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VIVER ESCOLA WALDORF DE BAURU

ENZO GUTIERRES

OS EFEITOS DO CONSUMO HUMANO DE


AYAHUASCA

BAURU
2018
ENZO GUTIERRES

OS EFEITOS DO CONSUMO HUMANO DE


AYAHUASCA

Trabalho apresentado à Viver Escola


Waldorf de Bauru como parte dos
requisitos para conclusão do Ensino
Médio, sob orientação do Prof. Me.
Ronaldo Lopes e co-orientação da Tutora
Maria Cristina Teruel de Oliveira.

BAURU
2018
ENZO GUTIERRES

OS EFEITOS DO CONSUMO HUMANO DE AYAHUASCA

Trabalho apresentado à Viver Escola


Waldorf de Bauru como parte dos
requisitos para conclusão do Ensino
Médio, sob orientação do Prof. Me.
Ronaldo Lopes e co-orientação da Tutora
Maria Cristina Teruel de Oliveira.

______________________________________________
Prof. Maria Cristina Teruel de Oliveira

______________________________________________
Prof. Me. Ronaldo Lopes

______________________________________________
Prof. Me. Renato Zanolla Montefusco

BAURU

2018
À toda minha família que me propiciou
segurança e carinho no desenvolver deste
trabalho. À toda razão, toda
espiritualidade e à vida de consciência
expandida.
“A ciência sem a religião é manca, a
religião sem a ciência é cega.”

(Albert Einstein)
RESUMO

Esta pesquisa apresenta os efeitos do consumo de Ayahuasca por humanos. A


Ayahuasca é uma bebida de uso ritual fruto da decocção de um cipó e de uma folha
amazônica. Com o crescimento da quantidade de consumidores deste chá, e
paralelamente de informações e conceitos errôneos a respeito, este trabalho traz o
propósito de esclarecer e explicar as situações envoltas do consumo do chá além de
seus efeitos fisiológicos e terapêuticos. Os objetivos deste trabalho foram descrever
os efeitos do consumo do chá Ayahuasca, expor e contextualizar o uso da
Ayahuasca desde as culturas indígenas até sociedade brasileira atual como um
todo, apresentar as questões legais do consumo do chá e identificar possíveis
efeitos terapêuticos do consumo do chá. Trata-se de um trabalho de revisão
bibliográfica, em que foram utilizados os descritores Ayahuasca; benefícios;
farmacologia; efeitos; psiquiatria; dependência química; malefícios; toxicidade;
psicologia; contraindicações; DMT e legalização. Foram selecionados textos
elaborados a partir de 2003, em língua português e utilizadas as bases de dados
Google Acadêmico e Scielo, além de um livro referência sobre o assunto. Dentre os
encontrados, 16 referências cumpriram a exigência para o critério de inclusão na
análise. Foi feita uma leitura detalhada do conteúdo, separação dos pontos de
citação dentro das abordagens de cada capítulo. Conclui-se que os efeitos
resultantes do consumo da Ayahuasca geram benefícios na conduta individual, na
saúde mental amplamente abordada e na expansão de âmbitos socioculturais dos
consumidores. Sem datação da origem desta bebida, a Ayahuasca agrega grande
sabedoria ritualística e cultural, sendo levada ao meio urbano por contato
ocasionado por eventos que marcam a história do país. Inclusa exteriormente de seu
âmbito natural, o chá aduz questões de legalidade na sociedade em busca de
equilíbrio para todos os meios. De relevância concluinte, a Ayahuasca age em
estados de desequilíbrio da saúde humana por um todo, compreendendo
beneficiamento em setores patológicos psicológicos, psiquiátricos, parasitários e
muitos outros.

Palavras-chave: Ayahuasca; Tradição; Religiões; Efeitos; Fisiologia.


ABSTRACT

This research presents the effects of human consumption of Ayahuasca. The


Ayahuasca is a drink of ritual use fruit of the decoction of a vine and an Amazon leaf.
With the growing number of consumers of this tea, and in parallel with information
and misconceptions about it, this paper aims to clarify and explain the situations
involved in tea consumption in addition to its physiological and therapeutic effects.
The objectives of this work were to describe the effects of Ayahuasca tea
consumption, to expose and contextualize the use of Ayahuasca from indigenous
cultures to present Brazilian society as a whole, to present legal issues regarding tea
consumption and to identify possible therapeutic effects of tea consumption. It is a
work of bibliographical revision, in which the descriptors Ayahuasca were used;
benefits; pharmacology; effects; psychiatry; chemical dependency; ill effects; toxicity;
psychology; contraindications; DMT and legalization. We selected texts written from
2003, in Portuguese and used the Google Academic and Scielo databases, as well
as a reference book on the subject. Among those found, 16 references fulfilled the
requirement for the inclusion criterion in the analysis. A detailed reading of the
content was made, separating the citation points within the approaches of each
chapter. It is concluded that the effects resulting from the consumption of Ayahuasca
generate benefits in the individual behavior, in the mental health broadly addressed
and in the expansion of socio-cultural contexts of the consumers. Without dating the
origin of this drink, the Ayahuasca adds great ritualistic and cultural wisdom, being
taken to the urban environment by contact occasioned by events that mark the
history of the country. Taken outwardly from its natural scope, tea raises questions of
legality in society in search of balance for all means. Of ultimate relevance,
Ayahuasca acts in states of imbalance of human health as a whole, comprising
beneficiation in pathological psychological, psychiatric, parasitic and many other
sectors.

Keywords: Ayahuasca; Tradition; Religions; Effects; Physiology.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................... 10

2 OBJETIVOS ................................................................................... 12

2.1 Objetivo Geral........................................................................... 12

2.2 Objetivo Específico ................................................................... 12

3 METODOLOGIA DE PESQUISA ................................................... 13

3.1 Critérios de Inclusão ................................................................. 14

3.2 Critérios de Exclusão ................................................................ 14

4 DESENVOLVIMENTO .................................................................... 15

4.1 A criação do mundo e da Ayahuasca através dos contos indígenas 15

4.2 A Ayahuasca na cultura xamânica nativa ................................. 17

4.2.1 O Xamã .............................................................................. 19

4.2.2 A bebida, o ritual e as visões.............................................. 20

4.2.3 O sentido do consumo da Ayahuasca para os nativos....... 28

4.2.4 A retirada e a imposição da Ayahuasca em certas culturas nativas


............................................................................................................... 29

4.3 O caminho da Ayahuasca até o homem urbano....................... 31

4.4 Santo Daime ............................................................................. 35

4.4.1 Formação ........................................................................... 35

4.4.2 As formas da religiosidade daimista ................................... 38

4.2.3 O Daime e a sociedade ...................................................... 40

4.5 União do Vegetal ...................................................................... 42

4.5.1 A importância da UDV no meio científico-acadêmico ......... 46

4.6 Barquinha ................................................................................. 47


4.6.1 Surgimento ......................................................................... 47

4.6.2 Fundamentação religiosa ................................................... 49

4.7 A legalização do consumo da ayahuasca..................................50

4.7.1 Controvérsias ..................................................................... 54

4.8 Fisiologia da Ayahuasca ........................................................... 56

4.8.1 “Enteógeno”........................................................................ 56

4.8.2 Sensações e percepções ................................................... 57

4.8.3 Composições e funcionamento .......................................... 61

4.8.4 Ayahuasca para gestantes ................................................. 70

4.9 Efeitos psicológicos da Ayahuasca .......................................... 70

4.10 Funções Terapêuticas da Ayahuasca .................................... 82

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO.................................89

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................91
10

1 INTRODUÇÃO

A Ayahuasca, de pronúncia aya-uaska, é uma bebida de uso


ritualístico, comumente referida como chá, feita pela decocção do cipó
chamado Jagube ou Mariri (Banisteriopsis caapi) e da folha de uma planta
arbórea de nome Chacrona ou Rainha (Psychotria viridis).

O consumo desse desta bebida pelos nativos, que constitui longa


literatura ritualística, tradicional e cultural, fez com que mitos se criassem e
se espalhassem a respeito de sua criação e de seus guardiões, assim como
outros, a exemplo o mito da criação da Terra, por diferentes olhares desse
meio.

Em paralelo com a evolução da própria humanidade, o homem urbano


teve o contato com o indígena, e assim, diretamente, com a Ayahuasca.
Esse novo conhecimento adentra na sociedade como um todo, criando
impactos, principalmente culturais e religiosos, com o surgimento de novas
religiões denominadas de ayahuasqueiras, como o Santo Daime, a União do
Vegetal e a Barquinha.

Ao sair do contexto indígena o chá passa a ser utilizado pelo homem


urbano em rituais religiosos e como substrato de pesquisas científicas em
áreas como a farmacologia, psicologia, psiquiatria, antropologia, entre
outras.

A Ayahuasca, imersa na sociedade moderna, contempla seus


diversos efeitos caracterizantes de um novo contexto:

a) Os efeitos iniciais e constantes na ciência;

b) Os de impacto e rearranjo religioso;

c) Os de cunho histórico;

d) Os causados no homem, de modo geral, que geram constantes


críticas e problemáticas.

Em constante crescimento, é tido como importante o olhar da


Ayahuasca através da ciência, devido, inicialmente, a uma necessidade de
11

interpretação das culturas indígenas, além de proporcionar estudos afim de


conhecerem as substâncias utilizadas pelos nativos, e até mesmo as
introduzirem em vários outros contextos da sociedade.

Além disso, com o surgimento de religiões ayahuasqueiras, faz-se


importante esclarecimentos sobre a utilização do chá por indígenas e pela
sociedade em geral, e também os efeitos de seu consumo, assim como a
possibilidade de sua utilização como terapêutica em estados desequilíbrios
da saúde humana.

A ideia do desenvolvimento deste trabalho veio com o propósito de


esclarecer, contextualizar e apresentar os estudos sobre o tema à luz das
ciências.

Os dois primeiros capítulos deste trabalho abordam o uso da


Ayahuasca nos meios culturais indígenas. Do terceiro ao sexto, desenvolve-
se a imersão dessa bebida no meio urbano, principalmente ao surgimento
das religiões brasileiras ayahuasqueiras Santo Daime, União do Vegetal e
Barquinha. Os temas de cunhos científicos e legais passam a ser abordados
do sétimo capítulo até a conclusão do trabalho.
12

2 OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

O objetivo geral deste trabalho é descrever os efeitos do consumo do


chá Ayahuasca pelo homem.

2.2 OBJETIVO ESPECÍFICO

O trabalho tem como objetivos específicos:

a) Descrever e contextualizar o uso da Ayahuasca desde as culturas


indígenas até sociedade brasileira atual como um todo;
b) Apresentar as questões legais do consumo do chá;
c) Identificar possíveis efeitos terapêuticos do consumo do chá;
13

3 METODOLOGIA DE PESQUISA

Foi realizada uma revisão integrativa da literatura, onde trabalhos já


publicados são sintetizados e geram conclusões sobre o tema por meio de
análise e interpretação de dados obtidos em pesquisas científicas.

Revisão integrativa é um método de pesquisa que envolve a


sistematização e publicação dos resultados de uma pesquisa bibliográfica
para que possam ser úteis na assistência à saúde, acentuando a
importância da pesquisa acadêmica na prática clínica; seu objetivo principal
é a integração entre a pesquisa científica e a prática profissional no âmbito
da atuação profissional, proporcionando aos profissionais de saúde dados
relevantes de um determinado assunto, em diferentes lugares e momentos,
mantendo-os atualizados e facilitando as mudanças na prática (SeABD
2018).

Esta pesquisa baseou-se em estudos de artigos científicos, o que


possibilitou o acesso às informações de grande importância para análise dos
efeitos do consumo humano da Ayahuasca.

Foram utilizados os seguintes descritores:

a) Ayahuasca;
b) Benefícios;
c) Farmacologia;
d) Efeitos;
e) Psiquiatria;
f) Dependência química;
g) Malefícios;
h) Toxicidade;
i) Psicologia;
j) Contraindicações;
k) DMT;
l) Legalização.
14

Os materiais consultados foram elaborados a partir de 2003.


Inicialmente procurou-se utilizar literatura não mais antiga do que os últimos
5 anos, no entanto pela importância de trabalhos feitos em datas anteriores,
e por causa da escassez de trabalhos em língua portuguesa, optou-se por
estender o período para 15 anos.

A literatura foi pesquisada quanto aos efeitos do consumo


humano da Ayahuasca e seus âmbitos abrangentes. Para busca dos artigos
foram utilizadas as bases de dados Google Acadêmico e Scielo. Foi utilizado
também o livro “O Uso Ritual da Ayahuasca” (LABATE, ARAÚJO 2009).

3.1 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO

a) Artigos que apresentam conteúdo referente ao planejamento deste


trabalho, como: a Ayahuasca nos meios indígenas e atuais; as
religiões ayahuasqueiras brasileiras; estudos referentes à
Ayahuasca nos meios da farmacologia, psicologia e antropologia;
b) Publicações em língua portuguesa;
c) Artigos disponibilizados gratuitamente nas bases dados.

3.2 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO

a) Publicações que não atendem aos pontos desejáveis para este


trabalho;
b) Publicações em línguas que não fosse o português;
c) Artigos pagos.

Dentre os 30 artigos encontrados, 16 referências cumpriram a


exigência para o critério de inclusão na análise. Logo após, foi feita uma
leitura detalhada do conteúdo, separação dos pontos de citação dentro das
abordagens de cada capítulo, e produziu-se o desenvolvimento deste
trabalho, seguido da conclusão e considerações finais.
15

4 DESENVOLVIMENTO

4.1 A CRIAÇÃO DO MUNDO E DA AYAHUASCA ATRAVÉS DOS


CONTOS INDÍGENAS

Rita Barreto de Sales Oliveira e Renilda Gonçalves do Amaral (2016)


asseguram que a história da bebida de uso religioso de nome Ayahuasca é
totalmente desconhecida uma vez que não há registros escritos na região
Amazônica após a invasão espanhola no fim do século XV. Tudo que há são
vários mitos e tradições boca-a-boca passados pelas gerações. Todavia, um
cálice de mais de 2.500 anos que foi encontrado no Equador contém traços
de Ayahuasca. Sabe-se que essa bebida é usada em muitos países da
América do Sul, inclusive Brasil, Equador, Venezuela, Colômbia, Peru e
Bolívia, e por, no mínimo, 70 diferentes tribos indígenas das Américas.

O xamanismo é considerado a primeira forma de conhecimento dos


povos nativos de todo o mundo. O antropólogo Mircea Eliade, um dos mais
afamados estudiosos do fenômeno xamânico, definiu-o como as “técnicas
arcaicas do transe” (GERMÁN ZUALAGA apud LABATE e ARAÚJO, 2009).

O uso de plantas psicoativas está associado ao xamanismo embora


não se restrinja a este, sendo generalizado, mas não indiferenciado (PEDRO
LUZ apud ELIANE TÂNIA FREITAS, 2009).

Na tradição xamânica, sob certas condições, algumas plantas ou


“vegetais”, possuidoras de espíritos sábios, teriam a faculdade de “ensinar”
as pessoas que os procuram. A Ayahuasca, acompanhada sempre do
tabaco como planta que possibilita seu manejo, seria uma dessas
substâncias mestras, porta de entrada que permitiria um conhecimento cada
vez maior do mundo natural, em especial do reino vegetal, e que por sua vez
indicaria a presença e o uso de outras plantas de poder, abrindo a
possibilidade de seguir um caminho cujo limite estaria determinado apenas
16

pela persistência e coragem de quem tivesse decidido seguir seu chamado


(LUIZ EDUARDO LUNA apud BEATRIZ CAIUBY LABATE e WLADIMYR
SENA ARAÚJO, 2009).

As tradições orais dos povos ayahuasqueiros indígenas, como já


citados por Oliveira e Amaral (2016) anteriormente, recebem vários tipos de
versões sobre vários mitos. Os Makuna (Figura 1), tribo de tronco linguístico
Tukano, contam que somente quando os homens receberam o fogo, as
roças, as casas, as ferramentas, as danças rituais, os enfeites rituais e as
comidas rituais - como a coca, o tabaco, o kahi ide e a Banisteriopsis caapi -
é que a sociedade e a cultura começaram a se formar. Eles acreditavam que
a Ayahuasca, chamada de gahpi, provinha do dedo da filha do Sol, que é
também sua esposa, de nome Vai-mahse. Quando esta quebra o dedo, o
mesmo é roubado por um jovem, que o planta, dando origem então à
Banisteriopsis caapi, cipó usado no preparo da gahpi.

Figura 1- Makuna

Fonte: Renato Aguirre (1988)

Luz (2009) relata que para os Barasana, a bebida é o leite dos


ancestrais, He ohekoa, que tem origem dentro das flautas sagradas,
pensadas como seios femininos; quando é ingerida se transforma na sucuri
17

mítica que os levou até onde eles se encontram agora, e o vômito causado
pensado como a língua da sucuri. A tribo Tatuyo diz que ao ingeri-la ocorre o
transporte ao tempo e lugar de origem, onde o Sol e as pessoas ainda não
estavam separados. Pela dança, pelo canto e pelos encantamentos refazem
a viagem primordial da sucuri como numa nova gênese do mundo. Ao fim da
sessão ritualística o mundo está outra vez forte e novo como nos primeiros
dias da criação. Para os Kaxinawá, a sucuri, chamada dunuam, é que deu o
desenho às mulheres e ensinou aos homens o preparo e as canções da
Ayahuasca, chamada nesta tribo de Nixi pae. Existem histórias que contam
fatores destruidores do mundo, e os Ashananki relatam a destruição do
mundo por um dilúvio, o Kamarampi, nome dado a bebida por eles, tem uma
presença fundamental. Com a ocorrência das chuvas, somente aqueles que
o tomaram e escutaram é que sobreviveram; outro conto diz que uma mulher
menstruada não pode ainda beber Ayahuasca ou morrerá, mas poderá
tomar quando “for como um homem”, cerca de dez dias após sua
menstruação. Isto porque o cheiro de sangue menstrual atrai os “monstros”
comedores de gente, e da mesma forma, se os bons espíritos tiverem
contato com este mesmo sangue o céu cairá sobre a terra.

4.2 A AYAHUASCA NA CULTURA XAMÂNICA NATIVA

Para José Arturo Costa Escobar e Antonio Roazzi (2010), a prática


humana de promover estados alterados, incomuns ou ampliados de
consciência induzidos por substâncias psicoativas é bastante antiga, pré-
data a história escrita e é atualmente empregada em várias culturas em
diversos contextos socioculturais e ritualísticos.

A Ayahuasca e bebidas similares são utilizadas por diferentes


populações indígenas em um arco que vai das nascentes do Ucayali às
cabeceiras do Rio Negro. Ao longo desse arco habitado por povos de
refinada farmacologia e ricas cosmologias, povos indígenas dos troncos
linguísticos Pano, Aruák, e Tukano parecem compartilhar uma filosofia da
natureza, segundo a qual existem diferentes espíritos encarnados nas
18

pessoas, nos animais e nas plantas, alguns ligados ao corpo e outros


separáveis dele (MAURO ALMEIDA apud LABATE E ARAÚJO, 2009).

Labate apud Luna (2009), contabiliza 72 grupos indígenas que fazem


uso da Ayahuasca na Amazônia Ocidental. Quase todas as culturas
primitivas do planeta empregam ou empregaram esta classe de plantas, num
contexto xamânico. De fato, sabemos da Amanita muscaria na Ásia e na
América do Norte, o Peiote e o Don Juan no México, o São Pedro na costa
peruana, o Yagé e a Virola na selva amazônica, o Yopo na região do
Orinoco e das selvas da Guiana, a Coca e o Borrachero na região andina, o
Ópio no Extremo Oriente, a Marijuana na antiga Pérsia, a Atropa, a Datura e
o Meimendro na região mediterrânea e a Iboga na África. Confirmou-se
também que o uso do cogumelo Claviceps purpúrea (Figura 2) fez parte das
tradições pré-socráticas da antiga Grécia e que o cogumelo originou, de
certo modo, a escritura da Rig Veda, o primeiro livro sagrado dos hindus.

Figura 2- Cogumelos do Claviceps purpúrea

Fonte: McCrea (2001)

Além do uso indígena, associado ao xamanismo, outra modalidade de


consumo da Ayahuasca é a do vegetalismo, uma forma de medicina popular
à base de alucinógenos vegetais, cantos e dietas. Os vegetalistas são
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curandeiros (curadores) de populações rurais do Peru e Colômbia que


mantêm elementos dos antigos conhecimentos indígenas sobre as plantas,
ao mesmo tempo em que absorvem algumas influências do esoterismo
europeu e do meio urbano, como dito por Luna (1986).

4.2.1 O XAMÃ

A palavra xamã vem do tungue (língua dos pastores de rena da


Sibéria), e traz o significado daquele que está excitado, comovido ou
elevado, servindo de “porto” ou receptáculo de espíritos (MAYBURY LEWIS
1971 apud LABATE e ARAÚJO 2009).

Para Almeida (2009), o xamã seria um viajante em trânsito, não entre


mundos, mas entre corpos capazes de adotar perspectivas alternadas, todos
eles cidadãos de um mesmo mundo, como se fossem antropólogos capazes
de mudar perspectivas ao se vestirem como os nativos. Exerce o papel do
guia das visões, e através de seus cantos e mandingas conduz o ritual a ser
executado.

Barbara Keifenheim (2009) afirma que

... ao contrário do que acontece em diversos grupos indígenas


amazônicos e em outros grupos Pano, entre os Kaxinawá a
utilização de alucinógenos não está associada forçosamente à
práxis xamânica e à Ayahuasca. Para a sua interação com os
espíritos, os xamãs Kaxinawá utilizam preferencialmente o
tabaco (de nome dume). Somente em casos excepcionais,
quando seus métodos não alcançam a cura almejada, é que eles
bebem a droga Nixi pae (Ayahuasca) em sessões especiais para
dialogar com os espíritos.

O xamã tem a possibilidade de aumentar ou diminuir a intensidade da


produção visionária coletiva ou particular, com a ajuda de diferentes
técnicas:

a) “a soprada”, que consiste em jogar a fumaça do tabaco sobre o


corpo do paciente e sobretudo na “coroa” (vértice do crânio). A
20

soprada pode efetuar-se mastigando um pedaço de canela e


fumando o tabaco negro forte (mapacho). Também pode fazer-se
com a ajuda de líquidos pulverizados com a boca sobre a coroa, a
cara, o peito, as costas ou outra parte do corpo. O mestre utiliza
principalmente cânfora dissolvida em aguardente (à qual às vezes
acrescenta alhos e cebolas), água florida, timolina e vários
perfumes (marca Tabu de preferência);

b) imposição das mãos, que se efetua geralmente sobre a coroa ou


sobre a parte dolorida do corpo;

c) água derramada sobre a nuca ou sobre o crânio do paciente;

d) luz para romper a escuridão;

e) palmadas rítmicas com ramos e folhas secas (shacapa) em cima


da cabeça do paciente;

f) inalação de perfumes, cânfora ou limão fresco cortado. Os perfumes


inalados tendem a aumentar a embriaguez, mas podem também
atuar em sentido oposto;

g) o tomar refrescos como água ou limonada doce;

h) “a chupada”, que consiste em uma aspiração de boca efetuada


pelo mestre sobre uma parte do corpo de enfermo,
preferencialmente a coroa ou as têmporas. Antes, o mestre enche
sua boca de um líquido (por exemplo água energizada por um
canto ícaro) e em seguida da aspiração o cospe, havendo já
aspirado a embriaguez do paciente.

Quando o nível visionário é baixo, ou quando um indivíduo não


‘arranca’, o mestre pode intervir para aumentar a embriaguez. Se falta, pode-
se propor uma segunda dose de Ayahuasca (JACQUES MABIT apud
LABATE e ARAÚJO, 2009).

4.2.2 A BEBIDA, O RITUAL E AS VISÕES


21

De acordo com Kenneth Kensinger apud Luz (2009), Nixi pae, o nome
pelo qual é chamada a Ayahuasca entre os Kaxinawá, quer dizer “cipó da
embriaguez”. O cipó e a bebida são ainda chamados de dunuan isun (urina
de sucuri) e também huni (gente).

A palavra caapi, entre os tupi da região do Pará, segundo Fernando


de La Rocque Couto (2009) apud Claudio Naranjo (1938), significa “fazer
valente”, e ainda sustenta outra interpretação: “folha para voar”.

No processo do feitio da bebida, primeiramente, os homens saem


aproximadamente por dois dias para a mata para colherem a Chacrona
(Psychotria viridis) e Jagube (Banisteriopsis caapi). Após o retorno,
entregam a Chacrona para as mulheres, onde é feito o processo de limpeza
e separação folha por folha. O Jagube é levado para a maceração pelos
homens, sendo batido em ritmo comum, em mesma cadência. Quando os
dois ingredientes da bebida estão prontos (Figura 3), camadas intercaladas
de Chacrona e Jagube são sobrepostos (aproximadamente 3), sendo
adicionado água e, após, levado para a fornalha. Quando o caldeirão chega
na metade após grande tempo fervendo, é jogada em outro caldeirão, com
mais camadas de Chacrona e Jagube. Quando esta também chega na
metade, o processo é refeito, e a primeira “leva” de Ayahuasca é feita
(COUTO apud LABATE e ARAÚJO, 2009).

Figura 3- Cipó Jagube e Folha Chacrona

Fonte: Sramana (2017)


22

Keifenheim apud Labate e Araújo (2009), explica que assim que o


xamã ou pajé da tribo anuncia que vai procurar cipós para cozinha-los
naquela noite, a maioria dos participantes prepara-se para a ocasião,
cumprindo determinadas regras de dietas. Relata ainda:

Quanto aos ingredientes, distinguem-se três subtipos do cipó


Banisteriopsis caapi, que trazem o nome de xawan huni, baka huni
e xane huni. Conforme foi relatado, estes três tipos não se
diferenciam externamente, mas sim de acordo com o seu efeito.
Alguns xamãs mencionam expressamente que cada um desses
tipos define as cores dominantes específicas, assim como os
motivos predominantes das visões por ele provocadas. Via de
regra, o Nixi pae primeiro é bebido por alguém experiente, que
espera o início do efeito da droga para então comunicar aos outros
participantes de que tipo de cipó se trata. O cipó xawen huni
provoca, segundo diversas declarações unânimes, visões de cor
predominantemente vermelha (taxipa), dominadas por motivos de
sangue e fogo, consideradas as mais fortes e mais terríveis. As
visões provocadas pelo cipó xane huni são descritas como
predominantemente azul-verde (nanketapa) e relacionadas a
imagens de aldeias despovoadas. Em contrapartida, para as
alucinações vaporosas-esbranquiçadas (hene hexa) do cipó baka
huni, frequentemente são mencionados motivos de seca e de
sede. As visões de serpentes são consideradas –
independentemente do tipo de cipó – como uma constante de
todas as experiências alucinógenas. Porém, cada tipo de cipó
define a cor na qual as serpentes são visualizadas. Conforme
infere-se de diversos relatos, as serpentes tanto podem aparecer
em sua forma completa, quanto na forma de língua de serpente
enquanto atributo de outras aparições. Por exemplo, ao se
vislumbrar um pássaro nas visões xane huni, este aparece com
uma língua de serpente azul-verde, assim correspondendo à cor
dominante provocada pelo cipó xane huni.

O modo com que se vê o corpo e as imagens durante o efeito da


bebida, de modo sinestésico, sempre provoca uma “morte” (mawa). O
repertório dos tipos de morte é, em sua maior parte, determinado pelo tipo
de cipó utilizado. Uma exceção é a “morte da serpente”, que pode ocorrer
em qualquer sessão, independentemente do tipo de cipó. Entre os
Kaxinawá, outras plantas compartilham do mesmo status da Banisteriopsis
caapi, e são consideradas agentes provocadores de visões: a bawe, dunu
make, manipei keneya e o dumu (tabaco). Embora as três primeiras sejam
usadas unicamente pelas mulheres, que não ingerem o Nixi pae (E.
LAGROU apud LUZ, 2009).

Segundo Keifenheim apud Labate e Araújo (2009), as folhas da


família Psychotria viridis, adicionadas ao cipó durante o cozimento, são
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chamadas de kawa, como também entre outros grupos Pano. Em geral,


atribui-se a este ingrediente o poder de elevar a intensidade e a duração das
alucinações. O mesmo é válido para o Shipibo-Conibo e o Sharanawa.
Alguns nativos diferenciam dois tipos de kawa, chamados de nai kawa e de
kawa kayabi, e a este último é atribuído um efeito mais forte. As folhas de
kawa kayabi às vezes também são chamadas de ninka wa kawa, onde ninka
wa, na tradução literal, significa “fazer ouvir”. Aqui encontra-se,
eventualmente, uma indicação linguística de que seja atribuída à Psychotria
viridis a responsabilidade sobre os efeitos acústicos.

Entretanto, outras plantas de diversas famílias podem ser adicionadas


no preparo do chá. Ott (1994) cita 98 espécies de 39 famílias de plantas que
podem ser adicionadas à Ayahuasca. Podem também ser utilizadas outras
espécies do gênero Psychotria, tais como Psychotria cartagenensis, ou
Diplopterys cabrerana (PIRES, A.P.S; OLIVEIRA, C.D.R; YONAMINE, M. ,
2010).

Segundo Luz (2009) apud Baer e Snell (1974), a Ayahuasca está


relacionada ao tabaco. Um dos nomes pelo qual é conhecida a
Banisteriopsis caapi é kavurini, que quer dizer “como tabaco”. Entretanto,
algumas tribos, como os Machiguenga, não acreditam que o tabaco sozinho
provoque o transe como a Ayahuasca, sendo no entanto importante para se
adquirir poder e força, indispensáveis para se lidar com os espíritos.

Na tradição Kaxinawá, o ritual ocorre na frente da casa daquele que


preparou a bebida (Nixi pae hua-nika), e que irá liderar o ritual (Nixi pae-n
hai-bu). Os homens levam bancos e bastões longos e espessos; os
assentos são enfileirados paralelamente ao rio, onde cada um enfia seu
bastão no chão. Durante a embriaguez seguram nestes bastões, mantendo
uma postura reta. Desenham com tinta de urucum uma faixa oblíqua na
testa, assim como uma faixa longitudinal no nariz e nas têmporas; os braços
também são pintados com uma faixa vermelha. Este padrão ornamental é
chamado de “pata de jaguar” (inu tae) e tem a função de proteger contra
visões muito poderosas. Os participantes passam no corpo ervas aromáticas
e as mantém bolsos das calças. Este aroma deve agradar aos espíritos e
provocar visões agradáveis. Após, é iniciada a ingestão da Nixi pae. O
24

“anfitrião” é o primeiro a beber, para identificar o tipo de cipó de que se trata.


Depois, ele passa a bebida para cada um dos participantes e pronuncia uma
invocação. Os rituais com Nixi pae são reservados apenas aos homens.
Porém nem todos os homens Kaxinawá tomam Nixi pae da juventude à
velhice. Após terem a visão de sua própria morte, o indivíduo não participa
mais das sessões. No passado, as mulheres também bebiam e preparavam
a Nixi pae, e ainda há relatos da versão feminina sobre a invocação
pronunciada ao ingerir a bebida. As sessões ocorrem à noite, por volta das
20 horas e duram, normalmente, de seis a oito horas. Em noites de luar não
há encontros para se beber o Nixi pae, já que desde o início do efeito
alucinógeno, é insuportável a presença de qualquer tipo de luz
(KEIFENHEIM apud LABATE e ARAÚJO, 2009).

É muito importante a abstinência sexual antes da sessão e mais ainda


em seguida da sessão. Já foram relatados casos de morte por infringir esta
regra em desrespeito à sagrada bebida (MABIT apud LABATE e ARAÚJO,
2009).

Segundo Luz (2009) a prática xamânica entre a tribo Yaminawá está


absolutamente ligada com o consumo da Ayahuasca, chamada por eles de
“Shori”. É o Shori que possibilita aos espíritos cantarem através do xamã. O
canto xamânico, koshuiti, que propicia a cura, está inextricavelmente ligado
ao shori. Para os Airo-pai, segundo Olschewski (1992) apud Luz (2009), o
consumo de Ayahuasca é de tal forma fundamental para a comunicação
com os espíritos que sem ingeri-lo o canto do xamã é inócuo, pois os
espíritos não podem ouvi-lo.

Os cantos são compostos de versos de 7 sílabas e refrões, nos quais


repetem-se sílabas onomatopaicas como “kdi-kdi”, ou sequências vocálicas
como ê-êa-ê. Quase não há diferenças, por exemplo, entre os cantos das
fases inicial e final do ritual. As diferenças são mais de natureza musical, e
referem-se principalmente ao ritmo, ao volume e ao tom da voz do cantador.
Em certas circunstâncias, pudemos transmitir, por meio do canto, visões
relativamente precisas, como por exemplo voos de pássaros, imagens
místicas, sensação de alegria ou força. As visões permitem ao mestre em
25

certas circunstâncias até perceber a coloração psíquica (emocional) das


visões de tal ou qual participante (MABIT apud LABATE e ARAÚJO, 2009).

Geralmente o ritual se diferencia em duas fases específicas, sendo


que a primeira é caracterizada por visões de desenhos geométricos, e a
segunda por imagens figurativas. Além disso, a ocorrência de sequências
alucinatórias, como, por exemplo, a ameaça de serpentes, é um fenômeno
constante (KEIFENHEIM apud LABATE e ARAÚJO, 2009).

Para Luz (2009) apud Harner (1973), os principais traços comuns


ligados à ingestão da bebida seriam:

a) A sensação de separação alma/corpo e a viagem da primeira na


forma de voo mágico;
b) A visão de cobras e felinos e, em menor escala, de outros animais
predadores;
c) Um senso de contato com o sobrenatural, com a visão de deidades
e/ou demônios;
d) A visão de pessoas e lugares distantes interpretada como visão de
uma realidade distante, isto é, clarividência;
e) A sensação de ver a realização de atos antissociais praticados
recentemente, ou seja, divinação.”

Para Almeida (2009), xamãs e não-xamãs utilizam-se da Ayahuasca


(Nixi pae, Yagé, Kamarampi, Caapi) como operadores que, agindo sobre o
corpo, permitem o trânsito entre o mundo ordinário e a realidade verdadeira
onde vivem os espíritos, como no sonho e na morte; mas, ao contrário do
que ocorre no sonho, de maneira controlada. As substâncias psicoativas,
portanto, possuem um papel, ao lado dos sonhos, de danças, do canto e de
outras técnicas, como operadores que modificam o corpo e a mente, tanto
por exacerbar a experiência sensível como ao abrir caminho para viagens no
tempo e no espaço e revelar a existência dos seres que habitam o mundo
verdadeiro.

Os sonhos dão acesso ao mundo dos espíritos de maneira


descontrolada. Com a Ayahuasca, no contexto ritual, ocorre o acesso
controlado àquele mundo, pelos rituais e pelo canto. Na vida cotidiana é
26

percebido apenas um lado da realidade, não se revelando aspectos sutis da


identidade de todas as coisas. Assim, só se vê os corpos e suas utilidades.
Já nos estados alterados de consciência, com o uso de Ayahuasca, aquele
que a bebeu se defronta com o outro lado da realidade, percebendo os
“yuxin”, os espíritos, que habitam plantas e animais e reconhecendo estes
como “huni kuin”, gente nossa. A Ayahuasca possibilita a percepção da
igualdade entre os seres, vendo como humanos (iguais) os seres
encantados. O mundo cotidiano tem um aspecto, e este é transitório e
ilusório; a verdadeira aparência da realidade é aquela que é percebida sob o
efeito da Banisteriopsis caapi pelo espírito. A planta revela as coisas como
elas realmente são, sua essência; neste aspecto verdadeiro toas as coisas
são iguais, são espíritos e espíritos humanos, são seres poderosos que
vivem na eternidade, num espaço próprio que abarca todos os espaços. A
folha é pensada como sendo a fonte do conhecimento necessário para se
viver corretamente tanto no aspecto da moral e da conduta pessoal, como
na forma esperada de comportamento na relação com os outros membros
da sociedade, com os ancestrais, com os seres do mundo natural, plantas e
animais, bem como os seres sobrenaturais. É do cipó que vem o saber
acerca o mundo e do outro mundo, é ele que ensina sobre a criação, os
seres que nela existem e a lógica que rege seu funcionamento (LUZ apud
LABATE e ARAÚJO, 2009).

Entre os Ashaninka, também verifica-se a crença de que a Ayahuasca


proporciona àquele que a toma a capacidade de ver os espíritos como eles
realmente são, ou seja, em sua forma humana. Somente quem bebeu
Kamarampi (nome da bebida para esta tribo) pode vê-los como homens, seu
aspecto verdadeiro (GERALD WEISS 1969 apud LUZ 2009).

Luz (2009) afirma que para os Piro, o Kamarampi revela o mundo no


seu aspecto verdadeiro, como ele realmente é, ou seja, como ele é vivido
pelos “seres poderosos” que o geraram através de suas canções. Quando
se ingere a bebida sagrada, se entra no mundo destes seres que não têm
desejo nem por sexo, nem por comida, não são nem nascidos, nem podem
morrer, são intensamente animados e estão continuamente no estado que
sobrevém àquele que comungou da bebida.
27

O consumo de Ayahuasca, assim como do tabaco e da coca, alegra


os antepassados; a sucuri, o veículo dos ancestrais, é a mestra da mihi e de
suas visões. A Ayahuasca é o presente da sucuri e bebê-la é receber o
coração desta, o coração da linha de descendência e da fonte dos cantos e
das visões. Sob o efeito da Ayahuasca tudo adquire vida e seu aspecto
exterior aparece como humano. As visões revertem o fluxo do tempo. Ter
uma visão causada pela Ayahuasca é como retornar à infância e mais ao
princípio do mundo antes da emersão da humanidade (IRVING GOLDMAN
1963 apud LUZ 2009).

Os Tukano, (sociedade indígena localizada no noroeste da Amazônia,


na região do Vaupés, Colômbia) segundo Dolmatoff apud Couto (2009),
tomam o Yagé (Ayahuasca) com o propósito de retornar ao útero, a fonte e
origem de todas as coisas, em que o indivíduo vê as divindades tribais, a
criação dos animais e o estabelecimento da ordem social. A ingestão de Nixi
pae também é considerada fundamental na preparação do indivíduo para a
morte e está intimamente ligada ao destino após a morte. É através da
ingestão de Nixi pae que o indivíduo se dá conta da separação que há entre
o seu “bedu yuxin”, o espírito que vê, que tem consciência, e o seu corpo.
Sem isto, após a morte, o bedu yuxin fica louco e não consegue empreender
a viagem até a aldeia celestial.

Em contraposição, a razão alegada abertamente para o uso de Nixi


pae é ou prevenir uma morte iminente, ou, no caso do xamã, para aprender
o conhecimento usado para prevenir futuras mortes (LUZ apud LABATE e
ARAÚJO, 2009).

Luciana Soares Gueiros da Motta (2013) assegura que ainda há um


constante estudo sobre as tribos indígenas usuárias do chá de Ayahuasca,
principalmente pelo fato de utilizarem o chá como elemento de proteção e
cura de inúmeras doenças. Tal ponto levantou questionamentos dos
cientistas a cerca desta nova função das substâncias ativas presentes na
infusão. Diversas tribos indígenas da Amazônia utilizam o chá para curar
doenças parasitárias e gastrointestinais comuns nos trópicos.
28

A Ayahuasca, vista pelo indígena, tem a propriedade de limpar o


indivíduo por dentro, expelindo os restos de caça ingerida que é, acredita-se,
aquilo que causa as doenças (PETER GOW 1991 apud LUZ 2009).

A Ayahuasca é acima de tudo um purgante. A palavra purga é


preferida pelos nativos para definir o efeito de seu consumo. Tal efeito faz
parte do processo de uma dramática limpeza do organismo e ainda mais,
uma limpeza dos sentimentos, das lembranças, dos pensamentos e das
vivências espirituais. A Ayahuasca é o veículo sagrado para ingressar no
mundo espiritual, mas ao mesmo tempo é o encarregando de limpar o
viajante para que possa ingressar em estado de pureza nesse mundo. Para
os ocidentais, no entanto, estes efeitos de purga (vômito, diarreia, sudorese,
taquicardia, diurese aumentada entre outros) são considerados como a
prova de seu efeito tóxico. De forma paradoxal, para os índios esse mesmo
efeito é considerado uma verdadeira desintoxicação ou limpeza. Muitas
vezes, a sociedade urbana busca uma maneira de minimizar ou dissimular o
clássico sabor amargo da condição primordial para pôr à prova a vontade e
a fé do indivíduo que comunga do sacramento (ZUALAGA apud LABATE e
ARAÚJO, 2009).

Segundo Mabit (2009), a Ayahuasca é um dos polos mais atrativos


das diferentes práticas curandeiras para os ocidentais, já que responde à
sua sede de potência, rapidez e eficácia.

4.2.3 O SENTIDO DO CONSUMO DA AYAHUASCA PARA OS NATIVOS

Para Goldman, citado por Luz (2009), os nativos não ingerem a


Ayahuasca pelo prazer de suas alucinações, mas pela intensidade da
experiência como um todo, pela vastidão do âmbito de sensações.

O Jagube, o cipó (o polo masculino da bebida), é por excelência a


planta mestra, a que promove e estrutura o ensino e constitui o substrato
indispensável para prover a experiência de sentido. A ela se deve o
conteúdo das imagens mentais. O cipó viria a ser o texto, a fonte de
29

informação, o conteúdo, a estrutura portadora de coerência e sentido,


enquanto a Chacrona, a folha (o polo feminino), é o foco de luz que permite
iluminar esse texto e assim lê-lo, visualizá-lo e por onde conscientizá-lo
(MABIT apud LABATE e ARAÚJO, 2009).

É fundamental a representação de viagens alucinatórias como


experiências individuais, nas quais se seguem trajetórias absolutamente
singulares. Diz-se que cada um vê aquilo que quer, ou precisa ver, tendo as
visões como respostas. A busca pela Ayahuasca passa a ser uma solução
de compromisso entre duas necessidades: a de partir em busca do
conhecimento (principalmente para a realização das curas, prevenção de
morte, segundo dizem), e a de permanecer ao lado dos seus parentes e
aliados, buscando a satisfação de seus desejos e vivendo as alegrias e
misérias do corpo e da vida social. (FREITAS 1996 apud LUZ 2009).

Para Keifenheim (2009), a Ayahuasca oferece uma possibilidade


controlada e coletiva de participar daquela ordem de criação primordial que
confere sentido à existência tanto do indivíduo, quanto de seus iguais. Uma
visão da história que, através deste processo, a cada vez se constitui
novamente.

Após as eventuais turbações dos rituais com Ayahuasca, o fim da


sessão frequentemente prolonga-se por um longo, pacífico e profundo
silêncio coletivo, durante o qual cada um se concentra na contemplação de
seu universo interior e sem desejo de comunicar o que lhe parece
demasiado particular ou de natureza infra ou supra verbal (MABIT apud
LABATE e ARAÚJO, 2009).

4.2.4 A RETIRADA E A IMPOSIÇÃO DA AYAHUASCA EM CERTAS


CULTURAS NATIVAS

Luz (2009) afirma que aos diferentes grupos compartilharem um


ambiente semelhante, bem como certos traços culturais comuns, há a
possibilidade de uma “área cultural” ser caracterizada pelo uso da
Ayahuasca.
30

Zualaga (2009) adiciona que por diversas razões estratégicas,


geográficas e históricas, os grupos indígenas do piemonte amazônico sul-
americano puderam conservar e manter suas práticas de xamanismo.
Porém, com a colonização europeia, as tradições ayahuasqueiras se
tornaram importantes aspectos da cultura xamânica e da etnomedicina cada
vez mais em extinção.
Nas últimas décadas membros da Missão Suíça, atuante nas aldeias
Kaxinawá da região Purus-Curanja no Peru, durante vários períodos por
ano, realizam projetos opositores ao alucinógeno, por eles considerado
como “obra satânica”. Essa influência tem provocado uma redução maçante
das sessões de Ayahuasca não só entre os Kaxinawá. Isto vem ocorrendo
em aldeias onde o próprio chefe ou xamã tornou-se cristão (KEIFENHEIM
apud LABATE e ARAÚJO, 2009).

A Aldeia Guarani Águas Claras, localizada no litoral sul de Santa


Catarina, passou por um processo de apropriação da Ayahuasca em sua
cultura afim do resgate e da revitalização cultural na tribo, através de uma
equipe multidisciplinar de médicos e religiosos. A própria aldeia tem uma
visão ainda mais favorável a respeito dos benefícios que essas práticas
trouxeram para a comunidade. A realização das cerimônias com Ayahuasca,
como pode ser vista na Figura 4 o local onde são realizados, contribuiu para
reverter a situação de perda cultural, resultando num processo de “resgate”.
Esse contribuiu para o reestabelecimento das relações de compadrio,
renovação do cultivo de plantas sagradas, redução da violência doméstica e
do abuso de álcool, e assim por diante. Porém, muitos Guarani,
principalmente de outras aldeias, não concordam com o uso da bebida,
afirmando que se trata de “coisa de brancos”. Na própria aldeia de Águas
Claras, algumas famílias deixaram de participar das cerimônias, e certas
pessoas passaram a criticá-las. Entre os Guarani da rede das aldeias do
litoral catarinense, e mesmo entre os moradores de Águas Claras, não existe
um ponto de vista homogêneo ou um consenso sobre a Ayahuasca (ISABEL
SANTANA DE ROSE e ESTHER JEAN LANGDON LANGDON, 2010).
31

Figura 4- Espaço onde são realizados as cerimônias com


Ayahuasca em Águas Claras

Fonte: Langdon (2010)

4.3 O CAMINHO DA AYAHUASCA ATÉ O HOMEM URBANO

Para Zualaga (2009), apesar dos quinhentos anos de perseguição,


genocídio e barbárie, a sabedoria xamânica se conserva viva em muitos
povos. O homem branco começa a mudar a perspectiva moral e se interessa
por conhecer e estudar os conhecimentos tradicionais dos aborígenes e os
extraordinários efeitos dessas plantas, até agora menosprezadas.
Ao longo dos dois últimos séculos, os seringais continuaram em
atividade, povoados por sucessivas gerações descendentes dos primeiros
migrantes nordestinos, muitos dos quais vieram a construir família através
de uniões conjugais com mulheres índias capturadas e ou suas filhas. É
quase certo que a apresentação da Ayahuasca aos seringueiros deu-se
nesse contexto de proximidade e contato com as populações indígenas
(MARIANA CIAVATTA PANTOJA FRANCO e OSMILDO SILVA DA
CONCEIÇÃO, 2009).
São poucos os estudos que abordam o uso da Ayahuasca pelos
seringueiros. Um exemplo neste sentido é o trabalho de Araújo (1998), cujo
foco central, aliás, não é este. Embora em vários países da América do Sul,
como Colômbia, Bolívia, Peru, Venezuela e Equador, haja uma tradição de
consumo da Ayahuasca por xamãs e vegetalistas, curiosamente é somente
no Brasil que se desenvolvem religiões de populações não-indígenas que
32

fazem uso desta bebida. No caso dessas religiões brasileiras, tais são
formuladas a partir da herança de consumo da Ayahuasca pelos sistemas de
curandeirismo amazônicos, bem como de outras fontes: a tradição afro-
brasileira, o espiritismo kardecista e o esoterismo de origem europeia,
sobretudo via o Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento e a Ordem
Rosa Cruz (LABATE, 2009).
Para Sandra Lúcia Goulart (2009), originalmente, o grupo que formou
o culto do Santo Daime era composto, praticamente, de ex-seringueiros que,
com o declínio da exploração da borracha, haviam deixado as áreas
extrativistas e passado a viver na cidade de Rio Branco. O próprio fundador
desta religião, Raimundo Irineu Serra, foi seringueiro por vários anos, fato
extremamente valorizado, aliás, por seus seguidores.
Ao exercerem o ofício de seringueiro, Raimundo Irineu Serra
(fundador do Santo Daime) e José Gabriel da Costa (fundador da União do
Vegetal), a exemplo de outros migrantes, entraram em contato com nativos
da Amazônia peruana, com os quais de iniciaram no uso ritual da
Ayahuasca. Não só os seringueiros, mostrados em fotografia abaixo na
Figura 5, mas pessoas que exerciam a profissão de garimpeiro e que foram
para Rondônia motivados pela busca do ouro, costumam dizer que “na
verdade o ouro era o Daime e que graças a Deus o encontraram” (ARNEIDE
BANDERIA CEMIN apud LABATE e ARAÚJO, 2009).
A análise das formas de consumo da bebida Ayahuasca entre os
seringueiros é um vasto campo de estudos para compreender o
aparecimento e a constituição do Santo Daime, da União do Vegetal e da
Barquinha. Segundo diversos relatos, a estrutura do ritual, as chamadas
(cânticos considerados sagrados, entoados durante o ritual) e as histórias
que constituem a mitologia dessas religiões podem ser encontradas, com
determinadas variações, é claro, em diversas regiões da Amazônia
Ocidental (LABATE, 2009).
Carsten Balzer (2009) afirma que o Santo Daime desenvolveu-se
após o primeiro ciclo da borracha (1915-1941), no início dos anos 1930. As
outras duas principais religiões ayahuasqueiras emergiram após o segundo
ciclo da borracha (Batalha da Borracha, 1942-1945), a Barquinha nos anos
depois de 1945, e a União do Vegetal no fim dos anos 1950.
33

Figura 5- Trabalhadores dos seringais

Fonte: Palitot (1978)

Lucia Regina Brocanelo Gentil e Henrique Salles Gentil (2009)


adicionam que a expansão dos cultos afro-brasileiros, do kardecismo, das
seitas protestantes, da renovação carismática e das seitas ayahuasqueiras,
demonstra que no Brasil existe uma busca espiritual muito forte. O Brasil é o
país da Floresta Amazônica, da Mata Atlântica, do Pantanal. Num país onde
a natureza tem uma presença tão marcante, existe uma forte conexão entre
a busca espiritual e o caráter sagrado da natureza. A Ayahuasca vem sendo
uma ponte que liga esses dois aspectos. As religiões brasileiras são no seu
centro xamânicas. A cultura brasileira como um todo é uma cultura
xamânica. Observa-se, pois, como o conceito de xamanismo é assim
genérico.
A cultura da Ayahuasca é considerada por muitos como a última das
tradições xamânicas que se conserva com maior grau de pureza do planeta.
Aqui podemos afirmar que esta foi extrapolada de seu contexto xamânico e
se integra definitivamente numa forma neo-religiosa. A Ayahuasca se
converte agora em um novo Eldorado da cultura moderna (ZUALAGA apud
LABATE e ARAÚJO, 2009).
Labate (2009) assegura que alguns índios, como certos Kaxinawás do
Rio Jordão (já consumidores de Ayahuasca) ou Apurinã da região de Boca
do Acre, e seringueiros, como os estudados por Araújo, vêm recentemente
34

se convertendo à doutrina do Santo Daime, dando origem a sistemas mistos


de uso da planta. O autor elabora uma indagação: estaríamos diante de um
processo de “daiminização” do uso da Ayahuasca?
Zualaga (2009) adiciona que uma nova forma de apropriação, por
parte do homem branco, de uma sabedoria e um bem indígena é vista. Para
o caso da América, depois de quinhentos anos, nos encontramos perante
um novo intento de encontro entre duas culturas, já não com base nas
terras, no ouro, nos recursos naturais, na mão-de-obra ou na imposição
cultural e religiosa. Agora o problema em questão é o dos recursos
genéticos, das plantas psicotrópicas e dos conhecimentos xamânicos. Mas
este encontro pode novamente se tornar catastrófico para os indígenas. A
evolução cultural em todos os povos produziu um paulatino distanciamento
das técnicas xamânica e sobretudo do uso das plantas alucinógenas. Esta
tendência foi levada ao extremo de considerar estas plantas como “tóxicas”
ou “diabólicas” e seu uso é condenado em quase todo o mundo moderno.
Todavia, desde fins do século passado, muitos ocidentais, têm incursionado
novamente no consumo destas substâncias, buscando uma resposta aos
grandes problemas da civilização industrial.
Essas “substâncias químicas da transformação e revelação” que
abrem os circuitos da luz, da visão e da comunicação, que nós chamamos
manifestadores da mente, eram conhecidas pelos índios americanos como
medicinas. Os meios que davam ao homem o poder de curar e conhecer, de
ver e de dizer a verdade. (MUNN HENRY 1975 apud COUTO 2009).
Conceição (2009) afirma que a Ayahuasca poderá operar também
como um orientador na condução da vida prática. Isto acontece quando as
pessoas que o ingeriram procuram saber, ou “futurar”, sobre o seu trabalho,
viagens ou mesmo suas amizades. Pode-se ingeri-la também em busca de
cura para doenças, ou de “limpeza” do organismo. Existem casos de que, na
época dos seringueiros, a Ayahuasca promovia mudanças morais em suas
vidas, como parar de ingerir bebidas alcoólicas, de fumar cigarro e de se
envolver em festas e jogos de futebol, principais ocasiões em que brigas têm
chance de ocorrer no seringal.
Finalmente, com o auge das experiências psicodélicas no mundo
ocidental, muitas pessoas buscam a experiência da Ayahuasca com o único
35

fim de experimentar as sensações alucinatórias desta bebida. Alguns


querem uma experiência “autêntica” e viajam em busca de “verdadeiros
xamãs”, enquanto outros ingressam nesta experiência guiados pelas
oportunidades à sua volta. Hoje é fácil conseguir uma garrafa de Ayahuasca
pela internet; nos Estados Unidos se oferecem viagens organizadas com
destino ao Equador, Peru e Brasil praticamente com o único objetivo de
consumir esta substância visionária através das mãos de algum pretenso
xamã indígena a serviço de uma agência de viagens (ZUALAGA apud
LABATE e ARAÚJO).

4.4 SANTO DAIME

4.4.1 FORMAÇÃO

A religião do Santo Daime surge em 1930 com o seringueiro


maranhense Raimundo Irineu Serra (Figura 6), filho do ex-escravo Sancho
Martino e Joana Assunção. Em suas viagens teve conhecimento do uso da
Ayahuasca entre os índios e caboclos da região. Fundou o CRF (Círculo de
Regeneração e Fé), por volta de 1916, sendo primeira entidade noticiada
que trabalhava com a bebida psicoativa. Conta a tradição daimista que Irineu
obteve uma revelação enquanto estava no seringal: uma visão de uma
mulher, que se apresentou com o nome de Clara, e que o orientou a fazer
uma dieta na mata por oito dias apenas comendo mandioca cozida sem sal,
também, para abster-se de álcool e sexo. Após a dieta e as restrições, ao
tomar novamente a bebida, a visão da mulher apareceu novamente.
Apresentou-se como a Rainha da Floresta, que Irineu compreendeu ser a
própria Nossa Senhora da Conceição, a Padroeira da Nova Doutrina Santo
Daime. Aos poucos ela foi lhe passando as revelações e instruções que se
constituíram na base dessa nova doutrina, que deveriam ser sistematizadas
por ele. Em 1930 foi realizada a primeira sessão oficial do Santo Daime.
(PEDRO ALVERGA, 2015).
36

Figura 6- Raimundo Irineu Serra

Fonte: Polari (2015)

Goulart (2009) afirma que muitos daqueles que vieram a se tornar os


primeiros daimistas, tinham abandonado a atividade seringueira e migrado
para a cidade de Rio Branco ainda nos anos de 1920. Eles sofriam, então,
as consequências da falta de infraestrutura da capital acreana. Muitos deles
quando ingressaram no culto do Santo Daime, eram pequenos colonos
agrícolas. A Colônia Custódio Freire fora a primeira comunidade daimista a
surgir, nas periferias de Rio Branco. Goulart recolheu depoimentos de alguns
dos primeiros participantes desta:

No começo era pouquinha gente (...) Algumas famílias que


moravam encostado ao padrinho Irineu. Muitos já conheciam ele.
Moravam ali pertinho, tinham suas colônias. O padrinho Irineu
também, tinha lá o roçado dele. Era tudo vizinho, compadre né,
tinham de se ajudar. O Mestre foi reunindo todo esse povo, foi
ensinando a gente a se ajudar, a trabalhar junto a terra. Porque a
gente tava numa situação que precisava se ajudar mesmo. O
trabalho foi ficando mais organizado. Quando era época de
colheita ou de derrubada, o padrinho Irineu juntava todo mundo e,
cada dia, a gente ia trabalhar nas terras de um. Foi assim que
começou a comunidade, a irmandade do Santo Daime, com os
vizinhos trabalhando junto, cada um ajudando seu irmão.
37

Goulart (2009) ainda diz que no mundo rústico tradicional, agentes


como “penitentes”, “beatos”, “milagreiros” ou “santos” eram, muitas vezes,
tidos como “padrinhos da população”. Raimundo Irineu Serra exercia várias
funções na comunidade: líder religioso e social, juiz, advogado, conselheiro,
assim considerado um “homem santo”.

Por volta da primeira metade da década de setenta, com a morte de


Mestre Irineu, o Santo Daime passa por uma “ramificação”, se assim pode
ser chamada. Até então, a religião possuía a única vertente matriz, o Alto
Santo. Já com o falecimento de Irineu, Sebastião Mota de Melo (Figura 7),
seguidor e líder próximo a Irineu, cria o Centro Eclético Fluente Luz
Universal Raimundo Irineu Serra (CEFLURIS), onde aborda outros tipos de
vertentes religiosas adicionadas a própria doutrina daimista (LABATE,2009).

Figura 7- Sebastião Mota de Melo

Fonte: CEFLURIS (2000)


38

Cemim (2005) sustenta que

... o sistema daimista é parte de uma tradição xamânica


ayahuasqueira que ela denomina de “cultura da floresta
Amazônica”. Compartilha-se a visão do Santo Daime como um
sistema xamânico, sistema esse que exclui a incorporação. O
xamanismo envolve apenas o transe de “excorporação”, isto é, a
saída da alma ou do espírito do corpo do xamã, o voo mágico. O
xamanismo de excorporação se adequaria aos moldes do
esoterismo do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento,
onde o contato com entidades espirituais é apenas mental ou
espiritual e não físico. Desta forma, o Alto Santo como um
xamanismo e o CEFLURIS não, já que no segundo caso,
diferentemente do primeiro, ocorrem transes de incorporação. No
Alto Santo, a incorporação (ou qualquer variante) não é admitida.

Com a chegada dos mochileiros e constante intercâmbio, o paradigma


do CEFLURIS foi se moldando e passando a inaugurar a terceira fase
histórica do ritual da Ayahuasca, a de sua expansão e própria adaptação
criativa aos adeptos dos anos 1990, da ruptura com os valores da
modernidade, e sua reaproximação aos cultos afro-brasileiros, em especial
com a umbanda do Rio de Janeiro (CLODOMIR MONTEIRO DA SILVA,
2009).

4.4.2 AS FORMAS DA RELIGIOSIDADE DAIMISTA

A folha é mais o lado mulher (...) é mais o lado magia. (...) eu me


sentia como se eu estivesse no colo da Virgem Maria (...) Quando
ia pra colher o Jagube (...) era uma coisa diferente, é o lado
masculino, é a força (...) Tudo em torno disso vai criando aquela
harmonia, a magia, vamos dizer assim, o namoro cipó e folha,
quando prepara já é casamento. (Milton Rapcham, Alto Santo)

Para Franco e Conceição (2009), no encontro entre Irineu e a Rainha


da Floresta foi-lhe entregue a missão de receber instruções enviadas
diretamente do Astral, que se apresentaram em forma de hinos “recebidos”
ao longo de vários anos. Reunidos, esses hinos vieram a se construir na
pedra fundamental da Doutrina do Santo Daime, que revisita a tradição cristã
a partir de uma leitura que incorpora a cosmologia do mundo de onde
emerge. Assim, tem-se entidades e evocações ligadas à floresta (como a
39

Rainha da Floresta), aos elementos da natureza (sol, lua, estrela, mar, vento
etc.) e às entidades divinas do mundo cristão (Deus, Jesus Cristo, Virgem
Maria e o panteão de santos e arcanjos).

Os hinos dão o contato do daimista com a realidade sagrada; eles são


a divindade manifestada em música. Os rituais consistem no canto e no
bailado de hinários (isto é, um conjunto de hinos). O hinário mais importante
é o de Mestre Irineu. Os membros do Santo Daime são profundamente
ligados a uma religiosidade que não separa a festa e o sagrado, como pode-
se ver na Figura 8, em uma Celebração de São João. Cantar seus hinos e
dançar é um meio de estabelecer comunicação com os seres espirituais. A
ausência da dança, da música, da festa, é vista como um empecilho para a
comunicação com a espiritualidade. As das datas rituais daimistas tem como
base a tradição das festas aos santos (GOULART apud LABATE e
ARAÚJO, 2009).

Figura 8- Celebração de São João em igreja do Santo Daime

Fonte: Moreira (2012)

Cemin (2009) afirma que os rituais nessa Doutrina são designados


“trabalhos”. Esse “trabalho” aplica-se sobre o corpo e o pensamento: as
produções simbólicas, o imaginário. A noção de trabalho nomeia o “trabalho
espiritual” que, entretanto, tem como suporte o corpo em sua totalidade.
40

Num ritual, os participantes afirmam estar buscando “toques” que


sejam reveladores de novas realidades. “A gente toma Daime para ir buscar
coisa fundamental, coisa que a gente não tem conhecimento, coisa de
dentro do espírito da gente”. Todos reconhecem que a bebida “é professora”
e a ciência está em saber compreender o que é, sob seu efeito, vivenciado.
Conhecimentos exteriores, como os científicos, de nada valem: “O cara
nunca chegou dentro do Daime pra pesquisar ele, e que não fosse pelo
Daime pesquisado” (FRANCO e CONCEIÇÃO, 2009).

Em Rio Branco, na comunidade do Alto Santo, Cemim (2009), em sua


pesquisa de campo presenciou o costume de se tomar uma colherinha de
Daime ao sair de casa, como forma de proteção. Na casa de
contemporâneos do Mestre Irineu, onde esteve hospedada, ela relata que a
mãe antes de sair para o trabalho, recomendava à avó da criança, que “por
favor”, não deixasse seu filho ir para a escola sem “proteção”, ou seja, sem
tomar a colherinha de Daime. A mesma coisa ocorre nas viagens, “quem
conhece o poder do Daime não viaja sem levar um vidrinho de Daime”.
Cemim ainda conta que a família possuía um pequeno vidro de capacidade
para 200 ml, que é o “talismã de viagens”.

4.2.3 O DAIME E A SOCIEDADE

De acordo com o antropólogo Silva (1938) apud Labate (2009), o


Santo Daime é uma religião inserida no contexto de práticas xamânicas. A
religião seria marcada por um transe xamânico individual e coletivo. Os
padrinhos (líderes) seriam xamãs e o daime estaria ligado - tal qual no
xamanismo - à atividade de cura. O “xamanismo daimista” surge em
oposição aos parâmetros da ciência ortodoxa dominante e como alternativa
para a criação de “um mundo melhor”.

Labate (2009) apud Anthony Groisman (1991) propõe a ideia de


ecletismo, noção retirada do próprio estatuto da religião. Ele endossa, com
bom senso, a auto interpretação da doutrina: o Santo Daime é, segundo sua
auto definição uma instituição eclética. O ecletismo evolutivo, de acordo com
41

Groisman, possibilita a convivência entre diversos sistemas cosmológicos,


tais como a umbanda, o espiritismo e o cristianismo, sendo um sistema
totalizante, que engloba todos os aspectos da vida do sujeito.

Pessoas tradicionalmente ligadas a movimentos críticos e libertários


acabam se integrando numa doutrina como a do Santo Daime. Sugere-se
que a filosofia mística-ecológica acaba “substituindo” as revoluções sociais e
políticas. Do primeiro lado, tem-se a unidade cósmica; ao invés de igualdade
social, a fraternidade comunitária. Finalmente, a liberdade sexual converte-
se em libertação espiritual transcendente. O Santo Daime propõe uma
reinvenção do Brasil e da identidade nacional, onde a Amazônia e os
caboclos primitivos são valorizados como profundos essenciais (LABATE,
2009).

Cemin (2009) adiciona a ideia de que graças à padronização, ou seja,


pelo exemplo ordenado, que se torna possível a intervenção da sociedade,
inclusive em contextos onde poderia predominar a inconsciência ou o caos.
Tendo aprendido o padrão básico do xamanismo ayahuasqueiro, Irineu o
adaptou reconstituindo o sistema xamânico, permitindo sua atualização por
um conjuntos de movimentos definidos, capazes de efetivar o controle sobre
a realidade vivida sob “estado alterado de consciência”, direcionando o
domínio consciente sobre a emoção e a inconsciência. A bebida tem valor
transcendente, é um elemento material revestido de grande poder simbólico
e de coesão social, pois em torno dela se estrutura um ritual, e os rituais são
momento de ordenação, levando o sistema como um todo à estrutura, à
coesão.

Esse ritual afeta e regula o feixe multirrelacional estabelecido, quer no


âmbito individual, quer no âmbito social. O caráter relacional da bebida
imprime, para os que a usam, um ritmo de cuidado, concentração, respeito,
renúncia e entrega. Toda essa postura está especificamente ligada ao
preparo para os que vão ingeri-la, que envolve um interdito sexual, uma
dieta e um preparo interno relativo à consciência e entendimento consigo
mesmo de performance ritual (COUTO apud LABATE e ARAÚJO, 2009).
42

Muitos dos adeptos da religião do Santo Daime deixam de frequentar


bailes realizados em períodos que não são do calendário ritual, pois
acreditam que nele hajam comportamentos inadequados e enganosos. A
diversão que estava associada aos acontecimentos festivos do passado
começa a ser entendida em termos de noções como “ilusão” e “perdição”.
Os comportamentos considerados excessivamente apegados à matéria
passam a ser definidos como “menos evoluídos”, e o uso da bebida
alcoólica, antes tolerado nas festas dos santos torna-se indesejável para o
daimista. Estes sublinham o poder do chá do Santo Daime no que se refere
à correção dos desvios morais. Constrói-se “dogmas” combinando noções
do kardecismo e concepções católicas, bem como a elementos da tradição
do vegetalismo ayahuasqueiro (GOULART apud LABATE e ARAÚJO, 2009).

4.5 UNIÃO DO VEGETAL

Segundo Araújo (2009), diferentemente de outros fundadores de


seitas que também se utilizam da Ayahuasca em seus rituais, José Gabriel
da Costa (fundador da União do Vegetal) (Figura 9), ingerindo o chá, não
teve experiências que marcadamente modificassem seu comportamento.
Segundo seus parentes, desde pequeno José já se destacava como alguém
especial. José Gabriel foi para a Batalha da Borracha, organizada pelo
Exército Brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial, em busca de seu
“tesouro”, que então fora encontrado em 1959, com seu primeiro contato
com a Ayahuasca. Desde a sua primeira vez, José já apresentou domínio
sobre o uso do chá.

Durantes três anos José Gabriel, já então Mestre Gabriel, bebeu o


chá com sua família no seringal Sunta, próximo à fronteira com a Bolívia,
vivenciando um processo de recordação de sua missão de (re)criar a União
do Vegetal, o que foi feito em 22 de julho de 1961 (CEBUDV, 1989).
43

Figura 9- José Gabriel da Costa

Fonte: Lodi (2010)

Dentro do corpo doutrinário da União do Vegetal (UDV), constituído


por Mestre Gabriel, explica-se que esta é uma obra milenar, que tem no rei
Salomão o seu criador. Por razões que também são apresentadas no
conjunto de ensinos da seita, a União do Vegetal não teve uma história de
continuidade temporal no planeta, permanecendo desconhecida por muitos
séculos. Por esta razão, Mestre Gabriel apresenta-se como seu recriador.
Após a criação da UDV Mestre Gabriel se reúne com doze “Mestres de
Curiosidade” no Acre, onde eles o reconhecem como o Mestre Superior. No
dia 1. °/11/1964 Mestre Gabriel confirma a existência da UDV no plano Astral
Superior. Já em 1965, ele e sua família consolidam a instituição. Registrada
inicialmente como Associação Beneficente União do Vegetal, depois recebe
o nome de Centro Espírita Beneficente União do Vegetal. O nome “União do
Vegetal” é dado pela união da Chacrona e do Jagube no feitio da
Ayahuasca, por eles chamada de Hoasca (BROCANELO e GENTIL, 2009).

A UDV possui sessões para os sócios, sessões festivas e sessões


instrutivas (filiados existentes na seita). Nas sessões, como exemplificada na
Figura 10, os ensinamentos são passados aos discípulos gradativamente,
segundo o grau de memória espiritual, durante o efeito do chá. Tais
44

ensinamentos são construtivistas e modificadores a moral do discípulo. A


UDV possui hierarquia e a autoridade máxima do centro é o Mestre
Representante. Os centros estão regidos em regiões por um Mestre Central.
A autoridade máxima do Centro é o Mestre Geral Representante. Todos
utilizam uniforme nas sessões, com detalhes que mostram seu grau
hierárquico. O mais baixo grau da hierarquia, os discípulos do Quadro de
Sócios, têm o livre arbítrio de escolherem se vão ou não tomar Hoasca.
Existem vários “passos” e “exigências” que uma pessoa deve ter para que se
ocupe uma próxima posição no grau hierárquico. As hierarquias e os graus
administrativos são rígidos e muito bem definidos. Dessa forma, percebe-se
a proximidade da UDV com a religiosidade maçônica (AFRÂNIO
PATROCÍNIO DE ANDRADE apud LABATE e ARAÚJO, 2009).

Figura 10- Sessão na UDV

Fonte: Arquivos Oficiais Online da UDV (2017)

Araújo (2009) relata que Mestre Gabriel teve contato com muitas
religiões, devido a viagens realizadas por fazer parte do exército, e por tal
motivo a UDV é de certa forma “eclética”, trazendo meios da religiosidade
cristã, africana, indígena e espíritas. A UDV não trabalha com espíritos
45

desencarnados (como umbanda e kardecismo). A UDV faz releitura de


certas passagens religiosas, como:

a) O pecado original: não existe o pecado original; A expulsão de


Adão do paraíso ocorreu para que assim se iniciasse o processo
evolutivo do homem, e de acordo com sua iluminação, ele
chegasse a Deus.
b) Salomão: Salomão fez a união dos mistérios do vegetal, e através
de Caiano, o primeiro hoasqueiro, recebeu o vegetal preparado e
bebeu.
c) Jesus: A trajetória de Cristo é uma das formas de chegar ao Pai. A
mensagem que o Cristo deixa é “amar a Deus sobre todas as
coisas, e ao próximo como a si mesmo”. Jesus é a expressão da
Divindade.
d) Salvação: a salvação é para todos aqueles que tiverem a salvação
em seu interior.
e) Inferno: A UDV não acredita na existência de inferno e castigo. O
inferno é a própria Terra.

Para Andrade (2009) a UDV pode ser caracterizada como uma ordem
religiosa iniciática hierarquizada que se utiliza da Ayahuasca como
facilitadora da concentração mental para, neste estado em que a
sensibilidade se aflora e a consciência se altera, assim veicular o seu
conteúdo religioso, forjado pelo Espiritismo e pelo Cristianismo. Segundo
ele, os participantes da UDV alegam que toda evolução individual não se
deu só pela Hoasca, mas pelo equilíbrio e disciplina dado as sessões.

Em contraposição, Andrade (2009) diz que com tal efeito, talvez dada
à clara estruturação da doutrina, a UDV de modo geral reage
autoritariamente em relação aos grupos congêneres. Neste momento
histórico em que, superadas em grande parte as guerras religiosas e, sob a
bandeira do diálogo livre e o manto do respeito as religiões em geral vêm
procurando se aproximar entre si, a UDV parece caminhar na contramão da
história: acentua a diferença, nega os valores dos grupos afins, desmerece-
os, caricatura-os, menospreza-os e, acima de tudo, critica-os, censura-os.
46

Andrade assegura que “A arrogância da União do Vegetal fica ainda mais


gritante se lembrarmos que ela é dentre as três religiões ayahuasqueiras
brasileiras a mais recente”.

4.5.1 A IMPORTÂNCIA DA UDV NO MEIO CIENTÍFICO-ACADÊMICO

Em 1986 a União do Vegetal criou o Departamento Médico-Científico


(DEMEC). O órgão é responsável pela interlocução científica da UDV com
autoridades e cientistas. O DEMEC se filia explicitamente às normas do
código de ética médica e do código de ética profissional dos psicólogos.
Atua enquanto agente facilitador à realização de pesquisas de iniciativa de
instituições científicas e universidades sobre o uso do vegetal,
particularmente dentro da UDV. Também organiza congressos, como a
Primeira Conferência Internacional dos Estudos da Hoasca, realizada em
1995 no Rio de Janeiro, que reuniu pesquisadores internacionais de diversas
áreas e mais de 800 pessoas de público.

“Parece-me curioso que uma religião, que é vista potencialmente


como psicodélica e subversiva, proponha uma interlocução tão
íntima com o meio acadêmico e científico. Eis aí outra dimensão
que certamente renderia boa análise sociológica” (LABATE, 2009).

A religião União do Vegetal (UDV) saiu da sombra em novembro de


1995 com a grande “Conferência Internacional dos Estudos de Hoasca”. Um
dos objetivos desse congresso foi o de apresentar os resultados da pesquisa
realizada em 1993 com os membros da UDV da cidade amazônica Manaus,
desenvolvida pelo “Projeto Hoasca”, interdisciplinar e internacional.
Pretendia-se que a apresentação dos resultados mostrasse os benefícios da
participação nos rituais ayahuasqueiros realizados pela UDV para seus
membros. A estratégia adotada – apresentar os dados em uma grande
conferência no luxuoso Hotel Glória no Rio de Janeiro – teve efeitos sobre a
controversa discussão corrente no Brasil em torno das religiões
ayahuasqueiras urbanas. A discussão centrou-se no grupo CEFLURIS do
Santo Daime. A UDV desejou mostrar “a outra turma do chá: confundida
47

com o Santo Daime, a União do Vegetal sai do silencia e busca imagem


própria”. (CLODE ANON 1914 apud LABATE 2009).

4.6 BARQUINHA

4.6.1 SURGIMENTO

Daniel Pereira de Matos (Figura 11), fundador da Barquinha, nasceu


no Maranhão no dia 13 de julho de 1888, na cidade de São Luís, sendo
conterrâneo de Raimundo Irineu Serra, fundador da doutrina do Santo
Daime. Daniel participou de diversos trabalhos na Igreja de Mestre Irineu,
onde ajudou a musicar os primeiros hinos de Irineu. Em suas mirações teve
uma visão em que as portas de céu se abriam e dois anjos desciam com um
livro todo azul nas mãos, contendo sua missão espiritual de fundar uma
Doutrina cristã fundamentada na caridade. Esta revelação já havia aparecido
em duas outras oportunidades, uma delas idêntica, pois cansado e sob o
efeito do álcool, adormeceu a margem de um igarapé onde teve um sonho
que descida do céu os dois anjos que lhe entregaram um livro de cor azul e
falavam no cumprimento de uma missão. A visão do livro azul por Daniel
pode ser encarada como o primeiro ensinamento da doutrina desta religião.
Cada página deste livro foi e continua sendo instruções recebidas. Essas
mensagens ligam-se à cor do livro, o azul, representando o céu, de onde
provêm revelações de entidades santificadas. (ARAÚJO, 2005).
48

Figura 11- Daniel Pereira de Matos

Fonte: Polari (2015)

Criava canções que transmitiam preceitos e ensinamentos da doutrina


cristã, e que eram recebidas mediunicamente. Em 1957, Mestre Daniel
começou a preparar a irmandade para uma viagem que deveria fazer
brevemente, já que se encontrava a algum tempo enfermo com um problema
na garganta. Após o cumprimento de uma penitência de 90 dias, que ficou
conhecida como "Romaria dos 90 dias" e que seria uma espécie de
preparação para a "sua viagem", Daniel morre no dia 08 de setembro de
1958, no interior da casinha de feitio do daime. Com a sua primeira “morte” é
criado o Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz,
enquanto local de preparação das pessoas para a desencarnação deste
plano; a segunda “morte” foi o seu encontro com a eternidade e a
continuidade da vida para os seus seguidores. (ARAÚJO, 2005).

O trabalho espiritual de Daniel pode ser resumido na ajuda às


pessoas enfermas e necessitadas que o procuravam em busca de saúde e
de uma palavra de fé, carinho, amor e compreensão. Pelos seus serviços
prestados na Casa Franciscana, em nome da caridade e do amor ao
próximo, Daniel recebeu o título de Frei (ALVERGA, 2015).
49

4.6.2 FUNDAMENTAÇÃO RELIGIOSA

Sena (1997) faz uma longa discussão a respeito destas noções.


Propõe, para o caso da Barquinha, a ideia de uma cosmologia em
construção:

Um conjunto de práticas religiosas que tendem a formar uma


doutrina específica, onde existe uma grande velocidade na
incorporação e retirada de elementos simbólicos das práticas
religiosas ou filosóficas que, combinadas, compõem sua
cosmologia.

A Barquinha marca o reencontro de tradições europeias, indígenas e


africanas. Junta símbolos e leis Católicas com espíritas (como a umbanda e
o kardecismo) na incorporação, atos de caridade, princípios das “limpezas e
entidades”, entre outras, como mostrada na Figura 12, onde pode-se notar
tal ecletismo num altar de uma igreja da Barquinha. Assim como no Santo
Daime e na União do Vegetal, a Barquinha também possui graus de
hierarquia em sua constituição. É a linha ayahuasqueira que realiza o maior
número de performances rituais na região acreana, porém, dentre as três
religiões ayahuasqueiras brasileiras, a Barquinha é a menos estudada.
Carinhosamente chamada de “Barquinha” por seus fiéis, o intuito é navegar
em viagens rumo aos encontros divinos e celestiais, levada por encontros
com entidades divinas aquáticas, naus e caminhos para a iluminação
(ARAÚJO, 2009).
50

Figura 12- Altar em igreja da Barquinha

Fonte: Hornhardt (2015)

4.7 A LEGALIZAÇÃO DO CONSUMO DA AYAHUASCA

Para Rose e Langdon (2010), hoje, as religiões ayahuasqueiras e


também a própria Ayahuasca vêm transitando entre diferentes fronteiras
territoriais e simbólicas, contribuindo para que esta bebida se transforme
numa espécie de “panenteógeno transnacional”.

Segundo psiquiatras integrante do grupo multidisciplinar do Conselho


Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD), responsáveis pela resolução
que regulamentou o uso religioso da Ayahuasca no Brasil, há uma
importante distinção a ser feita. “Ampliar a consciência não significa ter
alucinação em seu sentido pejorativo", segundo eles, ampliar a consciência
é alcançar um estado mental que permite uma reflexão profunda,
semelhante à meditação. Já a alucinação é uma percepção alterada da
realidade (DIONATAS ULISSES DE OLIVEIRA MENEGUETTI e NAILA
FERNANDA SBSCZK PEREIRA MENEGUETTI, 2014).

Segundo José Arturo Costa Escobar (2012), a Ayahuasca é


considerada, em geral, pelos diversos grupos religiosos, como uma
substância capaz de permitir ao usuário o contato com o Divino ou dimensão
51

divina, daí retirando conhecimentos, força e luz, que permitam a evolução


material e espiritual, atuando também como modo de orientação da conduta
diária. Atualmente, a Ayahuasca emerge em um contexto mundial, tornando-
se uma das mais importantes e mais conhecidas substâncias psicodélicas
de uso ritual. Culturas que normalmente não possuíam a Ayahuasca como
elemento central de suas religiosidades passam hoje a incorporar em suas
cosmologias e rituais de cura, principalmente, a Ayahuasca. Levando a
autorização da bebida ritual, deve-se também o reconhecimento como
patrimônio cultural e histórico sendo de utilidade pública.

Motta (2013) assegura que o chá Ayahuasca é definido como uma


substância (bebida) psicoativa que segundo a Secretaria Nacional
Antidrogas (2004) é qualquer substância química, natural ou sintética,
proscrita ou não, que altera o comportamento, o humor e a cognição, agindo
preferencialmente nos neurônios, afetando o Sistema Nervoso Central.

No Brasil, a primeira política importante relativa à Ayahuasca foi


gerada em 1985 pela Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de
Medicamentos (DIMED), que classificou a Ayahuasca como uma substância
proibida (Portaria, 1985). Um Grupo de Trabalho foi em seguida proposto
pelo Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN), predecessor do
CONAD, para aprofundar o tema (Resolução, 1985). No ano seguinte, como
recomendação do Grupo de Trabalho, a Ayahuasca foi temporariamente
desclassificada como substância ilegal (Resolução, 1986). Após encontros
extensivos com as comunidades ayahuasqueiras brasileiras, o Grupo de
Trabalho, por unanimidade de votos, recomendou definitivamente a
legalização da Ayahuasca e a autorização de seu “uso ritual e religioso”.
Segundo o Relatório Final, a bebida não causa dependência química
(Relatório Final, 1987). Essas recomendações foram aprovadas em uma
reunião oficial do CONFEN (LABATE e KEVYN FEENEY, 2012).

Segundo Motta (2013), o processo de legalização teve continuidade


com a Resolução Nº 4 do Conselho Nacional Anti-Drogas (CONAD), de 4 de
novembro de 2002, que reconheceu o direito ao uso do chá em contextos
religiosos por menores de idade e grávidas, decisão essa que foi reiterada
pela Resolução nº 1/2010. Segundo a resolução, o uso da Ayahuasca por
52

menores de 18 (dezoito) anos deve permanecer como objeto de deliberação


dos pais ou responsáveis, e cabem as grávidas a responsabilidade do uso,
atendendo, permanentemente, a preservação do desenvolvimento e da
estruturação da personalidade do menor e do nascituro. Foi recomendada a
formação de um grupo multidisciplinar para definir normas de controle social
de seu uso. A Resolução n. 05 (Resolução, 2004) foi promulgada em 2004
para criar o Grupo Multidisciplinar de Trabalho sobre a Ayahuasca, mas dois
anos se passaram antes que os membros desse grupo – que incluía
integrantes do governo, pesquisadores e representantes de grupos
ayahuasqueiros – fossem eleitos. Esse grupo se reuniu periodicamente e
produziu seu Relatório Final em 2006 (Relatório Final, 2006), posteriormente
incluído na Resolução de 2010 do CONAD.

A Resolução de 2010 foi adotada como tentativa de estabelecer uma


deontologia do uso da Ayahuasca: um conjunto de regras, normas e
princípios éticos a serem seguidos, incluindo a proibição de distribuição
comercial, uso terapêutico, turismo, publicidade e o consumo de Ayahuasca
com drogas ilícitas. Foram definidas regras relativas ao transporte de
Ayahuasca e à colheita das plantas selvagens Banisteriopsis caapi e
Psychotria viridis. A Resolução recomendava que os grupos buscassem
sustentabilidade ecológica, plantando tais espécies para suprir suas
necessidades. Sob essa Resolução, a preparação, o armazenamento e o
consumo de Ayahuasca também ficam permitidos, desde que seu uso último
esteja restrito aos rituais religiosos. Outros parâmetros da Resolução
incluíam estabelecer diretrizes para aceitar novos adeptos e uma sugestão
de que os diversos grupos ligados à Ayahuasca se constituíssem como
entidades legais e se registrassem junto ao CONAD. Finalmente, a
Resolução estimulou o desenvolvimento de pesquisa científica sobre os
potenciais terapêuticos do uso da Ayahuasca (LABATE e FEENEY, 2012).

Segundo Garrido e Sabino (2009), o Relatório Final do Grupo


Multidisciplinar de Trabalho datado de 23 novembro de 2006 aprovou
determinados princípios deontológicos para o uso religioso da Ayahuasca
que se encontram resumidos abaixo:
53

a) O chá Ayahuasca é o produto da decocção do cipó Banisteriopsis


caapi e da folha Psychotria viridis e seu uso é restrito a rituais
religiosos, em locais autorizados pelas respectivas direções das
entidades usuárias, vedado o seu uso associado a substâncias
psicoativas ilícitas;
b) Não é permitida a comercialização deste chá e as espécies
vegetais utilizadas deverão ser cultivadas pela própria entidade
religiosa ou serem extraídas observando-se as normas ambientais;
c) Não é permitido o uso dos efeitos da Ayahuasca como forma de
atração turística ou de propaganda de suas propriedades;
d) Não é permitida também a associação dos efeitos da Ayahuasca
ao curandeirismo e os grupos que fazem o uso deste chá para fins
religiosos devem se constituir em organizações jurídicas;
e) A entidade religiosa responsável pela administração do chá aos
seus adeptos também ficará responsável pelo controle de novos
adeptos à prática religiosa e deve evitar o ingresso de pessoas
com histórico de transtornos mentais, bem como a pessoas sob
efeito de bebidas alcoólicas ou outras substâncias psicoativas.
Estas pessoas serão esclarecidas sobre o ritual religioso,
cadastradas e seus dados arquivados pela entidade religiosa;
f) Os relacionamentos institucional, religioso ou social que venham a
ocorrer entre os adeptos, em qualquer instância, devem zelar pela
ética e pelo respeito mútuo

A substância N, N-dimetiltriptamina (DMT), presente no chá de Santo


Daime, encontra-se na Lista F2 (Lista das Substâncias Psicotrópicas de Uso
Proscrito no Brasil).

Na Europa, assim como nos EUA, estabelecer o caráter


legitimamente religioso de práticas e crenças é somente o primeiro passo
para um grupo. Em 1999, na França, foram feitas acusações de tráfico de
DMT contra uma vertente do Santo Daime. As acusações foram retiradas em
2005, após a corte determinar que produtos naturais contendo DMT não
eram proibidos pela lei francesa. Em resposta a isso, o governo francês
54

rapidamente aprovou uma resolução proibindo a Ayahuasca e as plantas


que a compõem. Não se sabe se o Santo Daime conseguirá proteção
religiosa pela nova lei, já que a França tem uma rigorosa legislação “anti-
seitas”, a lei “About-Picard Law”, a partir da qual o uso da Ayahuasca pode
ser considerado prática ilegítima, e portanto, fora da alçada da lei. Em 2010,
o grupo em questão no sudoeste da Inglaterra sofreu dois ataques policiais.
A Ayahuasca foi confiscada e vários membros da Igreja foram presos sob a
suspeita de tráfico de DMT. O desenrolar de casos como esses depende,
entre outros aspectos, se as atividades dessas igrejas vão ou não ser
reconhecidas como legítimas atividades religiosas fora do Brasil (LABATE e
FEENEY, 2012).

4.7.1 CONTROVÉRSIAS

Para Motta (2013), a liberação da Ayahuasca para uso em rituais


religiosos no Brasil representou liberdade de culto e um aumento
significativo do número de adeptos do chá. No entanto, o seu uso ultrapassa
práticas religiosas e tem sido usado para fins recreativos por pessoas que
procuram apenas os efeitos psicodélicos da infusão.

Brocanelo e Gentil (2009) dizem que em função desta expansão, as


seitas que fazem o uso da Hoasca tornaram-se alvo dos meios de
comunicação que, na maioria das vezes, trataram o tema de forma
estereotipada como “chá alucinógeno”, “droga”, “chá da loucura”. Assim,
passaram para a população informações distorcidas e preconceituosas.

São múltiplas as ameaças que se apresentam para o caso específico


do piemonte sul-americano, como dito por Zualaga (2009):
a) Abusos na aplicação dos Direitos de Propriedade Intelectual por
parte de centros científicos, universitários ou industriais;
b) Comércio ilegal ou indiscriminado de plantas medicinais e em
especial da Ayahuasca, sem considerar o grave perigo de extinção
da espécie;
55

c) O novo “boom” da Ayahuasca, das plantas psicotrópicas em geral e


do movimento neoxamânico, do esoterismo, dos cursos curtos de
xamanismo prático;
d) Ayahuasca à domicílio por internet, aumento de charlatães e
“pseudo-xamãs”;
e) O iminente perigo de uma legislação internacional que declare a
Ayahuasca como planta narcótica e ilícita, de cultivo, uso e
comercialização proibida.
Atualmente, a expansão do uso da Ayahuasca extrapola os limites de
seu uso com fins religiosos ocorrendo mais significativamente na Europa e
Américas. Tal fato parece estar relacionado, ao menos em parte, com a
facilidade de aquisição de pacotes turísticos por clientela que, ávida por
experiências novas, se aventuram em expedições nas florestas, onde são
convidados a experimentar a bebida em rituais. O uso do chá também
cresce em situações não-ritualísticas, como por exemplo, a título de
experiências terapêuticas e o uso ilícito, onde se encontra um comércio 5
intenso e lucrativo com ofertas na internet e jornais. Uma busca na internet
com o terno "vendo chá Ayahuasca" no buscador Google realizada em 16 de
janeiro de 2013 retornou 105.000 resultados, incluindo uma oferta do chá por
80 reais (MOTTA, 2013). A Figura 13 demonstra resultados da mesma
pesquisa realizada na página online da empresa Mercado Livre.
Segundo Balzer (2009), a comercialização da religião é o fator
principal responsável pela falha na transposição e não a bebida em si.

Figura 13- Ayahuasca à venda na Internet por R$ 350,00

Fonte: Mercado Livre


56

4.8 FISIOLOGIA DA AYAHUASCA

4.8.1 ENTEÓGENO

Segundo Escobar (2012), a Ayahuasca e substâncias análogas como


o LSD, mescalina, psilocibina e ergotamina, entre outras, tem sido tratadas
pelo senso comum como substâncias alucinógenas. Entretanto, tal termo
parece inadequado para a plena caracterização da experiência mental com
essas substâncias, e a ciência, em um esforço de maior compreensão, tem
proposto a utilização de outros termos, buscando abarcar outras dimensões
emergentes na experiência psicodélica. Depois de alucinógeno, o termo
psicodélico (manifestante mental, manifestante da alma/espírito) parece ser
o termo de maior preferência no campo. O termo foi uma alternativa de
caracterizar os efeitos incomuns dessas substâncias no funcionamento da
consciência. As substâncias como Ayahuasca e similares também tem sido
reconhecidas como enteógenos (do grego, entheos: deus dentro; gen:
tornar-se), e de fato, muitos dos indivíduos que buscam experimentá-las,
mesmo em contextos não religiosos, obtém experiências místicas ou
espiritualizadas, ou que apresentam um caráter numinoso. O uso do termo
enteógenos tem sido geralmente utilizado de modo mais restrito em estudos
de cunho antropológico e social. O argumento básico nestes estudos é a
observação do uso da substância com fins divinos, isto é, com a aceitação
ontológica da dualidade de mundos daqueles que praticam o uso em um
contexto religioso estrutural, permitindo a comunicação com dimensões
divinas ou com Deus.

Para P. A. de Souza (2011) muitos alcaloides que atuam no Sistema


Nervoso Central são considerados alucinógenos. No entanto, o neologismo
criado por muitos pesquisadores do assunto os chamam de enteógenos, “o
que gera experiência interna do divino”. Tal termo tem sido usado para
desviar os preconceitos que a palavra alucinógeno carrega associado ao
perjúrio de que o chá em si seria apenas um veículo gerador de estados de
perturbações mentais e psicopatológicos. Segundo cientistas notórios no
assunto as propriedades psicotrópicas da Ayahuasca não podem ser
consideradas apenas “alucinógenas” ou simplesmente psicodélicas. O termo
57

psicomimético ou psicodisléptico, que “imita a loucura”, tampouco dá ideia


dos efeitos da bebida.

Tem-se utilizado o termo psicointegrador, buscando evidenciar


características positivas da experiência psicodélica, no sentido de que esta
permite a integração e rearranjo simbólico de conteúdos no sistema
consciente, promovendo mudanças e transformações positivas do
comportamento. Surge como uma necessidade de integrar as diversas
características dos efeitos dos psicodélicos (espirituais, transpessoais,
afetivas, cognitivas, psicotomiméticas e psicoterapêutica) sob a perspectiva
neurológica e neurofenomenológica (ESCOBAR, 2012).

Para Couto (2009), considerar a Ayahuasca apenas como droga é


estar cego para uma série de componentes sociossimbólicos que
fundamentam o seu uso e trabalham conscientemente com esse potencial
tóxico-psicótico. Para a antropologia há pouca significância o fato da bebida
ser considerada tóxica ou não, visto que as tradições culturais engendradas
pelo seu uso, e que ao mesmo tempo o orientam, não apresentam estados
de anomia ou patologia social. O autor ainda assinala que “Prefiro utilizar a
palavra enteógeno para referir-me à Ayahuasca.”

4.8.2 SENSAÇÕES E PERCEPÇÕES

Segundo Motta (2013) os efeitos somáticos do chá de Ayahuasca


aparecem entre 15 e 30 minutos, os psicológicos entre 30 e 60 minutos,
ambos com atuação máxima entre 60 e 120 minutos após a ingestão. Os
efeitos somáticos e psíquicos estão diretamente relacionados à pré-
disposição fisiológica do indivíduo, dose e composição do chá (alcalóides e
DMT).

Apesar da potência da dose ou da concentração das preparações, há


sujeitos que são refratários à Ayahuasca e, ainda que de maneira
inexplicável, não chegam nunca aos seus efeitos. No entanto, é possível,
58

entre jovens adolescentes e sujeitos imaturos, observar efeitos totalmente


brutais (MABIT apud LABATE e ARAÚJO, 2009).

Segundo Maria Cristina Pelaez (2009) apud Michael Winkelman


(1986) há três fatores condicionantes da experiência psicodélica: 1) fatores
neurofisiológicos, 2) set e 3) setting. O primeiro refere-se ao tipo de agente
consumido e a sua ação sobre o organismo. O set se refere às
características psicológicas do sujeito e as suas atitudes em relação à
experiência. O setting refere-se ao entorno social e cultural que organizará a
experiência.

Entre alguns dos efeitos agudos descritos na literatura estão as


alterações de pensamento com mudanças na percepção de tempo, de
cores, de luminosidade e de realidade; alterações da memória, emergência
de conteúdos e da criatividade imaginativa; déficits de atenção e focalização
da atenção, atenção incomum em pequenos detalhes ou grandes conceitos;
mudanças no significado de conceitos e palavras ou significância das
experiências; letargia e dificuldades no autocontrole; sensações corporais
incomuns, alternâncias entre sensações de frio e calor (de nome “tremor do
cão molhado, para a psiquiatria); estado de embriaguez; aumento de
introspecção; alucinações visuais de olhos fechados, enredos, estórias,
encontros com entidades, padrões coloridos ou mandalas, prazerosos ou
terrificantes; sinestesia (mistura dos sentidos sensoriais, por exemplo, sentir
o cheiro de uma cor); euforia e felicidade; regressão, vivências físicas e
psicológicas de traumas, eventos da biografia em geral; amplificação dos
sentidos, principalmente visuais, auditivos e táteis; experiência de qualidade
noética; experiências transpessoais; dificuldade de concentração; dificuldade
de comunicação; e, paranoia, medo e pânico. É importante dispor que esses
efeitos são dependentes da dosagem, da experiência do participante em
consumir tais substâncias, do estado psicológico no momento do uso ou da
preparação prévia à experiência (set) e também dos aspectos ambientais e
contexto de uso (ESCOBAR e ROAZZI, 2010).

Os efeitos físicos observados por Motta (2013) incluem palidez,


sudorese, midríase, salivação, náuseas, vômitos, diarreia, hipertensão,
59

palpitação, taquicardia, tremores, excitação e alteração na temperatura


corpórea.

Paulo César Ribeiro Barbosa e Paulo Dalgalarrondo (2003) realizaram


um mapeamento fenomenológico dos estados alterados de consciência
induzidos pelo uso ritual da Ayahuasca em um grupo de 27 pessoas.
Segundo a pesquisa, os pacientes observados relataram:

a) Fenômenos visuais – Dezoito sujeitos (64,3%) relataram


experiências visuais extraordinárias, envolvendo luzes
caleidoscópicas, figuras geométricas, túneis, figuras animais,
humanas e de seres sobrenaturais. Frequentemente, tais
experiências visuais propiciavam intenso gozo estético: “(...) como
se fossem rios que corriam simetricamente, uma abóbada grande
(...) cores, reflexos”.
b) Paz – Quinze sujeitos (57,1%) relataram vivências de paz e
relaxamento. Chama especial atenção a prevalência de 88,9% (oito
sujeitos) desta vivência no grupo da UDV em relação aos 42,1%
(sete sujeitos) do grupo do Santo Daime.
c) Numinosidade – Foram identificados em 12 sujeitos (42,9%)
elementos coerentes com o que tem sido descrito como o
numinoso, ou seja, o sentimento singular típico da experiência
religiosa, que envolve fascinação e terror decorrentes da
percepção da presença de uma instância ascendente e poderosa.
Chama a atenção aqui a prevalência de 52,6% (dez em 19 sujeitos)
no grupo do Santo Daime em relação à prevalência de 22,2% (dois
em nove sujeitos) no grupo da UDV: “Me senti em contato com algo
que sempre existiu (...) muito antigo, muito maior, muito mais vasto,
uma presença de algo ancestral, muito sábio, muito forte, além do
humano”.
d) Insights – Onze sujeitos (39,3%) referiram a ocorrência
compreensões repentinas sobre seus próprios comportamentos ou
sobre sua situação no mundo: “Pensei muito sobre meus
relacionamentos com namorados, desde quando eu tinha uns 17
anos (...) E de repente eu comecei a avaliar o meu comportamento
60

e vi que era parecido com todos eles (...) Me mostrou que eu sou
uma pessoa muito autoritária, muito exigente”. Em alguns relatos
constata-se intensa fascinação decorrente dos insights, aos quais
os sujeitos atribuem significações extraordinariamente profundas:
“Eu estava pensando na minha ex-namorada (...) ‘Meu Deus, eu
sofro tanto por causa desta mulher, eu amo ela tanto’. E aí o
pensamento me veio: ‘O amor por ela não me faz sofrer; o que me
faz sofrer é a falta de amor por mim’. Achei um pensamento
fantástico”.

Várias outras experiências foram mencionadas como indicadores da


transição de um estado normal para um estado alterado de consciência:
experiências de despersonalização/dissociação diversas, tais como uma
vivência de desdobramento em que o sujeito era objeto de influxo de
intensas experiências concomitantemente à posição de expectador passivo
de si mesmo (um sujeito; 3,6%) e vivências em que se sentia a separação
entre consciência e corpo (seis sujeitos; 21,4%); alterações em percepções
auditivas, como vozes que falavam ao sujeito (cinco sujeitos; 17,6%), e
proprioceptivas, como sensações de leveza e flutuação (11 sujeitos; 39,3%);
e vivências de dilatação e/ou condensação no senso de passagem do tempo
(nove sujeitos; 32,1%).

Já para Mabit (2009), as visões que se tem como efeitos mentais


podem produzir diversos tipos de imagens:

a) Imagens abstratas com formas e cores às vezes muito elaboradas


e nunca vistas pelo sujeito;
b) Imagens antropomórficas de personagens de aparências realistas
ou fantásticas (anões, gigantes, pessoas sem cabeça, monstros,
anjos etc.);
c) Natureza animada: qualquer objeto, mineral, vegetal ou animal
dentro ou fora do campo visual é suscetível de animar-se
mentalmente;
d) Visões ontológicas referidas ao passado, ao futuro, à constelação
afetiva, ao próprio universo do paciente;
61

e) Visões filogenéticas que pertencem à coletividade, à sociedade, à


natureza humana;
f) Visões cosmológicas;
g) Visões demoníacas ou celestiais, místicas, entre outras.
h) Segundo ela, a visão não somente abarca o domínio visual, mas
pode integrar os outros sentidos:
i) Percepções auditivas (vozes, música, explosões);
j) Percepções estéticas, percepção de contato sobre o corpo, por
exemplo de modificação do rosto;
k) Percepções olfativas: odores intensos, nauseabundos ou muito
agradáveis;
l) Percepções cruzadas: um som visto em cores, um odor percebido
como uma forma, um sabor sentido de modo tátil;
m) Percepções “gerais”: o sujeito percebe a sensação de “presenças”
benéficas ou malévolas, de ambientes, de atmosfera com caráter
frequentemente indefinível que classificamos como sensações de
“estranheza”.

Segundo os consumidores da bebida ritual, citados pelo mesmo autor,


a qualificação das percepções vem a ser um desafio, pois ao pô-las em
forma verbal, geralmente é percebida como redutora do vivido.

Souza (2011) afirma que o vômito e a diarreia são encarados como


um “merecimento” na limpeza do corpo e do espírito. Para os seguidores de
religiões sincréticas ayahuasqueiras, tais efeitos fisiológicos são
interpretados como uma manifestação de que o “ser divino da floresta” -
alusão ao chá Ayahuasca - propiciaria ao usuário uma forma de limpeza
gradual do corpo e do espírito. As impurezas da alma, nosso emocional mal
resolvido e mesmo doenças físicas seriam expurgadas. A “peia” é entendida
como a "surra" aplicada pela própria Ayahuasca, pois, qualquer sofrimento
vivenciado é limpo, como uma purificação física, moral e espiritual.

4.8.3 COMPOSIÇÕES E FUNCIONAMENTO


62

Segundo Rafael Guimarães dos Santos (2007), a DMT (Figura 14) é


uma substância presente em raízes, caules e folhas de diversas plantas.
Também está presente em tecidos de mamíferos, animais marinhos e
anfíbios. Em humanos, está no sangue, urina e fluido cérebro-espinhal, ou
seja, é uma substância endógena. A despeito de ser psicoativo altamente
potente, quando a DMT é ingerida isoladamente por via oral, mesmo em
doses de até 1000 mg, não produz tais efeitos, pela metabolização realizada
pela MAO (monoamino oxidase) hepática e intestinal.

Pires et. al (2010) assinala que a DMT, quando administrada pela via
pulmonar (fumada) ou pela via intravenosa, é capaz de produzir efeitos
alucinógenos, quase imediatos. Uma simples inalação produz de cinco a dez
minutos de “viagem”, que dura em torno de 30 minutos, caracterizada por
alucinações multicoloridas. Não há estudos sobre a toxicologia ou a cinética
da DMT fumada. Já para a forma injetável, com doses de 0,2 a 0,4 mg/kg,
observa-se instantaneamente o aparecimento de náuseas, vômitos,
taquicardia e de efeitos subjetivos tais como alterações do estado emocional
e afetivo, modificação da sensação de tempo e das sensações do próprio
corpo, sinestesia, medo e insônia.

Figura 14- Molécula DMT

Fonte: National Center for Biotechnology Information

O cipó Banisteriopsis caapi (Figura 16), da família Malpighiaceae,


contêm os alcalóides beta-carbolina harmina (HRM), harmalina (HRL) e
tetrahidroharmalina (THH) (Figura 15). A harmina e a harmalina possuem a
63

capacidade de inibir reversivelmente a enzima monoamino oxidase (MAO),


que desamina preferencialmente, a noradrenalina e a serotonina, mas
também a dopamina. A tetrahidroharmalina tem a capacidade de inibir a
recaptação de serotonina, além de inibir a MAO. A ação conjunta destes
mecanismos eleva os níveis de noradrenalina, serotonina e de dopamina na
fenda sináptica. A planta Psycotria viridis, da família Rubiaceae, contém o
alcalóide indólico N, N-dimetiltriptamina (DMT), substância de estrutura
molecular semelhante ao neurotransmissor serotonina (5-HT). O DMT,
composto endógeno também metabolizado pelo MAO, sendo um potente
alucinógeno, apresenta ação agonista sobre os receptores de serotonina,
principalmente do subtipo 5-HT2. A ingestão de DMT gera altera a
percepção da realidade com novas imagens mentais complexas (MOTTA,
2013).

Figura 15- Alcaloides Beta Carbolina

Fonte: Sérpico e Camurça (2006)


64

Figura 16- Banisteriopsis Caapi

Fonte: Sérpico e Camurça (2006)


Segundo Glaucus de Souza Brito apud Labate e Araújo (2009), da
mesma forma, o uso de diferentes espécies da Psychotria viridis (Figura 17),
que é a espécie mais comumente usada, produz um tipo de experiência
mais alucinogênicas e do tipo “visionária”, diferente da que produz a P.
carthagenensis, enquanto que a P. leiocarpa é aparentemente similar à P.
viridis nos efeitos produzidos.

Figura 17- Psychotria Viridis

Fonte: Sérpico e Camurça (2006)

Segundo Souza (2011), com a inibição temporária da atividade da


monoaminoxidase (MAO-A e MAO-B), dada pelos alcaloides beta-
carbolínicos agonistas serotoninérgicos indiretos, eleva-se os níveis do
alcaloide DMT após atravessar a barreira hematoencefálica de nosso
cérebro. Ao ter espaço livre para agir, com a MAO temporariamente fora do
caminho pelo excesso de beta-carbolinas presentes, a DMT passará a atuar
nos neurônios ligando-se a eles em locais próprios chamados de receptores.
65

Neste caso específico, nos receptores serotoninérgicos 5-HT1A ,5-HT2A e


5-HT2C em que comumente a serotonina (5-HT) (Figura 18) - o mais
importante dos neurotransmissores de nosso estado de humor - se ligaria se
não tivesse a DMT em seu caminho como competidora. Isto resultará numa
cascata de efeitos neuroquímicos que irão alterar os padrões normais de
nossa percepção, sobre aquilo que comumente compreendemos como
sendo “realidade”.

Figura 18- Molécula Serotonina

Fonte: Meldau (2006)

Um estudo feito por Santos (2007) demonstrou que a DMT possui


efeito agonista para receptores semelhante ao da própria serotonina, assim,
aumentando os níveis de serotonina no cérebro. A tetrahidroharmina possui
capacidade de inibir a recaptação de serotonina, além de inibir a MAO. A
inibição da recaptação de serotonina prolonga a meia-vida da DMT.

Para Pires et al. (2010), os neurônios serotoninérgicos cerebrais estão


envolvidos em diversas funções fisiológicas tais como sono, humor, sensação
de dor, controle da temperatura e regulação da pressão arterial e em
condições patológicas, tais como enxaqueca, ansiedade e depressão. No
sistema cardiovascular, os principais efeitos são contração do músculo liso e
potente vasoconstrição, que justifica possíveis aumentos na pressão arterial,
devido ao aumento na resistência periférica
66

Alguns antidepressivos (Prozac, Zoloft, Effexor, Paxil, Welbutrin, por


exemplo), possuem a característica de inibir a recaptação de serotonina no
botão sináptico. Pessoas sob tratamento de psicopatologias como a
depressão e/ou desordens-obsessivo-compulsivas, são aconselhadas a não
ingerirem alimentos e bebidas ricos em tiramina (substância que se
metabolizará em triptamina) pois a inibição da recaptação de serotonina
juntamente com a inibição da MAO pelos alcaloides da Ayahuasca (beta-
carbolinas), causaria uma “síndrome serotoninérgica”. Os sintomas típicos
são: euforia inicial seguida de tremores, convulsões e perda da consciência.
Ingestão destes alimentos/bebidas e/ou o fato do indivíduo estar sob
tratamento com algum inibidor de recaptação de serotonina/ antidepressivo
não são práticas aconselhadas para aqueles que desejam experimentar a
Ayahuasca (GUIMARÃES, 2004).

Motta (2013) relata que o uso do chá pode levar a desidratação e


descompensação eletrolítica, por conta das náuseas, vômitos e diarreia,
efeitos que podem estar associados à ação no receptor de serotonina. Os
sintomas podem ser agravados em doses altas, além de estimulações,
levando também a uma síndrome serotoninérgica.

Já Souza (2011) assinala que há evidências farmacológicas que


sugerem que a causa do ato de vomitar tanto quanto a intensa diarreia pelo
aumento da motilidade intestinal, nada mais seria que o resultado da inibição
temporária da atividade metabólica da MAO pelos alcaloides beta-
carbolinas.

Estudos realizados em camundongos mostram que as beta-carbolinas


(especificamente o alcaloide harmala) produzem efeitos na temperatura
corpórea e na função motora, aumentando a intensidade de tremores de
forma dose-dependente, efeitos que parecem envolver mecanismos
serotoninérgicos, noradrenérgicos, entre outros (PIRES et al., 2010).

Já Santos (2004) defende que o chá produz, além da hipotermia, uma


hipertermia dose-dependente causada pela DMT.

Segundo Souza (2011), os alcaloides harmina e harmalina em doses


elevadas podem apresentar perigosos efeitos de intoxicação. Em baixas
67

doses, no entanto, atuam como excelentes tranquilizantes, antioxidantes e


sedativos.

Meneguetti e Pereira (2014) sustentam a hipótese de que os


princípios ativos presentes em uma dose comum de Ayahuasca nas
cerimônias religiosas estariam muito abaixo do limiar de uma dose com
efeitos tóxicos, não sendo confirmada qualquer morte como impacto da
psicose diretamente atribuída ao uso da Ayahuasca. Os autores ainda
afirmam que estudos em Rattus norvegicus demonstraram que o chá é
aparentemente uma bebida inócua dos pontos de vista psicofisiológico e
toxicológico.

Em contraposição, Escobar e Roazzi (2010) relatam efeitos pós-uso


do chá: dentre os mais divulgados e raros se encontram as psicoses
persistentes alucinógeno-induzida e distúrbio persistente de percepção
alucinogênica, ambos apresentando persistência de aspectos agudos
específicos da experiência por longos períodos de tempo.

Caroline Godois (2016) afirma que o uso indevido e crônico de


Ayahuasca também está relacionado com o aumento da concentração de
dopamina no cérebro de usuários, podendo causar ou desencadear surtos
esquizofrênicos e possível desenvolvimento da doença quando existem
outros fatores de pré-disposição.

Um estudo conduzido por J. A. Pomilio et al. (1999) encontrou níveis


muito semelhantes de DMT na urina de usuários do chá de Ayahuasca e de
pacientes não medicados com esquizofrenia aguda, o que pode indicar que
o chá de Ayahuasca reproduz a condição patológica da doença.

Apesar de serem ainda em muito controversas e sustentadas apenas


por hipóteses, alguns pesquisadores após constatarem a presença de
moléculas como a DMT, a bufotenina e a 5-MeO-DMT na urina de pacientes
esquizofrênicos, passaram a correlacionar esta doença mental com estas
moléculas alucinógenas (SOUZA, 2011).

Dessa forma, Escobar e Roazzi (2010) asseguram que não é


recomendado pacientes com hipertensão ou problemas cardiovasculares,
68

nem pessoas com parentesco de 1º e 2º graus de esquizofrenia, ou ainda


pessoas com estado psicológico vulnerável consumirem o chá Ayahuasca.
Os mesmos autores assinalam a segurança orgânica e psíquica da
administração dessas substâncias em pessoas saudáveis. Demonstram que
a Ayahuasca não promove adição, nem apresenta o fenômeno de tolerância
química, nem alterações importantes de diversos fatores bioquímicos,
hormonais, hepáticos e renais.

Em estudos realizados por Santos (2004), observou-se que a


Ayahuasca, assim como a DMT (administração intravenosa), causam
aumento na liberação de alguns hormônios como a corticotropina, prolactina,
cortisol e hormônio do crescimento, mas não influencia na melatonina, sendo
que os níveis destes hormônios voltam ao normal 6 horas após a ingestão
do chá, o que colabora para as várias evidências de que a Ayahuasca,
utilizada em contextos rituais ou hospitalares, não causa mal, já que o
aumento por um longo espaço de tempo de alguns dos hormônios citados,
como o cortisol, também chamado do “hormônio do estresse”, e que seria
prejudicial ao ser humano, não ocorre.

Do ponto de vista farmacológico visto por Guimarães (2007),


a Ayahuasca parece não produzir dependência fisiológica, nem induzir
mudanças corporais crônicas capazes de desencadear tolerância. A DMT é
essencialmente não-tóxica para os órgãos do corpo e não produz
dependência fisiológica ou comportamentos associados com a dependência.

No estudo conduzido por Ragan Callaway et al. (1994), observou-se


que há alguma tolerância que pode ser desenvolvida com o uso regular do
chá, sendo que podem ocorrer alterações nos níveis de neurotransmissores,
principalmente da serotonina.

Após determinados estudos com consumidores do chá, Mabit (2009)


sublinha que não há nenhuma dependência causada pela Ayahuasca,
qualquer que seja o sujeito e seu estado físico ou emocional. A autora ainda
assinala:

“Ninguém pôde nos falar de algum estado de crise de privação.


Nós mesmos interrompemos sessões durante vários meses sem
experimentar síndrome de abstinência. Este dado pode ser
69

considerado como um fato comprovado. Não encontramos


exceção alguma entre os curandeiros e pacientes entrevistados e
observados clinicamente”.

Estudos para determinar a toxicidade letal do chá da Ayahuasca e


seus componentes bioativos são escassos na literatura. A dose letal aguda
da Ayahuasca em humanos seria de aproximadamente de 20 a 50 vezes a
dose usada durante a cerimônia religiosa (MOTTA, 2013).

Souza (2011) relata que, em muitos casos, o aumento de uma dose


irá afetar outros alvos que não o principal, e levar aos efeitos colaterais dos
mais diversos, como quadros de intoxicação aguda, por exemplo. Este
quadro pode ser caracterizado por agitação, às vezes, com fenômenos
convulsivos seguidos de coma, depressão respiratória e circulatória
(síndrome serotoninérgica). Graves arritmias cardíacas podem ser
potencializadas e levar cardiopatas à morte fulminante, caso venham a
beber o chá em quantidade muito grande. O autor ainda assinala que a
predisposição de fatores genéticos para uma psicose é um fator importante
quando se considera o perigo de desencadeamento de surtos psicóticos
para quem fizer uso desse chá. O indivíduo poderá ser conduzido à estado
mental e emocional de êxtase, narcose onírica, visões do próprio self e
visualizações psicodélicas das mais diversas. Será no sistema límbico do
Sistema Nervoso Central, o principal centro cerebral de nossas emoções,
que este chá poderá, entre outras funções, resultar em ação terapêutica
antidepressiva.

Thábata Barros de Sá Teles (2016) levanta hipóteses científicas que


evidenciam que moléculas endógenas do tipo beta-carbolinas e indólicas
como a DMT e melatonina, estejam intrinsicamente relacionadas aos ciclos
regulatórios do sono e aos estados de ondas mentais mais profundas de
nosso cérebro. Tanto as moléculas beta-carbolínicas quanto as indólicas
produzidas pela glândula pineal, e presentes no chá, podem ser as
responsáveis pela formação de imagens nos sonhos, quando dormimos.
70

4.8.4 AYAHUASCA PARA GESTANTES

Num estudo conduzidos com ratos, Motta (2013) concluiu que existe
um risco de toxicidade materna e de desenvolvimento fetal devido a
exposição à Ayahuasca e que este efeito parece ser dose dependente. Os
resultados do estudo revelam que a administração pré-natal do chá de
Ayahuasca causou toxicidade materna nas maiores doses de tratamento que
culminaram com as mortes de alguns animais. No estudo, percebeu-se
retardo de crescimento intrauterino e indução a malformações. Obteve-se
redução no número de fetos vivos, redução de peso corporal fetal e peso de
órgãos fetais e malformações viscerais. Motta concluiu que o tratamento
com o chá de Ayahuasca nas condições para gestantes induz a toxicidade
fetal. Porém, alguns toxicologistas acreditam que, em doses suficientemente
altas para produzir acentuada toxicidade materna, praticamente todas as
substâncias são capazes de afetar adversamente o desenvolvimento
embriofetal.

Oliveira et al. (2010) também realizaram um estudo com


administração de Ayahuasca em ratas prenhes do 6° ao 20° dia gestacional.
Esses autores não encontraram qualquer sinal de toxicidade materna e
todos os animais sobreviveram até o dia da eutanásia nas diferentes doses
do tratamento.

Santos (2010), questionou as conclusões dos autores, argumentando


que as altas doses usadas desses estudos não refletem uma exposição
humana real, indicando a necessidade de estudos adicionais para esclarecer
estes riscos.

4.9 EFEITOS PSICOLÓGICOS DA AYAHUASCA

Segundo Zualaga apud Labate e Araújo (2009), desde tempos


imemoriais em todas as culturas, tem-se explorado diversas possibilidades
de produzir alterações de consciência. A busca do transe parece ser uma
71

constante do chamado Homo sapiens. É próprio das diferentes tradições


religiosas promover um transe através de mecanismos endógenos: oração,
mantras, meditação, jejuns, vigília, mortificação, exercícios corporais,
respiração, entre outros. Estas práticas ascéticas buscam uma comunicação
com a realidade espiritual e uma alteração de consciência para perceber de
modo diferente a realidade material. No xamanismo, o transe se converte no
objetivo mais importante, feito através de mecanismos exógenos, no
consumo de plantas e bebidas denominadas enteógenas.

Para Escobar e Roazzi (2010), a Ayahuasca é entendida como uma


bebida capaz de manifestar a divindade interior, permitindo o contato com a
espiritualidade ou com alguma manifestação de um senso divino interior.

A Ayahuasca, em uso ritual, permite a reflexão sobre aspectos ligados


à própria formação da personalidade, sobre conhecimentos de si, e do
mundo, podendo desse modo, ser entendida como uma experiência
promotora de processos autoconscientes e meta-autoconscientes. Muitas
vezes as experiências podem ser classificadas como místicas, de intenso
significado pessoal e espiritual. Extensamente na literatura essa
característica tem sido explorada e investigada, principalmente com os
aspectos que se correlacionam com as possíveis propriedades
psicoterapêuticas de tal substância mediante transformações na
consciência. A experiência espiritual tem sido indicada como um dos fatores
mais importantes na transformação pessoal, inclusive no abandono de
drogas de abuso. A Ayahuasca é um importante agente de experiências
místicas e/ou religiosas, e tem sido empregada direta e indiretamente no
tratamento do abuso de substâncias entorpecentes (LABATE, 2009).

Segundo Souza (2011), é notório que estados alterados de


consciência promovam alterações significativas em nossas emoções e
percepção da “realidade”. Muitas vezes, pelo indivíduo ser colocado em
contato com os níveis mais profundos da personalidade, vira a razão pelo
qual os torna pouco requisitados quando comparados a drogas estimulantes
como cocaína, heroína, álcool e anfetaminas. Entretanto, o nível de
estruturação sócio familiar, o contexto no qual este indivíduo teve a
experiência, a história pessoal e o grau de vulnerabilidade física e emocional
72

de cada indivíduo são elementos importantes durante as crises que possam


se manifestar. E assim, interferir no aproveitamento da experiência enquanto
oportunidade para o “resgate” de valores de conduta do indivíduo na
sociedade a que pertence.

Barbosa e Dalgalarrondo (2003) citam pontos que, em estudo


realizado, levam o consumidores de Ayahuasca buscarem por seus efeitos
incialmente:

a) Autoconhecimento- alguns sujeitos alegaram a perspectiva de


autoconhecimento como razão para experimentar a Ayahuasca.
Além de referências à busca ou à perspectiva de
autoconhecimento, esta dimensão também é composta de
alegações como perspectiva de conhecimento interior e encontro
consigo mesmo.
b) Busca pelo despertar de potenciais espirituais/psicológicos– é uma
dimensão que engloba expectativas de que a experiência com a
Ayahuasca poderia desvendar capacidades ou atributos latentes
dos sujeitos que seriam imperceptíveis em estados comuns. Tais
capacidades teriam um caráter transcendente, sobrenatural, sendo
expressas em termos de expansão da consciência e percepção de
outras dimensões.
c) Curiosidade – curiosidade em experimentar os efeitos da
Ayahuasca aparece também
d) Busca de mais equilíbrio- não envolvem estressores específicos;
trata-se antes de uma perspectiva de bem-estar genérico ou
melhora geral no modo de ser
e) Necessidade de participação em um grupo religioso
f) Respostas a questões existenciais biográficas

Segundo Rose e Langdon (2010), psicoterapeutas, etnofarmacólogos,


antropólogos e outros têm argumentado sobre os benefícios de estados
alterados de consciência, afirmando que os enteógenos funcionam para a
liberação da mente e a integração da psique, e não para sua desintegração,
73

como previamente sugerido por termos como psicotomiméticos ou


alucinógenos.

A importância terapêutica dessas substâncias reside na capacidade


de permitir com que os conteúdos da biografia pessoal e os sistemas
simbólicos que regem o funcionamento comportamental sejam novamente
vivenciadas durante o estado de consciência alterada, identificadas às
incoerências do ponto de vista individual, e assim reintegradas como um
novo sistema simbólico de referência (ESCOBAR e ROAZZI, 2010).

Meneguetti e Meneguetti (2014) relatam que o usuário de Ayahuasca


pode vivenciar percepções sensoriais, permanecendo consciente de que
está sob efeito da bebida, mantendo controle de suas ações. Os
consumidores do chá descrevem uma capacidade de maior compreensão de
aspectos espirituais relativos à sua própria vida.

A alteração da consciência humana é, em vários aspectos, benéfica


ao sistema, produzindo uma integração dos conteúdos inconscientes,
reprimidos, à consciência, sendo de novo reprogramados, com
consequentes efeitos no comportamento e pensamento. É através do
desbalanço neuroquímico, mediante técnicas específicas, que a consciência
pode ser alterada, e a partir daí, memórias reprimidas podem emergir ao
campo consciente, e, através de processos de catarse e ab-reação, serem
reintegrados e resolvidos. Tais modificações possuem impacto positivo
sobre o comportamento cotidiano, ou seja, atuando sob o status funcional
individual ao qual nós humanos habitamos diariamente, na maior parte do
tempo (ESCOBAR, 2012).

Rose e Langdon (2010) afirmam que a Ayahuasca também tem


grande papel de funcionalidade no quesito consistente a um “resgate” ou
“revitalização” cultural. Podemos citar a Aldeia de Águas Claras, como já
vista anteriormente neste trabalho.

Se observa elevados índices de espiritualidade entre aqueles que


experienciam os efeitos da Ayahuasca, casos de superação de dependência
química, principalmente alcoolismo e aos derivados de coca (ESCOBAR E
ROAZZI, 2010).
74

Um dos primeiros estudos de investigação biomédica da Ayahuasca


foi conduzido na Amazônia brasileira durante o verão de 1993, onde todos
os examinados com envolvimento anterior com álcool, alcançaram a
completa abstinência. Além disto, foram bastante enfáticos quanto a
transformações radicais no seu comportamento, atitudes em relação aos
outros e visão da vida. O abandono do vício alcoólico por usuários da
Ayahuasca é descrito em vários estudos, visto que a Ayahuasca não causa
dependência aos seus usuários. Outros resultados promissores encontrados
são o abandono do uso de nicotina, cocaína, anfetamina e outros
entorpecentes (SANTOS et. al., 2006).

Meneguetti e Meneguetti (2014) asseguram que além da eliminação


dos vícios, membros das religiões ayahuasqueiras relatam que antes de se
iniciarem na religião tinham comportamento impulsivo, desrespeitoso,
raivoso, agressivo, opositor, rebelde, irresponsável, alienado, fracassado,
entretanto, avaliações de diagnóstico psiquiátrico revelaram que ao iniciarem
o uso da Ayahuasca tais desordens remitiam sem recaídas. Eles afirmam
que desde sua entrada nessa religiosidade xamânica, suas vidas passaram
por mudanças profundas. Além da total descontinuidade do abuso de
psicoativos, os sujeitos enfaticamente afirmaram que sua conduta diária e
orientação para o mundo a sua volta tinham tido radical reestruturação. Os
consumidores apresentaram tendência de menos sintomas de ansiedade e
menor déficit de atenção, além de redução significativa de sintomas
psiquiátricos, melhoria da saúde mental e uma mudança de atitude no
sentido de mais confiança e otimismo.

Pires et. al. (2010) reportam vários usuários regulares de Ayahuasca


com idade aproximada de 80 anos que fizeram uso desde sua adolescência,
e que permaneceram com acuidade mental e vigor físico preservados.
Saúde mental em perfeito estado, inexistência no histórico pessoal de
doenças sérias, aumento do vigor físico e longevidade são observadas em
membros da UDV que usam a Ayahuasca desde a adolescência, o mesmo
também observa-se nos nativos e xamãs do Peru.

Em pesquisa, nota-se que adolescentes que consomem Ayahuasca


na UDV no mínimo mensalmente durante dois anos mostram perfis
75

psiquiátricos e neuropsicológicos normais, ausência de uso problemático de


drogas e desenvolvimento normal de tomadas de decisões (MENEGUETTI e
MENEGUETTI, 2014).

No estudo de Doering Silveira et al. (2005) quarenta adolescentes


usuários da Ayahuasca na UDV e um grupo de quarenta adolescentes
controles foram comparados a partir de vários parâmetros, entre eles, o uso
de substâncias psicoativas diversas ao longo da vida, do ano e do mês
precedentes à realização da pesquisa. Não foram constatadas diferenças
entre os dois grupos no que diz respeito ao uso de substâncias psicoativas
ao longo da vida. No ano precedente à pesquisa, constatou-se um uso
significativamente menor de álcool entre os adolescentes da UDV do que no
grupo controle. O uso de álcool também foi significativamente menor entre
os usuários da Ayahuasca no mês precedente, período no qual os
adolescentes do grupo controle apresentaram uma tendência a um maior
uso de anfetaminas. Na discussão, os autores assinalam que, a despeito de
sua exposição precoce ao consumo de uma substância psicoativa, a Hoasca
ou Vegetal, os adolescentes da UDV não pareciam estar predispostos a uma
maior incidência de abuso de substâncias psicoativas; pelo contrário,
pertencer à organização religiosa pode, possivelmente, argumentam os
autores, oferecer aos adolescentes uma proteção contra o consumo abusivo
de substâncias psicoativas.

Escobar e Roazzi (2010) dissertam que acessos psicológicos e


psiquiátricos de membros do Santo Daime nos Estados Unidos mostraram
resultados que sustentam a segurança da administração da Ayahuasca de
modo ritualizado e sugerem seu potencial psicoterapêutico. Os principais
achados foram a verificação de que 60% dos participantes (n= 32)
apresentaram problemas psiquiátricos no passado, destes oito afirmaram
melhoras a partir da frequência no grupo religioso. Vinte e quatro pessoas
apresentaram problemas de adição de álcool e drogas, destes 22 em
completa abstinência, sendo que cinco destas afirmaram que frequentar o
Santo Daime foi um ponto de partida para o abandono. Os participantes
eram fisicamente saudáveis e as medidas psicológicas revelaram sujeitos
mentalmente saudáveis. A atenção chamada para o processo religioso e a
76

não extrapolação dos resultados para outros tipos de psicodélicos em


condições de abuso é pertinente.

Barbosa e Dalgalarrondo (2003) assinalam algumas mudanças


comportamentais após a primeira experiência com a Ayahuasca em 28
pessoas:

a) Serenidade - Identificaram-se em oito sujeitos (28,6%) atitudes


caracterizadas por maior tranquilidade em relação a aspectos
psicossociais estressantes. Frequentemente, tais atitudes
envolviam a mitigação de conflitos e tensões em relacionamentos
interpessoais. Um sujeito cuja principal queixa no início centrava-se
em dificuldades na vida profissional que geravam intensa
ansiedade relata: “Me sinto muito tranquilo (...) mais aprumado,
tenho dado um tempo muito bom para as coisas que deixaram-me
bem apreensivo (...) Tenho dormido melhor”.
b) Assertividade– Cinco sujeitos (17, 9%) referiram maior
assertividade frente a diversos aspectos psicossociais, envolvendo
menos hesitação e reafirmações da própria vontade: “(...) eu acho
que muitas vezes eu deixava as pessoas fazerem o que queriam,
me agradasse ou não. Eu percebi que eu tô mais determinada. É
sim ou não, é o que eu quero; se não é bom para mim, eu bato o
pé!”.
c) Ânimo/alegria – Quatro sujeitos (14,3%) mencionaram mais ânimo
e alegria: “Estou mais envolvida, mais animada com meus afazeres
profissionais”.
d) Outras mudanças comportamentais mencionadas por dois sujeitos
(7,1%) incluem maior carinho ou atenção dispensada a familiares e
melhor desempenho nas atividades profissionais. Outros dois
sujeitos (7,1%) referiram maior irritação, e um (3,6%), muita
preocupação. Este último sendo o mesmo no qual foi identificada a
reação de extrema angústia durante o efeito da bebida.

Segundo Teles (2016), a Ayahuasca apresenta um efeito significativo


atenuador da desesperança, medida pela Escala de Beck, a qual examina
77

pensamentos e crenças sobre o futuro, perda de motivação e expectativa,


sentimentos ligados à depressão e ao suicídio.

Durante o efeito do chá, o sujeito consegue se ver fora do próprio


corpo e também entra em contato com o que é mais próprio e profundo de
si. Com isso, ele se percebe no mundo e define quem é e quem não é.
Quando desenvolvido o autoconhecimento, o sujeito se percebe e
compreende tudo à sua volta com mais clareza e honestidade. Isso facilita
as atividades diárias, bem como as relações interpessoais. Ele passa a
conhecer melhor as próprias emoções e comportamentos. “Podia
contemplar-me e ao mundo, sintetizando a sensibilidade e a racionalidade
de maneira nunca antes experimentada por mim. [...]”, relata uma jovem de
17 anos sobre sua vivência com a bebida. “Uma voz que me ensinava a
perceber o mundo e a mim mesmo de outra forma. Nesse passeio, meu
pensamento era conduzido por entre uma sucessão de temas filosóficos e
cosmogônicos totalmente desconhecidos por mim” (OLIVEIRA e AMARAL,
2016).

Andrade apud Labate e Araújo (2009) relata que

... o “Eu” do consumidor do chá parece externar-se assim num


testemunho de “boas novas” que se redunda na alegria do
reencontro consigo mesmo. Os adeptos da União do Vegetal se
satisfazem com a sua religião pelo fato de ela lhes responder
questões profundamente existenciais. Esse enriquecimento sai
do âmbito individual para o familiar e, daí, para o social: há
muitos casos em que são resolvidos problemas familiares,
criando maior harmonia no lar, no trabalho e na vida social em
geral, vivendo mais em paz com os outros. Os adeptos afirmam
que os ensinamentos da seita proporcionam-lhes uma melhor
compreensão do viver em comunidade. A seita propicia aos
adeptos, pois, não somente um crescimento interior como,
também, um desenvolvimento destes em termos familiares e
sociais. Conclui-se que a União do Vegetal, ao propiciar aos
homens e mulheres dos grandes centros urbanos uma
experiência singular com reflexos na família e na sociedade,
contribui para a formação da nova consciência religiosa, nos
moldes acima referenciados. Gera-se também uma segurança,
além de psicológica e religiosa, vai mais longe, proporcionando a
formação moral dos participantes, os quais passam a viver de
forma mais responsável, segundo depoimentos unânimes que
recolhemos.

Segundo Charles Grob et al (2009), muitos examinados da União do


Vegetal explicaram como as suas experiências com o ritual de uso da
78

Ayahuasca tiveram um profundo impacto no curso de suas vidas. Para


muitos deles, o ponto crítico foi sua primeira experiência sob a influência do
chá. Um tema comum era a crença percebida durante o estado alterado
induzido de consciência que eles estavam num caminho autodestrutivo que
inevitavelmente os conduziria à sua própria ruína e mesmo morte, a menos
que embarcassem numa mudança radical de sua conduta pessoal e
orientação. Os examinandos enfatizaram a importância de “praticar boas
ações, prestar atenção no que diz e ter respeito pela natureza”. Finalmente,
disseram experimentar melhora na memória e na capacidade de
concentração, estado de humor constante, satisfação nas suas relações do
dia a dia e um sendo de significado e coerência em suas vidas.

Em contraposição, Esobar e Roazzi (2010) assinalam que efeitos pós-


uso negativos também são observados na literatura, com o uso de
substâncias como a Ayahuasca. Dentre os mais divulgados e raros se
encontram as complicações atualmente denominadas psicose persistente
alucinógeno-induzida e distúrbio persistente de percepção alucinogênica,
ambos apresentando persistência de aspectos agudos específicos da
experiência por longos períodos de tempo.

Embora Maurício Osório et al (2007) afirme que a Ayahuasca não


predisponha a sintomas maníacos ou hipomaníacos, em um relato de caso
publicado no Jornal Internacional de Transtornos Bipolares em 2015,
Szmulewicz et al relatam episódio maníaco por 3 meses em paciente
portador de transtorno bipolar após uso prolongado de Ayahuasca por 4 dias
em ritual no Brasil. Os autores acreditam que as propriedades do chá
capazes de inibirem a MAO foram responsáveis pelo desenvolvimento do
episódio maníaco e contraindicam o uso em pacientes com histórico familiar
deste transtorno. Em 1996, Callaway et al já contraindicavam a utilização da
Ayahuasca pelo risco de desenvolver síndrome serotoninérgica.

Mabit (2009) afirma que é possível que através da intensidade do


efeito o consumidor evolua até visões espantosas (bad trip) que, se forem
canalizadas, podem provocar verdadeiros estados de pânico,
acompanhados de turbações de conduta ou desestabilização mental. As
visões negativas, na visão indígena relatada pela autora, podem proceder:
79

a) Do sujeito que não pode fazer frente às suas visões e se enreda


em suas próprias contradições;
b) Das interferências não-controladas entre os participantes na
sessão;
c) Das interferências devidas ao que nos rodeia diretamente
(disposição de lugar, manifestações intempestivas de luzes, ruídos,
odores, presença de certos objetos etc.);
d) Das interferências exteriores atribuídas seja a atos de bruxaria
(inimigos), seja ao espírito de defuntos, de gênios ou de outras
entidades sobrenaturais (cruzaderas);
e) Do próprio cozimento (poção) (em qualidade ou em quantidade).
A autora assinala que o perigo das visões “negativas” é relativo. O
xamã não intervém sistematicamente para suprimi-las, elas podem fazer
parte integral do tratamento e do necessário confronto com a sombra.

Escobar e Roazzi (2010) sugerem que a Ayahuasca não promove


ansiedade, mas que pode ser compreendida, onde sabe-se ou tem-se
aprendido a lidar com a experiência.

A Ayahuasca é essencialmente não-tóxica para os órgãos do corpo e


não produz dependência fisiológica ou comportamentos associados com a
dependência. No entanto, pode produzir forte fascinação em certas pessoas
que tiveram experiências poderosas com a bebida, algo semelhante ao
fascínio desenvolvido por alguns indivíduos, como com a música, questões
intelectualmente interessantes, ou talvez com uma paixão por outra pessoa.
Em todos esses casos, se a fascinação é positiva ou negativa, uma benção,
é responsabilidade de cada indivíduo julgá-la dentro do contexto de sua
própria vida (SANTOS, 2007).

Para Escobar (2012), acredita-se que as mudanças de atitude e


pensamento das pessoas perante a vida após o uso da bebida devem
ocorrer por meios de diversos processos psicológicos. Para o autor, cabe à
ciência cognitiva descrever os processos transformativos que devem ocorrer
nas pessoas, processos estes ainda não identificados ou parcialmente
caracterizados, mas que permeiam entre reestruturações do ego, da
autoconsciência, do self e da vontade (volição). Olhando por um âmbito
80

maior, ele ainda assinala que a Ayahuasca não promove efeitos


psicossociais desastrosos, normalmente encontrada no uso de outras
substâncias de abuso.

Os mecanismos pelos quais a Ayahuasca parece promover uma


melhora do comportamento e abandono de substâncias de abuso ainda
constituem um enigma para a ciência (ESCOBAR e ROAZZI, 2010).

As mirações que são geradas pelo chá são consideradas reais pelo
indivíduo que as observa. Algumas mirações podem consistir como parte da
eficiência nos casos de mudanças de crenças, falhas de caráter, cura dos
vícios (alcoolismo, tabagismo, cocaína) e de reflexões pessoais. Muitos dos
conteúdos das “visões” podem envolver experiências reais do contexto da
vida do indivíduo. Admite-se que a consciência para se manifestar esteja
muito além de um simples determinismo e dependência neurobiológica, pois
a experiência do indivíduo será mediada pela influência cultural que ele
pertencer (set) (SOUZA, 2011).

Meneguetti e Meneguetti (2014) afirmam que será no Sistema Límbico


do Sistema Nervoso Central, o principal centro cerebral de nossas emoções,
que a Ayahuasca poderá, entre outras funções, resultar em ação terapêutica
antidepressiva, causando efeitos benéficos no humor e ansiedade,
reduzindo a ansiedade e levando à motivação social. Contata-se efeitos
benéficos contra o medo da incerteza, à timidez com estranhos, a
preocupação antecipatória, aumento da capacidade de lembrar as palavras
na quinta tentativa, maior número de palavras lembradas, melhor recordação
tardia, melhor recordação de palavras após interferência, aumento da
criatividade, causa melhoras para autismo e desordem de déficit de atenção
por hiperatividade.

A partir dos primeiros traços do efeito do chá, o sujeito percebe um


alargamento da sua consciência, um aumento inicial das faculdades
transracionais, psicoafetivas, emocionais (chamadas “protopáticas”) com
redução simultânea das faculdades racionais, discriminativas e
categorizantes (chamadas “epcríticas”) do seu habitual, permitindo assim
uma ampliação ou transcendência ao seu ego (LABATE, 2009).
81

A visão pode exercer-se no interior dos corpos e das psiques. O único


limite é constituído pela capacidade do próprio sujeito de “ver”. Qualquer que
seja o grau de preparação ou evolução daquele que toma a bebida, a
experiência é sempre imprevisível. O começo dos efeitos pode ser lento,
acelerar-se ou desaparecer em um instante inesperadamente. É
característico constatar que o sujeito refratário a “ver” seus defeitos, dos
quais não se convence pelo que lhe dizem os demais, de repente aceita
como uma evidência as visões claras de sua mediocridade. Estas visões
possuem tal força que se impõem como indiscutíveis. O desaparecimento de
dúvidas sobre questões fundamentais de sua existência contribui para dar-
lhe sentimentos de paz. O sentimento de realidade é tal que manifestações
físicas podem acompanhar a visão, como choro, gritos, gestos de proteção
etc. Depois dos efeitos e das visões, imprime-se mudanças na psique e
comportamento (MABIT apud LABATE e ARAÚJO, 2009).

A visão proveniente da Ayahuasca pode parecer surpreendente,


formidável, até incompreensível, mas nunca se percebe como incoerente e
caótica”, relata Louise Mckenna (2009).

Para Luna (2009), a visão se manifesta do mesmo modo que um


insight. Ela é capaz de modificar a existência diária do sujeito, seu caráter,
seu ânimo, sua conduta. E isto pode ocorrer mesmo que ele próprio não
tenha identificado de maneira clara o sentido de suas visões. A manifestação
mais evidente após os rituais com Ayahuasca é a capacidade frequente do
paciente de tomar decisões latentes desde há muito tempo para modificar
sua vida (orientação profissional, ruptura de relações, mudança de modo de
vida etc.). Para a autora, há grande utilidade considerar a experiência da
Ayahuasca com o enfoque de uma vivência “transpessoal” e confrontar esta
vivência com a descrita pelas experiências de transpessoalização
voluntárias ou fortuitas. Mesmo após inúmeras sessões tomando a bebida e
vivenciando suas visões, seus consumidores ainda permanecem com
conhecimentos à um nível muito elementar.

Em depoimentos coletados por Santos (2007), observou-se que


membros de religiões ayahuasqueiras que consomem a bebida há várias
décadas não aumentam a dose de chá ingerido, pelo contrário. Alguns
82

entrevistados afirmaram que os consumidores mais velhos ingerem cada vez


menores quantidades de Ayahuasca e ainda assim continuam a
experimentar seus efeitos peculiares.

4.10 FUNÇÕES TERAPÊUTICAS DA AYAHUASCA

Santos (2004) relata que no início da década de 90, dezenas de


pesquisadores de várias partes do mundo (EUA, Finlândia, Brasil) reuniram-
se em Manaus para estudar, cientificamente, a Ayahuasca e seus mais
diversos aspectos. Deste estudo (Hoasca Project) surgiram alguns artigos
científicos, afirmando a inofensividade para a saúde da referida bebida:

a) Diagnósticos psiquiátricos: inexistência de distúrbios psiquiátricos,


inclusive os que caracterizam “vício” (abstinência, tolerância,
comportamento de abuso e perda social);
b) Avaliação neurológica: maior poder de concentração e melhor
resposta de memória auditiva imediata que os indivíduos do grupo
controle (que nunca ingeriram a Ayahuasca);
c) Análise da personalidade: os indivíduos experimentais tendiam a
ser pessoas mais seguras, calmas, dispostas, alegres,
emocionalmente maduras, ordeiras, persistentes e confiantes em si
mesmas em relação aos indivíduos do grupo controle;
d) Ayahuasca X Serotonina: foi encontrado um aumento dos
receptores plaquetários de serotonina nos indivíduos da UDV em
relação aos controles, o que neste caso, não pode ser mal
interpretado como sendo uma indicação de patologia neurológica
e/ou psiquiátrica e sim, ao contrário, devido ao melhor nível de
humor encontrado entre os membros da UDV que participaram do
estudo, apontando um possível efeito antidepressivo no chá;
e) Efeitos fisiológicos: não foram evidenciadas diferenças
estatisticamente significantes na contagem de células vermelhas
(eritrograma) e células brancas (leucograma), e também nos níveis
séricos de: creatinina, fosfatase alcalina, colesterol total e fração
83

HDL, transaminase glutâmicooxalacéticos (TGO), transaminase


glutâmico-pirúvica (TGP), bilirrubina total e frações, sódio, potássio
e cálcio;
f) Efeitos neuroendócrinos: todas as medidas avaliadas tiveram
aumentos, quando comparados aos níveis basais dos voluntários
(hormônio do crescimento, prolactina e cortisol). O hormônio do
crescimento e a prolactina tiveram aumentos entre 90 e 120
minutos respectivamente, e voltaram aos níveis basais após 6
horas;
g) Efeitos autonômicos: diâmetro da pupila, frequência respiratória e
temperatura oral foram medidos, e, em todos os casos, sofreram
um aumento. A frequência respiratória e a temperatura oral
sofreram um leve aumento, levando-se em conta que o ambiente
onde foram realizados os testes também sofreu um aumento de
temperatura. Em outro estudo, é sugerida uma estimulação
adrenérgica, ou simpática, na primeira hora e meia após ingestão
do chá, após este período é observada uma resposta tipo
parassimpática, ou repouso, com decréscimo da frequência
cardíaca, pressão arterial sistólica e diastólica e frequência
respiratória.
h) Efeitos cardiovasculares e excreção de metabólitos de
monoaminas: os efeitos subjetivos tiveram um pico entre 1 hora e
meia e 2 horas; a pressão diastólica sofreu um aumento
significativo (9 mmHg aos 75 minutos) enquanto a pressão sistólica
e a frequência cardíaca foram moderadamente ou não
significamente aumentadas, respectivamente; a maior
concentração de dimetiltriptamina (DMT) coincidiu com o pico dos
efeitos subjetivos;
i) Efeitos na atividade elétrica regional no cérebro - Tomografia
Eletromagnética: foi notado que, nas doses usadas no
experimento, a Ayahuasca não induziu sintomas psicóticos plenos
e nenhum dos participantes perdeu a consciência de que os efeitos
psicológicos experimentados eram induzidos pela Ayahuasca; o
decréscimo em algumas ondas cerebrais de baixa atividade (delta
84

e theta) apresentado é semelhante aos produzidos por


psicoestimulantes não puros , como o LSD; o presente estudo
sugere o envolvimento de estruturas paralímbicas (emoção e
memória), límbicas e do córtex; os efeitos na percepção e cognição
foram considerados positivos e prazerosos pelos voluntários, em
contraste com o aspecto esquizofrenizante (pensamentos
paranóicos, medo de perder o controle, etc) reportado em estudos
com outros enteógenos, como a psilocibina, quando esta foi dada a
sujeitos que nunca tiveram contato com este tipo de substâncias.

Motta (2013) afirma que há um crescente interesse na aplicação


médica da Ayahuasca incluindo suas propriedades antioxidantes,
antimutagênicas e antigenotóxicas. Existem sugestões dos efeitos
psicoterapêuticos para depressão grave. Um potencial terapêutico
bioquímico ocorre, já que há uma regulação do número de recaptação de
serotonina em plaquetas sanguíneas. O uso regular e em longo prazo do
chá resulta na modulação da serotonina. Os transportadores de serotonina
são significativamente elevados nos usuários do chá de Ayahuasca,
existindo a especulação que o uso da infusão possa reverter os déficits de
serotonina e assim controlar essas doenças além de promover positivas
mudanças comportamentais, tanto em depressão como em vícios de drogas,
por exemplo, como também dito por Escobar (2011).

A Ayahuasca tem a capacidade de modular a expressão dos genes


de transporte de serotonina e o aumento desse gene de transporte pode ter
efeitos imunomodulatórios significantes (MENEGUETTI e MENEGUETTI,
2014).

Para Escobar e Roazzi (2010), os efeitos antidepressivos são dados


pelo efeito das beta-carolinas presentes no chá, provenientes da
Banisteriopsis Caapi.

Um estudo conduzido por Santos et al. (2007), além de investigar o


papel positivo do referido chá na depressão, também relatou a positividade
85

do uso no estado de ansiedade e pânico. Relatara-se melhora na saúde


física e mental além das relações interpessoais no trabalho e na família.
Muitos medicamentos prescritos, eficazes ansiolíticos, importantes no
tratamento antidepressivo e antipânico atuam exatamente inibindo a
recaptação de serotonina, mesmo mecanismo do chá.

O chá pode ser uma ferramenta terapêutica que permite a exposição


segura para eventos emocionais, como no tratamento de distúrbios do
impulso, da personalidade, no abuso de substâncias e também no
tratamento do estresse pós-traumático (TELES, 2016).

Escobar (2012) também cita a eficácia do chá no tratamento de


transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e na esquizofrenia.

Segundo Goulart (2009) “O poder terapêutico do Daime está ligado à


transformação moral citada, referindo-se a um fenômeno muito mais amplo
do que uma cura puramente orgânica.”

Estudos clínicos mostram que a inibição da MAO pela harmina e


harmalina proporcionam proteção contra a neurodegeneração, tendo um
grande potencial como ação terapêutica para o tratamento da doença de
Parkinson. O estresse oxidativo induzido tem sido fortemente associado com
a patogênese de doenças neurodegenerativas, incluindo a doença de
Alzheimer. Além disso, sugere-se que o extrato padronizado de
Banisteriopsis caapi com composição atribuído de marcadores pode ser útil
para essas doenças neurodegenerativas devido ao efeito combinado de
proantocianidinas e beta-carbolina alcaloides (MENEGUETTI e
MENEGUETTI, 2014).

Segundo Motta (2013), o primeiro estudo sobre as propriedades


terapêuticas dos componentes da Ayahuasca foi realizado em 1928 pelo
neurologista Kurt Bheringer, que testava o extrato do cipó mariri no
tratamento da doença de Parkinson. A doença é causada pela perda de
neurônios, que uma vez danificados param de produzir neurotransmissores
(dopamina) e comprometem a capacidade do cérebro de controlar os
movimentos. Ainda não se sabe ao certo o que danifica esses neurônios em
pacientes com Parkinson, mais sabe-se que os radicais livres tem essa
86

função. Sendo assim, antioxidantes, agonistas de dopamina ou inibidores da


MAO podem atuar fornecendo proteção contra a neurodegeneração, tendo
importante papel no tratamento da doença. Um estudo conduzido por
Serrano-Dueñas et al. (2001), utilizou Banisteriopsis caapi em pacientes com
doença de Parkinson e obteve melhora significativa na função motora,
sugerindo assim a utilização desta planta no tratamento desses pacientes.

Godois (2016) assinala que a Ayahuasca é capaz de aliviar os


sintomas de perturbações neurológicas em pacientes que sofrem de
Parkinson.

Uma das principais ações fisioimunológicas da Ayahuasca é o


aumento das células natural killers (NK) que estão diretamente envolvidas
no combate a parasitas e células cancerígenas. Há relatos de remissão de
cânceres e outros problemas sérios, através do uso regular do chá, sendo
observada também redução significativa na dor física durante o período da
doença instalada e manifestada (MENEGUETTI e MENEGUETTI, 2014).

O aumento nas células natural killers (NK) pode explicar o uso da


Ayahuasca na etnomedicina mestiça em florestas de áreas de risco,
como importante profilático diante de graves doenças parasitárias
tropicais, demonstrando sua ação antiparasitária, profilática e
antimicrobiológica. Os alcaloides do chá agem contra infestações
gastrointestinais ocasionados por vários agentes patogênicos, conforme
podemos observar abaixo:

a) Significante ação anti-tripanosomal, contra o Trypanosoma lewisii,


que tem a capacidade de infectar primatas. Em ratos e
camundongos experimentalmente infectados, foram encontrados
exemplares parasitando os rins, fígado, baço e coração
b) Efeitos contra o Trypanosoma cruzi também foram notificados. Este
é o agente etiológico da Tripanossomíase Americana conhecida
popularmente como doença de Chagas.
c) Combate o Plasmodium sp, um dos agentes etiológico da malária
87

d) Ação contra Leishmania sp, agente etiológico da Leishmaniose.


Alguns autores acreditam que é devido ao uso desse chá que
indígenas não se infectam por esse parasita.
e) Efeitos contra Toxoplasma gondii, agente etiológico da
Toxoplasmose, que tem entre provoca meningoencefalite e
miocardite congênitas.
f) Ação profilática contra amebíase e giardíase, que provocam
alterações e incômodos gastrointestinais.
g) Combate e tem ação profilática contra doenças parasitárias
helmínticas, em especial Ascaridíase e Teníase.
h) O extrato etanólico de Banisteriopsis caapi tem ação antibacteriana
contra Escherichia coli e Staphylococcus.
i) Há também relatos de combate a infecções por vários tipos de
vírus.
Luna apud Labate e Araújo (2009) relata que segundo a tradição
indígena
... uma flor em forma de orelha, como ocorre a Psychotria
poepegiana, indicaria um uso medicinal para curar doenças
desse órgão, uma raiz assemelhando um pênis, como na
palmeira chonta (Euterpia edulis), ou possuindo uma grande
dureza, como uma série de raízes utilizadas por vegetalistas
ribeirinhos peruanos, poderia indicar sua natureza afrodisíaca ou
revitalizadora, ou a casca sempre renovada do mulateiro
(Calycophyllum spruceanum), apontaria em direção a um uso
para o rejuvenescimento da pele.

A Ayahuasca pode ser utilizada, ainda em pequenas doses diárias


como tratamento de algumas moléstias, febres, dores de cabeça, diarreias,
pois considera-se que se a pessoa precisa de limpeza, assim, o chá faz com
que evacue e vomite e, em caso de vômitos e de diarreias, o chá estanca-
os. Além disso, é usado em ferimentos ou queimaduras, apresentando,
segundo os testemunhos, notável poder cicatrizante. Na Doutrina Daimista,
Mestre Irineu aconselhava que se tomasse uma colher de chá de Ayahuasca
todos os dias em jejum, para prevenir doenças. Relata-se também que o chá
é usado como proteção e também como facilitador no parto de mulheres
grávidas. Muitas vezes realizados em casa ou em hospitais, aconselha-se
que tomem o chá, o que assim fazem. As crianças ao nascerem recebem
88

uma gota do chá em sua boca, podendo ainda continuar a recebê-lo ao


longo da vida de acordo com a decisão dos pais (CEMIN, 2009).

Existem atualmente dois principais centros de tratamento para a


dependência que utilizam a Ayahuasca, e que vem atraindo Norte
Americanos e Europeus para a Amazônia para participarem de cerimônias
para se libertar dessas dependências: o Takiwasi, em Tarapoto, no Peru, e o
Instituto de Etnopsicologia Amazônica Aplicada (Ideaa), localizado à beira do
igarapé Prato Raso. Curandeiros locais, médicos, psicólogos e terapeutas
exploram os potenciais curativos das terapias ocidentais juntamente com
técnicas oriundas das terapias tradicionais amazônicas, utilizando a
Ayahuasca, plantas eméticas (que provocam vômito), dietas (isolamento na
floresta com jejum especial e ingestão de plantas diversas), “sopradas”
(assoprar com fumaça de tabaco ou perfumes), “chupadas” (retirar o
elemento patogênico), entretidos em uma vida comunitária, atividades
manuais e artísticas e psicoterapia (MENEGUETTI e MENEGUETTI, 2014).

Segundo Labate et al (2008), outro exemplo de centro onde há uma


busca por tratamentos alternativos para o problema da dependência é o
grupo neo-ayahuasqueiro urbano Associação Beneficente Luz de Salomão
(Ablusa), liderado pelo psiquiatra Wilson Gonzaga, em Mogi das Cruzes
(SP). A Ablusa é uma organização religiosa que, embora independente e
com particularidades próprias, mantém rituais semelhantes aos da UDV.
Esse grupo tem por objetivo auxiliar moradores de rua na recuperação de
suas dependências e na reintegração à vida social. Isto se dá através de
sessões com o chá, bem como da distribuição de refeições gratuitas em uma
casa no bairro da Barra Funda, na cidade de São Paulo (SP), realizando-se
terapias grupais e encontros de oração semanais. A abordagem terapêutica
da Ablusa foi descrita por Marcelo Mercante como uma “terapia de choque e
amizade”.

Para Araújo (2009), o choque é realizado pelas sessões com a


Ayahuasca, quando os participantes têm a chance de refletir sobre a
situação em que se encontram, com o objetivo de promover uma troca de
hábitos e finalmente o abandono da rua. Após o “choque”, o participante
entra no círculo de “amizade” do grupo. O apoio coletivo cria uma sensação
89

de conforto e bem-estar, o que por sua vez é capaz de engendrar novas


relações interpessoais, quando o sujeito passa a reaprender a se relacionar
consigo mesmo e com os demais. O pertencimento a uma comunidade
religiosa ou grupo terapêutico que utiliza a Ayahuasca com uma
periodicidade regular pode potencialmente atuar como uma eficaz forma de
terapia.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO

A Ayahuasca é o chá resultante da decocção do cipó Jagube


(Banisteriopsis caapi) e da folha Chacrona (Psychotria Viridis). O uso do chá
se origina na cultura indígena, resguardada por mitologia antiga e todo o
meio de consumo dos nativos. Buscada em sua naturalidade, a Ayahuasca
chega até a sociedade do homem branco, originando religiões, denominadas
ayahuasqueiras, e criando o enfoque legal e científico a respeito deste chá.

Com um constante crescimento do número de consumidores de


Ayahuasca, adentrados em meio religioso atuais juntamente com os novos
90

conhecimentos e estudos a respeito das tradições indígenas, vê-se como


necessário o estudo da Ayahuasca afim de desmistificar seu uso,
preparação, funcionamento e funções terapêuticas da bebida, respondendo,
também, às questões legais e midiáticas envoltas.

As substâncias psicodélicas são ferramentas rápidas, capazes de


promover alteração da consciência, permitindo ao homem explorar-se e
explorar o mundo, retirando conhecimentos, força e luz, que permitem a
evolução material e espiritual, atuando também como modo de orientação da
conduta diária, além de todas as ações medicinais presentes na composição
da bebida.

A alteração da consciência por substâncias psicodélicas consiste em


uma técnica bastante desenvolvida e conhecida pelo homem, ao longo de
milhares de anos, culminante na contemporaneidade como técnica acessível
ao homem urbano mediante um grande número de contextos religiosos que
delas se utilizam.

O médico antroposófico Antônio José Marques afirma a eficiência


medicinal da Ayahuasca e sua necessidade como recurso na terapia
psiquiátrica, ajudando casos em que a alma fica “à deriva”, como estados de
pânico e depressão. Para ele, a Ayahuasca em dosagem terapêutica, auxilia
o no encaixe do corpo com a alma, representando processos de conexão do
metabolismo com o espírito.

Conclui-se que a Ayahuasca apresenta efeitos sociológicos benéficos


atrelados a mudança da conduta individual de seus consumidores. A bebida
provoca efeitos biológicos salutíferos propícios para uma melhoria de saúde
mental, psicológica, psiquiátrica e substancial rica. Em contemplação ao
meio social, o consumo do chá provoca uma expansão cultural somando
principalmente erudição indígena no meio urbano.

O uso da Ayahuasca data mais de 2500 anos, porém não existem


concepções concretas da criação desse chá e seu consumo originário. Em
meio a um cenário amazônico, a Ayahuasca engenha grande traços
culturais, agregada de mitos, cânticos e abrangente ritualística. Os primeiros
contatos de homens urbanos com indígenas ayahuasqueiros, datado na
91

primeira metade do século IXX, ocasionado principalmente pelos Ciclos da


Borracha na Amazônia, são os principais fatores culminantes do surgimento
das religiões consumidores de Ayahuasca no âmbito social brasileiro efetivo
até a atualidade.

O encargo legal acerca do chá Ayahuasca engloba pontos favoráveis


de avaliação e critério para os consumidores do chá, tais como
credenciamentos básicos para as instituições e seus consumidores,
considerações anteriores a respeito da saúde mental dos novos
participantes e tópicos que visam equilíbrio nos meios para com o meio
ambiente, sociedade e relações comerciais.
A ingestão da Ayahuasca motiva funções terapêuticas no equilíbrio da
saúda humana, abrangendo ações em níveis patológicos psicológicos e
psiquiátricos principalmente, entretanto somando proveito em campos como
Doença de Alzheimer, Parkinson, Doença de Chagas, Leishmaniose e tantas
outras ações benéficas ao corpo humano.
Este trabalho cumpriu todos os objetivos traçados, respondendo às
questões levantadas pelo pesquisador em relação ao consumo humano da
Ayahuasca.

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