaixo
Reinaldo Garrido Russo
Maestro regente e arranjador
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Valéria Diniz
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(11) 9.9260. 4028
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VIOLÃO+ • 37
de ouvido

Treinando a
percepção
Reinaldo Garrido Russo
www.musikosofia.com.br
duemaestri@uol.com.br

Nesta edição de Violão+, treinaremos os exercícios


básicos de comparação. Faz-se necessário sempre o
fundamento teórico e começaremos a fazê-lo a partir da
definição de intervalo:

“Intervalo é uma denominação técnica e precisa para


estabelecermos a distância entre duas notas”.

Não nos esqueçamos da definição do termo “nota” usada


nestas matérias. Antes de qualquer movimento, vamos
estabelecer alguns critérios:
• As notas musicais serão grafadas por meio dos
monossílabos conhecidos, ou seja, Dó, Ré, Mi etc.
• Quando devemos ser mais específicos em relação à
altura ou “grau de entoação”, usamos o índice (número
colocado ao lado direito inferior do nome da nota) para
designarmos a oitava em que a nota se encontra no
teclado: Dó 3, Si5, etc.
• Quando nos referirmos aos acordes ou tonalidades,
usaremos as letras A, B, C etc. Por exemplo: escala de
C, escala de Dm, acordes de Am7, C7 9 etc.
• Como vimos anteriormente, a régua para contabilizar os
intervalos é a Escala Maior de C:

Dó Ré Mi Fá Sol Lá Si Dó

• A menor distância entre duas notas é o meio tom ou


semitom. Tom inteiro ou simplesmente “tom” é a unidade
de medida em nossa música, a música ocidental. É
conveniente ressaltar que a música popular, o jazz e a
música da mídia em geral, seguem a teoria do “Sistema
Temperado”, onde a oitava é dividida em 12 partes
exatamente iguais. Deixaremos de lado, por enquanto,
os sistemas diferentes, que prezam por intervalos
diferentes ou menores do que o semitom.
38 • VIOLÃO+
de ouvido
Para perceber a diferença entre o tom inteiro e o semitom,
o leitor terá de fazer o terceiro dos três exercícios auditivos
aqui propostos.
Para começarmos com segurança devemos ter bem
gravado em mente o que se segue:

Dó Ré Mi Fá Sol Lá Si Dó
1tom 1t ½ 1 1 1 ½ ......

Há uma grande e linda história que deu origem à proposição


acima, mas é importante, por agora, saber que não é à toa
que existe um semitom entre as notas que terminam em “i”
e a seguinte:

Mi Fá e Si Dó
½ ½

Dos exercícios propostos


Todo exercício de percepção auditiva tem como base
pedagógica a reflexão de seu conteúdo e o aprimoramento
do menor tempo gasto para o reconhecimento do objeto
percebido. Em outras palavras: quanto mais rápido e
preciso for o aprendiz no reconhecimento dos elementos
musicais, mais eficaz será no trabalho musical. Portanto,
ouça com atenção.
Existe, entre um item e outro, um espaço de tempo
suficiente para refletir e escrever. Não pare, mesmo que
não consiga reconhecer ou escrever o que ouviu. No final
de cada exercício, repita a operação e ouça a gravação
sem parar. Esse procedimento é fundamental para que a
mente consiga o “foco” no objeto que se quer perceber.
Após essa fase, o leitor poderá parar a gravação em
cada item e tentar ouvir/escrever o que não conseguiu
fazer. É preciso procurar a certeza em sua mente.
Lembre-se da célebre frase: “Navegar é preciso, viver
não é preciso”, na qual o ato de navegar no mar cabe
à precisão do operador e seus instrumentos. O viver
está sujeito às tempestades e calmarias imprevisíveis.
Os exercícios servem para desenvolver a habilidade e
precisão. Confie!
VIOLÃO+ • 39
de ouvido
Exercício 1
Nesta gravação, o leitor deve seguir o procedimento acima.
Escreva a ordem dos intervalos que se apresentam em cada
item. Cada item contém dois intervalos tocados ao piano
consecutivamente. Exemplo para o item 1 do exercício 1:
você ouvirá um intervalo de uníssono sucedido por um de
oitava e escreverá em suas anotações assim: 1) u/8

O Intervalo e a classificação temporal


As duas notas que formam um intervalo podem ser tocadas,
cantadas ou percebidas de duas formas:
• Forma melódica, como ocorre no exercício 1: um som
após o outro;
• Forma harmônica: quando os dois sons de um intervalo
são tocados, cantados ou percebidos ao mesmo tempo,
no mesmo instante.
Quando você canta o Dó 3 no mesmo instante em que
uma amiga canta o Dó 4 , obtém-se um intervalo de oitava
harmônico, e escrevemos 8 harm. O mesmo se dá para
o caso do uníssono harmônico, que escrevemos assim:
u harm.

Exercício 2
Trata-se de um exercício igual ao Número 1, porém será
inserida a forma harmônica em alguns itens. Como o
exercício contém dois intervalos em cada item, devemos
escrever, se for o caso: item) u/8 harm

Os intervalos e a classificação por quantidade


A compreensão é muito simples, pois trata-se apenas de
contar quantas notas existem – em nossa régua musical –
entre um som e outro. Por exemplo: Dó3 e Fá 3 . Contamos
quatro notas da nota mais grave à mais aguda (Dó à Fá):
portanto, trata-se de um intervalo de quarta (4).
Tendo como base a nota Do 3 , veja no quadro abaixo os
intervalos formados com as notas vizinhas.

Sol2 Lá2 Si2 Dó3 Ré3 Mi3 Fá3 Sol3


4 3 2 u 2 3 4 5

Nota base

40 • VIOLÃO+
de ouvido
Os intervalos e a classificação por qualidade
Qualidade do intervalo é o atributo diferencial entre duas
quantidades de intervalo iguais. Vamos isolar os intervalos
de segunda de Dó 3 da tabela acima.

Si2 Dó3 Ré3


2 u 2
½t 1t

Reparem que o intervalo de 2 (segunda) que existe entre


Si 2 e Dó 3 é de semitom.
O intervalo que existe entre Dó 3 e Ré 3 é de 1 tom.
Podemos dizer que um deles é maior do que o outro, e
que um deles é menor do que o outro. É a relatividade
do fato.
Podemos chamar o intervalo maior de 2g ou segunda
grande; o intervalo menor, de 2p ou segunda pequena.
Ou até de 2 elefante e 2 formiga – as crianças adorariam.
Mas nós, músicos, fazemos o mais simples: dizemos 2
Maior e 2 menor e escrevemos de diversas maneiras:

• 2M e 2m;
• 2# e 2b;
• #2 e b2 – a cifra mais consagrada no mundo inteiro.

Muitas outras, como 2+ e 2-, causam confusão e não são


recomendadas pelos professores, embora a escrita seja
mais rápida.

Exercício 3
Escreva o que ouve em cada item. Cada um contém
dois intervalos tocados ao piano na forma melódica,
consecutivamente.

Espero que tenham êxito na execução dos exercícios.


Aguardem, na próxima edição, as respostas para a
conferência. Eu recomendo que ouçam cada item muitas
e muitas vezes, até ter certeza.
Até a próxima!

VIOLÃO+ • 41
sete cordas

Acordes Básicos e Cleber Assumpção

Escala Diatônica
cleberassumpcao@gmail.com

Olá, pessoal! Antes de tudo, gostaria de desejar a todos


um excelente 2016, com muita saúde e muita música!
Nesta edição, vou apresentar os principais tipos de
acordes básicos utilizados nos acompanhamentos de
choro e samba, complementando os assuntos abordados
nas edições anteriores, e iniciar o estudo de visualização
das escalas diatônicas, ferramentas fundamentais na
construção das frases da “baixaria”.
Trabalhamos a visualização das notas mais graves dos
seguintes tipos de acordes:
• Maior (T, 3, 5J);
• Maior com sétima menor (T, 3, 5J, b7);
• menor (T, b3, 5J).
Observação: para aqueles que não entenderem as
indicações acima, é fundamental estudar os conteúdos
referentes à harmonia!
Utilizando os três tipos de acordes apresentados como
referência, sugiro que façam as alterações necessárias
para visualizar as notas dos seguintes tipos de acordes, os
quais fecham o leque dos acordes básicos mais utilizados
no repertório de choro e samba:
• menor com sétima menor (T, b3, 5J, b7);
• menor com sétima menor e quinta diminuta (T, b3, b5,
b7);
• diminuto (T, b3, b5, bb7);
• Aumentado (T, 3, #5).
Há outros tipos que também podem ser estudados:
• Maior com sétima Maior (T, 3, 5J, 7);
• menor com sétima Maior (T, b3, 5J, 7);
• Maior com sexta (T, 3, 5J, 6);
• menor com sexta (T, b3, 5J, 6).
Vale lembrar que existe uma quantidade muito grande
de possibilidades de construção de acordes, inversões e
extensões. Por isso a importância de estudar os conteúdos
42 • VIOLÃO+
sete cordas
teóricos de harmonia paralelamente aos conteúdos
aqui propostos, cujo enfoque é a aplicação prática dos
elementos.

Escala Diatônica
Pode-se definir a escala musical como uma série ordenada
de sons ascendentes ou descendentes. Contudo, a escala
diatônica é formada por sete notas diferentes, separadas
por intervalos de tons e semitons – denominados graus da
escala e identificados por algarismos romanos. A palavra
‘diatônico’ vem do grego, diaton, que significa o intervalo
que separa duas notas conjuntas não cromáticas.
É importante ter consciência de que toda escala maior
possui uma escala menor equivalente, chamada de escala
menor relativa. Tais escalas são formadas pelas mesmas
notas, porém partem de tônicas diferentes, sendo que
a escala menor relativa parte sempre do sexto grau da
escala maior.
As escalas maiores e menores dão origem às tonalidades,
e, por sua vez, as escalas maiores e menores relativas
dão origem aos chamados tons relativos.
Vejamos abaixo a estrutura das escalas de Dó maior e Lá
menor (natural):

Dó Maior

Graus

(distância entre os graus em tons e semitons)

A escala diatônica maior é formada pelos seguintes intervalos: T, 2, 3, 4J, 5J, 6 e 7

Lá menor (natural)

Graus

(distância entre os graus em tons e semitons)


A escala diatônica menor natural é formada pelos seguintes intervalos: T, 2, b3, 4J, 5J, b6 e b7

VIOLÃO+ • 43
sete cordas
Apesar de nossa proposta estar relacionada a conteúdos
mais aplicados na prática, já deu para notar que não vai
ter como fugir muito da teoria certo?
Agora, vamos verificar algumas sugestões de digitação
das escalas de Dó Maior e Lá menor natural nas cinco
regiões do braço do violão. A intenção é “mapear” o braço
do instrumento, assimilando todas as notas que fazem parte
da escala em cada uma das regiões, buscando memorizar
a localização das tônicas!

Observações
• as “bolinhas” pretas indicam as casas onde as notas
devem ser pressionadas;
• as “bolinhas” brancas indicam as notas que estão em
cordas soltas no primeiro diagrama;
• as tônicas, indicadas com a letra “T”, referem-se à nota Dó;
• os algarismos romanos, à esquerda dos diagramas,
indicam as casas na escala do instrumento;
Verifiquem no vídeo as sugestões de exercícios para
praticar as escalas.

44 • VIOLÃO+
siderurgia

Little Country Little Country (2a parte)


Little Country (2a parte)
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45
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Arpejos Flavio Rodrigues


www.flaviorodrigues-flamenco.eu
Olá, amigos leitores! Neste quinto número de Violão+,
vamos introduzir o uso do arpejo e suas respectivas variações
aplicadas à guitarra flamenca.

Estudo de arpejo duplo


Combinando o arpejo duplo a uma cadência de acordes
descendentes (cromatismo), a execução provocará um
alongamento progressivo muito produtivo para a mão
esquerda, especialmente para todos os leitores que, como
eu, têm as mãos pequenas. Para esse estudo, utilizaremos
a mecânica simples de mão direita do arpejo duplo.

Quanto ao repertório, fecharemos o ciclo de nosso


aprendizado até agora, interpretando a sequência
completa vista por Tientos e iniciaremos uma nova
variação por Alegrías, introduzindo o compasso “estrela”
do flamenco, de 12/8.

Esquema rítmico

Iniciaremos nossos estudos com uma tradicional “escobilla


por alegrías”, introduzindo outra classe de arpejo, o arpejo
com “horquilla”. Trata-se de um recurso muito utilizado, dentro
do “universo dos arpejos”, pelos guitarristas flamencos que
fizeram dessa abordagem uma especialidade. Referente à
mão direita, utilizaremos a seguinte mecânica:

46 • VIOLÃO+
f lamenco

#FicaAdica
Fantasía Flamenca de
Paco de Lucía
(1969)
Paco de Lucía / Esteban
de Sanlúcar

Disco histórico e funda-


mental da discografia
da guitarra flamenca.
Com apenas 22 anos de
idade, aquele que seria o Maestro absoluto e unânime
do instrumento, começa aqui sua revolução. Mudando
padrões, rompendo esquemas e marcando a diferença
em todos os sentidos, Paco de Lucía trazia implícito
em seu toque um amálgama de qualidades inovado-
ras: força, destreza, agilidade, musicalidade, profundi-
dade no discurso, doçura e personalidade ao interpre-
tar, sensibilidade e conhecimento ao compor e domínio
total do instrumento.

Destaques: “Aires de Linares”, “Guajiras de Lucía”,


“Panaderos Flamencos” e “Mantilla de Feria”.
VIOLÃO+ • 47
fundamentos da improvisação

Acorde Maj7
Alex Lameira
Caros leitores de Violão+, seguiremos falando sobre os www.alexlameira.com.br
pilares dos fundamentos da improvisação:
• Audição;
• Consciência;
• Motora.

Vamos abranger os dois últimos pilares, sempre colocando


a audição em primeiro lugar. Na edição anterior, falamos
sobre cantar a escala sentindo cada grau. Para isso, é
necessário que, ao cantar ou tocar os graus da escala (que
nada mais é do que um acorde na horizontal), sempre haja
um gravador ou um pedal de loop soando o acorde para
que tudo faça sentido.
Evite tocar a escala (cantar, tudo bem) sem ouvir o acorde,
pois isso pode levá-lo a estruturas mecânicas de tocar –
padrões mecânicos que os dedos criam – que não são
musicais e não revelam as ideias presentes na mente do
improvisador. Evite, sempre, que seus dedos sejam mais
rápidos que sua mente.
Vamos ao acorde de maj7, com os seguintes graus:

T, 2M, 3M, #11, 5J, 6M e 7M

Cante a escala criando melodias. De preferência, use sons


graves, para depois conferir se estão dentro da escala. Após
algum tempo, você vai sentir que seus ouvidos não deixam
mais que você cante notas fora da escala, mas acabará
cantando sempre os graus baixos (T, 3M, 5J e 7M).
Procure forçar o canto das tensões: 7M, 9M e #11.

48 • VIOLÃO+
fundamentos da improvisação
Depois desse trabalho, sempre com o gravador ou pedal
de loop tocando o acorde, comece a tocar o que você está
cantando. Faça pequenas frases e toque em seguida. Para
isso, vale a pena tocar os graus da escala, sentindo como
cada um soa dentro do acorde para ficar preparado.
Seguem os desenhos no braço do instrumento, por intervalos,
para que, auditivamente, seus dedos reconheçam cada
“lugar” da escala. Lembre-se:
• Sexta corda na linha superior;
• Primeira corda na linha inferior.
Apesar de os desenhos se mostrarem como o contrário da
tablatura, apresentam a posição como se toca o instrumento.
Seguem cinco padrões que devem ser estudados bem
devagar e com o acorde soando ao fundo. Siga pela ordem
a partir de onde a tônica está posicionada.

Tônica na sexta corda

Tônica na quinta corda

Tônica na quarta corda

VIOLÃO+ • 49
iniciantes

Estudo em Blues Ricardo Luccas


Felicito os sobreviventes que chegaram até aqui com os rnluccas@gmail.com
sucessos e insucessos que a prática de um instrumento
musical proporciona. É o momento em que precisamos
ter paciência conosco, pois, às vezes, mesmo pequenas
conquistas têm grande significado e importância. Desejo
a todos um excelente 2016, repleto de prática musical
e conquistas.
Vamos dar sequência aos exercícios que vínhamos
executando, lembrando que é importante, para a
evolução no aprendizado, o estudo vinculado a uma
rotina. Temos dividido essa rotina entre técnica da mão
direita (arpejos e batidas), técnica da mão esquerda
(posição frontal ao braço do instrumento), sequências
harmônicas e leitura musical.
A rotina merece atenção especial. Ousando, sugiro um
esquema de estudo inicial, pensando que será também
aquecimento e preparação para a execução das
músicas, do repertório. A sugestão é de que gastemos
apenas um terço do tempo que passaremos estudando
dessa forma. Lembrem-se de que é uma sugestão, pois
não há uma fórmula universal que resolva problemas
para todo mundo. Cada um tem que ir encontrando o
seu tempo, de acordo com seu gosto e com a resolução
dos problemas de execução versus a grande quantidade
de possibilidades de desenvolvimento técnico. Mas
procure incorporar na rotina de estudo o aquecimento
aqui proposto: o ganho será evidente. A recomendação é
de que seja feito respeitando as indicações explicitadas
em cada exercício, como “tocar lentamente”, “explorar
a sonoridade”.

Novos exercícios
Vamos aos novos exercícios, que devem ser incorporados
aos já dados e conhecidos por vocês:
1) Mão direita. Arpejos sugeridos sobre os acordes Am
(Lá menor) e Em (Mi menor), com atenção ao baixo, que
vai alternar/variar de cordas. Executem e experimentem
também sobre as outras sequências de acordes.
50 • VIOLÃO+
iniciantes

2) Mão direita. Batida. Vamos inserir a síncope,


retirando a batida de um tempo forte. Em música, síncope
é uma figura rítmica caracterizada pela execução de
som em um tempo fraco – ou parte fraca de tempo que
se prolonga até o tempo forte. O exemplo está sobre
a conhecida sequência de A (Lá Maior) e E (Mi Maior).
Executem e experimentem também sobre as outras
sequências de acordes.

3) Mão esquerda. Dando continuidade aos exercícios


de sensibilização, vamos trabalhar mais quatro fórmulas.
Atenção à indicação da tablatura: devemos começar com
VIOLÃO+ • 51
iniciantes
o dedo 1 na casa 5, o dedo 2 na casa 6 e assim por
diante. Os números de 1 a 4 representam os dedos da
mão esquerda. As letras I e M representam os dedos
indicador e médio da mão direita. Para cada nota tocada,
vamos usar um dos dedos – sempre de forma alternada.

Exercícios de Sensibilização; Toque frontal ao braço do instrumento; Manter os dedos presos o maior
tempo possível, procurando sempre o relaxamento; Tocar lentamente.

52 • VIOLÃO+
iniciantes
Nesta edição, aprenderemos uma sequência de acordes
em uma estrutura de blues de 12 compassos. Repita a
sequência três vezes (ritornelo) e, na quarta, vá para o
último compasso e encerre.

Acordes para a sequência acima (vejam os diagramas e


o vídeo):
• A7 (Lá Maior com sétima): colocar o dedo 1 na corda 4
da casa 2 e o dedo 2 na corda 2 da casa 2.
• D7 (Ré Maior com sétima): colocar o dedo 1 na corda
2 da casa 1; o dedo 2, na corda 3 da casa 2; o dedo 3,
na corda 1 (também da casa 2).
• E7 (Mi Maior com sétima): colocar o dedo 1 na corda
3 da casa 1; o dedo 2, na corda 5 da casa 2; o dedo 3,
na corda 4 (também da casa 2); o dedo 4, na corda 2
da casa 3.

VIOLÃO+ • 53
como estudar

Tremolo
Breno Chaves
O tremolo é um dos fundamentos da técnica violonística que brechaves@gmail.com

tem a função de criar a “ilusão” de melodia contínua (cantabile)


por meio do instrumento. Quando executado, soa como um
bandolim, em que a mesma nota é tocada três ou mais vezes
enquanto o polegar faz o acompanhamento, tocando baixos
e notas dos acordes de forma alternada. Na literatura dos
instrumentos de cordas dedilhadas, o tremolo foi utilizado
por diversos compositores, desde a Renascença até os dias
atuais, destacando-se John Dowland, Francisco Tárrega,
Niccolò Paganini, Joaquín Rodrigo, Manuel María Ponce,
Agustín Barrios, Benjamin Britten.

Tipos
Existem, basicamente, dois tipos de tremolo: o de quatro notas,
amplamente utilizado no repertório clássico, e o de cinco notas,
utilizado no violão flamenco.
Para obter um bom tremolo, alguns aspectos devem ser
considerados:
• Equilíbrio rítmico e dinâmico entre as notas que serão
executadas pelos dedos anular, médio e indicador;
• Alternância entre as cordas;
• Equilíbrio entre o tremolo e as notas tocadas pelo polegar.
No primeiro item, cada nota deve ser tocada com a mesma
intensidade (volume), timbre e equilíbrio rítmico. No segundo,
o tremolo pode alternar da primeira para a segunda ou terceira
corda sem que haja alteração no equilíbrio rítmico entre os
dedos. No terceiro caso, geralmente o polegar executa notas
em segundo plano, salvo quando existe alguma linha melódica
na linha dos baixos.

Tremolo – cordas soltas

54 • VIOLÃO+
como estudar
Tremolo – cordas alternadas

Baixo em segundo plano em “Recuerdos de La Alhambra” (F.


Tárrega).

Baixo em segundo plano e melodia nos baixos em “Recuerdos


de La Alhambra” (F. Tárrega).

VIOLÃO+ • 55
VIOLA caipira

Viva Santos Reis!


Fábio Miranda
A viola caipira acompanha a fé de muitas pessoas na www.fabiomirandavioleiro.com

Região Centro-Sul do Brasil. Uma das manifestações


mais presentes e importantes para a devoção católica
popular brasileira é a Folia de Reis, que reencena a saga
bíblica dos três magos orientais – que se lançaram ao
deserto, guiados por uma estrela cadente, em direção
a uma antiga profecia. No folguedo de Santos Reis, há
uma realização complexa de encenações e ritos que
refazem a chegada dos reis orientais à estrebaria onde
nasceu o menino Jesus. A chegança da Bandeira na
morada dos fiéis simula o acontecimento, guiado sempre
pela música, que serve de fio narrativo para contar essa
história, repetida durante tanto tempo.
As encenações de passagens bíblicas são realizadas
desde a Idade Média, na Europa, com finalidade
inclusive didática: ensinar a doutrina cristã para os que
não podiam ler. Esse procedimento foi adotado no Brasil
pelos padres jesuítas, que utilizaram autos e encenações
para catequizar os indígenas brasileiros. Os movimentos
de romanização da igreja católica, porém, reprimiram
essas encenações, que acabaram sendo banidas de

56 • VIOLÃO+
VIOLA caipira
dentro das igrejas por deturparem as histórias bíblicas,
continuando a existir nas reduções, nas praças, nas
ruas, a cargo dos fieis.
Como as passagens bíblicas muitas vezes são sucintas
e vagas, a criatividade popular acrescentou novos
elementos às narrativas, o que descontentou o clero.
Se por um lado deturparam a “história oficial”, por outro
trouxeram elementos novos, que reinventaram o mito
bíblico, mantendo viva até os dias de hoje a encenação
da história do nascimento de Jesus.
Para o povo da roça, a Folia de Reis é um dos festejos
mais importantes do ciclo natalino, que costuma ter
início no dia 25 de dezembro e ir até 6 de janeiro. Os
folgazões vão em cortejo, de casa em casa, anunciando
a boa nova – precedidos pelo foguetório, seguidos
pela Bandeira e pelos Bastiões (palhaços), que pedem
esmolas e animam/assustam as crianças.
As músicas das folias de Reis são grandes narrativas
cantadas ao som de violas, violões, cavaquinhos,
pandeiros, caixas, triângulos. Essas narrativas recontam
a história da viagem e do encontro dos magos com o
menino Jesus. Os versos são improvisados pelo folião
embaixador ou decorados a partir de um livro com versos
anotados anteriormente. Há muitas variações e momentos
diferentes dentro de uma saída (ou giro) de folia, mas o
que se percebe é que o mestre (ou embaixador) puxa
um verso que depois é repetido por todos os foliões,
terminando numa soma de vozes que se misturam em
alturas diferentes – inclusive vozes muito finas (agudas),
às vezes entoadas pelos homens, que dão um arremate
solene aos versos cantados. Existem ainda muitos
detalhes, que nem caberiam neste modesto texto.
As folias encantam e inspiram músicos e violeiros que
recolheram e adaptaram toadas (cantos) de folias de
domínio público, tornando-as conhecidas, como “Cálix
Bento”, recolhida por Tavinho Moura e gravada por
Milton Nascimento, Maria Bethânia, Pena Branca &
Xavantinho, Ney Matogrosso... Muitos violeiros também
compõem músicas inspiradas nas Folias de Reis, como
“Noite dos Sinos”, no disco “Ar”, recém-lançado pelos
parceiros Almir Sater e Renato Teixeira. Segue a letra
com a harmonia cifrada:
VIOLÃO+ • 57
VIOLA caipira
(E)
Senhora dona da casa a bandeira passou
Todo ano ela passa cantando em louvor
A
Porque sempre ela chega e sempre chegou
No dia da graça do Nosso Senhor
E
A bandeira chegou, chegou, chegou
A
São as cores das fitas são os cantadores
Viola ponteia os nossos louvores
E
O povo da roça chegou, chegou
B7 A E
E hoje é dia de Reis, dia de Reis, dia de Reis

Um dia é da graça outro é do pecador


E o perdão é o menino, o menino chegou
A
Para ser nosso Rei nosso redentor
Repique os sinos cantemos o hino
E
O menino chegou, chegou, chegou
A
Divino Espírito Santo Jesus menino
Milagre do amor na noite dos sinos
E
O menino chegou, chegou, chegou
B7 A E
E hoje é dia de Reis, dia de Reis, dia de Reis

Ouça e tente tocar junto com a música.


O ritmo da mão direita tem que se encaixar à levada.
Não precisa ser idêntico, mas tem que estar junto, assim
como acontece nos grupos de foliões.
Para inspirar-se, é bom girar com uma folia... Você sabe se
tem algum grupo de foliões perto de você? Às vezes, tem
que sair por aí para descobrir... como fizeram os magos,
que se lançaram ao deserto seguindo uma estrela.

58 • VIOLÃO+
academia Por Dagma Eid

Miguel Llobet:
Canciones Catalanas
para violão (1899-1927)
O sentido musical que Llobet confere ao som do violão supera as
dimensões formais das obras para o instrumento solista de seu
tempo, pois seguiu os passos de seu mestre, Francisco Tárrega, a
quem é atribuída a criação de uma escola violonística, mas, como
discípulo, elevou os ensinamentos que recebeu, principalmente no
que diz respeito à concepção sonora e experimentação de timbres

Miguel Llobet y Solés nasceu em 18 de


outubro de 1878 em Barcelona, capital
da Catalunha. Filho de pai escultor,
mostrou disposição para a pintura, mas
foi pela música seu maior interesse.
Além do violão, estudou violino e piano
na Escola Municipal de Música de
Barcelona, e sua paixão pelo violão
começou quando ganhou o instrumento
de um tio.
Em 1889 Llobet assiste a um concerto
de Antonio Manjón (1866-1919) e,
impressionado, decide dedicar-se
completamente ao violão, estudando
com Magín Alegre (nome com poucas
referências) e Francisco Tárrega (1852-
1909). A condição do violão no cenário
musical durante o século XIX não era
favorável para a sua divulgação nas salas
de concerto. O violão era considerado
um instrumento inferior, usado apenas
para acompanhar melodias nas rodas
de música popular.
VIOLÃO+ • 59
academia
Daniel Fortea (1882-1953) e Emilio
Pujol (1886-1980) –, responsáveis pelo
ressurgimento do instrumento. Notamos,
portanto, que foram os violonistas
catalães que impulsionaram o movimento
do violão nesse período, junto com
nomes de violonistas de outras partes da
Espanha, como o andaluz Andrés Segovia
(1893-1987) – que, com sua carreira de
quase oitenta anos, continua a fascinar
estudantes, profissionais e amadores.
Miguel Llobet, apesar de figura
extremamente importante na história
do violão, ainda não teve seu merecido
destaque, ficando um tanto esquecido
e sufocado entre as notoriedades de
Tárrega e Segovia. Alguns fatores podem
ter contribuído para o esquecimento
da totalidade da obra de Llobet, como
o atraso das edições de suas obras e
arquivos perdidos, o período de entraves
políticos ocorridos na Catalunha, a
Francisco Tárrega veio a ser um guerra civil espanhola (1936-1939) e a
ponto de partida para melhorar a personalidade acomodada do próprio
imagem do instrumento. Deixou músico. Apesar disso, sua produção, o
obras de valor permanente – estudos, conjunto de sua obra foram essenciais
transcrições, trêmulos e os admiráveis para a história do violão.
Prelúdios. Embora tenha passado seus Com suas Canciones Catalanas tornou-
conhecimentos apenas de forma oral, a se mestre na arte da transcrição e ajudou a
ele são atribuídas mudanças na técnica destacar o violão na história do século XX.
de execução que foram seguidas por mais As treze Canciones Catalanas adaptadas
de um século. Suas inovações, do ponto para violão solo por Miguel Llobet são:
de vista instrumental, especificavam Plany (1899); La filla del marxant (1899);
claramente suas intenções musicais e Cançó del Lladre (c.1900); El testamento
exploravam as possibilidades timbrísticas d´Amelia (1900); El rossinyol (1900); El fill
do violão. del Rei (1900); El mestre (1910); L’Hereu
Podemos dizer que existe um capítulo Riera (1900); La nit de Natal (1918); La
essencial nos séculos XIX e XX filadora (c. 1918); La presó de Lleida (c.
para a história do violão, que passa, 1920); El noi de la mare (s.d.). Todas
obrigatoriamente, por nomes como o estão publicadas pela Chanterelle Verlag,
do próprio Llobet e outros discípulos de na obra intitulada Nueva collección
Tárrega – Domingo Prat (1886-1944), Llobet, volume 2 (Ronald Purcell, 1989)
60 • VIOLÃO+
academia
e Cançons populars catalanes, volume Toru Takemitsu e Lleonard Ballada Ibañez.
1 (Stefano Grondona, 2009). Trata- A pesquisa sobre a origem e a tradução
se de uma coleção com versões para dos textos das canções escolhidas baseou-
violão de melodias tradicionais catalãs. se no trabalho de campo do musicólogo
Ao observar que o material usado na catalão, Joan Amades (1951), citado em
concepção dessas célebres adaptações diversas publicações sobre o folclore
pertence ao terreno do folclore catalão, catalão. O texto da canção El mestre e
cuja tradição é milenar, nos sentimos outros temas utilizados por Llobet em
motivados a buscar informações a versões para violão foram coletados do
respeito dessas melodias. cancioneiro tradicional catalão.
O contato com as gravações realizadas pelo A publicação de Purcell trazia uma
grupo catalão de música antiga La Capella transcrição monofônica de El mestre, com
Reial de Catalunya foi o ponto de partida parte da letra original em catalão traduzida
para o início desta pesquisa, pois citavam para o inglês. Isso também nos motivou a
algumas canções usadas por Llobet, como transcrever outras melodias tradicionais
El fill del rei, La filadora, Cançó del Lladre, El catalãs e traduzi-las para o português
mestre e El testament d´Amelia – estudadas (para ver o texto traduzido na íntegra e a
durante nossa formação musical como tradução das demais canções, consultar a
violonistas, tanto na execução como no pesquisa completa, disponível online).
ensino. Tal realização fonográfica incluiu
as letras das canções, gravadas com
uma concepção coerente com a origem
das melodias, algumas encontradas no
canto litúrgico e outras no trovadorismo.
Isso nos remeteu ao interesse em
desvendar esse passado histórico e a
procurar respostas para a interpretação
desse repertório na prática de conjunto
de música antiga e na execução dessas
versões românticas para violão.
A pesquisa contida nessa gravação nos
motivou a encontrar outras melodias
usadas na obra para violão de Miguel Llobet
e percebemos que outros compositores,
talvez influenciados pelo próprio Llobet,
também exploraram temas tradicionais
catalães em suas obras. Entre os
compositores violonistas estão Emilio Pujol,
Andrés Segovia, Manuel Ponce, Narcyso
Yepes, John W. Duarte e Leo Brouwer;
entre os compositores não violonistas,
Federico Mompou, Francisco Casanovas,
VIOLÃO+ • 61
academia

El pare i la mare Meu pai e minha mãe


no em tenen sinó a mi têm somente a mim
me´n fan anar a l´escola me colocaram na escola
a aprendre de llegir. para aprender a ler.
Mes, ai!, ara tom Mês, ai!, ara tom
Patantom, xiribiriclona Patantom, xiribiriclona
Tumpena, tumpí. Tumpena, tumpí.
Mes, ai!,ara tom Mes, ai!,ara tom
Patantom xiribiriclom. Patantom xiribiriclom.

62 • VIOLÃO+
academia
Com as Canciones Catalanas, Llobet que recebeu, principalmente no que
iniciou uma espécie de tratamento da diz respeito à concepção sonora e
música folclórica que não existia no experimentação de timbres.
repertório violonístico, voltado para A coleção das Canciones Catalanas
transcrições de obras clássicas, fantasias merece ter status de obras originais.
e pot-pourri que exploravam temas de Muito além de meros arranjos para
óperas famosas, ampliando assim o violão, foram um marco na literatura do
repertório da época, além de influenciar século XX. A música que recorre a tais
outros compositores a escreverem para temas ficou registrada na história do
violão. Llobet explorou temas populares instrumento, no entanto os violonistas,
antigos de forma inusitada, modernizando- em geral, não identificam a sua origem
os e tornando-os extremamente e não conhecem o texto original das
importantes para o instrumento entrar canções catalãs encontradas na
numa nova fase idiomática. música antiga. Conhecer o texto de
O sentido musical que Llobet confere tais melodias contribui para formar
ao som do violão supera as dimensões uma ideia mais completa do contexto
formais das obras para o instrumento folclórico onde música e poesia
solista de seu tempo. De fato, Llobet despontam juntas. Portanto, a pesquisa
seguiu os passos de seu mestre, das letras e sua tradução visa oferecer
Francisco Tárrega, a quem é atribuída a elementos para melhor compreensão
criação de uma escola violonística, mas, e interpretação dos temas explorados
como discípulo, elevou os ensinamentos por Miguel Llobet.

Referências bibliográficas
AMADES, J. Folk-lore de la Catalunya, cançoner. Barcelona: Editorial Selecta, 1951.
EID, D. C. Miguel Llobel: canciones catalanas para violão (1899-1927). 2008. Dissertação (Mestrado em Processos de Criação Musical) –
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo 2008.
BARGALLÓ, J. C. El folklore musical. In: OSABA, P. L. de. Historia de la musica española. Madrid: Alianza Editorial, 1983, vol. 7.
BALDELLÓ, F. Elements gregorians dins la cançó popular catalana. In: Pujol, F. Observaciones, apendix i notes al “romancerillo catalán” de
Manuel Mila i Fontanals. Barcelona: Imprenta Elzeviriana, 1926, vol. 3.
GRONDONA, S. Cançons populars catalanes: catalan folk songs. Miguel Llobet Works, vol. 1. Chanterelle, 2009. 22 partituras. Violão.
LA CAPELLA REIAL DE CATALUNYA. Cançons de la catalunya mil-lenària: Planys e Llegendes. Astrée, 1977. 1 CD (ca. 70 min.), digital,
estéreo. ES 9937.
MANGADO, J. M. La guitarra en Cataluña, 1769-1939. Londres: Tecla Editions, 1998.
PHILLIPS, R. Barcelona, cradle of the modern classical guitar: the Llobet archive rediscovered. GFA Soundboard, volume XXVIII, no. 4, spring
2002a, p. 31-33.
______. The influence of Miguel Llobet on pedagogy, repertoire and stature of the guitar in the twenthieth century. University of Miami/EUA.
2002b. Tese de doutorado.
PUJOL, F. Observaciones, apendix i notes al “romancerillo catalán” de Manuel Mila i Fontanals. Barcelona: Imprenta Elzeviriana, vol. 3, 1926.
PURCELL, R. Miguel Llobet Guitar Works. 16 Folksong Settings. 13 Canciones Catalanas, Leonesa, 2 Estilos Populares Argentinos. Chanterelle
Verlag, 1989. Nueva Colección Llobet, vol. 2. 16 partituras. Violão.
TONAZZI, B. Miguel Llobet, chitarrista dell´Impressionismo. Ancona: Bérben, 1966.

Dagma Eid
Iniciou seus estudos musicais em 1981 no Conservatório de Tatuí. É bacharel em Violão pela Universidade
Estadual Paulista (Unesp) e mestre em Música pela Universidade de São Paulo (USP) com pesquisa sobre as
canções catalãs do violonista Miguel Llobet. Complementando sua formação em instrumentos de cordas
dedilhadas, estudou alaúde, arquialaúde, guitarra barroca e vihuela e participou de festivais e cursos de
extensão universitária no Brasil e no exterior. Premiada em concursos nacionais, realiza intensa atividade
na área de música de câmara, integrando duetos, trios, cameratas de violões, grupos de música antiga e
outras formações. Gravou os CDs “Vê se te agrada” e “Octopus convida”. Atualmente, é professora de
violão, cordas dedilhadas históricas e música de câmara no Conservatório de Tatuí.

VIOLÃO+ • 63
coda

O dia em que a noiva


esperou o violonista
Luis Stelzer

Houve uma época em que toquei em casamentos, entrei


em um grupo, convidado pela minha amiga Selma, grande
cantora, das melhores que conheço. E a rotina de um grupo de
casamentosera bem diferente do que eu tinha em mente

Não há ensaios: os músicos se Houve um dia engraçado. Um não, vários!


encontram na igreja, em geral, no coro Mas, como esse caso que vou contar,
(para quem não sabe, aquela parte que nunca tinha ouvido nada parecido. Eu
fica no alto e atrás, onde deveria ficar estava no conservatório onde dou aula,
um coro). O responsável pelo grupo leva em São Paulo, região dos jardins - lugar
o equipamento de som e as partituras. chique, mas com um trânsito em horário
Você abre a pasta de partituras que de rush que ninguém merece. Combinei
está lá, com a ordem das músicas. com a Selma, que também dá aula lá,
Alguém toma a liderança, geralmente de irmos juntos. O casamento era às
o que está há mais 19h30, no Butantã,
tempo no grupo, “...levei 15 minutos para bairro que não fica
dá a contagem e lá assim tão longe dos
vamos nós! Então, sair do estacionamento. jardins, mas que
a leitura à primeira O tempo passando, em uma sexta-feira
vista fica tinindo, fica inatingível, pois
porque tem que
inexoravelmente: seis e São Paulo para
funcionar, senão, a meia, sete horas... E eu, a depois das seis da
música fica um horror
e a possibilidade
quilômetros de distância da tarde. Não é modo
de dizer: para,
de você perder igreja....” mesmo! Marcamos,
seu emprego é então, às 5 da tarde
enorme. É bom também se informar na recepção do conservatório.
sobre músicas que tocam em todos No horário marcado, lá estava eu. E
os casamentos, que estão na moda e nada da Selma. Bom, é cedo, pensei.
a noiva vai pedir, coisas assim. Com Liguei no celular dela, deixei recado.
um pouco de experiência, você já se Perguntei se ela tinha deixado algum
adapta, para de suar frio e até curte recado para mim, ninguém falou nada.
esse momento. Conheci um monte de Fiquei conversando com as meninas da
músicos nesse grupo. Com alguns deles recepção, me distraí da hora. Quando
toquei apenas uma vez! dei por mim, seis horas. Seis horas?
64 • VIOLÃO+
coda
Cadê a Selma? Não vai dar tempo de noiva atrase, atrase muito! Não atrasou.
chegar! E agora? Nisso, alguém na Toca o celular. É a Lucila de novo: “e
recepção fala: “acabei de me lembrar, aí, amigo, muito longe ainda?”. Já não
a Selma deixou um recado pra você!”. estava tão longe assim. Vi um lugar em
Gelei... A menina continuou: “o filho que dava para deixar o carro, raridade
dela caiu e quebrou o braço, ela está das raridades em São Paulo. Falei para
no hospital com ele, é para você ir para ela: “vou estacionar o carro e andar uns
o casamento, ela já pediu para outra quinze minutos a pé, vou chegar mais
cantora ir no lugar dela, falou pra você rápido do que se for de carro. A noiva
não se atrasar!”. E agora? não chegou ainda, né?”. Resposta:
Corri para o estacionamento, peguei “está aqui, dentro do carro, bem ao meu
meu carro e fui. Para se ter uma ideia lado. Falei o que aconteceu, ela topou
de como estava o trânsito naquela te esperar. Mas, corre!”.
sexta-feira, levei 15 minutos para sair Corri. Muito. Nem sei o quanto. Eu e meu
do estacionamento. O tempo passando, violão, pelas ruas do Butantã, como se fosse
inexoravelmente: seis e meia, sete uma comédia, daquelas bem pastelão. E
horas... E eu, a quilômetros de distância era. Sorri desesperado quando vi a igreja.
da igreja. Nisso, liga a Lucila, cantora Vi o carro com a noiva dentro. Pensei
que estava substituindo a em parar e agradecer, mas com certeza
Selma: “E aí, tudo bem? Onde não era isso o que eu tinha que
você está?”. Tive vergonha fazer. Apenas acenei, entrei na
de dizer. Perguntei se também igreja, subi direto para o coro,
teria teclado no grupo naquele onde todos os outros músicos
dia, pois assim, talvez desse me esperavam. Tirei o violão
para o grupo tocar as da capa, joguei o cabo
músicas sem o violão. A para o responsável pelo
resposta, claro, foi som. A Lucila fez o
negativa. “Corre sinal para que
aí”, disse a comecemos.
Lucila. Sete “Marcha
e meia. E Nupcial”.
agora? Um, dois,
Toma ra t r ê s ,
que a quatro!

VIOLÃO+ • 65

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